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Sebastião Abrão Salim*<br />

Resumo<br />

O autor dá continuida<strong>de</strong> a concepções <strong>de</strong> Og<strong>de</strong>n, expostas<br />

em trabalho <strong>de</strong>ste: “Sobre o Conceito <strong>de</strong> uma Posição Autista-<br />

Contígua”. Consi<strong>de</strong>ra-as um <strong>de</strong>senvolvimento na teoria e na técnica<br />

psicanalítica. Procura articulá-las com as concepções <strong>de</strong><br />

Freud sobre as experiências sensoriais e o progresso das neurociências.<br />

Expõe a construção <strong>de</strong> seu referencial teórico e o ilustra com<br />

caso clínico <strong>de</strong> paciente psicótico, concluindo com uma contribuição<br />

para a técnica psicanalítica.<br />

Palavras-chave: Esquizofrenia Paranói<strong>de</strong>; Posição Autista-<br />

Contígua; Posição Esquizo-Paranói<strong>de</strong>; Posição Depressiva;<br />

Psicanálise, Neurociências.<br />

Introdução<br />

PSICANÁLISE, NEUROCIÊNCIAS E POSIÇÃO AUTISTA-CONTÍGUA:<br />

CONTRIBUIÇÃO PARA UM DESENVOLVIMENTO NA TEORIA E NA<br />

TÉCNICA PSICANALÍTICA<br />

PSYCHOANALISIS, NEUROSCIENCES AND AUTISTIC-CONTIGUOUS POSITION:<br />

A CONTRIBUTION FOR A DEVELOPMENT IN THE PSYCHOANALYTICAL THEORY<br />

AND TECHNIQUE<br />

“Sobre o Conceito <strong>de</strong> uma Posição Autista-Contígua”: um resumo.<br />

Este <strong>artigo</strong> <strong>de</strong> Og<strong>de</strong>n 1 constitui o ponto <strong>de</strong> partida para meu<br />

trabalho. Procuro resumi-lo para referenciar minhas idéias, correndo<br />

o risco <strong>de</strong> distorcê-lo ou empobrecê-lo. O propósito é<br />

somar. É um trabalho <strong>de</strong> beleza e profundida<strong>de</strong> que vem modificando<br />

meu referencial teórico-clínico à medida que vou enten<strong>de</strong>ndo<br />

os fatos diários da clínica sob sua ótica.<br />

Og<strong>de</strong>n 1 <strong>de</strong>fine a posição autista-contígua como uma organização<br />

psicológica primitiva, capaz <strong>de</strong> gerar experiência psíquica a<br />

partir das elaborações imaginativas (Winnicott 2) e contribuir com<br />

a posição esquizo-paranói<strong>de</strong> e <strong>de</strong>pressiva para a constituição dialética<br />

do ser humano entre o mais primitivo e o mais elaborado.<br />

A posição autista-contígua procura dar sentido e significado às<br />

experiências sensoriais in<strong>de</strong>finidas, <strong>de</strong> superfícies corporais, buscando<br />

formar conexões pré-simbólicas a partir das quais o ego<br />

se origina.<br />

O vocábulo autista é usado para <strong>de</strong>signar a mais primitiva<br />

organização psicológica. Já a palavra contígua nomeia a experiência<br />

que envolve duas superfícies que se tocam.<br />

*Analista didata da Socieda<strong>de</strong> Psicanalítica do Rio <strong>de</strong> Janeiro e Núcleo<br />

Psicanalítico <strong>de</strong> Belo Horizonte, professor sênior do Departamento <strong>de</strong><br />

Psiquiatria e Neurologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da UFMG, membro<br />

da <strong>Associação</strong> Acadêmica Psiquiátrica <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />

Não há um sujeito que interpreta, como na posição <strong>de</strong>pressiva,<br />

nem mesmo o ego rudimentar da esquizo-paranói<strong>de</strong>. Existe,<br />

apenas, a noção <strong>de</strong> uma superfície sendo tocada e, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo<br />

do ritmo, regularida<strong>de</strong> e intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta experiência, começa o<br />

sentimento <strong>de</strong> lugar, <strong>de</strong> forma, <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> previsibilida<strong>de</strong><br />

do ser, do existir. Em síntese: on<strong>de</strong> estou e como sou.<br />

Essas experiências ocorrem no contato com a mãe no banho,<br />

nas mamadas, nas conversas e nos <strong>de</strong>slizamentos dos seus conteúdos<br />

corporais, como a saliva, as fezes, a urina e o ar entrando e<br />

saindo. Dão início ao que Winnicott 3 chamou <strong>de</strong> “um sentimento<br />

<strong>de</strong> um lugar on<strong>de</strong> se vive” e cuja continuida<strong>de</strong> dá a noção <strong>de</strong><br />

“continuar sendo” (going on being; Winnicott 3).<br />

Og<strong>de</strong>n 1 inclui, entre suas referências, a noção <strong>de</strong> dois modos<br />

diferentes <strong>de</strong> experiências, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da qualida<strong>de</strong> do objeto<br />

envolvido (Tustim 4). Existem as experiências do toque macio<br />

entre o bebê e a sua mãe, também com seus conteúdos, que contribuem<br />

para o sentimento <strong>de</strong> coesão do ego. Em oposição, a<br />

experiência com objetos duros, angulares, contribui para a formação<br />

<strong>de</strong> uma “crosta” dura, que é diferente e anterior ao falsoself<br />

<strong>de</strong> Winnicott. 3<br />

Og<strong>de</strong>n 1 ilustra suas concepções com material clínico, que<br />

segue resumido:<br />

a) Roberto, cinco anos em psicoterapia intensiva, adolescente<br />

esquizofrênico e cego <strong>de</strong> nascimento. Negava-se a banhar-se e<br />

exalava um odor insuportável. Assustava-se ao banhar-se por<br />

ter medo <strong>de</strong> “escoamento”.<br />

Comentário: Tentava segurar-se à sensação <strong>de</strong> seu próprio<br />

odor corporal característico, o que era <strong>de</strong> particular importância<br />

para ele ante sua incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar imagens<br />

visuais a<strong>de</strong>quadamente <strong>de</strong>finidas. Seu odor constituía uma<br />

forma autista reconfortante que o ajudava a criar um lugar no<br />

qual ele podia sentir que existia. Esse odor, através <strong>de</strong> sensações<br />

corporais, oferecia-lhe os rudimentos para sentir-se<br />

alguém, ter uma coesão. Era o “toque do odor”.<br />

b) Senhora M., <strong>de</strong> 62 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, há oito anos em psicoterapia<br />

intensiva. Tentara o suicídio, quase com êxito, para livrarse<br />

dos seus torturantes rituais obsessivos. Temia, particularmente,<br />

per<strong>de</strong>r a respiração e se asfixiar. Aliviava-se apenas nas<br />

ocasiões em que conseguia “pensar a<strong>de</strong>quadamente”.<br />

Comentário: Ao invés <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r sua sintomatologia para<br />

protegê-la <strong>de</strong> seus intensos medos dos impulsos orais e<br />

En<strong>de</strong>reço para correspondência:<br />

Sebastião Abrão Salim<br />

Rua do Ouro 104 / sl 904 – B.Hte.-M.G.<br />

Belo Horizonte - MG<br />

CEP 30220-000<br />

E-mail: sebastiaosalim@ig.com.br<br />

Casos Clin Psiquiatria 2001; 3(1,2) 26-30 26


Psicanálise, neurociências e posição autista-contígua: contribuição para um <strong>de</strong>senvolvimento na teoria e na técnica psicanalítica<br />

anais sádicos, compreendi tais rituais como uma cinta para<br />

tamponar buracos. Através <strong>de</strong>stes suas idéias e conteúdos corporais<br />

po<strong>de</strong>riam vazar e ocorrer um escoamento do pouco<br />

que pô<strong>de</strong> organizar.<br />

c) Phil era um paciente esquizofrênico que se <strong>de</strong>itava no chão e<br />

imitava meus gestos, minha postura, minhas palavras, meu<br />

tom <strong>de</strong> voz etc.<br />

Comentário: No início do tratamento senti suas atitu<strong>de</strong>s como<br />

um ataque a mim, pelo fato <strong>de</strong> estar vivo. Buscava roubar<br />

minha naturalida<strong>de</strong>. Depois passei a enten<strong>de</strong>r que a imitação<br />

era a busca <strong>de</strong> uma segunda pele. Desta forma ele se sentiria<br />

com menos medo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r sua coesão.<br />

No final do trabalho, há os seguintes comentários:<br />

1) A ansieda<strong>de</strong> básica nesta posição está relacionada à disrupção<br />

da superfície sensorial, seguida do medo do vazamento do<br />

pouco que pô<strong>de</strong> integrar <strong>de</strong> ego. São os sentimentos terroríficos<br />

<strong>de</strong> estar em <strong>de</strong>composição, sensação <strong>de</strong> que os esfíncteres<br />

corporais estão falhando com o vazamento <strong>de</strong> fezes e urina,<br />

medo <strong>de</strong> cair no espaço ou no sono, <strong>de</strong> não saber on<strong>de</strong> estar,<br />

ter imagens distorcidas <strong>de</strong> si mesmo, sentir odores estranhos,<br />

não tolerar barulhos intensos ou não-familiares, temer o vento<br />

forte, a luminosida<strong>de</strong> intensa e prazos marcados e outros.<br />

2) As <strong>de</strong>fesas produzidas são orientadas para o restabelecimento<br />

da continuida<strong>de</strong> da superfície sensorial. Inclui o enrolar os<br />

cabelos com os <strong>de</strong>dos; movimentar em balanceio os pés ou as<br />

mãos, o corpo ou a própria fala; entoar canções; imaginar ou<br />

produzir várias idéias obsessivas; manter o olhar fixo; a masturbação<br />

excessiva; a obesida<strong>de</strong>; o falar ininterruptamente; o<br />

não tolerar fixação <strong>de</strong> prazos; o cobrir excessivamente; ouvir<br />

sempre as mesmas músicas; ler os mesmos livros; ir aos mesmos<br />

lugares, etc. O autor consi<strong>de</strong>ra essas <strong>de</strong>fesas formas autistas<br />

<strong>de</strong> apaziguamento. Todas têm um sentido <strong>de</strong> obter uma<br />

“segunda pele” (Bick 5,6).<br />

3) Procura articular essas idéias com a questão da patologia e<br />

psicogenicida<strong>de</strong> como resultante <strong>de</strong> distorções na inter-relação<br />

entre as três posições autista-contígua, esquizo-paranói<strong>de</strong><br />

e <strong>de</strong>pressiva, que precisam estar articuladas entre si para permitirem<br />

que o bebê saia <strong>de</strong> uma condição sem história para<br />

ter uma historicida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> uma condição assimbólica ou présimbólica<br />

para outra, simbólica.<br />

Construindo meu referencial<br />

Além das concepções <strong>de</strong> Og<strong>de</strong>n 1, a recente interdisciplinarida<strong>de</strong><br />

da psicanálise com as neurociências, que culminou com a<br />

fundação da Socieda<strong>de</strong> Internacional <strong>de</strong> Neuropsicanálise, sediada<br />

em Londres 7, levaram-me a repensar e reformular meu referencial<br />

teórico-técnico, tudo fundamentado em Freud. Entre nós,<br />

Soussumi 7, Andra<strong>de</strong> 8 e outros têm procurado <strong>de</strong>senvolver esta<br />

interdisciplinarida<strong>de</strong>.<br />

O básico consistiria em pensarmos nas primeiras experiências<br />

sensoriais do ser humano. Estas <strong>de</strong>correm sempre do contato entre<br />

duas superfícies contíguas, como a mucosa intestinal e as fezes, a<br />

pele do feto com o líquido amniótico, a mucosa do aparelho auditivo<br />

com o barulho dos batimentos cardíacos fetais, as mamadas, os<br />

banhos, as conversas com a mãe e outras.<br />

27 Casos Clin Psiquiatria 2001; 3(1,2):26-30<br />

Essas experiências sensoriais, atuando sobre as disposições inatas,<br />

ocorrendo em várias partes do corpo, acabam estruturando o<br />

que Grodstein 9 chamou <strong>de</strong> “assoalho sensorial”. Se elas ocorrem<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma ritmicida<strong>de</strong> e intensida<strong>de</strong> já programada pela filogênese,<br />

permitem uma organização rudimentar do ego, gerando uma<br />

organização psicológica com suas ansieda<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>fesas próprias que<br />

vão existir in<strong>de</strong>finidamente na vida <strong>de</strong> uma pessoa.<br />

Freud 10 escreve: O ego é, primeiro e acima <strong>de</strong> tudo, um ego corporal;<br />

não é simplesmente uma entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> superfície, mas é, ele próprio,<br />

a projeção <strong>de</strong> uma superfície. Em nota <strong>de</strong> rodapé, acrescentada<br />

posteriormente, diz: ... isto é, o ego, em última análise, <strong>de</strong>riva das sensações<br />

corporais e, principalmente, das que se originam da superfície<br />

do corpo, além <strong>de</strong>, como vimos acima, representar as superfícies do<br />

aparelho mental. 10<br />

Ao nascermos, certamente passamos pela primeira experiência<br />

<strong>de</strong> ruptura <strong>de</strong> uma superfície sensorial e o ego, seu representante<br />

psíquico, ainda com uma organização precária, vê-se envolvido por<br />

miría<strong>de</strong>s <strong>de</strong> experiências sensoriais duras ou angulares, provenientes<br />

<strong>de</strong> várias áreas (auditivas, táteis gustativas, olfativas e visuais),<br />

extremamente perturbadoras para o recém-nascido.<br />

São sensações <strong>de</strong> aniquilamento, <strong>de</strong>sintegração, vazamento e<br />

queda. Po<strong>de</strong>mos chamá-las <strong>de</strong> politraumatismo do nascimento.<br />

Este necessita ser minimizado e sabemos que há uma crescente<br />

preocupação e empenho nesse sentido. A salvação <strong>de</strong>sse politraumatismo<br />

é possível graças a sua transitorieda<strong>de</strong>, porque logo se<br />

apresenta uma segunda pele.<br />

Freud 11 diz: No homem, o nascimento proporciona uma experiência<br />

prototípica <strong>de</strong>sse tipo, e ficamos inclinados, portanto, a consi<strong>de</strong>rar<br />

os estados <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> como uma reprodução do trauma<br />

<strong>de</strong> nascimento. As lembranças <strong>de</strong>ste se fazem presentes principalmente<br />

em sonhos, em doenças mentais e em certos acontecimentos<br />

da vida cotidiana. A perda <strong>de</strong> um ente querido, o aparecimento <strong>de</strong><br />

uma efermida<strong>de</strong> grave, levarão à ansieda<strong>de</strong> própria da ruptura <strong>de</strong><br />

uma superfície sensorial.<br />

Penso po<strong>de</strong>rmos dar um passo além e dizer que esse protótipo<br />

remonta à vida intra-uterina, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que nela tenha ocorrido uma<br />

experiência traumática.<br />

É preciso esclarecer o que penso em termos <strong>de</strong> experiência<br />

traumática. Trata-se daquela experiência capaz <strong>de</strong> promover uma<br />

disrupção da superfície sensorial, <strong>de</strong> modo que através <strong>de</strong>sta possam<br />

vazar fezes, urina e, o mais fundamental, representações psíquicas<br />

já constituídas, impedindo uma continuida<strong>de</strong> do estar sendo e a<br />

solidificação do sentimento do que sou e <strong>de</strong> como estou.<br />

A tradução da palavra grega trauma é literalmente ferida. A<br />

superfície sensorial é ferida por um objeto angular e passa a haver<br />

um representante psíquico (elaboração imaginativa, Winnicott 3) da<br />

mesma, gerando uma consciência incipiente <strong>de</strong> <strong>de</strong>sintegração (loucura)<br />

e extinção (morte). A ansieda<strong>de</strong> básica <strong>aqui</strong> é a <strong>de</strong> preservação<br />

da vida. Não há espaço para a preocupação com a propagação<br />

da espécie. O sofrimento chega a ser tão gran<strong>de</strong> que a pessoa <strong>de</strong>seja<br />

a morte, embora esteja procurando sobreviver.<br />

A estas experiências traumáticas a pessoa respon<strong>de</strong> com <strong>de</strong>fesa(s),<br />

em busca da preservação e do auto-apaziguamento.<br />

Encontramos então a imitação, a crosta, as <strong>de</strong>fesas obsessivas,<br />

segundo Og<strong>de</strong>m 1, e às quais eu acrescentaria o congelamento, a<br />

inércia, a indiferença afetiva e a vida bruta como i<strong>de</strong>ntificação com<br />

o objeto angular. Destacaria mais a inércia, uma tendência geral para


a quietu<strong>de</strong> e que precisa ser golpeada para vitalizar-se. Isso explica,<br />

a meu ver, os vínculos amorosos sado-masoquistas, os fenômenos<br />

psicossomáticos e psicóticos (idéias, alucinações persecutórias e<br />

outras). O parceiro, a dor física e o medo persecutório atuando<br />

como objetos angulares para <strong>de</strong>sfazer a inércia, gerando, no entanto,<br />

um ciclo vicioso. O paciente vai buscar a inércia novamente<br />

como <strong>de</strong>fesa. Todas as <strong>de</strong>fesas têm a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cicatrizar a ferida<br />

da superfície sensorial. Por exemplo, nas <strong>de</strong>fesas obsessivas a repetição<br />

é uma tentativa <strong>de</strong> aumentar a superfície sensorial, emendá-la,<br />

funcionando como um esparadrapo sobre uma ferida. Revela-se no<br />

olhar fixo, na fala ininterrupta, na masturbação compulsiva, na obrigatorieda<strong>de</strong><br />

da lembrança <strong>de</strong> um nome.<br />

O paciente entra em sua angústia maior ante a consciência incipiente<br />

<strong>de</strong> sua finitu<strong>de</strong> e do seu sentimento <strong>de</strong> incompletu<strong>de</strong>. Nada<br />

po<strong>de</strong> ter um prazo final, porque na sua realida<strong>de</strong> psíquica o que<br />

vem a seguir é a catástrofe. Ele necessita reter suas fezes, urina, saliva,<br />

sêmen e fluxo menstrual, assim como os conteúdos organizados<br />

do ego, como obra sua. Dessa maneira, ele vive adiando até não<br />

po<strong>de</strong>r mais, sustentando-se na esperança <strong>de</strong> que não exista um fim.<br />

O amanhã não virá. Tanto na esfera orgânica como na esfera psíquica<br />

ocorrem sintomas <strong>de</strong>sta angústia (ejaculação retardada, constipação<br />

intestinal, frigi<strong>de</strong>z, pensamentos interrompidos, esquecimentos<br />

repetitivos e outros). O ego saiu <strong>de</strong> sua continuida<strong>de</strong> existencial.<br />

Nossa ontogênese está inserida num invólucro maior, a filogênese,<br />

que presi<strong>de</strong> o <strong>de</strong>senrolar ou os batimentos <strong>de</strong> nossa maturação.<br />

É como um pêndulo, que tem seu movimento <strong>de</strong> amplitu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminado, possui um ritmo, uma regularida<strong>de</strong> e uma velocida<strong>de</strong>.<br />

Na natureza os fenômenos vitais possuem esse movimento ritmado<br />

e as experiências sensoriais <strong>de</strong>verão obe<strong>de</strong>cer-lhe para ativar a integração<br />

do ego. E na natureza “nada se cria, nada se per<strong>de</strong> e tudo se<br />

transforma”. Ela é conservadora e processual, busca novas formas,<br />

mas não se <strong>de</strong>sfaz das adquiridas. Sendo assim, as neurociências ajudam-nos<br />

a enten<strong>de</strong>r que o stablishment neurológico só admite<br />

novas estruturas quando as anteriores estão bem estabelecidas. É<br />

essa articulação dialética e sincrônica que vai <strong>de</strong>terminar a vitalida<strong>de</strong><br />

e a sanida<strong>de</strong> dos processos da vida, cuja tendência é aglutinar e<br />

formar o stablishment, sem o qual, obviamente, não se partirá para<br />

o novo. Neste sentido, parece que a mente foi o último salto da<br />

natureza, dotando o homem com seus lobos frontais e pré-frontais.<br />

Os primeiros modos <strong>de</strong> organização da experiência psicológica perpetuam-se<br />

ao longo da vida. A estes, Og<strong>de</strong>n 1 chamou <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los<br />

da posição autista-contígua, afirmação que <strong>de</strong>senvolvo neste trabalho,<br />

enten<strong>de</strong>ndo-a como anterior à posição esquizo-paranói<strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong>pressiva, mas articulada a estas.<br />

Caso clínico<br />

Paciente com vinte e cinco anos, fazendo duas sessões semanais,<br />

há quatro anos em tratamento. Procurou-me porque ouvia e<br />

dialogava com vozes ameaçadoras. Seus sintomas começaram<br />

quando ele se apaixonou por uma moça e foi correspondido por<br />

ela. Ele passou a ter um ciúme patológico acompanhado por<br />

medo <strong>de</strong> retaliação advinda do pai <strong>de</strong>la. Passou a ficar trancado<br />

em seu quarto, intimidado pelas alucinações persecutórias.<br />

Nestes oito anos falou pouco <strong>de</strong> sua história pessoal e a história<br />

<strong>de</strong> sua doença. Algumas referências chegaram-me, esporadicamente,<br />

dadas por parentes que, até recentemente, <strong>de</strong>sconheciam<br />

a gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua doença. Na atualida<strong>de</strong> apresenta-se melhor.<br />

Voltou a dirigir, a fazer caminhadas, a cuidar <strong>de</strong> si quanto à<br />

higiene e alimentação. O que me parece mais importante consiste<br />

em sua capacida<strong>de</strong> adquirida <strong>de</strong> fazer registros <strong>de</strong> suas<br />

produções mentais (sonhos, idéias, etc.), o que possibilita um trabalho<br />

interpretativo.<br />

Recentemente ameaçou, com serieda<strong>de</strong>, interromper seu tratamento.<br />

Então, pu<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r a razão: ele sentiu-se manipulado,<br />

<strong>de</strong> acordo com minha conveniência. Eu não tirei férias em<br />

julho, diferentemente dos anos anteriores. Para ele foi um mês<br />

difícil, pois houve o retorno <strong>de</strong> cheiros ácidos, insônia, audição<br />

<strong>de</strong> vozes e atrasos sintomáticos às sessões.<br />

Após essa conscientização <strong>de</strong> como se sentiu manipulado por<br />

mim, teve uma gran<strong>de</strong> melhora que perdurou até meados do mês.<br />

Nessa ocasião houve um feriado, na terça-feira, dia <strong>de</strong> sua primeira<br />

sessão da semana. Eis o relato da sessão <strong>de</strong> quinta-feira:<br />

Chegou alguns minutos atrasado. Convi<strong>de</strong>i-o a entrar. Ele o<br />

fez. Entretanto, permaneceu <strong>de</strong> pé, olhando-me inquiridoramente.<br />

Ainda <strong>de</strong> pé, disse-me: esses foram dias difíceis para mim.<br />

Sentou-se e falou: só para você ter uma idéia, um foguete<br />

estourou na rua e eu fiz este movimento, como se o foguete estivesse<br />

estourando <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim.<br />

O movimento foi <strong>de</strong> levar o braço e o ombro esquerdos para<br />

trás, como se houvesse ocorrido um forte impacto. Lembrei-me<br />

<strong>de</strong> Winnicott 3 quando observava que, no início da vida, qualquer<br />

barulho, até das fezes, é sentido pelo bebê como um trovão.<br />

Sem enten<strong>de</strong>r o paciente, fico calado.<br />

Depois <strong>de</strong> um breve silêncio, falou-me: Quando saí d<strong>aqui</strong><br />

quinta-feira fui pensando em “barese” e, como sempre, fui à enciclopédia<br />

saber o que podia ser. Encontrei a palavra barestesia,<br />

que é algo como anestesia. Daí pra frente, comecei a sentir um<br />

frio imenso nas pernas, do joelho pra baixo, que não consegui<br />

andar até ontem <strong>de</strong> manhã, quando comecei a melhorar. Foi<br />

muito ruim. As pernas congeladas me incomodaram muito.<br />

Nesse momento, ocorreu-me a expressão “ficar gelado <strong>de</strong><br />

medo” e que, quando ele vai à enciclopédia, está <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong><br />

consultar a si mesmo sobre suas lembranças a respeito da palavra<br />

“barese”. Fez-me lembrar um jogador <strong>de</strong> futebol que, contratado<br />

caro, passou o tempo do contrato enganando a todos no time.<br />

(Houve alguma dificulda<strong>de</strong> minha para enten<strong>de</strong>r o vocábulo<br />

“barese” pela forma como ele o pronunciava).<br />

Disse-lhe então: Você foi tomado <strong>de</strong> um medo muito gran<strong>de</strong><br />

que o manteve congelado até às vésperas <strong>de</strong> nosso reencontro.<br />

Barese parece-me um nome próprio e lembro-me <strong>de</strong> um jogador<br />

<strong>de</strong> futebol que tinha esse nome e passou o tempo enganando no<br />

seu time. Você não po<strong>de</strong> estar sentindo que eu o enganei como ele<br />

fez?<br />

Paciente: É, acho que po<strong>de</strong> ser. Fiquei pensando, ao sair da<br />

sessão, na quinta-feira, no que você me disse – “agora vamos nos<br />

ver na próxima quinta-feira, porque terça é feriado e segunda eu<br />

não vou trabalhar. Eu vou viajar, mas, se você precisar, me telefone”.<br />

Fiquei pensando como te telefonar se você ia viajar.<br />

Analista: Para mim está ficando claro porque você sentiu que<br />

eu o estava tapeando como o Barese. Eu criei uma situação<br />

impossível: você me achar, quando eu estava viajando. Penso que<br />

você enten<strong>de</strong>u meu afastamento como se eu estivesse querendo<br />

me ver livre <strong>de</strong> você e me traísse com minha incoerência.<br />

Casos Clin Psiquiatria 2001; 3(1,2):26-30 28


Psicanálise, neurociências e posição autista-contígua: contribuição para um <strong>de</strong>senvolvimento na teoria e na técnica psicanalítica<br />

Ocorre um pequeno silêncio e eu volto a falar:<br />

Analista: Na verda<strong>de</strong>, eu disse que na quarta-feira eu já estaria<br />

<strong>aqui</strong> e, se você precisasse, po<strong>de</strong>ria me telefonar.<br />

Paciente: É, eu não entendi bem.<br />

Faz um breve silêncio e prossegue:<br />

Paciente: Aconteceram três coisas esquisitas nestes dias. Meus pais<br />

estavam conversando na cozinha e eu achei que tinha um homem trancado<br />

no armário, olhando-os. Fiquei os quatro dias no quarto, <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

não saí por causa das pernas congeladas e, muito aflito, achando que<br />

meus pais não estavam percebendo o que estava me acontecendo.<br />

Neste instante lembrei-me da cena primária, mas <strong>de</strong> maneira diferente.<br />

Ele era o homem que estava escondido no armário,<br />

no entanto, querendo ser encontrado pelos pais. A seguir,<br />

ele prossegue:<br />

Paciente: Também voltaram aquelas impressões antigas <strong>de</strong> que<br />

todo mundo estava falando <strong>de</strong> mim e eu era alvo da atenção <strong>de</strong> todos.<br />

Pensei nas ansieda<strong>de</strong>s inimagináveis <strong>de</strong> Winnicott 3, quando o<br />

bebê sente a falta do holding para manter sua continuida<strong>de</strong> e po<strong>de</strong><br />

escorregar para a <strong>de</strong>sintegração. Então lhe disse:<br />

Analista: Sim, você estava <strong>de</strong>sesperado e queria ser encontrado.<br />

Observo que, quanto mais conversávamos, ele ia ficando mais relaxado<br />

e <strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong> falar mais. Há o prosseguimento.<br />

Paciente: A última coisa foi muito estranha. Eu estava tomando<br />

banho e, à medida que os pingos d’água tocavam a minha pele, eu ouvia<br />

vozes cantando uma música.<br />

Ocorreu-me logo a lembrança <strong>de</strong> que certos toques na pele, por<br />

objetos macios, evocam uma sensação <strong>de</strong> bem-estar, <strong>de</strong> apaziguamento.<br />

Pensei que a música por ele ouvida tinha alguma tonalida<strong>de</strong>, algum<br />

ritmo, e que <strong>de</strong>veria ser como músicas <strong>de</strong> ninar. Apercebendo-me da<br />

resposta, eu lhe interrogo.<br />

Analista: Você po<strong>de</strong> me dizer como era o tom das vozes e da música<br />

que você ouvia?<br />

Paciente: Pareciam com um lamúrio, uma sauda<strong>de</strong>.<br />

Analista: Agora entendo, seu pânico era por temer não confiar<br />

mais em mim e que nossa relação iria se romper, e assim, tudo que foi<br />

feito se per<strong>de</strong>ria.<br />

Paciente: É, eu achei que não ia dar mais para continuar.<br />

Analista: Mas eu vou estar <strong>aqui</strong> sempre para me somar<br />

a você.<br />

Termino a sessão. Ao <strong>de</strong>spedir-se, o paciente mostra-se cordial.<br />

Entretanto, volta a perguntar se <strong>de</strong>vemos continuar. Digo-lhe que sim,<br />

ainda mais agora, que sabemos um pouco mais sobre ele.<br />

Discussão<br />

O atraso e o modo inquiridor como o paciente entrou <strong>de</strong>monstraram<br />

uma hesitação em estar comigo. Logo falou-me <strong>de</strong> seu estado <strong>de</strong><br />

sofrimento, entendi haver algo relacionado a mim. Observei que havia<br />

uma intimidação em seu olhar e em sua fala. Devido a isso fiquei incomodado<br />

e sem iniciativa até a ocasião em que ele proferiu a palavra<br />

“Barese”, pronunciando-a <strong>de</strong> maneira incompreensível inicialmente.<br />

Pareceu-me ter falado “bares”. Desfeita a dúvida, pu<strong>de</strong> associá-la a um<br />

nome próprio e, <strong>de</strong>pois, ao jogador <strong>de</strong> futebol e a mim como o analista-Barese.<br />

29 Casos Clin Psiquiatria 2001; 3(1,2):26-30<br />

É preciso esclarecer que o paciente acompanha com alguma regularida<strong>de</strong><br />

os fatos cotidianos ligados ao futebol e sabe que também<br />

acompanho. Po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r sua dificulda<strong>de</strong> em falar claramente<br />

“Barese” já como sintomático. Chamou-me mais a atenção o modo<br />

pelo qual ele foi rapidamente à enciclopédia para ver seu significado,<br />

sem se questionar a respeito <strong>de</strong> uma associação pessoal. Ultimamente<br />

este fato acontecia com freqüência, em relação a uma palavra, um lugar<br />

ou um personagem. O paciente, ao chegar às sessões, <strong>de</strong>sfilava todo o<br />

conhecimento adquirido. Isto ocorreu até eu enten<strong>de</strong>r que ele o fazia<br />

<strong>de</strong> uma forma obsessiva, e também que tinha o sentido <strong>de</strong> manter uma<br />

continuida<strong>de</strong> através <strong>de</strong> uma colagem.<br />

Associei esta sua conduta com a da paciente <strong>de</strong> Og<strong>de</strong>n<br />

que só se tranqüilizava quando conseguia “pensar a<strong>de</strong>quadamente”,<br />

constituindo-se numa posição da <strong>de</strong>fesa autista-contígua,<br />

utilizada como um remendo para restaurar uma superfície sensorial<br />

rompida.<br />

Retornando ao conteúdo da sessão, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> perceber que eu era<br />

o analista-Barese, ela passou a transcorrer num clima <strong>de</strong> total naturalida<strong>de</strong><br />

com uma sucessão sintônica <strong>de</strong> falas minhas e do paciente. Pu<strong>de</strong><br />

substituir o analista-Barese pelo analista-auxiliar e o paciente-Barese<br />

pelo paciente comprometido com o conhecimento <strong>de</strong> si mesmo. Isso<br />

elaborado, o paciente tornou-se espontâneo e natural. E meu entendimento<br />

dos três registros surgiram do mesmo modo na sessão.<br />

Reconhecemos o terceiro sujeito analítico, outra gran<strong>de</strong> contribuição<br />

<strong>de</strong> Og<strong>de</strong>n para a técnica e que Contart <strong>de</strong> Assis12 associou ao estabelecimento<br />

<strong>de</strong> uma simetria horizontal que soma em oposição a uma simetria<br />

vertical que conduz à disputa.<br />

Desse modo, as produções <strong>de</strong>lirantes do paciente po<strong>de</strong>m ser compreendidas<br />

como tentativas <strong>de</strong> auto-apaziguamento diante das ansieda<strong>de</strong>s<br />

indizíveis, ligadas à preservação da vida. No caso em questão, ele<br />

sentiu o medo <strong>de</strong> se <strong>de</strong>sfazer, se <strong>de</strong>smanchar, <strong>de</strong> um esvaziar sem fim,<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer no momento no qual, não contando com a sintonia dos<br />

pais, também estava ameaçado <strong>de</strong> me per<strong>de</strong>r como sua segunda pele.<br />

No <strong>de</strong>sespero, lança mão da última <strong>de</strong>fesa restante, indo além da<br />

inércia. Nesta, ainda palpita vida. É o congelamento materializado no<br />

congelamento das pernas, on<strong>de</strong> cessam as percepções sensoriais.<br />

Tudo cessa à espera do aparecimento do remédio salvador. Ele só<br />

começa a melhorar às vésperas da sessão <strong>de</strong> quinta.<br />

Na sua realida<strong>de</strong> psíquica ele caminhava para a extinção e, nesta<br />

situação caótica <strong>de</strong> finitu<strong>de</strong>, tudo vale a pena, até a loucura que autoapazigua,<br />

mas que, paradoxalmente, espinha, espanta<br />

e amedronta.<br />

Assim, toda a situação torna-se um somatório <strong>de</strong> “trovões”<br />

(Winnicott3). Ao medo <strong>de</strong> morrer junta-se o medo <strong>de</strong> ficar louco.<br />

Nossa mente, <strong>de</strong> fato, tem arranjos embaraçosos e nós, analistas, somos<br />

os únicos capazes <strong>de</strong> reverter tal adversida<strong>de</strong> da natureza humana,<br />

substituindo o abandono pelo encontro, a inércia e o congelamento<br />

pela ousadia, e a loucura pela luci<strong>de</strong>z.<br />

Finalmente, esse material clínico ilustra a importante contribuição<br />

<strong>de</strong> Og<strong>de</strong>n sobre a psicogênese das doenças mentais. Vemos como o<br />

paciente vai <strong>de</strong> uma posição esquizo-paranói<strong>de</strong>, quando está se sentindo<br />

enganado, para uma posição <strong>de</strong>pressiva quando percebe<br />

que consigo compreendê-lo. Então é capaz <strong>de</strong> trabalhar sintonicamente<br />

com a minha compreensão <strong>de</strong> suas angústias e <strong>de</strong>fesas. Para


Og<strong>de</strong>n1, o impedimento <strong>de</strong>sta articulação dialética e sincrônica entre<br />

estas posições conduz a patologias específicas, constituindo-se, portanto,<br />

em contribuição importante a se consi<strong>de</strong>rar.<br />

Conclusão (uma tentativa <strong>de</strong> contribuição para a técnica psicanalítica)<br />

Os métodos são <strong>de</strong>terminados pelas teorias que os alicerçam e<br />

estas, por sua vez, são alteradas pelos métodos que criam. É uma articulação<br />

própria dos princípios da natureza: vida e morte, positivo e<br />

negativo, dia e noite, sol e chuva.<br />

O resultado <strong>de</strong>stes estudos estão mudando meus conceitos teóricos<br />

e técnicos sobre resistência, repetição, primitivo e elaborado, trauma<br />

psíquico, transferência e contra-transferência, forma e conteúdo <strong>de</strong><br />

uma sessão ou <strong>de</strong> uma fala e articulação fina entre biológico e psíquico.<br />

Passei a enten<strong>de</strong>r a repetição como um ensaio necessário para<br />

estruturar uma organização que sustentará um salto, uma mudança<br />

para mais adiante. Está mais para um movimento <strong>de</strong> vida do que um<br />

<strong>de</strong> morte. Esse salto na realida<strong>de</strong> psíquica do paciente é catastrófico<br />

porque implica a disrupção <strong>de</strong> um stablishment. É necessário que ele<br />

seja lento, a seu modo, para haver uma <strong>aqui</strong>sição do novo <strong>de</strong> forma<br />

organizada e integrada. Nossos pacientes precisam <strong>de</strong> tempo – e, naturalmente,<br />

da elaboração dos elementos psíquicos inconscientes envolvidos<br />

na transferência / contra-transferência – para a constituição <strong>de</strong> sua<br />

confiança básica no analista. Também nós, analistas, precisamos <strong>de</strong>sse<br />

tempo.<br />

Hoje, entendo a resistência como um complemento da repetição<br />

no sentido <strong>de</strong> um auto-apaziguamento, fortalecendo a constituição do<br />

stablishment.<br />

Não me aflijo com os atrasos, as faltas, os silêncios, as falas compridas<br />

e <strong>de</strong>talhadas, ou se o paciente fica sentado ou <strong>de</strong>itado. Tenho a atenção<br />

voltada para compreen<strong>de</strong>r o fenômeno. Porém, atento-me mais<br />

para observar o fenômeno acontecer. Muitas vezes, a forma é mais<br />

importante que o conteúdo. Tudo numa abordagem dialética. Tanto o<br />

paciente que fala seguidamente, como o que olha fixamente para um<br />

ponto ou para nós, po<strong>de</strong>m estar procurando, apenas, uma colagem,<br />

uma costura para a ruptura, como uma <strong>de</strong>fesa para evitar o sentimento<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> catastrófica e não uma <strong>de</strong>fesa para ansieda<strong>de</strong>s persecutóias.<br />

A interpretação é muito importante, mas não é o único instrumento<br />

terapêutico. Nem o holding <strong>de</strong> Winnicott ou o reverie <strong>de</strong><br />

Bion. Tudo é importante, mas tenho consi<strong>de</strong>rado a preservação do<br />

movimento pendular natural no setting analítico dado pelo equilíbrio<br />

emocional do analista como essencial, porque ele conduz ao auto-apaziguamento<br />

e à restauração da superfície <strong>de</strong>scontinuada pelo<br />

trauma vivido.<br />

Funciono como o objeto autista <strong>de</strong> Tustim 4, sentido como macio,<br />

aquecido e colorido o suficiente para exercitar a vida. É importante<br />

conscientizar-me do meu papel <strong>de</strong> segunda pele para o paciente. Não o<br />

percebo somente me utilizando como objeto da sua pulsão ou como<br />

continente do que é para si inaceitável, nem propiciador da restauração<br />

da sua natureza e da espontaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um self verda<strong>de</strong>iro, motivos<br />

pelos quais somos, também, procurados. Estou convencido <strong>de</strong> que, se<br />

não removermos a crosta criada em função do trauma da superfície sensorial,<br />

anterior à <strong>aqui</strong>sição do falso self, nossa tarefa <strong>de</strong> ajudá-lo<br />

po<strong>de</strong>rá fracassar.<br />

A intersubjetivida<strong>de</strong> que jaz no assoalho da inter-relação<br />

da transferência / contra-transferência é <strong>de</strong> importância comparável aos<br />

fenômenos citados – se não for o <strong>de</strong> maior importância –, principalmente<br />

para <strong>aqui</strong>lo que todos nós analistas mais <strong>de</strong>sejamos, isto é, po<strong>de</strong>rmos<br />

realizar um trabalho verda<strong>de</strong>iramente científico.<br />

Embora tenha <strong>de</strong>senvolvido esta abordagem mencionando<br />

pacientes graves, o exposto é inerente a todo homem ou mulher, criança<br />

ou adulto, sadio ou doente.<br />

Reconheço que tenho muito a apreen<strong>de</strong>r. A pequena área pronta<br />

já é animadora, embora a estrada sinuosa.<br />

Como diz Drummond: “A vida muda. A vida é muda.”<br />

Summary<br />

The author gives continuity to Og<strong>de</strong>n’s conceptions shown in his work<br />

“On the Concept of an Autistic-Contiguous Position”. He consi<strong>de</strong>rs<br />

such conceptions as progresses in psychoanalytical theory and<br />

technique. He also tries to articulate them with Freud’s conceptions<br />

about a sensorial experience and the neurosciences progresses. He<br />

makes an exposition about the construction of his theoretic referential<br />

illustrated with a clinical case of a psychotic patient and conclu<strong>de</strong>s with<br />

a contribution to the psychoanalytic technique.<br />

Key-words: Paranoid Schizophrenia; Autistic-Contiguous Position;<br />

Schizoparanoid Position; Depressive Position; Psychoanalysis;<br />

Neurosciences.<br />

Referências Bibliográficas<br />

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No prelo.<br />

9. Grodstein J. Schizophrenia as a disor<strong>de</strong>r of self-regulation and interactional<br />

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10. Freud S. Ego e o id. E. S. B., vol. XIX. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago<br />

Editora, 1976.<br />

11. Freud S. Sintoma, inibição e angústia. E. S. B., vol. XX. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Imago Editora, 1976.<br />

12. Assis MBAC. Consi<strong>de</strong>rações sobre experiências clínicas no<br />

campo da intersubjetivida<strong>de</strong>. Rev Bras <strong>de</strong> Psicanálise 1999;<br />

33(2):341-64.<br />

Casos Clin Psiquiatria 2001; 3(1,2):26-30 30

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