Se disséssemos sempre a verdade, teríamos discussões a toda a hora

COMPORTAMENTO
"Se disséssemos sempre a verdade,
teríamos discussões a toda a hora"
Ian Leslie, autor de "Mentirosos Natos': explica porque é que náo conseguimos viver
sem a mentira. ENTREVISTA DE NELSON MARQUES
e Kant ao Dr. Phil já to-
dos o destacaram: a men-
tira é uma das perversões
da sociedade, um flagelo
que merece o nosso des-
prezo. Quantos de n6s não nos apressa-
mos a apontar o dedo ao político que
iludiu os eleitores, ao amigo que traiu a
mulher, ao filho que mentiu sobre as
notas da escola? E, contudo, nota Ian
Leslie, autor de "Mentirosos Natos",
mentir é um crime moral que todos
cometemos - e de forma contínua. Se
assim não fosse, nenhuma sociedade
sobreviveria,
LLTodos mentimos. Todos os dias; a toda
a horaw. Tem razão Mark Min? 'i'WaiII
estava a usar um exagero poético mas
tinha alguma razão. A psicóloga Beiia
de Paulo descobriu que as pessoas mentem,
em média, 1,s vezes por dia. Os
dados podem, porém, ser conservadores.
Outro investigador concluiu que
dois estranhos mentem pelo menos três
vezes nos primeuos dez minutos depois
de se conhecerem.
Por que é que mentimos? Por muitas
razões, umas boas, outras más: para ser
educado ou simpático, para poupar
tempo, para poupar embaraço a al-
guém, por diversão, para manipular,
para magoar, para nos defendermos ou
para defender algudm ...
Somos realmente mentiroros natos? A
capacidade de enganar é da natureza
humana - faz parte de quem somos.

Começamos a recorrer a formas de
engano quase a partir do momento em
que começamos a comunicar. Até os
bebés podem fingir que choram ou que
riem. Mentem instintivamente para se
defenderem: uma mentira pode ser o
único meio de se defenderem dos &-
tos. Mas estas mentiras são muito sim-
ples e fáceis de identificar. 56 entre os
três e os quatro anos 6 que as crianças
aprendem a mentir de forma convincen-
te.
O que é que acontece nessa aiiura? As
crianças começam, pela primeira vez, a
perceber que as outras pessoas têm
crenças diferentes sobre o mundo.
Aprendem que a mãe pode acreditar
que o frasco das bolachas caiu da prate
leira por acidente, mesmo que saibam
que o denubanm. O momento em que
aprendem a mentir C kw&?m o momen-
to em que aprendem a perceber e a
criar empatia com meles que os ro-
deiam.
Ascrianppodrsn#r~mairtiro-
sas? Sim, podem ~~ a mentir
tem são apanhados e se t o m hpopulares.
Claro que cSs pais podem dl; uma
ajuda, dizendo @e ser conhecidaeci6dmo
mentiroso 6 algo nau. Mas os fi@~
também irão reparar que os pais@eaa
aiguém, ao
e receber me-
um vício, como es-
-
creveu M i l 6. Montaigne? Exige um
pequeno o de crianças que &ma
chega a pem&er que mentir é mau. Se
uma criança %nda mente regulanínente
e por MMta os sete anos, é ov8vel
que to & mentiroso c b w o
quando adulto. Estas pesso&tendem a
. ter outros problemas psicoI6@&i -
quem m ~ u i ttende o a ser Mek.
esmo necessária paraas
k
Entre
a publicidade
e a escrita
O britânico lan Leslie, de
39 anos, divide a carreira
entre o mundo da publici-
dade e a escrita: ao mes-
mo tempo que é consultor
de várias marcas, tem es-
crito sobre política, cultu-
ra, marketing e psicologia
para diversas publicaç6es,
incluindo os jornais "Guar-
dian" e "The Times", e a
revista "Prospect". Sobre
o seu primeiro livro, "To
I be President" ('Ser Presi-
dente", 2008), disse-se
que captou "de forma bri-
lhante a intensidade e a
emosão da auspiciosa corri-
da de Obama a Casa Bran-
ca". "Mentirosos Natos -
Porque Não Conseguimos
Viver sem a Mentira" está
publicado em Portugal
pela Texto Editores.
sociedades funcionarem? Sim. Não po-
deríamos sobreviver a um jantar em
grupo sem mentir, em especial se a
comida for má. Se disséssemos sempre
a verdade a toda a hora, teríamos dis-
cussões e lutas a toda a hora. A mentira
facilita a interaçáo social.
O que é preciso para ser um bom menti-
roso? As mesmas capacidades que fa-
zem de alguém popular e bem-sucedi-
do. É preciso criar empatia ou pelo
menos ser bom a perceber o que os
outros estão a pensar. É preciso ter
grandes capacidades verbais e ter a
capacidade cognitiva de misturar duas
versões da realidade na cabeça. É preci-
so ter a criatividade de criar uma histb
ria alternativa. É preciso ter capacida-
des emocionais para mentir convincen-
temente. Por isso, os bons mentirosos
são geralmente charmosos, empáticos e
bem-sucedidos.
Como podemos detetar uma mentira?
Não existe um sinal absoluto de uma
mentira - o nariz de Pinóquio não existe.
Cada mentira e cada mentiroso são dife-
rentes. Há muitas teorias sobre este as-
sunto mas nunca nenhuma foi provada.
Mas é mais difícil detetar hoje uma men-
tira? Escreve que somos melhores men-
tirosos e piores detetores de mentiras
do que acdimos. Somos demasiado
confiantes na nossa capacidade de dis-
tinguir mentiras de verdades. Pensamos
que somos bons a fazglo mas os testes
tem demonstrado que a taxa de sucesso
média ronda os 50 por cento. Mais vale
lançar uma moeda ao ar.
Estamos programados para mentir tam-
bém a nós próprios? A maior parte de
n6s mente a si próprio a toda a hora.
Acreditamos que somos um pouco mais
espertos, mais bem-parecidos, mais
simpáticos do que aquilo que somos na
realidade. Vivemos com uma margem
de ilusão sobre n6s pr6prios e o mundo.
As Únicas pessoas que não se autoenga-
nam são depressivas. Porquê? As menti-
ras que dizemos a 116s próprios aju-
dam-nos a recuperar dos desapontimen-
tos e enfrentar o futuro com otimismo.
Essa atitude pode ser perigosa? Pode.
Muitos dirão, que a crise bancária de
2008 foi causada por um grupo de pes-
soas demasiado confiantes que viviam a
mesma mentira. Depois a realidade
atingiu-os forte. H
nmar