ROTEIRO PARA CONCENTRAR
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I N S I G H T<br />
nada mais é requerido para a produção legítima de bens públicos<br />
além da aplicação do procedimento escolhido (constituição<br />
estritamente procedimental), veja o que acontece com o caso<br />
menos óbvio no qual a regra adotada deve obedecer a constrangimentos<br />
externos à própria regra. Este é o ponto preliminarmente<br />
tratado no capítulo 3 e extensamente reelaborado<br />
nos capítulos 5 e 6 de The Limits, de Buchanan. Para o pre-<br />
sente escriba, foi a sutileza deste sendero que se bifurca o indício<br />
mais seguro de que falava-se sibilinamente, e, por assim<br />
dizer, pelas costas, dos guatemaltecos.<br />
Sucintamente, os constrangimentos sugeridos por Buchanan<br />
são os seguintes: a) que o bem público a ser produzido<br />
seja um “puro” bem público; 5 e b) que seu financiamento<br />
esteja previamente definido por apropriada estrutura fiscal.<br />
Pois bem, o resultado da investigação de Buchanan sugere<br />
que o somatório de decisões tomadas em obediência a tais<br />
constrangimentos pode resultar em violação de normas cons-<br />
titucionais, violação que jamais seria aprovada se explicitamente<br />
submetida a escrutínio. Ah, é? A seguir revelo plausível<br />
e diabólico exercício numérico para mostrar como tal possibilidade<br />
se converte em realidade, mas deduzo uma norma<br />
constitucional inteiramente oposta às conclusões conserva-<br />
doras de Buchanan. Durante todo o exercício terei presente<br />
o fato, clandestino nas reflexões de Buchanan, de que estamos<br />
tratando de guatemaltecos, não de bolivianos, nem mesmo<br />
de brasileiros, salvo seja.<br />
Suponha-se a benéfica fantasia de uma coletividade alta-<br />
mente participativa e relativamente altruística regida pelas<br />
seguintes cláusulas:<br />
a) todos os membros participam do processo decisório (atributo<br />
democrático);<br />
b) a regra de decisão é por maioria absoluta (51% como<br />
equivalente a 50% + 1); requisito de decisão moderadamente<br />
forte, considerando que todos participam do processo – cláusula<br />
a);<br />
c) todos admitem normativamente que “puros” bens públicos<br />
devem ser produzidos e por todos financiados (primeiro<br />
constrangimento à regra de decisão);<br />
d) todos admitem revelar a preferência efetiva votando contra<br />
ou a favor da produção de determinado bem público (condição<br />
que, violada, permitirá o comportamento altruístico);<br />
e) a estrutura fiscal prevalecente estipula que cada estra-<br />
to de renda financie a produção do bem público proporcionalmente<br />
à sua participação percentual na renda total da comu-<br />
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INTELIGÊNCIA<br />
nidade e não sob a forma de divisão per capita (segundo constrangimento<br />
à regra de decisão).<br />
Está claríssimo, sem necessidade de fulanização, de que<br />
comunidade se trata. Começa com a letra G.<br />
A população total da comunidade G é estratificada como<br />
segue:<br />
1) Classe Alta (A) = 25% da população detendo 40%<br />
da renda total.<br />
2) Classe Média (M) = 25% da população detendo 30%<br />
da renda total.<br />
3) Classe Baixa (B) = 50% da população, subdividida em<br />
B 1 = 16% da população detendo 10%<br />
da renda total e com acesso a serviços<br />
privados de saúde.<br />
B 2 = 34% da população detendo 20%<br />
da renda total e sem acesso a serviços<br />
privados de saúde.<br />
O ordenamento social da classe mais baixa para a mais<br />
alta é B 2 >B 1 >M>A, 6 e a coletividade G deve agora decidir sobre<br />
quatro propostas, de acordo com as cláusulas a-e estabele-<br />
cidas. Trata-se portanto de aplicar a “constituição” em um contexto<br />
de escolha entre bens públicos alternativos.<br />
I) Proposta originada em A (classe alta): construção<br />
de sala para saraus literários tendo em vista o aprimoramen-<br />
to cultural, garantida ao público gratuidade de acesso (característica<br />
que atribui “publicidade” ao bem).<br />
Votação:<br />
25% (A) + 20% (M) + 6% (B 1 ) = 51% a favor<br />
0% (A) + 5% (M) + 44% (B 1 + B 2 ) = 49% contra<br />
Rationale da votação: os 25% de A votam a favor por “paternidade”<br />
da proposta; os 5% de M que votam contra são os<br />
que não se deixam seduzir pelos indicadores de prestígio da<br />
classe superior (infensos ao efeito-demonstração); os 6% de B 1<br />
a favor da proposta são alienados.<br />
ABRIL•MAIO•JUNHO 2001 123