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1931: O ano de todas as revoltas - Secretaria-Geral do Ministério ...

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<strong>1931</strong>: O <strong>ano</strong> <strong>de</strong> <strong>tod<strong>as</strong></strong> <strong>as</strong> revolt<strong>as</strong><br />

A Ditadura<br />

Sabes a vida que levo<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia em que te vi:<br />

ou preso, ou então na rua,<br />

a conspirar contra ti.<br />

Mais uma que se per<strong>de</strong>u,<br />

Não vale a pena chorar.<br />

Tanta vez hei-<strong>de</strong> bater-me,<br />

Que acabarei por ganhar. (*)<br />

Francisco Lopes Melo<br />

Economicamente, também em Portugal se faziam sentir os efeitos da Depressão <strong>de</strong> 1929.<br />

Um pouco menos acentua<strong>do</strong>s e mais tardios que nos outros países, é certo: a política que<br />

Salazar vinha a impor <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1928 funcionou como travão aos efeitos da crise internacional.<br />

M<strong>as</strong> em <strong>1931</strong> a crise monetária europeia fez-se sentir, nos seus efeitos bancários e cambiais,<br />

também em Portugal e a situação agravou-se: <strong>as</strong> transferênci<strong>as</strong> <strong>do</strong> Br<strong>as</strong>il foram interrompid<strong>as</strong>,<br />

enquanto a <strong>de</strong>svalorização da libra trouxe como consequência a <strong>de</strong>svalorização d<strong>as</strong> receit<strong>as</strong> <strong>de</strong><br />

juro <strong>do</strong>s títulos <strong>de</strong> capital e <strong>de</strong>pósitos no estrangeiro. O número <strong>de</strong> emigrantes reduziu -se e<br />

aumentou o <strong>de</strong>semprego – não absorvi<strong>do</strong> pel<strong>as</strong> saíd<strong>as</strong> <strong>do</strong> país. Além <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s estes factores,<br />

também <strong>as</strong> cotações d<strong>as</strong> exportações coloniais baixaram, sen<strong>do</strong> obviamente reduzi<strong>do</strong> o<br />

rendimento português que encontrava aí uma parte importante d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> fontes.<br />

O governo <strong>de</strong> Oliveira Salazar enceta um conjunto <strong>de</strong> medid<strong>as</strong> restritiv<strong>as</strong>, começan<strong>do</strong><br />

pelo orçamento <strong>de</strong> <strong>1931</strong>/32, para o qual se prevê um <strong>de</strong>créscimo <strong>de</strong> 7,8% n<strong>as</strong> <strong>de</strong>spes<strong>as</strong>, com<br />

um superavit <strong>de</strong> 1900 contos.<br />

O Esta<strong>do</strong> intervém igualmente na economia privada e aprova o regulamento sobre o<br />

condicionamento industrial, atingin<strong>do</strong> sectores <strong>de</strong> trabalho intensivo como a cortiça, a tecelagem<br />

<strong>de</strong> lãs e algodões, os chocolates, a pelaria e os curtumes, entre outros sectores.<br />

Os movimentos <strong>de</strong> protesto começaram em Fevereiro na Ma<strong>de</strong>ira, para se tornarem mais<br />

intensos em Abril, num momento em que tiveram a a<strong>de</strong>são <strong>do</strong>s Açores. Na mesma altura<br />

também a Guiné se manifestou e, pouco <strong>de</strong>pois Moçambique. Mais tar<strong>de</strong> em 26 <strong>de</strong> Agosto, foi<br />

Lisboa que experimentou o pronunciamento.<br />

As manifestações <strong>de</strong> grupos acompanharam o <strong>ano</strong>. Para além d<strong>as</strong> já referid<strong>as</strong>, também o<br />

país esteve sob uma vaga <strong>de</strong> greves, mais ou menos sucedid<strong>as</strong>, que tiveram o seu ponto<br />

culminante em 1 <strong>de</strong> Maio, como teremos oc<strong>as</strong>ião <strong>de</strong> verificar. Também movimentos estudantis<br />

vieram seguir estes acontecimentos.<br />

(*)Versos escritos no tecto <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s quartos da fortaleza-prisão <strong>de</strong> São João Baptista, Angra <strong>do</strong> Heroísmo, em Abril <strong>de</strong><br />

<strong>1931</strong>, cit. in A. H. <strong>de</strong> Oliveira Marques, A Literatura Clan<strong>de</strong>stina em Portugal, vol. II, editorial Fragmentos, 1990, p. 260.<br />

1


O <strong>ano</strong> <strong>de</strong> <strong>1931</strong> foi agita<strong>do</strong>. Nova vaga <strong>de</strong> conspirações estala em <strong>1931</strong>, o «o <strong>ano</strong> <strong>de</strong> <strong>tod<strong>as</strong></strong> <strong>as</strong><br />

revolt<strong>as</strong>». Seria este, o último <strong>de</strong> «revoluções» saíd<strong>as</strong> à rua e aquele, <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> e <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro<br />

susto da Ditadura. Deparava esta uma situação social crescentemente <strong>de</strong>teriorada pelos<br />

efeitos da crise internacional <strong>de</strong> 1929, marcada pelo reavivar da agitação anarco-sindicalista e<br />

comunista e pela insatisfação <strong>do</strong>s sectores <strong>do</strong>s serviços, particularmente atingi<strong>do</strong>s pelo<br />

<strong>de</strong>semprego. E vivia um momento agita<strong>do</strong> <strong>de</strong> lut<strong>as</strong> intern<strong>as</strong> com a Liga 28 <strong>de</strong> Maio a disputar<br />

a li<strong>de</strong>rança salazarista.<br />

Compreen<strong>de</strong>-se nestes termos que a revolta da Ma<strong>de</strong>ira – iniciada a 4 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> <strong>1931</strong> –<br />

seguida <strong>do</strong>s pronunciamentos em Angra <strong>do</strong> Heroísmo (7 <strong>de</strong> Abril), Praia da Vitória e Ponta<br />

Delgada (8 <strong>de</strong> Abril), Graciosa (10 <strong>de</strong> Abril), <strong>de</strong> uma tentativa frustada em São Tomé (12 <strong>de</strong><br />

Abril) e <strong>de</strong> outra bem sucedida na Guiné (17 <strong>de</strong> Abril), tu<strong>do</strong> segui<strong>do</strong> pela proclamação da<br />

República em Espanha (14 <strong>de</strong> Abril), bem se enten<strong>de</strong>, que esta quinzena negra provoc<strong>as</strong>se um<br />

profun<strong>do</strong> abalo no regime: dir-se-ia que a mudança em Espanha era premonitória...<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> arrancar com a «revolução» a partir <strong>do</strong>s «elos fracos», ultramarinos <strong>do</strong><br />

aparelho policial-militar – on<strong>de</strong> à fraqueza da máquina militar e repressiva se juntava a<br />

concentração <strong>de</strong> <strong>de</strong>porta<strong>do</strong>s civis e militares gozan<strong>do</strong> <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimentos – tinha largo<br />

curso entre os exila<strong>do</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>as</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> implantação interna d<strong>as</strong> conspirações se<br />

tinham torna<strong>do</strong> após 1928 qu<strong>as</strong>e intransponíveis. António Sérgio já o <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ra em Paris, e<br />

Cunha Leal com outros <strong>de</strong>porta<strong>do</strong>s tentara em Setembro <strong>de</strong> 1930 executar um pl<strong>ano</strong><br />

revolucionário nos Açores que <strong>de</strong>parara com forte oposição <strong>do</strong> sector liga<strong>do</strong> à Liga <strong>de</strong> Paris.<br />

REVOLTA DA MADEIRA<br />

Estu<strong>do</strong>s recentes têm <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> que a revolta da Ma<strong>de</strong>ira tem, na sua origem, caus<strong>as</strong><br />

regionais específic<strong>as</strong>: <strong>de</strong>scontentamento provoca<strong>do</strong> pela crise económica (crise d<strong>as</strong> exportações<br />

tradicionais, <strong>do</strong> turismo, d<strong>as</strong> indústri<strong>as</strong> <strong>do</strong>s borda<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>s lacticínios e <strong>de</strong>semprego crescente), pela<br />

crise financeira (falência d<strong>as</strong> principais c<strong>as</strong><strong>as</strong> bancári<strong>as</strong> ma<strong>de</strong>irenses) e pelo consequente<br />

reavivar <strong>do</strong>s sentimentos autonomist<strong>as</strong>. O Decreto 19.237 <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> <strong>1931</strong>, sobre o<br />

regime cerealífero que estabelecia o monopólio da sua importação como forma <strong>de</strong> regularizar o<br />

seu comércio – originan<strong>do</strong> o aumento <strong>do</strong> preço <strong>do</strong> pão – fora o <strong>de</strong>tona<strong>do</strong>r <strong>de</strong> levantamentos<br />

populares acompanha<strong>do</strong>s <strong>de</strong> tumultos e <strong>do</strong> encerramento <strong>do</strong> comércio nos primeiros di<strong>as</strong> <strong>de</strong><br />

Fevereiro. A 6 <strong>de</strong> Fevereiro, a greve <strong>do</strong>s estiva<strong>do</strong>res fez <strong>de</strong>spoletar a convulsão social que<br />

levou ao <strong>as</strong>salto d<strong>as</strong> moagens e a vári<strong>as</strong> manifestações populares. Esta revolta popular é<br />

chamada revolta da farinha, da<strong>do</strong> que o governo <strong>de</strong>cidira suspen<strong>de</strong>r a importação <strong>de</strong> farinha,<br />

aumentan<strong>do</strong> o preço <strong>do</strong> pão, o que serviu <strong>de</strong> pretexto para uma revolta que dura <strong>de</strong> 5 a 11 <strong>de</strong><br />

Fevereiro <strong>de</strong> <strong>1931</strong>. No dia 25 <strong>de</strong> Fevereiro estrutur<strong>as</strong> anarco-sindicalist<strong>as</strong> e comunist<strong>as</strong><br />

organizam greves e manifestações, em vári<strong>as</strong> localida<strong>de</strong>s, exigin<strong>do</strong> liberda<strong>de</strong> sindical e<br />

medid<strong>as</strong> <strong>de</strong> combate ao <strong>de</strong>semprego.<br />

A ditadura suspen<strong>de</strong>ra o <strong>de</strong>creto, m<strong>as</strong> enviara a Companhia <strong>de</strong> Caça<strong>do</strong>res 5 para a ilha<br />

capitaneada por um «Delega<strong>do</strong> Especial <strong>do</strong> Governo» o coronel Silva Leal, porém, à sua<br />

chegada, a 9 <strong>de</strong> Fevereiro, havia regressa<strong>do</strong> a normalida<strong>de</strong>. A acção <strong>de</strong>ste agente <strong>do</strong> Governo<br />

sobre os revoltosos granjeara-lhe gran<strong>de</strong> impopularida<strong>de</strong> entre a população e militares, porque<br />

foi o gran<strong>de</strong> responsável pela repressão e <strong>de</strong>portação daqueles. Se tivermos em conta to<strong>do</strong>s os<br />

relatórios oficiais e a maioria <strong>do</strong>s <strong>de</strong>poimentos chega-se à simplista conclusão que esta foi uma<br />

expressão <strong>de</strong> revolta contra a prepotência <strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r Civil, José Maria <strong>de</strong> Freit<strong>as</strong> e o<br />

Delega<strong>do</strong> Especial <strong>do</strong> Governo, coronel Silva Leal. A arrogância e falta <strong>de</strong> tacto que<br />

<strong>de</strong>monstrara, <strong>as</strong> medid<strong>as</strong> repressiv<strong>as</strong> que a<strong>do</strong>pta, a inv<strong>as</strong>ão d<strong>as</strong> competênci<strong>as</strong> <strong>do</strong>s oficiais da<br />

guarnição militar local e o facto <strong>de</strong> vários oficiais <strong>do</strong> contigente vin<strong>do</strong> <strong>do</strong> Continente serem já<br />

notórios oposicionist<strong>as</strong> – são factores que vão contribuir para a eclosão <strong>do</strong> movimento.<br />

É <strong>de</strong>ste núcleo <strong>de</strong> oficiais vin<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Continente – sobretu<strong>do</strong> <strong>do</strong> tenente Manuel Camões –<br />

que parte a conspiração, em colaboração com parte da oficialida<strong>de</strong> local. Ela será inicialmente<br />

hostilizada pela gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s oficiais e políticos <strong>de</strong>porta<strong>do</strong>s na Ma<strong>de</strong>ira entre os quais se<br />

2


contavam alguns chefes <strong>do</strong> movimento <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1927, como o general Sousa Di<strong>as</strong>, os<br />

coronéis Freiria e Men<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s Reis, o major António Varão, ou os capitães Carlos Vilhena e<br />

Sílvio Pélico. Na realida<strong>de</strong>, os <strong>de</strong>porta<strong>do</strong>s não participarão n<strong>as</strong> operações <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ad<strong>as</strong> às 7 da<br />

manhã <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> Abril e vitoriosamente concluíd<strong>as</strong>, três hor<strong>as</strong> <strong>de</strong>pois, com <strong>as</strong> autorida<strong>de</strong>s pres<strong>as</strong><br />

e os serviços públicos ocupa<strong>do</strong>s pelos revoltosos.<br />

Só <strong>de</strong>pois disso, e <strong>de</strong> difundida a «Proclamação ao Exército e à Nação» que <strong>de</strong>clara que<br />

só obe<strong>de</strong>ceria a um governo republic<strong>ano</strong> que restaure <strong>as</strong> liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocrátic<strong>as</strong> e restabeleça<br />

uma constituição por eleições livres se obteve a a<strong>de</strong>são <strong>do</strong>s principais vultos militares da<br />

<strong>de</strong>portação que, sob a presidência <strong>de</strong> Sousa Di<strong>as</strong>, integrarão a Junta Revolucionária. O chefe<br />

civil é o antigo ministro Pestana Júnior. Apelam também à revolta d<strong>as</strong> unida<strong>de</strong>s militares <strong>do</strong><br />

Continente, <strong>do</strong>s Açores e d<strong>as</strong> colóni<strong>as</strong>. Ao contrário, nos Açores e na Guiné, a iniciativa<br />

revolucionária – nalguns c<strong>as</strong>os já há algum tempo congeminada – parte <strong>do</strong>s núcleos <strong>de</strong><br />

exila<strong>do</strong>s, que, apoia<strong>do</strong>s na força <strong>do</strong> exemplo ma<strong>de</strong>irense e com a colaboração <strong>de</strong> alguns oficiais<br />

tomam conta d<strong>as</strong> rar<strong>as</strong> e pouco numeros<strong>as</strong> guarnições locais.<br />

Ingleses, norte-americ<strong>ano</strong>s e br<strong>as</strong>ileiros <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m criar uma zona neutral nalguns hotéis <strong>do</strong><br />

Funchal. Os oposicionist<strong>as</strong> no exílio, sob a li<strong>de</strong>rança da chamada Liga <strong>de</strong> Paris, chegam a falar<br />

na constituição <strong>de</strong> uma República da Atlântida.<br />

Nos Açores, sob o coman<strong>do</strong> <strong>de</strong> militares e civis <strong>de</strong>porta<strong>do</strong>s, nomeadamente o comandante<br />

Maia Rebelo, o capitão <strong>de</strong> mar e guerra João Manuel <strong>de</strong> Carvalho, o major Arman<strong>do</strong> Pires<br />

Falcão (pai da jornalista Vera Lagoa) e o si<strong>do</strong>nista Lobo Pimentel, a<strong>de</strong>rem à revolta <strong>as</strong> ilh<strong>as</strong> <strong>de</strong><br />

S. Miguel, Terceira, Graciosa e S. Jorge. A 17 <strong>de</strong> Abril, também com alguns pretextos <strong>de</strong><br />

natureza local na Guiné, pren<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o governa<strong>do</strong>r e não encontran<strong>do</strong> resistência, forma-se então<br />

uma Junta Revolucionária que formula a mesma reinvidic ação a Lisboa. Em Moçambique e em<br />

São Tomé a revolta falha, sen<strong>do</strong> os insurrectos presos. As principais esperanç<strong>as</strong> <strong>do</strong>s revoltosos<br />

da Ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>positam-se no apoio d<strong>as</strong> unida<strong>de</strong>s da Metrópole. Poucos di<strong>as</strong> <strong>de</strong>pois da tomada<br />

<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r na Ma<strong>de</strong>ira, partem para Portugal <strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s da Junta para preparar a revolta no Norte<br />

e alguns <strong>de</strong>sembarcam no Algarve. Uma d<strong>as</strong> dimensões estratégic<strong>as</strong> da revolta seria a <strong>de</strong> atrair<br />

<strong>as</strong> melhores unida<strong>de</strong>s à ilha, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> o Continente <strong>de</strong>sprotegi<strong>do</strong>.<br />

Os revolucionários ma<strong>de</strong>irenses não tinham excessiv<strong>as</strong> ilusões. A única esperança <strong>de</strong><br />

sucesso <strong>do</strong> seu movimento – e afinal o seu real objectivo – era vir a provocar o levantamento<br />

no Continente. E esperavam uma <strong>de</strong> du<strong>as</strong> cois<strong>as</strong>: ou o Governo <strong>de</strong>sguarnecia a sua rectaguarda<br />

envian<strong>do</strong> <strong>do</strong> Continente contra a Ma<strong>de</strong>ira <strong>as</strong> su<strong>as</strong> «trop<strong>as</strong> fortes» fiéis e melhor armad<strong>as</strong> – e<br />

criava a oportunida<strong>de</strong> para uma acção revolucionária vitoriosa no Continente ou enviava<br />

«trop<strong>as</strong> frac<strong>as</strong>», susceptíveis <strong>de</strong> se p<strong>as</strong>sarem para os rebel<strong>de</strong>s, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> infligir -se à ditadura<br />

uma <strong>de</strong>rrota <strong>de</strong> imprevisíveis consequênci<strong>as</strong>.<br />

Não se verificou nenhuma <strong>de</strong>l<strong>as</strong>. Por um la<strong>do</strong>, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> saber o terreno que pisava,<br />

o Governo enviará n<strong>as</strong> expedições para a Ma<strong>de</strong>ira «trop<strong>as</strong> mist<strong>as</strong>», não <strong>de</strong>scuran<strong>do</strong> a segurança<br />

no Continente e <strong>as</strong>seguran<strong>do</strong>-se da disciplina <strong>do</strong>s efectivos expedicionários. Por outro la<strong>do</strong>, a<br />

revolta não terá na Metrópole eco revolucionário imediato, apesar <strong>do</strong> recru<strong>de</strong>scimento da<br />

agitação estudantil e popular instalada após a implantaçao da II Republica espanhola, em<br />

mea<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Abril, e d<strong>as</strong> gran<strong>de</strong>s manifestações populares motivada pela morte <strong>de</strong> um estudante<br />

<strong>de</strong> Medicina <strong>do</strong> Porto, em Maio <strong>de</strong>sse <strong>ano</strong>, na sequência da greve académica então<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada.<br />

Com início a 25 <strong>de</strong> Abril, a greve <strong>do</strong>s estudantes da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina <strong>de</strong> Lisboa<br />

expan<strong>de</strong>-se às três universida<strong>de</strong>s. É prevista uma <strong>as</strong>sembleia geral <strong>do</strong>s professores para<br />

tratamento <strong>de</strong> <strong>as</strong>suntos pedagógicos, com movimentação <strong>de</strong> estudantes republic<strong>ano</strong>s. O<br />

Ministro da Educação <strong>de</strong>mite o Reitor e encerra a Universida<strong>de</strong>. É nomeada nova equipa<br />

reitoral, com o professor <strong>de</strong> Medicina João Duarte <strong>de</strong> Oliveira, a reitor, e Luís Cabral <strong>de</strong><br />

Moncada, como vice-reitor. Uma carga policial na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina <strong>do</strong> Porto origina um<br />

morto – João Martins Branco estudante <strong>do</strong> Instituto Industrial – cujo funeral naquela cida<strong>de</strong>, a<br />

30 <strong>de</strong> Abril, é uma impressionante manifestação contra a ditadura. O dia 1 <strong>de</strong> Maio foi marca<strong>do</strong><br />

em Lisboa por tumultos e escaramuç<strong>as</strong> entre numerosos grupos <strong>de</strong> civis e trop<strong>as</strong> da G.N.R. e <strong>do</strong><br />

3


Exército. A 9 <strong>de</strong> Maio, convocad<strong>as</strong> pelo Parti<strong>do</strong> Comunista Português verificam-se nov<strong>as</strong><br />

manifestações e choques com a polícia e a G.N.R. em Lisboa e no Porto. Manifestações,<br />

contramanifestações, confrontos com apoiantes da União Nacional e da Liga ao Grémio<br />

Lusit<strong>ano</strong> (Maçonaria), vão prolongar-se até fins <strong>de</strong> Maio. M<strong>as</strong> não se p<strong>as</strong>sa disso. O<br />

reviralhismo não tivera condições para secundar a revolta d<strong>as</strong> ilh<strong>as</strong>.<br />

O Governo sabia o perigo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar prolongar, sem imediata resposta a revolta insular:<br />

não só ela fornecia ao republicanismo uma b<strong>as</strong>e territorial estável para legitimar a eventual<br />

proclamação <strong>de</strong> um governo que se reivindic<strong>as</strong>se da verda<strong>de</strong>ira legalida<strong>de</strong> constitucional,<br />

crian<strong>do</strong> fortes embaraços aos «usurpa<strong>do</strong>res» <strong>de</strong> Lisboa como se po<strong>de</strong>ria constituir uma b<strong>as</strong>e <strong>de</strong><br />

<strong>as</strong>salto ao Continente e <strong>de</strong> permanente subversão – entre os dita<strong>do</strong>res não haveria <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sconhecer-se a história d<strong>as</strong> revolt<strong>as</strong> liberais...<br />

Nesta aflição <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a rectaguarda e preparar a toda a pressa expedições militares<br />

contra <strong>as</strong> ilh<strong>as</strong>, valeu à Ditadura, há que salientá-lo, o <strong>de</strong>cisivo apoio <strong>do</strong> Governo britânico que<br />

nunca escon<strong>de</strong>u a sua clara simpatia pelo regime instala<strong>do</strong> e, mais precisamente, por Salazar.<br />

Perante a «ansieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> governo face à revolta na ilha da Ma<strong>de</strong>ira», o embaixa<strong>do</strong>r<br />

britânico, Sir Francis Lindley, pe<strong>de</strong> a intervenção <strong>de</strong> navios <strong>de</strong> guerra britânicos ancora<strong>do</strong>s no<br />

Tejo, que <strong>de</strong>sembarcaram trop<strong>as</strong> na Ma<strong>de</strong>ira, m<strong>as</strong> não participam no conflito interno,<br />

limitan<strong>do</strong>-se a dissuadir a interferência <strong>de</strong> outros po<strong>de</strong>res na zona vital <strong>do</strong>s arquipélagos.<br />

Simultaneamente, e a pedi<strong>do</strong> insistente <strong>do</strong> Governo português, o Foreign Office autoriza a<br />

venda <strong>de</strong> armamento expressamente para apoiar a ditadura militar ameaçada, aceitan<strong>do</strong> o<br />

argumento <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s responsáveis <strong>do</strong> <strong>de</strong>sk para Portugal: <strong>de</strong> que «sem dúvida que o regime é<br />

uma ditadura. M<strong>as</strong> é mais representativo <strong>do</strong> que qualquer <strong>do</strong>s <strong>de</strong>sacredita<strong>do</strong>s governos<br />

anteriores». A medida, segun<strong>do</strong> o mesmo funcionário, «ajudaria a reforçar o efeito da visita <strong>do</strong><br />

príncipe <strong>de</strong> Gales», que, com o duque <strong>de</strong> Kent, se <strong>de</strong>sloca significativamente nessa altura em<br />

visita oficial a Lisboa. Em Maio <strong>de</strong>sse <strong>ano</strong>, a emba ixada podia concluir, pela pena <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s<br />

seus diplomat<strong>as</strong>, que «os portugueses (...) compreen<strong>de</strong>ram que foram os esforços <strong>de</strong> Sir Francis<br />

Lindley com o esforço <strong>do</strong> Governo <strong>de</strong> S. M. no Reino Uni<strong>do</strong> e os navios <strong>de</strong> S. M. que salvaram<br />

o país <strong>de</strong> mergulhar na anarquia».<br />

Afiança<strong>do</strong> no apoio político e material inglês e relativamente seguro quanto ao<br />

Continente, o Governo faz seguir logo a 7 <strong>de</strong> Abril, a primeira expedição militar comandada<br />

pelo coronel, Fernan<strong>do</strong> Borges oficial <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> na repressão <strong>do</strong>s movimentos <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong><br />

1927. Vai, logicamente começar pela parte fraca da revolta, ou seja, pelos Açores porque, ao<br />

contrário <strong>do</strong> que suce<strong>de</strong>u na Ma<strong>de</strong>ira os militares não tiveram apoio popular. Chega<strong>do</strong> à Horta<br />

– que se mantivera fiel – a 12 <strong>de</strong> Abril, com o apoio <strong>de</strong> vários navios <strong>de</strong> guerra, entretanto<br />

chega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Lisboa impõe a rendição, sem luta entre 17 e 20 <strong>de</strong> Abril a to<strong>do</strong>s os focos rebel<strong>de</strong>s<br />

açori<strong>ano</strong>s.<br />

A 24 <strong>de</strong> Abril, larga da capital com <strong>de</strong>stino à Ma<strong>de</strong>ira, a segunda expedição militar,<br />

seguida <strong>do</strong> Ni<strong>as</strong>sa, no dia seguinte, on<strong>de</strong> embarca o ministro da Marinha Magalhães Correia<br />

que iria comandar <strong>as</strong> operações.<br />

Est<strong>as</strong> iniciam-se a 26 <strong>de</strong> Abril com uma frustrada tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembarque no Caniçal,<br />

concretizada no dia seguinte na Ponta <strong>de</strong> São Lourenço. A resistência, com evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>svantagem<br />

<strong>de</strong> homens e, sobretu<strong>do</strong> <strong>de</strong> material para os revoltosos, prolonga-se até ao dia 2 <strong>de</strong> Maio,<br />

quan<strong>do</strong> a Junta Revolucionária se ren<strong>de</strong> sem condições sen<strong>do</strong> presos os seus chefes. Finalmente,<br />

a 6 <strong>de</strong> Maio, na Guiné, os insurrectos enviam uma mensagem <strong>de</strong> rendição sem condições.<br />

Apesar <strong>de</strong> se terem coloca<strong>do</strong> sob protecção inglesa no navio Lon<strong>do</strong>n, que se tinha<br />

dirigi<strong>do</strong> à ilha para proteger pesso<strong>as</strong> e bens ingleses, os principais dirigentes da revolta,<br />

nomeadamente Sousa Di<strong>as</strong> e cerca <strong>de</strong> 120 revoltosos foram conduzi<strong>do</strong>s a terra e entregues às<br />

autorida<strong>de</strong>s, sen<strong>do</strong> ime diatamente <strong>de</strong>porta<strong>do</strong>s para Cabo Ver<strong>de</strong>. Saliente-se aliás a colaboração<br />

inglesa na jugulação da revolta, quer em termos estratégicos, quer no fornecimento <strong>de</strong> material<br />

militar ao governo da ditadura.<br />

Após 28 di<strong>as</strong> (<strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> Abril a 3 <strong>de</strong> Maio) <strong>de</strong> intensa liberda<strong>de</strong> regressou tu<strong>do</strong> à<br />

normalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> regime. Contaram-se os mortos, inventariaram-se os d<strong>ano</strong>s e <strong>as</strong> <strong>de</strong>spes<strong>as</strong>. Aos<br />

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evoltosos impuseram-se pen<strong>as</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>portação e <strong>de</strong>missão <strong>do</strong>s cargos. Para a ilha terá fica<strong>do</strong> um<br />

ónus <strong>de</strong> 10% na carga fiscal.<br />

Certamente que esta empatia que contagiou os militares <strong>de</strong> Caça<strong>do</strong>res 5, os <strong>de</strong>porta<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

Lazareto, os republic<strong>ano</strong>s ma<strong>de</strong>irenses, e a maioria da população funchalense, foi a chave da<br />

forte explosão <strong>de</strong> revolta que contribuiu para que, face à presença <strong>de</strong> uma força militar, tu<strong>do</strong> se<br />

<strong>de</strong>sfizesse e ce<strong>do</strong> se reconhecesse a aventura. A força da razão e d<strong>as</strong> convicções ce<strong>de</strong>u à d<strong>as</strong><br />

arm<strong>as</strong>. Na verda<strong>de</strong>, foi uma convulsão que seguiu os ímpetos exalta<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s intervenientes e,<br />

certamente, a surpresa <strong>do</strong> evoluir diário foi mútua, em ambos os la<strong>do</strong>s da barricada.<br />

REVOLTA DE 26 DE AGOSTO<br />

Seria preciso esperar até Agosto pelo eco tardio, no Continente, da revolta da Ma<strong>de</strong>ira. O<br />

tempo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong>s exila<strong>do</strong>s em França se <strong>de</strong>slocarem para Espanha on<strong>de</strong>, à sombra <strong>do</strong><br />

apoio <strong>de</strong> Manuel Azaña, então ministro da Guerra <strong>do</strong> Governo republic<strong>ano</strong> e <strong>do</strong>s socialist<strong>as</strong><br />

espanhóis, se prepararem para o que será a última «revolução».<br />

Em Madrid, os «Bud<strong>as</strong>», em contacto com <strong>as</strong> potencialida<strong>de</strong>s da Liga <strong>de</strong> Paris e com<br />

ligações, via Azaña ao Governo espanhol preparavam o seu movimento. Tinham mesmo<br />

consegui<strong>do</strong> obter gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> armamento com a cobertura <strong>de</strong> Azaña: material <strong>de</strong><br />

guerra <strong>do</strong> aeroporto <strong>de</strong> Alcazares fora <strong>de</strong>svia<strong>do</strong> para a fronteira e entrava em Portugal.<br />

Com centro em Paris, a Oposição organizara-se a partir <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1927, tentan<strong>do</strong><br />

agrupar <strong>as</strong> vári<strong>as</strong> correntes partidári<strong>as</strong> num combate sem trégu<strong>as</strong> contra os dita<strong>do</strong>res. Surgiu<br />

<strong>as</strong>sim a Liga <strong>de</strong> Defesa da República (vulgo Liga <strong>de</strong> Paris), cujos dirigentes eram Afonso<br />

Costa, Álvaro <strong>de</strong> C<strong>as</strong>tro (faleci<strong>do</strong> em 1928), José Domingues <strong>do</strong>s Santos, Jaime Cortesão e<br />

António Sérgio. M<strong>as</strong> a Liga não conseguiu a unida<strong>de</strong> sonhada, ten<strong>do</strong> <strong>de</strong>para<strong>do</strong> sempre com a<br />

<strong>de</strong>sconfiança e até a resistência <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Democrático. Mau gra<strong>do</strong> os vários esforços no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> efectiva <strong>as</strong> divisões que tinham gr<strong>as</strong>sa<strong>do</strong> durante o perío<strong>do</strong> final da 1ª<br />

República ainda se exacerbaram entre os exila<strong>do</strong>s impedin<strong>do</strong> toda e qualquer acção eficaz<br />

contra o regime ditatorial. Por volta <strong>de</strong> <strong>1931</strong>, a Liga <strong>de</strong> Paris estava praticamente morta, da sua<br />

existência não restan<strong>do</strong> mais que alguns <strong>do</strong>cumentos combativos e um <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pl<strong>ano</strong> <strong>de</strong><br />

governo futuro que viria a influenciar o i<strong>de</strong>ário e <strong>as</strong> realizações <strong>do</strong> «Esta<strong>do</strong> Novo».<br />

M<strong>as</strong> nos princípios <strong>de</strong> Agosto, os «Bud<strong>as</strong>» <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m um novo adiamento da revolta por<br />

<strong>do</strong>is meses. A isso nã o eram estranh<strong>as</strong> <strong>as</strong> divergênci<strong>as</strong> com a corrente <strong>do</strong>s exila<strong>do</strong>s on<strong>de</strong><br />

pontificavam Cunha Leal, Ribeiro <strong>de</strong> Carvalho, Cunha Aragão, Álvaro Poppe, Sarmento Beires<br />

e os sectores liga<strong>do</strong>s ao Parti<strong>do</strong> Republic<strong>ano</strong> Português fixa<strong>do</strong>s nos núcleos da Galiza. Acusam<br />

os «Bud<strong>as</strong>» e a Liga <strong>de</strong> Paris, repetin<strong>do</strong> tendênci<strong>as</strong> antig<strong>as</strong>, <strong>de</strong> querer monopolizar a<br />

organização, o coman<strong>do</strong> e o futuro da restauração republicana. Por isso mesmo, também eles<br />

<strong>de</strong>senvolveram a sua organização revolucionária própria e obtiveram arm<strong>as</strong> com a cumplicida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>s socialist<strong>as</strong> espanhóis.<br />

Será da impaciência e da não aceitação por parte <strong>de</strong> alguns «operacionais» liga<strong>do</strong>s a estes<br />

sectores – sobretu<strong>do</strong> o coronel Utra Macha<strong>do</strong> e o tenente-coronel Sarmento Beires – <strong>do</strong> novo<br />

adiamento pelos «Bud<strong>as</strong>» que sai, prematura e envolven<strong>do</strong> só parte d<strong>as</strong> ligações, a «revolução»<br />

<strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> <strong>1931</strong>. Com uma agravante: apanharam <strong>de</strong>spreveni<strong>do</strong>s, e empenha<strong>do</strong>s na<br />

sua campanha eleitoral, os políticos da Aliança Republicana-Socialista agora <strong>de</strong> novo<br />

aposta<strong>do</strong>s na via <strong>do</strong> combate legal à ditadura, que lhes conce<strong>de</strong>ra a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participar<br />

n<strong>as</strong> projectad<strong>as</strong> (e nunca realizad<strong>as</strong>) eleições autárquic<strong>as</strong>.<br />

No rescal<strong>do</strong> da <strong>de</strong>rrota da «Revolta d<strong>as</strong> Ilh<strong>as</strong>» e <strong>do</strong> movimento aborta<strong>do</strong> <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> Maio, os<br />

principais lí<strong>de</strong>res reviralhist<strong>as</strong> <strong>de</strong>mandam a Espanha republicana e restabelece-se, <strong>de</strong> novo,<br />

num clima <strong>de</strong> autêntico frenesim, a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> contactos, em torno d<strong>as</strong> figur<strong>as</strong> centrais <strong>do</strong><br />

movimento: Bernardino Macha<strong>do</strong>, Afonso Costa e José Domingues <strong>do</strong>s Santos, o grupo <strong>do</strong>s<br />

«Bud<strong>as</strong>» e o tenente-coronel Ribeiro <strong>de</strong> Carvalho. De igual mo<strong>do</strong>, procura-se o restabelecimento<br />

d<strong>as</strong> relações com os revolucionários ainda no interior <strong>do</strong> país. De um la<strong>do</strong> e outro – na Ditadura<br />

e na Oposição – adquirira-se a consciência <strong>de</strong> que os próximos tempos iam ser <strong>de</strong>cisivos na<br />

clarificação <strong>de</strong>finitiva da situação. O peso <strong>do</strong> processo da transição espanhola e <strong>as</strong> promess<strong>as</strong><br />

5


<strong>de</strong> constitucionalização a que se tinha sujeita<strong>do</strong> o ministro da Marinha no Funchal, perante os<br />

revoltosos, voltavam a colocar na or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> dia <strong>as</strong> du<strong>as</strong> linh<strong>as</strong> <strong>de</strong> evolução que se confronta vam<br />

no interior da Ditadura: a constitucional e a ditatorial. Aproveitan<strong>do</strong> a relativa abertura<br />

produzida pelo lançamento <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> recenseamento eleitoral, sectores republic<strong>ano</strong>s e<br />

socialist<strong>as</strong> constituem a A.R.S. (Aliança Republicana e Socialista), preconizan<strong>do</strong> uma via <strong>de</strong><br />

transição pacifica através <strong>de</strong> eleições.<br />

No entanto, a oposição reviralhista era cada vez mais minoritária. A Ditadura conseguiu<br />

a<strong>do</strong>rmecer uma boa parte da oposição republicana através da promessa <strong>de</strong> eleições municipais<br />

nos finais <strong>de</strong> <strong>1931</strong> O Governo vai mesmo ao ponto <strong>de</strong> permitir, com vista a <strong>as</strong>segurar a sua<br />

participação no acto eleitoral, a constituição da Aliança Republicana e Socialista uma frente <strong>de</strong><br />

parti<strong>do</strong>s republic<strong>ano</strong>s e <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Socialista li<strong>de</strong>rada pelo general Norton <strong>de</strong> Matos ten<strong>do</strong> como<br />

dirigentes os almirantes Men<strong>de</strong>s Cabeçad<strong>as</strong> e Tito <strong>de</strong> Morais, o embaixa<strong>do</strong>r Duarte Leite, os<br />

advoga<strong>do</strong>s socialist<strong>as</strong> Ramada Curto e Mário <strong>de</strong> C<strong>as</strong>tro, o professor Mário <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> Gomes,<br />

entre outros.<br />

Carmona e o ministro <strong>do</strong> Interior recebem uma <strong>de</strong>legação da Aliança Republicana e<br />

Socialista, com quem acordam um adiamento <strong>do</strong> recenseamento eleitoral e os termos em que<br />

seria autorizada a campanha oposicionista (que se <strong>de</strong>veria abster <strong>de</strong> ataques à ditadura). Aquela,<br />

aliás, chega a iniciar-se em Julho e está em curso por vários pontos <strong>do</strong> País quan<strong>do</strong> estala a<br />

intempestiva revolta <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> <strong>1931</strong>, em Lisboa. O diálogo da ditadura com os velhos<br />

parti<strong>do</strong>s termina aqui, muitos <strong>do</strong>s dirigentes da Aliança Republicana e Socialista, e ela própria,<br />

são varri<strong>do</strong>s pela enxurrada repressiva que se suce<strong>de</strong> ao frac<strong>as</strong>so da última tentativa reviralhista.<br />

Salazar chefiava no Governo a oposição direitista à convocação <strong>de</strong>ss<strong>as</strong> eleições e, <strong>de</strong><br />

uma forma geral, à via eleitoral e dialogante com os republic<strong>ano</strong>s: os sectores antiliberais<br />

temiam a previsível vitória <strong>de</strong>stes n<strong>as</strong> gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s e os consequentes efeitos no futuro<br />

da ditadura. Essa <strong>de</strong>sconfiança manifestava-se também relativamente às chefi<strong>as</strong> <strong>do</strong><br />

Exército, ainda muito permeáveis ao republicanismo liberal, levan<strong>do</strong> o ministro d<strong>as</strong><br />

Finanç<strong>as</strong> a uma política <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberada resistência às pressões militares, no senti<strong>do</strong> da<br />

libertação <strong>de</strong> verb<strong>as</strong> para a mo<strong>de</strong>rnização e reequipamento <strong>do</strong> Exército. Aos diplomat<strong>as</strong><br />

britânicos, em mea<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>1931</strong>, não escapava o reavivar da tensão entre Salazar e os seus<br />

apoiantes por um la<strong>do</strong>, e o chefe <strong>do</strong> Governo e os oficiais titulares d<strong>as</strong> p<strong>as</strong>t<strong>as</strong> da Guerra e <strong>do</strong><br />

Interior, por outro.<br />

Ora, o clima social nos gran<strong>de</strong>s centros políticos operários, como o Barreiro, e n<strong>as</strong><br />

gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s – Lisboa e Porto – é tu<strong>do</strong> menos pacifico, durante os meses <strong>de</strong> Maio e Junho.<br />

Subsistem os focos <strong>de</strong> rebelião, manifestam-se confrontos, n<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> entre grupos nacionalist<strong>as</strong> e<br />

oposicionist<strong>as</strong> e, por to<strong>do</strong> o território, vislumbram-se sinais <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontentamento.<br />

No exílio francês e espanhol, o projecto revolucionário <strong>de</strong> transição está em marcha. Em<br />

Paris, Afonso Costa aparece nos jornais ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> Lerroux e, em Lisboa, o oficioso Diário da<br />

Manhã cita Bernardino Macha<strong>do</strong>, em <strong>de</strong>clarações aos jornalist<strong>as</strong>: «O que nós queremos é a<br />

Revolução». Na verda<strong>de</strong>, a Liga <strong>de</strong> Paris, e particularmente Afonso Costa, manifesta a maior<br />

<strong>de</strong>scrença na luta legal, como se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma carta sua a Bernardino Macha<strong>do</strong>: «A luta<br />

em Portugal parece encaminhar-se para a luta legal... em condições aliás <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>. Por ora, não sei se há alguma coisa <strong>de</strong>trás da conjugação republic<strong>ano</strong>-socialista,<br />

embora me pareça que os verda<strong>de</strong>iros republic<strong>ano</strong>s não se <strong>de</strong>ixarão iludir, nem a<strong>do</strong>rmecer». Na<br />

mesma carta, Afonso Costa, informa que Jaime Cortesão partiu para Madrid como <strong>de</strong>lega<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

Comité <strong>de</strong> Paris, para buscar o apoio <strong>do</strong> Governo espanhol. No início <strong>de</strong> Agosto, parece<br />

encontrar-se no bom caminho a concessão <strong>de</strong> ajuda financeira. Cortesão reuniu-se com Manuel<br />

Azaña, que pareceu disposto a ajudar e com Prieto, que se mostrou disponível, ten<strong>do</strong> mesmo<br />

recebi<strong>do</strong> fun<strong>do</strong>s vin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Barcelona, que uma comissão irá distribuir. Ao apoio financeiro<br />

prometi<strong>do</strong>, ou já consegui<strong>do</strong> em parte, juntam-se <strong>as</strong> facilida<strong>de</strong>s para circulação <strong>de</strong> armamento<br />

através <strong>de</strong> território espanhol e a sua acumulação junto à fronteira com Portugal.<br />

6


D<strong>as</strong> relações com os revolucionários no interior <strong>de</strong> Portugal tinha-se encarregue José<br />

Domingues <strong>do</strong>s Santos, ex-presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Conselho <strong>de</strong> Ministros e presi<strong>de</strong>nte da Esquerda<br />

Democrática.<br />

O movimento revolucionário partia <strong>de</strong> uma análise crítica da rendição n<strong>as</strong> ilh<strong>as</strong>,<br />

hesitações e renúncia no Continente e por isso, se consi<strong>de</strong>rava ser preciso dar um carácter mais<br />

profun<strong>do</strong> e mais longo, mais nacional e mais popular. Ao mesmo tempo afirmava-se, mais uma<br />

vez, <strong>de</strong>ntro da mais pura linha «liguista». O carácter suprapartidário e popular af<strong>as</strong>tava o<br />

movimento revolucionário <strong>do</strong>s Democráticos e <strong>do</strong>s representantes <strong>de</strong>stes na emigração, ao<br />

mesmo tempo que o secretismo e exclusivismo no controlo <strong>do</strong>s meios bélicos e financeiros, por<br />

parte <strong>do</strong>s «Bud<strong>as</strong>», iria colocar à margem o grupo li<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> por Ribeiro <strong>de</strong> Carvalho.<br />

Os primeiros (Santiago Preza<strong>do</strong>, Lago Cerqueira, Agatão Lança, Mari<strong>ano</strong> Felgueir<strong>as</strong>)<br />

manifestaram-se pela necessida<strong>de</strong> da constituição <strong>de</strong> um Conselho Supremo que englob<strong>as</strong>se <strong>as</strong><br />

principais sensibilida<strong>de</strong>s e obtivesse a concordância para realizar um programa mínimo capaz<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubar a Ditadura e criar condições para eleger um<strong>as</strong> Cortes Constituintes. O comandante<br />

Seb<strong>as</strong>tião Costa consi<strong>de</strong>rava, aliás que à Comissão <strong>de</strong> Emigra<strong>do</strong>s incumbia, fundamentalmente,<br />

uma função <strong>de</strong> representação e preparação junto <strong>do</strong>s principais centros internacionais (Genebra,<br />

Paris, Londres), uma acção <strong>de</strong> propaganda intensa e um apoio aos que, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> país,<br />

organizam a operação militar. Américo Buizel, no entanto, vê como muito pr oblemática<br />

qualquer tentativa <strong>de</strong> união republicana e parece-lhe difícil a ligação entre o Comité <strong>de</strong><br />

Emigra<strong>do</strong>s e o Comité Revolucionário no interior <strong>do</strong> país, porque: «Os homens a que acima<br />

alu<strong>do</strong> (Comité Revolucionário em Portugal) são precisamente consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como obreiros<br />

involuntários da Ditadura (...). O receio <strong>de</strong> que se volte aos erros <strong>do</strong> p<strong>as</strong>sa<strong>do</strong> é que tem si<strong>do</strong><br />

terrível para a nossa causa».<br />

Quanto ao grupo <strong>de</strong> Ribeiro <strong>de</strong> Carvalho, esse prosseguia, na Galiza (Tui, Vigo,<br />

Corunha), uma intensa activida<strong>de</strong> conspirativa, m<strong>as</strong> que se <strong>de</strong>senvolverá à margem da<br />

organização «budista» <strong>de</strong> Madrid. Tinha, aliás, havi<strong>do</strong> uma aproximação <strong>de</strong> muitos emigra<strong>do</strong>s<br />

à fronteira, na região da Galiza, chama<strong>do</strong>s por telegrama envia<strong>do</strong> <strong>de</strong> Portugal por Ribeiro <strong>de</strong><br />

Carvalho que para aí partira, por instruções <strong>do</strong> Comité Revolucionário no interior <strong>do</strong> país. Em<br />

Pontevedra, Ribeiro <strong>de</strong> Carvalho, fazen<strong>do</strong> um ponto da situação sobre o falso alarme <strong>de</strong> Julho,<br />

reúne-se com os emigra<strong>do</strong>s naquela cida<strong>de</strong>, reafirman<strong>do</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> união <strong>de</strong> <strong>tod<strong>as</strong></strong> <strong>as</strong><br />

correntes revolucionári<strong>as</strong>. Contu<strong>do</strong>, o frac<strong>as</strong>so <strong>de</strong> Julho levaria a que este grupo da Galiza se<br />

manifest<strong>as</strong>se <strong>de</strong>scrente <strong>do</strong> movimento revolucionário que, segun<strong>do</strong> o capitão Frazão Sardinha,<br />

em carta <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> Agosto, «não se fez nem se realizará nos <strong>do</strong>is meses mais pr óximos». De<br />

resto, o que parece ser evi<strong>de</strong>nte nos finais <strong>de</strong> Julho e Agosto é o fervilhar <strong>de</strong> i<strong>de</strong>i<strong>as</strong> e propost<strong>as</strong><br />

reorganizativ<strong>as</strong> em resposta a uma circular, com vários quesitos, enviada por Bernardino<br />

Macha<strong>do</strong> nos vários núcleos <strong>de</strong> emigra<strong>do</strong>s cuj<strong>as</strong> respost<strong>as</strong> acabam por estar na b<strong>as</strong>e d<strong>as</strong><br />

discussões que levarão à reunião <strong>de</strong> Beyres em Novembro seguinte. E, na verda<strong>de</strong>, du<strong>as</strong> linh<strong>as</strong><br />

antagónic<strong>as</strong> se opunham: uma li<strong>de</strong>rada pela Liga <strong>de</strong> Paris com Afonso Costa e José Domingos<br />

<strong>do</strong>s Santos à frente e <strong>as</strong>sociada ao Comité <strong>de</strong> Madrid, e uma outra, corporizada por Ribeiro <strong>de</strong><br />

Carvalho e seguida pelo grupo da Galiza. Enquanto a primeira linha apostava numa Direcção<br />

Suprema <strong>de</strong> carácter civilista, constituída já pelo futuro Governo Revolucionário com<br />

personalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro ou <strong>de</strong> fora <strong>do</strong> país, a segunda aponta como prioritário o apoio <strong>do</strong>s<br />

emigra<strong>do</strong>s <strong>do</strong> «Directório Único» já forma<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s os republic<strong>ano</strong>s, no interior <strong>do</strong> país<br />

porque, como consi<strong>de</strong>ra «a revolução tem que ser preparada lá <strong>de</strong>ntro e dirigida <strong>de</strong> lá <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ntro». Para esta corrente <strong>de</strong> opinião, o papel <strong>do</strong>s emigra<strong>do</strong>s é o <strong>de</strong> fornecer apoio nos<br />

serviços <strong>de</strong> propaganda, contra-espionagem e <strong>as</strong>sistência. Parece-lhe um erro monumental<br />

querer dirigir <strong>do</strong> exterior <strong>tod<strong>as</strong></strong> <strong>as</strong> operações e, principalmente, a organização <strong>do</strong>s fun<strong>do</strong>s<br />

disponíveis ou outros apoios que venham a ser consegui<strong>do</strong>s.<br />

Entre uma corrente mais revolucionária e uma outra que lutava pela revolução possível,<br />

os entendimentos não parecem fáceis na altura, embora se <strong>as</strong>sinalem reuniões na Galiza, entre<br />

emigra<strong>do</strong>s d<strong>as</strong> du<strong>as</strong> tendênci<strong>as</strong> e presidid<strong>as</strong> por José Domingues <strong>do</strong>s Santos, no início <strong>de</strong><br />

Agosto.<br />

7


Do que atrás se <strong>de</strong>screve <strong>de</strong>duz-se que, pelo menos entre os emigra<strong>do</strong>s, a Revolução<br />

reviralhista não era esperada nos tempos mais próximos.<br />

Com quem saiu então e por que saiu o Reviralho em 26 <strong>de</strong> Agosto? Pelo que foi<br />

analisa<strong>do</strong>, a revolta <strong>de</strong>u-se numa conjuntura em que a Ditadura parecia inclinar-se para a<br />

realização <strong>de</strong> eleições locais com a participação da oposição republicana, que sob o nome <strong>de</strong><br />

Aliança Republicana e Socialista chegou a apresentar um programa na imprensa, com a<br />

autorização governamental.<br />

É dificil reconstruir, na sua globalida<strong>de</strong>, o Comité Revolucionário que pôs no terreno o<br />

movimento reviralhista <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Agosto, porque a «Proclamação Revolucionária» não chegou<br />

a ser tornada pública e a brevida<strong>de</strong> com que tu<strong>do</strong> se <strong>de</strong>senrolou <strong>de</strong>ixou na sombra muitos <strong>do</strong>s<br />

implica<strong>do</strong>s. Sem dúvida que uma d<strong>as</strong> figur<strong>as</strong> centrais foi o coronel Hél<strong>de</strong>r Ribeiro (com o<br />

apoio da Liga <strong>de</strong> Paris), sen<strong>do</strong> também seguro que to<strong>do</strong>s os oficiais superiores implica<strong>do</strong>s no<br />

Comité Militar igualmente pertenciam ao Comité Revolucionário, já que a falta <strong>de</strong> apoios no<br />

terreno obrigara os lí<strong>de</strong>res a participar directamente na acção militar. Referimo-nos ao tenentecoronel<br />

Utra Macha<strong>do</strong>, exila<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Abril, ao coronel Di<strong>as</strong> Antunes, coronel Agatão Lança, ao<br />

tenente-coronel Sarmento Beires e ao capitão Jaime Baptista, no <strong>do</strong>mínio militar. Entre os civis<br />

<strong>de</strong>stacam-se o professor Simões Raposo Jr., secretário da A.R.S., o veterinário e professor da<br />

Escola Agrícola da Paiã, Joaquim Prat<strong>as</strong>, e o farmacêutico Aires Leal <strong>de</strong> Matos, lí<strong>de</strong>r local da<br />

A.R.S.. Serão, aliás, estes lí<strong>de</strong>res da Aliança Republicana Socialista que vão chefiar a facção<br />

civil da revolta. Aires Leal <strong>de</strong> Matos e Joaquim Prat<strong>as</strong> li<strong>de</strong>ram uma importante re<strong>de</strong> <strong>de</strong> civis,<br />

operários e funcionários públicos, organiza<strong>do</strong>s na zona <strong>de</strong> Benfica/Carni<strong>de</strong>/Ama<strong>do</strong>ra, ao<br />

mesmo tempo que o professor Simões Raposo Jr. exerce um forte <strong>as</strong>cen<strong>de</strong>nte moral e político<br />

sobre núcleos operários e simpatizantes socialist<strong>as</strong> <strong>de</strong> algum<strong>as</strong> d<strong>as</strong> zon<strong>as</strong> mais fortemente<br />

representad<strong>as</strong>, como o Bairro da Liberda<strong>de</strong>, o C<strong>as</strong>al Ventoso e a Rua Maria Pia, no bairro <strong>de</strong><br />

Alcântara, em Lisboa. Destes grupos operários sairão os combatentes <strong>do</strong> Jardim Zoológico e<br />

d<strong>as</strong> Avenid<strong>as</strong> Nov<strong>as</strong>, resistentes n<strong>as</strong> Laranjeir<strong>as</strong> e Telheir<strong>as</strong>, já <strong>de</strong>pois da rendição <strong>do</strong>s<br />

militares.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, é indiscutível que o movimento contava com o apoio, pelo menos<br />

indirecto, <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s como Norton <strong>de</strong> Matos, que aliás aparecia num <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos<br />

apreendi<strong>do</strong>s a Utra Macha<strong>do</strong>, como o futuro primeiro-ministro.<br />

Ficara <strong>de</strong> fora uma importante re<strong>de</strong> conspirativa <strong>do</strong> centro <strong>do</strong> país, centrada sobre <strong>as</strong><br />

unida<strong>de</strong>s militares da III Região (Tomar, Abrantes, Torres Nov<strong>as</strong>, Santarém, C<strong>as</strong>telo Branco),<br />

li<strong>de</strong>rada pelos tenentes Alexandrino <strong>do</strong>s Santos e Oliveira Pio. É uma re<strong>de</strong> umbilicalmente<br />

ligada ao sector <strong>de</strong> Madrid, na altura empenhada na distribuição d<strong>as</strong> arm<strong>as</strong> que iam chegan<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> exterior e que havia si<strong>do</strong> b<strong>as</strong>tante prejudicada com <strong>as</strong> prisões <strong>do</strong> início <strong>do</strong> <strong>ano</strong>, isto apesar <strong>de</strong><br />

um <strong>do</strong>s seus lí<strong>de</strong>res, o ex-capelão militar e ex-ministro d<strong>as</strong> Colóni<strong>as</strong>, João Lopes Soares, <strong>de</strong>clarar<br />

que trabalhou intensamente para o 26 <strong>de</strong> Agosto. Também no norte <strong>do</strong> país a re<strong>de</strong><br />

revolucionária parece ter si<strong>do</strong> apanhada <strong>de</strong> surpresa com o movimento <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Agosto, ten<strong>do</strong><br />

reuni<strong>do</strong> já no dia da revolta o Comité Revolucionário <strong>do</strong> Norte, com a participação <strong>de</strong> B<strong>as</strong>ílio<br />

Lopes Pereira, há pouco chega<strong>do</strong> da Ma<strong>de</strong>ira, o capitão Nuno Cruz, o professor António<br />

Ferreira da Costa entre outros.<br />

O movimento eclodiu na madrugada <strong>do</strong> dia 26 <strong>de</strong> Agosto, após uma última reunião<br />

preparatória <strong>do</strong> comité revolucionário. Este terá reuni<strong>do</strong>, a partir d<strong>as</strong> 3 hor<strong>as</strong>, no 2.º andar <strong>do</strong><br />

n.º 17 da Rua D. Estefânia, antes <strong>de</strong> se dirigir às unida<strong>de</strong>s militares <strong>de</strong> Campoli<strong>de</strong> e da Ama<strong>do</strong>ra.<br />

Nesta reunião estiveram presentes o coronel <strong>de</strong> infantaria António Augusto Di<strong>as</strong> Antunes,<br />

o tenente-coronel José Manuel Sarmento <strong>de</strong> Beires, o capitão Jaime Baptista e <strong>do</strong>is oficiais da<br />

Armada, <strong>do</strong>s quais se <strong>de</strong>sconhece a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Um outro núcleo revolucionário teve uma<br />

reunião no C<strong>as</strong>al <strong>do</strong> Evaristo, à Estrada <strong>do</strong>s Prazeres, por volta d<strong>as</strong> 5h 30m., <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se dirigiu<br />

para o Parque Eduar<strong>do</strong> VII. Por último, é ainda referida uma reunião preparatória na Rua João<br />

Crisóstomo, na c<strong>as</strong>a daquele que é ti<strong>do</strong> como o organiza<strong>do</strong>r e coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r <strong>do</strong> movimento, o<br />

coronel <strong>de</strong> infantaria Hel<strong>de</strong>r Arman<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Santos Ribeiro.<br />

8


Há vários di<strong>as</strong> que o governo tinha conhecimento <strong>de</strong> movimentações <strong>de</strong> tipo conspiratório<br />

e or<strong>de</strong>nara medid<strong>as</strong> <strong>de</strong> segurança. O Diário da Manhã anuncia a prisão <strong>de</strong> numerosos indivíduos<br />

filia<strong>do</strong>s no Parti<strong>do</strong> Comunista, ten<strong>do</strong>-lhes si<strong>do</strong> apreendi<strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos compr omete<strong>do</strong>res na<br />

própria madrugada <strong>do</strong> dia da revolução.<br />

Às 6 hor<strong>as</strong> e 35 minutos, pouco após o toque <strong>de</strong> alvorada no Quartel <strong>de</strong> Artilharia 3 (na<br />

actual Rua da Artilharia 1), um numeroso grupo <strong>de</strong> oficiais e cerca <strong>de</strong> 30 elementos civis,<br />

benefician<strong>do</strong> da cumplicida <strong>de</strong> <strong>de</strong> alguns sargentos da unida<strong>de</strong>, lograram franquear <strong>as</strong> port<strong>as</strong> e<br />

apo<strong>de</strong>rar-se <strong>do</strong> Quartel. Comanda o núcleo rebel<strong>de</strong> o tenente-coronel Utra Macha<strong>do</strong>, vin<strong>do</strong><br />

propositadamente <strong>do</strong> exílio madrileno com outros oficiais homizia<strong>do</strong>s, o ex-capitão Jaime<br />

Baptista e <strong>do</strong>is oficiais menores, para chefiar a «revolução» tão ansiada e já tant<strong>as</strong> vezes<br />

adiada...<br />

Arma<strong>do</strong>s os civis, estes e parte <strong>do</strong>s solda<strong>do</strong>s <strong>do</strong> quartel, comanda<strong>do</strong>s pelo ex-capitão<br />

Jaime Baptista, <strong>as</strong>saltam e <strong>do</strong>minam pelo mesmo processo, o Regimento <strong>de</strong> Metralha<strong>do</strong>r<strong>as</strong> 1,<br />

no Alto <strong>do</strong> Parque Eduar<strong>do</strong> VII, unida<strong>de</strong> que se mantém em po<strong>de</strong>r <strong>do</strong>s revolucionários <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>as</strong><br />

6h 45m até cerca <strong>do</strong> meio-dia. O mesmo ex-capitão Jaime Baptista, juntamente com alguns<br />

sargentos, acompanhou um outro grupo <strong>de</strong> civis que <strong>as</strong>saltou o Regimento <strong>de</strong> Artilharia Ligeira<br />

3, um outro b<strong>as</strong>tião <strong>do</strong>s revolucionários.<br />

O coronel Di<strong>as</strong> Antunes, acompanha<strong>do</strong> pelo capitão Justino Ferreira e o tenente Melo e<br />

Cunha, com o concurso <strong>do</strong> veterinário Joaquim Prat<strong>as</strong> dirigiam um grupo <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 200<br />

homens que a<strong>de</strong>riram ao movimento nos quartéis <strong>de</strong> Sapa<strong>do</strong>res Mineiros <strong>de</strong> Queluz e da<br />

Pontinha, ao qual se <strong>as</strong>sociaram numerosos civis da zona <strong>de</strong> Carni<strong>de</strong>, Benfica e Ama<strong>do</strong>ra.<br />

De seguida ocupam a Penitenciária. Imediatamente se tomam posições no Alto <strong>do</strong> Parque<br />

Eduar<strong>do</strong> VII e na Rotunda até ao Largo <strong>do</strong> Rato (então Praça <strong>do</strong> Br<strong>as</strong>il) e, <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong>,<br />

entran<strong>do</strong> pel<strong>as</strong> Avenid<strong>as</strong> Nov<strong>as</strong>. Qu<strong>as</strong>e simultaneamente <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia -se <strong>do</strong>s pontos <strong>as</strong>sim<br />

ocupa<strong>do</strong>s, o ataque a Caça<strong>do</strong>res 5 em Campoli<strong>de</strong>, b<strong>as</strong>tião da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> militar à Ditadura.<br />

Com o <strong>as</strong>salto aos quartéis, os insurrectos visavam um triplo objectivo: ganhar posições<br />

militares estratégic<strong>as</strong>, apo<strong>de</strong>rar-se <strong>de</strong> armamento, munições e meios <strong>de</strong> transporte e aliciar o<br />

maior número <strong>de</strong> insurrectos, nomeadamente ao nível d<strong>as</strong> baix<strong>as</strong> patentes e <strong>do</strong>s sargentos e<br />

praç<strong>as</strong>.<br />

Destes objectivos talvez só o último possamos consi<strong>de</strong>rar plenamente atingi<strong>do</strong>. De facto é<br />

muito numeroso o grupo <strong>de</strong> solda<strong>do</strong>s e <strong>de</strong> sargentos implica<strong>do</strong>s no movimento. O seu número<br />

só não foi mais significativo porque, em muitos c<strong>as</strong>os, como suce<strong>de</strong>u no Quartel <strong>de</strong> Sapa<strong>do</strong>res<br />

Mineiros da Pontinha, faltava o respectivo coman<strong>do</strong>, mesmo ao nível <strong>de</strong> sargentos. Em<br />

Alverca, à falta <strong>de</strong> oficiais que coman<strong>de</strong>m <strong>as</strong> operações, são os sargentos que <strong>as</strong>sumem a<br />

li<strong>de</strong>rança.<br />

M<strong>as</strong> não só: a partir d<strong>as</strong> 8 hor<strong>as</strong> da manhã, grupos <strong>de</strong> civis arma<strong>do</strong>s, já acompanha<strong>do</strong>s por<br />

pelotões <strong>de</strong> solda<strong>do</strong>s, atacam com fogo nutri<strong>do</strong> o Regimento <strong>de</strong> Sapa<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Caminhos <strong>de</strong><br />

Ferro (em Campo <strong>de</strong> Ourique). O seu objectivo, durante mais três hor<strong>as</strong>, parece ter si<strong>do</strong> o <strong>de</strong><br />

tomar o Batalhão <strong>de</strong> Automobilist<strong>as</strong> (situa<strong>do</strong> na Ave nida <strong>de</strong> Berna on<strong>de</strong> é hoje a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Ciênci<strong>as</strong> Sociais e Human<strong>as</strong> da Universida<strong>de</strong> Nova), consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um esteio <strong>de</strong> resistência ao<br />

ataque <strong>do</strong>s esquadrões <strong>de</strong> Cavalaria 7 vin<strong>do</strong>s da Ajuda, e <strong>do</strong>s avanços da Artilharia Pesada 1 <strong>de</strong><br />

Sacavém, instalada no Batalhão <strong>de</strong> Telegrafist<strong>as</strong> da Penha <strong>de</strong> França e o batalhão <strong>de</strong> Caça<strong>do</strong>res<br />

7 (no C<strong>as</strong>telo <strong>de</strong> São Jorge). Esta última unida<strong>de</strong>, também batida pelo fogo <strong>de</strong> artilharia <strong>do</strong><br />

Parque Eduar<strong>do</strong> VII e pel<strong>as</strong> bomb<strong>as</strong> da aviação rebel<strong>de</strong>, terá <strong>de</strong> aban<strong>do</strong>nar a posição. M<strong>as</strong> nos<br />

outros c<strong>as</strong>os resistem e p<strong>as</strong>sam ao contra-ataque. N<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> Marquês <strong>de</strong> Tomar, Eli<strong>as</strong> Garcia e<br />

Sá da Ban<strong>de</strong>ira instalaram-se barricad<strong>as</strong>, maioritariamente <strong>de</strong> civis arma<strong>do</strong>s.<br />

Entretanto, em Queluz, grupos <strong>de</strong> civis, pela maneira atrás <strong>de</strong>scrita, <strong>as</strong>senhoreiam-se <strong>do</strong><br />

Regimento <strong>de</strong> Sapa<strong>do</strong>res Mineiros. Depois <strong>de</strong> rodarem o grupo <strong>de</strong> Esquadrilh<strong>as</strong> <strong>de</strong> Aviação<br />

«República», na Ama<strong>do</strong>ra (sem ensaiarem o <strong>as</strong>salto), formam uma coluna com cerca <strong>de</strong> 200<br />

homens sob o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> coronel Di<strong>as</strong> Antunes e marcham para Lisboa com o intuito <strong>de</strong> se<br />

juntarem às trop<strong>as</strong> que ocupam o perímetro <strong>do</strong> Parque Eduar<strong>do</strong> VII.<br />

9


Na Quinta d<strong>as</strong> Laranjeir<strong>as</strong>, a Sete Rios, instalaram-se civis arma<strong>do</strong>s, apoia<strong>do</strong>s pelo corpo<br />

<strong>de</strong> Sapa<strong>do</strong>res Mineiros vin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Queluz, através da Ama<strong>do</strong>ra e <strong>de</strong> Benfica on<strong>de</strong> se confrontam<br />

com esquadrões <strong>de</strong> Cavalaria 7, vin<strong>do</strong>s da Ajuda e comanda<strong>do</strong>s pelo capitão Jorge Botelho<br />

Moniz.<br />

O confronto <strong>de</strong> artilharia mais intenso <strong>de</strong>correu entre o Quartel <strong>de</strong> Artilharia Ligeira 3<br />

em po<strong>de</strong>r <strong>do</strong>s revoltosos, e o Batalhão <strong>de</strong> Caça<strong>do</strong>res 7, instala<strong>do</strong> no C<strong>as</strong>telo <strong>de</strong> S. Jorge. Um<br />

terceiro ponto <strong>de</strong> artilharia estava instala<strong>do</strong> no Forte <strong>de</strong> Almada. Esta última zona, juntamente<br />

com o bairro <strong>do</strong> C<strong>as</strong>telo, foi d<strong>as</strong> mais flagelad<strong>as</strong> em vid<strong>as</strong> human<strong>as</strong> e danificação <strong>de</strong> edifícios.<br />

Por seu turno, o oficial avia<strong>do</strong>r Sarmento Beires – outro <strong>do</strong>s dirigentes <strong>do</strong> movimento<br />

igualmente exila<strong>do</strong> – subleva, com êxito, a B<strong>as</strong>e Aérea <strong>de</strong> Alverca. De lá levantarão quatro<br />

aviões para regular o tiro da artilharia da Rotunda revolucionária sobre o c<strong>as</strong>telo <strong>de</strong> São Jorge e<br />

o forte <strong>de</strong> Almada e para <strong>de</strong>spejar algum<strong>as</strong> bomb<strong>as</strong> – pouc<strong>as</strong> e com fraca pontaria – sobre<br />

aqueles objectivos e ainda sobre o Quartel-General <strong>de</strong> Lisboa.<br />

O bombar<strong>de</strong>amento aéreo <strong>de</strong>ixou marc<strong>as</strong> em toda a cida<strong>de</strong> e em Almada. Os alvos mais<br />

visa<strong>do</strong>s pelos quatro aviões saí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Alverca foram o c<strong>as</strong>telo <strong>de</strong> S. Jorge e o forte <strong>de</strong> Almada,<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> partia a resistência militar fiel ao governo. O quartel da Escola <strong>de</strong> Administração<br />

Militar <strong>do</strong> Campo Gran<strong>de</strong> foi igualmente bombar<strong>de</strong>a<strong>do</strong>.<br />

Longe <strong>do</strong> palco principal <strong>do</strong>s acontecimentos um outro foco <strong>de</strong> conflito situava-se na<br />

B<strong>as</strong>e Aérea <strong>de</strong> Alverca, para on<strong>de</strong> se havia <strong>de</strong>sloca<strong>do</strong> um grupo <strong>de</strong> Artilharia Pesada <strong>de</strong><br />

Sacavém, este último fiel ao governo. É por acção <strong>de</strong>ste grupo que é <strong>de</strong>sactiva<strong>do</strong> o núcleo <strong>de</strong><br />

Bombar<strong>de</strong>iros, comanda<strong>do</strong> pelo tenente-coronel Sarmento Beires. Este oficial, comandan<strong>do</strong> um<br />

grupo <strong>de</strong> revoltosos, é obriga<strong>do</strong> a retirar-se, em fuga, para o Oeste, através <strong>de</strong> Bucel<strong>as</strong>, Loures e<br />

Torres Vedr<strong>as</strong>. Porém em Loures, por volta d<strong>as</strong> 11h. 30m., Sarmento Beires, contan<strong>do</strong> com o<br />

auxilio <strong>de</strong> solda<strong>do</strong>s da G.N.R. <strong>de</strong> Sacavém e da localida<strong>de</strong> ensaia uma nova acção<br />

revolucionária. São estabelecid<strong>as</strong> ve<strong>de</strong>t<strong>as</strong> em to<strong>do</strong>s os pontos da vila e tomad<strong>as</strong> a estação<br />

telegráfica postal, a Associação <strong>de</strong> Bombeiros Voluntários e a Câmara Municipal. São presos o<br />

administra<strong>do</strong>r <strong>do</strong> concelho, Francisco Marques Bento e altos funcionários camarários. É içada a<br />

ban<strong>de</strong>ira nacional no edifício <strong>do</strong>s Paços da Concelho, acompanhada <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s manifestações<br />

<strong>de</strong> regozijo pela reposição da República Democrática e <strong>de</strong> repúdio pela Ditadura, <strong>as</strong> quais se<br />

esten<strong>de</strong>m a outr<strong>as</strong> localida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> concelho, como Bucel<strong>as</strong>.<br />

Temen<strong>do</strong> os confrontos, a população <strong>de</strong> Loures refugia -se no Pinheiro, nos Tojais e<br />

outr<strong>as</strong> povoações próxim<strong>as</strong>. Porém este era o último estrebuchar <strong>do</strong>s revolucionários. Por volta<br />

d<strong>as</strong> du<strong>as</strong> hor<strong>as</strong> da manhã a coluna parte <strong>de</strong> novo em fuga, em direcção a Torres Vedr<strong>as</strong>, on<strong>de</strong> é<br />

acolhida pelos republic<strong>ano</strong>s locais, li<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s por Vítor Rosário da Fonseca, negociante e<br />

director da Gazeta <strong>de</strong> Torres. Sarmento Beires foge para parte incerta e a maioria <strong>do</strong>s sargentos<br />

e praç<strong>as</strong> foram presos ou apresentaram-se livreme nte n<strong>as</strong> su<strong>as</strong> unida<strong>de</strong>s, em Sacavém ou Alverca.<br />

Tu<strong>do</strong> parece ter-se <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong>, em termos militares, entre <strong>as</strong> du<strong>as</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Alto <strong>de</strong><br />

Campoli<strong>de</strong> separad<strong>as</strong> por um muro: Metralha<strong>do</strong>r<strong>as</strong> 1, tomada pelos revolucionários e Caça<strong>do</strong>res<br />

5 fiel ao governo da Ditadura. Aos insurrectos que tinham procura<strong>do</strong>, durante toda a manhã,<br />

tomar Caça<strong>do</strong>res 5 e não o tinham consegui<strong>do</strong>, restava a resistência, já que os apoios <strong>do</strong>s<br />

Sapa<strong>do</strong>res Mineiros <strong>de</strong> Queluz ficaram paralisa<strong>do</strong>s em Sete Rios.<br />

Pelo contrário, Caça<strong>do</strong>res 5 pô<strong>de</strong> sempre contar com apoios crescentes: <strong>de</strong> Infantaria 1 e<br />

<strong>de</strong> Cavalaria 7, vin<strong>do</strong>s pelo la<strong>do</strong> <strong>de</strong> Monsanto, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> <strong>de</strong>cisiva a acção <strong>do</strong> capitão Jorge<br />

Botelho Moniz, em conjugação com o governo, que se havia instala<strong>do</strong> ao quartel <strong>do</strong> Carmo,<br />

logo pela manhã.<br />

O Governo correra para o Quartel <strong>do</strong> Carmo e entregara a direcção d<strong>as</strong> operações ao<br />

general Farinha Beirão coadjuva<strong>do</strong> pelo Governa<strong>do</strong>r Militar <strong>de</strong> Lisboa (briga<strong>de</strong>iro Daniel <strong>de</strong><br />

Sousa logo promovi<strong>do</strong> a general). A partir <strong>do</strong> quartel <strong>do</strong> Carmo parte um esquadrão <strong>de</strong><br />

Cavalaria da G.N.R. que avança lentamente até S. Mame<strong>de</strong> e Largo <strong>do</strong> Rato. Um outro<br />

esquadrão <strong>do</strong> Cabeço da Bola avança até à Avenida Praia da Vitória on<strong>de</strong> enfrenta barricad<strong>as</strong><br />

<strong>de</strong> revolucionários civis. Um terceiro esquadrão da G.N.R. parte da Ajuda ten<strong>do</strong> atingi<strong>do</strong><br />

Campo <strong>de</strong> Ourique e S. Bento. Conheci<strong>do</strong> o número limita<strong>do</strong> <strong>de</strong> a<strong>de</strong>sões à revolta e <strong>de</strong>marcada<br />

10


a sua restrita área espacial, o coman<strong>do</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia o cerco e contra-ataque aos insurrectos. Por<br />

volta d<strong>as</strong> 11 hor<strong>as</strong> da manhã trop<strong>as</strong> <strong>de</strong> infantaria (com morteiros e metralha<strong>do</strong>r<strong>as</strong>), apoia<strong>do</strong>s pela<br />

G.N.R. investem contra o núcleo central da revolta, atacan<strong>do</strong>-o a partir <strong>do</strong> Largo <strong>do</strong> Rato e <strong>de</strong><br />

Campoli<strong>de</strong>. Ao mesmo tempo, toda a zona da Rotunda e <strong>do</strong> Parque é duramente c<strong>as</strong>tigada com<br />

fogo <strong>de</strong> artilharia <strong>do</strong> c<strong>as</strong>telo <strong>de</strong> São Jorge, <strong>do</strong> forte <strong>de</strong> Almada e da Penha <strong>de</strong> França, ao qual<br />

conseguirá ripostar durante vári<strong>as</strong> hor<strong>as</strong>. Às primeir<strong>as</strong> hor<strong>as</strong> da tar<strong>de</strong>, Metralha<strong>do</strong>r<strong>as</strong> 1 caía em<br />

po<strong>de</strong>r d<strong>as</strong> trop<strong>as</strong> fiéis ao regime e, logo <strong>de</strong> seguida, o Regimento <strong>de</strong> Artilharia Ligeira 3<br />

h<strong>as</strong>teava a ban<strong>de</strong>ira branca, face aos bombar<strong>de</strong>amentos <strong>de</strong> artilharia que partiam da Penha <strong>de</strong><br />

França e <strong>do</strong> forte <strong>de</strong> Almada.<br />

Cerca d<strong>as</strong> 14 hor<strong>as</strong>, face ao imp<strong>as</strong>se <strong>do</strong> movimento e à esmaga<strong>do</strong>ra superiorida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

adversário, Utra Macha<strong>do</strong>, já parcialmente <strong>de</strong>saloja<strong>do</strong> d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> posições, or<strong>de</strong>nará a rendição<br />

na Rua <strong>de</strong> Artilharia 1, e será conduzi<strong>do</strong>, sob prisão, na companhia <strong>de</strong> outros oficiais<br />

insurrectos. M<strong>as</strong> os combates prosseguirão, n<strong>as</strong> ru<strong>as</strong>, até ao princípio da noite. Aos<br />

revolucionários civis restava a retirada para a zona d<strong>as</strong> Avenid<strong>as</strong> Nov<strong>as</strong>, Jardim Zoológico,<br />

Palm<strong>as</strong> <strong>de</strong> Cima e Baixo e Telheir<strong>as</strong>, guarnecen<strong>do</strong> a retirada e a fuga para norte. Os últimos<br />

núcleos <strong>de</strong> revolucionários resistiam na Avenida <strong>de</strong> Berna, Marquês <strong>de</strong> Tomar, Sá da Ban<strong>de</strong>ira<br />

e Quinta d<strong>as</strong> Laranjeir<strong>as</strong>, a Sete Rios.<br />

Às trop<strong>as</strong> <strong>de</strong> Artilharia Pesada n.º 1, <strong>de</strong> Sacavém (participantes no bombar<strong>de</strong>iro da<br />

Rotunda) é or<strong>de</strong>nada a reocupação da B<strong>as</strong>e <strong>de</strong> Alverca. Sarmento Beires aban<strong>do</strong>na-a com uma<br />

coluna <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 150 militares e civis na tar<strong>de</strong> <strong>do</strong> dia 26 pela estrada <strong>de</strong> Torres Vedr<strong>as</strong>,<br />

p<strong>as</strong>san<strong>do</strong> por Loures. Face ao colapso da revolta, ele e os outros oficiais e civis tomarão a fuga,<br />

regressan<strong>do</strong> os restantes elementos ao quartel já recupera<strong>do</strong>.<br />

Ao fim <strong>de</strong> um dia <strong>de</strong> luta, restava aos revolucionários a fuga. Ao governo não seria<br />

sequer necessário utilizar <strong>tod<strong>as</strong></strong> <strong>as</strong> forç<strong>as</strong> militares que reunira em re<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Lisboa, pront<strong>as</strong> a<br />

entrar em acção.<br />

Em Bel<strong>as</strong> estava estacionada uma coluna mista, vinda <strong>de</strong> Mafra composta por cerca <strong>de</strong><br />

800 homens e carros blinda<strong>do</strong>s. Durante o dia 26 e ainda no dia 27 vári<strong>as</strong> unida<strong>de</strong>s da Região<br />

Centro enviaram <strong>de</strong>stacamentos que se reuniram no Entroncamento e Tancos: vêm <strong>de</strong> Tomar,<br />

C<strong>as</strong>telo Branco, Portalegre e Torres Nov<strong>as</strong>, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> requisita<strong>do</strong>s vários comboios para o seu<br />

transporte. Da Figueira da Foz partem unida<strong>de</strong>s para Coimbra, on<strong>de</strong> é reforçada a prevenção.<br />

D<strong>as</strong> Cald<strong>as</strong> da Rainha, partem <strong>de</strong>stacamentos para Óbi<strong>do</strong>s e Peniche a fim <strong>de</strong> reforçar a <strong>de</strong>fesa<br />

da fortaleza on<strong>de</strong> se encontram os presos políticos. Em Elv<strong>as</strong> entra a guarnição <strong>de</strong> prevenção. O<br />

Barreiro constitui um outro ponto <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> trop<strong>as</strong>. Em alguns locais, como Torres<br />

Nov<strong>as</strong> e Tomar, o exército ajuda a garantir a vigilância e patrulhamento d<strong>as</strong> ru<strong>as</strong>, com guarda<br />

reforçada n<strong>as</strong> estações <strong>de</strong> correios e telégrafos. No distrito <strong>de</strong> Setúbal é estabeleci<strong>do</strong> o esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> sítio e o Barreiro será fortemente patrulha<strong>do</strong> por elementos da G.N.R. e pelo exército.<br />

Ao cair da noite <strong>de</strong>sse mesmo dia 26 <strong>de</strong> Agosto, o Governo <strong>de</strong>tinha já o pleno controlo da<br />

situação em Lisboa, regressan<strong>do</strong>-se ao «viver habitualmente» na manhã seguinte, exceptuan<strong>do</strong>se<br />

um r<strong>as</strong>to <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição e violência principalmente por acção <strong>do</strong> bombar<strong>de</strong>amento aéreo sobre<br />

áre<strong>as</strong> circundantes <strong>do</strong> forte <strong>de</strong> Almada, os 40 mortos, os cerca <strong>de</strong> 200 feri<strong>do</strong>s e mais <strong>de</strong> 600<br />

prisioneiros. Destes, 358 embarcarão, uma semana <strong>de</strong>pois, sem serem julga<strong>do</strong>s nem<br />

autoriza<strong>do</strong>s a ver <strong>as</strong> famíli<strong>as</strong>, para a <strong>de</strong>portação em Timor a bor<strong>do</strong> <strong>do</strong> navio Pedro Gomes.<br />

Nos di<strong>as</strong> seguintes à revolução, Lisboa era uma cida<strong>de</strong> fortemente patrulhada pelo<br />

exército e pela G.N.R., em que se sucediam rusg<strong>as</strong>, prisões e apreensões <strong>de</strong> armamento e<br />

munições, princ ipalmente para os la<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Palhavã, Sete Rios e Telheir<strong>as</strong>.<br />

De qualquer mo<strong>do</strong>, o palco <strong>do</strong>s principais acontecimentos parece ter-se circunscrito à<br />

área da Gran<strong>de</strong> Lisboa, com maior incidência n<strong>as</strong> zon<strong>as</strong> <strong>de</strong> Campoli<strong>de</strong>, Rotunda <strong>do</strong> Marquês,<br />

Avenid<strong>as</strong> Nov<strong>as</strong> e Sete-Rios/Palhavã. O resto <strong>do</strong> país parecia estar - mais uma vez, - alhea<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s acontecimentos da capital, apesar <strong>de</strong> tentativ<strong>as</strong> <strong>de</strong> secundar o movimento, por exemplo no<br />

Porto, on<strong>de</strong> se <strong>as</strong>sinalam reuniões e concentrações <strong>de</strong> civis, porém extemporâne<strong>as</strong> e sem<br />

resulta<strong>do</strong>s práticos.<br />

11


CONCLUSÃO<br />

O movimento revolucionário <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Agosto po<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir-se como o «canto <strong>do</strong> cisne»<br />

<strong>do</strong> combate à Ditadura. Nenhuma outra revolta militar voltaria a eclodir na capital até 25 <strong>de</strong><br />

Abril <strong>de</strong> 1974. Teve a sua origem em torno da esquerda republicana e <strong>do</strong>s militares radicais, a<br />

que se <strong>as</strong>sociou a intelectualida<strong>de</strong> seareira. À sua direita situam-se alguns sectores <strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong>mocráticos e liberais que, ten<strong>do</strong> consenti<strong>do</strong> ou mesmo apoia<strong>do</strong> a instauração da Ditadura,<br />

numa f<strong>as</strong>e inicial em breve <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> reconhecer-se nela e p<strong>as</strong>sam a combatê-la. À sua<br />

esquerda situava-se o qu<strong>as</strong>e inexistente P.C.P. e a ainda po<strong>de</strong>rosa C.G.T. Uns e outros<br />

<strong>de</strong>scrêem completamente <strong>do</strong> golpe militar reviralhista. Porém na hora da revolta é no mun<strong>do</strong><br />

operário, radicaliza<strong>do</strong> pel<strong>as</strong> i<strong>de</strong>ologi<strong>as</strong> comunista e anarquista que o Reviralhismo encontra o<br />

apoio popular para «sair à rua».<br />

Como po<strong>de</strong>mos ver, a bem pouco se reduzia o número <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s e chefes militares<br />

revolta<strong>do</strong>s: du<strong>as</strong> unida<strong>de</strong>s militares tomad<strong>as</strong> – Metralha<strong>do</strong>r<strong>as</strong> 1 e Regimento <strong>de</strong> Artilharia<br />

Ligeira 3 – e três unida<strong>de</strong>s sublevad<strong>as</strong> – Sapa<strong>do</strong>res Mineiros <strong>de</strong> Queluz e da Pontinha e Grupo<br />

<strong>de</strong> Bombar<strong>de</strong>amento e Aerosteiros <strong>de</strong> Alverca. Quatro oficiais superiores: coronel Di<strong>as</strong><br />

Antunes, tenente-coronel Utra Macha<strong>do</strong>, tenente-coronel Sarmento Beires e, menos directamente,<br />

o coronel Hél<strong>de</strong>r Ribeiro. Acrescentemos a estes oficiais superiores uma meia dúzia <strong>de</strong> capitães<br />

e cerca <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>zena <strong>de</strong> tenentes ou <strong>as</strong>pirantes a oficiais, verda<strong>de</strong>iramente activos.<br />

É certo que o golpe militar não era a única táctica da oposição e, particularmente, a partir<br />

<strong>de</strong> <strong>1931</strong>, com a constituição da Aliança Republicana Socialista a oposição, ou uma parte <strong>de</strong>la,<br />

parece acreditar na transição <strong>de</strong>mocrática, através <strong>do</strong> processo eleitoral.<br />

Esta crença não é, contu<strong>do</strong>, tão forte que evite que alguns <strong>do</strong>s seus membros acabem<br />

também por participar n<strong>as</strong> revolt<strong>as</strong> reviralhist<strong>as</strong>, como aconteceu com o professor Simões<br />

Raposo Jr., secretário da A.R.S., preso e <strong>de</strong>porta<strong>do</strong> para Timor na sequência <strong>do</strong> «26 <strong>de</strong> Agosto<br />

<strong>de</strong> <strong>1931</strong>».<br />

O resulta<strong>do</strong> prático <strong>de</strong> <strong>tod<strong>as</strong></strong> est<strong>as</strong> revolt<strong>as</strong> e conspirações verificou-se no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

e aperfeiçoamento <strong>do</strong>s maquinismos repressivos.<br />

No rescal<strong>do</strong> <strong>do</strong> 26 <strong>de</strong> Agosto, o Conselho <strong>de</strong> Ministros <strong>de</strong>cidiu af<strong>as</strong>tar <strong>do</strong> serviço<br />

<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à sua atitu<strong>de</strong> hostil – ou suspeita <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> hostil – à «Situação» to<strong>do</strong>s os<br />

funcionários <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (oficiais <strong>de</strong> terra e mar, professores e outros funcionários públicos),<br />

reforçou os serviços <strong>de</strong> censura à imprensa, bem como <strong>de</strong>liberou a reactivação da Policia<br />

Internacional Portuguesa que p<strong>as</strong>sou a interferir cada vez mais na vida quotidiana <strong>do</strong>s<br />

cidadãos. Tal como n<strong>as</strong> situações anteriores o Governo expurgava os mais activos<br />

combatentes, <strong>de</strong>bilitan<strong>do</strong> a resistência e moralizan<strong>do</strong> a «Situação».<br />

No seu conjunto, <strong>as</strong> revolt<strong>as</strong> resultaram em mais <strong>de</strong> du<strong>as</strong> centen<strong>as</strong> <strong>de</strong> mortos e cerca<br />

<strong>de</strong> um milhar <strong>de</strong> feri<strong>do</strong>s. Por outro la<strong>do</strong>, milhares <strong>de</strong> pesso<strong>as</strong> recolheram à prisão, para <strong>as</strong><br />

ilh<strong>as</strong> e colóni<strong>as</strong> partiram mais <strong>de</strong> um milhar e meio <strong>de</strong> prisioneiros, nomeadamente anarcosindicalist<strong>as</strong><br />

que, na condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>porta<strong>do</strong>s sem culpa formada, permanecen<strong>do</strong> aí com<br />

residência fixa durante <strong>ano</strong>s. Para os restantes implica<strong>do</strong>s, que ficaram no continente,<br />

restava o af<strong>as</strong>tamento <strong>do</strong> Exército ou da função pública e a residência fixa em vári<strong>as</strong><br />

localida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> país (Peniche, Elv<strong>as</strong>, etc.). Milhares <strong>de</strong> outros homiziaram-se no<br />

estrangeiro.<br />

O 26 <strong>de</strong> Agosto acabaria por acentuar o terrível efeito perverso d<strong>as</strong> anteriores <strong>de</strong>rrot<strong>as</strong> <strong>do</strong><br />

reviralhismo: um endurecimento geral da Ditadura (que liquida qualquer veleida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

sobrevivência da Acção Republicana Socialista, agrava dr<strong>as</strong>ticamente a censura e inicia a<br />

gran<strong>de</strong> «limpeza» sanea<strong>do</strong>ra no funcionalismo civil) e um <strong>de</strong>cisivo reforço da corrente<br />

salazarista e <strong>do</strong> programa <strong>de</strong> intransigência antiliberal e antiparlamentar. Desta forma a<br />

Ditadura pô<strong>de</strong>, gradualmente, ver-se livre <strong>do</strong>s seus piores inimigos incluin<strong>do</strong> a maior parte <strong>do</strong>s<br />

revolucionários profissionais e <strong>do</strong>s elementos treina<strong>do</strong>s na prática conspiratória conseguin<strong>do</strong><br />

impor ao país uma situação <strong>de</strong> «paz e tranquilida<strong>de</strong>».<br />

12


O 26 <strong>de</strong> Agosto vem como que «dar razão» aos salazarist<strong>as</strong> e à direita radical. A<br />

oportunida<strong>de</strong> não é <strong>de</strong>saproveitada: no calor da violenta resposta político-policial à intentona,<br />

não é só a ainda subsistente i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma nova República vagamente pluralista e liberal que é<br />

af<strong>as</strong>tada, não é só o dialogo com os «políticos» <strong>do</strong> antigame nte como via para a normalização<br />

constitucional que é <strong>de</strong>finitivamente aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> – são a posição e o projecto políticos <strong>de</strong><br />

Salazar na ditadura que saem claramente reforça<strong>do</strong>s. A partir <strong>do</strong>s finais <strong>do</strong> Verão <strong>de</strong> <strong>1931</strong><br />

começa a falar-se aberta e insistentemente na nomeação <strong>de</strong> Salazar para a presidência <strong>do</strong><br />

ministério. Apesar <strong>de</strong> algum<strong>as</strong> dificulda<strong>de</strong>s subsistentes, o caminho estava aberto. Onze meses<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dispara<strong>do</strong> o último tiro da última «revolução», Salazar levava <strong>de</strong> vencida <strong>as</strong><br />

<strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ir<strong>as</strong> resistênci<strong>as</strong> e <strong>as</strong>sumia a chefia <strong>do</strong> Governo.<br />

Durante cerca <strong>de</strong> cinco <strong>ano</strong>s o revilharismo tentara, em vão, reconstruir o bloco políticosocial<br />

<strong>do</strong> 5 <strong>de</strong> Outubro, com a li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> republic<strong>ano</strong>s <strong>de</strong> esquerda, a quem se vêm juntar os<br />

conserva<strong>do</strong>res af<strong>as</strong>ta<strong>do</strong>s pela Ditadura, numa ampla aliança militar e civil, em que<br />

pre<strong>do</strong>minam <strong>as</strong> cl<strong>as</strong>ses médi<strong>as</strong>-baix<strong>as</strong> e populares. Confina<strong>do</strong> aos gran<strong>de</strong>s centros urb<strong>ano</strong>s<br />

soçobrou pel<strong>as</strong> su<strong>as</strong> característic<strong>as</strong> <strong>de</strong> movimento minoritário. Último her<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> um tempo<br />

político <strong>de</strong> crise i<strong>de</strong>ológica e institucional, vê-se por este motivo impossibilita<strong>do</strong> <strong>de</strong> realizar <strong>as</strong><br />

alianç<strong>as</strong> necessári<strong>as</strong>, quer no campo republic<strong>ano</strong> quer à sua margem. Até final da década <strong>de</strong><br />

trinta suce<strong>de</strong>ram-se mais algum<strong>as</strong> tentativ<strong>as</strong> reviralhist<strong>as</strong>, <strong>tod<strong>as</strong></strong> con<strong>de</strong>nad<strong>as</strong> ao frac<strong>as</strong>so.<br />

BILIOGRAFIA<br />

FONTES PRIMÁRIAS<br />

1. Manuscrit<strong>as</strong><br />

Arquivo Contemporâneo <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> d<strong>as</strong> Finanç<strong>as</strong> – Cont<strong>as</strong> Processad<strong>as</strong> da Or<strong>de</strong>m<br />

Pública – <strong>1931</strong>.<br />

Movimento Revolucionário <strong>de</strong> Abril – Maio – Processos n.º 1 a n.º 544.<br />

Movimento Revolucionário <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Agosto – Processos n.º 1 a n.º 382.<br />

2. Impress<strong>as</strong><br />

2. 1. Impressa reviralhista<br />

Notíci<strong>as</strong> da Ma<strong>de</strong>ira, <strong>1931</strong><br />

Verda<strong>de</strong>, A, 1933<br />

2. 2. Imprensa local republicana<br />

13


Alma<strong>de</strong>nse, O, Almada, <strong>1931</strong><br />

Combate, O, Guarda, <strong>1931</strong><br />

Raio, O, Covilhã, <strong>1931</strong>-33<br />

República, Lourenço Marques, <strong>1931</strong><br />

Vitória, A, Setúbal, 1929-33<br />

Voz da Verda<strong>de</strong>, A, Viseu, <strong>1931</strong><br />

2. 3. Imprensa Operária<br />

Batalha, A, <strong>1931</strong><br />

Sul e Sueste, <strong>1931</strong><br />

FONTES SECUNDÁRIAS<br />

3. Imprensa<br />

Avante, Lisboa, <strong>1931</strong>-32<br />

Diário da Manhã, Lisboa, <strong>1931</strong>-32<br />

Diário <strong>de</strong> Notíci<strong>as</strong>, Lisboa, <strong>1931</strong>-32<br />

Ilustração, Lisboa, <strong>1931</strong>-32<br />

Ilustração Portuguesa, <strong>1931</strong>-32<br />

Jornal <strong>de</strong> Notíci<strong>as</strong>, Porto, <strong>1931</strong>-33<br />

Novida<strong>de</strong>s, Lisboa, <strong>1931</strong><br />

Primeiro <strong>de</strong> Janeiro, O, Porto, <strong>1931</strong><br />

Seara Nova, Lisboa, <strong>1931</strong>-32<br />

Século, O, Lisboa, <strong>1931</strong>-32<br />

Diário <strong>do</strong> Governo, I Série, <strong>1931</strong>-1932:<br />

Decreto-Lei n.º 19273 <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> <strong>1931</strong> – <strong>de</strong>creto que <strong>de</strong>clarava a importação livre <strong>de</strong><br />

trigo (<strong>de</strong>creto da farinha).<br />

Decreto-Lei n.º 19353 <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> <strong>1931</strong> - <strong>de</strong>creto com o regulamento sobre o<br />

condicionamento industrial.<br />

Decreto-Lei n.º 19363 <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> <strong>1931</strong> - <strong>de</strong>creto que regulava <strong>as</strong> ajud<strong>as</strong> <strong>de</strong> custo e<br />

subsídios aos expedicionários.<br />

Decreto-Lei n.º 19409 <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> <strong>1931</strong> - <strong>de</strong>creto com o regulamento sobre o<br />

condicionamento industrial.<br />

Decreto-Lei n.º 19559 <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> <strong>1931</strong> - <strong>de</strong>creto para a nomeação <strong>do</strong> Delega<strong>do</strong> Especial<br />

Coronel Fernan<strong>do</strong> Borges.<br />

Decreto-Lei n.º 19567 <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> <strong>1931</strong> – <strong>de</strong>creto para a <strong>de</strong>missão <strong>do</strong>s cargos militares ou<br />

civis da Ma<strong>de</strong>ira.<br />

Decreto-Lei n.º 19569 <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> <strong>1931</strong> – <strong>de</strong>creto que estabelece o bloqueio aos portos da<br />

Ma<strong>de</strong>ira.<br />

Decreto-Lei n.º 19579 <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> <strong>1931</strong> – <strong>de</strong>creto que tornava extensiva <strong>as</strong> funções aos<br />

Açores <strong>do</strong> Delega<strong>do</strong> Especial.<br />

Decreto-Lei n.º 19585 <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> <strong>1931</strong> – <strong>de</strong>creto com a aprovação <strong>de</strong> verb<strong>as</strong> para<br />

<strong>de</strong>spes<strong>as</strong> extraordinári<strong>as</strong> para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a or<strong>de</strong>m pública.<br />

Decreto-Lei n.º 19595 <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> <strong>1931</strong> – <strong>de</strong>creto que tornou extensivo a to<strong>do</strong> o<br />

continente o <strong>de</strong>creto 19567 <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> Abril.<br />

Decreto-Lei n.º 19657 <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> <strong>1931</strong> - <strong>de</strong>creto dissolven<strong>do</strong> os Regimentos <strong>de</strong><br />

Infantaria n.º 4, 13 e 22, <strong>as</strong> Bateri<strong>as</strong> <strong>de</strong> Defesa Móvel da Costa n.º 1 e 2 e a Bateria Mista <strong>de</strong><br />

Artilharia <strong>de</strong> Ponta Delgada.<br />

Decreto-Lei n.º 19692 <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> <strong>1931</strong> – <strong>de</strong>creto que revogava o <strong>de</strong>creto n.º 19559.<br />

Decreto-Lei n.º 19693 <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> <strong>1931</strong> – <strong>de</strong>creto que revogava o <strong>de</strong>creto n.º 19579.<br />

14


Decreto-Lei n.º 19694 <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> <strong>1931</strong> – <strong>de</strong>creto que aprova o recenseamento eleitoral.<br />

Decreto-Lei n.º 20125 <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> <strong>1931</strong> – <strong>de</strong>creto que transfere a PVDE para o <strong>Ministério</strong><br />

<strong>do</strong> Interior.<br />

Decreto-Lei n.º 21942 <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1932 – <strong>de</strong>creto com o regime <strong>do</strong>s <strong>de</strong>litos políticos.<br />

2. Livros<br />

ALVES, Ferro - A Mornaça: A Revolta nos Açores e na Ma<strong>de</strong>ira em <strong>1931</strong> - Lisboa: Par A. M.<br />

Pereira, 1935, p.109-115.<br />

ALVES Ferro - Os Bud<strong>as</strong>, o contraban<strong>do</strong> <strong>de</strong> arm<strong>as</strong> – Lisboa: Parc. A. M. Pereira, 1935, p.21.<br />

BOLETIM Oficial <strong>do</strong>s revoltosos da Ma<strong>de</strong>ira <strong>1931</strong>.<br />

CUNHA LEAL, Francisco - Os meus ca<strong>de</strong>rnos - n. º 2 - La Coruña: Imprensa Moret, 1932.<br />

CUNHA LEAL, Francisco - As Minh<strong>as</strong> Memóri<strong>as</strong> - Vol. III - Ed. <strong>do</strong> autor, 1968.<br />

D'ARCOS, Joaquim Paço - Memóri<strong>as</strong> da minha vida e <strong>do</strong> meu tempo - Lisboa: Guimarães<br />

Editores, s/d, p. 93-95.<br />

FARINHA, Luís - O Reviralho: Revolt<strong>as</strong> Republican<strong>as</strong> contra a Ditadura e o Esta<strong>do</strong> Novo<br />

1926-1940 - Lisboa: Editorial Estampa, 1998.<br />

LAIDLEY, F. - Sete homens tomaram Ponta Delgada; Insurreição da Ma<strong>de</strong>ira e Açores em 4<br />

e 5 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> <strong>1931</strong>. A mais inconcebível d<strong>as</strong> revoluções. In Separata «Boa Noite», Junho<br />

1974.<br />

LAVRADOR, José - A Revolução na Ilha da Ma<strong>de</strong>ira - Rio <strong>de</strong> Janeiro: Alba, s/d. MARQUES,<br />

A: H. Oliveira - O General Sousa Di<strong>as</strong> e <strong>as</strong> revolt<strong>as</strong> contra a ditadura, 1926-31 - Lisboa:<br />

Publicações D. Quixote, 1975, p. 159-258.<br />

MARQUES, A. H. Oliveira - A Liga <strong>de</strong> Paris e a Ditadura Militar – Lisboa: Publicações<br />

Europa-América, 1976.<br />

MARQUES, A. H. Oliveira - A Unida<strong>de</strong> da Oposição à Ditadura 1928-<strong>1931</strong> - Lisboa:<br />

Publicações Europa-América, 1976, p. 33-145.<br />

MARQUES, A. H. Oliveira - História <strong>de</strong> Portugal - Vol. III – Lisboa: Pal<strong>as</strong> Editora, 1981.<br />

REIS, Célia - A Revolta da Ma<strong>de</strong>ira e Açores - Lisboa: Livros Horizonte, 1990.<br />

ROSAS, Fernan<strong>do</strong> - O Esta<strong>do</strong> Novo nos <strong>ano</strong>s trinta: Elementos para o estu<strong>do</strong> da natureza<br />

económica e social <strong>do</strong> salazarismo, 1928-38 - Lisboa: Editora Estampa, 1985.<br />

ROSAS, Fernan<strong>do</strong> - O Esta<strong>do</strong> Novo, in História <strong>de</strong> Portugal - Vol. VIII - Lisboa: Editora<br />

Círculo <strong>de</strong> Le itores, 1994, p. 227.<br />

ROSAS, Fernan<strong>do</strong> - O Salazarismo e a Aliança Luso-Britânica – Lisboa: Editora<br />

Fragmentos, 1988.<br />

SOARES, João - A Revolta da Ma<strong>de</strong>ira: Documentos - Recolha e organização - Lisboa:<br />

Perspectiv<strong>as</strong> e Realida<strong>de</strong>s, 1979.<br />

VARÃO, António Ferna n<strong>de</strong>s - Infantaria 13 no Movimento Político da Ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> Abril<br />

<strong>de</strong> <strong>1931</strong> (Palavr<strong>as</strong> <strong>de</strong> um venci<strong>do</strong>) - Vigo: Estabelecimentos Tipográficos Faro <strong>de</strong> Vigo, 1932.<br />

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