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Contocrônicas, umas Tantas - KBR Editora Digital

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<strong>Contocrônicas</strong>, <strong>umas</strong> tantas<br />

Ele chegou meia hora antes, como sempre, encontrando<br />

o salão de estar do Crematório do Caju bastante cheio; muitos<br />

óculos escuros — que é para quem não chora dar a impressão de<br />

que chorou —, pessoas trocando condolências, outros desi ando<br />

coni dências, mão no ombro, palavras ao pé do ouvido e outros<br />

tantos, não se sabe bem o motivo, às vezes gargalhando: um típico<br />

velório. Na sala da capela, palidamente iluminada, um caixão<br />

sobre a esteira rolante que o levaria ao forno, ladeado por coroas<br />

de l ores saudosas e alg<strong>umas</strong> pessoas, não muitas, pouca conversa<br />

e mais óculos escuros.<br />

Ela chegou meia hora depois, como sempre, mas tudo estava<br />

atrasado mesmo, ela sempre contava com isso: prontos pêsames<br />

e solidariedade aos parentes identii cáveis — e aos estranhos<br />

também, quem sabe... — na sala de espera. Viu o marido, abriu<br />

um sorriso, pegou-o pela mão, desmontou o sorriso e o arrastou,<br />

apressada, para a capela. Enquanto ele se dirigia, curioso, à coroa<br />

maior, do lado direito, ela, célere, visava o caixão. Rápido, quase<br />

num pulo, o marido pega-lhe o braço e, delicadamente, mas com<br />

determinação, a arrasta para fora, sussurrando:<br />

— Disfarça que o falecido não é esse. O nosso vem depois.<br />

— Jura?<br />

— Com certeza, vi a coroa. Te salvei de um mico do tamanho<br />

de um orangotango, minha cara.<br />

— Tá bem, olha lá a irmã dele, não é? Vamos falar com ela.<br />

— Aquela é a velha babá, mas tudo bem, deve estar mais<br />

triste do que a irmã, uma chata de galocha!<br />

Já estavam estendendo a mão para o ritual de condolências<br />

quando perceberam que o salão se esvaziara, enquanto a capela,<br />

ao contrário, estava cheia de gente, uma grande movimentação:<br />

os presentes à cerimônia haviam mudado — todos, embora não<br />

parecesse, pela postura, murmúrios, prantos e óculos escuros.<br />

— Tenho cinco minutos, não vou poder esperar mais. Você<br />

i ca, me representa e a gente se vê à noite.<br />

Ato contínuo, se precipitou para dentro da capela na tentativa<br />

de chegar junto ao caixão — coberto com a bandeira do<br />

Flamengo, do qual o morto fora sócio benemérito e torcedor fa-<br />

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