DIRETRIZES DE AÇÃO DA PASTORAL DA SAÚDE – CNBB - ICAPS
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<strong>DIRETRIZES</strong> <strong>DE</strong> <strong>AÇÃO</strong> <strong>DA</strong> <strong>PASTORAL</strong> <strong>DA</strong> SAÚ<strong>DE</strong> <strong>–</strong> <strong>CNBB</strong><br />
DOCUMENTO ELABORADO NA III ASSEMBLÉIA NACIONAL <strong>DA</strong><br />
<strong>PASTORAL</strong> <strong>DA</strong> SAÚ<strong>DE</strong> <strong>–</strong> <strong>CNBB</strong><br />
SÃO PAULO, 3-4 <strong>DE</strong> SETEMBRO <strong>DE</strong> 1997<br />
O QUE É <strong>PASTORAL</strong> <strong>DA</strong> SAÚ<strong>DE</strong><br />
É a ação evangelizadora de todo o povo de Deus comprometido em<br />
promover, preservar, defender, cuidar e celebrar a vida, tornando presente no<br />
mundo da saúde a ação libertadora de Jesus, nas seguintes dimensões:<br />
I <strong>–</strong> Solidária- vivência e presença samaritana junto aos doentes e<br />
sofredores nas instituições de saúde, na família e comunidade (portadores do<br />
vírus HIV, AIDS, portadores de deficiências, drogas, alcoolizados, etc.). Visa<br />
atender a pessoa integralmente, nas dimensões física, psíquica, social e<br />
espiritual.<br />
II <strong>–</strong> Comunitária <strong>–</strong> visa a promoção e educação para a saúde relacionase<br />
com saúde pública e saneamento básico, atuando na preservação das<br />
doenças. Procura valorizar o conhecimento, sabedoria e religiosidade popular<br />
em relação à saúde.<br />
III- Político-institucional <strong>–</strong> atua junto aos Órgãos e instituições, públicas<br />
e privadas que prestam serviço e formam profissionais na área de saúde. Zela<br />
para que haja reflexão bioética, formação ética e uma política de saúde sadia.<br />
OBJETIVO GERAL<br />
Evangelizar com renovador ardor missionário o mundo da saúde, à luz<br />
da opção preferencial pelos pobres e enfermos, participando da construção de<br />
uma sociedade justa e solidária a serviço da vida.<br />
DIMENSÕES<br />
I <strong>–</strong> DIMENSÃO SOLIDÁRIA<br />
A.OBJETIVO ESPECÍFICO<br />
1.Sensibilizar a sociedade e a Igreja a respeito dos sofrimento,<br />
denunciando a marginalização dos doentes, portadores de deficiências e idosos<br />
e de maneira especial, em face das novas formas de sofrimento e de doenças<br />
contemporâneas (AIDS, doentes mentais e terminais, etc.)<br />
2.Zelar pela humanização e evangelização as instituições de saúde,<br />
visando ao bem-estar global de todos os que nele se encontram (profissionais,<br />
funcionários, doentes e familiares).<br />
3.Proporcionar atendimento pastoral aos doentes internados e a<br />
domicílio.<br />
4.favorecer políticas de humanização, colocando o doente como razão<br />
de ser das instituições de saúde, no resgate da dignidade humana, no processo<br />
de fortalecer a fé e a esperança cristã.
5.Sensibilizar e integrar a comunidade e as instituições de saúde, uma<br />
vez que estas fazem parte dela.<br />
6.Preparar agentes de pastoral da saúde para anunciar a Boa Nova ao ser<br />
humano, diante do confronto com o sofrimento, a doença e a morte, bem como<br />
no respeito ao sigilo ético em relação às informações confiadas.<br />
7.Relacionar-se com as diferentes tradições religiosas num diálogo que<br />
respeite a liberdade de consciência.<br />
8.Celebrar nas instituições de saúde (hospitais, ambulatórios, posto de<br />
saúde) e comunidade datas significativas relacionadas como mundo da saúde,<br />
tais como Natal, Páscoa, Dia do enfermo (São Camilo), Dia Mundial da saúde<br />
(7 de abril), Dia do médico, Dia do Enfermeiro...<br />
9.Contribuir para a humanização e evangelização das estruturas,<br />
instituições e profissionais da saúde, atuando junto aos mesmos no seu<br />
processo de formação profissional a fim de cultivar valores humanos, éticos e<br />
cristãos.<br />
B.ATIVI<strong>DA</strong><strong>DE</strong>S A <strong>DE</strong>SENVOLVER:<br />
1.Junto aos doentes e familiares:<br />
1.1. atender os doentes nas casas, acompanhando-os no cotidiano e<br />
fortalecendo seu relacionamento com os familiares s comunidade;<br />
1.2. visitar os doentes que estão hospitalizados de forma sistemática e<br />
organizada, acompanhando especialmente os que estão em<br />
situações críticas. Preparar os agente de pastoral para atua nas<br />
unidades especiais;<br />
1.3. programar e realizar celebrações litúrgicas criativas (missas,<br />
cultos e outros), que resgatem a dimensão celebrativa da vida<br />
numa perspectiva de fé e esperança;<br />
1.4. acompanhar os familiares dos doentes, ajudando-os nos<br />
momentos difíceis especialmente quando da perda de entes<br />
queridos (Pastoral da Esperança);<br />
1.5. possibilitar aos doentes e recepção dos sacramentos e<br />
sacramentais quando o desejarem;<br />
1.6. acompanhar solidariamente, de modo especial os doentes<br />
terminais e os idosos da comunidade com de cuidados de saúde;<br />
1.7. elaborar subsídios (livretos, mensagens, boletins etc.), que<br />
transmitam esperança, solidariedade e fé.<br />
2.Junto à comunidade com seus agentes, por meio da:<br />
2.1. promoção e encontros e parcerias com grupos paroquiais,<br />
movimentos eclesiais e ecum6enicos bem como outras entidades, para um<br />
trabalho de sensibilização na perspectiva de promover a saúde (educação<br />
preventiva) e cuidar solidariamente dos doentes;
2.2. formação humana e cristã dos agentes de Pastoral da Saúde que são<br />
da comunidade e prestam serviço voluntário nas instituições de saúde ou nos<br />
domicílios;<br />
2.3. organização de reuniões, dias de formação e treinamento em termos<br />
de aconselhamento e atendimento pastoral, para capacitação humana, afetiva,<br />
ética e técnica das pessoas que desejarem prestar esse serviço;<br />
2.4. estímulo para que s profissionais da saúde prestem serviço de<br />
educação e cuidados de saúde em comunidades carentes, favelas, periferias e<br />
zonas rurais;<br />
2.5. empenho na criação de associações católicas de profissionais da<br />
saúde.<br />
3.Junto aos profissionais da saúde e servidores das instituições de saúde,<br />
com ações que:<br />
3.1. priorizem o atendimento pastoral aos profissionais da saúde que<br />
atuam nas instituições de saúde;<br />
3.2. programem e realizem, cursos, debates e círculos de estudos sobre<br />
assuntos de interesse ao mundo da saúde tais como: ética, bioética, relações<br />
humanas, evangelização, catequese, temas da Campanha da Fraternidade, cura<br />
na perspectiva bíblica, sofrimento humano na perspectiva cristã entre outros;<br />
3.3. engajem os profissionais da saúde e servidores no processo de<br />
humanização e evangelização.<br />
3.4. criem uma equipe multidisciplinar de apoio à Pastoral da Saúde.<br />
II- DIMENSÃO COMUNITÁRIA<br />
A.OBJETIVOS ESPECÍFICOS:<br />
1.Conscientizar a comunidade a respeito do direito à saúde e o dever de<br />
lutar por condições mais humanas de vida, terra, trabalho, salário justo,<br />
moradia, alimentação, educação, lazer, saneamento básico e preservação da<br />
natureza.<br />
2.Priorizar ações de educação, implementando uma verdadeira cultura<br />
de saúde, com ênfase preventivas, permeadas pelos valores da justiça,<br />
eqüidade e solidariedade.<br />
3.Resgatar e valorizar a sabedoria e a religiosidade popular,<br />
relacionadas com a natureza dos dons da mãe natureza e conservação do meio<br />
ambiente.<br />
4.Refletir, à luz da fé cristã e da pessoa de Jesus, a realidade da saúde e<br />
da doença, bem como as implicações da ciência, tecnologia e bioética.<br />
Implementar os valores éticos da solidariedade e cidadania, visando à<br />
construção de uma sociedade justa e solidária.
5.Incentivar e desenvolver a formação e capacitação contínua dos<br />
agentes de pastoral da saúde, nos aspectos humanos, técnicos, éticos e cristãos<br />
criando-se centros regionais de formação de agentes de pastoral.<br />
6.Estar atento para as diferentes práticas alternativas de saúde, não<br />
pertencem a nossa cultura, que não usadas sem a necessária fundamentação e<br />
comprovação científica e que causam extranhesa, insegurança, desconfiança e<br />
descrédito da ação pastoral na comunidade, evitando-se assim o fanatismo e<br />
dogmatismo.<br />
7.Priorizar a educação transformadora, a partir da comunidade, sob o<br />
critério dos valores da justiça, solidariedade e mística cristã.<br />
B. ATIVI<strong>DA</strong><strong>DE</strong>S A <strong>DE</strong>SENVOLVER:<br />
1.Junto aos doentes e familiares:<br />
1.1.oferecer presença e ajuda na solução dos seus problemas de saúde,<br />
numa atitude solidária e fraterna, mas permitir igualmente, que ele seja agente<br />
do seu processo de decisão quanto ao tratamento imediato e quanto a sua<br />
conduta posterior;<br />
1.2. garantir das entidades prestadoras de serviços, através da<br />
participação comunitária, o cumprimento de sua missão na prestação de<br />
serviços que integrem os cuidados e assistência aos doentes e a população<br />
local;<br />
1.3. denunciar situações de cuidados precários de saúde, mau<br />
atendimento nas instituições de saúde, a não distribuição eqüitativa dos<br />
recursos, as cobranças indevidas e existência de preconceitos quanto isso<br />
ocorrer;<br />
1.4. conscientizar em relação às práticas alternativas de saúde, a respeito<br />
de seus valores e limites questionando-as e orientando-as com a necessária<br />
fundamentação e conservação científica.<br />
1.5. esclarecer os doentes e familiares a respeito de seus direitos.<br />
2.Junto à comunidade com os seus agentes, por meio da:<br />
2.1.motivação, organização e engajamento em ações educativas,<br />
utilizando-se de reuniões, palestras, cursos, sobre saúde e suas diferentes<br />
práticas;<br />
2.2.garantia da continuidade das ações, na medida em que se<br />
complexificam, ou na medida em que se simplificam os recursos necessários,<br />
bem como apoio técnico e operacional para o desenvolvimento de tais ações<br />
resoluções dos problemas;<br />
2.3.dsenvolviemnto da reflexão ética sobre os aspectos envolvido na<br />
prestação dos serviços de saúde à comunidade pelo Estado, bem como das<br />
relações de trabalho estabelecidas entre técnicas e comunidade;
2.4. acompanhamento das ações dos agentes de pastoral da saúde,<br />
através do conhecimento da realidade de saúde com informações precisas que<br />
possibilitem a tomada de decisão, avaliação e planejamento das atividades;<br />
2.5. incentivo a criação de grupos e/ou associações de apoio a doentes<br />
crônicos e seus familiares.<br />
3.Jutno aos profissionais da saúde e servidores das instituições de saúde<br />
em ações que:<br />
3.1.desenvolvam a função de ligação entre a população e os serviços de<br />
saúde implantados, nas suas atividades cotidianas, e nos Conselhos locais e<br />
distritais de saúde;<br />
3.2.capacitem a população a cuidar de sua saúde, transmitindo-lhes<br />
informações e conhecimentos, ao mesmo tempo em que desenvolvam a<br />
efetiva consolidação da assistência à saúde local;<br />
3.3.promovam espaços de avaliação, planejamento e supervisão de todo<br />
processo que for desencadeado, com fins de aprofundamento, treinamento e<br />
atualização;<br />
3.4.busquem atendimento humanitário através de adequadas condições<br />
de trabalho, apoiando e valorizando os profissionais da área da saúde;<br />
3.5.ajudem a entender a saúde como direito fundamental da pessoal<br />
humana, cultivo de estilos saudáveis de vida e a ter uma boa qualidade de<br />
vida, para além das ações imediatas de cura.<br />
III <strong>–</strong> DIEMNSÀO POLÍTICO INSTIRUIONAL<br />
A <strong>–</strong> OBJETIVOS ESPECÍFICOS<br />
1.Considerar a saúde como um direito fundamental da pessoa humana<br />
estreitamente vinculado à solidariedade e eqüidade.<br />
2.participar ativa e criativamente nas instâncias oficiais que decidem a<br />
política de saúde da Nação, estado, região e município.<br />
3.apoiar e criar espaços de luta política e solidariedade em favor da<br />
vida, valorizando as organizações populares e suas iniciativas.<br />
4. recuperar o compromisso constitucional da Seguridade Social,<br />
definida como um conjunto de ações do Poder Público e da sociedade,<br />
destinado a assegurar o direito à saúde, previdência e assistência social.<br />
5.Envolver-se nas ações de política de saúde relacionadas com<br />
elaboração do orçamento da saúde, formação e participação nos conselhos:<br />
locais, distritais, municipais, estaduais e nacionais.<br />
6.Acompanha e colaborar nas atividades dos Conselhos de Saúde no<br />
exercício do controle social, exigindo prestação de contas, em relação à<br />
qualidade dos serviços prestados.
7.Exigir que o Estado garanta os serviços básicos de saúde à população,<br />
reforçando a idéia de que a saúde pública é um direito social.<br />
8.Estabelecer canais de comunicação som as instituições públicas e<br />
privadas que atuam na área da saúde e educação.<br />
9.Definir estratégias e mecanismo que possibilitem ampliar a base de<br />
sustentação política para as novas práticas de saúde, considerando a<br />
participação dos gestores e prestadores de serviços e dos usuários dos<br />
processo.<br />
10.Considerar, à luz do princípio da eqüidade, que a realidade de<br />
situação desiguais (diferença sociais, econômicas, culturais, etc.), exigem<br />
intervenções e ações diferenciadas para a solução dos problemas.<br />
11.Articular a pastoral da saúde em outras pastorais, movimentos,<br />
organismos e instituições, a fim de viabilizar recursos materiais, financeiros,<br />
humanos, bem como ações e projetos comuns.<br />
12.Cuidar para que no âmbito do relacionamento e parcerias com os<br />
poderes públicos, a pastoral da saúde não substitua o que é função do Estado.<br />
12.Possibilitar a formação específica dos agentes de pastoral da saúde<br />
que atuam como conselheiros, acompanhando-os e avaliando-os<br />
periodicamente.<br />
13.Incentivar para que nas universidades e instituições de ensino<br />
católicas, bem como nos seminários, sejam introduzidos cursos de<br />
aprofundamento em Pastoral da Saúde.<br />
B <strong>–</strong> ATIVI<strong>DA</strong><strong>DE</strong>S A <strong>DE</strong>SENVOLVER:<br />
1.Junto aos doentes e familiares:<br />
1.1.educar através de campanhas informativas, cursos, encontros a<br />
respeito de doenças, prevenção e promoção de saúde;<br />
1.2.conscientizar para o novo conceito de saúde como qualidade de vida<br />
e estilos de vida saudáveis, além de valorizar a perspectiva holística, isto é,<br />
vendo o ser humano nas suas dimensões físicas, psíquicas, social e espiritual.<br />
2.Junto à comunidade com seus agentes, por meio da:<br />
2.1.diculgação de dados e informações sobre a realidade da saúde no<br />
país;<br />
2.2.formação dos Conselhos de Saúde, locais, distritais, municipais e<br />
estaduais;<br />
2.3.acompanhamento e divulgação das atividades do Conselho de Saúde<br />
visando o aumento do controle social;<br />
2.4.orientação dos agentes de pastoral da Saúde em política de saúde<br />
especialmente no que se refere a: Conselho gestor de hospitais; consórcios<br />
ambulatórios e especialidades, unidades básicas de saúde e normas<br />
operacionais do Ministério da Sáude
3.Junto aos profissionais da saúde e servidores das instituições de saúde,<br />
com ações que:<br />
3.1.possam se articular com os serviços básicos de saúde do município,<br />
no gerenciamento de unidade ambulatórios e hospitalares, respeitando os<br />
princípios do SUS (eqüidade, universalidade, integralidade, descentralização);<br />
3.2.façam transparecer a efetiva retaguarda institucional garantida por<br />
lei;<br />
3.3.expressem e assumam a perspectiva de ver saúde como qualidade de<br />
vida e o cultivo de estilos de vida saudáveis;<br />
3.4.garantam práticas de prevenção da doença, acompanhando o<br />
desenvolvimento dos demais temas vinculados aos direitos fundamentais;<br />
3.5.integrem equipes de saúde com distintos profissionais, necessários à<br />
realização de ações definidas para a solução dos problemas;<br />
3.6.avaliem periodicamente o impacto das ações de saúde sobre a<br />
realidade local, revendo constantemente o seu planejamento;<br />
3.7.colaborem na formação ética dos futuros profissionais da saúde,<br />
levando em conta as necessidades sociais. Formar profissionais da saúde para<br />
fazer o que? No interesse de quem? A partir de que critérios e valores?;<br />
3.8.divulquem as atividades desenvolvidas junto à comunidade,<br />
garantindo informações e efetivando o controle social na saúde.<br />
VISTAR OS DOENTES UMA OBRA <strong>DE</strong> MISERICÓRDIA<br />
MIGUEL LUTRINGER<br />
I <strong>–</strong> NO TEMPO <strong>DE</strong> JESUS NÃO SE VISITAVAM DOENTES<br />
Havia muita gente na pior no tempo de Jesus, No meio da multidão de<br />
pessoas aflitas, destacavam-se os doentes. Não havia instituições para receber<br />
cuidados de saúde. Muitas vezes as famílias abandonavam seus doentes. O<br />
leprosos eram obrigados a mendigar para sobreviver. As doenças atingiam os<br />
pobres mais do que as outras camadas sociais por causa da própria pobreza.<br />
Elas os arrastavam para todo tipo de degradação no plano somático e<br />
psicólogo. As doenças eram atribuídas ao demônio, aos espíritos maus. Esta<br />
representação mental da doença gerava superstições e agravava a sorte dos<br />
doentes.<br />
Jesus tinha compaixão da multidão e curava os doentes (Mt. 14,14). O<br />
que caracterizava a atitude de Jesus, não era a piedade (outros manifestavam<br />
os mesmos sentimentos), mas sua profunda estima pelas pessoas que<br />
encontrava. Dirigia-se a elas respeitando sua liberdade e oferecendo-lhes a<br />
libertação presente e futura; ele convidava a sermos como Deus: “Vós pois,<br />
sede perfeitos como vosso Pai do céu é pereito”( Mt 5,48).
Jesus nunca se dirigia a uma pessoa sem levar em conta sua dimensão<br />
social, comunitária, psicológica e espiritual. Dodd, referindo-se aos<br />
evangelistas Mateus e Marcos, nota: “Tal é o sentido das palavras como tudo<br />
o que fizerdes a um de meus irmãos como estes, é a mim que o fazeis<br />
(Mt25,40), ou quem acolher em meu nome uma criança como esta é a mim<br />
que acolhe”(Mt 9,37). Esta reflexão permite entender porque os evangelistas<br />
dão tanta importância à ligação de Jesus com os rejeitados e sua compaixão<br />
pelos sofredores e humildes. Ele criava uma solidariedade com os que<br />
pertenciam pela graça de Deus ao novo Israel, mesmo que o Israel existente (a<br />
instituições judaica) pudesse não os reconhecer.<br />
Por sua vez, Leon-Dufour assinala: O reino futuro não se constrói<br />
independentemente da comunidade dos homens... Continua fundamentado na<br />
pessoa de Jesus, que valoriza toda pessoa humana, colocando-se em<br />
comunhão com Aquele cuja paternidade pode unir todos os homens.”<br />
II <strong>–</strong> A PARÁBOLA DO JUÍZO FINAL ( MT 2SJI-46)<br />
A) Estrutura<br />
Apresenta-se como um texto construído com todo rigor. É colocada no<br />
fim do evangelho para fazer parecer, antes do drama da Paixão, que a morte na<br />
cruz não é um encerramento, mas um tempo em que Cristo aparece como<br />
Servidor sofredor, como o redentor que, vindo da parte de Deus, fez-se<br />
Salvador. O anúncio de sua Ressurreição será o final de uma releitura pelos<br />
Apóstolos e pelos primeiros discípulos dos ensinamentos e dos atos do Mestre.<br />
Este será o tempo da revelação clara, da profunda coerência entre as palavras<br />
ditas pelo Cristo e sua ação.<br />
B) Interpretação<br />
Todos os exegetas sublinham que Cristo Jesus identificou-se de maneira<br />
privilegiada com os mais indigentes de seu tempo. Mas isto seria truncar as<br />
coisas esquecendo que o Cristo identifica todas as pessoas consigo mesmo. É<br />
uma característica quase fundadora da fé.<br />
Desde o início do cristianismo homens e mulheres agiram neste sentido,<br />
servindo-se das parábolas do Mestre. Sem descontinuidade, a Igreja por meio<br />
de seus pastores, suscitou, encorajou, o exercício das obras de misericórdia ou<br />
de caridade tais como são descritas em Mt 25. Bem perto de nós, a<br />
Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo de Hoje (Gaudium et Spes §27)<br />
convida cada um de nós a considerar seu próxima, sem exceção, como outro<br />
eu, levando em consideração antes de tudo a sua vida e os meios necessários<br />
para mantê-la com dignidade. Sobretudo nos nossos tempos, temos a<br />
imperiosa obrigação de nos tornarmos próximos de qualquer homem,<br />
indistintamente; e se ele se achega a nós devemos servi-lo efetivamente que
seja um velho abandonado por todos, ou um estrangeiro injustamente<br />
discriminado ou um exilado, uma criança nascida de união ilegítima sofrendo<br />
imerecidamente por um pecado que não cometeu, seja um faminto que<br />
interpela a nossa consciência recordando a voz do Senhor: “todas as vezes<br />
que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o<br />
fizestes”(Mt 25, 40).<br />
Desde o tempo dos evangelhos até hoje e ainda amanhã, a parábola nos<br />
provocará a ver qual é a atitude que temos para com o próximo. O critério de<br />
avaliação poderia ser a lista das obras de misericórdia para entrar no reino.<br />
Aproximar-se do irmão é uma recomendação evangélica. Jeremias assinala:<br />
“Teu companheiro , diz Jesus nesta parábola (do Juízo Final) pode ser depois<br />
teu compatriota, mas é preciso não parar ai. O mesmo devem ser todos os que<br />
têm necessidade de teus cuidados.”<br />
Aproximar-se de todos os que têm necessidade de ajuda é um apelo<br />
feito à comunidade; jamais um indivíduo sozinho poderia saldar esta<br />
obrigação.<br />
No hospital, ir ao encontro de quem precisa de ajuda pode parecer de<br />
estar sozinho. Mas não fazemos a experi6encia que uma pessoa doente<br />
empobrece rapidamente em suas relações? O fardo a carregar é pesado, e<br />
inclui ao mesmo tempo uma marginalização social, em que se mistura um<br />
sentimento cruel de se acreditar excluído da salvação de Deus.<br />
Todos os homens são irmãos em Jesus Cristo. São Paulo o dirá à sua<br />
maneira aos Colossenses: “Já que sois eleitos, santificados, amados por Deus,<br />
revesti-vos então de sentimentos de compaixão, de bondade, de humildade, de<br />
doçura, de paciência...”(Cl 3,12).<br />
No domingo da ressurreição Jesus confidencia às santas mulheres: “Ide<br />
anunciai a meus irmãos que eles devem partir para a Galiléia, e lá me verão”<br />
Mt 28,10 e na Galiléia ele lhes dirá: Ide, pois, pelo mundo inteiro, fazei<br />
discípulos... Mt 281,9).<br />
C) Os tempos da volta de Cristo serão inevitáveis.<br />
Participando da existência humana estamos caminhando para Deus que<br />
nos oferece a vida eterna. A escatologia, caminho em direção da realização em<br />
Deus, não tem por função nos resignar ao além da vida terrestre. Ela quer, ao<br />
contrário, nos ajudar a participar dia a dia e a viver em uma perspectiva de<br />
Salvação, de Ressurreição. Neste sentido, a parábola nos pede para<br />
desenvolver uma atitude de vigilância par anão fraquejar no reconhecimento<br />
do Cristo em nossos irmãos, começando pelos aflitos. Estar orientado para<br />
Deus é julgar que o tempo presente é importante, que ele é próprio para<br />
introduzir a misericórdia, lá onde se vive a comunhão. A parábola quer
promover a fraternidade e evitar cair na negligência em fazer o bem. Os<br />
Padres Conciliares diziam: “para que este exercício da caridade esteja sempre<br />
acima de toda crítica e se apresente como tal, é necessário ver no próximo a<br />
imagem de Deus segundo a qual foi criado e o cristo nosso Senhor a quem se<br />
oferece de fato tudo o que foi aos pobres a liberdade e a dignidade da pessoa<br />
socorrida deve ser respeitada com a maior delicadeza”( A-A -§8).<br />
D) Meditar para encontrar o Cristo nos irmãos.<br />
O Cristo identifica todo ser humano a si. Isto induz no plano ético<br />
comportamentos fraternos. Entretanto a parábola leva mais longe, ela orienta<br />
nosso íntimo, nosso coração, para o Cristo mesmo e podemos dizer, para ele<br />
só, Nele se atingem as obras do Pai, nele se abre o caminho para o próximo.<br />
Estamos no coração da fé. A reflexão cristã se alimenta na Palavra de Deus.<br />
Ela irriga nossa experiência de Deus criador de todas as coisas; esclarece as<br />
relações humanas em todas as suas dimensões: trabalho, saúde, oração,<br />
escolhas éticas etc. Nesta ótica S. João insiste: “Bem amados, amemo-nos uns<br />
aos outros, porque o amor vem de Deus, e quem ama é nascido de Deus e<br />
conhece a Deus.<br />
Quem não ama não conhceu a Deus, porque Deus é amor”. ( 1 Jo 4, 7-8)<br />
Aprofundar a Palavra de Deus em comunidade, em equipe e<br />
individualmente é a tarefa de toda pessoa que recebeu do bispo uma missão<br />
pastoral. O Cristo convida a permanecer em sua palavra, é por outro lado, uma<br />
condição para ser e permanecer seu discípulo (Jo 8,31). Antes de dar seu<br />
mandamento aos Apóstolos, Jesus faz um gesto de força simbólica<br />
inesgotável: o lava-pés. É depois que ele diz: “Amai-vos uns aos outros,<br />
como eu vos amei, vós também amai-vos uns aos outros” (Jo 13,34)<br />
Não podemos refletir na reciprocidade da relação sem entender este<br />
mandamento novo. Esta novidade, para nos afirma e nos renovar, conduz à<br />
contemplação do Cristo. Perto dele recebemos e aprendemos a coerência entre<br />
o dizer e a fazer. É a fonte do amor.. Fazendo assim há crescimento, a fé toma<br />
o caminho da humildade, terreno por excelência da reciprocidade. “Vinde<br />
benditos de meu Pai, porque estava estava enfermo e me visitastes”. A visita<br />
não se tornará utilitária porque ela oferece uma garantia de participação no<br />
Reino? O risco de inverter a mensagem é real.<br />
Vejamos mais de perto o texto. Seis obras são identificadas e, entre elas,<br />
duas não se referem diretamente ao Capelão, como dar de comer, de beber,<br />
vestir acolher. Os versículos 39 e 43 falam com efeito de visitar os<br />
prisioneiros e os doentes. Não levamos em conta senão a visita aos doentes.<br />
As seis obras dizem respeito à sobrevivência das pessoas e sua inserção social<br />
e sua dignidade de pessoa humana. Todos os seis gestos são gestos de amor, e
ao mesmo tempo, são um ato de justiça que honram um direito das pessoas<br />
mais que ser uma fonte de benefício. Perguntamos porque a visita aos doentes<br />
é considerada como uma resposta a uma aflição. A presença junto ao doente<br />
visa situações regulamentadas pelo direito. Curar e cuidar dos doentes não é<br />
competência de todos, ao contrário da visita. Por outro lado como nota J. L.<br />
Frahier, nem todas as visitas se colocam no mesmo pe. Uma é a visita do<br />
médico sem eu serviço, outro o encontro com os funcionários que executam as<br />
prescrições, outra a visita de um membro da equipe da capelania. Mas todas as<br />
visitas rompem, de qualquer maneira, o isolamento, a solidão que acompanha<br />
toda doença. Ser cuidado corresponde a um direito, não ser abandonado á sua<br />
solidão, a outro.<br />
O direito à saúde é uma expressão inadequada, faria entender que existe<br />
um direito a não estar doente! De fato, não podemos prestar senão cuidados e<br />
tratamentos disponíveis.<br />
Quebrando o isolamento do doente, restituímos a ele um lugar social. A<br />
restituição imposta pela necessidade de cuidados: ficar em seu quarto, ficar no<br />
leito, etc. evolui muitas vezes para a solidão. Estar por muito tempo sozinho,<br />
diante de uma parede do quanto de hospital assusta. Como o tempo passa<br />
devagar é sempre o mesmo ambiente, tem-se tempo para pensar. “Quantas<br />
coisas me, passam pela cabeça” diz um doente.<br />
A angústia gera a dúvida que se instala sobre o êxito de um tratamento;<br />
as dificuldade pessoais, as do ambiente familiar são elementos que vão se<br />
juntar acentuando o isolamento.<br />
A palavra do Rei: “Eu estava enfermo e você me visitaste” não é uma<br />
palavra que afugenta a fatalidade da solidão? Ao mesmo tempo, nos coloca<br />
em uma escala de valor diferente daquela que gosta de se satisfazer no modelo<br />
dominante-dominado. A misericórdia que consiste em ter um coração<br />
semelhante ao de Deus, manifesta-se em Cristo. Ela convida a sair de si e a<br />
propor fraternalmente ao outro este mesmo caminho. Cada um: visitado e<br />
visitador levar consigo reflexos de defesa de si, que se dobra sobre si mesmo,<br />
e que pode levar a uma negação de si.<br />
A resposta à questão do risco do utilitário está lá: o outro, o doente, não<br />
é o bode expiatório das minhas fragilidades, de minhas experiências e de meus<br />
limites nem de meu impulso de onipotência.<br />
A solidão deteriora a personalidade, é o resultado da falência da relação<br />
e da comunicação. O evangelho abre, por ouro lado, as contradições do<br />
homem a se olhar no irmão, a se encontrar e a se ajudar mutuamente em vista<br />
da contemplação de Deus e evangelizar-se mutuamente.<br />
O dia a dia convida à presença gratuita. A bênção cairá, nos diz a<br />
parábola, sobre os que souberam estar presentes ao outro com o coração, sem
julgar. Manifestará o que, no momento da ação estava escondido e atestará de<br />
maneira esplendorosa que as realidades do mal não foram banalizadas. Mas<br />
principalmente, ela revelará que a vida recebida de Deus é mais forte do que a<br />
morte, e que a marca de Deus no ser humano é a fonte e o fundamento da<br />
fraternidade. Esta presença gratuita e amorosa assinala a qualidade da relação<br />
estabelecida.<br />
Aumôneries des hopitaux Out. 1996 p. 11-15.<br />
Trazido pelo Pe. Geraldo Bogoni