A cidade que será a mais linda metrópole do mundo ... - FAU-UFPA
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O Rio de Janeiro de 1950 - Através da concepção <strong>do</strong> professor Agache<br />
O plano Agache, encomenda<strong>do</strong> em 1926 pelo prefeito Antonio Pra<strong>do</strong> Junior ao<br />
arquiteto francês Alfred Agache, sugeria profundas reformas urbanísticas <strong>que</strong>, já na<strong>que</strong>la<br />
época, previam a vocação <strong>do</strong> Rio de Janeiro para majestosa <strong>metrópole</strong>. O arquiteto logo<br />
diagnosticou o mal da <strong>cidade</strong> <strong>que</strong> sofria com o crescimento rápi<strong>do</strong> e desordena<strong>do</strong>. Agache e<br />
sua equipe concluíram o trabalho em 1930, mas nunca veriam as novas formas cariocas<br />
saltarem <strong>do</strong> papel. Restou o abrangente plano, <strong>que</strong> além das grandes obras, listava leis<br />
necessárias para uma nova era de ordenamento urbano, a criação de uma comissão <strong>que</strong><br />
acompanhasse a execução <strong>do</strong> plano diretor, a remoção das favelas, a criação de <strong>cidade</strong>s<br />
satélites e, até mesmo, a organização de um concurso premian<strong>do</strong> as <strong>mais</strong> requintadas<br />
fachadas.<br />
Em 10 de novembro de 1928, em seu primeiro número, a revista Cruzeiro publicou<br />
um artigo <strong>do</strong> Dr. Mattos Pimenta sobre como estaria a <strong>cidade</strong> em 1950, ten<strong>do</strong> como<br />
parâmetro o <strong>que</strong> estava sen<strong>do</strong> proposto pelo plano Agache. Nele já estão as ligações por<br />
terra entre o Rio e Niterói, as grandes avenidas ligan<strong>do</strong> o Centro aos subúrbios, uma praça<br />
“monumental” para a área <strong>do</strong> morro <strong>do</strong> Castelo, além <strong>do</strong>s arranha-céus e áreas internas<br />
para estacionamento. Quase 80 depois, o plano Agache ainda aponta caminhos <strong>que</strong> viriam<br />
a enri<strong>que</strong>cer a <strong>cidade</strong> com beleza e funcionalidade.<br />
A CIDADE QUE SERÁ A MAIS LINDA METROPOLE DO MUNDO<br />
pelo Dr. J. A. Mattos Pimenta (Ilustrações de Henri<strong>que</strong> Cavalleiro)<br />
O Cruzeiro, 10 de novembro de 1928<br />
“Officiellement, mon cher Pimenta, tu n’as rien vu”, disse-me Agache após ter<br />
feito passar ante meus olhos to<strong>do</strong>s os desenhos, projetos, perspectivas e ma<strong>que</strong>tes,<br />
de cujo emaranha<strong>do</strong> surge, pouco a pouco, a visão maravilhosa <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />
de amanhã.<br />
COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE / MAIO . 2005<br />
1
Agache e o nosso Prefeito temiam <strong>que</strong> um plano ainda em simples<br />
delineamento, exposto a uma opinião pública ainda não bem preparada, fosse mal<br />
aprecia<strong>do</strong>.<br />
Contraditei, porém, ambos com tal ar<strong>do</strong>r ou tais argumentos <strong>que</strong>, cansa<strong>do</strong>s<br />
ou convenci<strong>do</strong>s, eles calaram-se sorrin<strong>do</strong>.<br />
E <strong>que</strong>m sorri não desapprova.<br />
Cedi pois, sem constrangimento, ao pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s directores da Cruzeiro para<br />
transmitir a impressão <strong>que</strong> trouxe da<strong>que</strong>la visita ao Rio de Janeiro de 1950, ao Rio<br />
de Janeiro de nossos filhos e nossos netos.<br />
Indubitavelmente o plano geral de transformação e desenvolvimento de nossa<br />
<strong>cidade</strong>, projeta<strong>do</strong> para ser concluí<strong>do</strong> dentro de 30 a 50 anos, constituirá um forte e<br />
nobre elo entre a geração de hoje e as gerações vin<strong>do</strong>uras, encadean<strong>do</strong> os<br />
sentimentos da nacionalidade, desenvolven<strong>do</strong> a consciencia social <strong>do</strong> povo,<br />
fortalecen<strong>do</strong>, emfim, a alma brasileira.<br />
Len<strong>do</strong> as plantas e contemplan<strong>do</strong> o grande esboço <strong>que</strong> encerra a concepção<br />
geral <strong>do</strong> novo Rio de Janeiro, senti <strong>que</strong> Alfred Agache havia compreendi<strong>do</strong> bem as<br />
possibilidades formidáveis de progresso de nosso país.<br />
Indiscutivel, com efeito, é <strong>que</strong> o Brasil <strong>será</strong> dentro de 10 ou 20 anos, a <strong>mais</strong><br />
populosa nação latina <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>; e como é extenso o seu território e enormes as<br />
suas ri<strong>que</strong>zas, fácil é prever o alento novo <strong>que</strong> aqui receberá a raça e as fortes e<br />
elevadas afirmações de valor <strong>que</strong> aqui ela dará.<br />
A confiança <strong>que</strong> o povo brasileiro tem no porvir não nasce, portanto, da<br />
fantasia ou <strong>do</strong> sentimentalismo, senão <strong>que</strong> se alicerça na razão, nos fatos, nos<br />
ensinamentos da História, na análise <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>.<br />
É menos uma fé <strong>do</strong> <strong>que</strong> uma previsão cientifica.<br />
Previsão scientifica, realmente, deve ser o plano de transformação de<br />
desenvolvimento de uma <strong>cidade</strong>.<br />
Eis por<strong>que</strong> o projeto em elaboração cogita já das ligações <strong>que</strong> um dia terão<br />
de ser feitas entre o Rio e Niterói, entre o Rio e a Ilha <strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r, ligações<br />
inteligentemente articuladas com as avenidas largas, verdadeiras artérias, <strong>que</strong> se<br />
estenderão até aos subúrbios extremos da <strong>cidade</strong> e as grandes ruas <strong>que</strong><br />
comunicarão os arrabaldes e bairros entre si.<br />
Não falta grandiosidade e beleza nessa obra gerada com notável senso<br />
prático e exata compreensão das realidades.<br />
COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE / MAIO . 2005<br />
2
Sabe-se, aliás, <strong>que</strong> a função característica <strong>do</strong> urbanista é conjugar as<br />
necessidades materiais da <strong>cidade</strong> com as exigências superiores da inteligência.<br />
Alfred Agache conseguiu plenamente tal objetivo no traça<strong>do</strong> de transformação<br />
de nossa Capital.<br />
Não descerei às descrições minuciosas, detalhadas, <strong>que</strong> pouco interessam.<br />
Deixo de preferência ao leitor, na névoa de algumas palavras, um campo<br />
aberto à imaginação, ao sonho, ao ideal, <strong>que</strong> é o início de todas as realizações.<br />
O Rio de Janeiro terá majestade e harmonia pela singular expressão artistica<br />
com <strong>que</strong> no novo plano são resolvi<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os seus problemas urbanos.<br />
Em frente à barra da Guanabara, no terreno <strong>que</strong> se conquistará ao mar pela<br />
retificação <strong>do</strong> incongruente saco da Glória, ficará a praça monumental - vestíbulo<br />
sumtuoso da <strong>cidade</strong> - reserva<strong>do</strong> ao desembar<strong>que</strong> das grandes personalidades <strong>que</strong><br />
aqui aportarem e naturalmente destina<strong>do</strong> às manifestações, comícios e<br />
demonstrações <strong>do</strong> povo por se tornar o logra<strong>do</strong>uro de maior área e o principal centro<br />
da <strong>metrópole</strong>.<br />
Maravilha de arquitetura, banhada na luz de projetores ocultos, esta praça<br />
terá a forma de U retangular, com a abertura voltada para o Oceano, descortinan<strong>do</strong><br />
e, ao mesmo tempo, compon<strong>do</strong> as <strong>mais</strong> variadas e encanta<strong>do</strong>ras perspectivas.<br />
Toman<strong>do</strong> o centro da linha <strong>do</strong> fun<strong>do</strong>, a avenida Rio Branco daí partirá,<br />
imponente, como exacto prolongamento <strong>do</strong> eixo da praça.<br />
Integrar-se-á destarte nossa principal via pública na sua função definitiva de<br />
entrada nobre da <strong>cidade</strong>.<br />
COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE / MAIO . 2005<br />
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Quero <strong>que</strong> o leitor tenha a visão, embora rápida e fugaz, <strong>do</strong> futuro Rio de<br />
Janeiro, da inigualável <strong>cidade</strong> <strong>que</strong> entrevi nos desenhos e nas palavras de Alfred<br />
Agache, tal como os contemporâneos de Haussmann antegozaram nos projetos<br />
deste a magnifica realidade <strong>que</strong> é o Paris de hoje.<br />
Uma nova e larguissima rua, formada pelo prolongamento <strong>do</strong> atual canal <strong>do</strong><br />
Mangue, cortará perpendicularmente a Avenida Rio Branco, in<strong>do</strong> até ao mar, no cais<br />
da antiga Alfândega. E se estenderá no senti<strong>do</strong> oposto, transpon<strong>do</strong>, sempre com a<br />
mesma largura, os bairros e suburbios <strong>que</strong> ficam além da Praça da Bandeira, para<br />
penetrar nas regiões aonde a <strong>cidade</strong>, livre <strong>do</strong> contraforte das montanhas e da<br />
barreira <strong>do</strong> mar, rapidamente se despeja e se desenvolve.<br />
Essa rua passará diante da Estação Monumental a se construir nas<br />
proximidades da Praça da Bandeira, e <strong>que</strong> colherá, em um só feixe, todas as<br />
estradas de ferro <strong>que</strong> servem ao Rio: Auxiliar, Rio d’Ouro, Leopoldina e Central <strong>do</strong><br />
Brasil.<br />
Será a <strong>mais</strong> larga, a <strong>mais</strong> longa e <strong>mais</strong> movimentada avenida de nossa<br />
Capital, rasgada <strong>do</strong> mar até a zona <strong>do</strong>s subúrbios, pon<strong>do</strong> assim estes em<br />
comunicação direta com o centro da <strong>cidade</strong>.<br />
Corren<strong>do</strong> quase paralelamente à atual Avenida Mem de Sá, e prolongan<strong>do</strong>-se<br />
além desta uma outra ampla e bela avenida virá entroncar-se com a precedente, no<br />
ponto fronteiro à referida Estação Monumental.<br />
Receberá, deste mo<strong>do</strong>, o centro ferroviário uma via pública de grande<br />
proporção, ligan<strong>do</strong>-o aos bairros de Botafogo, Leme, Copacabana, Ipanema, Gávea<br />
e Laranjeiras.<br />
Encurtan<strong>do</strong> as distâncias entre os bairros, várias outras ruas serão abertas,<br />
algumas transpon<strong>do</strong> pe<strong>que</strong>nos túneis ou cortan<strong>do</strong> fraldas de montanhas,<br />
inteiramente desimpedidas para o tráfego rápi<strong>do</strong> e freqüentemente oferecen<strong>do</strong><br />
sedutores aspectos da privilegiada natureza <strong>que</strong> é o orgulho e a alegria de nossa<br />
gente.<br />
COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE / MAIO . 2005<br />
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Vencen<strong>do</strong> a rotina, sujeitan<strong>do</strong> a arqitetura às imposições e caprichos da<br />
moderna ciência de construir, expandin<strong>do</strong> enfim, livremente, um anelo de progresso<br />
e de perfeição, de conforto e de arte, Agache valeu-se da área devoluta resultante<br />
<strong>do</strong> desmonte <strong>do</strong> Castelo para ensaiar um sistema de urbanização original <strong>que</strong><br />
consubstancia as idéias <strong>mais</strong> adiantadas e <strong>mais</strong> lógicas das tendências atuais.<br />
O arrojo da composição há de ferir certamente a sensibilidade <strong>do</strong>s <strong>que</strong> não<br />
foram ainda toca<strong>do</strong>s pelo espírito novo da arte.<br />
Estou certo, porém, de <strong>que</strong>, realiza<strong>do</strong> o projeto, felizmente já oficialmente<br />
aprova<strong>do</strong>, a<strong>que</strong>la zona da <strong>cidade</strong> dará aos <strong>que</strong> freqüentarem uma impressão rara,<br />
de encantamento e bem-estar. Permitirá aos seus visitantes a verificação material de<br />
<strong>que</strong> a <strong>cidade</strong> <strong>que</strong> ali se criou não foi obra <strong>do</strong> acaso, produto <strong>do</strong> empirismo, mas sim<br />
<strong>que</strong> obedeceu aos desejos da inteligência, às aspirações <strong>do</strong> sentimento e,<br />
principalmente, às razões da utilidade.<br />
Não cuidarei de esmiuçar o traça<strong>do</strong>, já conheci<strong>do</strong> <strong>do</strong> público, e <strong>que</strong> pertence<br />
ao tipo monumental <strong>do</strong> haussmannismo.<br />
Interesse maior tem, porém, o sistema a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> para as edificações, onde o<br />
problema <strong>do</strong>s arranha-céus encontrou solução interessante e justa.<br />
Cada bloco de construção receberá na periferia, isto é, nas faces voltadas<br />
para as ruas <strong>que</strong> o limitam, edifícios de altura uniforme de 22 metros. Mas, no<br />
interior <strong>do</strong> bloco, na área vazia fechada pela orla desses edificios, serão admiti<strong>do</strong>s<br />
arranha-céus, com altura de 80 metros, dispostos de mo<strong>do</strong> a formarem espaços<br />
livres – verdadeiras praças internas – destinadas ao estacionamento de automóveis.<br />
As vias públicas terão, pois, o tráfego inteiramente desimpedi<strong>do</strong>, sem o<br />
aspecto de garage <strong>que</strong> oferecem às actuais ruas centrais, atravancadas de veículos<br />
para<strong>do</strong>s, em aban<strong>do</strong>no.<br />
Consideran<strong>do</strong> o sol causticante e as intempéries <strong>que</strong> castigam as <strong>cidade</strong>s<br />
tropicais como a nossa, os passeios, além de espaçosos, com 7 metros de largura,<br />
serão cobertos em forma de galeria como os passeios da <strong>cidade</strong> de Turim e da rua<br />
Rivoli, de Paris.<br />
De quan<strong>do</strong> em quan<strong>do</strong>, atravessará essas galerias uma passagem para<br />
acesso às praças centrais, onde se erguem os edifícios gigantes.<br />
Aprecian<strong>do</strong> essa concepção de Agache, através da ma<strong>que</strong>te em gesso<br />
metaliza<strong>do</strong> <strong>que</strong> a materializa, senti n’alma um anseio de viver, <strong>que</strong> não era senão o<br />
desejo de gozar a majestade sem igual, a beleza sem par, o conforto sem falhas <strong>que</strong><br />
oferecerá a<strong>que</strong>le recanto da <strong>cidade</strong>, a<strong>que</strong>la área conquistada com o sacriíicio <strong>do</strong><br />
COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE / MAIO . 2005<br />
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histórico morro <strong>do</strong> Castelo, mas dignificada pelo gênio da raça latina em uma obra<br />
realizada pela vontade <strong>do</strong> povo brasileiro.<br />
Sob a scentelha desse entusiasmo, passei o olhar pelo esboço geral <strong>do</strong> plano<br />
de remodelação <strong>do</strong> Rio, esboço <strong>que</strong> ocupa a <strong>mais</strong> larga parede da sala de trabalhos<br />
<strong>do</strong> urbanista Agache.<br />
Pude então fitar a imagem, indecisa e fugitiva, mas insuperável e magnífica,<br />
<strong>do</strong> futuro Rio de Janeiro.<br />
Desembaraçada <strong>do</strong> morro de Santo Antonio, pólipo <strong>que</strong> lhe dificulta a<br />
respiração, quisto <strong>que</strong> lhe enfeia a fisionomia, reconheci as mesmas ruas, os<br />
mesmos bairros, as mesmas tradições da <strong>cidade</strong>; mas sobre o intrinca<strong>do</strong> destas<br />
obras, sem desrespeito ao passa<strong>do</strong>, sem desdém pelo sentimento brasileiro, havia o<br />
traço <strong>do</strong> progresso, a confiança em um grande destino, traduzida pela trama das<br />
novas avenidas, ruas e boulevards, cuja connexão inteligente estimulava a vida e a<br />
expansão de nossa capital, e cuja expressão de beleza honrava a moldura<br />
inconfundivel e esplêndida com <strong>que</strong> Deus presenteou a terra carioca para a alegria e<br />
feli<strong>cidade</strong> de seus habitantes.<br />
Mas o Rio de Janeiro de amanhã <strong>será</strong> tambem o recreio e a ventura <strong>do</strong>s<br />
forasteiros <strong>que</strong> desejem nutrir o espírito e encher o coração.<br />
Será o grande orgulho <strong>do</strong> Brasil e a <strong>mais</strong> <strong>linda</strong> <strong>metrópole</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />
COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE / MAIO . 2005<br />
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No primeiro número da revista Cruzeiro, uma visão futurista <strong>do</strong> Rio<br />
Como complemento <strong>do</strong>cumental <strong>do</strong> artigo <strong>do</strong> nosso colabora<strong>do</strong>r Dr. Mattos<br />
Pimenta, Cruzeiro tem a feli<strong>cidade</strong> de poder revelar aos seus leitores as duas<br />
ma<strong>que</strong>tes da praça monumental em <strong>que</strong> irá projetar-se a Avenida Rio Branco, e da<br />
originalíssima praça central <strong>do</strong> novo bairro conquista<strong>do</strong> pelo desmonte da colina<br />
histórica <strong>do</strong> Castelo.<br />
São estes os primeiros <strong>do</strong>cumentos <strong>que</strong> vêm a público <strong>do</strong> plano <strong>do</strong> urbanista<br />
Agache, a <strong>que</strong>m a prefeitura incumbiu da tarefa complexíssima de traçar as diretivas<br />
dentro das quais a Capital <strong>do</strong> Brasil se desenvolverá de agora para o futuro, e <strong>que</strong><br />
marca definitivamente o termo <strong>do</strong> regime arbitrário e desconexo a <strong>que</strong>, desde a<br />
remodelação inicial e benemérita <strong>do</strong> governo Rodrigues Alves, foi submetida a<br />
<strong>cidade</strong> maravilhosa.<br />
Estes <strong>do</strong>is sensacionais <strong>do</strong>cumentos, hoje trazi<strong>do</strong>s à luz da publi<strong>cidade</strong>,<br />
permitem visionar o critério moderno e monumental a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>. Nem se compreenderia<br />
<strong>que</strong> vigorassem em obra desta magnitude e <strong>que</strong> tem forçosamente de incorporar as<br />
<strong>mais</strong> recentes e audaciosas concepções urbanistas e estéticas, ideias antigas e já<br />
quase arcaicas, incompatíveis com os meios atuais de locomoção, os preceitos de<br />
higiene urbana, a ventilação <strong>do</strong>s edifícios, o escoamento rápi<strong>do</strong> <strong>do</strong> trânsito, a<br />
circulação e estacionamento <strong>do</strong>s veículos.<br />
COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE / MAIO . 2005<br />
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Na página central de Cruzeiro, o pintor Henri<strong>que</strong> Cavalleiro dá-nos uma visão<br />
antecipada <strong>do</strong> Rio Central, imaginan<strong>do</strong>-o verosimilmente eriça<strong>do</strong> de arranha-céus,<br />
como o bairro de Manhattam, em Nova York.<br />
Essa composição inclui no seu primeiro plano a praça monumental <strong>do</strong> projeto<br />
Agache, situada nos terrenos conquista<strong>do</strong>s pelo desmonte <strong>do</strong> Castelo e <strong>que</strong> serão<br />
consideravelmente amplia<strong>do</strong>s pela demolição <strong>do</strong> morro de Santo Antonio, cujo<br />
desaterro é destina<strong>do</strong> a retificar a linha desgraciosa <strong>do</strong> litoral, entre a Ponta <strong>do</strong><br />
Calabouço e a praia <strong>do</strong> Russel. Não só, porém, a primitiva concepção arquitetônica<br />
<strong>do</strong> professor Agache, <strong>que</strong> servira à<strong>que</strong>la composição, se alterou em algumas das<br />
suas características estéticas, como nos pareceu de elementar correção não deixar<br />
<strong>que</strong> o leitor pudesse atribuir à exclusiva autoria <strong>do</strong> urbanista o <strong>que</strong> não passava, na<br />
dupla página de Cruzeiro, de uma transfiguração posta em um ambiente imaginário,<br />
no qual colaborará a fantasia <strong>do</strong> artista. Estava, naturalmente, indica<strong>do</strong> <strong>que</strong><br />
empenhássemos to<strong>do</strong>s os esforços para <strong>do</strong>cumentar a nossa visão <strong>do</strong> Rio de<br />
Janeiro de 1950, vencen<strong>do</strong> o sigilo até agora guarda<strong>do</strong> pela Prefeitura sobre os<br />
primeiros esboços da magnífica capital de amanhã.<br />
A nossa indiscrição jornalística não visou, aliás, senão conjungar a legítima<br />
curiosidade <strong>do</strong> público com a justiça devida à grande obra <strong>que</strong> se está geran<strong>do</strong> e da<br />
qual resultará, para o prazer e orgulho da geração de amanhã, uma das <strong>mais</strong><br />
grandiosas e belas <strong>metrópole</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, em tu<strong>do</strong> digna da humanidade<br />
hipercivilizada <strong>do</strong> seculo XX.<br />
A fotografia da planta arquuitetônica da praça monumental mostra-nos, além<br />
da sua localização incomparável, a imponência sóbria <strong>do</strong>s edifícios públicos <strong>que</strong> o<br />
circundam como um anfiteatro e a originalidade da sua iluminação decorativa,<br />
composta de jatos de luz verticais, corta<strong>do</strong>a pelas projeções oblíquas <strong>do</strong>s pilones.<br />
Vestíbulo grandioso de uma <strong>cidade</strong> marítima, descen<strong>do</strong> em escadaria até as<br />
águas da Guanabara, a imensa praça está projetada para a sua função de palco<br />
cênico das solenidades oficiais e festividades públicas: paradas, desfiles, cortejos e<br />
comemorações cívicas. A<strong>que</strong>les <strong>que</strong> acusavam prematuramente o professor<br />
Agache de submeti<strong>do</strong> aos cânones da arte tradicional francesa e às leis clássicas<br />
das proporções, verificarão a orientação moderníssima a <strong>que</strong> estão sen<strong>do</strong><br />
subordina<strong>do</strong>s os planos <strong>do</strong> Rio de Janeiro vin<strong>do</strong>uro e <strong>que</strong> visam a criar uma <strong>cidade</strong><br />
modelo, aproveitan<strong>do</strong> as <strong>mais</strong> arrojadas concepções <strong>do</strong>s urbanistas alemães e<br />
norte-americanos.<br />
COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE / MAIO . 2005<br />
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Mas é, principalmente, na praça projetada para a área <strong>do</strong> antigo morro <strong>do</strong><br />
Castelo <strong>que</strong> essa orientação se evidencia com singular vigor. Sem a preocupação de<br />
solenidade a <strong>que</strong> tinha de ser submeti<strong>do</strong> o projeto da praça vestibular da capital, o<br />
professor Agache procurou solucionar no plano <strong>do</strong> bairro <strong>do</strong> Castelo os vários<br />
problemas da <strong>cidade</strong> futura, da <strong>cidade</strong> de população concentrada e de trânsito<br />
intenso, colocan<strong>do</strong> o arranha-céu em seu lugar como um pormenor panorâmico, tais<br />
as torres de uma fortaleza, jogan<strong>do</strong> com as perspectivas das grandes massas<br />
arquitetônicas e esforçan<strong>do</strong>-se por disciplinar o cáos titânico <strong>do</strong>s superedifícios,<br />
submeten<strong>do</strong>-os à lei <strong>do</strong> equilíbrio e da harmonia.<br />
No projeto desta zona da <strong>cidade</strong> foram também previstas áreas internas para<br />
estacionamento de automóveis, a fim de descongestionar o trânsito das ruas e<br />
avenidas, e a<strong>do</strong>tadas as galerias laterais, como as da rua Rivoli, de Paris, tão<br />
apropriadas ao clima tropical <strong>do</strong> Rio.<br />
Trazen<strong>do</strong> à publi<strong>cidade</strong> alguns <strong>do</strong>s aspectos <strong>mais</strong> sensacionaes <strong>do</strong> projecto<br />
de remodelação <strong>do</strong> Rio de Janeiro, Cruzeiro pretende marcar ante os seus leitores o<br />
posto de saliência <strong>que</strong> ocuparão no seu programma os assuntos <strong>que</strong> se referem ao<br />
progresso das <strong>cidade</strong>s brasileiras, entre as quaes a capital da República ocupa lugar<br />
primacial.<br />
Não é assunto de discussão a necessidade inadiável de submeter-se a um<br />
plano de conjunto o desenvolvimento vertiginoso da <strong>cidade</strong>. Quan<strong>do</strong> outros serviços<br />
não tivesse presta<strong>do</strong> à administração, por tantos titulos notável, <strong>do</strong> Sr. Antonio<br />
Pra<strong>do</strong>, bastaria a sua resolução de fazer elaborar esse plano geral para <strong>que</strong> o seu<br />
nome ficasse integra<strong>do</strong> para sempre na história da <strong>cidade</strong>, como o continua<strong>do</strong>r da<br />
obra inconclusa de Passos. Os aplausos <strong>que</strong> lhe devemos não privam, porém, esta<br />
revista <strong>do</strong> seu direito inalienável de apreciação e de crítica. Certamente, os vastos e<br />
laboriosos planos a <strong>que</strong> presidem a proficiência e a experiência consagrada <strong>do</strong><br />
insígne urnbanista francês, serão da<strong>do</strong>s a conhecer em todas as suas<br />
particularidades, a fim de <strong>que</strong> sobre eles se exerça a análise <strong>do</strong>s competentes.<br />
A incorporação de idéias e sugestões alheias no vasto plano de mo<strong>do</strong> algum<br />
diminuirá o mérito <strong>do</strong> seu supremo delinea<strong>do</strong>r. Aliás, o professor Agache prevê para<br />
a sua integral execução um perío<strong>do</strong> de meio século, e tu<strong>do</strong> leva crer <strong>que</strong> no espaço<br />
de cinqüenta anos muitos <strong>do</strong>s aspectos secundários desse grande plano hajam de<br />
sofrer alteração. O essencial é <strong>que</strong> o professor Agache e os engenheiros, urbanistas<br />
e arquitetos <strong>que</strong> trabalham sob a sua direção, tracem para a capital <strong>do</strong> Brasil as<br />
diretivas em <strong>que</strong> se expandirá a sua grandeza.<br />
COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE / MAIO . 2005<br />
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Como as catedrais da Idade Média e da Renascença, em <strong>que</strong> trabalhavam<br />
três e quatro gerações de arquitetos e escultores, a remodelação de uma <strong>cidade</strong> não<br />
pode ser a obra de um só homem. Várias gerações nela trabalharão para realizar e<br />
aperfeiçoar a obra ingente <strong>que</strong> o professor Agache, cria<strong>do</strong>r e remodela<strong>do</strong>r de<br />
<strong>cidade</strong>s, está delinean<strong>do</strong>.<br />
COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE / MAIO . 2005<br />
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