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Uma Fam'lia, Tr s gera ›es - Fluir Perene

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Colecção <strong>Fluir</strong> <strong>Perene</strong><br />

Volumes já publicados<br />

N.º 1 José Ribeiro Ferreira, Mitos das Origens<br />

- Rios e Raízes (2008).<br />

N.º 2 Rodolfo Pais Nunes Lopes, Batracomiomaquia:<br />

a Guerra das Rãs e dos Ratos (2008).<br />

N.º 3 Carlos A. Martins de Jesus, A Flauta e<br />

a Lira: Estudos sobre Poesia Grega e Papirologia<br />

(2008).<br />

N.º 4 José Ribeiro Ferreira, Os Sons e os<br />

Silêncios – A Memória, a Culpa, a Valsa (2008).<br />

N.º 5 José Ribeiro Ferreira, Labirinto e<br />

Minotauro - Mito de Ontem e de Hoje (2008).<br />

N.º 6 José Ribeiro Ferreira, Atenta Antena - A<br />

Poesia de Sophia e o Fascínio da Grécia (2008).<br />

N.º 7 Rui Morais, A Colecção de Lucernas<br />

Romanas do Norte de África no Museu D.<br />

Diogo de Sousa (2008).<br />

N.º 8 Armando Nascimento Rosa, Antígona<br />

Gelada (2008).<br />

N.º 9 José Ribeiro Ferreira, Rui Morais, A<br />

Busca da Beleza: Vol. 1 - Arquitectura Grega<br />

(2008).<br />

N.º 10 José Jorge Letria, Os Lugares Cativos<br />

(2009).<br />

N.º 11 José Ribeiro Ferreira, <strong>Tr</strong>ês Mestres<br />

<strong>Tr</strong>ês Lições <strong>Tr</strong>ês Caminhos (2009).<br />

N.º 12 Carlos A. Martins de Jesus,<br />

Anacreontea. Poemas à maneira de Anacreonte<br />

(bilingue) (2009).<br />

N.º 13 José Ribeiro Ferreira, Gaivotas<br />

(2009).<br />

O mês de dezembro é, em <strong>gera</strong>l e também no Movimento Rotário,<br />

dedicado à família. Estamos num mês e numa época do ano – muito<br />

por ser o mês do Natal e sob o efeito do nimbo que parece emergir dos<br />

olhos sorridentes do Menino Jesus e nunca pelo ar comercial, balofo<br />

e adiposo do Pai Natal – em que pairam nas mentes, nos corações,<br />

nas palavras sensações e desejos de paz, concórdia, harmonia,<br />

compreensão.<br />

O Presidente do Rotary Internacional e o Governador do nosso<br />

Distrito Rotário estabeleceram como uma das ênfases homenagear<br />

a família.<br />

Dando cumprimento a este desiderato, procuramos materializar e<br />

corporizar a nossa homenagem numa família que elegeu determinados<br />

valores como norma de conduta para a sua vida, toda ela dedicada<br />

ao serviço dos outros – como vimos um dos grandes lemas de Rotary.<br />

O texto do Pároco da freguesia em que habitam, Ançã, e algumas das<br />

respostas da entrevista elucidam bem essa sua característica.<br />

<strong>Fluir</strong> <strong>Perene</strong><br />

www.fluirperene.com<br />

Colaboração<br />

Associação Portuguesa de<br />

Estudos Clássicos (APEC)<br />

(do Prefácio)<br />

No Fl u i r d a s Co i s a s al g o Pe r m a N e C e<br />

J. a. sa N s ã o Co e l h o<br />

Jo s é ribeiro Fe r r e i r a<br />

No <strong>Fluir</strong> das Coisas<br />

Algo Permanece<br />

<strong>Uma</strong> Família <strong>Tr</strong>ês Gerações<br />

J. A. SA n S ã o Co e l h o<br />

Jo S é Ri b e i R o Fe R R e i R A<br />

Colecção<br />

<strong>Fluir</strong> <strong>Perene</strong>


No fluir das Coisas Algo permanece<br />

<strong>Uma</strong> Família <strong>Tr</strong>ês Gerações


NO FLUIR DAS COISAS<br />

ALGO PERMANECE<br />

UMA FAMÍLIA TRÊS GERAÇÕES<br />

COIMBRA –2009


AUTOR<br />

J. A. Sansão Coelho e José Ribeiro Ferreira<br />

TÍTULO<br />

No <strong>Fluir</strong> das Coisas Algo permanece:<br />

<strong>Uma</strong> Família <strong>Tr</strong>ês Gerações<br />

EDITOR<br />

José Ribeiro Ferreira<br />

CONCEPÇÃO GRÁFICA<br />

<strong>Fluir</strong> <strong>Perene</strong><br />

IMPRESSÃO<br />

Simões & Linhares, Lda.<br />

Av. Fernando Namora, nº 83 - Loja 4<br />

3030-185 Coimbra<br />

PEDIDOS<br />

Rotray Club de Coimbra<br />

Rua Dr. Manuel Rodrigues, 1 – 3º Sala F<br />

3000-258 COIMBRA<br />

e<br />

Associação Portuguesa de Estudos Clássicos (APEC).<br />

Faculdade de Letras – Universidade de Coimbra<br />

Tel.: 239 859 981 / Fax: 239 836 733<br />

3000-447 COIMBRA<br />

ISBN: 978-989-96078-5-9<br />

Depósito legal: 303877/09


Rotary Club de Coimbra<br />

e<br />

Rotary Club de Coimbra - Santa Clara,<br />

prestam<br />

Rotary Club de Coimbra<br />

Homenagem à Família<br />

e<br />

Rotary Club de Coimbra - Santa Clara,<br />

O prestam FUTURO DO ROTARY<br />

ESTÁ EM SUAS MÃOS<br />

Homenagem à Família<br />

17 de dezembro de 2009<br />

17 de dezembro de 2009


As duas <strong>gera</strong>ções.<br />

Agosto de 2009.


Prefácio<br />

O mês de dezembro é, em <strong>gera</strong>l e também no<br />

Movimento Rotário, dedicado à família. Estamos num<br />

mês e numa época do ano – muito por ser o mês do Natal<br />

e sob o efeito do nimbo que parece emergir dos olhos<br />

sorridentes do Menino Jesus e nunca pelo ar comercial,<br />

balofo e adiposo do Pai Natal – em que pairam nas<br />

mentes, nos corações, nas palavras sensações e desejos<br />

de paz, concórdia, harmonia, compreensão.<br />

Essa compreensão e harmonia aparece simbolizada<br />

na família de Nazaré. Daí a escolha do mês de dezembro.<br />

O Presidente do Rotary Internacional e o<br />

Governador do nosso Distrito Rotário estabeleceram<br />

como uma das ênfases homenagear a família. Mas<br />

alargando o seu âmbito também aos que connosco<br />

convivem e labutam por determinados objectivos e<br />

princípios, como se pode ver na mensagem de Dezembro<br />

que cada um divulgou e que a seguir se transcreve. E, de<br />

facto, além da família particular de cada um, existem as<br />

empresas ou as instituições em que cada um trabalha e<br />

procura fazer progredir. Há também, no que aos clubes<br />

rotários diz respeito, a grande Família Rotária que se<br />

alarga aos três ou quatro milhões de pessoas, se<br />

contarmos cônjuges e filhos. E todos mais ou menos<br />

empenhadamente procuram servir, seguindo o ideal de<br />

Paul Harris de se dar sem pensar em si. Procuram<br />

minorar o sofrimento e carências das crianças, através de<br />

7


campanhas de vacinação contra poliomielite,<br />

Dando cumprimento a este desiderato, procuramos<br />

materializar e corporizar a nossa homenagem numa<br />

família que elegeu determinados valores como norma de<br />

conduta para a sua vida, toda ela dedicada ao serviço dos<br />

outros – como vimos um dos grandes lemas de Rotary. O<br />

texto do Pároco da freguesia em que habitam, Ançã, e<br />

algumas das respostas da entrevista elucidam bem essa<br />

sua característica.<br />

O pequeno opúsculo que publicamos, com as<br />

biografias de pais e filhos e com uma entrevista<br />

conduzido pelo nosso Companheiro Sansão Coelho, a<br />

quem estou sinceramente reconhecido, mostra essa vida<br />

de dedicação e de doação.<br />

A todos os contribuíram para que a publicação<br />

fosse possível nesta data endereço, em nome do Ratary<br />

Club de Coimbra e do Rotary Club de Coimbra – Santa<br />

Clara, os meus sinceros agradecimentos. Devidos em<br />

especial à Doutora Margarida Miranda que, ao coordenar<br />

a nível familiar as respostas e as biografias, quase<br />

poderia ser considerada coautora deste volume.<br />

A todos um feliz Natal, vivido na harmonia e no<br />

calor fraterno da família.<br />

Coimbra, dezembro de 2009<br />

8<br />

José Ribeiro Ferreira


Presidente do Rotary Internacional<br />

Mensagem de Dezembro<br />

Caros Rotários:<br />

Em Dezembro celebramos o Mês da Família<br />

Rotária. Todo rotário faz parte desta família, que na<br />

realidade é muito maior que 1,2 milhão de pessoas. Esta<br />

família inclui todo homem, mulher e criança ligados ao<br />

nosso trabalho, como os cônjuges e filhos dos associados,<br />

os participantes e ex-participantes de programas da<br />

Fundação e as centenas de milhares de pessoas quem têm<br />

contacto com nossas iniciativas.<br />

Os jovens de nossa família estão nos Interact e<br />

Rotaract Clubes, nos seminários RYLA, nas Bolsas<br />

Educacionais e no Intercâmbio de Jovens. Assim como<br />

em qualquer família, eles são a esperança de um futuro<br />

promissor. Desejo que eles se tornem rotários no futuro,<br />

mas já basta saber que hoje o Rotary faz parte da vida<br />

deles.<br />

Estou casado com minha esposa June por mais de<br />

40 anos, quase a mesma quantidade de tempo que sou<br />

rotário. As mulheres não podiam entrar no Rotary<br />

naquela época, entretanto, a June tem sido parte da<br />

família rotária desde o primeiro dia em que pus os pés no<br />

Rotary Club de Grangemouth. Meu trabalho no Rotary<br />

tem exigido muito de nós desde então, mas a verdade é<br />

9


que o que recebemos em troca vale muito mais do que o<br />

que demos.<br />

Acredito que a associação a um Rotary Club pode e<br />

deve melhorar nossos lares. Conforme nos concentramos<br />

em atrair mais jovens qualificados a nossas fileiras,<br />

devemos nos lembrar que hoje em dia as pessoas estão<br />

mais e mais tendo que equilibrar trabalho e família.<br />

Assim, o Rotary deve somar à vida da pessoa, e não<br />

competir com suas outras responsabilidades. Se<br />

marcarmos reuniões rotárias que não coincidam com o<br />

trabalho das pessoas e convidar os familiares dos<br />

associados a nossas actividades sempre que possível,<br />

estaremos contribuindo para que todo núcleo familiar<br />

faça parte da grande família rotária.<br />

Todo clube deve oferecer uma interacção<br />

equilibrada entre família, trabalho e Rotary. Somente se<br />

trabalharmos juntos, como família, é que o Rotary irá<br />

crescer e ser ainda mais forte no futuro.<br />

John Kenny<br />

Presidente, Rotary International<br />

10


Mensagem de Dezembro do Governador<br />

Caros(as) companheiro(as)<br />

Em Dezembro celebramos o Mês da Família<br />

Rotária. Somos uma família muito numerosa, pois agrega<br />

os rotários de todo o mundo e todos aqueles que<br />

connosco trabalham no sentido de cumprir o objectivo de<br />

rotary, apoiar todos os que necessitam de ajuda, estejam<br />

onde estiverem, professem que religião professarem,<br />

sejam de que cor forem.<br />

São também parte integrante da nossa família todos<br />

os que já participaram em programas de rotary, os que já<br />

se associaram a nós na implementação de projectos,<br />

enfim, somos muitos mais do que a soma do número de<br />

sócios dos clubes de todo o mundo.<br />

O facto de sermos muitos, cria-nos dificuldades<br />

pois, por vezes, não é fácil conciliar as opiniões de todos.<br />

No entanto esta diversidade de pensamentos permite que<br />

haja sempre algum de nós disponível para levar a cabo as<br />

tarefas a que rotary se propôs.<br />

É minha opinião que se os rotários tiverem uma<br />

família bem estruturada, transportarão para o interior dos<br />

11


seus clubes o espírito de família e estes constituirão um<br />

pólo aglutinador de todos os que o compõem incluindo os<br />

respectivos familiares. Rotary tem que ser uma família.<br />

Só assim conseguirá compreender os problemas de quem<br />

não tem casa, comida, acesso à saúde, água potável,<br />

educação e tudo o que um ser humano necessita para ter<br />

uma vida condigna.<br />

Desde muito jovem me habituei a ajudar os muitos<br />

pobres que procuravam a casa de meus pais onde sempre<br />

havia cama e comida para todos. Muitas vezes apareciam<br />

com problemas de saúde. Nunca o apoio lhes foi negado.<br />

Talvez por isso cultivo um espírito de família que sempre<br />

me tem acompanhado ao longo da minha vida. Tento<br />

passar este espírito para rotary. Peço-vos que façais o<br />

mesmo. Todos juntos vamos dar mais força ao espírito de<br />

família em rotary. Assim seremos mais solidários e mais<br />

fortes. Consequentemente estaremos em melhores<br />

condições de prestar ajuda a muitas mais pessoas.<br />

Recebei um grande abraço do vosso amigo e<br />

companheiro,<br />

Manuel Cordeiro<br />

12


FAMÍLIA MIRANDA<br />

UNIDOS PELO EXEMPLO,<br />

SOBRIEDADE E AMOR


A família em Janeiro 2009 (Sem o Rafael).


Era uma vez... E assim começam as histórias de encantar.<br />

Encantado com o “Espírito NATALÍCIO” que caracteriza<br />

A “FAMÍLIA MIRANDA”, O ROTARY CLUB DE<br />

COIMBRA FOI PROCURAR CONHECER A SEIVA<br />

QUE PERCORRE ESTA ÁRVORE GENEALÓGICA<br />

QUE TÃO BONS FRUTOS TEM DADO. QUIS O<br />

DESTINO QUE O COMPANHEIRO ENCARREGUE<br />

DA ENTREVISTA AOS VÁRIOS MEMBROS DO<br />

AGREGADO, PARA FAZER A “REPORTAGEM-<br />

FOTO DE FAMÍLIA”, FICASSE IMPEDIDO DE UM<br />

CONTACTO PRESENCIAL QUE VEIO A SER<br />

SUBSTITUÍDO, EM EMERGÊNCIA E URGÊNCIA,<br />

PELA FRIEZA DE UMA ENTREVISTA COLECTIVA<br />

FEITA PELA INTERNET. A MOBILIZAÇÃO DE<br />

TODOS OS MEMBROS DA “FAMÍLIA MIRANDA”<br />

ABRIU A PORTA AO ROTARY CLUB DE<br />

COIMBRA E AQUECEU DE FORMA<br />

SENSIBILIZANTE O NOSSO PROPÓSITO. CADA<br />

UM DOS MEMBROS DA “FAMÍLIA MIRANDA”<br />

DEU UM PRECIOSO CONTRIBUTO. LOGO SE<br />

PERCEBEU, PELO EXEMPLO, QUE A FAMÍLIA É<br />

UM INDISSOCIÁVEL COLECTIVO.<br />

QUEREM CONHECER TODA ESTA HITÓRIA DE<br />

15


ENCANTAR? LEIAM CONNOSCO AS RESPOSTAS<br />

DE VÁRIOS MEMBROS DA “FAMÍLIA MIRANDA”.<br />

«A PALAVRA PODE ARRASTAR...O EXEMPLO<br />

CONVERTE» - ASSEGURA A MATRIARCA MÃE-<br />

AVÓ LISETE.<br />

EIS A EXEMPLAR CÉLULA DAS SOCIEDADES...<br />

...ERA UMA VEZ UMA FAMÍLIA: A “FAMÍLIA<br />

MIRANDA”.<br />

1. Como era o dia a dia em vossa casa?<br />

Mãe: Dias de trabalho. Eu ia para a escola, levando os<br />

que estavam em idade escolar. Os outros ficavam com os<br />

meus pais, que foram viver comigo pois eu era filha única.<br />

Ficava ainda uma afilhada, a Catarina, órfã de pai, que cresceu<br />

com os meus filhos desde a idade dos cinco anos, e que foi<br />

para eles uma irmãzita mais velha. Naquele tempo, não havia<br />

fraldas descartáveis nem máquinas de lavar. Tudo era feito<br />

manualmente, e cuidar das roupas levava muito tempo. Os<br />

bibes eram uma boa solução para poupar as roupas.<br />

Além da Catarina, havia ainda os dois irmãos rapazes,<br />

o Tá e o Jorge. Ao todo eram três afilhados, a quem o pai<br />

faltara muito cedo, e por quem eu me responsabilizei, pois me<br />

uniam com o pai laços de grande amizade. Hoje adultos, são<br />

ainda a nossa família, não do sangue mas do coração, e<br />

16


povoam as mais doces memórias infantis dos meus filhos,<br />

como se fossem os seus irmãos mais velhos.<br />

Apesar de termos muito que fazer, não faltava o tempo<br />

para nos darmos aos outros. Ao domingo, visitávamos alguns<br />

doentes. <strong>Uma</strong> de cada vez, as filhas eram levadas pela minha<br />

mão, a participar daquelas visitas e a aprender a dar-se.<br />

A uma vizinha que tinha uma perna chagada, lá ia eu<br />

diariamente fazer o curativo, ou dar a injecção, quando<br />

regressava da escola.<br />

Havia um pobre doente, sem família, a cuja casa eu ia<br />

fazer limpeza. Era o Sagradas, um bem falante, homem bem<br />

nascido e bem criado, em boa casa, mas tinha acabado por<br />

cair em desgraça. Já idoso, sofria de úlceras varicosas nas<br />

pernas e ia curar-se diariamente ao Hospital de Celas, onde<br />

fazia a barba aos doentes. De carteira debaixo do braço, lá ia<br />

ele à boleia, de Ançã para Coimbra. Era um sem-ninguém.<br />

Vivia numa nesga de casa, junto do Campo de Futebol. Ao<br />

longo dos anos, as bolas foram partindo as telhas sem forro, e<br />

já lhe chovia em casa como na rua. Fizemos por ele tudo o que<br />

pudemos até que, tendo caído à beira do caminho, foi levado<br />

para o Hospital de Cantanhede, onde veio a morrer<br />

dignamente, assistido pelos Sacramentos dos doentes, bem<br />

vestido e barbeado – já que tinha barbeado tantos doentes.<br />

Outra família protegida, era uma família de dois<br />

alcoólicos que tinham já quatro filhos pequenos e outro para<br />

17


nascer. Fui visitá-la a pedido de uma Assistente Social e fiquei<br />

impressionada com a miséria em que viviam. Chão de terra<br />

batida, sem camas para as crianças. Dias depois fomos lá<br />

montar as duas camas de bebé que tinham sido dos meus<br />

filhos e remediámos como pudemos a situação. Convenci o<br />

marido a ir comigo até ao Centro de Alcoologia de Coimbra.<br />

Como esperámos muito pela consulta, fui à praça comprar pão<br />

e queijo e lá comemos os três, sentados no jardim da Sá da<br />

Bandeira. Dali fomos para os Covões e lá ficou o homem<br />

internado, para fazer a cura. Depois, foi preciso arranjar-lhe<br />

trabalho. Apresentei-o em dois lugares diferentes, mas a<br />

resposta era “Não; esse homem é um bêbado!”. Passei a darlhe<br />

um dia por semana, a ele e à mulher, nos trabalhos da<br />

nossa vinha. Os meus filhos tornaram-se padrinhos da bebé<br />

que nasceu (e que veio a morrer de tenra idade) e ficámos<br />

amigos e compadres. Os meus filhos eram conhecedores e<br />

participavam de perto desta realidade. Nas férias escolares, o<br />

mais velho chegou a dar serventia de pedreiro, gratuitamente,<br />

para que fosse possível dar um pequeno arranjo na casa, com<br />

uns dinheiritos que consegui na Assistência social. Hoje só<br />

estão vivas duas irmãs, e a casinha já foi bem arranjada pela<br />

Câmara.<br />

Morávamos um pouco distantes de uma família de dois<br />

irmãos solteiros e doentes, que viviam com grandes<br />

dificuldades e diariamente havia sempre algo que levar à Maria<br />

18


ao Zé. Quando da morte deste, foi o Tiago que ficou lá em<br />

casa a dormir, para fazer companhia à irmã, já velhinha. O<br />

Tiago não se esquecerá das baratas que o acompanharam<br />

durante a noite. Estes nossos amigos não tinham connosco<br />

laços de sangue mas de verdadeira amizade. Acarinhámo-los<br />

até à morte não guardando em troca nada do que era seu,<br />

embora eles o quisessem. Já no final das suas vidas,<br />

indicámos alguém que por eles se responsabilizasse, em troca<br />

dos seus bens de outrora, mas fomos o seu suporte e o seu<br />

carinho.<br />

Eu fiz parte da Conferência Vicentina e o amor pelos<br />

pobres e desprotegidos da vida ocupou sempre um lugar<br />

importante nas nossas vidas. Os filhos acompanhavam-me<br />

sempre, primeiro pela mão, e depois livremente. A nossa<br />

palavra pode arrastar, mas o nosso exemplo converte.<br />

2. O facto de a Mãe ser professora implicou<br />

uma maior incidência pedagógica em casa,<br />

junto dos filhos?<br />

Mãe: No início sim. Desde pequenitos começavam a<br />

rabiscar e a soletrar. Quando se matriculavam na 1ª classe, já<br />

sabiam ler. O ambiente escolar era-lhes familiar. Na sua<br />

linguagem infantil, a escola era o A-O (Também hoje, os meus<br />

netos mais novos dizem que andam na escola da avó Lizete).<br />

19


O meu pai era alfaiate de profissão e servia de guarda<br />

aos mais pequenitos. Era bem disposto, homem culto, e teve<br />

na sua educação muita influência. Nunca andaram por mãos<br />

alheias, e isso foi importante.<br />

José Carlos, Tiago, Pedro e Margarida<br />

20


VIDA SÓBRIA COM EQUILÍBRIO<br />

SEM RECORRER A EMPRÉSTIMOS<br />

3. Cinco filhos correspondem a um maior<br />

dispêndio financeiro num lar? Houve<br />

consciência de dificuldades? E se as houve,<br />

como foram superadas?<br />

Mãe: Sim. Levámos sempre uma vida muito sóbria. Os<br />

ordenados eram modestos. Eu como Professora do Ensino<br />

Primário, e o pai como Chefe de Secretaria de uma Câmara.<br />

Mas com algum equilíbrio, conseguimos construir a nossa casa<br />

quando já íamos no terceiro filho, sem recorrer a empréstimos.<br />

O meu pai deu-nos o terreno e, sem luxos, construímos uma<br />

casa para que todos crescessem. O recheio veio aos<br />

pouquinhos, aproveitando e reciclando tudo o que tínhamos<br />

desde o nosso casamento, em 1959. A única coisa comprada<br />

imediatamente para a casa nova, foi um frigorífico, que era<br />

então uma novidade tecnológica. Os nossos passeios, que os<br />

dávamos, eram sem compromissos de despesas. Nessa altura<br />

não era obrigatório ter um monovolume para a família inteira,<br />

21


nem cintos, nem cadeirinhas, e os meninos viajavam muitas<br />

vezes ao colo dos avós.<br />

No Verão, sempre foram passar o mês de Julho à praia,<br />

no mês em que as rendas eram mais baratas, pois vivemos<br />

sempre sem prestações nem empréstimos.<br />

Demos aos nosso filhos uma alimentação sadia. Sopinha<br />

ao almoço e ao jantar, feita pela avó. O peixe fresco, os ovos e<br />

a carne do galinheiro, o leitinho de duas cabrinhas – foi um<br />

consolo – sem esquecer os seus cabritinhos, por ocasião da<br />

Páscoa.<br />

Não fomos frequentadores de cafés, nem de cinemas.<br />

Os fins de semana eram para os nosso filhos. Com<br />

sobriedade, todos tinham o seu espaço, os meus pais, os<br />

meus filhos e afilhados e os amigos que, desde muito cedo os<br />

filhos traziam lá para casa. Foi sempre uma casa aberta, desde<br />

a infância até aos seus tempos universitários. Entre as muitas<br />

visitas lá de casa, lembro-me de alguns amigos de sempre. A<br />

Teresa Campos, a Ângela, o Nuno Braz, o Magalhães, o João<br />

Carlos. O Magalhães era do Norte. Não podia ir sempre passar<br />

o fim de semana a casa, e vinha com o Tiago. O João Carlos<br />

era colega do Pedro dos tempos do Colégio. Viveu connosco<br />

cerca de dois anos, até obter uma bolsa dos serviços sociais<br />

para uma residência.<br />

22


Carlota, o quinto filho


NEM SEMPRE FÁCIL MAS ACABOU POR<br />

SER POSSÍVEL O EQUILÍBRIO ENTRE A<br />

BRANDURA DA MÃE E A DUREZA DO PAI<br />

4. Os pais tinham um conhecimento preciso<br />

da evolução de cada filho?<br />

Mãe: Como professora e como mulher, eu tinha mais<br />

atenção e mais brandura para os problemas que iam surgindo<br />

e que passaram mais pela minha mão. Ainda em solteira,<br />

durante sete anos, fui responsável diocesana de um<br />

movimento infantil da Acção Católica. Frequentei várias<br />

actividades sobre psicologia infantil e atraíam-me muito esses<br />

livros. Recordo, entre outros, A arte das artes, de educar uma<br />

criança. Tudo isso teve em mim influência, não apenas na<br />

relação com os meus filhos como na minha vida profissional.<br />

Quando chegavam à pré-adolescência, punha-lhes nas mãos<br />

uns livrinhos em voga - Já és um homenzinho / Já és uma<br />

mulherzinha – que os ajudavam a iniciar-se nos mistérios da<br />

vida.<br />

Nem sempre foi fácil manter o equilíbrio entre a brandura<br />

da mãe e a dureza do pai, mas parece que foi possível.<br />

24


A VIDA CRISTÃ RESULTA<br />

INTENSAMENTE COMUNITÁRIA<br />

“Os nossos pais tinham também um<br />

compromisso responsável e constante com<br />

a Igreja, mais discreto quando éramos<br />

pequeninos, naturalmente, mais intenso à<br />

medida que fomos crescendo, sobretudo a<br />

nossa mãe. O pai, antigo seminarista,<br />

sempre foi um dos homens de confiança<br />

dos párocos, consultor, não tanto um<br />

homem de acção. A acção desenvolveu-a<br />

mais, enquanto ainda em actividade<br />

profissional, como político assumidamente<br />

católico, sem aspirações de poder, mas<br />

consciente da importância de que todas as<br />

sensibilidades políticas participem do<br />

debate democrático, para que este seja<br />

genuíno”<br />

25


5. Os filhos – tal como os Pais – tiveram um<br />

compromisso com a Igreja local colaborando<br />

com o serviço paroquial. Porquê?<br />

Reflexo de uma formação católica de<br />

antepassados?<br />

Filho: A vida cristã, quando intensa, resulta<br />

intensamente comunitária e, por isso, desde muito cedo, os<br />

que se apresentam com dons úteis à comunidade são<br />

espontaneamente chamados para o serviço ou oferecem-se,<br />

mesmo. Para o coro, todos naturalmente nos oferecemos e<br />

acabámos por vir a ter influência decisiva no desenvolvimento<br />

da superação do desnorte instalado no gosto músico-litúrgico<br />

do pós-concílio Vaticano II. Nele navegámos entusiasticamente<br />

na adolescência, mas o apelo das referências mais antigas do<br />

Colégio onde nós, os rapazes, tínhamos andado, e depois<br />

aquele das referências do estudo musical mais sério, que<br />

começámos ali pelos 16-17 anos, foi mais forte.<br />

Para a catequese fui convidado, mas aceitar foi<br />

instintivo. As referências familiares inspirariam confiança ao<br />

pároco, e supririam a muito pouca idade. Depois, foi tomar o<br />

gosto, sobretudo pela aventura da preparação da exposição<br />

oral.<br />

Naturalmente que o exemplo que se recebia da família<br />

26


fazia do serviço à comunidade algo de natural e nobre ao<br />

mesmo tempo. Desde muito pequenos tínhamos sido<br />

habituados a prezar e enaltecer a consagração religiosa de<br />

duas tias, carmelitas, e a consagração missionária de um tio,<br />

padre missionário, naquela altura em Moçambique e depois no<br />

Brasil, onde se encontra. Os nossos pais tinham também um<br />

compromisso responsável e constante com a Igreja, mais<br />

discreto quando éramos pequeninos, naturalmente, mais<br />

intenso à medida que fomos crescendo, sobretudo a nossa<br />

mãe. O pai, antigo seminarista, sempre foi um dos homens de<br />

confiança dos párocos, consultor, não tanto um homem de<br />

acção. A acção desenvolveu-a mais, enquanto ainda em<br />

actividade profissional, como político assumidamente católico,<br />

sem aspirações de poder, mas consciente da importância de<br />

que todas as sensibilidades políticas participem do debate<br />

democrático, para que este seja genuíno.<br />

Por todo este ambiente, todos crescemos envolvidos em<br />

diversificados compromissos de participação eclesial bastante<br />

intensos, que perduram, embora oscilando de intensidade,<br />

consoante a fase da vida familiar em que cada um se encontra<br />

– o que é indispensável que aconteça. Até porque a família é<br />

agora, para os que a constituíram, a sua prioritária participação<br />

na missão da Igreja (já se vê quem escreve: o pregador<br />

encartado...).<br />

27


(A Banda de Ançã) ...”tinha um mestre de solfa, o Sr.<br />

Artur, que tinha ficado paraplégico num acidente e<br />

ensinava meritoriamente os rudimentos necessários aos<br />

principiantes. Graças à nossa mãe, que via sempre para a<br />

frente e parece que adivinhava as nossas necessidades, lá<br />

fomos ao Sr. Artur para sermos iniciados, os mais velhos,<br />

na alfabetização musical”.<br />

6. Como aparece a formação musical em<br />

todos os filhos? Quem lhes deu essa<br />

formação?<br />

Filho(a): Foi-se bem cedo manifestando em cada um de<br />

nós uma apetência pela formação musical, que procedia<br />

espontaneamente do gosto de cantar. O meio em que vivíamos<br />

e em que acedemos à alfabetização era, desse ponto de vista,<br />

muito pobre e satisfeito. Mas não era atraso. Era decadência.<br />

O culto divino fora para os nossos avós e ainda para os nossos<br />

pais uma janela aberta para a Fé a para a Cultura. O nosso<br />

avô paterno, sem descurar a habitual produção de batatas e<br />

milho, tinha podido ensaiar polifonia de Palestrina ao coro da<br />

sua igreja num tempo em que havia violinos! O nosso avô<br />

materno tocava flauta na Banda e ainda tinha conhecido, no<br />

coro alto da Igreja, um Órgão! Os últimos tubos, já nosso<br />

28


tempo, ainda andaram muitos domingos a elevar o espírito<br />

religioso do povo; só que a religião era a da bola, e o coro era<br />

a claque do rapazio. Enfim, tudo isso, evidentemente, foi antes<br />

de se descobrir o conceito de património. Mas em casa, o<br />

nosso pai, que tinha sido formado no seminário, debitava latim<br />

e lia pautas. Quando cantava pelo Liber Usualis, ficávamos<br />

orgulhosos e percebíamos que pertencíamos a um mundo<br />

mais amplo.<br />

Em anos de fortuna, chegava-nos a casa o tio<br />

missionário e gravava em bobines os serões familiares. O<br />

nosso pai comprou um gravador e instituiu esse registo, com<br />

entrevistas, histórias dos mais velhos, orações, e muitas<br />

canções. Lá cantávamos para o microfone tudo o que<br />

sabíamos. E foi assim que começámos as primeiras tentativas<br />

de cantar a vozes.<br />

Nunca ninguém nos empurrou para estudar. Era uma<br />

aspiração natural, vinda talvez desse sentido de pertença a<br />

melhores tempos. Felizmente, a Banda de Ançã conseguiu<br />

atravessar o deserto desse período e, mesmo contra a maré<br />

da moda, nunca deixou de recrutar a juventude. Tinha um<br />

mestre de solfa, o Sr. Artur, que tinha ficado paraplégico num<br />

acidente e ensinava meritoriamente os rudimentos necessários<br />

aos principiantes. Graças à nossa mãe, que via sempre para a<br />

frente e parece que adivinhava as nossas necessidades, lá<br />

fomos ao Sr. Artur para sermos iniciados, os mais velhos, na<br />

29


alfabetização musical.<br />

Depois, mesmo por pouco tempo, como ainda<br />

apanhámos bons músicos e grandes intelectuais no Colégio de<br />

Cernache, (Domingos Peixoto, Abílio Queirós), lá chegámos a<br />

conhecer ao vivo a música sacra e aprendemos a distinguir o<br />

ouro do pechisbeque. Andámos para lá uns anos a arranhar<br />

violas, porque era o que nos pedia o vento do tempo, mas<br />

sabíamos que queríamos mais. Tínhamos, por exemplo, uma<br />

fixação na música coral, sobretudo na polifonia. Com o<br />

primeiro dinheiro que ganhámos nas férias do liceu, sobretudo<br />

com um ordenado de um mês de trolha, comprámos um<br />

gravador de cassetes, que encostávamos ao rádio, para<br />

recolher selectivamente os trechos corais que apareciam. De<br />

modo que, quando veio a universidade, lá fomos todos, cada<br />

um a seu modo, pedindo para entrar no conservatório. O<br />

primeiro foi, salvo erro, o mais novo dos rapazes que desde o<br />

princípio se revelou mais dotado e persistente. Aliás, foi o<br />

único que chegou a ser músico profissional por primeira opção<br />

pois, antes de entrar para o Seminário, tocou na Banda, fez o<br />

curso superior de flauta e foi professor do conservatório.<br />

Quanto aos demais, nos estudos do conservatório, fomos até<br />

onde os nossos outros cursos e múltiplas actividades o<br />

permitiam. Ficámos com os canudos da formação <strong>gera</strong>l, todos,<br />

e superior, dois dos mais velhos.<br />

Não era fácil porque, quando vinham os exames, era<br />

30


tudo a dobrar. E se fosse só pela cenoura do sucesso juvenil,<br />

já o tínhamos de sobejo, até na missa, com roques e<br />

guitarradas que na altura se aprendiam com o vento, sem<br />

dispêndio de notas musicais (nem das de escudos, que<br />

custavam ao erário familiar…) Mas a formação a que todos<br />

dávamos sem dúvida mais importância foi a da fé e da cultura.<br />

E a música teve a sorte de não entrar em concorrência com<br />

essa formação. Pelo contrário, ela faz parte da interiorização, e<br />

também da expressão, da nossa fé e cultura católicas.<br />

“No espírito de família, deve ter tido grande<br />

influência o facto de vivermos todos juntos,<br />

com os avós. Estes já tinham sido muito<br />

dedicados com seus próprios pais”<br />

7. Como define o espírito de família na<br />

vossa família?<br />

Filho(a): Definiria o nosso espírito de família nos<br />

seguintes termos: uma Fé a transmitir, uma memória a<br />

perpetuar, uma festa a celebrar, uma rede natural de mútuo<br />

auxílio, e um não, definitivo, a qualquer ressentimento. “Não se<br />

ponha o sol sobre o vosso ressentimento” (Ef. 4. 26)<br />

Mãe: No espírito de família, deve ter tido grande<br />

31


influência o facto de vivermos todos juntos, com os avós. Estes<br />

já tinham sido muito dedicados com seus próprios pais. A<br />

minha mãe era muito bondosa e dedicada. Os filhos foram<br />

crescendo e o espírito de inter-ajuda e de partilha foi-se<br />

acentuando, cada vez mais.<br />

Duas <strong>gera</strong>ções: pais, filhos, genros e noras.<br />

32


PALAVRAS FEIAS – PIMENTA NA LÍNGUA<br />

8. De que forma eram ou foram corrigidos<br />

eventuais desvios comportamentais por<br />

parte dos filhos?<br />

Filho(a): Na mais tenra infância, a Mãezinha punha-nos<br />

pimenta na língua quando dizíamos palavras feias ou de outro<br />

modo prevaricávamos pela palavra. Depois havia também a<br />

colher de pau, o castigo de não ter esta sobremesa, ou de não<br />

dar aquele passeio. Na infância e na primeira adolescência, o<br />

Paizinho aplicava pesadas palmadas em lugar adequado, mas<br />

não tantas quantas as que achava necessárias, nem sempre<br />

que achava necessário, porque a Mãezinha se opunha e a<br />

Avozinha se interpunha.<br />

Mais tarde, em situações de maior conflito entre a<br />

Autoridade dos Pais (quiçá mais a da mãe, protectora e<br />

proibitiva) e pretensões ousadas dos filhos rapazes, mormente<br />

dos dois mais velhos, discutia-se fortemente, por vezes com<br />

muita emoção e algum excesso nos juízos.<br />

Um entre todos, teve adolescência mais rebelde. Sem<br />

embargo de acesas altercações em que aquele era mais<br />

33


provocador e o Pai nem sempre se dominava quanto gostaria,<br />

a memória que ficou do modo como ambos os pais lidaram<br />

com aquela rebeldia, é a da longanimidade com que foi<br />

tolerada a contestação e a sabedoria com que, sem<br />

ressentimento algum, esperaram dias e atitudes mais serenas.<br />

“ELES” NASCERAM PRIMEIRO<br />

O QUE DIZIAM AOS RAPAZES:<br />

“DEIXEM ISSO PARA AS MENINAS<br />

E O ISSO PODIA SER O RESTO DO<br />

BOLO DE DOMINGO”<br />

9. Qual é a amplitude etária entre os filhos: a<br />

diferença de idades entre o mais novo e o<br />

mais velho? Qual o papel dos mais velhos<br />

em relação aos mais novos?<br />

Mãe: Os dois mais velhos são muito próximos. Têm 13<br />

meses de diferença. Com estes foi preciosa a ajuda dos avós.<br />

As noites, sobretudo, não foram fáceis. Naquele tempo não<br />

havia 4 nem 5 meses de maternidade. Ao fim de 15 dias ia<br />

trabalhar, mas alcofa com o bebé lá ia no carro para a escola,<br />

34


e todos foram amamentados ao peito até aos 10 meses. Até<br />

aos 3 meses iam para a escola. “Eram mansinhos”, diziam.<br />

Recordo o mais velho em Mondim de Basto, e o Pedro em<br />

Tábua. Eram o bebé da festa.<br />

Filho(a): Os rapazes nasceram primeiro. O Zé Carlos e o<br />

Tiaguito muito próximos, pouco mais de um ano de diferença, e<br />

depois o Pedro. Desenvolveriam, por isso, grandes<br />

cumplicidades. As meninas, mais novas, podiam talvez irritálos<br />

um bocadinho. A frase: “Deixem ficar isso para as<br />

meninas!”, vinda da Avozinha (a avó Aurora), da mãezinha ou<br />

da Catarina, era muito, mas mesmo muito frequente. E o ‘isso’<br />

podia ser o resto do bolo de Domingo, as primícias das<br />

tân<strong>gera</strong>s, as bananas (mais raras que hoje), as Bolas de<br />

Berlim que vinham de Coimbra ou o ‘cavalinho’ que o avozinho<br />

trazia da feira de Cantanhede. Apesar disso, eles ficavam-se<br />

pelos protestos e davam a prioridade ‘às meninas’.<br />

A Margarida, mais próxima dos rapazes pela idade,<br />

envolvia-se nas brincadeiras deles, julgando-se, por isso,<br />

promovida. A Carlota, naturalmente mais mimada, pedia-lhes<br />

para ‘andar a cavalo’ (com eles ‘de gatas’ no chão), o que<br />

faziam com paciência… se ela se magoava, eles é que ouviam<br />

o raspanete. Mas as duas manas divertiam-se também a<br />

brincar às casinhas e aos teatros, com as amigas da<br />

vizinhança.<br />

35


Como os rapazes, a partir de certa altura, estavam<br />

internos no CAIC em Cernache, as manas sentiam-lhes a falta.<br />

Talvez por isso, era raro zangarem-se (as férias, e aquele fimde-semana<br />

por mês tinha de ser bem aproveitado). Mas o<br />

internato foi acabando e os manos vieram estudar para o liceu<br />

de Cantanhede. Quando elas chegaram ao mesmo liceu, já os<br />

rapazes tinham deixado a sua marca, num tempo em que os<br />

professores se mantinham mais tempo numa mesma escola e,<br />

por isso, as expectativas estavam criadas e as comparações<br />

eram inevitáveis. A influência dos mais velhos nos mais novos<br />

ultrapassava, assim, a da convivência natural dentro da<br />

mesma casa, passava para a escola, e também para os<br />

ambientes que, anos depois, os mais novos também<br />

frequentariam. Alguns interesses e gostos pessoais tiveram<br />

ocasião de se manifestar e desenvolver, graças ao convívio<br />

entre os irmãos.<br />

Foi certamente por influência dos rapazes que as<br />

raparigas passaram pelo Conservatório de Coimbra. Aliás, a<br />

iniciação à leitura musical das meninas foi feita pelo Tiago que,<br />

com muito pouca paciência mas bastante persistência, lhes<br />

deu as primeiras lições. Até nas opções que viriam a permitir<br />

determinadas escolhas profissionais, essa influência se fez<br />

sentir. A mais nova, por exemplo, despertou para o ‘bichinho’<br />

do Latim e do Grego graças à Margarida, que lhe ia à frente.<br />

As semanas de Verão que os irmãos, já mais<br />

36


crescidinhos, faziam no ‘campismo selvagem da Praia de Mira’,<br />

com visitas frequentes dos pais e dos avós, semanas quase<br />

totalmente dedicadas à leitura, também estimularam<br />

certamente as mais novas. Curiosamente, até as amizades se<br />

partilharam nesta fratria. Desde o tempo em que no Otiarium,<br />

vulgo ‘Ociário’, espécie de ‘santuário’ sem luz natural,<br />

decorado com material reciclado, dedicado à leitura, à música,<br />

ao convívio e, na época dos exames, ao estudo, os rapazes<br />

conviviam com muitos amigos. E desde então, até aos dias de<br />

hoje, as causas e amigos comuns <strong>gera</strong>m amizades que ainda<br />

perduram.<br />

“Para a Missa do Galo, lá iam todos asseados, com<br />

as camisolas tricotadas à mão, pela mãe, e as calças feitas<br />

pelo avô Zé Carlos”.<br />

10. Como era vivida a quadra do Natal nos<br />

vossos verdes anos? E actualmente?<br />

Mãe: O Natal sempre foi uma grande festa para todos.<br />

Dias antes, os mais velhos iam ao musgo com o pai. O<br />

presépio estava sempre a seu cargo, não faltando a fogueirita<br />

dos pastores, avermelhada pelo celofane. Aos poucos,<br />

ganharam gosto e entravam em concursos de presépios da<br />

cidade. Este era sempre feito na sala, e tínhamos que tolerar<br />

37


as ambições crescentes de espaço, para os bonequitos de<br />

barro que eram acrescentados ano a ano. Na consoada, não<br />

faltavam os filhós de abóbora e as broas feitas pela avó<br />

Aurora. Para a Missa do Galo, lá iam todos asseados, com as<br />

camisolas tricotadas à mão, pela mãe, e as calças feitas pelo<br />

avô Zé Carlos.<br />

Era certa a visita ao Seixo, onde não faltava o jantar em<br />

casa da Madrinha Anita e onde convivíamos com todas as tias,<br />

tios e primos (éramos, pelo menos, 27 a 30). Eram também<br />

saborosos os filhós da avó Albina que, por serem lêvedos,<br />

eram diferentes. Por influência da escola da Mãe, desde<br />

sempre fizeram Autos de Natal, da Revista Escola Portuguesa.<br />

Ensaiava na escola e eles aprendiam de cor e repetiam em<br />

casa. Ensaiavam cânticos de Natal e animavam assim os<br />

nossos serões. Temos desses serões algumas gravações<br />

históricas, feitas por um antigo gravador de bobines que o pai<br />

comprou, e que fazem o meu encanto.<br />

Quando o pai passou da Câmara para o Banco Borges e<br />

Irmão, o Natal era enriquecido com a tradicional Festa de Natal<br />

e com os presentes do Banco. Íamos todos ao Porto, ver os<br />

palhaços, e eles vinham encantados com os presentes que<br />

recebiam, adequados à sua idade.<br />

Actualmente, tudo é diferente. O presépio é sempre feito<br />

mas já não é pelo avô. Os netos grandes já fazem engenhocas<br />

à sua maneira. Na consoada ou no dia de Natal juntam-se<br />

38


todos cá em casa (29, a caminho dos 30, das três <strong>gera</strong>ções);<br />

por isso, na cozinha, as panelas aumentaram muito de volume.<br />

É a avó Lizette que cozinha a ementa tradicional (as couves,<br />

batatas e bacalhau, os obrigatórios filhós de abóbora e os “da<br />

Serra”) e as tias fazem as outras lambarices. Ainda há galinha<br />

da capoeira para a canja e o fricassé.<br />

Filho(a): Na consoada havia sempre mais gente à mesa.<br />

Cultivava-se a intimidade mas era uma intimidade aberta e<br />

partilhada e, nesse dia, precisamente por ser esse dia, havia<br />

convidados naturais pela proximidade à família. Essa<br />

sensibilidade levei-a sempre comigo para os natais longe da<br />

família. <strong>Uma</strong> vez tive de gramar muita incompreensão por<br />

causa do espírito “comunitário”, decerto mal-entendido, que se<br />

cultivava no colégio universitário em que eu me integrei<br />

durante os anos da Gregoriana de Roma. Era costume que os<br />

estudantes inscrevessem até cinco convidados por dia para<br />

jantar. E eu tinha convidado para a consoada, um músico<br />

brasileiro absolutamente solitário que ainda não tinha ninguém<br />

lá em Roma. Só que, como era Natal, nesse dia não podia<br />

haver convidados! E eu não consegui convencer a autoridade.<br />

Lá levei o meu puxão de orelhas por rifar a comunidade, mas a<br />

nossa consoada foi num restaurante chinês e ao meu amigo<br />

saiu a sorte grande, porque dali fui para S. Pedro com função<br />

de cantor e tive tal lata que ele, à minha palavra, pôde entrar e<br />

cumprimentar o papa. Só o voltei a ver quando o Ançã-ble foi<br />

39


cantar a São Paulo, cinco anos mais tarde. Soube pelo jornal e<br />

veio ao concerto com um presentinho que me deixou babado,<br />

para a nossa filha recém-nascida.<br />

Neta: Actualmente, vivemos o Natal em família alargada<br />

e procuramos que ele esteja centrado no essencial daquilo que<br />

nos une.<br />

O local de encontro é em casa da avó Lizette, que no dia<br />

23 já está em grande rebuliço com os preparativos. Jantamos<br />

no salão do avô Tiago, decorado com os enfeites que a tia<br />

Carlota fez, junto ao presépio construído pelo tio Tiago com um<br />

resto de tempo e paciência, e com a “ajuda” dos mais<br />

pequenos… O bacalhau com batatas, mais todas as<br />

tradicionais iguarias que se seguem, é fruto do esmero de<br />

todas as tias e sobretudo da avó Lizette. Há sempre um molho<br />

exótico do tio Isaías para acompanhar, que só alguns têm<br />

coragem de experimentar.<br />

Estamos quase todos presentes; por vezes há algum<br />

casal de tios que passa a consoada com o outro lado da<br />

família e vem depois para a missa do Galo, ou só no dia 25. No<br />

meio do corrupio de servir crianças, levantar pratos e trazer<br />

travessas, vai-se estando e conversando, às vezes discutindo<br />

– temas elevados e temas comezinhos – como não deixa de<br />

acontecer sempre que nos sentamos todos à mesa. Como “a<br />

máquina é pesada” (expressão que costumamos usar para nos<br />

40


ecordarmos mutuamente de que somos muitos e a logística é<br />

complicada), mal acabamos a sobremesa já são horas de ir<br />

para a missa do Galo, onde não podemos chegar atrasados,<br />

sob pena de ela começar sem cântico de entrada, visto que<br />

alguns de nós constituímos uma percentagem razoável dos<br />

elementos do Coro da paróquia…<br />

Termina a missa da meia-noite com um cântico ao<br />

menino Jesus que cantamos diante do presépio da igreja; um<br />

momento que se repete todos os anos e que recordo sempre<br />

belo e comovente. A música ajuda a parar um pouco diante do<br />

Mistério que é afinal a razão de ser de toda a festa, e<br />

consegue dizê-lo melhor aos nossos corações. Há um sorriso<br />

em todas as caras, quando abandonamos a igreja com muita<br />

vontade de continuar a fazer festa. Passamos por casa do Sr<br />

Prior para beber com ele um porto que já não se dispensa, e<br />

depois vamos para casa, para cumprir o muito esperado ritual<br />

da abertura das prendas. Dado o avançado da hora, os<br />

principais interessados estão normalmente reduzidos a<br />

metade, pois foram sucumbindo ao sono durante a missa, mas<br />

lá vão ressuscitando aos poucos ao som da palavra “prendas!”.<br />

41


NOVOS TEMPOS (NO NATAL)<br />

PARA MEDITAR<br />

SÓ UM PRESENTE PARA CADA UM, MAS<br />

AOS MAIS PEQUENOS DÁ-SE SEMPRE O<br />

MIMIMHO DE MAIS UM OU DOIS...<br />

Desde há uns anos para cá, cada um recebe apenas um<br />

presente, de uma outra pessoa da família a quem coube em<br />

sorteio oferecer-lhe. Impôs-se adoptar este modelo, pois<br />

oferecermos todos prendas a todos tornou-se a partir de certa<br />

altura um verdadeiro pavor! Aos mais pequenos, porém, dá-se<br />

sempre o miminho de mais uma ou duas. A avó Lizete não se<br />

esquece!<br />

Lá em casa foi sempre o Menino Jesus que trouxe as<br />

prendas (de vez em quando pode mandar o seu “empregado”,<br />

o Pai Natal) … Saem, pois, as crianças da sala e esperam que<br />

o Menino Jesus venha encher o sapatinho de cada um,<br />

colocado junto ao Presépio. E começa então a festa de<br />

42


descobrir, mostrar e usufruir dos presentes, que dura ainda<br />

pela noite dentro, até o sono nos ir vencendo.<br />

No dia 25 vamos todos à missa de manhã e almoçamos<br />

de novo em casa da avó Lizete. A tarde é preenchida por<br />

várias coisas: as crianças apresentam um teatrinho de Natal<br />

que as primas mais velhas tentam organizar; abre-se a mala<br />

das partituras e cantamos a quatro vozes cânticos ao Menino<br />

Jesus; e faz-se por fim o tradicional jogo de distribuição das<br />

prendas da tia Irene, que é uma amiga íntima da família que,<br />

embora não esteja presente, compra prendas para todos e<br />

encarrega as primas mais velhas de inventar uma maneira<br />

divertida e formativa de as fazer chegar aos destinatários. E<br />

assim estamos todos juntos até cair a noite. Á medida que ela<br />

avança vai-se esvaziando a sala, vai esmorecendo a música<br />

(há sempre muito que arrumar…). E ficou mais um Natal para<br />

trás.<br />

43


SOLIDARIEDADE RECÍPROCA E A<br />

MEMÓRIA DO FESTIVAL DA<br />

CANÇÃO DO CAIC<br />

(Colégio Apostólico da Imaculada<br />

Conceição, de Cernache)<br />

11. Actos positivos realizados pelos irmãos?<br />

E quais os Actos Negativos que estejam na<br />

memória?<br />

Mãe: Actos positivos, foram tantos, Graças a Deus! A<br />

vida de estudante, sempre certinha, as suas licenciaturas, a<br />

sua inserção na vida da Igreja, as suas actividades musicais e<br />

o seu Coro, a sua união familiar, a sua inter-ajuda no dia a dia<br />

é uma bênção de Deus para mim. Graças a Deus, os<br />

casamentos não mudaram o espírito de irmandade. As noras e<br />

os genros foram escolhidos a dedo. Todos se inseriram e se<br />

tornaram filhos e filhas.<br />

Um dia, na época de Natal, estando eu professora em<br />

Balsas (Febres), acompanhavam-me, em idade escolar, o Zé<br />

Carlos e o Tiago. Naquele dia, o entusiasmo era maior, porque<br />

44


tínhamos acabado de fazer o presépio na escola. Por isso, os<br />

manos decidiram que o mais novo, o Pedrito, também tinha<br />

que ir. Sem ninguém perceber, o Pedrito foi metido no<br />

cafarnaum do Wolksvagen (assim chamavam à mala do carro)<br />

para poder ver o Presépio, na sala de aula. Quando estava já<br />

perto da escola, vejo a cabeça do garoto a surgir nas traseiras<br />

do carro! Imaginei a aflição dos avós à procura do menino, e fui<br />

imediatamente pedir à Fábrica de Serração, próxima da escola,<br />

para telefonar a avisá-los. Eram todos muito solidários. O<br />

menino lá passou o dia na escola e foi uma festa para os três.<br />

Filho(a): A memória voa logo para o Festival da canção<br />

do CAIC, em que os “Irmãos Miranda” entravam com as suas<br />

composições e arrancavam os 1ºs prémios. Além das<br />

tradicionais taças e medalhas, a primeira máquina fotográfica,<br />

a primeira cana de pesca, vieram, por este meio, diversificar os<br />

tempos livres da garotada.<br />

A solidariedade era recíproca. Os manos, porque cedo<br />

queriam incluir as manas nas suas proezas. Estas, porque,<br />

quando os mais velhos entraram para o internato do Colégio<br />

dos Jesuítas, guardavam todos os mimos e doçuras que<br />

recebiam, para terem alguma coisa «para levar aos manos»,<br />

na visita que se fazia em família, ao fim de semana.<br />

Durante os anos da Escola Secundária de Cantanhede,<br />

sem acesso a mesada ou semanada que fosse além das<br />

estritas despesas semanais com as senhas de almoço na<br />

45


cantina, e os bilhetes de autocarro para o regresso a casa, um<br />

dos manos foi comprando, mês a mês, os 19 volumes da<br />

História Universal, de Carl Grimberg (Europa-América), com<br />

que a biblioteca da casa foi sendo alargada. Os livros<br />

apareciam tão discreta e lentamente que ninguém<br />

compreendia a sua proveniência. Só quando já preenchiam<br />

demasiado espaço na estante é que o autor da proeza teve de<br />

confessar os verdadeiros destinos do dinheiro que recebia.<br />

Com boleias e com sandwishes nos bolsos, a livraria<br />

“Hortícula” de Cantanhede tinha acabado por se sobrepor aos<br />

serviços sociais da escola e aos transportes da “José Maria<br />

dos Santos”, na captação das magras finanças do adolescente<br />

sem cheta.<br />

Outro episódio ‘edificante’ foi o encontro com o Bobi, um<br />

cão rafeiro e sem dono, atropelado à porta de casa. Era este o<br />

destino de todo os gatos que ali cresciam. Desta vez era um<br />

cão abandonado. Ficou em tal estado que o seu ganir suscitou<br />

a comiseração dos manos e das manas. Ninguém acreditava<br />

que aquele ventre que expunha as entranhas pudesse<br />

recompor-se, e que o cão voltasse à vida. Mesmo assim, o cão<br />

vadio recebeu guarida à sombra do quintal e iniciou um<br />

tratamento intensivo de comida, afectos e litros de água<br />

oxigenada, que era comprada na farmácia e simplesmente<br />

despejada sobre as suas vísceras. Apesar do cepticismo inicial<br />

dos adultos, o certo é que o Bobi se curou e se tornou o<br />

46


companheiro inseparável de todos, até morrer de velho lá em<br />

casa.<br />

Actos negativos, também os havia. Afrontavam a<br />

paciência paterna, causando a maior indignação, mas hoje<br />

arrancam sorrisos espontâneos. Os rapazes sempre tiveram a<br />

mania de construir barracas para as seus tempos livres - no<br />

extremo do quintal, longe de casa, ou mesmo no pinhal do<br />

Chão-do-Risco, onde faziam fogo de campo, como nos<br />

Escuteiros. Nisto, tinham o auxílio cúmplice do avô Zé Carlos,<br />

a cuja autoridade a mãe se rendia. No entanto, nem assim lhes<br />

era permitido passar ali as noites, fosse verão ou fosse<br />

inverno. Pois, já que lhes era proibido dormir na sua ‘barraca’,<br />

esperavam pela noite e, à hora em que a autoridade<br />

adormecia, atavam à varanda do quarto do 1º andar uma corda<br />

feita com os lençóis da cama, pegavam nas almofadas e por ali<br />

desciam. Os mais velhos ajudavam os mais novos. Nos bolsos<br />

levavam lanternas e, nas cabeças, os livros dos Cinco, da Enid<br />

Blyton, lidos na íntegra.<br />

Além disso, os rapazes mais velhos gostavam de<br />

receber os amigos com vinho do Porto, bebida que,<br />

naturalmente, estava sujeita a um regime de restrições, se não<br />

de proibição. Mas os jovens anfitriões não se resignavam.<br />

Achavam piada à indignação paterna, que reparava logo no<br />

buraco vazio da garrafeira e não poupava os sermões! Então,<br />

serviam-se do precioso líquido e depois voltavam a encher<br />

47


cuidadosamente a respectiva garrafa com um líquido qualquer,<br />

de transparência semelhante. À hora de servir o vinho do Porto<br />

às visitas, o pai não tinha senão zurrapa, e ninguém por perto,<br />

para explicar o sucedido.<br />

12. Qual foi o momento mais difícil no seio<br />

da vossa família e como o superaram?<br />

Mãe: Um dos momentos mais difíceis foi o<br />

desaparecimento de uma netinha – que depois apareceu.<br />

Temos, no Seixo de Mira, uma casa que fizemos com tudo o<br />

que conseguimos juntar depois que todos casaram. É num<br />

pinhal, um pouco afastada da povoação. Num certo Sábado de<br />

Maio, ao findar do dia, a menina Guidinha, de dois anos e<br />

meio, deixou as manas e outros amiguitos mais crescidos, que<br />

se encontravam de visita, e saiu de casa. Os últimos a vê-la<br />

diziam-na a brincar ali fora, com eles. Mas, à hora do jantar<br />

ninguém sabia da Guida!<br />

Talvez tivesse ido no carro com os avós, que já tinham<br />

partido… Não, diziam. Talvez estivesse adormecida nalgum<br />

canto da casa… O instinto levou então os pais a procurar de<br />

imediato na piscina e nos poços em redor, que naquela terra<br />

não faltam. A aflição ia crescendo. Caiu a noite. Foi a hora de<br />

chamar a restante família, de Ançã. Os tios partiram com<br />

lanternas, as tias ficaram a rezar e a sossegar as crianças, que<br />

48


choravam de medo (havia exactamente um ano que o país, e<br />

todos eles, tinha vivido o drama da Madeleine McCan)! Quem<br />

tinha carro entrava pelos pinhais com os faróis. Vieram os<br />

primos e os tios do Seixo, para ajudarem; veio a freguesia<br />

inteira; veio a Guarda, vieram os Bombeiros de Cantanhede. O<br />

telefone não parava de tocar. Quem estava em casa,<br />

procurava não perder a calma e tranquilizar as outras crianças,<br />

sobretudo as da mesma idade, a quem era difícil explicar o<br />

sucedido. A esperança ia-se consumindo, entre sentimentos de<br />

culpa e de angústia, que cresciam com o alvoroço do povo<br />

solidário. Era noite como breu. Entre os pinhais e os milheirais<br />

só se ouvia silêncio. <strong>Uma</strong> pequena lomba impedia os carros de<br />

continuarem o caminho e, do lado de lá, uma pequena vala<br />

causava os maiores receios.<br />

Por fim, foi a mota do Sr. Castro, o vizinho, que permitiu<br />

encontrar qualquer coisa. Depois de muito chorar, a menina<br />

tinha adormecido de cansaço e estava por terra, deitada num<br />

caminho de cabras. Quando sentiu figura humana, saltou-lhe<br />

ao peito e, de olhos fechados, apenas disse: “Pai! Eu<br />

chamava, chamava… mas o pai nunca não vinha!”. Depois, o<br />

Sr. Castro apressou-se a entregar a menina aos pais e foi<br />

indescritível a alegria de todos.<br />

Hoje, é à luz de momentos como esse que todos<br />

olhamos as pequenas contrariedades da vida, quando<br />

involuntariamente deixamos desfocar a realidade. No lufa-lufa<br />

49


da vida, episódios como este (ou a longa convalescença do<br />

Pedrito, com dez anos de idade, ou a doença da mãe, durante<br />

algum tempo sem diagnóstico), ajudam-nos a refazer a<br />

hierarquia das coisas, a recuperar a paz e a confiar em Deus.<br />

“Os serões das férias de Natal eram<br />

ocasiões de grande ligação familiar, em que<br />

o nosso pai entrevistava formalmente os<br />

presentes e os punha a falar de si mesmos.<br />

Dava especial destaque aos mais velhos<br />

que, naturalmente tinham mais para dizer, e<br />

tinham de repetir o seu repertório de<br />

histórias e orações”.<br />

13. Qual o momento ou momentos mais<br />

agradáveis no seio familiar?<br />

Filho(a): Momento particular da infância, muito<br />

emocionante mas nem por isso menos agradável, foi a visita<br />

de homenagem a sua Alteza Real D. Duarte Nuno, um 1º de<br />

Dezembro, no seu exílio de S. Marcos. Fomos vê-lo os dois<br />

mais velhos com os nosso pais (andaríamos entre os seis e os<br />

sete anos) com expectativas um tanto equívocas, pois a nossa<br />

educação nacional era a do Estado Novo, que ensinava a<br />

venerar os nossos reis mas sempre no passado. Quando nos<br />

50


dispusemos sob as arcadas e vi ao longe aquele senhor tão<br />

humilde e delicado, lembro-me de ter ficado desconcertado,<br />

defraudado, até. Mas quando chegou a nossa vez e o olhei de<br />

perto, vibrei tanto por ser o Rei que se me apagou tudo à volta<br />

e ficámos numa luz especial, como se estivesse a sonhar.<br />

Momentos muito agradáveis, que punham no ar uma<br />

alegria especial, eram os da expectativa do regresso, de três<br />

em três anos, do nosso tio missionário e também, noutra<br />

medida, claro, outras visitas, sobretudo do Padre Camarinha,<br />

primo e padrinho do nosso pai, e alguns padres do colégio,<br />

como o Padre Jorge Oliveira e Padre Faria, que foram ficando<br />

amigos da família e davam direito a jantar na sala.<br />

Os serões das férias de Natal eram ocasiões de grande<br />

ligação familiar, em que o nosso pai entrevistava formalmente<br />

os presentes e os punha a falar de si mesmos. Dava especial<br />

destaque aos mais velhos que, naturalmente tinham mais para<br />

dizer, e tinham de repetir o seu repertório de histórias e<br />

orações. Também eram de grande expectativa os dias de<br />

férias que íamos passar a sós com a avó e as tias do Seixo.<br />

Brincávamos na capela da Madrinha Anita, adivinhávamos as<br />

histórias dos azulejos da sala, explorávamos uma gigantesca<br />

moreia de milho e dávamos à bomba por gosto, no poço do<br />

quintal. Até a visita à latrina rústica nos deixou um certo<br />

fascínio, ao ponto de termos o cuidado de posar diante da<br />

“casinha”, antes da triste demolição.<br />

51


Mesmo no inverno, íamos muitas vezes ao Seixo, aos<br />

domingos, de onde regressávamos a dormir, após o que nos<br />

parecia uma interminável viagem de carro. Do que lá mais<br />

gostávamos, muito para além das padas e das batatas-amolhar,<br />

era de ver o nosso pai a pedir a bênção e beijar a mão<br />

da Avó Albina. Enfim, eram momentos especiais.<br />

Mas havia também uma rotina de momentos agradáveis,<br />

sob o comando dos avós de Ançã. Gostávamos muito de<br />

comer na casa do forno com a avó e de fazer os deveres na<br />

oficina de alfaiate do avô, que, a seu modo, era um erudito,<br />

pois dominava com gosto retórico a língua e tinha uma<br />

curiosidade superior à sua formação. Recebia lá muitas<br />

senhoras de Ançã a quem lia e escrevia a correspondência, da<br />

guerra ou da emigração. Aliás, como o tinham por sábio, era<br />

frequentemente requisitado por herdeiros prudentes, no<br />

delicadíssimo momento das partilhas.<br />

Mas a oficina de alfaiate não passava do que hoje<br />

chamaríamos um emprego. Por dentro, os nossos avós<br />

maternos eram agricultores. A vindima e o envasilhamento, a<br />

apanha e limpeza da azeitona, a debulha do milho e do feijão<br />

na eira, eram para nós outras tantas festas. No “monte”,<br />

enquanto não fomos úteis, era brincar no pinhal todo o santo<br />

dia. Até já grandes, aproveitávamos para brincar com o burro.<br />

E a magia do pinhal arraigou-se tanto em nós que, já<br />

espigadotes, fomos, os rapazes mais um amigo, com o burro<br />

52


carregado de mantimentos e uma mala de livros, passar uma<br />

semana ao Pinhal do Chão do Risco a matar saudades e a ler<br />

de manhã à noite. No “monte” da infância, dava muito gosto<br />

também o farnel do almoço. Mesmo quando a faina metia<br />

pouco pessoal, o Alípio, jornaleiro escriturado, acendia uma<br />

fogueira para assar chicharro e deixava-nos beber agua-pé<br />

pela quartola. E quando o rancho fosse maior, havia jantar na<br />

adega. Mais com os avós, tínhamos também as festas dos<br />

santos, os populares dos solstício e das fogueiras espontâneas<br />

na rua, e os padroeiros das capelas, S. Sebastião, S. Tomé, S.<br />

Bento… O arraial de S. Bento dava direito a pão benzido com<br />

queijo, mais um chupa de açúcar queimado e um ió-ió de<br />

serrim.<br />

Quando a juventude nos dispersou, servia-nos<br />

precisamente o S. Tomé, a 25 de Julho, para inaugurar o<br />

período do reencontro. Enquanto viveram neste mundo os<br />

avós, iam sempre connosco a passeio, quanto mais não fosse,<br />

à Praia de Mira, com farnel na floresta. Ele pagava o melão e<br />

ela um gelado. A propósito, também a matança do porco, dava<br />

azo a momentos muito agradáveis, tanto mais que enquanto o<br />

pôde criar, havia sempre umas notas da avó para os netos.<br />

O mês de Agosto foi sempre passado em família e era<br />

uma série quase diária de banquetes no pátio, que a nossa<br />

mãe nunca regateou. Pode dizer-se banquetes, já que havia<br />

sempre alguns “penduras”, isto é, amigos com quem sempre<br />

53


sentimos a necessidade de partilhar a nossa família. <strong>Uma</strong> vez<br />

até veio casar a Ançã um casal de amigos italianos e a festa,<br />

depois, foi no pátio.<br />

Já antes, fosse pelas saudades, que costumam apertar<br />

de antemão os que partem, fosse pelo cansaço dos pequenos<br />

conflitos, que a partilha de espaços e de responsabilidades<br />

sempre agudiza, o declínio do verão trazia o seu quê de<br />

tristeza. Falava-se por graça, em tom eclesiástico, em<br />

Septembrina depressio, um incipit que depois glosávamos a<br />

modo de esconjuro. Hoje as moções de ânimo da septembrina<br />

depressio são mais complicadas porque naturalmente<br />

multiplicadas foram as relações humanas de cinco famílias<br />

que, se cabem no pátio, já dificilmente caberiam em casa.<br />

Mas os nossos pais levantaram, num pinhal dos nossos<br />

avós, a casa do Seixo. <strong>Uma</strong> certa visita alcunhou-a de kibutz<br />

Miranda, por lá caberem à sociedade os filhos de todos, sem<br />

excluir os “penduras” de nova <strong>gera</strong>ção. Aí, o verão continua<br />

ainda a oferecer-nos os “momentos mais agradáveis no seio<br />

familiar”. Pelo menos os miúdos não duvidam. A Aurora até<br />

compôs uma cantiga elucidativa: Para mim o verão/é<br />

realmente uma diversão/ mas quando ele acaba/ a tristeza<br />

reina com lágrimas/ sobre a minha face/ Ooó não, o Verão…<br />

Mãe: Nesta caminhada de 50 anos, não faltaram<br />

algumas amarguras, mas também houve muitas alegrias. A<br />

última foi a celebração das nossas Bodas de Ouro.<br />

54


Celebrámos esse acontecimento no passado dia 8 de<br />

Agosto, na companhia da família mais alargada e de<br />

muitos velhos amigos, com seus filhos e netos. Foi uma<br />

festa maior que a do nosso casamento. Preparada pelos<br />

nossos filhos, nela puseram todo o seu enlevo. Desde a<br />

Missa, aos cânticos, à parte recreativa preparada pelos<br />

netos, à beleza que a tudo quiseram dar, foi uma grande<br />

consolação, de tantas que Deus nos concedeu neste meio<br />

século!<br />

14. No campo escolar, os irmãos inter-<br />

-ajudavam-se?<br />

Filho(a): Entre os mais novos, bastava conhecer a boa<br />

fama dos mais velhos para despertar sentimentos de<br />

emulação. Cada um recebia a pesada herança do irmão mais<br />

velho, sobretudo se os professores eram os mesmos, como<br />

acontecia na Escola Secundária de Cantanhede. Além disso,<br />

fora do âmbito estritamente escolar, o saber dos mais velhos<br />

era ocasião de estímulo para os mais novos: os livros que<br />

compravam, os livros que liam, a música que ouviam e que<br />

tocavam, as conversas que tinham. Antes mesmo de<br />

frequentarem o Conservatório, o Pedro, que havia de ser o<br />

nosso músico e musicólogo, chegou a dar às manas<br />

verdadeiras aulas de História da Música, com actividades<br />

55


práticas de audição, por períodos artísticos. Tinha criado uma<br />

antologia musical, gravada domesticamente a partir da Antena<br />

2, no pequeno leitor de cassetes que tinham comprado com as<br />

suas magras economias..<br />

No âmbito estritamente escolar dos TPC’s, não havia<br />

grande necessidade de inter-ajuda, a não ser para o melhor<br />

conhecimento da biblioteca da casa. Havia uma interessante<br />

partilha de meios, sobretudo de livros (de Direito, para uns,<br />

para outros de História, para outros de Estudos Clássicos, para<br />

todos, de Literatura) e do próprio espaço de estudo. O<br />

OTIARIUM, cujo letreiro se podia ler por cima da garagem e<br />

cujo espaço fora conquistado ano a ano, cm a cm, ao espaço<br />

da casa, à custa de móveis, tapetes, candeeiros e tecnologia<br />

áudio literalmente “roubados” ao pai e à mãe, dava-nos a<br />

ilusão de afirmarmos uma gostosa independência, sem sair de<br />

casa. Servia para receber os amigos nas horas de ócio, mas<br />

também para praticar as artes humaniores, tal qual Cícero as<br />

entendia.<br />

15 Havia disciplina na realização dos<br />

trabalhos de casa e no estudo feito em<br />

casa?<br />

Filho(a): No estudo, não era preciso, como agora, a<br />

vigilância activa dos pais sobre os deveres de cada um. Nos<br />

56


trabalhos de casa, embora houvesse uma avó Aurora sempre<br />

presente e uma Catarina que assumiam a retaguarda da vida<br />

doméstica, as manas começaram desde cedo a ter as suas<br />

pequenas responsabilidades. O forte não era de todo a<br />

cozinha. Quando as manas reclamavam mais autonomia no<br />

fogão, a mãe respondia (profeticamente!) que haveríamos de<br />

ter tempo de nos fartarmos de panelas! E poupava-nos à<br />

culinária do quotidiano. Sobravam apenas aquelas<br />

experiências excepcionais para as ementas melhoradas ou as<br />

sobremesas das ocasiões especiais. O resto era a arrumação<br />

e as limpezas da casa, que as manas partilhavam, nem<br />

sempre pacificamente, mas como quem não tinha alternativa.<br />

E a casa era grande, e cheia. Os manos? Bom, para ninguém<br />

ficar mal na fotografia, admitamos que não eram tão prontos<br />

neste tipo de actividades que a vida agora a todos impõe (a<br />

eles inclusivamente). Mas nem por isso ficavam alheios ao<br />

muito que fazer. A nossa infância estava povoada de horta, de<br />

quintal e de vinha, e era nessas actividades que eles mais<br />

facilmente colaboravam, durante aqueles longos quatro meses<br />

de férias, chegando mesmo a haver uma leira de morangos de<br />

sua exclusiva propriedade. A época das vindimas e do vinho,<br />

na adega da casa, dava trabalho para todos – os de casa e os<br />

muitos de fora (das três <strong>gera</strong>ções) que vinham ajudar, sob o<br />

governo do avô Zé Carlos e do Alípio.<br />

57


CAMPISTAS, CANTORES E BONS LEITORES<br />

NAS FÉRIAS GRANDES<br />

16. Como viviam o período de férias?<br />

Filho(a): Vivíamos quatro meses de férias (!) sem nos<br />

apercebermos do privilégio que tínhamos. Na primeira infância,<br />

passávamos o mês de Julho numa casa na Praia de Mira, com<br />

os avós, enquanto os pais ainda trabalhavam. Por vezes, a<br />

estadia prolongava-se por Agosto. A praia era aguardada com<br />

expectativa, e desfrutada na companhia de algum primo, ou<br />

dos filhos dos amigos dos pais, que também ali passavam a<br />

temporada. Com eles partilhávamos brincadeiras e<br />

travessuras. Mas ainda havia tempo para passar uma ou outra<br />

semana no Seixo, em casa da Madrinha Anita, da avó Albina e<br />

das tias, apreciar o leitinho fresco da vaca, apanhar as peras e<br />

os figos mais doces e comê-los da árvore, tirar água do poço e<br />

andar de bicicleta em liberdade, mas sobretudo ouvir as<br />

quadras populares e o humor bizarro das histórias da avó<br />

Albina, como a Princesa do vestido da pele de piolho… e<br />

admirar o exemplo daquelas mulheres alegres, piedosas e<br />

generosas, a quem todos olhavam com tanto respeito e que<br />

58


eram para nós o testemunho de um avô que não tínhamos<br />

conhecido.<br />

Quando os rapazes cresceram, os pais fizeram um acto<br />

de confiança e deixavam ir os cinco filhos, ora sozinhos, ora na<br />

companhia de um jovem prefeito do Colégio, muito amigo da<br />

família (hoje, P. Jorge Oliveira S. J.), acampar, na Mata da<br />

Praia de Mira (não sem a visita frequente da família). Nessa<br />

altura, os hábitos já eram outros. Da bagagem, para além de<br />

uma velha tenda, sacos cama e material de cozinha, fazia<br />

parte indispensável uma grande mala de livros que os rapazes<br />

escolhiam a dedo para levar e ler durante a temporada. Na<br />

praia, só o banho de mar e uma ou outra concessão<br />

interrompia as leituras. Acabava um livro e os rapazes<br />

sugeriam o título do seguinte. À noite havia muita música:<br />

viola, flauta, violino e as nossas vozes, a cantar quase todo o<br />

Camptilena, atraindo assim, até nós, outros campistas que<br />

acabavam por se sentar connosco. Depois, já com carta de<br />

condução, foram os acampamentos em Rio Longo (Vieira do<br />

Minho), já com a companhia da nossa cunhada Manela, e do<br />

Isaías, que viria, mais tarde, a entrar para a família. Foi aí que<br />

começámos a fazer música mais a sério.<br />

Além dos passeios em família (que incluíam os avós), o<br />

Paizinho organizava connosco expedições mais longas, e<br />

assim nos mostrou o país de Norte a Sul. Cedo ganhámos o<br />

vício de fazer turismo sério e fotografar arte e paisagem, em<br />

59


diapositivos que, mais tarde, contemplávamos com os amigos,<br />

nos longos serões, debaixo da latada da casa materna, ora<br />

calmamente, ora no meio das mais acesas discussões<br />

histórico-filosóficas que os vizinhos sempre toleraram<br />

admiravelmente.<br />

As vindimas, no começo do Outono, já sabiam a<br />

despedida de férias. Partiam os que já estavam fora, levando<br />

também os amigos que tinham vindo ajudar, e ficavam os mais<br />

novos a aguardar o regresso às aulas.<br />

17. O que levou os filhos a fazerem as suas<br />

escolhas profissionais?<br />

Filho: No meu caso, a escolha profissional resultou<br />

simplesmente da necessidade de arranjar emprego. Fui<br />

alguém que se deu sempre ao luxo de estudar aquilo de que<br />

mais gostava. No momento de procurar o emprego, fui à bolsa<br />

e tirei de lá o que podia. No entanto, posso dizer que fui mais<br />

escolhido do que escolhi.<br />

Hoje, vive-se no reino da flexiciência e posso dizer que<br />

levo com muito gosto as mudanças constantes no meio<br />

universitário.<br />

Filho: No meu caso, optei por cursar Direito em<br />

Coimbra, em vez do curso de Filosofia e Humanidades, da<br />

Faculdade de Filosofia da UC em Braga. Nesta decisão fui<br />

60


condicionado pelas limitações financeiras de uma família<br />

numerosa vivendo de dois salários médios mas, sobretudo,<br />

influenciado por um conselho prático, se não pragmático, do<br />

Paizinho, que já vinha de longe, logo que terminei o curso <strong>gera</strong>l<br />

dos liceus. Antes do curso mais apreciado, estava o que mais<br />

provável e brevemente me oferecesse a autonomia social e<br />

económica. A passagem pelo ensino superior foi breve, quer<br />

porque, francamente, me sentia bem “pequenino” ao pé dos<br />

companheiros de curso que começavam a mesma carreira na<br />

Faculdade de Coimbra, quer porque a Universidade da Beira<br />

Interior não oferecia grandes meios e futuro a um professor de<br />

Direito, quer porque cedo acalentara a hipótese de entrar na<br />

magistratura do Ministério Público, então no início da sua<br />

afirmação como magistratura autónoma e pró-activa na defesa<br />

da Res Publica, dos incapazes, dos menores etc. Por fim, a<br />

passagem à magistratura judicial decorreu de uma<br />

oportunidade legal que se me ofereceu, de fazer a experiência<br />

da judicatura na área científica em que me licenciara e,<br />

debalde, sempre almejara trabalhar: Ciências Jurídicopolíticas.<br />

Filho: A minha primeira escolha profissional (professor<br />

do Conservatório de Música de Coimbra) não foi minha.<br />

Escolheram-me. E eu, que, na adolescência tinha sonhado<br />

com aquela possibilidade mas sempre a tinha visto como<br />

impossível, por saber ter começado a estudar tarde, não<br />

61


hesitei. Como vim a dar em padre, mas em qualquer caso<br />

padre-músico, é uma história muito longa que não cabe nos<br />

limites e no género literário destes apontamentos. Retenha-se,<br />

no entanto, que tudo o que disse na resposta à pergunta 5 faz<br />

parte dessa história, bem como as referências às minhas<br />

actividades apostólicas na paróquia e na universidade.<br />

Filha: Com uma mãe professora, desde cedo olhei para<br />

a docência como a minha profissão. Depois, no 9ª ano, houve<br />

uma professora de Português, cuja formação vasta e integral<br />

me chamou a atenção. Pessoa tímida e discreta, era porém<br />

uma das professoras mais cultas que conhecia, cujo saber e<br />

exigência tomei como modelo. À minha apetência natural pelas<br />

humanidades, somou-se então o interesse pelas línguas<br />

clássicas, (este herdado do pai, que sabia latim e era homem<br />

de muitas leituras), o interesse ‘exótico’ por um alfabeto novo e<br />

uma civilização nos arquétipos da nossa. Sabia que os estudos<br />

clássicos me abririam portas novas ao conhecimento da<br />

história, da filosofia e da literatura, que eu não queria<br />

abandonar. A opção do curso superior estava, por isso, feita<br />

desde cedo, sem a preocupação de escolher uma profissão,<br />

porque ela viria a dar, certamente no ensino. Arrastada<br />

também pelo exemplo de excelentes professores que tive,<br />

quando acabei o curso não tinha dúvidas. Nessa altura, não<br />

era, aliás, difícil aceder a esse mundo profissional. Pude<br />

realmente optar entre uma proposta da área científica da<br />

62


linguística, em Coimbra, ou da área da Cultura Clássica no<br />

Porto, ou em Évora. Mas o amor primeiro falou mais alto e<br />

levou-me até ao Porto.<br />

Filha: Desde o 5º ano que, quando estudava, gostava de<br />

imaginar que dava aulas. Voltava-me para uma turma<br />

imaginária e explicava a matéria que estava a estudar. Talvez<br />

porque a minha mãe era professora ou porque, na altura, tinha<br />

uma professora de quem eu gostava muito (a D. Maria Luísa).<br />

O certo é que depois daqueles sonhos mais infantis de querer<br />

ser bailarina, por exemplo, foi ficando a ideia de ser professora.<br />

No entanto, ensinar uma criança a ler parecia-me tarefa muito<br />

difícil para mim. Ficava então de fora a hipótese de ser<br />

professora no ensino primário.<br />

Também desde cedo senti mais gosto pelas<br />

Humanidades, por isso, e por influência da irmã mais velha, a<br />

Margarida, que tinha gostado muito do Grego e do Latim, fiz<br />

por ter colegas em nº que permitisse abrir uma turma de Grego<br />

no liceu de Cantanhede. Quanto ao Latim, a turma era<br />

garantida. Desde o 10º ano que ficou mais ou menos assente<br />

para mim a escolha de uma licenciatura em Estudos Clássicos,<br />

curso em que ganhei verdadeiro gosto pela investigação e<br />

confirmei o gosto pelo ensino.<br />

63


“A paixão por uma interpretação histórica, ou por<br />

uma tese teológica, levou-nos muitas vezes (hoje menos) a<br />

levantar a voz e a “rasgar as vestes” com insultos de parte<br />

a parte. Mas nunca nos zangámos. As manas é que<br />

sempre saíram a perder porque, em caso de berraria, a voz<br />

feminina não se impõe da mesma maneira”.<br />

18. Havia “sabatinas”, “debates” entre os<br />

membros da família?<br />

Filho(a): Já de pequenos tínhamos, com muitas pessoas<br />

que frequentavam os nossos pais, a actualidade eclesiástica à<br />

mesa. E nós confrontávamos sempre com o nosso pai o que<br />

nos ensinavam no colégio, não fossem por lá andar a enganarnos<br />

com doutrinas humanas e não divinas. Tivemos desde<br />

sempre o gosto espontâneo da religião como fonte da<br />

Verdade, e com a Verdade era preciso muito respeitinho. De<br />

miúdos, além de brincar aos pais e às mães, brincávamos<br />

também aos missionários (um fazia de bispo e os outros eram<br />

mandados às missões) e não faltava a missa na adega,<br />

utilizando como retábulo ad orientem o rebordo do batoque das<br />

pipas, que sugeria um sacrário em forma de arco românico. O<br />

Colégio dos Jesuítas prolongou esse horizonte, mas a partir de<br />

75, no culto sobretudo, os tempos eram de grande desordem,<br />

pois vivia-se numa atitude refundacionista, como que de<br />

recomeço da História… Enfim, era mais ingenuidade do que<br />

64


qualquer outra coisa, mas não é isso que agora vem ao ponto.<br />

O certo é que, desse confronto, resultava de facto uma espécie<br />

de sabatina.<br />

Nunca nos faltaram amigos no Colégio, mas nós<br />

tínhamos justamente um ferrete, paradoxal, de livrespensadores.<br />

Foi muito significativo o episódio de uma<br />

“assembleia <strong>gera</strong>l” (era no rescaldo do golpe de 74 e<br />

macaquear a democracia era uma pedagogia compulsiva) em<br />

que protestámos contra os abusos litúrgicos insistindo que,<br />

“mesmo nas piores condições, o sacerdote deveria usar ao<br />

menos a estola”. Ninguém via o problema, aliás, ninguém sabia<br />

o que era a estola, e fomos o pratinho da chacota <strong>gera</strong>l, por<br />

causa da “pistola”.<br />

Com o tempo, as nossas leituras, primeiro de romance e<br />

depois, sobretudo de História, a ajuntar às especializações<br />

científicas de cada um, foram dispersando e enriquecendo os<br />

nossos temas de interesse, de modo que as conversa post<br />

prandium resultavam por vezes num processo, não isento de<br />

custos emocionais e de conflito, de aprofundamento e de<br />

conciliação de pontos de vista. Numa profética ocasião –<br />

andávamos pelos 10 anos – fomos até ao “derramamento de<br />

sangue”. Enquanto a nossa mãe fazia de júri do então<br />

severíssimo exame da IV Classe, na Gala, Figueira da Foz, cá<br />

fora, no átrio da sala, envolvemo-nos os dois mais velhos<br />

numa causa decisiva. Um estava por D. João II, outro pela<br />

65


Princesa Santa Joana. E como o de D. João II falhasse de<br />

argumentos, disse tais sarcasmos ad hominem, que o de<br />

Santa Joana não se conteve que lhe não esmurrasse o nariz<br />

em toda a extensão. Para os dias seguintes, a nossa mãe lá<br />

providenciou que o marido de uma colega nos levasse à<br />

pesca…<br />

A paixão por uma interpretação histórica, ou por uma<br />

tese teológica, levou-nos muitas vezes (hoje menos) a levantar<br />

a voz e a “rasgar as vestes” com insultos de parte a parte. Mas<br />

nunca nos zangámos. As manas é que sempre saíram a<br />

perder porque, em caso de berraria, a voz feminina não se<br />

impõe da mesma maneira.<br />

Depois, da dispersão fizemos uma riqueza. As noites do<br />

pátio, para além de conversas à saciedade, deram em ocasião<br />

de partilha dos nossos percursos e interesses artísticos,<br />

através da projecção e comentário de diapositivos. Tivemos a<br />

nossa fase da arte da antiguidade clássica, da arqueologia<br />

cristã, da pintura italiana, mas o que nos cativou<br />

duradouramente foi a paisagem e o património plástico das<br />

igrejas e conventos arruinados de Portugal. O costume era<br />

caro mas pegou. A fotografia electrónica trouxe uma crise mas<br />

actualmente, com a vulgarização do video-projector,<br />

continuamos a partilhar a vida de cada família nos serões de<br />

verão.<br />

66


“A família Miranda tem este privilégio extraordinário<br />

de ser constituída por pessoas de temperamentos e de<br />

talentos muito diferentes, mas que têm em comum uma<br />

vontade férrea de serem verdadeiros cristãos. É esta a<br />

âncora que dá segurança nas pequenas borrascas do<br />

quotidiano e também nos vendavais um pouco mais<br />

aparatosos que, no fim de contas, nunca deixam marcas<br />

67<br />

de destruição…”<br />

19. Como interagem hoje os irmãos e os<br />

seus cônjuges? Mantém-se o “espírito de<br />

família”? Foi interiorizado pelos que foram<br />

chegando à Família?<br />

Nora: O casamento é uma opção de vida que implica<br />

não só a aceitação daquele com quem decidimos partilhar a<br />

nossa vida mas também de toda a sua história pessoal e da<br />

sua família. Foi aos 20 dias do mês de Setembro de 1986 que<br />

eu, Maria Manuela dos Santos Gonçalves, e Tiago Afonso<br />

Lopes de Miranda, contraímos vínculo matrimonial e demos<br />

início, com a graça de Deus, a uma comunidade de vida e de<br />

amor. O nosso pequeno lar começou por ser um anexo da<br />

casa patriarcal da família Miranda onde, com o justo equilíbrio,<br />

tínhamos a privacidade e autonomia a que todos os jovens


casais aspiram, mas também o apoio incondicional daqueles<br />

que passaram a ser “os meus sogros” e os “meus cunhados”.<br />

A chegada da primeira filha, que era também a primeira<br />

neta e a primeira sobrinha, foi vivida com uma alegria imensa<br />

(e intensa) por todos os membros da família. Hoje, decorridos<br />

vinte e dois anos, numa altura em que todos vivemos a<br />

expectativa da chegada do décimo nono neto dos avós<br />

Miranda, atrevo-me a dizer que o sentimento partilhado por<br />

todos continua a ser de grande contentamento porque, afinal<br />

de contas, o que nos une na profundidade é a mesma Fé num<br />

Deus que se fez Homem para nos trazer o segredo da “vida<br />

em abundância”.<br />

A família Miranda tem este privilégio extraordinário de<br />

ser constituída por pessoas de temperamentos e de talentos<br />

muito diferentes, mas que têm em comum uma vontade férrea<br />

de serem verdadeiros cristãos. É esta a âncora que dá<br />

segurança nas pequenas borrascas do quotidiano e também<br />

nos vendavais um pouco mais aparatosos que, no fim de<br />

contas, nunca deixam marcas de destruição…<br />

20. Como é hoje o dia a dia das vossas<br />

famílias, dos membros da Família Miranda?<br />

Filho(a): Durante a semana, o quotidiano é mais ou<br />

menos marcado pelo ritmo escolar dos filhos que, entre as<br />

68


várias famílias, abrange da primária à Universidade. Os que<br />

andam na escola primária, basta-lhes atravessar a rua ou<br />

andar meia dúzia de metros, pois são todos vizinhos. À<br />

excepção da família do Zé Carlos, que vive em Braga e, por<br />

isso, tem um ritmo de vida mais ‘urbano’, todos moram perto<br />

da escola. Ao almoço, a avó Lizete alimenta três netos que<br />

vêm da escola, mais três que ainda estão em casa. A sua<br />

preocupação da manhã é “ter o almoço pronto para os<br />

meninos”, depois de ter ido ao outro lado do bairro levar a<br />

comida às galinhas e às pombas, com mais duas netas pela<br />

mão. À tarde, depois da escola, dá-lhes a merenda e dedica-se<br />

às suas lições. Sim, porque depois de fazer os trabalhos da<br />

escola, os garotos ainda têm a composição, ou a tabuada, ou<br />

as contas de dividir ou de multiplicar, que são os ‘trabalhos da<br />

avó Lizete’. Durante a manhã, de preferência, ou depois de<br />

almoço, as que não andam na escola já fizeram uns<br />

trabalhinhos, uns desenhos, ou começaram a ler umas<br />

palavrinhas.<br />

Os que andam no segundo ou no terceiro ciclo passam<br />

mais tempo fora. Como os pais decidiram escolher para os<br />

filhos escolas católicas, com cujo projecto educativo se<br />

identificam, têm de fazer mais alguns quilómetros. Uns vão<br />

para Cernache, para o Colégio dos Jesuítas, outros para<br />

Mogofores, o Colégio dos salesianos. Os pais levam-nos de<br />

manhã (às vezes roda o condutor), e assim se aproveita a<br />

69


viagem para a oração da manhã e para as recomendações<br />

necessárias (que nunca se repetem vezes demais). À tarde,<br />

para o regresso, pode ser de novo o pai, ou a camioneta, ou o<br />

comboio…. Para os que dão os primeiros passos no 5º ano, há<br />

sempre um irmão ou um primo mais velho para ajudar na<br />

integração na escola, para ensinar onde apanhar o autocarro,<br />

dar segurança, etc…<br />

O fim do dia pode ser ocupado com as aulas do<br />

Conservatório, o que significa mais uma organização de<br />

boleias com um tio ou um avô, ou ainda um amigo. Também<br />

em Braga assim funciona: ajudando e deixando-se ajudar,<br />

entre família e amigos.<br />

À sexta-feira à noite, já cheira a fim de semana, por isso<br />

pode haver uma sessão de cinema para os mais novos em<br />

casa da tia Margarida. Se ao Sábado cada um toca as suas<br />

rotinas para a frente, uns dando, outros indo à catequese e aos<br />

escuteiros (nova ronda de boleias!) ao Domingo, sempre que<br />

possível, depois da Missa e da conversa no adro da igreja,<br />

almoça tudo em casa da avó Lizete. Se não vem o Zé Carlos,<br />

somos 23, se vem o Zé Carlos somos 28. O Pedro, esse, com<br />

as obrigações da paróquia, só vem ao Domingo à noite. Os<br />

almoços são ruidosos, mas já foram mais difíceis…. depois de<br />

servir a criançada, almoça-se com ‘algum sossego’ e ainda se<br />

aproveita o resto da tarde para dar um passeio com os miúdos,<br />

ir a casa dos outros avós, a alguma pastoral, ou até mesmo, se<br />

70


os testes apertam, para o pai estudar com o filho, o tio com o<br />

sobrinho ou um primo com outro primo.<br />

Requisitado por todos, o Tio Pedro vem ao Domingo à<br />

noite, mas já os garotos estão mais para lá que para cá, e no<br />

dia seguinte é Segunda-feira… Por isso, à Segunda, que é o<br />

seu dia de folga, o Tio Pedro janta alternadamente em casa de<br />

cada irmão, para ‘ir estando’ com todos. Nem Braga fica de<br />

fora, porque vai havendo sempre algum afazer eclesiástico na<br />

Roma portuguesa, e, quando assim é, não se perde a<br />

oportunidade da viagem. Vão também o avô Tiago, a avó<br />

Lizete e as netas que não têm escola, para poderem estar,<br />

nem que seja por umas horas, com as primas de Braga.<br />

Filho(a): Nós, os de Braga, somos uns desgraçados<br />

porque, como hei-de dizer… Olhe, em linguagem de Assistente<br />

Social, diria que não temos retaguarda familiar nem rede<br />

vicinal de apoio. Ainda por cima, no trabalho, padecemos<br />

ambos de “isenção de horário”, e com horário lectivo dobrado<br />

em diurno e pós-laboral, um na universidade e outro na escola<br />

e na formação de adultos; de maneira que programar uma<br />

semana com os horários de base dos pais mais as incógnitas<br />

todas e os escolares das filhas, duas em escolas diferentes<br />

mais a pequenita no “Centro de Dia”, e juntar a tudo a música<br />

extracurricular e as catequeses… é uma autêntica batalha<br />

naval. O que ainda nos tem valido, para além de uma<br />

vizinhança tão aflita como nós que vai calçando alguma<br />

71


emergência, é uma associação de <strong>gera</strong>ção espontânea a que<br />

chamamos ADAREB (Associação dos Ançanenses Residentes<br />

em Braga), com uma família reencontrada em Paris e depois<br />

em Braga, que tem uma filha da idade da nossa mais velha, a<br />

frequentar a mesma escola e tudo. A associação não tem<br />

personalidade jurídica, aliás, nem pode, porque os dois<br />

associados só dão para presidente e secretário e os<br />

candidatos a tesoureiro ainda são menores… mas mesmo sem<br />

letra de forma tem sido providencial. Com pouco tempo no diaa-dia<br />

para estar com as miúdas, esforçamo-nos por pôr em<br />

prática o conselho que a Florbela ouvia a um sábio professor,<br />

que é aproveitar muito bem o tempo passado no carro, que é<br />

muito! Tem que dar para rezar a oração da manhã e para os<br />

relatos do fim da tarde. Foi no carro que elas aprenderam as<br />

mesmas orações que aprendemos de pequenos, com as<br />

essenciais em latim, a que aderem com muita espontaneidade.<br />

Nas viagens longas, aproveitamos para rezar o terço, um ritual<br />

diário que nos moldou nas nossas famílias de origem e na vida<br />

que levamos não conseguimos integrar na vida quotidiana.<br />

Antes da oração da noite, lá se vai arranjando tempo para uma<br />

história. Como o repertório popular é limitado, se for o pai, que<br />

não tem paciência para literatura infantil (que o mais das vezes<br />

é mais imbecil do que infantil), vão indo as da Bíblia, que têm<br />

sempre muito sucesso. Agora, a Aurora já vai ajudando nessa<br />

função e compensa as irmãs mais novas com um pouco da<br />

72


sorte dela, que foi ter os pais todos os dias em casa, à hora de<br />

deitar. Aos domingos, em média, tendencialmente, visitamos<br />

as duas famílias de origem uma vez por mês; noutro, pomos<br />

em dia alguma amizade ou, especialmente no domingo em que<br />

canta a Capela Musical de Stª Cruz, descansamos com as<br />

miúdas. Além dos domingos de ir a Ançã, que para as nossas<br />

filhas são sempre um salutar banho de primos, também temos<br />

às vezes umas Segundas de festa, quando o tio Pedro<br />

aproveita a folga de pároco e vem a Braga tratar de tricas lá<br />

das igrejas e capelas da sua jurisdição. <strong>Tr</strong>az sempre a avó<br />

Lizete e/ou o avô Tiago, com presentes, mais duas ou três<br />

primitas pré-escolares, e é sempre uma noitada esfusiante<br />

para nós e as nossas filhas. Nas férias de natal, para quebrar o<br />

inverno, também gostamos de ir comer e seroar às rodadas,<br />

nas casas uns dos outros. O rebuliço também deixa saudades<br />

e a gente só não as sente na hora fugaz de apanhar cacos e<br />

brinquedos e pôr móveis no sítio. Temos que aprender com o<br />

avô Tiago e a avó Lizete, que têm lá todos os dias o que em<br />

nossa casa é só de vez em quando.<br />

73


GRUPO ANÇÃ-BLE<br />

FONOLOGIA ADEQUADA PARA<br />

REPRODUZIR AS NOTAS<br />

AFINADAS DO FAMILIAR SENTIDO<br />

DE CONJUNTO<br />

21. O que os une hoje – e sabemos que<br />

constituíram um grupo musical? Outros<br />

exemplos?<br />

Filho(a): O que nos une, não é propriamente o grupo<br />

musical, que é mais efeito do que causa. Aliás, é<br />

extremamente difícil fazer música à altura das nossas<br />

aspirações, pois isso requereria trabalho regular, que não é<br />

conciliável com as nossas vidas familiares nem profissionais.<br />

Temos um repertório quantitativamente vasto porque os ançãble<br />

que moram em Ançã, todos menos o maestro e um baixo,<br />

cantam e tocam no coro paroquial e têm que alimentar a<br />

liturgia de um ano inteiro, sem falhar, domingo após domingo.<br />

74


Se não fosse isso, dificilmente teríamos capacidade de<br />

resposta às solicitações litúrgicas ou concertísticas que vamos<br />

aceitando. Claro, concertos propriamente ditos não seriam<br />

possíveis sem a semana anual dos “Encontros de Música<br />

Antiga de Rio Longo” e a respectiva gravação. “Os Encontros”<br />

chamam-se assim por terem começado lá para 87, nuns três<br />

ou quatro acampamentos, em anos consecutivos, numa ilhota<br />

rústica situada na freguesia de Rio Longo, perto de Vieira do<br />

Minho.<br />

Actualmente, são na casa do Seixo, e, com tanto<br />

cachopedo à solta, só se têm aguentado graças aos avós e às<br />

duas cunhadas não cantoras, Manuela e Florbela, que<br />

organizam para os pequenos, com uma paciência infinita, um<br />

programa análogo ao de um campo de férias. Nessa semana,<br />

temos tido a tempo inteiro a Srª Beleza, uma exímia cozinheira<br />

e esteio de apoio da família lá em Ançã, porque um rancho<br />

diário para trinta pessoas, com todos os adultos ocupados,<br />

requer dedicação especializada. Aí a lotação da casa fica<br />

esgotada. Parece que em breve já não haverá beliches que<br />

valham. Um dia surpreendemos a Ana Lizete e a Aurora a<br />

torcer por que fosse menino o novo bebé da Tia Margarida.<br />

Perguntámos por que estavam tão determinadas por um primo<br />

e não por uma prima. Concluímos que era só por bater certo lá<br />

pelas contas delas nas camaratas do Seixo.<br />

75


Enfim, não é propriamente assim que se trabalha nos<br />

estágios na Casa da Música… Não, o que nos une, é, aos<br />

cinco, a herança afectiva dos nossos pais e avós, e aos<br />

nove, com os nossos cônjuges, a herança comum da fé,<br />

da esperança e da caridade. Tivemos todos a felicidade de<br />

encontrar para casar pessoas que acolhem a graça de ser<br />

fiéis à Igreja Católica. E por isso, para os nossos casais,<br />

mesmo quando as diferenças pesam e a virtude escasseia,<br />

a Verdade e o Bem são objectivos. E isso, tanto dá<br />

segurança como humildade.<br />

...E SÃO UMA FAMÍLIA<br />

FELIZ.EXEMPLAR.UMA FAMÍLIA (FAMÍLIA<br />

MIRANDA) À QUAL O ROTARY CLUB DE<br />

COIMBRA PRESTA HOMENAGEM.<br />

HÁ HISTÓRIAS DE ENCANTAR QUE SABE<br />

BEM CONTAR...<br />

OU ANTES: ESCUTAR COM INCONTIDA<br />

TERNURA E EMOÇÃO.<br />

76


AS BIOGRAFIAS


Avós com 17 dos netos (2005).<br />

Baptismo da Guidinha e da Irene.


Tiago da Rocha Miranda<br />

Memória<br />

A contagem dos 80 anos de vida, que já cumpri,<br />

iniciou-se no dia 21 de Maio de 1929 – gandarês, de pais<br />

gandareses, no lugar (hoje freguesia) do Seixo, no<br />

79


concelho de Mira. Foram meus pais Afonso de Miranda<br />

Catarino e Albina de Jesus Rocha.<br />

Tive uma infância feliz, com meus sete irmãos e,<br />

aos 7 anos, entrei na escola primária, sorte que não era<br />

extensiva a todas as crianças.<br />

Brincalhão que era, certo dia, o meu<br />

comportamento com o colega de carteira mereceu, da<br />

parte do Professor, um pequeno tabefe, tipo “enxotamoscas”.<br />

Foi o suficiente para me recusar a voltar à<br />

escola. Até que, certa manhã, meu pai tomou-me pelo<br />

braço com energia e, ignorando os meus protestos, lá me<br />

levou; entregou-me ao Sr. Professor, Raul de seu nome,<br />

que me acompanhou depois até à conclusão da 4ª classe.<br />

Em Outubro de 1941, a meu pedido e por mão de<br />

minha saudosa Tia, Maria Evangelina, dei entrada no<br />

Seminário da Imaculada Conceição, na Figueira da Foz,<br />

em que fiz os dois primeiros anos preparatórios,<br />

transitando depois para o Seminário Maior de Coimbra,<br />

onde os concluí e cursei ainda Filosofia e três anos de<br />

Teologia.<br />

O período de cerca de 15 anos da adolescência e<br />

juventude foi fundamental para a minha vida. Foi no<br />

Seminário que adquiri a minha formação moral e<br />

intelectual, modelando a minha personalidade e carácter,<br />

caldeados na Fé e nos valores cristãos. Embora tenha<br />

80


desistido de alcançar a meta inicial do Sacerdócio, nunca<br />

me arrependi dos anos ali passados, e estou sumamente<br />

grato à Providência, pelos caminhos que me levou a<br />

percorrer.<br />

Em Outubro de 1953, tomei o caminho de<br />

Salamanca, para completar os estudos de Filosofia na<br />

Universidade Pontifícia, mas, nesse mesmo mês e ano,<br />

declarou-se-me uma “Fiebre Tifoidea”, numa época em<br />

que não haviam chegado ainda, a Espanha, os<br />

antibióticos que a poderiam ter debelado. A doença<br />

atirou-me então para o Hospital, quase até à fronteira da<br />

Vida. Durou o internamento cerca de um mês. Regressei,<br />

então, a Portugal para um largo período de<br />

convalescença.<br />

Apanhado pelo Serviço Militar, novo período de<br />

internamento, agora no Hospital Militar em Coimbra,<br />

onde uma inspecção médica, no dia em que completava<br />

27 anos de idade, me declarou inapto, libertando-me,<br />

assim, da obrigação de me incorporar no Exército.<br />

Regressado a Salamanca, pude então concluir o<br />

Bacharelato e, no ano seguinte, em 1958, a Licenciatura<br />

em Filosofia. De volta a Portugal, em 1958, munido de<br />

“Canudo”, ainda pensei em prosseguir estudos, cursando<br />

uma licenciatura em Direito – ramo que sempre me<br />

seduziu – mas, considerando a idade e duração dos<br />

81


estudos, pus de parte a ideia.<br />

Obtive entretanto, do Ministério da Educação, uma<br />

certidão de equivalência do meu curso e um Diploma<br />

para o Ensino Particular, com competência para ensinar<br />

Latim, Português, Filosofia e História. Tentei a carreira<br />

do Ensino num Colégio Particular, mas ao fim de um mês<br />

de experiência, convenci-me de que não era esse o meu<br />

caminho, e despedi-me.<br />

Decidi então, enveredar pela carreira da Função<br />

Pública, como funcionário administrativo. Após sete ou<br />

oito meses na Câmara Municipal de Mira, preparei-me<br />

para os concursos abertos pela então Direcção Geral de<br />

Administração Política e Civil: logo de seguida coloqueime<br />

como Chefe de Secretaria da Câmara Municipal de<br />

Mondim de Basto, em 20 de Maio de 1959.<br />

Entretanto já tinha conhecido a Mulher que Deus<br />

colocou no meu caminho, uma simpática moça, de olhos<br />

verdes, professora por vocação. Em Agosto de 1959<br />

selámos, no Altar da Igreja Matriz de Ançã, o nosso<br />

compromisso Matrimonial, cujo cinquentenário tivemos<br />

a graça de celebrar no dia 8 de Agosto deste ano de 2009,<br />

rodeados dos nossos 5 filhos, genros, noras e 18 netos –<br />

Graças a Deus!<br />

Em Mondim de Basto permaneci até 24 de Maio de<br />

1961, já na companhia de minha Mulher, Maria Lizette,<br />

82


colocada na Escola de Parada, freguesia de Atei.<br />

Como o nosso desejo era aproximarmo-nos de<br />

Ançã, concorri para a vaga aberta na Câmara Municipal<br />

de Tábua, onde fui colocado e permaneci até Fevereiro<br />

de 1966, quando teve lugar a minha última transferência<br />

na Função Pública, para a Câmara Municipal de Miranda<br />

do Corvo. Ali permaneci até Abril do mesmo ano de<br />

1966.<br />

Ocorreu então uma alteração de vulto na minha<br />

vida profissional. Eram os anos 60 do século passado. O<br />

crescimento exponencial da economia e do Sistema<br />

Financeiro permitiu a abertura, em Cantanhede, de uma<br />

Agência do Banco Borges & Irmão. A minha admissão<br />

nesta Agência proporcionou-nos, além da aproximação a<br />

Ançã – por que tanto ansiávamos – uma notável melhoria<br />

das condições de trabalho e estabilidade profissional.<br />

Depois de uma permanência de 17 anos em<br />

Cantanhede fui, a meu pedido, transferido para o mesmo<br />

Banco em Coimbra. Na minha deslocação diária, levava<br />

para as aulas os meus filhos, que entretanto já<br />

frequentavam a Universidade.<br />

Aos 63 anos de idade e com uma vida profissional<br />

de cerca de 35 anos de trabalho, pedi e obtive a minha<br />

Reforma.<br />

83


Olhando para trás e avaliando estes 80 anos de vida,<br />

sinto-me feliz e realizado na companhia de minha<br />

Mulher. Sem ela eu não teria sido o que fui – feliz!<br />

Somos uma família alargada, em que se cultiva a<br />

amizade, a entreajuda e a solidariedade entre as três<br />

<strong>gera</strong>ções, já com 18 netos (quase 19) que, todos na idade<br />

infantil, passaram pela “Escola da Avó Lizette”, onde<br />

tomaram contacto com as primeiras letras. Rendo muitas<br />

graças a Deus pela Mulher e os filhos que nos deu. Todos<br />

eles e seus cônjuges acolhem e guardam os valores da Fé<br />

e moral cristãs que procurámos incutir-lhes. É essa a<br />

maior alegria. Dela nos orgulhamos e por ela damos<br />

imensas graças a Deus.<br />

Resta-me agora, nos oitenta… aguardar a vinda do<br />

Senhor.<br />

Vigiai e orai. Não sabeis o dia nem a hora…<br />

84<br />

Ançã, 09.12.2009


Maria Lizette Carlos Lopes da Rocha Miranda<br />

Esboço Biográfico<br />

Maria Lizette Carlos Lopes, da Rocha Miranda por<br />

casamento, nasceu no dia 26 de Fevereiro de 1932, em<br />

Ançã, na Rua dos <strong>Tr</strong>ovões (hoje R. Dr. Lino Cardoso),<br />

85


filha única de José Carlos da Costa e de Maria Aurora<br />

Lopes. O Pai era alfaiate de profissão e a mãe, doméstica,<br />

colaborava com o marido nos pontos de mão. Nessa<br />

primeira casa cresceu, até aos dois anos de idade, data em<br />

que seu pai comprou outra casa, na R. do Espírito Santo.<br />

Era oficina de seu pai uma pequena sala do rés do chão<br />

onde, no Inverno, se juntavam os amigos a conversar. Ali<br />

passou pois os primeiros anos da sua infância, tirando<br />

alinhavos aos fatos e aprendendo a ler. Aos 5 anos, seu<br />

pai deu-lhe as primeiras lições e, quando entrou na<br />

escola, o seu livro de leitura foi o Jornal Infantil Pim,<br />

Pam, Pum.<br />

Era visita assídua de seu pai, um Regente escolar,<br />

irmão da Professora local, que muito influenciou a sua<br />

vocação. No entanto, apesar de todos exortarem seus pais<br />

a mandá-la estudar, os rendimentos não o permitiam. Aos<br />

10 anos fez a 4ª classe e, no ano seguinte, foi forçada a<br />

interromper os estudos. Ia até à escola e gostava de<br />

ajudar a professora com as meninas da 1ª classe,<br />

enquanto acalentava, por dentro, o desejo de ser<br />

professora.<br />

Com um esforço suplementar de seus pais, retomou<br />

os estudos no ano seguinte em Coimbra, no Colégio<br />

Alexandre Herculano, como aluna externa, ficando a<br />

residir em casa de um tio, que morava então junto à<br />

Estação Velha. Durante os seis anos do Colégio,<br />

86


deslocava-se diariamente a pé, desde a Estação Velha até<br />

ao Colégio, levando o cestinho com o almoço que, por<br />

meio de um operário da Fábrica de Cerâmica, todos os<br />

dias, a mãe lhe mandava de Ançã. Aos fins de semana, ao<br />

sol ou à chuva, as viagens para casa dos pais eram de<br />

bicicleta.<br />

Em 1948 (a 2 de Fevereiro) tocou a fronteira da<br />

Vida quando caiu à cheia do Mondego, tendo sido salva<br />

pela coragem de um desconhecido, natural de Tentúgal,<br />

que ali passava naquela ocasião. Todos os anos evoca<br />

aquela memória e dá glória a Deus por essa graça.<br />

Feito o 5º ano do Liceu, fez exame de admissão à<br />

Escola do Magistério Primário, e foi colocada na cidade<br />

da Guarda, para onde partiu na madrugada do dia<br />

seguinte, como quem vai para a maior aventura,<br />

amedrontada pelos penedos da Serra que, à medida que o<br />

dia nascia, lhe pareciam gigantes.<br />

Chegada à Guarda a 1 de Dezembro de 1950, foi<br />

recebida pelo Sr. Director da Escola do Magistério (Sr.<br />

Dr. Manuel Elísio Dias Vieira, falecido há poucos anos)<br />

que lhe deu as primeiras informações. No mesmo dia,<br />

cruzou-se casualmente com uma sua amiga de infância, a<br />

quem já não via há muitos anos, a Belinha do Sr. Pires,<br />

natural de Celorico da Beira. Foi ela que a convidou a<br />

instalar-se numa residência dirigida por uma tia sua, o<br />

Lar da Acção Católica, que recebia raparigas estudantes,<br />

87


e que haveria de marcar definitivamente a sua formação<br />

humana e todo o seu rumo futuro. Filiou-se na J.E.C.F.<br />

(Juventude Escolar Católica Feminina), de que foi<br />

presidente. Era querida por todos os colegas, rapazes e<br />

raparigas, e ali granjeou muitas amizades.<br />

Acabou o curso em 1952 e foi sua primeira escola a<br />

escola de Fajão, no Concelho de Pampilhosa da Serra,<br />

onde chegou no dia 10 de Outubro. Esperavam-na 55<br />

alunos, das quatro classes, os quais havia já um ano que<br />

não tinham escola. Esta, era muito pequena e<br />

desaconchegada, mas o seu sonho de professora era<br />

maior. Terminado o ano lectivo, foi a cavalo que<br />

acompanhou os seus alunos e os apresentou a prestar as<br />

provas de exame da IV classe, na Vila da Pampilhosa.<br />

Em Fajão, fundou também uma Secção da J.A.C.F.<br />

(Juventude Agrária Católica Feminina), pois tinha<br />

prometido a si mesma criar, para onde quer que fosse, um<br />

grupo da Acção Católica.<br />

Em 1953-1954, veio para Sepins, no Concelho de<br />

Cantanhede. Nesse ano, a festa de Natal serviu para criar,<br />

na aldeia, uma Conferência Vicentina, destinada à<br />

assistência aos mais pobres. Apresentou, então, os seus<br />

alunos ao exame da IV classe, em Cantanhede, para onde<br />

se deslocou com todos, dessa vez de charrette.<br />

Em Outubro de 1954, ao contrário do que estava<br />

garantido, não voltou a ser lá colocada, mas sim no Seixo<br />

88


de Mira, e assim, sem que ela quisesse, antes bem<br />

contrariada, a providência, pela decisão do Inspector<br />

Neves, a foi aproximando do noivo que havia de<br />

conhecer. No Seixo, já ela era conhecida como “Senhora<br />

da Valeira”, pois ali participara numa actividade da A.C.<br />

(Acção Católica), enquanto dirigente. E foi assim que<br />

conheceu o Tiago, natural do Seixo, então estudante em<br />

Salamanca.<br />

Em 1955, para evitar mais uma vez o Seixo de<br />

Mira, ao qual a prendiam razões inefáveis, efectivou em<br />

Vidual de Cima, Pampilhosa da Serra, vindo a adoecer ao<br />

fim de 15 dias. Depois de o Médico de Cabril<br />

diagnosticar um problema pulmonar, teve de deixar a<br />

escola e voltar à casa de seus pais, para ser seguida por<br />

um especialista. Regressaria em Outubro do ano seguinte,<br />

já totalmente recuperada, para retomar o lugar na escola e<br />

fundar mais um grupo de A.C. Não lhe faltou então o<br />

queijo fresco e os peixes do lago da Barragem, que o<br />

Bernardino pescava com uma narsa<br />

No ano seguinte, 1957/1958 até 1959, foi colocada<br />

nas Cochadas, Concelho de Cantanhede, onde começou<br />

também a dar catequese às crianças, para que elas não se<br />

deslocassem à Tocha.<br />

Sempre ligada à A.C. e fazendo parte da sua<br />

Direcção Diocesana, frequentou numerosos cursos que<br />

muito contribuíram para o seu enriquecimento e granjeio<br />

89


de grandes amizades, de norte a sul do país.<br />

Constituiu família em 1959, e foi logo depois<br />

colocada efectiva em Mondim de Basto, no lugar de<br />

Parada de Atei, para onde se deslocava não já a cavalo<br />

nem de charrette, mas de automóvel, depois de tirar a<br />

carta de condução. Na vila de Mondim, dedicou-se<br />

também aos trabalhos da L.A.C.F (Liga Agrária Católica<br />

Feminina) e as amizades foram crescendo.<br />

Pouco depois, acompanhou o marido, colocado na<br />

Câmara de Tábua, e voltou ao Centro do país, para dar<br />

aulas em Covão do Lobo, já com o primeiro filho nos<br />

braços, seguindo-se a escola de Espadanal (Tábua). Ali<br />

viveu com os seus três filhos mais velhos, até obter<br />

transferência para Balsas (Febres), onde os seus filhos<br />

fizeram a primeira escolaridade. Tendo fixado residência<br />

em Ançã, permaneceu naquela escola ao longo de 11<br />

anos, tendo colaborado também na docência das recémcriadas<br />

5ª e 6ª classes e, posteriormente, na chamada<br />

Telescola, em que leccionou Português, Francês e<br />

História.<br />

Passou então para o lugar da Granja (de Ançã) até<br />

conseguir vaga na escola da sua terra natal, situada<br />

mesmo em frente de sua casa. Em Ançã trabalhou<br />

durante 15 anos, até à sua aposentação, quando perfez 60<br />

anos de idade e 40 de serviço.<br />

Entretanto, fora inúmeras vezes solicitada para a<br />

90


ealização de exames da IV classe, da 5ª e da 6ª. Foi<br />

membro de Júri em Coimbra, Cantanhede, Figueira da<br />

Foz, tendo também participado na elaboração das provas<br />

de exame.<br />

Manteve sempre boa relação com os seus colegas,<br />

alunos e suas famílias. Foi com enorme surpresa e<br />

consolação que recebeu, há quatro anos, a visita de um<br />

aluno que o fora há 50 anos, na escola de Fajão, e a quem<br />

nunca mais vira, o qual partiu de Lisboa, onde reside, a<br />

fim de procurar a sua professora da 1ª classe.<br />

Presentemente, aposentada há 17 anos, a sua vida<br />

tem sido de doação aos seus cinco filhos, quatro noras e<br />

genros e 18 netos (à espera do 19º). Muda fraldas, dá<br />

biberons e papas, ensina as primeiras letras e acompanha<br />

os maiorzitos na realização dos TPC’s. Por sua mão,<br />

todos aprenderam a ler, antes de entrar na escola.<br />

Manteve-se sempre ligada à A.C.R., movimento a<br />

que ainda pertence, e distribui mensalmente mais de uma<br />

centena de jornais deste movimento: o Mundo Rural.<br />

Continua a viver para todos e afirma só se sentir bem<br />

quando a todos vê à sua volta. Ajudam muito a manter<br />

esta cadeia de amor, que a todos une, afirma, as refeições<br />

em conjunto, com todos os filhos e netos, ao Domingo e<br />

dias de festa. “Em tudo, amar e servir”. É servindo que se<br />

sente feliz.<br />

91


Friso de sete netas.<br />

Agosto de 2009.


José Carlos Lopes de Miranda<br />

Nasceu em Coimbra, em 1961 (3 de Junho).<br />

Natural do Seixo de Mira por parte do pai, e de Ançã, por<br />

parte da mãe e da pia baptismal, foi criado numa família<br />

em que coabitaram por opção as três <strong>gera</strong>ções.<br />

Beneficiou, por isso, da dedicação dos avós e da<br />

Catarina, jovem afilhada deles. Obteve Diploma da IV<br />

classe, na Escola de Balsas (Freguesia de Febres), onde<br />

era professora sua mãe, pela mão do Professor José<br />

Manuel Barreira.<br />

Por essa altura teve a oportunidade de uma preciosa<br />

iniciação ao solfejo com o Maestro Artur Salguinho, que<br />

regia do seu leito de paraplégico os aprendizes da Banda<br />

Phylarmonica de Ançã. Entre 1971 e 1976, assentou<br />

praça no Colégio Apostólico da Imaculada Conceição<br />

(Cernache), da Companhia de Jesus, seguido ano após<br />

ano, para gáudio comum, pelos dois irmãos, juntamente<br />

com quem já se habituara, entre outras coisas, a cantar a<br />

vozes. Além da formatação estatal obrigatória, iniciou-se<br />

nos três primeiros anos, por mão de generosos Mestres, à<br />

93


Religião Verdadeira, à Literatura, ao Teatro, à Música, e,<br />

posto que a contragosto, ao desporto. Nos dois últimos<br />

anos, Calderón de la Barca deu lugar a sketches e a<br />

Música Sacra foi trocada por rapaziadas, de sorte que<br />

cedo se habitou à falácia do sucesso fácil da guitarra e da<br />

pastoral de superfície (os então ditos “irmãos Miranda”<br />

cantavam nos Festivais do Colégio e animavam o que<br />

fosse preciso mas só fizeram algo de jeito quando<br />

começaram a estudar e integraram as duas manas<br />

entretanto crescidas).<br />

Todavia, a sombra benfazeja dos mestres nunca se<br />

dissipou. De sorte que, após os estudos secundários na<br />

nova escola de Cantanhede - onde aprendeu finalmente<br />

latim - e do Ano Propedêutico na RTP - entrou no<br />

Noviciado da Companhia de Jesus, Ordem a que ficará a<br />

dever grande parte da sua formação superior. Assim, de<br />

1981 a 1986, licenciou-se em Filosofia e Humanidades<br />

Clássicas, na Pontifícia Faculdade de Filosofia de Braga.<br />

Ao mesmo tempo, por providencial impulso de um dos<br />

seus antigos mestres de Cernache, então a lançar os<br />

fundamentos do CCM (um Conservatório regional no<br />

Colégio das Caldinhas) – e graciosamente preparado por<br />

uma colega de Filosofia que aí então ensinava Solfa –<br />

propôs-se como externo ao exame do 2º ano do<br />

Conservatório do Porto. Pôde assim frequentar e concluir<br />

94


no CCM os Cursos Gerais de Canto e Composição.<br />

Como por essa altura também os irmãos e as irmãs<br />

estudassem música e se andassem “da lei do sucesso<br />

libertando”, começa com eles a subir além do fado.<br />

Datam por isso de Braga os primeiros concertos<br />

polifónicos dos “irmãos Miranda”.<br />

Leccionou de seguida, em Lisboa, todos os níveis<br />

da disciplina de Religião no Colégio de S. João Brito,<br />

concluindo paralelamente, em 1988, o Curso Superior do<br />

Conservatório Nacional (disciplina nuclear-Canto). Em<br />

Roma de 1988 a 1996, licenciou-se em Teologia (Univ.<br />

Gregoriana, Roma, 1991 e Univ. Lateranense Roma,<br />

1993) com vista à ordenação sacerdotal e concluiu o II<br />

Ciclo em Letras e Ciências Patrísticas pelo Instituto<br />

Patrístico Augustinianum, em 1996, com uma Tese sobre<br />

Orósio de Braga (séc. V).<br />

Ao mesmo tempo, leccionou sucessivamente<br />

Literatura Portuguesa, Introdução à Política e Francês na<br />

Escola Portuguesa de Roma, bem como um Curso<br />

Propedêutico de Latim na Faculdade de História<br />

Eclesiástica da Univ. Gregoriana (1993-94). Ainda em<br />

Roma, exerceu paralelamente uma regular actividade<br />

concertística e discográfica, quer como barítono solista<br />

ou director de coro, quer como membro da Capela<br />

Musical Pontifícia (Sistina, 1990 – 96).<br />

95


Além da assídua dedicação apostólica nos campos<br />

de férias e em numerosas iniciativas pastorais, próprias<br />

ou dos Superiores, as outrora longas férias de verão<br />

permitiam, por essa época, uma plena reconstituição<br />

familiar. O certo é que o costume de cantar juntos acabou<br />

por ter de se ritualizar com cadência anual, até aos dias<br />

de hoje.<br />

De 1996 a 98, foi Assistente do Centro de Estudos<br />

Clássicos da Faculdade de Filosofia de Braga, onde<br />

leccionou o Curso Propedêutico de Latim e regeu a<br />

cadeira de Latim I.<br />

Em 1996, iniciou também uma assídua colaboração<br />

com o Astra Opera Theater e com o University Center of<br />

Gozo, Malta, aonde se deslocou com frequência<br />

trimestral, quer para conferências e master classes, quer<br />

para produções de ópera, recitais e gravações.<br />

Regressado a Roma, integrou diversos complexos vocais<br />

e instrumentais (salientando-se, além da Cappella<br />

Sistina, o Coro e Orquestra da Accademia di Stª Cecilia)<br />

e efectuou digressões concertísticas na Europa, nas<br />

Américas e na Ásia.<br />

Em 1999, alcançada do Papa João Paulo II a<br />

dispensa das obrigações conexas com as sagradas ordens,<br />

celebrou o sétimo sacramento com Maria Florbela da<br />

Silva Rosa Baptista, jovem professora de Física então na<br />

96


Póvoa de Lanhoso e formadora assídua dos Jovens da<br />

Mensagem de Fátima. Deu-lhes Deus até hoje cinco<br />

filhos, sendo vivos três, todos meninas, baptizadas com<br />

os nomes de Aurora, Ana Lizete e Margarida.<br />

Em 2000, integrou, na qualidade de consultor para<br />

os textos latinos, uma equipa de bolseiros da Comissão<br />

Nacional dos Descobrimentos no Arquivo Secreto<br />

Vaticano para a inventariação da documentação relativa a<br />

Portugal e ao seu Padroado. Ainda em 2000, foi bolseiro<br />

da FCT no Instituto Patrístico Augustinianum, onde<br />

concluiu o Doutoramento, em 2003, com uma tese sobre<br />

o confronto e interacção entre os modelos socio-políticos<br />

pagão e cristão, em Tertuliano (séc. II – III).<br />

Em Portugal desde então, leccionou, até 2007,<br />

Canto e Classe de Conjunto no CCM das Caldas da<br />

Saúde, onde, além de dirigir o Coro de Câmara Manuel<br />

Faria, participou como Barítono solista nas suas<br />

produções de Ópera.<br />

Actualmente é docente da Faculdade de Ciências<br />

Sociais do Centro Regional de Braga da UCP. Dirige<br />

ainda a Capela Musical de Santa Cruz (Braga), dedicada<br />

ao Canto Gregoriano e à liturgia dominical, no pouco<br />

tempo que lhe sobra das gratificantes ocupações de pai e<br />

de “marido de professora”, de cuja síndrome já padece<br />

em grau moderado. Entre os seus mais importantes<br />

97


contributos à edificação da sociedade, gaba-se hoje de,<br />

nos longos tempos de motorista escolar, ensinar as filhas<br />

em rezar.<br />

98


Tiago Afonso Lopes de Miranda<br />

Esboço biográfico<br />

É o segundo dos filhos de Tiago da Rocha Miranda<br />

e de Maria Lizette Carlos Lopes da Rocha Miranda, neto<br />

paterno de Afonso de Miranda Catarino (Seixo de Mira)<br />

e de Albina de Jesus Rocha e materno de José Carlos da<br />

Costa e de Maria Aurora Lopes (Ançã).<br />

Nascido a 20/8/1962, em Coimbra, Freguesia da Sé<br />

Nova, na hoje Maternidade Bissaya Barreto, viveu a<br />

primeira Infância na Vila de Ançã, hoje concelho de<br />

Cantanhede, mas frequentou e completou o ensino<br />

primário na Escola Primária de Balsas, freguesia de<br />

Febres, concelho de Cantanhede, onde a mãe leccionava.<br />

Em Ançã fez os primeiros estudos musicais com o<br />

Mestre Artur Salguinho, com quem aprendeu solfejo e os<br />

primeiros rudimentos de Violino.<br />

Dos pais e avós e do pároco de então, Álvaro de seu<br />

nome, mas por todos tratado por Senhor Arcipreste,<br />

recebeu a Fé e o catecismo católicos.<br />

99


Os então chamados ciclo preparatório e curso <strong>gera</strong>l<br />

dos liceus fê-los como aluno interno do Colégio<br />

Apostólico da Imaculada Conceição (CAIC), da<br />

Companhia de Jesus, em Cernache, Coimbra, entre 1972<br />

e 1977. Aqui lhe foram ministradas sólidas instrução e<br />

educação, inclusivamente, tanto quanto o permitiram<br />

tempos conturbados do PREC e de alguma desorientação<br />

pós conciliar, a catequese e a piedade necessárias a um<br />

desenvolvimento humano integral. Também foi aqui que<br />

com os dois irmãos, a estímulo de professores e colegas<br />

mais velhos, começou a cantar polifonias clássicas<br />

ligeiras, sacras e profanas, no grupo de rapazes cantores<br />

do Colégio e num anual festival da canção que ali se<br />

organizava.<br />

O curso complementar dos liceus foi obtido na<br />

então recentemente fundada Escola Secundária de<br />

Cantanhede, na secção de Letras.<br />

Em 1985 conclui a licenciatura em Direito pela<br />

Universidade de Coimbra. Na passagem pela<br />

Universidade, foi determinante no seu desenvolvimento<br />

integral a frequência do Centro Universitário Manuel da<br />

Nóbrega e a estreita convivência com jesuítas como os<br />

Padres António Vaz Pinto, Alberto Teixeira de Brito,<br />

Vasco Pinto de Magalhães e Luís Rocha e Melo. Com<br />

eles aprendeu o que se pode chamar o nível universitário<br />

100


da catequese e conheceu os Exercício Espirituais de<br />

Santo Inácio de Loiola: uma relação pessoal com Jesus<br />

Cristo e uma visão do mundo e do nosso lugar nele,<br />

mediante a qual todas as contradições são superadas e<br />

descansamos, enfim, no Único Sentido que é Deus.<br />

No verão participou e animou campos de férias para<br />

adolescentes, ligados aos Jesuítas, inicialmente na<br />

associação “Mocanfe”, depois na “Camptil”, de que foi<br />

sócio fundador.<br />

Paralelamente aos estudos universitários frequentou<br />

o Conservatório Regional de Coimbra, onde obteve<br />

aprovação no então quarto ano de formação musical e do<br />

curso de violino.<br />

Em Novembro de 1985 tomou posse como<br />

assistente estagiário na Universidade da Beira Interior,<br />

então Instituto Universitário da Beira interior, onde<br />

leccionou as disciplinas de Direito do <strong>Tr</strong>abalho e Direito<br />

Fiscal.<br />

Em Outubro de 1986 deu entrada no Centro de<br />

Estudos Judiciários e em 1989, tendo optado pela<br />

Magistratura do Ministério Público, tomou posse como<br />

Procurador Adjunto, em Penacova. Em Setembro de<br />

2002 foi promovido a Procurador da República e em<br />

Outubro de 2008 abandonou a magistratura do<br />

Magistério Público para ingressar, por concurso, na<br />

101


Magistratura Judicial dos <strong>Tr</strong>ibunais Administrativos e<br />

Fiscais. Presentemente é juiz de Direito do <strong>Tr</strong>ibunal<br />

Administrativo e Fiscal de Coimbra.<br />

Em 20 de Setembro de 1986, contraiu matrimónio<br />

com Maria Manuela dos Santos Gonçalves de Miranda,<br />

licenciada em Filosofia e então, como hoje, professora de<br />

religião e moral católicas na Escola Secundária de<br />

Cantanhede, estabelecendo residência em Ançã. Foi o<br />

matrimónio abençoado com seis filhos. Maria Cecília:<br />

nasceu em 27/6/1987, estuda medicina dentária na<br />

faculdade respectiva da Universidade do Porto (4º ano).<br />

Fez também estudos musicais, tendo concluído o curso<br />

de Formação Musical do conservatório e o 5º grau de<br />

Piano. Dá catequese na paróquia de Ançã. Maria Beatriz:<br />

nasceu em 6/8/1988, estuda Direito na Universidade de<br />

Coimbra (4º ano). Obteve o 8º grau do curso de Violino<br />

do Conservatório de Música de Coimbra. Dá catequese<br />

na paróquia de Ançã. José Carlos: nasceu em 5/10/1990,<br />

estuda Engenharia Informática na Universidade de<br />

Coimbra (segundo ano). Completou o 5º grau de<br />

formação musical e estudou violino e canto no<br />

conservatório de Música de Coimbra. Maria Isabel:<br />

nasceu em 25/5/1993 e, tal como os irmãos, a seu tempo,<br />

frequenta o 11º ano no CAIC (cf. supra). Frequenta ainda<br />

o 5º ano do curso de violoncelo do conservatório de<br />

102


música de Coimbra. Integra o Grupo de Animação<br />

Pastoral (GRAPA) do Colégio. Dá catequese na paróquia<br />

de Ançã. Pedro Carlos: Frequenta o 9º ano de<br />

escolaridade no CAIC e o 5º grau do curso de Piano no<br />

Conservatório Regional de Coimbra. Integra o Grupo de<br />

Animação Pastoral. Maria Madalena: nasceu em<br />

30/9/2002, frequenta a escola básica de Ançã (2º ano) e a<br />

classe de violino da Academia de Música de Ançã.<br />

É associado e integrou os órgãos sociais da Real<br />

Associação de Coimbra, movimento monárquico<br />

apartidário com sede em Coimbra. Com os quatro irmãos<br />

e um cunhado, Isaías Hipólito, e os seus quatro filhos<br />

mais velhos integra o grupo vocal Ançãble. Em 1998 e<br />

em 2007 foi mandatário nacional do grupo de cidadãos<br />

denominado “Aborto a Pedido, Não” constituído com<br />

vista á defesa do não nos referendos sobre a legalização<br />

do aborto. É sócio fundador e integra a direcção da<br />

“Associação de Defesa e Apoio da Vida de Coimbra<br />

ADAV – Coimbra”, que desde 1999 apoia grávidas e<br />

mães e pais em dificuldade, na ordem dos mais de<br />

trezentos casos anuais. Na paróquia de Ançã, integra o<br />

conselho económico e o conselho pastoral e ensaia o coro<br />

litúrgico da Igreja Matriz, fundado algures por 1980 pelo<br />

hoje Padre Pedro Carlos Lopes de Miranda. Em 2003,<br />

numa iniciativa partilhada por todos os irmãos e cunhado<br />

103


Isaías Hipólito, que o Padre Dr. Manuel de Jesus, pároco<br />

há mais de trinta anos e grande amigo, esclarecidamente<br />

apoiou e possibilitou, foi importado da Alemanha e<br />

montado no coro alto da mesma Igreja um Órgão de<br />

Tubos, instrumento de 13 registos, dois teclados e<br />

pedaleira, único no distrito de Coimbra.<br />

104


Pedro Carlos Lopes de Miranda<br />

Esboço biográfico<br />

Nasceu em 17 de Maio de 1964, terceiro filho de<br />

Tiago da Rocha Miranda e de Maria Lizette Carlos Lopes<br />

da Rocha Miranda. De 1970 a 1975.Fez o ensino<br />

primário e a então 5ª classe, na Escola Primária de<br />

Balsas, freguesia de Febres, onde a mãe leccionava.<br />

Desde o então 2º ano do ciclo até ao 9º ano de<br />

escolaridade, de 1975 a 1979, estudou no Colégio<br />

Apostólico da Imaculada Conceição, da Companhia de<br />

Jesus, em Cernache dos Alhos.<br />

Os 10º e 11º anos, 1979-81, fê-los na Escola<br />

Secundária de Cantanhede, na área de Humanidades, e o<br />

12º ano, 1981-82, na Escola Secundária José Falcão, em<br />

Coimbra.<br />

De 1982 a 1986 frequentou e obteve a Licenciatura<br />

em História da Arte, na Faculdade de Letras da<br />

Universidade de Coimbra. Ao longo destes sete anos<br />

desenvolveu intensa actividade na paróquia de Ançã,<br />

quer como catequista, quer como colaborador do Coro,<br />

105


sobretudo como organista, cuja habilitação tinha<br />

desenvolvido no Colégio Apostólico da Imaculada<br />

Conceição. Na Pastoral Universitária, conheceu e foi<br />

colaborador próximo dos jesuítas do Centro Universitário<br />

P e . Manuel da Nóbrega.<br />

Entretanto, desde 1981, desenvolvia estudos<br />

musicais, mais especificamente o curso de Flauta<br />

<strong>Tr</strong>ansversal, sucessivamente no Conservatório Regional<br />

de Coimbra, na Escola de Música de Coimbra e no<br />

Conservatório de Música de Coimbra, onde completou o<br />

então chamado Curso Completo de Flauta <strong>Tr</strong>ansversal<br />

com Bernard Ravel-Chapuis, em 1987. De 1981 a 1985<br />

foi elemento da banda da Sociedade Filarmónica<br />

Ançanense. Em 1986 foi convidado para leccionar Flauta<br />

<strong>Tr</strong>ansversal, História da Música e Classe de Conjunto, no<br />

Conservatório de Música de Coimbra: nessa leccionação<br />

se manteve até 1989, ao mesmo tempo que frequentava,<br />

na nascente Escola Superior de Música de Lisboa, a nova<br />

Licenciatura em Flauta <strong>Tr</strong>ansversal, tendo estudado com<br />

Carlos Franco, Ricardo Ramalho, Olga Pratz, Álvaro<br />

Salazar, Amílcar Vasques Dias, entre outros.<br />

Em 1988 fez também um curso de verão de<br />

iniciação à direcção coral com José Robert.<br />

Durante aqueles três anos de actividade como<br />

músico profissional, foi elemento do Grupo de<br />

106


Instrumentos de Sopro de Coimbra, dirigido pelo Prof.<br />

Adelino Martins, com o qual realizou numerosos<br />

concertos em Portugal, Bélgica e Polónia. Como solista,<br />

realizou também vários concertos, despedindo-se dessa<br />

actividade com um concerto em Agosto de 1989, a<br />

convite da Câmara Municipal de Coimbra, com o pianista<br />

Jorge Ly, na Fundação Bissaia Barreto.<br />

Em 1989 entrou para o Seminário Maior de<br />

Coimbra e para o correspondente estudo de Teologia,<br />

cuja licenciatura pela Universidade Católica terminou em<br />

1996, com uma tese subordinada ao tema A problemática<br />

teológica da religiosidade popular: um caso prático de<br />

teologia da religião e das religiões.<br />

Em 1995 foi ordenado presbítero e incardinado na<br />

diocese de Coimbra. Desde então foi sucessivamente<br />

pároco de Serpins (1995-96), Midões, Covas e Candosa<br />

(1996-99), Pedrógão Grande, Graça e Vila Facaia (1999-<br />

2005) e, desde 2005, de Penela, Espinhal, Podentes e<br />

Rabaçal.<br />

Entre 1992 e 1995, completou o I Curso Nacional<br />

de Música Sacra, sob a presidência do Con. Ferreira dos<br />

Santos, onde estudou direcção coral com Hubert Velten,<br />

da Escola Superior de Musica Sacra de Regensburg.<br />

Desde 1991, ano da fundação da Escola Diocesana<br />

de Música Sacra de Coimbra, desenvolve actividade<br />

107


lectiva nas áreas de Formação Musical, Harmonia,<br />

Direcção Coral e Canto Coral.<br />

Desde 1989 mais sistematicamente, dirige o grupo<br />

vocal Ançãble, com o qual tem desenvolvido uma intensa<br />

actividade de recolha, transcrição e execução, em<br />

primeira audição moderna, de música sacra portuguesa,<br />

desde o séc. XVI ao XVIII, em numerosos arquivos<br />

eclesiásticos e públicos de Portugal e Itália. Entre os<br />

compositores beneficiários desta actividade contam-se D.<br />

Francisco de Stª Maria (†1597), D. Pedro de Cristo<br />

(†1618), Henrique Carlos Correia (1680- ), Carlos Seixas<br />

(cujo catálogo acrescentou já de uma obra vocal sacra),<br />

João Rodrigues Esteves (c. 1700- ) Francisco António de<br />

Almeida (c. 1702- ), António Teixeira (1707- ). O mesmo<br />

grupo vocal Ançãble permite-lhe ainda desenvolver uma<br />

discreta mas persistente actividade de compositor, que se<br />

pode conhecer sobretudo através da discografia do<br />

Ançãble, mas também na Revista da Academia<br />

Martiniana.<br />

Em 2001 obteve o grau de Mestre em Ciências<br />

Musicais na Faculdade de Letras da Universidade de<br />

Coimbra com uma tese intitulada D. Francisco de Santa<br />

Maria: Cantor-Mor de Santa Cruz de Coimbra.<br />

Desde 2002 foi-lhe cometida a catalogação dos<br />

manuscritos musicais do Arquivo do Seminário das<br />

108


Missões de Cernache do Bonjardim, trabalho que se<br />

encontra muito próximo de terminar.<br />

Os seus trabalhos científicos, distribuídos pelas<br />

áreas da Teologia e Musicologia, encontram-se dispersos<br />

pela Revista Brotéria, Estudos (CADC), Estudos<br />

Teológicos (do Instituto Superior de Estudos Teológicos<br />

de Coimbra), Pastoral Catequética: revista de catequese<br />

e educação, e ainda por algumas Actas de Congressos.<br />

Neste momento, a sua actividade, tipicamente de<br />

padre, reparte-se entre: pároco de Penela e seu termo,<br />

vigário episcopal da Região Pastoral Sul da Diocese de<br />

Coimbra, professor na Escola Diocesana de Música<br />

Sacra, professor de Arqueologia e Arte Cristã no Instituto<br />

Superior de Estudos Teológicos, formador para a música<br />

litúrgica do Seminário Maior de Coimbra, professor de<br />

História das Formas Musicais Sacras no Curso Nacional<br />

de Música Sacra e, a partir deste ano lectivo, estudante de<br />

Direito Canónico na Universidade Pontifícia de<br />

Salamanca, ao serviço da diocese.<br />

109


Maria Margarida Lopes de Miranda<br />

Esboço Biográfico<br />

Nasceu em 09 de Junho de 1966 e é a quarta filha<br />

de M.ª Lizette Carlos Lopes da Rocha Miranda e de<br />

Tiago da Rocha Miranda. Constituiu família a 15 de<br />

Fevereiro de 1997 com Isaías Alfredo Fragoso dos<br />

Santos Hipólito e hoje é mãe de 5 filhos, baptizados com<br />

o nome de António Carlos (de 11 anos), Francisco Marto<br />

(9 anos), Maria do Rosário (Rosarinho, de 6 anos), Maria<br />

Irene (de 4 anos) e um Benjamim, sobre cujo nome ainda<br />

não há acordo e cujo nascimento se aguarda para<br />

Fevereiro próximo.<br />

Após um período de leccionação, de cerca de três<br />

anos, como Assistente Estagiária, na Faculdade de Letras<br />

da Universidade do Porto, passou a residir em Ançã e<br />

presentemente é Professora Associada da Faculdade de<br />

Letras da Universidade de Coimbra, onde ensina há cerca<br />

de 16 anos, na área dos Estudos Clássicos.<br />

Fez a instrução primária na escola de Balsas<br />

(Febres) onde a mãe, de quem também foi aluna,<br />

110


leccionava. Nos dois anos seguintes, já em Ançã,<br />

frequentou o ensino particular em casa da Srª. D.ª Maria<br />

Luísa de Matos Roseira Campos, tendo feito assim o<br />

“Ciclo Preparatório”. Frequentou depois a Escola<br />

Secundária de Cantanhede (do 7º ao 11º ano), onde foi<br />

membro da Associação de Estudantes. No 12º ano<br />

transitou para Coimbra, para a Escola Secundária José<br />

Falcão, para poder continuar os estudos da área de<br />

Humanidades que escolhera, ao mesmo tempo que<br />

iniciava os estudos no Conservatório de Coimbra, na<br />

classe da Canto, vindo a obter, em 1988, o 1º lugar<br />

naquela classe, nas provas regionais do Concurso<br />

Nacional da Juventude Musical Portuguesa.<br />

Ao longo daqueles anos, frequentou ainda as<br />

actividades oferecidas pelo Clube dos Arcos, onde não só<br />

aprofundou a sua formação humana e cristã, como pode<br />

viajar, alargar o número de amigos e desenvolver talentos<br />

(ali representou Gil Vicente pela primeira vez, por<br />

exemplo, descobriu que tinha uma voz para cantar…).<br />

Ao mesmo tempo, colaborava na paróquia, nas<br />

actividades de catequese, nos serviços musicais litúrgicos<br />

e na organização de Campos de Férias.<br />

Em 1984, ingressou na Faculdade de Letras da<br />

Universidade de Coimbra e em 1988 concluiu a<br />

licenciatura em Estudos Clássicos e Portugueses, sendo<br />

111


distinguida com uma viagem de estudo a Roma,<br />

oferecida pela União Latina. O Mestrado, em 1992, e o<br />

doutoramento em Literatura Latina do Renascimento, em<br />

2002, fê-los na mesma Universidade, sob orientação do<br />

Senhor Professor Américo Costa Ramalho, a quem deve<br />

o interesse pelo Humanismo português.<br />

O início da actividade profissional na Faculdade de<br />

Letras do Porto, em 1989 (após três meses de aulas de<br />

Português na Escola Secundária Jaime Cortesão, em<br />

Coimbra), fê-la cruzar-se de perto com homens de valor<br />

como o Padre João Abranches S. J. (†2000) e o Padre<br />

João Cabral S. J., cujo encontro foi fundamental para<br />

abrir horizontes ao seu desenvolvimento integral. Com<br />

este último (o P. João Cabral), acompanhou a fundação e<br />

os primeiros anos de actividades do CREU no Porto.<br />

Em 1996-1997 e 1998-1999 foi bolseira da<br />

Fundação Calouste Gulbenkian e permaneceu em Roma<br />

onde, acolhida pelo Instituto Português de Santo António,<br />

desenvolveu a sua investigação com vista ao<br />

doutoramento e aperfeiçoou estudos vocais com o<br />

Maestro Marcos Pavan, tendo também tido oportunidade<br />

de participar, como solista, em diversos recitais de<br />

música barroca.<br />

É membro do Grupo Vocal Ançã-ble, que há cerca<br />

de 20 anos se tem dedicado regularmente à polifonia<br />

112


clássica portuguesa do período áureo, tendo já publicado<br />

diversos CD’s e realizado inúmeros recitais, em Portugal,<br />

Espanha, Itália, e Brasil.<br />

É sócia da Real Associação de Coimbra<br />

(movimento monárquico apartidário), da “Associação de<br />

Defesa e Apoio da Vida” de Coimbra (ADAV) e do<br />

C.A.D.C., de cuja Direcção fez parte em 2007-2009.<br />

Na FLUC, foi secretária e presidente da Comissão<br />

Científica de Grupo de Estudos Clássicos, secretária do<br />

Instituto de Estudos Clássicos e membro da Comissão<br />

Coordenadora do Conselho Científico. Actualmente,<br />

pertence à Direcção da Associação Portuguesa de<br />

Estudos Clássicos e é membro do Centro de Estudos<br />

Clássicos e Humanísticos.<br />

A sua investigação, em áreas que vão desde a<br />

Antiguidade Clássica até ao Humanismo Renascentista<br />

em Portugal, tem conduzido à apresentação de numerosas<br />

conferências e publicações. Além de diversos títulos<br />

publicados em revistas nacionais e internacionais, em<br />

Actas de Congressos, bem como em livros de autoria<br />

colectiva, publicou ainda alguns livros, de que se<br />

salientam os seguintes títulos: Teatro nos Colégios dos<br />

Jesuítas. Lisboa: FCG, 2006; Latineuropa. Latim e<br />

cultura neolatina no processo de construção da<br />

identidade europeia. (Coord. Nair Castro Soares,<br />

113


Margarida Miranda e Carlota M. Urbano), Coimbra,<br />

2008; Código Pedagógico dos Jesuítas. Ratio Studiorum<br />

da Companhia de Jesus – Regime escolar e Curriculum<br />

de estudos. Edição bilingue latim-português. Versão<br />

portuguesa de Margarida Miranda. Lisboa, Esfera do<br />

Caos, 2009, pp. 290.<br />

114


Carlota Maria Lopes de Miranda Urbano<br />

Esboço biográfico<br />

A mais nova dos cinco irmãos, Carlota Maria Lopes<br />

de Miranda, Urbano por casamento, nasceu no dia 12 de<br />

Agosto de 1969, em Coimbra, e foi baptizada na Igreja<br />

Matriz de Ançã no dia 22 desse mês. Foram seus<br />

padrinhos Maria Irene Corregedor Abegão e José Carlos<br />

<strong>Tr</strong>avassos Relva. Desde a alcofa acompanhou a mãe para<br />

a escola de Balsas (Febres), por isso aí fez parte da<br />

instrução primária, que concluiu na escola de Ançã, com<br />

a professora D.ª Maria Luísa de Matos Roseira Campos.<br />

Foi com a mesma professora que fez o 5º e 6º ano de<br />

escolaridade antes de entrar na Escola Secundária de<br />

Cantanhede, onde estudaria do 7º ao 11º ano.<br />

Na adolescência, pela mão da madrinha, começou a<br />

frequentar campos de férias e actividades formativas da<br />

ACR (Acção Católica Rural), actividades que depois<br />

passou a animar, especialmente com jovens e pré-jovens,<br />

assumindo mais tarde responsabilidades a nível<br />

115


diocesano e nacional. Também na adolescência,<br />

frequentou o Clube dos Arcos, um centro feminino de<br />

formação humana e espiritual e de ocupação de tempos<br />

livres, do Opus Dei, junto aos Arcos do Jardim em<br />

Coimbra, casa onde muito recebeu. Nessa altura<br />

participava anualmente no Festival da Canção ‘Darca’,<br />

em que vários clubes e colégios ligados àquela obra,<br />

apresentavam as suas canções inéditas e originais para<br />

que a canção vencedora representasse Portugal num<br />

Festival similar em Barcelona.<br />

Para fazer as disciplinas de Literatura Portuguesa,<br />

Latim e Grego, a fim de ter acesso ao Curso de Estudos<br />

Clássicos, fez o 12º ano em Coimbra, no Liceu José<br />

Falcão, onde teve como mestres de Latim o Prof. Veiga e<br />

Moura e de Grego, o Prof. Margarido. Nesta altura<br />

começou a frequentar o CUMN (Centro Universitário<br />

Manuel da Nóbrega) casa da Companhia de Jesus, à<br />

altura, na Couraça de Lisboa, onde viria a passar grande<br />

parte do seu tempo de estudante na Universidade. Desses<br />

anos datam a entrada nas CVX (Comunidades de Vida<br />

Cristã, a que pertence até hoje), de que foi animadora e<br />

membro da equipa regional; e as primeiras experiências<br />

de EE (Exercícios Espirituais de St. Inácio). Foi também<br />

animadora do CUMN, serviço em que muito recebeu, no<br />

contacto com variadíssimos estudantes e com pessoas da<br />

116


casa como a doroteia Ir. Bourbon ou os jesuítas Irmãos<br />

Adão e Zé Ribeiro e os padres José Craveiro, Vasco<br />

Magalhães, Alberto Brito, António Amaral, Luís Rocha e<br />

Melo e Dário Pedroso.<br />

Enquanto estudante na Universidade, frequentou o<br />

Conservatório de Música de Coimbra, onde fez estudos<br />

de Formação Musical e de Canto.<br />

Em 1985, na Festa da Senhora das Dores de Vale<br />

de Estêvão (Anadia) conheceu o Miguel (Fernando<br />

Miguel Vidal Urbano), natural de Coimbra, um rapaz de<br />

19 anos, irmão do Tó Zé Urbano, por sua vez grande<br />

amigo do seu irmão Tiago. O Miguel estudava Gestão de<br />

empresas no Porto, fazia EE e também pertencia a uma<br />

CVX.<br />

Em 1991 terminou a licenciatura em Línguas e<br />

Literaturas Clássicas e Portuguesa e começou a trabalhar<br />

como professora de Português na Escola Secundária de<br />

Tábua. Ao mesmo tempo, começou a frequentar o Curso<br />

de Mestrado em Línguas e Literaturas Clássicas. Em<br />

Setembro de 1992, casou com o Miguel Urbano e fixou<br />

residência em Vale de Estêvão. Em Março de 1993,<br />

começou a ensinar na Faculdade de Letras da<br />

Universidade do Porto como assistente estagiária, função<br />

que desempenhou até Abril de 1995. Nesta altura veio<br />

ensinar para Coimbra, como assistente estagiária do<br />

117


Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras.<br />

No dia 17 de Abril de 1996, veio ao mundo o primeiro<br />

filho vivo, José Miguel de Miranda Urbano, baptizado<br />

com o nome de José Miguel da Anunciação de Miranda<br />

Urbano, na Basílica de N. Srª Auxiliadora de Mogofores,<br />

no dia 18 de Maio do mesmo ano. Desta altura data o<br />

início da colaboração do casal com a pastoral familiar, na<br />

paróquia de Mogofores e, mais tarde, no Centro de<br />

Preparação para o Matrimónio do arciprestado da Curia,<br />

equipa em que ainda hoje trabalha.<br />

Ainda em Junho de 1996, defendeu a tese de<br />

Mestrado em Literatura Latina, com a dissertação “ A<br />

oração de Sapiência do Padre Francisco Machado SJ.<br />

1629”, sob a orientação do grande Mestre do Humanismo<br />

Português, o Prof. Doutor Américo Costa Ramalho.<br />

No dia 17 de Abril de 1998, vieram ao mundo o<br />

segundo e terceiro filhos, David Gabriel de Miranda<br />

Urbano e Alberto Rafael de Miranda Urbano, que foram<br />

baptizados na igreja matriz de Ançã no dia 25 de Junho,<br />

dia de S. Tiago e S. Tomé. Entretanto preparava o<br />

doutoramento em Literatura Neolatina, sob orientação do<br />

Prof. Costa Ramalho, com uma dissertação sobre Épica<br />

hagiográfica neolatina no Humanismo Português.<br />

Defendeu a sua dissertação em Julho de 2004 e nesse<br />

mesmo ano viu a luz a sua primeira filha, a 24 de<br />

118


Novembro, Maria de Nazaré Miranda Urbano, que foi<br />

baptizada na igreja matriz de Ançã a 19 de Dezembro.<br />

Desde então mudou residência para Ançã, onde vive<br />

ainda hoje.<br />

No dia de Natal de 2008, nasceu a sua segunda<br />

filha, Maria do Carmo de Miranda Urbano, baptizada na<br />

igreja matriz de Ançã no dia 30 de Janeiro de 2009 com o<br />

nome de Maria do Carmo da Natividade de Miranda<br />

Urbano.<br />

Para além do gratificante serviço do ensino na<br />

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,<br />

desenvolve a sua investigação no âmbito do Centro de<br />

Estudos Clássicos e Humanísticos, sobretudo na Linha de<br />

Estudos Medievais e Renascentistas. Os seus trabalhos e<br />

publicações têm por objecto principal a literatura<br />

neolatina da Companhia de Jesus em Portugal nos séc.<br />

XVI e XVII, com especial relevo para a poesia<br />

hagiográfica, mas também para a oratória, textos que têm<br />

levado o seu estudo a campos como o perfil literário do<br />

herói no séc. XVII, a recepção da cultura clássica, cultura<br />

clássica e cristianismo, espiritualidade inaciana, missões<br />

jesuítas no Japão, martírio e identidade, pedagogia<br />

inaciana, etc…<br />

Conta, ao momento, 40 anos e o seu tempo repartese<br />

entre os deveres profissionais e a difícil missão de,<br />

119


com o Miguel, acompanhar o crescimento dos filhos com<br />

os risos e lágrimas que lhe são naturais, e sobretudo na fé<br />

e esperança de lhes deixar o bem essencial. Nesta missão<br />

educativa incluem também a participação de ambos na<br />

sociedade, quando os movem causas de bem maior e por<br />

elas lutam em família, seja na igreja seja no mundo.<br />

120


Os Avós e os 19 netos.


Ançã-ble versão inicial.


Grupo Vocal Ançã-ble<br />

Apresentação<br />

O Grupo Vocal Ançã-ble, constituído por uma<br />

família de Ançã, (de onde retira o nome pelo qual se<br />

designa, num jogo de palavras que dispensa explicações),<br />

é um conjunto vocal que se tem dedicado à música sacra<br />

portuguesa, com natural incidência sobre o período áureo<br />

da música vocal em Portugal (séculos XVI-XVII,<br />

segundo uma classificação comummente aceite). Tem-se<br />

apresentado em público com uma frequência regular em<br />

Portugal, Espanha, Itália e Brasil. Para além dos seus<br />

regulares encontros com o público, iniciativas o mais das<br />

vezes, de paróquias e autarquias (Coimbra, Braga,<br />

Aveiro, Esposende, Póvoa do Varzim, Monção, <strong>Tr</strong>ofa,<br />

Matosinhos, Alcobaça, Ourém, Lisboa, Fátima, Porto, Stª<br />

Marta de Penaguião, Vila Real, Vilar Formoso,<br />

Cantanhede, Barcelos, Chaves, Anadia, Mondim de<br />

Basto), são também de referir, em particular, duas<br />

antologias de polifonia portuguesa nas Catedrais de Tuy<br />

(1999 e 2000) e Aprilia (Itália, 2005), bem como uma<br />

123


série de concertos temáticos – acompanhados por vezes<br />

das respectivas comunicações científicas – em várias<br />

ocasiões académicas: Edição do Livro Preto do Arquivo<br />

da Universidade de Coimbra (1977), III Centenário da<br />

morte do Pe António Vieira (1998), o duplo congresso<br />

sobre Anchieta (em Coimbra e em S. Paulo, Brasil,<br />

1999), Congresso Internacional sobre Damião de Góis,<br />

com a execução integral da sua obra (Coimbra, 2002),<br />

Sessão Solene de Apresentação da miscelânea de estudos<br />

de homenagem ao Cardeal Saraiva Martins (Roma,<br />

2004), Congresso Internacional sobre o “O órgão e a<br />

Liturgia” (Fátima 2005), Congresso Internacional sobre<br />

“Retórica e Teatro” (Porto, 2007). No Congresso<br />

Internacional sobre “Teatro Jesuítico” (Lisboa, 2004), o<br />

Ançã-ble assumiu ainda a reconstituição, com base numa<br />

parte do cantus (MM 70 da BGUC) da música de cena,<br />

composta com toda a probabilidade por D. Francisco de<br />

Santa Maria, para a tragédia Sedecias, do P. Luís da<br />

Cruz, e para a <strong>Tr</strong>agédia de Acab, de Miguel Venegas<br />

(séc. XVI), bem como a respectiva execução no âmbito<br />

do mesmo Congresso.<br />

Mais fecunda e exigente tem sido, porém, a<br />

actividade desenvolvida pelo Ançã-ble em colaboração<br />

com o Instituto Português de S. António em Roma, onde,<br />

a partir de 1995, tem apresentado, em primeira audição<br />

124


contemporânea, um número conspícuo de composições<br />

inéditas, recolhidas e transcritas pelo seu Director<br />

artístico em arquivos musicais significativos, tais como a<br />

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Biblioteca<br />

Nacional, Arquivo da Sé Patriarcal de Lisboa, Arquivo<br />

Capitular de Viseu, Arquivo do Seminário da Missões de<br />

Cernache de Bonjardim, Arquivo do Instituto de Stº.<br />

António dos Portugueses em Roma, Arquivo Capitular de<br />

Ciudad Rodrigo, Biblioteca Vaticana, Arquivo do Cabido<br />

de S. João de Latrão e Biblioteca do Conservatório de Stª<br />

Cecília, em Roma. Também a divulgação dos actuais e<br />

principais compositores de música sacra portugueses lhe<br />

tem merecido atenção, fazendo parte do seu repertório<br />

obras a si dedicadas pelo compositor bracarense Joaquim<br />

dos Santos.<br />

Da sobredita actividade resultam numerosas<br />

gravações e publicações discográficas: Erreffe, (Roma,<br />

1996), Public-art (Coimbra, 2000 e 2002), a banda<br />

sonora para o CD ROM das Crónicas de D. Manuel e do<br />

Príncipe D. João, de Damião de Góis (edição da<br />

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Fundação<br />

Gulbenkian e Comissão do Congresso Damião de Góis e<br />

o Humanismo Europeu, (1502 – 2002), Lisboa, 2002),<br />

bem como a gravação do concerto que realizou naquele<br />

Congresso, a pretexto da execução integral da obra<br />

125


musical deixada por aquele humanista e músico<br />

português. Também o seu contributo para o Congresso<br />

sobre “Retórica e Teatro” foi gravado com a Public-art<br />

(Coimbra, 2009), constituindo um anexo musical das<br />

respectivas Actas. Mas é sobretudo graças ao mecenato<br />

do Instituto Português de S. António em Roma, que o<br />

Ançã-ble tem podido contar com o registo e publicação<br />

sistemáticos do seu labor musical (IPSAR, Roma, 2000,<br />

2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2009). A Direcção é<br />

de Pedro Miranda.<br />

Ançã-ble. Versão actual.<br />

126


CERTÍSSIMO<br />

Testemunho do Pároco<br />

Sendo-me pedida, pelo Rotary Club de Coimbra,<br />

uma opinião sobre a homenagem que esta Associação<br />

deseja prestar à "Familia Miranda", de Ançã, a primeira<br />

palavra que saltou, à nossa língua, foi esta: certíssimo, à<br />

qual se podem juntar muitas outras, como justíssimo,<br />

muito bem, etc.<br />

Num tempo de tanta injustiça e num tempo em que<br />

a própria justiça parece não se entender, é lindo que uma<br />

associação, como o Rotary de Coimbra, cumprindo os<br />

seus objectivos, tenha decidido homenagear uma família<br />

que, logicamente, possa servir de estímulo para tantas<br />

outras que, também, não se querem deixar arrastar por<br />

"modelos" que, no nosso entender, corroem e destroem a<br />

Família.<br />

Sem querer canonizar ninguém, em vida, nós que<br />

temos o privilégio de conhecer esta Família, há 33 anos,<br />

sabemos parte do caudal de bem que tem construído<br />

nesta bonita terra de Ançã e não só.<br />

Porque ninguém dá o que não tem, a Família<br />

Miranda procurou, sempre fazer a sua vida sob a<br />

orientação dos princípios cristãos e humanos que, nem<br />

modas novas, nem correntes novas, conseguem abalar.<br />

127


São cabeça de Casal os Srs. Dr. Tiago da Rocha<br />

Miranda e D. Maria Lisette Carlos Lopes da Rocha<br />

Miranda. Do seu amor, nasceram três rapazes e duas<br />

raparigas; tendo uma vida económica a que poderíamos<br />

chamar de muito razoável, sensibilizou-nos, à partida, a<br />

forma simples como os filhos, então muito jovens,<br />

vestiam, não porque os meios económicos não<br />

existissem, mas porque parte dos mesmos era investida<br />

na formação extra escolar dos filhos! Todos eles são<br />

excelentes músicos, bons cristãos, abertos à solidariedade<br />

e líderes, na prossecução do bem comum.<br />

Beberam estes princípios no ambiente familiar, mas<br />

não só; quantos cursos, retiros, horas e horas passadas em<br />

encontros de formação crista, em casas da especialidade,<br />

ainda hoje existentes, em Coimbra. Como é evidente,<br />

estas coisas custam dinheiro, mas o Senhor Dr. Tiago e<br />

D. Lisete, sua esposa preferiram investir na formação dos<br />

filhos, de preferência a luxos que, muitas vezes<br />

denunciam pobreza interior.<br />

Como é normal a Família Miranda cresceu e<br />

multiplicou-se: quatro casaram, trazendo para a Família<br />

dois genros e duas noras, também eles e elas gente de<br />

princípios cristãos e de grande humanidade. Amantes da<br />

beleza duma família numerosa, deram à família 18 netos<br />

e véspera de 19. Mas falta um filho! Este, Pe. Dr. Pedro<br />

Miranda, entregou a sua vida a Deus e aos irmãos, no<br />

serviço do Sacerdócio.<br />

Como Pároco de Ançã, tive e tenho a sua melhor<br />

colaboração; por isso os encontro no Conselho de<br />

Pastoral, no Conselho Económico, na Catequese, no<br />

128


Coro, nas Equipas de Casais e, até, quando fui presidente<br />

do Ançã Futebol Clube, tive o Senhor Dr. Tiago como<br />

Presidente da Assembleia Geral.<br />

Embora correndo o risco de alongar estas simples,<br />

mas verdadeiras palavras, não posso deixar de dizer que<br />

D. Lisette, quando sai à rua, é uma verdadeira<br />

conselheira para as inúmeras mulheres que, no cominho,<br />

a interpelam, procurando um conselho, fazendo um<br />

desabafo e, também, dando uma boa notícia.<br />

A sua presença é notável na Acção Católica Rural<br />

(A.C.R.), orientando e apoiando as Militantes.<br />

Só me resta dizer: obrigado Senhor por esta Família<br />

pertencer à minha Paróquia.<br />

129<br />

Pe. Manuel de Jesus


ÍNDICE<br />

Prefácio ………………………………...... 7<br />

Mensagem do Presidente do RI (Dezembro) 9<br />

Mensagem do Governador (Dezembro)….. 11<br />

A família Miranda: unidos pelo exemplo,<br />

sobriedade e amor (entrevista) ……...... 13<br />

Biografias ................................................... 77<br />

Tiago da Rocha Miranda ....................... 79<br />

Maria Lizette Carlos Lopes da Rocha<br />

Miranda ............................................. 85<br />

José Carlos Lopes de Miranda ............... 93<br />

Tiago Afonso Lopes de Miranda ........... 99<br />

Pedro Carlos Lopes de Miranda ............. 105<br />

Maria Margarida Lopes de Miranda ....... 110<br />

Carlota Maria Lopes de Miranda Urbano 115<br />

Grupo vocal Ançã-ble ................................. 123<br />

Certíssimo (testemunho do Pároco) ............ 127<br />

131<br />

Pág.

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