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Os anos JK, otimismo e esperança - Memorial do Rio Grande do Sul

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Caderno de História, nº 12<br />

<strong>Memorial</strong> <strong>do</strong> <strong>Rio</strong> <strong>Grande</strong> <strong>do</strong> <strong>Sul</strong><br />

Voltaire Schilling<br />

<strong>Os</strong> <strong>anos</strong> <strong>JK</strong>, <strong>otimismo</strong> e<br />

<strong>esperança</strong><br />

Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> RS – Germano Rigotto<br />

Secretaria de Esta<strong>do</strong> da Cultura – Roque Jacoby<br />

<strong>Memorial</strong> <strong>do</strong> RS – Luis Alberto Gusmão


O Brasil às vésperas de <strong>JK</strong><br />

O país, na metade da década de 50, era ainda uma imensa fazenda,<br />

viven<strong>do</strong> da exportação de café, de algodão, de açúcar, de tabaco, de couros e<br />

de cacau, e da importação de manufatura<strong>do</strong>s. Desde a revolução de 1930,<br />

Getúlio Vargas, sempre ampara<strong>do</strong> num esta<strong>do</strong> forte, vinha, aos poucos,<br />

mudan<strong>do</strong> o perfil econômico <strong>do</strong> país, investin<strong>do</strong> em siderurgia e, depois, no<br />

seu segun<strong>do</strong> mandato (1951-54), na Petrobrás, visan<strong>do</strong> alcançar a maior<br />

autonomia econômica possível. Em 24 de agosto de 1954 deu-se, porém, a<br />

grande tragédia. Acossa<strong>do</strong> violentamente por seus inimigos políticos, Getúlio<br />

Vargas suici<strong>do</strong>u-se no Palácio <strong>do</strong> Catete. O Brasil, em choque, foi toma<strong>do</strong> de<br />

fúria e, em meio às lágrimas, a multidão impediu que um golpe fizesse<br />

desaparecer, naquela ocasião, o regime democrático. A muito custo, a ordem<br />

constitucional foi mantida e, nas eleições de outubro de 1955, Juscelino<br />

Kubitschek de Oliveira, ex-governa<strong>do</strong>r de Minas Gerais, chefe da coligação<br />

PSD-PTB, foi eleito por uma apertada margem de votos (3.077.411, ou<br />

33,8% <strong>do</strong>s sufrágios), fato que deu margem para que a oposição udenista (da<br />

UDN, parti<strong>do</strong> conserva<strong>do</strong>r anti-getulista) iniciasse manobras para tentar<br />

impedir a posse <strong>do</strong> novo presidente. Esta situação somente foi resolvida por<br />

um golpe militar preventivo – a Novembrada - desencadea<strong>do</strong> em 11 de<br />

novembro de 1955; lidera<strong>do</strong> pelo General Henrique Teixeira Lott, Ministro da<br />

Guerra, homem-forte que, desde aquela ocasião, garantiu a normalidade<br />

constitucional <strong>do</strong>s cinco <strong>anos</strong> de governo Kubitschek.<br />

O Plano de Metas<br />

Empossa<strong>do</strong> no dia 31 de janeiro de 1956, Juscelino, quase que de<br />

imediato, em fevereiro mesmo, resolveu apresentar à nação o seu Plano de<br />

Metas. Tratava-se de um ambicioso projeto de transformar o Brasil numa<br />

nação industrializada no mais breve tempo possível, justifican<strong>do</strong>, assim, a sua<br />

promessa de campanha de fazer “50 <strong>anos</strong> em 5”. Esta decisão vinha de<br />

tempos, desde que Juscelino, deputa<strong>do</strong> federal, visitara os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s em<br />

1948. Sentiu lá, com seus próprios olhos, que o Brasil não poderia mais<br />

continuar sen<strong>do</strong> somente um país agrícola, fazen<strong>do</strong> de tu<strong>do</strong> para mudar a sua<br />

face. A nação que ele her<strong>do</strong>u era extremamente pobre. Em 1950, 10 milhões<br />

de brasileiros dedicavam-se à agropecuária, atividade da qual outros mais 20<br />

milhões dependiam. Na cidade, ativos no comércio, nos serviços e na<br />

indústria, concentravam-se ainda 21 milhões, receben<strong>do</strong> salários baixíssimos.<br />

Tu<strong>do</strong> isso fazia com que 60% da população vivesse no campo e somente 40%


nas áreas urbanas. O Produto Bruto Nacional não ultrapassava 7 bilhões de<br />

dólares e a renda per capita era de apenas U$ 137 dólares. Logo, o projeto<br />

desenvolvimentista que ele abraçou visava alterar aquele esta<strong>do</strong> de coisas,<br />

afinan<strong>do</strong>-se, assim, com a elite intelectual de sociólogos e economistas que se<br />

concentravam no ISEB (Instituto Superior de Estu<strong>do</strong>s Brasileiros) e que, num<br />

cenário marca<strong>do</strong> pela descolonização <strong>do</strong>s povos <strong>do</strong> Terceiro Mun<strong>do</strong>,<br />

defendiam um desenvolvimento autônomo para o país.<br />

As 31 metas<br />

Energia<br />

(metas de 1 a 5)<br />

Energia elétrica, nuclear, carvão, produção e refino de petróleo.<br />

Transportes Reativar estradas de ferro, estradas de rodagem, portos, barragens,<br />

(metas de 2 a 12) marinha mercante e aviação.<br />

Alimentação Trigo, armazenagem e silos, frigoríficos, mata<strong>do</strong>uros, tecnologia no<br />

(metas de 13 a 18) campo e fertilizantes.<br />

Indústrias de base<br />

(metas 19 a 29)<br />

Alumínio, metais não ferrosos, álcalis, papel e celulose, borracha,<br />

exportação de ferro, industria de automóveis e construção naval,<br />

maquinas pesadas e material elétrico.<br />

Educação Expansão <strong>do</strong> ensino primário, com ênfase na ciência e na tecnologia<br />

(meta 30) no que toca ao ensino superior.<br />

Brasília (meta 31) Construção de uma nova capital no Planalto Central, a meta-síntese.<br />

Parti<strong>do</strong>s, militares e interesses<br />

O Plano de Metas, concentran<strong>do</strong> recursos internos e externos, fez por<br />

merecer a aprovação <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s de sustentação <strong>do</strong> governo, tanto o PTB<br />

como o PSD. A <strong>do</strong> PTB devi<strong>do</strong> a que a expansão da indústria ajudaria os<br />

trabalha<strong>do</strong>res, dan<strong>do</strong>-lhes emprego e melhores salários, reforçan<strong>do</strong>-lhes a<br />

posição na sociedade por intermédio <strong>do</strong>s sindicatos. O PSD, especialmente a<br />

facção composta pela burguesia industrial, via na politica juscelinista a<br />

ampliação <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> e da abertura de novas oportunidades, enquanto os<br />

militares entendiam que o crescimento geral <strong>do</strong> parque fabril reforçaria o<br />

poder econômico nacional e, por conseguinte, o das Forças Armadas. A<br />

oposição udenista, naquelas circunstâncias, reservou-se a função de denunciar<br />

“a corrupção” e os gastos excessivos, inflacionários, que tal programa<br />

implicava.


A geografia de Juscelino<br />

<strong>Os</strong> impressionantes recursos mobiliza<strong>do</strong>s pelo presidente Juscelino,<br />

empréstimos, incentivos, etc., tiveram três destinos geográficos bem precisos.<br />

Aqueles que estimulavam a implantação de fábricas, particularmente as<br />

monta<strong>do</strong>ras de automóveis (todas elas comprometidas em nacionalizar o mais<br />

breve possível as autopeças e outras matérias primas), foram canaliza<strong>do</strong>s para<br />

o ABC, no Esta<strong>do</strong> de São Paulo, devi<strong>do</strong> a sua tradição industrial e volume <strong>do</strong><br />

seu merca<strong>do</strong>, o maior <strong>do</strong> Brasil. Para Brasília, construída no Planalto Central,<br />

no Esta<strong>do</strong> de Goiás, foram as inversões para a construção das grandes obras<br />

<strong>do</strong> governo e, por fim, com a criação da SUDENE (Superintendência <strong>do</strong><br />

Desenvolvimento <strong>do</strong> Nordeste), em 1959, deslocaram-se os recursos para<br />

fomentar e diversificar a produção da região. No total , mais de 400 empresas<br />

e corporações multinacionais instalaram-se no Brasil naquela época. Ficaram<br />

de fora da geografia juscelinista, os esta<strong>do</strong>s situa<strong>do</strong>s mais ao extremo, o <strong>Rio</strong><br />

<strong>Grande</strong> <strong>do</strong> <strong>Sul</strong> e os da Amazônia<br />

II - Juscelino, <strong>do</strong>man<strong>do</strong> o Sertão<br />

O ano de 1956 foi extremamente importante na história política e<br />

cultural brasileira. Naquela ocasião, o mineiro Juscelino Kubitschek,<br />

presidente <strong>do</strong> Brasil, deu início a sua espetacular empreitada de construir, no<br />

Planalto Central, uma nova capital – Brasília. Enquanto isto, seu conterrâneo,<br />

médico como Juscelino, o escritor e diplomata João Guimarães Rosa, trazia a<br />

público a sua monumental narrativa <strong>Grande</strong> Sertão, veredas, celebran<strong>do</strong><br />

literariamente o mun<strong>do</strong> arcaico que Juscelino começaria em breve a pôr<br />

abaixo.<br />

Juscelino e Guimarães Rosa<br />

“...não deixavam o Miguilim parar quieto. Tinha de ou debulhar<br />

milho no paiol, capinar canteiro de horta, buscar cavalo no pasto, tirar cisco<br />

nas grades de madeira <strong>do</strong> rego. Mas Miguilim queria trabalhar, mesmo. O<br />

que ele tinha pensa<strong>do</strong>, agora, era que devia copiar de ser igual como o Dito.<br />

Guimarães Rosa- Manuelzão e Miguilim. 1956.


<strong>Os</strong> <strong>do</strong>is eram rapazes <strong>do</strong> interior de Minas Gerais. Um deles nascera em<br />

Diamantina, em 12 de setembro de 1902; o outro, em Cordisburgo, em 27 de<br />

junho de 1908, e vieram cursar a mesma Faculdade de Medicina em Belo<br />

Horizonte. Tornaram-se colegas. Juscelino Kubitschek de Oliveira ganhou o<br />

canu<strong>do</strong> e o anel em 1927; João Guimarães Rosa, graduou-se mais tarde, em<br />

1930. Engajaram-se em revoluções. Não para matar, mas para salvar vidas.<br />

Juscelino embarcou numa coluna na Revolução de 1930, Guimarães Rosa, por<br />

sua vez, alistou-se como voluntário para participar contra a Constitucionalista<br />

de 1932, a revolta paulista. Eram vocaciona<strong>do</strong>s para o serviço público.<br />

Juscelino abrigou-se nas asas de Benedito Valadares, o <strong>Grande</strong> Chefe Joca<br />

Ramiro dele, tornan<strong>do</strong>-se deputa<strong>do</strong> e depois prefeito de Belo Horizonte (entre<br />

1940-45).<br />

Guimarães Rosa, ao seu tempo, um caipirão muito culto, grande<br />

cabeça, ingressava no Itamaraty para ser diplomata. Foi ver o mun<strong>do</strong>.<br />

Mandaram-no para Hamburgo, Bogotá e Paris. E, de volta, a Paris. Mas o<br />

sertão - a imagem <strong>do</strong> pequizeiro e <strong>do</strong> jatobá, a beleza <strong>do</strong> ipê-amarelo, o rio<br />

vadio e vistoso - nunca saía de dentro dele. Voltan<strong>do</strong> por uns tempos ao<br />

Brasil, o <strong>do</strong>utor, partin<strong>do</strong> de sua terra, foi desbravar o interior de Minas<br />

Gerais e o <strong>do</strong> Mato Grosso. Acreditou que podia preservar aquele mun<strong>do</strong> com<br />

sua pena. Faltava àquela gente, o mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s matutos, <strong>do</strong>s trabucos e das<br />

traições, o seu Homero. Guimarães Rosa assinava-se, então, como Vaqueiro<br />

Mariano.<br />

Juscelino, ao contrário, ao conhecer os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s em viagem em<br />

1948, regressou com outra cabeça. Evidentemente que, político hábil, nunca<br />

acusou publicamente a mudança de sua mentalidade. No Brasil dele, veio<br />

convicto, não haveria mais lugar para o sertão. O negócio era pôr eletricidade,<br />

era fábrica de carro e montar em trator. Logo que eleito presidente, no dia 18<br />

de abril de 1956, numa curta passagem por Anápolis, em Goiás, no aeroporto<br />

da cidade mesmo, assinou às pressas a transferência da capital para o Planalto<br />

Central. Brasília iria começar a ser erguida bem no meio <strong>do</strong> sertão, no coração<br />

ama<strong>do</strong> de <strong>Rio</strong>bal<strong>do</strong>, o personagem de <strong>Grande</strong> Sertão; veredas, livro que<br />

Guimarães Rosa lançava naquele mesmo ano.


<strong>Rio</strong>bal<strong>do</strong> e Bernar<strong>do</strong> Sayão<br />

Era naquela vastíssima região situada no coração <strong>do</strong> Brasil, um mun<strong>do</strong><br />

em si mesmo, impenetrável império de matos e brenhas que cobriam as terras<br />

sem-fim <strong>do</strong> norte de Minas, in<strong>do</strong> até o sul da Bahia, passan<strong>do</strong> pelos cerra<strong>do</strong>s<br />

de Goiás, que os <strong>do</strong> ban<strong>do</strong> <strong>do</strong> Urutu-Branco, <strong>do</strong>s jagunços <strong>Rio</strong>bal<strong>do</strong> e<br />

Dia<strong>do</strong>rim, atuavam em busca <strong>do</strong> famigera<strong>do</strong> bandidão Hermógenes, homem<br />

mau, agente <strong>do</strong> Tinhoso, para se vingar daquele judas.<br />

Exatamente era ali o espaço bárbaro e arcaico que Juscelino estava<br />

disposto a fazer sumir. Não com disparos, que não era seu jeito, mas com<br />

estradas, de cimento e de asfalto, com escavadeiras, caminhões e postes de<br />

luz.<br />

Para tal tarefa de Hércules, de abrir a muque e a golpe de facão as<br />

portas <strong>do</strong> sertão brasileiro, ele convocou, entre tantos, um gigante, o<br />

engenheiro Bernar<strong>do</strong> Sayão, um homenzarrão. Colocou-o na Novacap - o<br />

esta<strong>do</strong>-maior que ergueria Brasília - poderoso como o Zé Bebelo de<br />

Guimarães Rosa, um coronelão que fazia e acontecia. Tão imenso era o<br />

Bernar<strong>do</strong> que foi preciso uma enorme árvore cair sobre ele para matá-lo<br />

quan<strong>do</strong> ele assombrava o Brasil, abrin<strong>do</strong>, a golpe de facão, serra e macha<strong>do</strong> a<br />

estrada para Belém, em 1959, estrada essa que foi as Veredas-Mortas dele,<br />

local onde o diabo de Rosa o levou.


Brasília corroeu o sertão<br />

Bernar<strong>do</strong> Sayão abrin<strong>do</strong> a Belém-Brasília<br />

Entrementes, Juscelino, carregan<strong>do</strong> meio mun<strong>do</strong> em direção ao Planalto<br />

Central (André Malraux, soberbo escritor, ministro da cultura francês,<br />

encanta<strong>do</strong> com a obra, batizou-a de “a capital da <strong>esperança</strong>”), conseguiu<br />

espantar para sempre os impedimentos que o mítico rio Liso <strong>do</strong> Sussuarão, de<br />

Guimarães Rosa, fazia. As veredas dele, impenetráveis, que, durante tanto<br />

tempo protegeram o sertão <strong>do</strong>s assédios inimigos, sucumbiram frente ao<br />

ímpeto de Juscelino. Para seduzir os roceiros e os jagunços, desconfia<strong>do</strong>s de<br />

tu<strong>do</strong> e de to<strong>do</strong>s, ele , como já fizera antes em Belo Horizonte, nos seus tempos<br />

de prefeito, resolveu embasbacá-los.<br />

Trouxe para o meio de Goiás, o arquiteto <strong>Os</strong>car Niemeyer, a fim de<br />

erguer maravilhas com concreto nos descampa<strong>do</strong>s de Brasília, e mais uma<br />

leva de artistas e vitralistas para fazer tu<strong>do</strong> bonito, tu<strong>do</strong> moderno, para encher<br />

o brasileiro de orgulho e arrumar um lugar e tanto para a Copa <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>,<br />

recém-conquistada em 1958. A planta da cidade era, como se sabe, a forma de<br />

um pássaro colossal cujo vôo sacudiu o Brasil de então. Juscelino não parava


num só lugar, não ficava quieto nunca, num país de gente acomodada, dada à<br />

lassidão, ele se sobressaía decolan<strong>do</strong> e aterrissan<strong>do</strong> nos lugares mais<br />

inespera<strong>do</strong>s, os mais improváveis; tão rápi<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> andava que até o seu nome<br />

encurtou, virou <strong>JK</strong>.<br />

Venden<strong>do</strong> <strong>otimismo</strong>, entusiasman<strong>do</strong> a cultura, fez a música,<br />

dispensan<strong>do</strong> a viola, a sanfona e o tambor, tocar numa outra batida, fez o<br />

cinema olhar diferente, tu<strong>do</strong> era novo, a bossa era nova, o cinema era novo,<br />

até ele, o presidente, era o “presidente bossa nova”; Guimarães Rosa morreu<br />

em 1967, de emoção. Não foi pelo fardão da Academia de Letras que o seu<br />

coração falhou, foi sim pelo fim <strong>do</strong> sertão, que desaparecia. Juscelino, o<br />

Miguilim torna<strong>do</strong> homem, o Dito <strong>do</strong>ma<strong>do</strong>r <strong>do</strong> sertão, acompanhou-o <strong>anos</strong><br />

depois, em 1976, morto, como não podia deixar de ser, em viagem, num<br />

automóvel por uma estrada.<br />

Brasília, a capital da <strong>esperança</strong><br />

Israel Pinheiro, Jucelino e <strong>Os</strong>car Niemeyer<br />

(maquete <strong>do</strong> Palácio da Alvorada)


A decisão de construir uma nova capital, no Planalto Central, surgira<br />

durante a campanha. Era a oportunidade de mudar o destino geográfico <strong>do</strong><br />

Brasil, esparrama<strong>do</strong> há 450 <strong>anos</strong> pelo litoral atlântico. <strong>Os</strong> imensos espaços da<br />

hinterlândia brasileira, o sertão bravio, estavam praticamente aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s, e<br />

assim permaneceram por séculos, por todas as administrações. Brasília, fixada<br />

sua construção em 3 <strong>anos</strong> e 10 meses, iria modificar tal situação, atuan<strong>do</strong><br />

simultaneamente como a catalisa<strong>do</strong>ra das energias nacionais. A máquina<br />

administrativa estatal, ao sair <strong>do</strong> <strong>Rio</strong> de Janeiro, onde se encontrava fazia <strong>do</strong>is<br />

séculos, deslocan<strong>do</strong>-se para o Planalto Central, produziu um enorme choque<br />

na região. Foi como se por lá caísse, bem no meio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Goiás, um<br />

meteorito de grande proporções. Numa sentada, para lá foram atraí<strong>do</strong>s<br />

milhares de trabalha<strong>do</strong>res (os candangos) e desloca<strong>do</strong>s mais de 5 mil<br />

funcionários públicos. O que era um deserto adquiriu vida. O projeto de Lúcio<br />

Costa, um <strong>do</strong>s maiores urbanistas <strong>do</strong> país, um enorme pássaro com asas<br />

abertas (divididas em Norte e <strong>Sul</strong>) pronto para alçar vôo, infundiu no povo<br />

brasileiro uma sensação de <strong>esperança</strong> como há muito não se conhecia (daí o<br />

escritor André Malraux, ao visitá-la, chamá-la de “a capital da <strong>esperança</strong>”).<br />

Este espaço, amplíssimo, foi ocupa<strong>do</strong> pelas espetaculares construções saídas<br />

da prancheta genial de <strong>Os</strong>car Niemeyer, um discípulo de Le Corbusier, ti<strong>do</strong><br />

como um <strong>do</strong>s pais da arquitetura moderna. De imediato, a bela cidade tornouse<br />

um centro irradia<strong>do</strong>r de progresso para to<strong>do</strong> interior <strong>do</strong> Brasil, partin<strong>do</strong>,<br />

dela, grandes radiais ro<strong>do</strong>viárias em direção às principais cidades brasileiras.<br />

A mais espetacular delas foi a Belém-Brasília (1.450 quilômetros), que rasgou<br />

a floresta amazônica. Com isso, rompia-se o arquipélago interno que separava<br />

os esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil, concretizan<strong>do</strong>-se a integração <strong>do</strong> território nacional,<br />

proporcionan<strong>do</strong> a que as diversas regiões <strong>do</strong> país pudessem, dali em diante,<br />

ligarem-se por estradas e não mais pelo mar.


PLANO PILOTO DE BRASÍLIA


A revolução cultural da Era <strong>JK</strong><br />

Não sem razão, os <strong>anos</strong> <strong>JK</strong> foram entendi<strong>do</strong>s como “os <strong>anos</strong> <strong>do</strong>ura<strong>do</strong>s”<br />

da cultura brasileira. O clima de <strong>otimismo</strong>, de bom humor e de <strong>esperança</strong> que<br />

Juscelino transmitia - o homem era quase um mágico - contaminou toda uma<br />

geração de músicos e artistas brasileiros. O próprio presidente, sempre que<br />

possível cerca<strong>do</strong> de escritores como Josué Montello, Augusto Frederico<br />

Schmidt, Autran Doura<strong>do</strong>, Carlos Heitor Cony, Pedro Nava, e tantos outros,<br />

dava exemplo <strong>do</strong> seu apreço as letras. O bairro boêmio de Ipanema, no <strong>Rio</strong> de<br />

Janeiro, como bem demonstrou Ruy Castro, tornou-se uma usina de novidades<br />

e de experiências culturais, musicais, teatrais, televisivas e cinematográficas.<br />

Para a nova geração de compositores brasileiros, a Bossa Nova por eles criada,<br />

cujo marco foi a gravação de “Chega de Saudade” de João Gilberto, em 1958,<br />

vinha libertar a música brasileira <strong>do</strong> derrotismo, de ser “macambúzia e<br />

sorumbática”. Afirmação disso era que o verso lamentoso de Herivelto<br />

Martins, “Não, eu não posso lembrar que te amei”, foi substituí<strong>do</strong> pelo<br />

afirmativo viril de Vinícius de Morais “Eu sei que vou te amar! Por to<strong>do</strong> a<br />

minha vida eu vou te amar”.<br />

Bossa Nova e Cinema Novo<br />

Época em que foram revela<strong>do</strong>s Tom Jobim, Carlos Lyra, Ronal<strong>do</strong><br />

Bôscoli, o violonista Baden Powel, e a turma <strong>do</strong> 1º Festival de Samba<br />

Session, realiza<strong>do</strong> em 22 de setembro de 1959. No cinema, o longo império da<br />

Cinematográfica Vera Cruz, puro lazer e entretenimento comercial, entrou em<br />

declínio devi<strong>do</strong> à Televisão, e também pelo enfoque da<strong>do</strong> às questões sociais e<br />

políticas, já anunciadas no filme “<strong>Rio</strong> 40 graus” de Nelson Pereira <strong>do</strong>s Santos,<br />

em 1955, dan<strong>do</strong> o ponto de partida para a emergência <strong>do</strong> Cinema Novo. Tal<br />

movimento, funda<strong>do</strong> nos estertores <strong>do</strong> governo <strong>JK</strong>, em 1960, e lidera<strong>do</strong> por<br />

Nelson Pereira <strong>do</strong> Santos (e mais Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade,<br />

Carlos Diegues, Paulo César Saraceni, Leon Hirszman, David Neves, Ruy<br />

Guerra e Luiz Carlos Barreto), viera “para descolonizar a produção brasileira”,<br />

condicionada até então a imitar os filmes de Hollywood. Tratava-se da<br />

"libertação completa da linguagem cinematográfica de seus entraves coloniais<br />

[...], no entender de Carlos Roberto de Souza (“A fascinante aventura <strong>do</strong><br />

cinema brasileiro”), ato que se afirmava na máxima <strong>do</strong> Cinema Novo: “ uma<br />

câmera na mão e uma idéia na cabeça".<br />

Vários escritores deixaram suas impressões sobre Juscelino. Uma das<br />

mais notáveis foi a de Nelson Rodrigues, após publicarem uma foto na qual,


numa noite de gala, o presidente aparece ao la<strong>do</strong> da atriz americana Kim<br />

Novak, ambos senta<strong>do</strong>s com os pés descalços.<br />

"Ninguém mais antipresidencial. Ele trouxe a gargalhada para a presidência.<br />

Nenhum outro chefe de Esta<strong>do</strong>, no Brasil, teve essa capacidade de rir – e nos<br />

momentos mais inoportunos, menos indica<strong>do</strong>s. Dir-se-ia que ele tinha sempre<br />

um riso no bolso, riso que ele puxava, escandalosamente, nas cerimônias mais<br />

enfáticas. <strong>Os</strong> outros presidentes têm sempre a rigidez de quem ouve o Hino<br />

Nacional. Cada qual se comporta como se fosse a estátua de si mesmo. Não<br />

Juscelino. Quan<strong>do</strong> ele tirou os sapatos para Kim Novak (que acha<strong>do</strong> genial!<br />

que piada miguelangesca!), ele foi o antipresidente, uma espécie de cafajeste<br />

dionisíaco. Eu diria que jamais alguém foi tão brasileiro. O novo Brasil é<br />

justamente isso: – um presidente que tira os sapatos para uma beleza<br />

mundial." (Nelson Rodrigues no jornal Brasil em Marcha, 10/2/1961)<br />

Política externa de <strong>JK</strong>; Juscelino e o pan-americanismo<br />

“...ao não compartilharmos, senão simbolicamente, da direção de uma<br />

política, o não sermos muitas vezes ouvi<strong>do</strong>s nem consulta<strong>do</strong>s – mas ao mesmo<br />

tempo estarmos sujeitos aos riscos dela decorrentes - tu<strong>do</strong> isso já não é<br />

conveniente ao Brasil”<br />

Juscelino Kubitschek, Operação Pan-Americana, 1958<br />

Em maio de 1958, nem bem o Cadillac presidencial trazen<strong>do</strong> o vicepresidente<br />

americano Richard Nixon, em viajem de boa vontade pela América<br />

Latina, apontou na avenida Sucre, em Caracas, a turba armou-se de pedras.<br />

Uma horda furiosa, rompen<strong>do</strong> com tu<strong>do</strong> o que tinha pela frente, cordões e<br />

policiais, cercou o veículo e, por muito pouco, o visitante e sua esposa Patty,<br />

não foram lincha<strong>do</strong>s. O enorme veículo, a toda a velocidade, teve que se<br />

refugiar na residência <strong>do</strong> embaixa<strong>do</strong>r americano, transformada num bunker.<br />

De uma pedrada, entretanto, ele não escapou. Logo que soube <strong>do</strong>s tormentos<br />

de Nixon, incidente que chocara boa parte <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> por sua violência,<br />

Juscelino Kubitschek, no segun<strong>do</strong> ano <strong>do</strong> seu mandato, ligou para ao seu<br />

amigo, o poeta Augusto Frederico Schmidt. Como entender aquele desvario<br />

to<strong>do</strong>, a loucura daquela multidão? Disto resultou, <strong>do</strong> desastra<strong>do</strong> périplo latino-


americano de Nixon e da consulta que o presidente <strong>do</strong> Brasil fez a um homem<br />

de letras (para os críticos, bem pequenas), o projeto da Operação Pan-<br />

Americana.<br />

O texto completo da posição de Juscelino não demorou a ficar pronto.<br />

Homem <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de censo teatral, apresentou-o, na frente de to<strong>do</strong> o ministério,<br />

em cadeia de rádio e televisão. Era uma tentativa de dar uma sacudida nas<br />

relações da América Latina com os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, que, segun<strong>do</strong> ele, estavam<br />

em ponto morto. Menos de um mês antes, em 28 de maio, ele enviara uma<br />

carta ao General Eisenhower, presidente norte-americano, para dar sua visão<br />

<strong>do</strong>s ocorri<strong>do</strong>s de Caracas. Na missiva, alertou que as relações diplomáticas<br />

<strong>do</strong>s norte-americ<strong>anos</strong> com seus vizinhos latino-americ<strong>anos</strong> e vice-versa (que<br />

já datavam de mais de 130 <strong>anos</strong>), só tinham produzi<strong>do</strong> <strong>do</strong>is escassos<br />

<strong>do</strong>cumentos: a Doutrina Monroe, de 1823, e a Carta da Jamaica de Simon<br />

Bolívar, de 1815, ambas recheadas de idéias generosas, de retórica fraternal;<br />

todavia, “viviam no limbo, sem possibilidade de qualquer execução prática.”<br />

Chegara o momento – enfatizou Juscelino - de se fazer alguma coisa<br />

com o pan-americanismo, algo de prático, que fosse exeqüível. Eisenhower<br />

gostou <strong>do</strong> tom e lhe remeteu um assessor, de nome Roy Rubottom, para<br />

confabulações. Foi uma decepção. Republicano da gema, o envia<strong>do</strong> norteamericano<br />

disse que tu<strong>do</strong> aquilo – afinal o segun<strong>do</strong> homem na hierarquia<br />

americana quase foi morto - não teria aconteci<strong>do</strong> se os governos locais não<br />

fossem tão lenientes com os comunistas. Se a polícia tivesse baixa<strong>do</strong> o cassete<br />

preventivo na turba, os episódios desagradáveis que o vice-presidente passou<br />

teriam si<strong>do</strong> evita<strong>do</strong>s. Juscelino ponderou que os comunistas eram<br />

numericamente insignificantes e se o povo deu-lhes ouvi<strong>do</strong>s, deveu-se à<br />

existência de um profun<strong>do</strong> mal-estar e rancor que sentiam com a presença de<br />

um figurão norte-americano.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, em franca divergência com o representante de Eisenhower,<br />

ele entendeu, quase que psicanaliticamente, a ameaça de linchamento de<br />

Nixon como um clamor <strong>do</strong>s latino-americ<strong>anos</strong> contra a estagnação e atraso<br />

que se encontravam frente à pujança da América <strong>do</strong> Norte. A solução para<br />

isso, evidentemente, não era policial. O Brasil, segun<strong>do</strong> Juscelino, concilia<strong>do</strong>r<br />

por excelência, “sem pleitear nada para si próprio”, assumiria dali para diante<br />

a tarefa de liderar um entendimento geral. Negan<strong>do</strong>-se ao alheamento e sain<strong>do</strong><br />

da desconfortável situação de ser um participante passivo <strong>do</strong> drama geral, o<br />

Brasil chamava a si a responsabilidade de encaminhar negociações, junto aos<br />

Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, para fazerem um grande plano de superação, com o apoio <strong>do</strong><br />

irmão norte-americano, “da chaga <strong>do</strong> subdesenvolvimento”: a Operação Pan-<br />

Americana. O que devia vir para América Latina não eram recursos destina<strong>do</strong>s<br />

à repressão, mas sim investimentos. O fim disso era arrancar esta parte <strong>do</strong>


hemisfério da posição de “retaguarda” em que se encontrava, situação que<br />

enfraquecia a causa ocidental. Era a miséria e a desigualdade que alimentavam<br />

a retórica da subversão. Se to<strong>do</strong>s começassem a prosperar, sain<strong>do</strong> <strong>do</strong> buraco<br />

da indigência, a consciência geral ascenderia e o pan-americanismo sairia<br />

ainda mais fortaleci<strong>do</strong>. Em verdade, os americ<strong>anos</strong> somente aderiram à<br />

proposta assusta<strong>do</strong>s pela Revolução Cubana de 1959, quan<strong>do</strong> então John<br />

Kennedy lançou, açoda<strong>do</strong>, a Aliança para o Progresso, em 1961. Mas aí<br />

Juscelino não estava mais no poder.<br />

O fim de Juscelino<br />

“Como poderei viver, sem a tua, sem a tua companhia”<br />

“Peixe-Vivo”, canção folclórica<br />

Cassa<strong>do</strong> e preso pelo regime militar em 1965, submeti<strong>do</strong> a um IPM<br />

(inquérito policial-militar), Juscelino Kubitschek foi obriga<strong>do</strong> a viver no<br />

exílio. Passou a alimentar a <strong>esperança</strong> de ser algum dia anistia<strong>do</strong> para voltar a<br />

concorrer à presidência da república. Brasileiríssimo, homem de queijo com<br />

goiabada, não se sentia à vontade no exterior. Morreu vítima de um acidente<br />

de estrada quan<strong>do</strong>, no dia 22 de agosto de 1976, vin<strong>do</strong> de São Paulo pela<br />

Ro<strong>do</strong>via Dutra, em direção ao <strong>Rio</strong> de Janeiro, o seu carro, abalroa<strong>do</strong> por um<br />

ônibus , entre as marcas 164-165, saltou para outra pista, sen<strong>do</strong> esmaga<strong>do</strong> por<br />

um grande caminhão. O seu caixão, ao chegar no <strong>Rio</strong> de Janeiro, foi leva<strong>do</strong><br />

por uma enorme multidão até o aeroporto Santos Dumont, e dali, transporta<strong>do</strong><br />

para Brasília. No caminho, o povo cantava o “Peixe-Vivo”, uma das suas<br />

músicas favoritas. Na capital que ele construíra, seu corpo foi vela<strong>do</strong> - sem<br />

que alguém <strong>do</strong> regime militar se fizesse presente - por umas 30 mil pessoas.<br />

Foi o maior enterro que Brasília havia visto até então. Desde 1981, seus restos<br />

mortais repousam no <strong>Memorial</strong> <strong>JK</strong>, situa<strong>do</strong> num local privilegia<strong>do</strong> da capital<br />

federal. Seu nome ficou associa<strong>do</strong> a uma espécie de “idade de ouro” <strong>do</strong> Brasil<br />

republicano, perío<strong>do</strong> que aqueles que o viveram nunca mais esqueceram.


Brasília, as super-quadras, nova forma de vida urbana


Bibliografia<br />

BAER, Werner – A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico no Brasil (Editora<br />

Fundação Getúlio Vargas, RJ, 1977)<br />

BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita – O governo Kubitschek (Editora Paz e Terra,<br />

RJ., 1976)<br />

BOJUNGA, Cláudio – <strong>JK</strong>, o artista <strong>do</strong> impossível (Editora Objetiva, SP., 2001)<br />

CARONE, Edgar - A Republica Liberal: instituições e classes sociais (Difel, SP., 1985)<br />

CASTRO, Ruy – Chega de saudade: a história e as histórias da bossa nova (Cia das<br />

Letras, SP., 1991)<br />

KUBITSCHEK, Juscelino – Por que construí Brasília (Sena<strong>do</strong> Federal, Brasília, 2000)<br />

SKIDMORE, Thomas – Brasil: de Getúlio a Castelo (Editora Saga, RJ, 1969)

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