Uma Fam'lia, Tr s gera ›es - Fluir Perene
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Colecção <strong>Fluir</strong> <strong>Perene</strong><br />
Volumes já publicados<br />
N.º 1 José Ribeiro Ferreira, Mitos das Origens<br />
- Rios e Raízes (2008).<br />
N.º 2 Rodolfo Pais Nunes Lopes, Batracomiomaquia:<br />
a Guerra das Rãs e dos Ratos (2008).<br />
N.º 3 Carlos A. Martins de Jesus, A Flauta e<br />
a Lira: Estudos sobre Poesia Grega e Papirologia<br />
(2008).<br />
N.º 4 José Ribeiro Ferreira, Os Sons e os<br />
Silêncios – A Memória, a Culpa, a Valsa (2008).<br />
N.º 5 José Ribeiro Ferreira, Labirinto e<br />
Minotauro - Mito de Ontem e de Hoje (2008).<br />
N.º 6 José Ribeiro Ferreira, Atenta Antena - A<br />
Poesia de Sophia e o Fascínio da Grécia (2008).<br />
N.º 7 Rui Morais, A Colecção de Lucernas<br />
Romanas do Norte de África no Museu D.<br />
Diogo de Sousa (2008).<br />
N.º 8 Armando Nascimento Rosa, Antígona<br />
Gelada (2008).<br />
N.º 9 José Ribeiro Ferreira, Rui Morais, A<br />
Busca da Beleza: Vol. 1 - Arquitectura Grega<br />
(2008).<br />
N.º 10 José Jorge Letria, Os Lugares Cativos<br />
(2009).<br />
N.º 11 José Ribeiro Ferreira, <strong>Tr</strong>ês Mestres<br />
<strong>Tr</strong>ês Lições <strong>Tr</strong>ês Caminhos (2009).<br />
N.º 12 Carlos A. Martins de Jesus,<br />
Anacreontea. Poemas à maneira de Anacreonte<br />
(bilingue) (2009).<br />
N.º 13 José Ribeiro Ferreira, Gaivotas<br />
(2009).<br />
O mês de dezembro é, em <strong>gera</strong>l e também no Movimento Rotário,<br />
dedicado à família. Estamos num mês e numa época do ano – muito<br />
por ser o mês do Natal e sob o efeito do nimbo que parece emergir dos<br />
olhos sorridentes do Menino Jesus e nunca pelo ar comercial, balofo<br />
e adiposo do Pai Natal – em que pairam nas mentes, nos corações,<br />
nas palavras sensações e desejos de paz, concórdia, harmonia,<br />
compreensão.<br />
O Presidente do Rotary Internacional e o Governador do nosso<br />
Distrito Rotário estabeleceram como uma das ênfases homenagear<br />
a família.<br />
Dando cumprimento a este desiderato, procuramos materializar e<br />
corporizar a nossa homenagem numa família que elegeu determinados<br />
valores como norma de conduta para a sua vida, toda ela dedicada<br />
ao serviço dos outros – como vimos um dos grandes lemas de Rotary.<br />
O texto do Pároco da freguesia em que habitam, Ançã, e algumas das<br />
respostas da entrevista elucidam bem essa sua característica.<br />
<strong>Fluir</strong> <strong>Perene</strong><br />
www.fluirperene.com<br />
Colaboração<br />
Associação Portuguesa de<br />
Estudos Clássicos (APEC)<br />
(do Prefácio)<br />
No Fl u i r d a s Co i s a s al g o Pe r m a N e C e<br />
J. a. sa N s ã o Co e l h o<br />
Jo s é ribeiro Fe r r e i r a<br />
No <strong>Fluir</strong> das Coisas<br />
Algo Permanece<br />
<strong>Uma</strong> Família <strong>Tr</strong>ês Gerações<br />
J. A. SA n S ã o Co e l h o<br />
Jo S é Ri b e i R o Fe R R e i R A<br />
Colecção<br />
<strong>Fluir</strong> <strong>Perene</strong>
No fluir das Coisas Algo permanece<br />
<strong>Uma</strong> Família <strong>Tr</strong>ês Gerações
NO FLUIR DAS COISAS<br />
ALGO PERMANECE<br />
UMA FAMÍLIA TRÊS GERAÇÕES<br />
COIMBRA –2009
AUTOR<br />
J. A. Sansão Coelho e José Ribeiro Ferreira<br />
TÍTULO<br />
No <strong>Fluir</strong> das Coisas Algo permanece:<br />
<strong>Uma</strong> Família <strong>Tr</strong>ês Gerações<br />
EDITOR<br />
José Ribeiro Ferreira<br />
CONCEPÇÃO GRÁFICA<br />
<strong>Fluir</strong> <strong>Perene</strong><br />
IMPRESSÃO<br />
Simões & Linhares, Lda.<br />
Av. Fernando Namora, nº 83 - Loja 4<br />
3030-185 Coimbra<br />
PEDIDOS<br />
Rotray Club de Coimbra<br />
Rua Dr. Manuel Rodrigues, 1 – 3º Sala F<br />
3000-258 COIMBRA<br />
e<br />
Associação Portuguesa de Estudos Clássicos (APEC).<br />
Faculdade de Letras – Universidade de Coimbra<br />
Tel.: 239 859 981 / Fax: 239 836 733<br />
3000-447 COIMBRA<br />
ISBN: 978-989-96078-5-9<br />
Depósito legal: 303877/09
Rotary Club de Coimbra<br />
e<br />
Rotary Club de Coimbra - Santa Clara,<br />
prestam<br />
Rotary Club de Coimbra<br />
Homenagem à Família<br />
e<br />
Rotary Club de Coimbra - Santa Clara,<br />
O prestam FUTURO DO ROTARY<br />
ESTÁ EM SUAS MÃOS<br />
Homenagem à Família<br />
17 de dezembro de 2009<br />
17 de dezembro de 2009
As duas <strong>gera</strong>ções.<br />
Agosto de 2009.
Prefácio<br />
O mês de dezembro é, em <strong>gera</strong>l e também no<br />
Movimento Rotário, dedicado à família. Estamos num<br />
mês e numa época do ano – muito por ser o mês do Natal<br />
e sob o efeito do nimbo que parece emergir dos olhos<br />
sorridentes do Menino Jesus e nunca pelo ar comercial,<br />
balofo e adiposo do Pai Natal – em que pairam nas<br />
mentes, nos corações, nas palavras sensações e desejos<br />
de paz, concórdia, harmonia, compreensão.<br />
Essa compreensão e harmonia aparece simbolizada<br />
na família de Nazaré. Daí a escolha do mês de dezembro.<br />
O Presidente do Rotary Internacional e o<br />
Governador do nosso Distrito Rotário estabeleceram<br />
como uma das ênfases homenagear a família. Mas<br />
alargando o seu âmbito também aos que connosco<br />
convivem e labutam por determinados objectivos e<br />
princípios, como se pode ver na mensagem de Dezembro<br />
que cada um divulgou e que a seguir se transcreve. E, de<br />
facto, além da família particular de cada um, existem as<br />
empresas ou as instituições em que cada um trabalha e<br />
procura fazer progredir. Há também, no que aos clubes<br />
rotários diz respeito, a grande Família Rotária que se<br />
alarga aos três ou quatro milhões de pessoas, se<br />
contarmos cônjuges e filhos. E todos mais ou menos<br />
empenhadamente procuram servir, seguindo o ideal de<br />
Paul Harris de se dar sem pensar em si. Procuram<br />
minorar o sofrimento e carências das crianças, através de<br />
7
campanhas de vacinação contra poliomielite,<br />
Dando cumprimento a este desiderato, procuramos<br />
materializar e corporizar a nossa homenagem numa<br />
família que elegeu determinados valores como norma de<br />
conduta para a sua vida, toda ela dedicada ao serviço dos<br />
outros – como vimos um dos grandes lemas de Rotary. O<br />
texto do Pároco da freguesia em que habitam, Ançã, e<br />
algumas das respostas da entrevista elucidam bem essa<br />
sua característica.<br />
O pequeno opúsculo que publicamos, com as<br />
biografias de pais e filhos e com uma entrevista<br />
conduzido pelo nosso Companheiro Sansão Coelho, a<br />
quem estou sinceramente reconhecido, mostra essa vida<br />
de dedicação e de doação.<br />
A todos os contribuíram para que a publicação<br />
fosse possível nesta data endereço, em nome do Ratary<br />
Club de Coimbra e do Rotary Club de Coimbra – Santa<br />
Clara, os meus sinceros agradecimentos. Devidos em<br />
especial à Doutora Margarida Miranda que, ao coordenar<br />
a nível familiar as respostas e as biografias, quase<br />
poderia ser considerada coautora deste volume.<br />
A todos um feliz Natal, vivido na harmonia e no<br />
calor fraterno da família.<br />
Coimbra, dezembro de 2009<br />
8<br />
José Ribeiro Ferreira
Presidente do Rotary Internacional<br />
Mensagem de Dezembro<br />
Caros Rotários:<br />
Em Dezembro celebramos o Mês da Família<br />
Rotária. Todo rotário faz parte desta família, que na<br />
realidade é muito maior que 1,2 milhão de pessoas. Esta<br />
família inclui todo homem, mulher e criança ligados ao<br />
nosso trabalho, como os cônjuges e filhos dos associados,<br />
os participantes e ex-participantes de programas da<br />
Fundação e as centenas de milhares de pessoas quem têm<br />
contacto com nossas iniciativas.<br />
Os jovens de nossa família estão nos Interact e<br />
Rotaract Clubes, nos seminários RYLA, nas Bolsas<br />
Educacionais e no Intercâmbio de Jovens. Assim como<br />
em qualquer família, eles são a esperança de um futuro<br />
promissor. Desejo que eles se tornem rotários no futuro,<br />
mas já basta saber que hoje o Rotary faz parte da vida<br />
deles.<br />
Estou casado com minha esposa June por mais de<br />
40 anos, quase a mesma quantidade de tempo que sou<br />
rotário. As mulheres não podiam entrar no Rotary<br />
naquela época, entretanto, a June tem sido parte da<br />
família rotária desde o primeiro dia em que pus os pés no<br />
Rotary Club de Grangemouth. Meu trabalho no Rotary<br />
tem exigido muito de nós desde então, mas a verdade é<br />
9
que o que recebemos em troca vale muito mais do que o<br />
que demos.<br />
Acredito que a associação a um Rotary Club pode e<br />
deve melhorar nossos lares. Conforme nos concentramos<br />
em atrair mais jovens qualificados a nossas fileiras,<br />
devemos nos lembrar que hoje em dia as pessoas estão<br />
mais e mais tendo que equilibrar trabalho e família.<br />
Assim, o Rotary deve somar à vida da pessoa, e não<br />
competir com suas outras responsabilidades. Se<br />
marcarmos reuniões rotárias que não coincidam com o<br />
trabalho das pessoas e convidar os familiares dos<br />
associados a nossas actividades sempre que possível,<br />
estaremos contribuindo para que todo núcleo familiar<br />
faça parte da grande família rotária.<br />
Todo clube deve oferecer uma interacção<br />
equilibrada entre família, trabalho e Rotary. Somente se<br />
trabalharmos juntos, como família, é que o Rotary irá<br />
crescer e ser ainda mais forte no futuro.<br />
John Kenny<br />
Presidente, Rotary International<br />
10
Mensagem de Dezembro do Governador<br />
Caros(as) companheiro(as)<br />
Em Dezembro celebramos o Mês da Família<br />
Rotária. Somos uma família muito numerosa, pois agrega<br />
os rotários de todo o mundo e todos aqueles que<br />
connosco trabalham no sentido de cumprir o objectivo de<br />
rotary, apoiar todos os que necessitam de ajuda, estejam<br />
onde estiverem, professem que religião professarem,<br />
sejam de que cor forem.<br />
São também parte integrante da nossa família todos<br />
os que já participaram em programas de rotary, os que já<br />
se associaram a nós na implementação de projectos,<br />
enfim, somos muitos mais do que a soma do número de<br />
sócios dos clubes de todo o mundo.<br />
O facto de sermos muitos, cria-nos dificuldades<br />
pois, por vezes, não é fácil conciliar as opiniões de todos.<br />
No entanto esta diversidade de pensamentos permite que<br />
haja sempre algum de nós disponível para levar a cabo as<br />
tarefas a que rotary se propôs.<br />
É minha opinião que se os rotários tiverem uma<br />
família bem estruturada, transportarão para o interior dos<br />
11
seus clubes o espírito de família e estes constituirão um<br />
pólo aglutinador de todos os que o compõem incluindo os<br />
respectivos familiares. Rotary tem que ser uma família.<br />
Só assim conseguirá compreender os problemas de quem<br />
não tem casa, comida, acesso à saúde, água potável,<br />
educação e tudo o que um ser humano necessita para ter<br />
uma vida condigna.<br />
Desde muito jovem me habituei a ajudar os muitos<br />
pobres que procuravam a casa de meus pais onde sempre<br />
havia cama e comida para todos. Muitas vezes apareciam<br />
com problemas de saúde. Nunca o apoio lhes foi negado.<br />
Talvez por isso cultivo um espírito de família que sempre<br />
me tem acompanhado ao longo da minha vida. Tento<br />
passar este espírito para rotary. Peço-vos que façais o<br />
mesmo. Todos juntos vamos dar mais força ao espírito de<br />
família em rotary. Assim seremos mais solidários e mais<br />
fortes. Consequentemente estaremos em melhores<br />
condições de prestar ajuda a muitas mais pessoas.<br />
Recebei um grande abraço do vosso amigo e<br />
companheiro,<br />
Manuel Cordeiro<br />
12
FAMÍLIA MIRANDA<br />
UNIDOS PELO EXEMPLO,<br />
SOBRIEDADE E AMOR
A família em Janeiro 2009 (Sem o Rafael).
Era uma vez... E assim começam as histórias de encantar.<br />
Encantado com o “Espírito NATALÍCIO” que caracteriza<br />
A “FAMÍLIA MIRANDA”, O ROTARY CLUB DE<br />
COIMBRA FOI PROCURAR CONHECER A SEIVA<br />
QUE PERCORRE ESTA ÁRVORE GENEALÓGICA<br />
QUE TÃO BONS FRUTOS TEM DADO. QUIS O<br />
DESTINO QUE O COMPANHEIRO ENCARREGUE<br />
DA ENTREVISTA AOS VÁRIOS MEMBROS DO<br />
AGREGADO, PARA FAZER A “REPORTAGEM-<br />
FOTO DE FAMÍLIA”, FICASSE IMPEDIDO DE UM<br />
CONTACTO PRESENCIAL QUE VEIO A SER<br />
SUBSTITUÍDO, EM EMERGÊNCIA E URGÊNCIA,<br />
PELA FRIEZA DE UMA ENTREVISTA COLECTIVA<br />
FEITA PELA INTERNET. A MOBILIZAÇÃO DE<br />
TODOS OS MEMBROS DA “FAMÍLIA MIRANDA”<br />
ABRIU A PORTA AO ROTARY CLUB DE<br />
COIMBRA E AQUECEU DE FORMA<br />
SENSIBILIZANTE O NOSSO PROPÓSITO. CADA<br />
UM DOS MEMBROS DA “FAMÍLIA MIRANDA”<br />
DEU UM PRECIOSO CONTRIBUTO. LOGO SE<br />
PERCEBEU, PELO EXEMPLO, QUE A FAMÍLIA É<br />
UM INDISSOCIÁVEL COLECTIVO.<br />
QUEREM CONHECER TODA ESTA HITÓRIA DE<br />
15
ENCANTAR? LEIAM CONNOSCO AS RESPOSTAS<br />
DE VÁRIOS MEMBROS DA “FAMÍLIA MIRANDA”.<br />
«A PALAVRA PODE ARRASTAR...O EXEMPLO<br />
CONVERTE» - ASSEGURA A MATRIARCA MÃE-<br />
AVÓ LISETE.<br />
EIS A EXEMPLAR CÉLULA DAS SOCIEDADES...<br />
...ERA UMA VEZ UMA FAMÍLIA: A “FAMÍLIA<br />
MIRANDA”.<br />
1. Como era o dia a dia em vossa casa?<br />
Mãe: Dias de trabalho. Eu ia para a escola, levando os<br />
que estavam em idade escolar. Os outros ficavam com os<br />
meus pais, que foram viver comigo pois eu era filha única.<br />
Ficava ainda uma afilhada, a Catarina, órfã de pai, que cresceu<br />
com os meus filhos desde a idade dos cinco anos, e que foi<br />
para eles uma irmãzita mais velha. Naquele tempo, não havia<br />
fraldas descartáveis nem máquinas de lavar. Tudo era feito<br />
manualmente, e cuidar das roupas levava muito tempo. Os<br />
bibes eram uma boa solução para poupar as roupas.<br />
Além da Catarina, havia ainda os dois irmãos rapazes,<br />
o Tá e o Jorge. Ao todo eram três afilhados, a quem o pai<br />
faltara muito cedo, e por quem eu me responsabilizei, pois me<br />
uniam com o pai laços de grande amizade. Hoje adultos, são<br />
ainda a nossa família, não do sangue mas do coração, e<br />
16
povoam as mais doces memórias infantis dos meus filhos,<br />
como se fossem os seus irmãos mais velhos.<br />
Apesar de termos muito que fazer, não faltava o tempo<br />
para nos darmos aos outros. Ao domingo, visitávamos alguns<br />
doentes. <strong>Uma</strong> de cada vez, as filhas eram levadas pela minha<br />
mão, a participar daquelas visitas e a aprender a dar-se.<br />
A uma vizinha que tinha uma perna chagada, lá ia eu<br />
diariamente fazer o curativo, ou dar a injecção, quando<br />
regressava da escola.<br />
Havia um pobre doente, sem família, a cuja casa eu ia<br />
fazer limpeza. Era o Sagradas, um bem falante, homem bem<br />
nascido e bem criado, em boa casa, mas tinha acabado por<br />
cair em desgraça. Já idoso, sofria de úlceras varicosas nas<br />
pernas e ia curar-se diariamente ao Hospital de Celas, onde<br />
fazia a barba aos doentes. De carteira debaixo do braço, lá ia<br />
ele à boleia, de Ançã para Coimbra. Era um sem-ninguém.<br />
Vivia numa nesga de casa, junto do Campo de Futebol. Ao<br />
longo dos anos, as bolas foram partindo as telhas sem forro, e<br />
já lhe chovia em casa como na rua. Fizemos por ele tudo o que<br />
pudemos até que, tendo caído à beira do caminho, foi levado<br />
para o Hospital de Cantanhede, onde veio a morrer<br />
dignamente, assistido pelos Sacramentos dos doentes, bem<br />
vestido e barbeado – já que tinha barbeado tantos doentes.<br />
Outra família protegida, era uma família de dois<br />
alcoólicos que tinham já quatro filhos pequenos e outro para<br />
17
nascer. Fui visitá-la a pedido de uma Assistente Social e fiquei<br />
impressionada com a miséria em que viviam. Chão de terra<br />
batida, sem camas para as crianças. Dias depois fomos lá<br />
montar as duas camas de bebé que tinham sido dos meus<br />
filhos e remediámos como pudemos a situação. Convenci o<br />
marido a ir comigo até ao Centro de Alcoologia de Coimbra.<br />
Como esperámos muito pela consulta, fui à praça comprar pão<br />
e queijo e lá comemos os três, sentados no jardim da Sá da<br />
Bandeira. Dali fomos para os Covões e lá ficou o homem<br />
internado, para fazer a cura. Depois, foi preciso arranjar-lhe<br />
trabalho. Apresentei-o em dois lugares diferentes, mas a<br />
resposta era “Não; esse homem é um bêbado!”. Passei a darlhe<br />
um dia por semana, a ele e à mulher, nos trabalhos da<br />
nossa vinha. Os meus filhos tornaram-se padrinhos da bebé<br />
que nasceu (e que veio a morrer de tenra idade) e ficámos<br />
amigos e compadres. Os meus filhos eram conhecedores e<br />
participavam de perto desta realidade. Nas férias escolares, o<br />
mais velho chegou a dar serventia de pedreiro, gratuitamente,<br />
para que fosse possível dar um pequeno arranjo na casa, com<br />
uns dinheiritos que consegui na Assistência social. Hoje só<br />
estão vivas duas irmãs, e a casinha já foi bem arranjada pela<br />
Câmara.<br />
Morávamos um pouco distantes de uma família de dois<br />
irmãos solteiros e doentes, que viviam com grandes<br />
dificuldades e diariamente havia sempre algo que levar à Maria<br />
18
ao Zé. Quando da morte deste, foi o Tiago que ficou lá em<br />
casa a dormir, para fazer companhia à irmã, já velhinha. O<br />
Tiago não se esquecerá das baratas que o acompanharam<br />
durante a noite. Estes nossos amigos não tinham connosco<br />
laços de sangue mas de verdadeira amizade. Acarinhámo-los<br />
até à morte não guardando em troca nada do que era seu,<br />
embora eles o quisessem. Já no final das suas vidas,<br />
indicámos alguém que por eles se responsabilizasse, em troca<br />
dos seus bens de outrora, mas fomos o seu suporte e o seu<br />
carinho.<br />
Eu fiz parte da Conferência Vicentina e o amor pelos<br />
pobres e desprotegidos da vida ocupou sempre um lugar<br />
importante nas nossas vidas. Os filhos acompanhavam-me<br />
sempre, primeiro pela mão, e depois livremente. A nossa<br />
palavra pode arrastar, mas o nosso exemplo converte.<br />
2. O facto de a Mãe ser professora implicou<br />
uma maior incidência pedagógica em casa,<br />
junto dos filhos?<br />
Mãe: No início sim. Desde pequenitos começavam a<br />
rabiscar e a soletrar. Quando se matriculavam na 1ª classe, já<br />
sabiam ler. O ambiente escolar era-lhes familiar. Na sua<br />
linguagem infantil, a escola era o A-O (Também hoje, os meus<br />
netos mais novos dizem que andam na escola da avó Lizete).<br />
19
O meu pai era alfaiate de profissão e servia de guarda<br />
aos mais pequenitos. Era bem disposto, homem culto, e teve<br />
na sua educação muita influência. Nunca andaram por mãos<br />
alheias, e isso foi importante.<br />
José Carlos, Tiago, Pedro e Margarida<br />
20
VIDA SÓBRIA COM EQUILÍBRIO<br />
SEM RECORRER A EMPRÉSTIMOS<br />
3. Cinco filhos correspondem a um maior<br />
dispêndio financeiro num lar? Houve<br />
consciência de dificuldades? E se as houve,<br />
como foram superadas?<br />
Mãe: Sim. Levámos sempre uma vida muito sóbria. Os<br />
ordenados eram modestos. Eu como Professora do Ensino<br />
Primário, e o pai como Chefe de Secretaria de uma Câmara.<br />
Mas com algum equilíbrio, conseguimos construir a nossa casa<br />
quando já íamos no terceiro filho, sem recorrer a empréstimos.<br />
O meu pai deu-nos o terreno e, sem luxos, construímos uma<br />
casa para que todos crescessem. O recheio veio aos<br />
pouquinhos, aproveitando e reciclando tudo o que tínhamos<br />
desde o nosso casamento, em 1959. A única coisa comprada<br />
imediatamente para a casa nova, foi um frigorífico, que era<br />
então uma novidade tecnológica. Os nossos passeios, que os<br />
dávamos, eram sem compromissos de despesas. Nessa altura<br />
não era obrigatório ter um monovolume para a família inteira,<br />
21
nem cintos, nem cadeirinhas, e os meninos viajavam muitas<br />
vezes ao colo dos avós.<br />
No Verão, sempre foram passar o mês de Julho à praia,<br />
no mês em que as rendas eram mais baratas, pois vivemos<br />
sempre sem prestações nem empréstimos.<br />
Demos aos nosso filhos uma alimentação sadia. Sopinha<br />
ao almoço e ao jantar, feita pela avó. O peixe fresco, os ovos e<br />
a carne do galinheiro, o leitinho de duas cabrinhas – foi um<br />
consolo – sem esquecer os seus cabritinhos, por ocasião da<br />
Páscoa.<br />
Não fomos frequentadores de cafés, nem de cinemas.<br />
Os fins de semana eram para os nosso filhos. Com<br />
sobriedade, todos tinham o seu espaço, os meus pais, os<br />
meus filhos e afilhados e os amigos que, desde muito cedo os<br />
filhos traziam lá para casa. Foi sempre uma casa aberta, desde<br />
a infância até aos seus tempos universitários. Entre as muitas<br />
visitas lá de casa, lembro-me de alguns amigos de sempre. A<br />
Teresa Campos, a Ângela, o Nuno Braz, o Magalhães, o João<br />
Carlos. O Magalhães era do Norte. Não podia ir sempre passar<br />
o fim de semana a casa, e vinha com o Tiago. O João Carlos<br />
era colega do Pedro dos tempos do Colégio. Viveu connosco<br />
cerca de dois anos, até obter uma bolsa dos serviços sociais<br />
para uma residência.<br />
22
Carlota, o quinto filho
NEM SEMPRE FÁCIL MAS ACABOU POR<br />
SER POSSÍVEL O EQUILÍBRIO ENTRE A<br />
BRANDURA DA MÃE E A DUREZA DO PAI<br />
4. Os pais tinham um conhecimento preciso<br />
da evolução de cada filho?<br />
Mãe: Como professora e como mulher, eu tinha mais<br />
atenção e mais brandura para os problemas que iam surgindo<br />
e que passaram mais pela minha mão. Ainda em solteira,<br />
durante sete anos, fui responsável diocesana de um<br />
movimento infantil da Acção Católica. Frequentei várias<br />
actividades sobre psicologia infantil e atraíam-me muito esses<br />
livros. Recordo, entre outros, A arte das artes, de educar uma<br />
criança. Tudo isso teve em mim influência, não apenas na<br />
relação com os meus filhos como na minha vida profissional.<br />
Quando chegavam à pré-adolescência, punha-lhes nas mãos<br />
uns livrinhos em voga - Já és um homenzinho / Já és uma<br />
mulherzinha – que os ajudavam a iniciar-se nos mistérios da<br />
vida.<br />
Nem sempre foi fácil manter o equilíbrio entre a brandura<br />
da mãe e a dureza do pai, mas parece que foi possível.<br />
24
A VIDA CRISTÃ RESULTA<br />
INTENSAMENTE COMUNITÁRIA<br />
“Os nossos pais tinham também um<br />
compromisso responsável e constante com<br />
a Igreja, mais discreto quando éramos<br />
pequeninos, naturalmente, mais intenso à<br />
medida que fomos crescendo, sobretudo a<br />
nossa mãe. O pai, antigo seminarista,<br />
sempre foi um dos homens de confiança<br />
dos párocos, consultor, não tanto um<br />
homem de acção. A acção desenvolveu-a<br />
mais, enquanto ainda em actividade<br />
profissional, como político assumidamente<br />
católico, sem aspirações de poder, mas<br />
consciente da importância de que todas as<br />
sensibilidades políticas participem do<br />
debate democrático, para que este seja<br />
genuíno”<br />
25
5. Os filhos – tal como os Pais – tiveram um<br />
compromisso com a Igreja local colaborando<br />
com o serviço paroquial. Porquê?<br />
Reflexo de uma formação católica de<br />
antepassados?<br />
Filho: A vida cristã, quando intensa, resulta<br />
intensamente comunitária e, por isso, desde muito cedo, os<br />
que se apresentam com dons úteis à comunidade são<br />
espontaneamente chamados para o serviço ou oferecem-se,<br />
mesmo. Para o coro, todos naturalmente nos oferecemos e<br />
acabámos por vir a ter influência decisiva no desenvolvimento<br />
da superação do desnorte instalado no gosto músico-litúrgico<br />
do pós-concílio Vaticano II. Nele navegámos entusiasticamente<br />
na adolescência, mas o apelo das referências mais antigas do<br />
Colégio onde nós, os rapazes, tínhamos andado, e depois<br />
aquele das referências do estudo musical mais sério, que<br />
começámos ali pelos 16-17 anos, foi mais forte.<br />
Para a catequese fui convidado, mas aceitar foi<br />
instintivo. As referências familiares inspirariam confiança ao<br />
pároco, e supririam a muito pouca idade. Depois, foi tomar o<br />
gosto, sobretudo pela aventura da preparação da exposição<br />
oral.<br />
Naturalmente que o exemplo que se recebia da família<br />
26
fazia do serviço à comunidade algo de natural e nobre ao<br />
mesmo tempo. Desde muito pequenos tínhamos sido<br />
habituados a prezar e enaltecer a consagração religiosa de<br />
duas tias, carmelitas, e a consagração missionária de um tio,<br />
padre missionário, naquela altura em Moçambique e depois no<br />
Brasil, onde se encontra. Os nossos pais tinham também um<br />
compromisso responsável e constante com a Igreja, mais<br />
discreto quando éramos pequeninos, naturalmente, mais<br />
intenso à medida que fomos crescendo, sobretudo a nossa<br />
mãe. O pai, antigo seminarista, sempre foi um dos homens de<br />
confiança dos párocos, consultor, não tanto um homem de<br />
acção. A acção desenvolveu-a mais, enquanto ainda em<br />
actividade profissional, como político assumidamente católico,<br />
sem aspirações de poder, mas consciente da importância de<br />
que todas as sensibilidades políticas participem do debate<br />
democrático, para que este seja genuíno.<br />
Por todo este ambiente, todos crescemos envolvidos em<br />
diversificados compromissos de participação eclesial bastante<br />
intensos, que perduram, embora oscilando de intensidade,<br />
consoante a fase da vida familiar em que cada um se encontra<br />
– o que é indispensável que aconteça. Até porque a família é<br />
agora, para os que a constituíram, a sua prioritária participação<br />
na missão da Igreja (já se vê quem escreve: o pregador<br />
encartado...).<br />
27
(A Banda de Ançã) ...”tinha um mestre de solfa, o Sr.<br />
Artur, que tinha ficado paraplégico num acidente e<br />
ensinava meritoriamente os rudimentos necessários aos<br />
principiantes. Graças à nossa mãe, que via sempre para a<br />
frente e parece que adivinhava as nossas necessidades, lá<br />
fomos ao Sr. Artur para sermos iniciados, os mais velhos,<br />
na alfabetização musical”.<br />
6. Como aparece a formação musical em<br />
todos os filhos? Quem lhes deu essa<br />
formação?<br />
Filho(a): Foi-se bem cedo manifestando em cada um de<br />
nós uma apetência pela formação musical, que procedia<br />
espontaneamente do gosto de cantar. O meio em que vivíamos<br />
e em que acedemos à alfabetização era, desse ponto de vista,<br />
muito pobre e satisfeito. Mas não era atraso. Era decadência.<br />
O culto divino fora para os nossos avós e ainda para os nossos<br />
pais uma janela aberta para a Fé a para a Cultura. O nosso<br />
avô paterno, sem descurar a habitual produção de batatas e<br />
milho, tinha podido ensaiar polifonia de Palestrina ao coro da<br />
sua igreja num tempo em que havia violinos! O nosso avô<br />
materno tocava flauta na Banda e ainda tinha conhecido, no<br />
coro alto da Igreja, um Órgão! Os últimos tubos, já nosso<br />
28
tempo, ainda andaram muitos domingos a elevar o espírito<br />
religioso do povo; só que a religião era a da bola, e o coro era<br />
a claque do rapazio. Enfim, tudo isso, evidentemente, foi antes<br />
de se descobrir o conceito de património. Mas em casa, o<br />
nosso pai, que tinha sido formado no seminário, debitava latim<br />
e lia pautas. Quando cantava pelo Liber Usualis, ficávamos<br />
orgulhosos e percebíamos que pertencíamos a um mundo<br />
mais amplo.<br />
Em anos de fortuna, chegava-nos a casa o tio<br />
missionário e gravava em bobines os serões familiares. O<br />
nosso pai comprou um gravador e instituiu esse registo, com<br />
entrevistas, histórias dos mais velhos, orações, e muitas<br />
canções. Lá cantávamos para o microfone tudo o que<br />
sabíamos. E foi assim que começámos as primeiras tentativas<br />
de cantar a vozes.<br />
Nunca ninguém nos empurrou para estudar. Era uma<br />
aspiração natural, vinda talvez desse sentido de pertença a<br />
melhores tempos. Felizmente, a Banda de Ançã conseguiu<br />
atravessar o deserto desse período e, mesmo contra a maré<br />
da moda, nunca deixou de recrutar a juventude. Tinha um<br />
mestre de solfa, o Sr. Artur, que tinha ficado paraplégico num<br />
acidente e ensinava meritoriamente os rudimentos necessários<br />
aos principiantes. Graças à nossa mãe, que via sempre para a<br />
frente e parece que adivinhava as nossas necessidades, lá<br />
fomos ao Sr. Artur para sermos iniciados, os mais velhos, na<br />
29
alfabetização musical.<br />
Depois, mesmo por pouco tempo, como ainda<br />
apanhámos bons músicos e grandes intelectuais no Colégio de<br />
Cernache, (Domingos Peixoto, Abílio Queirós), lá chegámos a<br />
conhecer ao vivo a música sacra e aprendemos a distinguir o<br />
ouro do pechisbeque. Andámos para lá uns anos a arranhar<br />
violas, porque era o que nos pedia o vento do tempo, mas<br />
sabíamos que queríamos mais. Tínhamos, por exemplo, uma<br />
fixação na música coral, sobretudo na polifonia. Com o<br />
primeiro dinheiro que ganhámos nas férias do liceu, sobretudo<br />
com um ordenado de um mês de trolha, comprámos um<br />
gravador de cassetes, que encostávamos ao rádio, para<br />
recolher selectivamente os trechos corais que apareciam. De<br />
modo que, quando veio a universidade, lá fomos todos, cada<br />
um a seu modo, pedindo para entrar no conservatório. O<br />
primeiro foi, salvo erro, o mais novo dos rapazes que desde o<br />
princípio se revelou mais dotado e persistente. Aliás, foi o<br />
único que chegou a ser músico profissional por primeira opção<br />
pois, antes de entrar para o Seminário, tocou na Banda, fez o<br />
curso superior de flauta e foi professor do conservatório.<br />
Quanto aos demais, nos estudos do conservatório, fomos até<br />
onde os nossos outros cursos e múltiplas actividades o<br />
permitiam. Ficámos com os canudos da formação <strong>gera</strong>l, todos,<br />
e superior, dois dos mais velhos.<br />
Não era fácil porque, quando vinham os exames, era<br />
30
tudo a dobrar. E se fosse só pela cenoura do sucesso juvenil,<br />
já o tínhamos de sobejo, até na missa, com roques e<br />
guitarradas que na altura se aprendiam com o vento, sem<br />
dispêndio de notas musicais (nem das de escudos, que<br />
custavam ao erário familiar…) Mas a formação a que todos<br />
dávamos sem dúvida mais importância foi a da fé e da cultura.<br />
E a música teve a sorte de não entrar em concorrência com<br />
essa formação. Pelo contrário, ela faz parte da interiorização, e<br />
também da expressão, da nossa fé e cultura católicas.<br />
“No espírito de família, deve ter tido grande<br />
influência o facto de vivermos todos juntos,<br />
com os avós. Estes já tinham sido muito<br />
dedicados com seus próprios pais”<br />
7. Como define o espírito de família na<br />
vossa família?<br />
Filho(a): Definiria o nosso espírito de família nos<br />
seguintes termos: uma Fé a transmitir, uma memória a<br />
perpetuar, uma festa a celebrar, uma rede natural de mútuo<br />
auxílio, e um não, definitivo, a qualquer ressentimento. “Não se<br />
ponha o sol sobre o vosso ressentimento” (Ef. 4. 26)<br />
Mãe: No espírito de família, deve ter tido grande<br />
31
influência o facto de vivermos todos juntos, com os avós. Estes<br />
já tinham sido muito dedicados com seus próprios pais. A<br />
minha mãe era muito bondosa e dedicada. Os filhos foram<br />
crescendo e o espírito de inter-ajuda e de partilha foi-se<br />
acentuando, cada vez mais.<br />
Duas <strong>gera</strong>ções: pais, filhos, genros e noras.<br />
32
PALAVRAS FEIAS – PIMENTA NA LÍNGUA<br />
8. De que forma eram ou foram corrigidos<br />
eventuais desvios comportamentais por<br />
parte dos filhos?<br />
Filho(a): Na mais tenra infância, a Mãezinha punha-nos<br />
pimenta na língua quando dizíamos palavras feias ou de outro<br />
modo prevaricávamos pela palavra. Depois havia também a<br />
colher de pau, o castigo de não ter esta sobremesa, ou de não<br />
dar aquele passeio. Na infância e na primeira adolescência, o<br />
Paizinho aplicava pesadas palmadas em lugar adequado, mas<br />
não tantas quantas as que achava necessárias, nem sempre<br />
que achava necessário, porque a Mãezinha se opunha e a<br />
Avozinha se interpunha.<br />
Mais tarde, em situações de maior conflito entre a<br />
Autoridade dos Pais (quiçá mais a da mãe, protectora e<br />
proibitiva) e pretensões ousadas dos filhos rapazes, mormente<br />
dos dois mais velhos, discutia-se fortemente, por vezes com<br />
muita emoção e algum excesso nos juízos.<br />
Um entre todos, teve adolescência mais rebelde. Sem<br />
embargo de acesas altercações em que aquele era mais<br />
33
provocador e o Pai nem sempre se dominava quanto gostaria,<br />
a memória que ficou do modo como ambos os pais lidaram<br />
com aquela rebeldia, é a da longanimidade com que foi<br />
tolerada a contestação e a sabedoria com que, sem<br />
ressentimento algum, esperaram dias e atitudes mais serenas.<br />
“ELES” NASCERAM PRIMEIRO<br />
O QUE DIZIAM AOS RAPAZES:<br />
“DEIXEM ISSO PARA AS MENINAS<br />
E O ISSO PODIA SER O RESTO DO<br />
BOLO DE DOMINGO”<br />
9. Qual é a amplitude etária entre os filhos: a<br />
diferença de idades entre o mais novo e o<br />
mais velho? Qual o papel dos mais velhos<br />
em relação aos mais novos?<br />
Mãe: Os dois mais velhos são muito próximos. Têm 13<br />
meses de diferença. Com estes foi preciosa a ajuda dos avós.<br />
As noites, sobretudo, não foram fáceis. Naquele tempo não<br />
havia 4 nem 5 meses de maternidade. Ao fim de 15 dias ia<br />
trabalhar, mas alcofa com o bebé lá ia no carro para a escola,<br />
34
e todos foram amamentados ao peito até aos 10 meses. Até<br />
aos 3 meses iam para a escola. “Eram mansinhos”, diziam.<br />
Recordo o mais velho em Mondim de Basto, e o Pedro em<br />
Tábua. Eram o bebé da festa.<br />
Filho(a): Os rapazes nasceram primeiro. O Zé Carlos e o<br />
Tiaguito muito próximos, pouco mais de um ano de diferença, e<br />
depois o Pedro. Desenvolveriam, por isso, grandes<br />
cumplicidades. As meninas, mais novas, podiam talvez irritálos<br />
um bocadinho. A frase: “Deixem ficar isso para as<br />
meninas!”, vinda da Avozinha (a avó Aurora), da mãezinha ou<br />
da Catarina, era muito, mas mesmo muito frequente. E o ‘isso’<br />
podia ser o resto do bolo de Domingo, as primícias das<br />
tân<strong>gera</strong>s, as bananas (mais raras que hoje), as Bolas de<br />
Berlim que vinham de Coimbra ou o ‘cavalinho’ que o avozinho<br />
trazia da feira de Cantanhede. Apesar disso, eles ficavam-se<br />
pelos protestos e davam a prioridade ‘às meninas’.<br />
A Margarida, mais próxima dos rapazes pela idade,<br />
envolvia-se nas brincadeiras deles, julgando-se, por isso,<br />
promovida. A Carlota, naturalmente mais mimada, pedia-lhes<br />
para ‘andar a cavalo’ (com eles ‘de gatas’ no chão), o que<br />
faziam com paciência… se ela se magoava, eles é que ouviam<br />
o raspanete. Mas as duas manas divertiam-se também a<br />
brincar às casinhas e aos teatros, com as amigas da<br />
vizinhança.<br />
35
Como os rapazes, a partir de certa altura, estavam<br />
internos no CAIC em Cernache, as manas sentiam-lhes a falta.<br />
Talvez por isso, era raro zangarem-se (as férias, e aquele fimde-semana<br />
por mês tinha de ser bem aproveitado). Mas o<br />
internato foi acabando e os manos vieram estudar para o liceu<br />
de Cantanhede. Quando elas chegaram ao mesmo liceu, já os<br />
rapazes tinham deixado a sua marca, num tempo em que os<br />
professores se mantinham mais tempo numa mesma escola e,<br />
por isso, as expectativas estavam criadas e as comparações<br />
eram inevitáveis. A influência dos mais velhos nos mais novos<br />
ultrapassava, assim, a da convivência natural dentro da<br />
mesma casa, passava para a escola, e também para os<br />
ambientes que, anos depois, os mais novos também<br />
frequentariam. Alguns interesses e gostos pessoais tiveram<br />
ocasião de se manifestar e desenvolver, graças ao convívio<br />
entre os irmãos.<br />
Foi certamente por influência dos rapazes que as<br />
raparigas passaram pelo Conservatório de Coimbra. Aliás, a<br />
iniciação à leitura musical das meninas foi feita pelo Tiago que,<br />
com muito pouca paciência mas bastante persistência, lhes<br />
deu as primeiras lições. Até nas opções que viriam a permitir<br />
determinadas escolhas profissionais, essa influência se fez<br />
sentir. A mais nova, por exemplo, despertou para o ‘bichinho’<br />
do Latim e do Grego graças à Margarida, que lhe ia à frente.<br />
As semanas de Verão que os irmãos, já mais<br />
36
crescidinhos, faziam no ‘campismo selvagem da Praia de Mira’,<br />
com visitas frequentes dos pais e dos avós, semanas quase<br />
totalmente dedicadas à leitura, também estimularam<br />
certamente as mais novas. Curiosamente, até as amizades se<br />
partilharam nesta fratria. Desde o tempo em que no Otiarium,<br />
vulgo ‘Ociário’, espécie de ‘santuário’ sem luz natural,<br />
decorado com material reciclado, dedicado à leitura, à música,<br />
ao convívio e, na época dos exames, ao estudo, os rapazes<br />
conviviam com muitos amigos. E desde então, até aos dias de<br />
hoje, as causas e amigos comuns <strong>gera</strong>m amizades que ainda<br />
perduram.<br />
“Para a Missa do Galo, lá iam todos asseados, com<br />
as camisolas tricotadas à mão, pela mãe, e as calças feitas<br />
pelo avô Zé Carlos”.<br />
10. Como era vivida a quadra do Natal nos<br />
vossos verdes anos? E actualmente?<br />
Mãe: O Natal sempre foi uma grande festa para todos.<br />
Dias antes, os mais velhos iam ao musgo com o pai. O<br />
presépio estava sempre a seu cargo, não faltando a fogueirita<br />
dos pastores, avermelhada pelo celofane. Aos poucos,<br />
ganharam gosto e entravam em concursos de presépios da<br />
cidade. Este era sempre feito na sala, e tínhamos que tolerar<br />
37
as ambições crescentes de espaço, para os bonequitos de<br />
barro que eram acrescentados ano a ano. Na consoada, não<br />
faltavam os filhós de abóbora e as broas feitas pela avó<br />
Aurora. Para a Missa do Galo, lá iam todos asseados, com as<br />
camisolas tricotadas à mão, pela mãe, e as calças feitas pelo<br />
avô Zé Carlos.<br />
Era certa a visita ao Seixo, onde não faltava o jantar em<br />
casa da Madrinha Anita e onde convivíamos com todas as tias,<br />
tios e primos (éramos, pelo menos, 27 a 30). Eram também<br />
saborosos os filhós da avó Albina que, por serem lêvedos,<br />
eram diferentes. Por influência da escola da Mãe, desde<br />
sempre fizeram Autos de Natal, da Revista Escola Portuguesa.<br />
Ensaiava na escola e eles aprendiam de cor e repetiam em<br />
casa. Ensaiavam cânticos de Natal e animavam assim os<br />
nossos serões. Temos desses serões algumas gravações<br />
históricas, feitas por um antigo gravador de bobines que o pai<br />
comprou, e que fazem o meu encanto.<br />
Quando o pai passou da Câmara para o Banco Borges e<br />
Irmão, o Natal era enriquecido com a tradicional Festa de Natal<br />
e com os presentes do Banco. Íamos todos ao Porto, ver os<br />
palhaços, e eles vinham encantados com os presentes que<br />
recebiam, adequados à sua idade.<br />
Actualmente, tudo é diferente. O presépio é sempre feito<br />
mas já não é pelo avô. Os netos grandes já fazem engenhocas<br />
à sua maneira. Na consoada ou no dia de Natal juntam-se<br />
38
todos cá em casa (29, a caminho dos 30, das três <strong>gera</strong>ções);<br />
por isso, na cozinha, as panelas aumentaram muito de volume.<br />
É a avó Lizette que cozinha a ementa tradicional (as couves,<br />
batatas e bacalhau, os obrigatórios filhós de abóbora e os “da<br />
Serra”) e as tias fazem as outras lambarices. Ainda há galinha<br />
da capoeira para a canja e o fricassé.<br />
Filho(a): Na consoada havia sempre mais gente à mesa.<br />
Cultivava-se a intimidade mas era uma intimidade aberta e<br />
partilhada e, nesse dia, precisamente por ser esse dia, havia<br />
convidados naturais pela proximidade à família. Essa<br />
sensibilidade levei-a sempre comigo para os natais longe da<br />
família. <strong>Uma</strong> vez tive de gramar muita incompreensão por<br />
causa do espírito “comunitário”, decerto mal-entendido, que se<br />
cultivava no colégio universitário em que eu me integrei<br />
durante os anos da Gregoriana de Roma. Era costume que os<br />
estudantes inscrevessem até cinco convidados por dia para<br />
jantar. E eu tinha convidado para a consoada, um músico<br />
brasileiro absolutamente solitário que ainda não tinha ninguém<br />
lá em Roma. Só que, como era Natal, nesse dia não podia<br />
haver convidados! E eu não consegui convencer a autoridade.<br />
Lá levei o meu puxão de orelhas por rifar a comunidade, mas a<br />
nossa consoada foi num restaurante chinês e ao meu amigo<br />
saiu a sorte grande, porque dali fui para S. Pedro com função<br />
de cantor e tive tal lata que ele, à minha palavra, pôde entrar e<br />
cumprimentar o papa. Só o voltei a ver quando o Ançã-ble foi<br />
39
cantar a São Paulo, cinco anos mais tarde. Soube pelo jornal e<br />
veio ao concerto com um presentinho que me deixou babado,<br />
para a nossa filha recém-nascida.<br />
Neta: Actualmente, vivemos o Natal em família alargada<br />
e procuramos que ele esteja centrado no essencial daquilo que<br />
nos une.<br />
O local de encontro é em casa da avó Lizette, que no dia<br />
23 já está em grande rebuliço com os preparativos. Jantamos<br />
no salão do avô Tiago, decorado com os enfeites que a tia<br />
Carlota fez, junto ao presépio construído pelo tio Tiago com um<br />
resto de tempo e paciência, e com a “ajuda” dos mais<br />
pequenos… O bacalhau com batatas, mais todas as<br />
tradicionais iguarias que se seguem, é fruto do esmero de<br />
todas as tias e sobretudo da avó Lizette. Há sempre um molho<br />
exótico do tio Isaías para acompanhar, que só alguns têm<br />
coragem de experimentar.<br />
Estamos quase todos presentes; por vezes há algum<br />
casal de tios que passa a consoada com o outro lado da<br />
família e vem depois para a missa do Galo, ou só no dia 25. No<br />
meio do corrupio de servir crianças, levantar pratos e trazer<br />
travessas, vai-se estando e conversando, às vezes discutindo<br />
– temas elevados e temas comezinhos – como não deixa de<br />
acontecer sempre que nos sentamos todos à mesa. Como “a<br />
máquina é pesada” (expressão que costumamos usar para nos<br />
40
ecordarmos mutuamente de que somos muitos e a logística é<br />
complicada), mal acabamos a sobremesa já são horas de ir<br />
para a missa do Galo, onde não podemos chegar atrasados,<br />
sob pena de ela começar sem cântico de entrada, visto que<br />
alguns de nós constituímos uma percentagem razoável dos<br />
elementos do Coro da paróquia…<br />
Termina a missa da meia-noite com um cântico ao<br />
menino Jesus que cantamos diante do presépio da igreja; um<br />
momento que se repete todos os anos e que recordo sempre<br />
belo e comovente. A música ajuda a parar um pouco diante do<br />
Mistério que é afinal a razão de ser de toda a festa, e<br />
consegue dizê-lo melhor aos nossos corações. Há um sorriso<br />
em todas as caras, quando abandonamos a igreja com muita<br />
vontade de continuar a fazer festa. Passamos por casa do Sr<br />
Prior para beber com ele um porto que já não se dispensa, e<br />
depois vamos para casa, para cumprir o muito esperado ritual<br />
da abertura das prendas. Dado o avançado da hora, os<br />
principais interessados estão normalmente reduzidos a<br />
metade, pois foram sucumbindo ao sono durante a missa, mas<br />
lá vão ressuscitando aos poucos ao som da palavra “prendas!”.<br />
41
NOVOS TEMPOS (NO NATAL)<br />
PARA MEDITAR<br />
SÓ UM PRESENTE PARA CADA UM, MAS<br />
AOS MAIS PEQUENOS DÁ-SE SEMPRE O<br />
MIMIMHO DE MAIS UM OU DOIS...<br />
Desde há uns anos para cá, cada um recebe apenas um<br />
presente, de uma outra pessoa da família a quem coube em<br />
sorteio oferecer-lhe. Impôs-se adoptar este modelo, pois<br />
oferecermos todos prendas a todos tornou-se a partir de certa<br />
altura um verdadeiro pavor! Aos mais pequenos, porém, dá-se<br />
sempre o miminho de mais uma ou duas. A avó Lizete não se<br />
esquece!<br />
Lá em casa foi sempre o Menino Jesus que trouxe as<br />
prendas (de vez em quando pode mandar o seu “empregado”,<br />
o Pai Natal) … Saem, pois, as crianças da sala e esperam que<br />
o Menino Jesus venha encher o sapatinho de cada um,<br />
colocado junto ao Presépio. E começa então a festa de<br />
42
descobrir, mostrar e usufruir dos presentes, que dura ainda<br />
pela noite dentro, até o sono nos ir vencendo.<br />
No dia 25 vamos todos à missa de manhã e almoçamos<br />
de novo em casa da avó Lizete. A tarde é preenchida por<br />
várias coisas: as crianças apresentam um teatrinho de Natal<br />
que as primas mais velhas tentam organizar; abre-se a mala<br />
das partituras e cantamos a quatro vozes cânticos ao Menino<br />
Jesus; e faz-se por fim o tradicional jogo de distribuição das<br />
prendas da tia Irene, que é uma amiga íntima da família que,<br />
embora não esteja presente, compra prendas para todos e<br />
encarrega as primas mais velhas de inventar uma maneira<br />
divertida e formativa de as fazer chegar aos destinatários. E<br />
assim estamos todos juntos até cair a noite. Á medida que ela<br />
avança vai-se esvaziando a sala, vai esmorecendo a música<br />
(há sempre muito que arrumar…). E ficou mais um Natal para<br />
trás.<br />
43
SOLIDARIEDADE RECÍPROCA E A<br />
MEMÓRIA DO FESTIVAL DA<br />
CANÇÃO DO CAIC<br />
(Colégio Apostólico da Imaculada<br />
Conceição, de Cernache)<br />
11. Actos positivos realizados pelos irmãos?<br />
E quais os Actos Negativos que estejam na<br />
memória?<br />
Mãe: Actos positivos, foram tantos, Graças a Deus! A<br />
vida de estudante, sempre certinha, as suas licenciaturas, a<br />
sua inserção na vida da Igreja, as suas actividades musicais e<br />
o seu Coro, a sua união familiar, a sua inter-ajuda no dia a dia<br />
é uma bênção de Deus para mim. Graças a Deus, os<br />
casamentos não mudaram o espírito de irmandade. As noras e<br />
os genros foram escolhidos a dedo. Todos se inseriram e se<br />
tornaram filhos e filhas.<br />
Um dia, na época de Natal, estando eu professora em<br />
Balsas (Febres), acompanhavam-me, em idade escolar, o Zé<br />
Carlos e o Tiago. Naquele dia, o entusiasmo era maior, porque<br />
44
tínhamos acabado de fazer o presépio na escola. Por isso, os<br />
manos decidiram que o mais novo, o Pedrito, também tinha<br />
que ir. Sem ninguém perceber, o Pedrito foi metido no<br />
cafarnaum do Wolksvagen (assim chamavam à mala do carro)<br />
para poder ver o Presépio, na sala de aula. Quando estava já<br />
perto da escola, vejo a cabeça do garoto a surgir nas traseiras<br />
do carro! Imaginei a aflição dos avós à procura do menino, e fui<br />
imediatamente pedir à Fábrica de Serração, próxima da escola,<br />
para telefonar a avisá-los. Eram todos muito solidários. O<br />
menino lá passou o dia na escola e foi uma festa para os três.<br />
Filho(a): A memória voa logo para o Festival da canção<br />
do CAIC, em que os “Irmãos Miranda” entravam com as suas<br />
composições e arrancavam os 1ºs prémios. Além das<br />
tradicionais taças e medalhas, a primeira máquina fotográfica,<br />
a primeira cana de pesca, vieram, por este meio, diversificar os<br />
tempos livres da garotada.<br />
A solidariedade era recíproca. Os manos, porque cedo<br />
queriam incluir as manas nas suas proezas. Estas, porque,<br />
quando os mais velhos entraram para o internato do Colégio<br />
dos Jesuítas, guardavam todos os mimos e doçuras que<br />
recebiam, para terem alguma coisa «para levar aos manos»,<br />
na visita que se fazia em família, ao fim de semana.<br />
Durante os anos da Escola Secundária de Cantanhede,<br />
sem acesso a mesada ou semanada que fosse além das<br />
estritas despesas semanais com as senhas de almoço na<br />
45
cantina, e os bilhetes de autocarro para o regresso a casa, um<br />
dos manos foi comprando, mês a mês, os 19 volumes da<br />
História Universal, de Carl Grimberg (Europa-América), com<br />
que a biblioteca da casa foi sendo alargada. Os livros<br />
apareciam tão discreta e lentamente que ninguém<br />
compreendia a sua proveniência. Só quando já preenchiam<br />
demasiado espaço na estante é que o autor da proeza teve de<br />
confessar os verdadeiros destinos do dinheiro que recebia.<br />
Com boleias e com sandwishes nos bolsos, a livraria<br />
“Hortícula” de Cantanhede tinha acabado por se sobrepor aos<br />
serviços sociais da escola e aos transportes da “José Maria<br />
dos Santos”, na captação das magras finanças do adolescente<br />
sem cheta.<br />
Outro episódio ‘edificante’ foi o encontro com o Bobi, um<br />
cão rafeiro e sem dono, atropelado à porta de casa. Era este o<br />
destino de todo os gatos que ali cresciam. Desta vez era um<br />
cão abandonado. Ficou em tal estado que o seu ganir suscitou<br />
a comiseração dos manos e das manas. Ninguém acreditava<br />
que aquele ventre que expunha as entranhas pudesse<br />
recompor-se, e que o cão voltasse à vida. Mesmo assim, o cão<br />
vadio recebeu guarida à sombra do quintal e iniciou um<br />
tratamento intensivo de comida, afectos e litros de água<br />
oxigenada, que era comprada na farmácia e simplesmente<br />
despejada sobre as suas vísceras. Apesar do cepticismo inicial<br />
dos adultos, o certo é que o Bobi se curou e se tornou o<br />
46
companheiro inseparável de todos, até morrer de velho lá em<br />
casa.<br />
Actos negativos, também os havia. Afrontavam a<br />
paciência paterna, causando a maior indignação, mas hoje<br />
arrancam sorrisos espontâneos. Os rapazes sempre tiveram a<br />
mania de construir barracas para as seus tempos livres - no<br />
extremo do quintal, longe de casa, ou mesmo no pinhal do<br />
Chão-do-Risco, onde faziam fogo de campo, como nos<br />
Escuteiros. Nisto, tinham o auxílio cúmplice do avô Zé Carlos,<br />
a cuja autoridade a mãe se rendia. No entanto, nem assim lhes<br />
era permitido passar ali as noites, fosse verão ou fosse<br />
inverno. Pois, já que lhes era proibido dormir na sua ‘barraca’,<br />
esperavam pela noite e, à hora em que a autoridade<br />
adormecia, atavam à varanda do quarto do 1º andar uma corda<br />
feita com os lençóis da cama, pegavam nas almofadas e por ali<br />
desciam. Os mais velhos ajudavam os mais novos. Nos bolsos<br />
levavam lanternas e, nas cabeças, os livros dos Cinco, da Enid<br />
Blyton, lidos na íntegra.<br />
Além disso, os rapazes mais velhos gostavam de<br />
receber os amigos com vinho do Porto, bebida que,<br />
naturalmente, estava sujeita a um regime de restrições, se não<br />
de proibição. Mas os jovens anfitriões não se resignavam.<br />
Achavam piada à indignação paterna, que reparava logo no<br />
buraco vazio da garrafeira e não poupava os sermões! Então,<br />
serviam-se do precioso líquido e depois voltavam a encher<br />
47
cuidadosamente a respectiva garrafa com um líquido qualquer,<br />
de transparência semelhante. À hora de servir o vinho do Porto<br />
às visitas, o pai não tinha senão zurrapa, e ninguém por perto,<br />
para explicar o sucedido.<br />
12. Qual foi o momento mais difícil no seio<br />
da vossa família e como o superaram?<br />
Mãe: Um dos momentos mais difíceis foi o<br />
desaparecimento de uma netinha – que depois apareceu.<br />
Temos, no Seixo de Mira, uma casa que fizemos com tudo o<br />
que conseguimos juntar depois que todos casaram. É num<br />
pinhal, um pouco afastada da povoação. Num certo Sábado de<br />
Maio, ao findar do dia, a menina Guidinha, de dois anos e<br />
meio, deixou as manas e outros amiguitos mais crescidos, que<br />
se encontravam de visita, e saiu de casa. Os últimos a vê-la<br />
diziam-na a brincar ali fora, com eles. Mas, à hora do jantar<br />
ninguém sabia da Guida!<br />
Talvez tivesse ido no carro com os avós, que já tinham<br />
partido… Não, diziam. Talvez estivesse adormecida nalgum<br />
canto da casa… O instinto levou então os pais a procurar de<br />
imediato na piscina e nos poços em redor, que naquela terra<br />
não faltam. A aflição ia crescendo. Caiu a noite. Foi a hora de<br />
chamar a restante família, de Ançã. Os tios partiram com<br />
lanternas, as tias ficaram a rezar e a sossegar as crianças, que<br />
48
choravam de medo (havia exactamente um ano que o país, e<br />
todos eles, tinha vivido o drama da Madeleine McCan)! Quem<br />
tinha carro entrava pelos pinhais com os faróis. Vieram os<br />
primos e os tios do Seixo, para ajudarem; veio a freguesia<br />
inteira; veio a Guarda, vieram os Bombeiros de Cantanhede. O<br />
telefone não parava de tocar. Quem estava em casa,<br />
procurava não perder a calma e tranquilizar as outras crianças,<br />
sobretudo as da mesma idade, a quem era difícil explicar o<br />
sucedido. A esperança ia-se consumindo, entre sentimentos de<br />
culpa e de angústia, que cresciam com o alvoroço do povo<br />
solidário. Era noite como breu. Entre os pinhais e os milheirais<br />
só se ouvia silêncio. <strong>Uma</strong> pequena lomba impedia os carros de<br />
continuarem o caminho e, do lado de lá, uma pequena vala<br />
causava os maiores receios.<br />
Por fim, foi a mota do Sr. Castro, o vizinho, que permitiu<br />
encontrar qualquer coisa. Depois de muito chorar, a menina<br />
tinha adormecido de cansaço e estava por terra, deitada num<br />
caminho de cabras. Quando sentiu figura humana, saltou-lhe<br />
ao peito e, de olhos fechados, apenas disse: “Pai! Eu<br />
chamava, chamava… mas o pai nunca não vinha!”. Depois, o<br />
Sr. Castro apressou-se a entregar a menina aos pais e foi<br />
indescritível a alegria de todos.<br />
Hoje, é à luz de momentos como esse que todos<br />
olhamos as pequenas contrariedades da vida, quando<br />
involuntariamente deixamos desfocar a realidade. No lufa-lufa<br />
49
da vida, episódios como este (ou a longa convalescença do<br />
Pedrito, com dez anos de idade, ou a doença da mãe, durante<br />
algum tempo sem diagnóstico), ajudam-nos a refazer a<br />
hierarquia das coisas, a recuperar a paz e a confiar em Deus.<br />
“Os serões das férias de Natal eram<br />
ocasiões de grande ligação familiar, em que<br />
o nosso pai entrevistava formalmente os<br />
presentes e os punha a falar de si mesmos.<br />
Dava especial destaque aos mais velhos<br />
que, naturalmente tinham mais para dizer, e<br />
tinham de repetir o seu repertório de<br />
histórias e orações”.<br />
13. Qual o momento ou momentos mais<br />
agradáveis no seio familiar?<br />
Filho(a): Momento particular da infância, muito<br />
emocionante mas nem por isso menos agradável, foi a visita<br />
de homenagem a sua Alteza Real D. Duarte Nuno, um 1º de<br />
Dezembro, no seu exílio de S. Marcos. Fomos vê-lo os dois<br />
mais velhos com os nosso pais (andaríamos entre os seis e os<br />
sete anos) com expectativas um tanto equívocas, pois a nossa<br />
educação nacional era a do Estado Novo, que ensinava a<br />
venerar os nossos reis mas sempre no passado. Quando nos<br />
50
dispusemos sob as arcadas e vi ao longe aquele senhor tão<br />
humilde e delicado, lembro-me de ter ficado desconcertado,<br />
defraudado, até. Mas quando chegou a nossa vez e o olhei de<br />
perto, vibrei tanto por ser o Rei que se me apagou tudo à volta<br />
e ficámos numa luz especial, como se estivesse a sonhar.<br />
Momentos muito agradáveis, que punham no ar uma<br />
alegria especial, eram os da expectativa do regresso, de três<br />
em três anos, do nosso tio missionário e também, noutra<br />
medida, claro, outras visitas, sobretudo do Padre Camarinha,<br />
primo e padrinho do nosso pai, e alguns padres do colégio,<br />
como o Padre Jorge Oliveira e Padre Faria, que foram ficando<br />
amigos da família e davam direito a jantar na sala.<br />
Os serões das férias de Natal eram ocasiões de grande<br />
ligação familiar, em que o nosso pai entrevistava formalmente<br />
os presentes e os punha a falar de si mesmos. Dava especial<br />
destaque aos mais velhos que, naturalmente tinham mais para<br />
dizer, e tinham de repetir o seu repertório de histórias e<br />
orações. Também eram de grande expectativa os dias de<br />
férias que íamos passar a sós com a avó e as tias do Seixo.<br />
Brincávamos na capela da Madrinha Anita, adivinhávamos as<br />
histórias dos azulejos da sala, explorávamos uma gigantesca<br />
moreia de milho e dávamos à bomba por gosto, no poço do<br />
quintal. Até a visita à latrina rústica nos deixou um certo<br />
fascínio, ao ponto de termos o cuidado de posar diante da<br />
“casinha”, antes da triste demolição.<br />
51
Mesmo no inverno, íamos muitas vezes ao Seixo, aos<br />
domingos, de onde regressávamos a dormir, após o que nos<br />
parecia uma interminável viagem de carro. Do que lá mais<br />
gostávamos, muito para além das padas e das batatas-amolhar,<br />
era de ver o nosso pai a pedir a bênção e beijar a mão<br />
da Avó Albina. Enfim, eram momentos especiais.<br />
Mas havia também uma rotina de momentos agradáveis,<br />
sob o comando dos avós de Ançã. Gostávamos muito de<br />
comer na casa do forno com a avó e de fazer os deveres na<br />
oficina de alfaiate do avô, que, a seu modo, era um erudito,<br />
pois dominava com gosto retórico a língua e tinha uma<br />
curiosidade superior à sua formação. Recebia lá muitas<br />
senhoras de Ançã a quem lia e escrevia a correspondência, da<br />
guerra ou da emigração. Aliás, como o tinham por sábio, era<br />
frequentemente requisitado por herdeiros prudentes, no<br />
delicadíssimo momento das partilhas.<br />
Mas a oficina de alfaiate não passava do que hoje<br />
chamaríamos um emprego. Por dentro, os nossos avós<br />
maternos eram agricultores. A vindima e o envasilhamento, a<br />
apanha e limpeza da azeitona, a debulha do milho e do feijão<br />
na eira, eram para nós outras tantas festas. No “monte”,<br />
enquanto não fomos úteis, era brincar no pinhal todo o santo<br />
dia. Até já grandes, aproveitávamos para brincar com o burro.<br />
E a magia do pinhal arraigou-se tanto em nós que, já<br />
espigadotes, fomos, os rapazes mais um amigo, com o burro<br />
52
carregado de mantimentos e uma mala de livros, passar uma<br />
semana ao Pinhal do Chão do Risco a matar saudades e a ler<br />
de manhã à noite. No “monte” da infância, dava muito gosto<br />
também o farnel do almoço. Mesmo quando a faina metia<br />
pouco pessoal, o Alípio, jornaleiro escriturado, acendia uma<br />
fogueira para assar chicharro e deixava-nos beber agua-pé<br />
pela quartola. E quando o rancho fosse maior, havia jantar na<br />
adega. Mais com os avós, tínhamos também as festas dos<br />
santos, os populares dos solstício e das fogueiras espontâneas<br />
na rua, e os padroeiros das capelas, S. Sebastião, S. Tomé, S.<br />
Bento… O arraial de S. Bento dava direito a pão benzido com<br />
queijo, mais um chupa de açúcar queimado e um ió-ió de<br />
serrim.<br />
Quando a juventude nos dispersou, servia-nos<br />
precisamente o S. Tomé, a 25 de Julho, para inaugurar o<br />
período do reencontro. Enquanto viveram neste mundo os<br />
avós, iam sempre connosco a passeio, quanto mais não fosse,<br />
à Praia de Mira, com farnel na floresta. Ele pagava o melão e<br />
ela um gelado. A propósito, também a matança do porco, dava<br />
azo a momentos muito agradáveis, tanto mais que enquanto o<br />
pôde criar, havia sempre umas notas da avó para os netos.<br />
O mês de Agosto foi sempre passado em família e era<br />
uma série quase diária de banquetes no pátio, que a nossa<br />
mãe nunca regateou. Pode dizer-se banquetes, já que havia<br />
sempre alguns “penduras”, isto é, amigos com quem sempre<br />
53
sentimos a necessidade de partilhar a nossa família. <strong>Uma</strong> vez<br />
até veio casar a Ançã um casal de amigos italianos e a festa,<br />
depois, foi no pátio.<br />
Já antes, fosse pelas saudades, que costumam apertar<br />
de antemão os que partem, fosse pelo cansaço dos pequenos<br />
conflitos, que a partilha de espaços e de responsabilidades<br />
sempre agudiza, o declínio do verão trazia o seu quê de<br />
tristeza. Falava-se por graça, em tom eclesiástico, em<br />
Septembrina depressio, um incipit que depois glosávamos a<br />
modo de esconjuro. Hoje as moções de ânimo da septembrina<br />
depressio são mais complicadas porque naturalmente<br />
multiplicadas foram as relações humanas de cinco famílias<br />
que, se cabem no pátio, já dificilmente caberiam em casa.<br />
Mas os nossos pais levantaram, num pinhal dos nossos<br />
avós, a casa do Seixo. <strong>Uma</strong> certa visita alcunhou-a de kibutz<br />
Miranda, por lá caberem à sociedade os filhos de todos, sem<br />
excluir os “penduras” de nova <strong>gera</strong>ção. Aí, o verão continua<br />
ainda a oferecer-nos os “momentos mais agradáveis no seio<br />
familiar”. Pelo menos os miúdos não duvidam. A Aurora até<br />
compôs uma cantiga elucidativa: Para mim o verão/é<br />
realmente uma diversão/ mas quando ele acaba/ a tristeza<br />
reina com lágrimas/ sobre a minha face/ Ooó não, o Verão…<br />
Mãe: Nesta caminhada de 50 anos, não faltaram<br />
algumas amarguras, mas também houve muitas alegrias. A<br />
última foi a celebração das nossas Bodas de Ouro.<br />
54
Celebrámos esse acontecimento no passado dia 8 de<br />
Agosto, na companhia da família mais alargada e de<br />
muitos velhos amigos, com seus filhos e netos. Foi uma<br />
festa maior que a do nosso casamento. Preparada pelos<br />
nossos filhos, nela puseram todo o seu enlevo. Desde a<br />
Missa, aos cânticos, à parte recreativa preparada pelos<br />
netos, à beleza que a tudo quiseram dar, foi uma grande<br />
consolação, de tantas que Deus nos concedeu neste meio<br />
século!<br />
14. No campo escolar, os irmãos inter-<br />
-ajudavam-se?<br />
Filho(a): Entre os mais novos, bastava conhecer a boa<br />
fama dos mais velhos para despertar sentimentos de<br />
emulação. Cada um recebia a pesada herança do irmão mais<br />
velho, sobretudo se os professores eram os mesmos, como<br />
acontecia na Escola Secundária de Cantanhede. Além disso,<br />
fora do âmbito estritamente escolar, o saber dos mais velhos<br />
era ocasião de estímulo para os mais novos: os livros que<br />
compravam, os livros que liam, a música que ouviam e que<br />
tocavam, as conversas que tinham. Antes mesmo de<br />
frequentarem o Conservatório, o Pedro, que havia de ser o<br />
nosso músico e musicólogo, chegou a dar às manas<br />
verdadeiras aulas de História da Música, com actividades<br />
55
práticas de audição, por períodos artísticos. Tinha criado uma<br />
antologia musical, gravada domesticamente a partir da Antena<br />
2, no pequeno leitor de cassetes que tinham comprado com as<br />
suas magras economias..<br />
No âmbito estritamente escolar dos TPC’s, não havia<br />
grande necessidade de inter-ajuda, a não ser para o melhor<br />
conhecimento da biblioteca da casa. Havia uma interessante<br />
partilha de meios, sobretudo de livros (de Direito, para uns,<br />
para outros de História, para outros de Estudos Clássicos, para<br />
todos, de Literatura) e do próprio espaço de estudo. O<br />
OTIARIUM, cujo letreiro se podia ler por cima da garagem e<br />
cujo espaço fora conquistado ano a ano, cm a cm, ao espaço<br />
da casa, à custa de móveis, tapetes, candeeiros e tecnologia<br />
áudio literalmente “roubados” ao pai e à mãe, dava-nos a<br />
ilusão de afirmarmos uma gostosa independência, sem sair de<br />
casa. Servia para receber os amigos nas horas de ócio, mas<br />
também para praticar as artes humaniores, tal qual Cícero as<br />
entendia.<br />
15 Havia disciplina na realização dos<br />
trabalhos de casa e no estudo feito em<br />
casa?<br />
Filho(a): No estudo, não era preciso, como agora, a<br />
vigilância activa dos pais sobre os deveres de cada um. Nos<br />
56
trabalhos de casa, embora houvesse uma avó Aurora sempre<br />
presente e uma Catarina que assumiam a retaguarda da vida<br />
doméstica, as manas começaram desde cedo a ter as suas<br />
pequenas responsabilidades. O forte não era de todo a<br />
cozinha. Quando as manas reclamavam mais autonomia no<br />
fogão, a mãe respondia (profeticamente!) que haveríamos de<br />
ter tempo de nos fartarmos de panelas! E poupava-nos à<br />
culinária do quotidiano. Sobravam apenas aquelas<br />
experiências excepcionais para as ementas melhoradas ou as<br />
sobremesas das ocasiões especiais. O resto era a arrumação<br />
e as limpezas da casa, que as manas partilhavam, nem<br />
sempre pacificamente, mas como quem não tinha alternativa.<br />
E a casa era grande, e cheia. Os manos? Bom, para ninguém<br />
ficar mal na fotografia, admitamos que não eram tão prontos<br />
neste tipo de actividades que a vida agora a todos impõe (a<br />
eles inclusivamente). Mas nem por isso ficavam alheios ao<br />
muito que fazer. A nossa infância estava povoada de horta, de<br />
quintal e de vinha, e era nessas actividades que eles mais<br />
facilmente colaboravam, durante aqueles longos quatro meses<br />
de férias, chegando mesmo a haver uma leira de morangos de<br />
sua exclusiva propriedade. A época das vindimas e do vinho,<br />
na adega da casa, dava trabalho para todos – os de casa e os<br />
muitos de fora (das três <strong>gera</strong>ções) que vinham ajudar, sob o<br />
governo do avô Zé Carlos e do Alípio.<br />
57
CAMPISTAS, CANTORES E BONS LEITORES<br />
NAS FÉRIAS GRANDES<br />
16. Como viviam o período de férias?<br />
Filho(a): Vivíamos quatro meses de férias (!) sem nos<br />
apercebermos do privilégio que tínhamos. Na primeira infância,<br />
passávamos o mês de Julho numa casa na Praia de Mira, com<br />
os avós, enquanto os pais ainda trabalhavam. Por vezes, a<br />
estadia prolongava-se por Agosto. A praia era aguardada com<br />
expectativa, e desfrutada na companhia de algum primo, ou<br />
dos filhos dos amigos dos pais, que também ali passavam a<br />
temporada. Com eles partilhávamos brincadeiras e<br />
travessuras. Mas ainda havia tempo para passar uma ou outra<br />
semana no Seixo, em casa da Madrinha Anita, da avó Albina e<br />
das tias, apreciar o leitinho fresco da vaca, apanhar as peras e<br />
os figos mais doces e comê-los da árvore, tirar água do poço e<br />
andar de bicicleta em liberdade, mas sobretudo ouvir as<br />
quadras populares e o humor bizarro das histórias da avó<br />
Albina, como a Princesa do vestido da pele de piolho… e<br />
admirar o exemplo daquelas mulheres alegres, piedosas e<br />
generosas, a quem todos olhavam com tanto respeito e que<br />
58
eram para nós o testemunho de um avô que não tínhamos<br />
conhecido.<br />
Quando os rapazes cresceram, os pais fizeram um acto<br />
de confiança e deixavam ir os cinco filhos, ora sozinhos, ora na<br />
companhia de um jovem prefeito do Colégio, muito amigo da<br />
família (hoje, P. Jorge Oliveira S. J.), acampar, na Mata da<br />
Praia de Mira (não sem a visita frequente da família). Nessa<br />
altura, os hábitos já eram outros. Da bagagem, para além de<br />
uma velha tenda, sacos cama e material de cozinha, fazia<br />
parte indispensável uma grande mala de livros que os rapazes<br />
escolhiam a dedo para levar e ler durante a temporada. Na<br />
praia, só o banho de mar e uma ou outra concessão<br />
interrompia as leituras. Acabava um livro e os rapazes<br />
sugeriam o título do seguinte. À noite havia muita música:<br />
viola, flauta, violino e as nossas vozes, a cantar quase todo o<br />
Camptilena, atraindo assim, até nós, outros campistas que<br />
acabavam por se sentar connosco. Depois, já com carta de<br />
condução, foram os acampamentos em Rio Longo (Vieira do<br />
Minho), já com a companhia da nossa cunhada Manela, e do<br />
Isaías, que viria, mais tarde, a entrar para a família. Foi aí que<br />
começámos a fazer música mais a sério.<br />
Além dos passeios em família (que incluíam os avós), o<br />
Paizinho organizava connosco expedições mais longas, e<br />
assim nos mostrou o país de Norte a Sul. Cedo ganhámos o<br />
vício de fazer turismo sério e fotografar arte e paisagem, em<br />
59
diapositivos que, mais tarde, contemplávamos com os amigos,<br />
nos longos serões, debaixo da latada da casa materna, ora<br />
calmamente, ora no meio das mais acesas discussões<br />
histórico-filosóficas que os vizinhos sempre toleraram<br />
admiravelmente.<br />
As vindimas, no começo do Outono, já sabiam a<br />
despedida de férias. Partiam os que já estavam fora, levando<br />
também os amigos que tinham vindo ajudar, e ficavam os mais<br />
novos a aguardar o regresso às aulas.<br />
17. O que levou os filhos a fazerem as suas<br />
escolhas profissionais?<br />
Filho: No meu caso, a escolha profissional resultou<br />
simplesmente da necessidade de arranjar emprego. Fui<br />
alguém que se deu sempre ao luxo de estudar aquilo de que<br />
mais gostava. No momento de procurar o emprego, fui à bolsa<br />
e tirei de lá o que podia. No entanto, posso dizer que fui mais<br />
escolhido do que escolhi.<br />
Hoje, vive-se no reino da flexiciência e posso dizer que<br />
levo com muito gosto as mudanças constantes no meio<br />
universitário.<br />
Filho: No meu caso, optei por cursar Direito em<br />
Coimbra, em vez do curso de Filosofia e Humanidades, da<br />
Faculdade de Filosofia da UC em Braga. Nesta decisão fui<br />
60
condicionado pelas limitações financeiras de uma família<br />
numerosa vivendo de dois salários médios mas, sobretudo,<br />
influenciado por um conselho prático, se não pragmático, do<br />
Paizinho, que já vinha de longe, logo que terminei o curso <strong>gera</strong>l<br />
dos liceus. Antes do curso mais apreciado, estava o que mais<br />
provável e brevemente me oferecesse a autonomia social e<br />
económica. A passagem pelo ensino superior foi breve, quer<br />
porque, francamente, me sentia bem “pequenino” ao pé dos<br />
companheiros de curso que começavam a mesma carreira na<br />
Faculdade de Coimbra, quer porque a Universidade da Beira<br />
Interior não oferecia grandes meios e futuro a um professor de<br />
Direito, quer porque cedo acalentara a hipótese de entrar na<br />
magistratura do Ministério Público, então no início da sua<br />
afirmação como magistratura autónoma e pró-activa na defesa<br />
da Res Publica, dos incapazes, dos menores etc. Por fim, a<br />
passagem à magistratura judicial decorreu de uma<br />
oportunidade legal que se me ofereceu, de fazer a experiência<br />
da judicatura na área científica em que me licenciara e,<br />
debalde, sempre almejara trabalhar: Ciências Jurídicopolíticas.<br />
Filho: A minha primeira escolha profissional (professor<br />
do Conservatório de Música de Coimbra) não foi minha.<br />
Escolheram-me. E eu, que, na adolescência tinha sonhado<br />
com aquela possibilidade mas sempre a tinha visto como<br />
impossível, por saber ter começado a estudar tarde, não<br />
61
hesitei. Como vim a dar em padre, mas em qualquer caso<br />
padre-músico, é uma história muito longa que não cabe nos<br />
limites e no género literário destes apontamentos. Retenha-se,<br />
no entanto, que tudo o que disse na resposta à pergunta 5 faz<br />
parte dessa história, bem como as referências às minhas<br />
actividades apostólicas na paróquia e na universidade.<br />
Filha: Com uma mãe professora, desde cedo olhei para<br />
a docência como a minha profissão. Depois, no 9ª ano, houve<br />
uma professora de Português, cuja formação vasta e integral<br />
me chamou a atenção. Pessoa tímida e discreta, era porém<br />
uma das professoras mais cultas que conhecia, cujo saber e<br />
exigência tomei como modelo. À minha apetência natural pelas<br />
humanidades, somou-se então o interesse pelas línguas<br />
clássicas, (este herdado do pai, que sabia latim e era homem<br />
de muitas leituras), o interesse ‘exótico’ por um alfabeto novo e<br />
uma civilização nos arquétipos da nossa. Sabia que os estudos<br />
clássicos me abririam portas novas ao conhecimento da<br />
história, da filosofia e da literatura, que eu não queria<br />
abandonar. A opção do curso superior estava, por isso, feita<br />
desde cedo, sem a preocupação de escolher uma profissão,<br />
porque ela viria a dar, certamente no ensino. Arrastada<br />
também pelo exemplo de excelentes professores que tive,<br />
quando acabei o curso não tinha dúvidas. Nessa altura, não<br />
era, aliás, difícil aceder a esse mundo profissional. Pude<br />
realmente optar entre uma proposta da área científica da<br />
62
linguística, em Coimbra, ou da área da Cultura Clássica no<br />
Porto, ou em Évora. Mas o amor primeiro falou mais alto e<br />
levou-me até ao Porto.<br />
Filha: Desde o 5º ano que, quando estudava, gostava de<br />
imaginar que dava aulas. Voltava-me para uma turma<br />
imaginária e explicava a matéria que estava a estudar. Talvez<br />
porque a minha mãe era professora ou porque, na altura, tinha<br />
uma professora de quem eu gostava muito (a D. Maria Luísa).<br />
O certo é que depois daqueles sonhos mais infantis de querer<br />
ser bailarina, por exemplo, foi ficando a ideia de ser professora.<br />
No entanto, ensinar uma criança a ler parecia-me tarefa muito<br />
difícil para mim. Ficava então de fora a hipótese de ser<br />
professora no ensino primário.<br />
Também desde cedo senti mais gosto pelas<br />
Humanidades, por isso, e por influência da irmã mais velha, a<br />
Margarida, que tinha gostado muito do Grego e do Latim, fiz<br />
por ter colegas em nº que permitisse abrir uma turma de Grego<br />
no liceu de Cantanhede. Quanto ao Latim, a turma era<br />
garantida. Desde o 10º ano que ficou mais ou menos assente<br />
para mim a escolha de uma licenciatura em Estudos Clássicos,<br />
curso em que ganhei verdadeiro gosto pela investigação e<br />
confirmei o gosto pelo ensino.<br />
63
“A paixão por uma interpretação histórica, ou por<br />
uma tese teológica, levou-nos muitas vezes (hoje menos) a<br />
levantar a voz e a “rasgar as vestes” com insultos de parte<br />
a parte. Mas nunca nos zangámos. As manas é que<br />
sempre saíram a perder porque, em caso de berraria, a voz<br />
feminina não se impõe da mesma maneira”.<br />
18. Havia “sabatinas”, “debates” entre os<br />
membros da família?<br />
Filho(a): Já de pequenos tínhamos, com muitas pessoas<br />
que frequentavam os nossos pais, a actualidade eclesiástica à<br />
mesa. E nós confrontávamos sempre com o nosso pai o que<br />
nos ensinavam no colégio, não fossem por lá andar a enganarnos<br />
com doutrinas humanas e não divinas. Tivemos desde<br />
sempre o gosto espontâneo da religião como fonte da<br />
Verdade, e com a Verdade era preciso muito respeitinho. De<br />
miúdos, além de brincar aos pais e às mães, brincávamos<br />
também aos missionários (um fazia de bispo e os outros eram<br />
mandados às missões) e não faltava a missa na adega,<br />
utilizando como retábulo ad orientem o rebordo do batoque das<br />
pipas, que sugeria um sacrário em forma de arco românico. O<br />
Colégio dos Jesuítas prolongou esse horizonte, mas a partir de<br />
75, no culto sobretudo, os tempos eram de grande desordem,<br />
pois vivia-se numa atitude refundacionista, como que de<br />
recomeço da História… Enfim, era mais ingenuidade do que<br />
64
qualquer outra coisa, mas não é isso que agora vem ao ponto.<br />
O certo é que, desse confronto, resultava de facto uma espécie<br />
de sabatina.<br />
Nunca nos faltaram amigos no Colégio, mas nós<br />
tínhamos justamente um ferrete, paradoxal, de livrespensadores.<br />
Foi muito significativo o episódio de uma<br />
“assembleia <strong>gera</strong>l” (era no rescaldo do golpe de 74 e<br />
macaquear a democracia era uma pedagogia compulsiva) em<br />
que protestámos contra os abusos litúrgicos insistindo que,<br />
“mesmo nas piores condições, o sacerdote deveria usar ao<br />
menos a estola”. Ninguém via o problema, aliás, ninguém sabia<br />
o que era a estola, e fomos o pratinho da chacota <strong>gera</strong>l, por<br />
causa da “pistola”.<br />
Com o tempo, as nossas leituras, primeiro de romance e<br />
depois, sobretudo de História, a ajuntar às especializações<br />
científicas de cada um, foram dispersando e enriquecendo os<br />
nossos temas de interesse, de modo que as conversa post<br />
prandium resultavam por vezes num processo, não isento de<br />
custos emocionais e de conflito, de aprofundamento e de<br />
conciliação de pontos de vista. Numa profética ocasião –<br />
andávamos pelos 10 anos – fomos até ao “derramamento de<br />
sangue”. Enquanto a nossa mãe fazia de júri do então<br />
severíssimo exame da IV Classe, na Gala, Figueira da Foz, cá<br />
fora, no átrio da sala, envolvemo-nos os dois mais velhos<br />
numa causa decisiva. Um estava por D. João II, outro pela<br />
65
Princesa Santa Joana. E como o de D. João II falhasse de<br />
argumentos, disse tais sarcasmos ad hominem, que o de<br />
Santa Joana não se conteve que lhe não esmurrasse o nariz<br />
em toda a extensão. Para os dias seguintes, a nossa mãe lá<br />
providenciou que o marido de uma colega nos levasse à<br />
pesca…<br />
A paixão por uma interpretação histórica, ou por uma<br />
tese teológica, levou-nos muitas vezes (hoje menos) a levantar<br />
a voz e a “rasgar as vestes” com insultos de parte a parte. Mas<br />
nunca nos zangámos. As manas é que sempre saíram a<br />
perder porque, em caso de berraria, a voz feminina não se<br />
impõe da mesma maneira.<br />
Depois, da dispersão fizemos uma riqueza. As noites do<br />
pátio, para além de conversas à saciedade, deram em ocasião<br />
de partilha dos nossos percursos e interesses artísticos,<br />
através da projecção e comentário de diapositivos. Tivemos a<br />
nossa fase da arte da antiguidade clássica, da arqueologia<br />
cristã, da pintura italiana, mas o que nos cativou<br />
duradouramente foi a paisagem e o património plástico das<br />
igrejas e conventos arruinados de Portugal. O costume era<br />
caro mas pegou. A fotografia electrónica trouxe uma crise mas<br />
actualmente, com a vulgarização do video-projector,<br />
continuamos a partilhar a vida de cada família nos serões de<br />
verão.<br />
66
“A família Miranda tem este privilégio extraordinário<br />
de ser constituída por pessoas de temperamentos e de<br />
talentos muito diferentes, mas que têm em comum uma<br />
vontade férrea de serem verdadeiros cristãos. É esta a<br />
âncora que dá segurança nas pequenas borrascas do<br />
quotidiano e também nos vendavais um pouco mais<br />
aparatosos que, no fim de contas, nunca deixam marcas<br />
67<br />
de destruição…”<br />
19. Como interagem hoje os irmãos e os<br />
seus cônjuges? Mantém-se o “espírito de<br />
família”? Foi interiorizado pelos que foram<br />
chegando à Família?<br />
Nora: O casamento é uma opção de vida que implica<br />
não só a aceitação daquele com quem decidimos partilhar a<br />
nossa vida mas também de toda a sua história pessoal e da<br />
sua família. Foi aos 20 dias do mês de Setembro de 1986 que<br />
eu, Maria Manuela dos Santos Gonçalves, e Tiago Afonso<br />
Lopes de Miranda, contraímos vínculo matrimonial e demos<br />
início, com a graça de Deus, a uma comunidade de vida e de<br />
amor. O nosso pequeno lar começou por ser um anexo da<br />
casa patriarcal da família Miranda onde, com o justo equilíbrio,<br />
tínhamos a privacidade e autonomia a que todos os jovens
casais aspiram, mas também o apoio incondicional daqueles<br />
que passaram a ser “os meus sogros” e os “meus cunhados”.<br />
A chegada da primeira filha, que era também a primeira<br />
neta e a primeira sobrinha, foi vivida com uma alegria imensa<br />
(e intensa) por todos os membros da família. Hoje, decorridos<br />
vinte e dois anos, numa altura em que todos vivemos a<br />
expectativa da chegada do décimo nono neto dos avós<br />
Miranda, atrevo-me a dizer que o sentimento partilhado por<br />
todos continua a ser de grande contentamento porque, afinal<br />
de contas, o que nos une na profundidade é a mesma Fé num<br />
Deus que se fez Homem para nos trazer o segredo da “vida<br />
em abundância”.<br />
A família Miranda tem este privilégio extraordinário de<br />
ser constituída por pessoas de temperamentos e de talentos<br />
muito diferentes, mas que têm em comum uma vontade férrea<br />
de serem verdadeiros cristãos. É esta a âncora que dá<br />
segurança nas pequenas borrascas do quotidiano e também<br />
nos vendavais um pouco mais aparatosos que, no fim de<br />
contas, nunca deixam marcas de destruição…<br />
20. Como é hoje o dia a dia das vossas<br />
famílias, dos membros da Família Miranda?<br />
Filho(a): Durante a semana, o quotidiano é mais ou<br />
menos marcado pelo ritmo escolar dos filhos que, entre as<br />
68
várias famílias, abrange da primária à Universidade. Os que<br />
andam na escola primária, basta-lhes atravessar a rua ou<br />
andar meia dúzia de metros, pois são todos vizinhos. À<br />
excepção da família do Zé Carlos, que vive em Braga e, por<br />
isso, tem um ritmo de vida mais ‘urbano’, todos moram perto<br />
da escola. Ao almoço, a avó Lizete alimenta três netos que<br />
vêm da escola, mais três que ainda estão em casa. A sua<br />
preocupação da manhã é “ter o almoço pronto para os<br />
meninos”, depois de ter ido ao outro lado do bairro levar a<br />
comida às galinhas e às pombas, com mais duas netas pela<br />
mão. À tarde, depois da escola, dá-lhes a merenda e dedica-se<br />
às suas lições. Sim, porque depois de fazer os trabalhos da<br />
escola, os garotos ainda têm a composição, ou a tabuada, ou<br />
as contas de dividir ou de multiplicar, que são os ‘trabalhos da<br />
avó Lizete’. Durante a manhã, de preferência, ou depois de<br />
almoço, as que não andam na escola já fizeram uns<br />
trabalhinhos, uns desenhos, ou começaram a ler umas<br />
palavrinhas.<br />
Os que andam no segundo ou no terceiro ciclo passam<br />
mais tempo fora. Como os pais decidiram escolher para os<br />
filhos escolas católicas, com cujo projecto educativo se<br />
identificam, têm de fazer mais alguns quilómetros. Uns vão<br />
para Cernache, para o Colégio dos Jesuítas, outros para<br />
Mogofores, o Colégio dos salesianos. Os pais levam-nos de<br />
manhã (às vezes roda o condutor), e assim se aproveita a<br />
69
viagem para a oração da manhã e para as recomendações<br />
necessárias (que nunca se repetem vezes demais). À tarde,<br />
para o regresso, pode ser de novo o pai, ou a camioneta, ou o<br />
comboio…. Para os que dão os primeiros passos no 5º ano, há<br />
sempre um irmão ou um primo mais velho para ajudar na<br />
integração na escola, para ensinar onde apanhar o autocarro,<br />
dar segurança, etc…<br />
O fim do dia pode ser ocupado com as aulas do<br />
Conservatório, o que significa mais uma organização de<br />
boleias com um tio ou um avô, ou ainda um amigo. Também<br />
em Braga assim funciona: ajudando e deixando-se ajudar,<br />
entre família e amigos.<br />
À sexta-feira à noite, já cheira a fim de semana, por isso<br />
pode haver uma sessão de cinema para os mais novos em<br />
casa da tia Margarida. Se ao Sábado cada um toca as suas<br />
rotinas para a frente, uns dando, outros indo à catequese e aos<br />
escuteiros (nova ronda de boleias!) ao Domingo, sempre que<br />
possível, depois da Missa e da conversa no adro da igreja,<br />
almoça tudo em casa da avó Lizete. Se não vem o Zé Carlos,<br />
somos 23, se vem o Zé Carlos somos 28. O Pedro, esse, com<br />
as obrigações da paróquia, só vem ao Domingo à noite. Os<br />
almoços são ruidosos, mas já foram mais difíceis…. depois de<br />
servir a criançada, almoça-se com ‘algum sossego’ e ainda se<br />
aproveita o resto da tarde para dar um passeio com os miúdos,<br />
ir a casa dos outros avós, a alguma pastoral, ou até mesmo, se<br />
70
os testes apertam, para o pai estudar com o filho, o tio com o<br />
sobrinho ou um primo com outro primo.<br />
Requisitado por todos, o Tio Pedro vem ao Domingo à<br />
noite, mas já os garotos estão mais para lá que para cá, e no<br />
dia seguinte é Segunda-feira… Por isso, à Segunda, que é o<br />
seu dia de folga, o Tio Pedro janta alternadamente em casa de<br />
cada irmão, para ‘ir estando’ com todos. Nem Braga fica de<br />
fora, porque vai havendo sempre algum afazer eclesiástico na<br />
Roma portuguesa, e, quando assim é, não se perde a<br />
oportunidade da viagem. Vão também o avô Tiago, a avó<br />
Lizete e as netas que não têm escola, para poderem estar,<br />
nem que seja por umas horas, com as primas de Braga.<br />
Filho(a): Nós, os de Braga, somos uns desgraçados<br />
porque, como hei-de dizer… Olhe, em linguagem de Assistente<br />
Social, diria que não temos retaguarda familiar nem rede<br />
vicinal de apoio. Ainda por cima, no trabalho, padecemos<br />
ambos de “isenção de horário”, e com horário lectivo dobrado<br />
em diurno e pós-laboral, um na universidade e outro na escola<br />
e na formação de adultos; de maneira que programar uma<br />
semana com os horários de base dos pais mais as incógnitas<br />
todas e os escolares das filhas, duas em escolas diferentes<br />
mais a pequenita no “Centro de Dia”, e juntar a tudo a música<br />
extracurricular e as catequeses… é uma autêntica batalha<br />
naval. O que ainda nos tem valido, para além de uma<br />
vizinhança tão aflita como nós que vai calçando alguma<br />
71
emergência, é uma associação de <strong>gera</strong>ção espontânea a que<br />
chamamos ADAREB (Associação dos Ançanenses Residentes<br />
em Braga), com uma família reencontrada em Paris e depois<br />
em Braga, que tem uma filha da idade da nossa mais velha, a<br />
frequentar a mesma escola e tudo. A associação não tem<br />
personalidade jurídica, aliás, nem pode, porque os dois<br />
associados só dão para presidente e secretário e os<br />
candidatos a tesoureiro ainda são menores… mas mesmo sem<br />
letra de forma tem sido providencial. Com pouco tempo no diaa-dia<br />
para estar com as miúdas, esforçamo-nos por pôr em<br />
prática o conselho que a Florbela ouvia a um sábio professor,<br />
que é aproveitar muito bem o tempo passado no carro, que é<br />
muito! Tem que dar para rezar a oração da manhã e para os<br />
relatos do fim da tarde. Foi no carro que elas aprenderam as<br />
mesmas orações que aprendemos de pequenos, com as<br />
essenciais em latim, a que aderem com muita espontaneidade.<br />
Nas viagens longas, aproveitamos para rezar o terço, um ritual<br />
diário que nos moldou nas nossas famílias de origem e na vida<br />
que levamos não conseguimos integrar na vida quotidiana.<br />
Antes da oração da noite, lá se vai arranjando tempo para uma<br />
história. Como o repertório popular é limitado, se for o pai, que<br />
não tem paciência para literatura infantil (que o mais das vezes<br />
é mais imbecil do que infantil), vão indo as da Bíblia, que têm<br />
sempre muito sucesso. Agora, a Aurora já vai ajudando nessa<br />
função e compensa as irmãs mais novas com um pouco da<br />
72
sorte dela, que foi ter os pais todos os dias em casa, à hora de<br />
deitar. Aos domingos, em média, tendencialmente, visitamos<br />
as duas famílias de origem uma vez por mês; noutro, pomos<br />
em dia alguma amizade ou, especialmente no domingo em que<br />
canta a Capela Musical de Stª Cruz, descansamos com as<br />
miúdas. Além dos domingos de ir a Ançã, que para as nossas<br />
filhas são sempre um salutar banho de primos, também temos<br />
às vezes umas Segundas de festa, quando o tio Pedro<br />
aproveita a folga de pároco e vem a Braga tratar de tricas lá<br />
das igrejas e capelas da sua jurisdição. <strong>Tr</strong>az sempre a avó<br />
Lizete e/ou o avô Tiago, com presentes, mais duas ou três<br />
primitas pré-escolares, e é sempre uma noitada esfusiante<br />
para nós e as nossas filhas. Nas férias de natal, para quebrar o<br />
inverno, também gostamos de ir comer e seroar às rodadas,<br />
nas casas uns dos outros. O rebuliço também deixa saudades<br />
e a gente só não as sente na hora fugaz de apanhar cacos e<br />
brinquedos e pôr móveis no sítio. Temos que aprender com o<br />
avô Tiago e a avó Lizete, que têm lá todos os dias o que em<br />
nossa casa é só de vez em quando.<br />
73
GRUPO ANÇÃ-BLE<br />
FONOLOGIA ADEQUADA PARA<br />
REPRODUZIR AS NOTAS<br />
AFINADAS DO FAMILIAR SENTIDO<br />
DE CONJUNTO<br />
21. O que os une hoje – e sabemos que<br />
constituíram um grupo musical? Outros<br />
exemplos?<br />
Filho(a): O que nos une, não é propriamente o grupo<br />
musical, que é mais efeito do que causa. Aliás, é<br />
extremamente difícil fazer música à altura das nossas<br />
aspirações, pois isso requereria trabalho regular, que não é<br />
conciliável com as nossas vidas familiares nem profissionais.<br />
Temos um repertório quantitativamente vasto porque os ançãble<br />
que moram em Ançã, todos menos o maestro e um baixo,<br />
cantam e tocam no coro paroquial e têm que alimentar a<br />
liturgia de um ano inteiro, sem falhar, domingo após domingo.<br />
74
Se não fosse isso, dificilmente teríamos capacidade de<br />
resposta às solicitações litúrgicas ou concertísticas que vamos<br />
aceitando. Claro, concertos propriamente ditos não seriam<br />
possíveis sem a semana anual dos “Encontros de Música<br />
Antiga de Rio Longo” e a respectiva gravação. “Os Encontros”<br />
chamam-se assim por terem começado lá para 87, nuns três<br />
ou quatro acampamentos, em anos consecutivos, numa ilhota<br />
rústica situada na freguesia de Rio Longo, perto de Vieira do<br />
Minho.<br />
Actualmente, são na casa do Seixo, e, com tanto<br />
cachopedo à solta, só se têm aguentado graças aos avós e às<br />
duas cunhadas não cantoras, Manuela e Florbela, que<br />
organizam para os pequenos, com uma paciência infinita, um<br />
programa análogo ao de um campo de férias. Nessa semana,<br />
temos tido a tempo inteiro a Srª Beleza, uma exímia cozinheira<br />
e esteio de apoio da família lá em Ançã, porque um rancho<br />
diário para trinta pessoas, com todos os adultos ocupados,<br />
requer dedicação especializada. Aí a lotação da casa fica<br />
esgotada. Parece que em breve já não haverá beliches que<br />
valham. Um dia surpreendemos a Ana Lizete e a Aurora a<br />
torcer por que fosse menino o novo bebé da Tia Margarida.<br />
Perguntámos por que estavam tão determinadas por um primo<br />
e não por uma prima. Concluímos que era só por bater certo lá<br />
pelas contas delas nas camaratas do Seixo.<br />
75
Enfim, não é propriamente assim que se trabalha nos<br />
estágios na Casa da Música… Não, o que nos une, é, aos<br />
cinco, a herança afectiva dos nossos pais e avós, e aos<br />
nove, com os nossos cônjuges, a herança comum da fé,<br />
da esperança e da caridade. Tivemos todos a felicidade de<br />
encontrar para casar pessoas que acolhem a graça de ser<br />
fiéis à Igreja Católica. E por isso, para os nossos casais,<br />
mesmo quando as diferenças pesam e a virtude escasseia,<br />
a Verdade e o Bem são objectivos. E isso, tanto dá<br />
segurança como humildade.<br />
...E SÃO UMA FAMÍLIA<br />
FELIZ.EXEMPLAR.UMA FAMÍLIA (FAMÍLIA<br />
MIRANDA) À QUAL O ROTARY CLUB DE<br />
COIMBRA PRESTA HOMENAGEM.<br />
HÁ HISTÓRIAS DE ENCANTAR QUE SABE<br />
BEM CONTAR...<br />
OU ANTES: ESCUTAR COM INCONTIDA<br />
TERNURA E EMOÇÃO.<br />
76
AS BIOGRAFIAS
Avós com 17 dos netos (2005).<br />
Baptismo da Guidinha e da Irene.
Tiago da Rocha Miranda<br />
Memória<br />
A contagem dos 80 anos de vida, que já cumpri,<br />
iniciou-se no dia 21 de Maio de 1929 – gandarês, de pais<br />
gandareses, no lugar (hoje freguesia) do Seixo, no<br />
79
concelho de Mira. Foram meus pais Afonso de Miranda<br />
Catarino e Albina de Jesus Rocha.<br />
Tive uma infância feliz, com meus sete irmãos e,<br />
aos 7 anos, entrei na escola primária, sorte que não era<br />
extensiva a todas as crianças.<br />
Brincalhão que era, certo dia, o meu<br />
comportamento com o colega de carteira mereceu, da<br />
parte do Professor, um pequeno tabefe, tipo “enxotamoscas”.<br />
Foi o suficiente para me recusar a voltar à<br />
escola. Até que, certa manhã, meu pai tomou-me pelo<br />
braço com energia e, ignorando os meus protestos, lá me<br />
levou; entregou-me ao Sr. Professor, Raul de seu nome,<br />
que me acompanhou depois até à conclusão da 4ª classe.<br />
Em Outubro de 1941, a meu pedido e por mão de<br />
minha saudosa Tia, Maria Evangelina, dei entrada no<br />
Seminário da Imaculada Conceição, na Figueira da Foz,<br />
em que fiz os dois primeiros anos preparatórios,<br />
transitando depois para o Seminário Maior de Coimbra,<br />
onde os concluí e cursei ainda Filosofia e três anos de<br />
Teologia.<br />
O período de cerca de 15 anos da adolescência e<br />
juventude foi fundamental para a minha vida. Foi no<br />
Seminário que adquiri a minha formação moral e<br />
intelectual, modelando a minha personalidade e carácter,<br />
caldeados na Fé e nos valores cristãos. Embora tenha<br />
80
desistido de alcançar a meta inicial do Sacerdócio, nunca<br />
me arrependi dos anos ali passados, e estou sumamente<br />
grato à Providência, pelos caminhos que me levou a<br />
percorrer.<br />
Em Outubro de 1953, tomei o caminho de<br />
Salamanca, para completar os estudos de Filosofia na<br />
Universidade Pontifícia, mas, nesse mesmo mês e ano,<br />
declarou-se-me uma “Fiebre Tifoidea”, numa época em<br />
que não haviam chegado ainda, a Espanha, os<br />
antibióticos que a poderiam ter debelado. A doença<br />
atirou-me então para o Hospital, quase até à fronteira da<br />
Vida. Durou o internamento cerca de um mês. Regressei,<br />
então, a Portugal para um largo período de<br />
convalescença.<br />
Apanhado pelo Serviço Militar, novo período de<br />
internamento, agora no Hospital Militar em Coimbra,<br />
onde uma inspecção médica, no dia em que completava<br />
27 anos de idade, me declarou inapto, libertando-me,<br />
assim, da obrigação de me incorporar no Exército.<br />
Regressado a Salamanca, pude então concluir o<br />
Bacharelato e, no ano seguinte, em 1958, a Licenciatura<br />
em Filosofia. De volta a Portugal, em 1958, munido de<br />
“Canudo”, ainda pensei em prosseguir estudos, cursando<br />
uma licenciatura em Direito – ramo que sempre me<br />
seduziu – mas, considerando a idade e duração dos<br />
81
estudos, pus de parte a ideia.<br />
Obtive entretanto, do Ministério da Educação, uma<br />
certidão de equivalência do meu curso e um Diploma<br />
para o Ensino Particular, com competência para ensinar<br />
Latim, Português, Filosofia e História. Tentei a carreira<br />
do Ensino num Colégio Particular, mas ao fim de um mês<br />
de experiência, convenci-me de que não era esse o meu<br />
caminho, e despedi-me.<br />
Decidi então, enveredar pela carreira da Função<br />
Pública, como funcionário administrativo. Após sete ou<br />
oito meses na Câmara Municipal de Mira, preparei-me<br />
para os concursos abertos pela então Direcção Geral de<br />
Administração Política e Civil: logo de seguida coloqueime<br />
como Chefe de Secretaria da Câmara Municipal de<br />
Mondim de Basto, em 20 de Maio de 1959.<br />
Entretanto já tinha conhecido a Mulher que Deus<br />
colocou no meu caminho, uma simpática moça, de olhos<br />
verdes, professora por vocação. Em Agosto de 1959<br />
selámos, no Altar da Igreja Matriz de Ançã, o nosso<br />
compromisso Matrimonial, cujo cinquentenário tivemos<br />
a graça de celebrar no dia 8 de Agosto deste ano de 2009,<br />
rodeados dos nossos 5 filhos, genros, noras e 18 netos –<br />
Graças a Deus!<br />
Em Mondim de Basto permaneci até 24 de Maio de<br />
1961, já na companhia de minha Mulher, Maria Lizette,<br />
82
colocada na Escola de Parada, freguesia de Atei.<br />
Como o nosso desejo era aproximarmo-nos de<br />
Ançã, concorri para a vaga aberta na Câmara Municipal<br />
de Tábua, onde fui colocado e permaneci até Fevereiro<br />
de 1966, quando teve lugar a minha última transferência<br />
na Função Pública, para a Câmara Municipal de Miranda<br />
do Corvo. Ali permaneci até Abril do mesmo ano de<br />
1966.<br />
Ocorreu então uma alteração de vulto na minha<br />
vida profissional. Eram os anos 60 do século passado. O<br />
crescimento exponencial da economia e do Sistema<br />
Financeiro permitiu a abertura, em Cantanhede, de uma<br />
Agência do Banco Borges & Irmão. A minha admissão<br />
nesta Agência proporcionou-nos, além da aproximação a<br />
Ançã – por que tanto ansiávamos – uma notável melhoria<br />
das condições de trabalho e estabilidade profissional.<br />
Depois de uma permanência de 17 anos em<br />
Cantanhede fui, a meu pedido, transferido para o mesmo<br />
Banco em Coimbra. Na minha deslocação diária, levava<br />
para as aulas os meus filhos, que entretanto já<br />
frequentavam a Universidade.<br />
Aos 63 anos de idade e com uma vida profissional<br />
de cerca de 35 anos de trabalho, pedi e obtive a minha<br />
Reforma.<br />
83
Olhando para trás e avaliando estes 80 anos de vida,<br />
sinto-me feliz e realizado na companhia de minha<br />
Mulher. Sem ela eu não teria sido o que fui – feliz!<br />
Somos uma família alargada, em que se cultiva a<br />
amizade, a entreajuda e a solidariedade entre as três<br />
<strong>gera</strong>ções, já com 18 netos (quase 19) que, todos na idade<br />
infantil, passaram pela “Escola da Avó Lizette”, onde<br />
tomaram contacto com as primeiras letras. Rendo muitas<br />
graças a Deus pela Mulher e os filhos que nos deu. Todos<br />
eles e seus cônjuges acolhem e guardam os valores da Fé<br />
e moral cristãs que procurámos incutir-lhes. É essa a<br />
maior alegria. Dela nos orgulhamos e por ela damos<br />
imensas graças a Deus.<br />
Resta-me agora, nos oitenta… aguardar a vinda do<br />
Senhor.<br />
Vigiai e orai. Não sabeis o dia nem a hora…<br />
84<br />
Ançã, 09.12.2009
Maria Lizette Carlos Lopes da Rocha Miranda<br />
Esboço Biográfico<br />
Maria Lizette Carlos Lopes, da Rocha Miranda por<br />
casamento, nasceu no dia 26 de Fevereiro de 1932, em<br />
Ançã, na Rua dos <strong>Tr</strong>ovões (hoje R. Dr. Lino Cardoso),<br />
85
filha única de José Carlos da Costa e de Maria Aurora<br />
Lopes. O Pai era alfaiate de profissão e a mãe, doméstica,<br />
colaborava com o marido nos pontos de mão. Nessa<br />
primeira casa cresceu, até aos dois anos de idade, data em<br />
que seu pai comprou outra casa, na R. do Espírito Santo.<br />
Era oficina de seu pai uma pequena sala do rés do chão<br />
onde, no Inverno, se juntavam os amigos a conversar. Ali<br />
passou pois os primeiros anos da sua infância, tirando<br />
alinhavos aos fatos e aprendendo a ler. Aos 5 anos, seu<br />
pai deu-lhe as primeiras lições e, quando entrou na<br />
escola, o seu livro de leitura foi o Jornal Infantil Pim,<br />
Pam, Pum.<br />
Era visita assídua de seu pai, um Regente escolar,<br />
irmão da Professora local, que muito influenciou a sua<br />
vocação. No entanto, apesar de todos exortarem seus pais<br />
a mandá-la estudar, os rendimentos não o permitiam. Aos<br />
10 anos fez a 4ª classe e, no ano seguinte, foi forçada a<br />
interromper os estudos. Ia até à escola e gostava de<br />
ajudar a professora com as meninas da 1ª classe,<br />
enquanto acalentava, por dentro, o desejo de ser<br />
professora.<br />
Com um esforço suplementar de seus pais, retomou<br />
os estudos no ano seguinte em Coimbra, no Colégio<br />
Alexandre Herculano, como aluna externa, ficando a<br />
residir em casa de um tio, que morava então junto à<br />
Estação Velha. Durante os seis anos do Colégio,<br />
86
deslocava-se diariamente a pé, desde a Estação Velha até<br />
ao Colégio, levando o cestinho com o almoço que, por<br />
meio de um operário da Fábrica de Cerâmica, todos os<br />
dias, a mãe lhe mandava de Ançã. Aos fins de semana, ao<br />
sol ou à chuva, as viagens para casa dos pais eram de<br />
bicicleta.<br />
Em 1948 (a 2 de Fevereiro) tocou a fronteira da<br />
Vida quando caiu à cheia do Mondego, tendo sido salva<br />
pela coragem de um desconhecido, natural de Tentúgal,<br />
que ali passava naquela ocasião. Todos os anos evoca<br />
aquela memória e dá glória a Deus por essa graça.<br />
Feito o 5º ano do Liceu, fez exame de admissão à<br />
Escola do Magistério Primário, e foi colocada na cidade<br />
da Guarda, para onde partiu na madrugada do dia<br />
seguinte, como quem vai para a maior aventura,<br />
amedrontada pelos penedos da Serra que, à medida que o<br />
dia nascia, lhe pareciam gigantes.<br />
Chegada à Guarda a 1 de Dezembro de 1950, foi<br />
recebida pelo Sr. Director da Escola do Magistério (Sr.<br />
Dr. Manuel Elísio Dias Vieira, falecido há poucos anos)<br />
que lhe deu as primeiras informações. No mesmo dia,<br />
cruzou-se casualmente com uma sua amiga de infância, a<br />
quem já não via há muitos anos, a Belinha do Sr. Pires,<br />
natural de Celorico da Beira. Foi ela que a convidou a<br />
instalar-se numa residência dirigida por uma tia sua, o<br />
Lar da Acção Católica, que recebia raparigas estudantes,<br />
87
e que haveria de marcar definitivamente a sua formação<br />
humana e todo o seu rumo futuro. Filiou-se na J.E.C.F.<br />
(Juventude Escolar Católica Feminina), de que foi<br />
presidente. Era querida por todos os colegas, rapazes e<br />
raparigas, e ali granjeou muitas amizades.<br />
Acabou o curso em 1952 e foi sua primeira escola a<br />
escola de Fajão, no Concelho de Pampilhosa da Serra,<br />
onde chegou no dia 10 de Outubro. Esperavam-na 55<br />
alunos, das quatro classes, os quais havia já um ano que<br />
não tinham escola. Esta, era muito pequena e<br />
desaconchegada, mas o seu sonho de professora era<br />
maior. Terminado o ano lectivo, foi a cavalo que<br />
acompanhou os seus alunos e os apresentou a prestar as<br />
provas de exame da IV classe, na Vila da Pampilhosa.<br />
Em Fajão, fundou também uma Secção da J.A.C.F.<br />
(Juventude Agrária Católica Feminina), pois tinha<br />
prometido a si mesma criar, para onde quer que fosse, um<br />
grupo da Acção Católica.<br />
Em 1953-1954, veio para Sepins, no Concelho de<br />
Cantanhede. Nesse ano, a festa de Natal serviu para criar,<br />
na aldeia, uma Conferência Vicentina, destinada à<br />
assistência aos mais pobres. Apresentou, então, os seus<br />
alunos ao exame da IV classe, em Cantanhede, para onde<br />
se deslocou com todos, dessa vez de charrette.<br />
Em Outubro de 1954, ao contrário do que estava<br />
garantido, não voltou a ser lá colocada, mas sim no Seixo<br />
88
de Mira, e assim, sem que ela quisesse, antes bem<br />
contrariada, a providência, pela decisão do Inspector<br />
Neves, a foi aproximando do noivo que havia de<br />
conhecer. No Seixo, já ela era conhecida como “Senhora<br />
da Valeira”, pois ali participara numa actividade da A.C.<br />
(Acção Católica), enquanto dirigente. E foi assim que<br />
conheceu o Tiago, natural do Seixo, então estudante em<br />
Salamanca.<br />
Em 1955, para evitar mais uma vez o Seixo de<br />
Mira, ao qual a prendiam razões inefáveis, efectivou em<br />
Vidual de Cima, Pampilhosa da Serra, vindo a adoecer ao<br />
fim de 15 dias. Depois de o Médico de Cabril<br />
diagnosticar um problema pulmonar, teve de deixar a<br />
escola e voltar à casa de seus pais, para ser seguida por<br />
um especialista. Regressaria em Outubro do ano seguinte,<br />
já totalmente recuperada, para retomar o lugar na escola e<br />
fundar mais um grupo de A.C. Não lhe faltou então o<br />
queijo fresco e os peixes do lago da Barragem, que o<br />
Bernardino pescava com uma narsa<br />
No ano seguinte, 1957/1958 até 1959, foi colocada<br />
nas Cochadas, Concelho de Cantanhede, onde começou<br />
também a dar catequese às crianças, para que elas não se<br />
deslocassem à Tocha.<br />
Sempre ligada à A.C. e fazendo parte da sua<br />
Direcção Diocesana, frequentou numerosos cursos que<br />
muito contribuíram para o seu enriquecimento e granjeio<br />
89
de grandes amizades, de norte a sul do país.<br />
Constituiu família em 1959, e foi logo depois<br />
colocada efectiva em Mondim de Basto, no lugar de<br />
Parada de Atei, para onde se deslocava não já a cavalo<br />
nem de charrette, mas de automóvel, depois de tirar a<br />
carta de condução. Na vila de Mondim, dedicou-se<br />
também aos trabalhos da L.A.C.F (Liga Agrária Católica<br />
Feminina) e as amizades foram crescendo.<br />
Pouco depois, acompanhou o marido, colocado na<br />
Câmara de Tábua, e voltou ao Centro do país, para dar<br />
aulas em Covão do Lobo, já com o primeiro filho nos<br />
braços, seguindo-se a escola de Espadanal (Tábua). Ali<br />
viveu com os seus três filhos mais velhos, até obter<br />
transferência para Balsas (Febres), onde os seus filhos<br />
fizeram a primeira escolaridade. Tendo fixado residência<br />
em Ançã, permaneceu naquela escola ao longo de 11<br />
anos, tendo colaborado também na docência das recémcriadas<br />
5ª e 6ª classes e, posteriormente, na chamada<br />
Telescola, em que leccionou Português, Francês e<br />
História.<br />
Passou então para o lugar da Granja (de Ançã) até<br />
conseguir vaga na escola da sua terra natal, situada<br />
mesmo em frente de sua casa. Em Ançã trabalhou<br />
durante 15 anos, até à sua aposentação, quando perfez 60<br />
anos de idade e 40 de serviço.<br />
Entretanto, fora inúmeras vezes solicitada para a<br />
90
ealização de exames da IV classe, da 5ª e da 6ª. Foi<br />
membro de Júri em Coimbra, Cantanhede, Figueira da<br />
Foz, tendo também participado na elaboração das provas<br />
de exame.<br />
Manteve sempre boa relação com os seus colegas,<br />
alunos e suas famílias. Foi com enorme surpresa e<br />
consolação que recebeu, há quatro anos, a visita de um<br />
aluno que o fora há 50 anos, na escola de Fajão, e a quem<br />
nunca mais vira, o qual partiu de Lisboa, onde reside, a<br />
fim de procurar a sua professora da 1ª classe.<br />
Presentemente, aposentada há 17 anos, a sua vida<br />
tem sido de doação aos seus cinco filhos, quatro noras e<br />
genros e 18 netos (à espera do 19º). Muda fraldas, dá<br />
biberons e papas, ensina as primeiras letras e acompanha<br />
os maiorzitos na realização dos TPC’s. Por sua mão,<br />
todos aprenderam a ler, antes de entrar na escola.<br />
Manteve-se sempre ligada à A.C.R., movimento a<br />
que ainda pertence, e distribui mensalmente mais de uma<br />
centena de jornais deste movimento: o Mundo Rural.<br />
Continua a viver para todos e afirma só se sentir bem<br />
quando a todos vê à sua volta. Ajudam muito a manter<br />
esta cadeia de amor, que a todos une, afirma, as refeições<br />
em conjunto, com todos os filhos e netos, ao Domingo e<br />
dias de festa. “Em tudo, amar e servir”. É servindo que se<br />
sente feliz.<br />
91
Friso de sete netas.<br />
Agosto de 2009.
José Carlos Lopes de Miranda<br />
Nasceu em Coimbra, em 1961 (3 de Junho).<br />
Natural do Seixo de Mira por parte do pai, e de Ançã, por<br />
parte da mãe e da pia baptismal, foi criado numa família<br />
em que coabitaram por opção as três <strong>gera</strong>ções.<br />
Beneficiou, por isso, da dedicação dos avós e da<br />
Catarina, jovem afilhada deles. Obteve Diploma da IV<br />
classe, na Escola de Balsas (Freguesia de Febres), onde<br />
era professora sua mãe, pela mão do Professor José<br />
Manuel Barreira.<br />
Por essa altura teve a oportunidade de uma preciosa<br />
iniciação ao solfejo com o Maestro Artur Salguinho, que<br />
regia do seu leito de paraplégico os aprendizes da Banda<br />
Phylarmonica de Ançã. Entre 1971 e 1976, assentou<br />
praça no Colégio Apostólico da Imaculada Conceição<br />
(Cernache), da Companhia de Jesus, seguido ano após<br />
ano, para gáudio comum, pelos dois irmãos, juntamente<br />
com quem já se habituara, entre outras coisas, a cantar a<br />
vozes. Além da formatação estatal obrigatória, iniciou-se<br />
nos três primeiros anos, por mão de generosos Mestres, à<br />
93
Religião Verdadeira, à Literatura, ao Teatro, à Música, e,<br />
posto que a contragosto, ao desporto. Nos dois últimos<br />
anos, Calderón de la Barca deu lugar a sketches e a<br />
Música Sacra foi trocada por rapaziadas, de sorte que<br />
cedo se habitou à falácia do sucesso fácil da guitarra e da<br />
pastoral de superfície (os então ditos “irmãos Miranda”<br />
cantavam nos Festivais do Colégio e animavam o que<br />
fosse preciso mas só fizeram algo de jeito quando<br />
começaram a estudar e integraram as duas manas<br />
entretanto crescidas).<br />
Todavia, a sombra benfazeja dos mestres nunca se<br />
dissipou. De sorte que, após os estudos secundários na<br />
nova escola de Cantanhede - onde aprendeu finalmente<br />
latim - e do Ano Propedêutico na RTP - entrou no<br />
Noviciado da Companhia de Jesus, Ordem a que ficará a<br />
dever grande parte da sua formação superior. Assim, de<br />
1981 a 1986, licenciou-se em Filosofia e Humanidades<br />
Clássicas, na Pontifícia Faculdade de Filosofia de Braga.<br />
Ao mesmo tempo, por providencial impulso de um dos<br />
seus antigos mestres de Cernache, então a lançar os<br />
fundamentos do CCM (um Conservatório regional no<br />
Colégio das Caldinhas) – e graciosamente preparado por<br />
uma colega de Filosofia que aí então ensinava Solfa –<br />
propôs-se como externo ao exame do 2º ano do<br />
Conservatório do Porto. Pôde assim frequentar e concluir<br />
94
no CCM os Cursos Gerais de Canto e Composição.<br />
Como por essa altura também os irmãos e as irmãs<br />
estudassem música e se andassem “da lei do sucesso<br />
libertando”, começa com eles a subir além do fado.<br />
Datam por isso de Braga os primeiros concertos<br />
polifónicos dos “irmãos Miranda”.<br />
Leccionou de seguida, em Lisboa, todos os níveis<br />
da disciplina de Religião no Colégio de S. João Brito,<br />
concluindo paralelamente, em 1988, o Curso Superior do<br />
Conservatório Nacional (disciplina nuclear-Canto). Em<br />
Roma de 1988 a 1996, licenciou-se em Teologia (Univ.<br />
Gregoriana, Roma, 1991 e Univ. Lateranense Roma,<br />
1993) com vista à ordenação sacerdotal e concluiu o II<br />
Ciclo em Letras e Ciências Patrísticas pelo Instituto<br />
Patrístico Augustinianum, em 1996, com uma Tese sobre<br />
Orósio de Braga (séc. V).<br />
Ao mesmo tempo, leccionou sucessivamente<br />
Literatura Portuguesa, Introdução à Política e Francês na<br />
Escola Portuguesa de Roma, bem como um Curso<br />
Propedêutico de Latim na Faculdade de História<br />
Eclesiástica da Univ. Gregoriana (1993-94). Ainda em<br />
Roma, exerceu paralelamente uma regular actividade<br />
concertística e discográfica, quer como barítono solista<br />
ou director de coro, quer como membro da Capela<br />
Musical Pontifícia (Sistina, 1990 – 96).<br />
95
Além da assídua dedicação apostólica nos campos<br />
de férias e em numerosas iniciativas pastorais, próprias<br />
ou dos Superiores, as outrora longas férias de verão<br />
permitiam, por essa época, uma plena reconstituição<br />
familiar. O certo é que o costume de cantar juntos acabou<br />
por ter de se ritualizar com cadência anual, até aos dias<br />
de hoje.<br />
De 1996 a 98, foi Assistente do Centro de Estudos<br />
Clássicos da Faculdade de Filosofia de Braga, onde<br />
leccionou o Curso Propedêutico de Latim e regeu a<br />
cadeira de Latim I.<br />
Em 1996, iniciou também uma assídua colaboração<br />
com o Astra Opera Theater e com o University Center of<br />
Gozo, Malta, aonde se deslocou com frequência<br />
trimestral, quer para conferências e master classes, quer<br />
para produções de ópera, recitais e gravações.<br />
Regressado a Roma, integrou diversos complexos vocais<br />
e instrumentais (salientando-se, além da Cappella<br />
Sistina, o Coro e Orquestra da Accademia di Stª Cecilia)<br />
e efectuou digressões concertísticas na Europa, nas<br />
Américas e na Ásia.<br />
Em 1999, alcançada do Papa João Paulo II a<br />
dispensa das obrigações conexas com as sagradas ordens,<br />
celebrou o sétimo sacramento com Maria Florbela da<br />
Silva Rosa Baptista, jovem professora de Física então na<br />
96
Póvoa de Lanhoso e formadora assídua dos Jovens da<br />
Mensagem de Fátima. Deu-lhes Deus até hoje cinco<br />
filhos, sendo vivos três, todos meninas, baptizadas com<br />
os nomes de Aurora, Ana Lizete e Margarida.<br />
Em 2000, integrou, na qualidade de consultor para<br />
os textos latinos, uma equipa de bolseiros da Comissão<br />
Nacional dos Descobrimentos no Arquivo Secreto<br />
Vaticano para a inventariação da documentação relativa a<br />
Portugal e ao seu Padroado. Ainda em 2000, foi bolseiro<br />
da FCT no Instituto Patrístico Augustinianum, onde<br />
concluiu o Doutoramento, em 2003, com uma tese sobre<br />
o confronto e interacção entre os modelos socio-políticos<br />
pagão e cristão, em Tertuliano (séc. II – III).<br />
Em Portugal desde então, leccionou, até 2007,<br />
Canto e Classe de Conjunto no CCM das Caldas da<br />
Saúde, onde, além de dirigir o Coro de Câmara Manuel<br />
Faria, participou como Barítono solista nas suas<br />
produções de Ópera.<br />
Actualmente é docente da Faculdade de Ciências<br />
Sociais do Centro Regional de Braga da UCP. Dirige<br />
ainda a Capela Musical de Santa Cruz (Braga), dedicada<br />
ao Canto Gregoriano e à liturgia dominical, no pouco<br />
tempo que lhe sobra das gratificantes ocupações de pai e<br />
de “marido de professora”, de cuja síndrome já padece<br />
em grau moderado. Entre os seus mais importantes<br />
97
contributos à edificação da sociedade, gaba-se hoje de,<br />
nos longos tempos de motorista escolar, ensinar as filhas<br />
em rezar.<br />
98
Tiago Afonso Lopes de Miranda<br />
Esboço biográfico<br />
É o segundo dos filhos de Tiago da Rocha Miranda<br />
e de Maria Lizette Carlos Lopes da Rocha Miranda, neto<br />
paterno de Afonso de Miranda Catarino (Seixo de Mira)<br />
e de Albina de Jesus Rocha e materno de José Carlos da<br />
Costa e de Maria Aurora Lopes (Ançã).<br />
Nascido a 20/8/1962, em Coimbra, Freguesia da Sé<br />
Nova, na hoje Maternidade Bissaya Barreto, viveu a<br />
primeira Infância na Vila de Ançã, hoje concelho de<br />
Cantanhede, mas frequentou e completou o ensino<br />
primário na Escola Primária de Balsas, freguesia de<br />
Febres, concelho de Cantanhede, onde a mãe leccionava.<br />
Em Ançã fez os primeiros estudos musicais com o<br />
Mestre Artur Salguinho, com quem aprendeu solfejo e os<br />
primeiros rudimentos de Violino.<br />
Dos pais e avós e do pároco de então, Álvaro de seu<br />
nome, mas por todos tratado por Senhor Arcipreste,<br />
recebeu a Fé e o catecismo católicos.<br />
99
Os então chamados ciclo preparatório e curso <strong>gera</strong>l<br />
dos liceus fê-los como aluno interno do Colégio<br />
Apostólico da Imaculada Conceição (CAIC), da<br />
Companhia de Jesus, em Cernache, Coimbra, entre 1972<br />
e 1977. Aqui lhe foram ministradas sólidas instrução e<br />
educação, inclusivamente, tanto quanto o permitiram<br />
tempos conturbados do PREC e de alguma desorientação<br />
pós conciliar, a catequese e a piedade necessárias a um<br />
desenvolvimento humano integral. Também foi aqui que<br />
com os dois irmãos, a estímulo de professores e colegas<br />
mais velhos, começou a cantar polifonias clássicas<br />
ligeiras, sacras e profanas, no grupo de rapazes cantores<br />
do Colégio e num anual festival da canção que ali se<br />
organizava.<br />
O curso complementar dos liceus foi obtido na<br />
então recentemente fundada Escola Secundária de<br />
Cantanhede, na secção de Letras.<br />
Em 1985 conclui a licenciatura em Direito pela<br />
Universidade de Coimbra. Na passagem pela<br />
Universidade, foi determinante no seu desenvolvimento<br />
integral a frequência do Centro Universitário Manuel da<br />
Nóbrega e a estreita convivência com jesuítas como os<br />
Padres António Vaz Pinto, Alberto Teixeira de Brito,<br />
Vasco Pinto de Magalhães e Luís Rocha e Melo. Com<br />
eles aprendeu o que se pode chamar o nível universitário<br />
100
da catequese e conheceu os Exercício Espirituais de<br />
Santo Inácio de Loiola: uma relação pessoal com Jesus<br />
Cristo e uma visão do mundo e do nosso lugar nele,<br />
mediante a qual todas as contradições são superadas e<br />
descansamos, enfim, no Único Sentido que é Deus.<br />
No verão participou e animou campos de férias para<br />
adolescentes, ligados aos Jesuítas, inicialmente na<br />
associação “Mocanfe”, depois na “Camptil”, de que foi<br />
sócio fundador.<br />
Paralelamente aos estudos universitários frequentou<br />
o Conservatório Regional de Coimbra, onde obteve<br />
aprovação no então quarto ano de formação musical e do<br />
curso de violino.<br />
Em Novembro de 1985 tomou posse como<br />
assistente estagiário na Universidade da Beira Interior,<br />
então Instituto Universitário da Beira interior, onde<br />
leccionou as disciplinas de Direito do <strong>Tr</strong>abalho e Direito<br />
Fiscal.<br />
Em Outubro de 1986 deu entrada no Centro de<br />
Estudos Judiciários e em 1989, tendo optado pela<br />
Magistratura do Ministério Público, tomou posse como<br />
Procurador Adjunto, em Penacova. Em Setembro de<br />
2002 foi promovido a Procurador da República e em<br />
Outubro de 2008 abandonou a magistratura do<br />
Magistério Público para ingressar, por concurso, na<br />
101
Magistratura Judicial dos <strong>Tr</strong>ibunais Administrativos e<br />
Fiscais. Presentemente é juiz de Direito do <strong>Tr</strong>ibunal<br />
Administrativo e Fiscal de Coimbra.<br />
Em 20 de Setembro de 1986, contraiu matrimónio<br />
com Maria Manuela dos Santos Gonçalves de Miranda,<br />
licenciada em Filosofia e então, como hoje, professora de<br />
religião e moral católicas na Escola Secundária de<br />
Cantanhede, estabelecendo residência em Ançã. Foi o<br />
matrimónio abençoado com seis filhos. Maria Cecília:<br />
nasceu em 27/6/1987, estuda medicina dentária na<br />
faculdade respectiva da Universidade do Porto (4º ano).<br />
Fez também estudos musicais, tendo concluído o curso<br />
de Formação Musical do conservatório e o 5º grau de<br />
Piano. Dá catequese na paróquia de Ançã. Maria Beatriz:<br />
nasceu em 6/8/1988, estuda Direito na Universidade de<br />
Coimbra (4º ano). Obteve o 8º grau do curso de Violino<br />
do Conservatório de Música de Coimbra. Dá catequese<br />
na paróquia de Ançã. José Carlos: nasceu em 5/10/1990,<br />
estuda Engenharia Informática na Universidade de<br />
Coimbra (segundo ano). Completou o 5º grau de<br />
formação musical e estudou violino e canto no<br />
conservatório de Música de Coimbra. Maria Isabel:<br />
nasceu em 25/5/1993 e, tal como os irmãos, a seu tempo,<br />
frequenta o 11º ano no CAIC (cf. supra). Frequenta ainda<br />
o 5º ano do curso de violoncelo do conservatório de<br />
102
música de Coimbra. Integra o Grupo de Animação<br />
Pastoral (GRAPA) do Colégio. Dá catequese na paróquia<br />
de Ançã. Pedro Carlos: Frequenta o 9º ano de<br />
escolaridade no CAIC e o 5º grau do curso de Piano no<br />
Conservatório Regional de Coimbra. Integra o Grupo de<br />
Animação Pastoral. Maria Madalena: nasceu em<br />
30/9/2002, frequenta a escola básica de Ançã (2º ano) e a<br />
classe de violino da Academia de Música de Ançã.<br />
É associado e integrou os órgãos sociais da Real<br />
Associação de Coimbra, movimento monárquico<br />
apartidário com sede em Coimbra. Com os quatro irmãos<br />
e um cunhado, Isaías Hipólito, e os seus quatro filhos<br />
mais velhos integra o grupo vocal Ançãble. Em 1998 e<br />
em 2007 foi mandatário nacional do grupo de cidadãos<br />
denominado “Aborto a Pedido, Não” constituído com<br />
vista á defesa do não nos referendos sobre a legalização<br />
do aborto. É sócio fundador e integra a direcção da<br />
“Associação de Defesa e Apoio da Vida de Coimbra<br />
ADAV – Coimbra”, que desde 1999 apoia grávidas e<br />
mães e pais em dificuldade, na ordem dos mais de<br />
trezentos casos anuais. Na paróquia de Ançã, integra o<br />
conselho económico e o conselho pastoral e ensaia o coro<br />
litúrgico da Igreja Matriz, fundado algures por 1980 pelo<br />
hoje Padre Pedro Carlos Lopes de Miranda. Em 2003,<br />
numa iniciativa partilhada por todos os irmãos e cunhado<br />
103
Isaías Hipólito, que o Padre Dr. Manuel de Jesus, pároco<br />
há mais de trinta anos e grande amigo, esclarecidamente<br />
apoiou e possibilitou, foi importado da Alemanha e<br />
montado no coro alto da mesma Igreja um Órgão de<br />
Tubos, instrumento de 13 registos, dois teclados e<br />
pedaleira, único no distrito de Coimbra.<br />
104
Pedro Carlos Lopes de Miranda<br />
Esboço biográfico<br />
Nasceu em 17 de Maio de 1964, terceiro filho de<br />
Tiago da Rocha Miranda e de Maria Lizette Carlos Lopes<br />
da Rocha Miranda. De 1970 a 1975.Fez o ensino<br />
primário e a então 5ª classe, na Escola Primária de<br />
Balsas, freguesia de Febres, onde a mãe leccionava.<br />
Desde o então 2º ano do ciclo até ao 9º ano de<br />
escolaridade, de 1975 a 1979, estudou no Colégio<br />
Apostólico da Imaculada Conceição, da Companhia de<br />
Jesus, em Cernache dos Alhos.<br />
Os 10º e 11º anos, 1979-81, fê-los na Escola<br />
Secundária de Cantanhede, na área de Humanidades, e o<br />
12º ano, 1981-82, na Escola Secundária José Falcão, em<br />
Coimbra.<br />
De 1982 a 1986 frequentou e obteve a Licenciatura<br />
em História da Arte, na Faculdade de Letras da<br />
Universidade de Coimbra. Ao longo destes sete anos<br />
desenvolveu intensa actividade na paróquia de Ançã,<br />
quer como catequista, quer como colaborador do Coro,<br />
105
sobretudo como organista, cuja habilitação tinha<br />
desenvolvido no Colégio Apostólico da Imaculada<br />
Conceição. Na Pastoral Universitária, conheceu e foi<br />
colaborador próximo dos jesuítas do Centro Universitário<br />
P e . Manuel da Nóbrega.<br />
Entretanto, desde 1981, desenvolvia estudos<br />
musicais, mais especificamente o curso de Flauta<br />
<strong>Tr</strong>ansversal, sucessivamente no Conservatório Regional<br />
de Coimbra, na Escola de Música de Coimbra e no<br />
Conservatório de Música de Coimbra, onde completou o<br />
então chamado Curso Completo de Flauta <strong>Tr</strong>ansversal<br />
com Bernard Ravel-Chapuis, em 1987. De 1981 a 1985<br />
foi elemento da banda da Sociedade Filarmónica<br />
Ançanense. Em 1986 foi convidado para leccionar Flauta<br />
<strong>Tr</strong>ansversal, História da Música e Classe de Conjunto, no<br />
Conservatório de Música de Coimbra: nessa leccionação<br />
se manteve até 1989, ao mesmo tempo que frequentava,<br />
na nascente Escola Superior de Música de Lisboa, a nova<br />
Licenciatura em Flauta <strong>Tr</strong>ansversal, tendo estudado com<br />
Carlos Franco, Ricardo Ramalho, Olga Pratz, Álvaro<br />
Salazar, Amílcar Vasques Dias, entre outros.<br />
Em 1988 fez também um curso de verão de<br />
iniciação à direcção coral com José Robert.<br />
Durante aqueles três anos de actividade como<br />
músico profissional, foi elemento do Grupo de<br />
106
Instrumentos de Sopro de Coimbra, dirigido pelo Prof.<br />
Adelino Martins, com o qual realizou numerosos<br />
concertos em Portugal, Bélgica e Polónia. Como solista,<br />
realizou também vários concertos, despedindo-se dessa<br />
actividade com um concerto em Agosto de 1989, a<br />
convite da Câmara Municipal de Coimbra, com o pianista<br />
Jorge Ly, na Fundação Bissaia Barreto.<br />
Em 1989 entrou para o Seminário Maior de<br />
Coimbra e para o correspondente estudo de Teologia,<br />
cuja licenciatura pela Universidade Católica terminou em<br />
1996, com uma tese subordinada ao tema A problemática<br />
teológica da religiosidade popular: um caso prático de<br />
teologia da religião e das religiões.<br />
Em 1995 foi ordenado presbítero e incardinado na<br />
diocese de Coimbra. Desde então foi sucessivamente<br />
pároco de Serpins (1995-96), Midões, Covas e Candosa<br />
(1996-99), Pedrógão Grande, Graça e Vila Facaia (1999-<br />
2005) e, desde 2005, de Penela, Espinhal, Podentes e<br />
Rabaçal.<br />
Entre 1992 e 1995, completou o I Curso Nacional<br />
de Música Sacra, sob a presidência do Con. Ferreira dos<br />
Santos, onde estudou direcção coral com Hubert Velten,<br />
da Escola Superior de Musica Sacra de Regensburg.<br />
Desde 1991, ano da fundação da Escola Diocesana<br />
de Música Sacra de Coimbra, desenvolve actividade<br />
107
lectiva nas áreas de Formação Musical, Harmonia,<br />
Direcção Coral e Canto Coral.<br />
Desde 1989 mais sistematicamente, dirige o grupo<br />
vocal Ançãble, com o qual tem desenvolvido uma intensa<br />
actividade de recolha, transcrição e execução, em<br />
primeira audição moderna, de música sacra portuguesa,<br />
desde o séc. XVI ao XVIII, em numerosos arquivos<br />
eclesiásticos e públicos de Portugal e Itália. Entre os<br />
compositores beneficiários desta actividade contam-se D.<br />
Francisco de Stª Maria (†1597), D. Pedro de Cristo<br />
(†1618), Henrique Carlos Correia (1680- ), Carlos Seixas<br />
(cujo catálogo acrescentou já de uma obra vocal sacra),<br />
João Rodrigues Esteves (c. 1700- ) Francisco António de<br />
Almeida (c. 1702- ), António Teixeira (1707- ). O mesmo<br />
grupo vocal Ançãble permite-lhe ainda desenvolver uma<br />
discreta mas persistente actividade de compositor, que se<br />
pode conhecer sobretudo através da discografia do<br />
Ançãble, mas também na Revista da Academia<br />
Martiniana.<br />
Em 2001 obteve o grau de Mestre em Ciências<br />
Musicais na Faculdade de Letras da Universidade de<br />
Coimbra com uma tese intitulada D. Francisco de Santa<br />
Maria: Cantor-Mor de Santa Cruz de Coimbra.<br />
Desde 2002 foi-lhe cometida a catalogação dos<br />
manuscritos musicais do Arquivo do Seminário das<br />
108
Missões de Cernache do Bonjardim, trabalho que se<br />
encontra muito próximo de terminar.<br />
Os seus trabalhos científicos, distribuídos pelas<br />
áreas da Teologia e Musicologia, encontram-se dispersos<br />
pela Revista Brotéria, Estudos (CADC), Estudos<br />
Teológicos (do Instituto Superior de Estudos Teológicos<br />
de Coimbra), Pastoral Catequética: revista de catequese<br />
e educação, e ainda por algumas Actas de Congressos.<br />
Neste momento, a sua actividade, tipicamente de<br />
padre, reparte-se entre: pároco de Penela e seu termo,<br />
vigário episcopal da Região Pastoral Sul da Diocese de<br />
Coimbra, professor na Escola Diocesana de Música<br />
Sacra, professor de Arqueologia e Arte Cristã no Instituto<br />
Superior de Estudos Teológicos, formador para a música<br />
litúrgica do Seminário Maior de Coimbra, professor de<br />
História das Formas Musicais Sacras no Curso Nacional<br />
de Música Sacra e, a partir deste ano lectivo, estudante de<br />
Direito Canónico na Universidade Pontifícia de<br />
Salamanca, ao serviço da diocese.<br />
109
Maria Margarida Lopes de Miranda<br />
Esboço Biográfico<br />
Nasceu em 09 de Junho de 1966 e é a quarta filha<br />
de M.ª Lizette Carlos Lopes da Rocha Miranda e de<br />
Tiago da Rocha Miranda. Constituiu família a 15 de<br />
Fevereiro de 1997 com Isaías Alfredo Fragoso dos<br />
Santos Hipólito e hoje é mãe de 5 filhos, baptizados com<br />
o nome de António Carlos (de 11 anos), Francisco Marto<br />
(9 anos), Maria do Rosário (Rosarinho, de 6 anos), Maria<br />
Irene (de 4 anos) e um Benjamim, sobre cujo nome ainda<br />
não há acordo e cujo nascimento se aguarda para<br />
Fevereiro próximo.<br />
Após um período de leccionação, de cerca de três<br />
anos, como Assistente Estagiária, na Faculdade de Letras<br />
da Universidade do Porto, passou a residir em Ançã e<br />
presentemente é Professora Associada da Faculdade de<br />
Letras da Universidade de Coimbra, onde ensina há cerca<br />
de 16 anos, na área dos Estudos Clássicos.<br />
Fez a instrução primária na escola de Balsas<br />
(Febres) onde a mãe, de quem também foi aluna,<br />
110
leccionava. Nos dois anos seguintes, já em Ançã,<br />
frequentou o ensino particular em casa da Srª. D.ª Maria<br />
Luísa de Matos Roseira Campos, tendo feito assim o<br />
“Ciclo Preparatório”. Frequentou depois a Escola<br />
Secundária de Cantanhede (do 7º ao 11º ano), onde foi<br />
membro da Associação de Estudantes. No 12º ano<br />
transitou para Coimbra, para a Escola Secundária José<br />
Falcão, para poder continuar os estudos da área de<br />
Humanidades que escolhera, ao mesmo tempo que<br />
iniciava os estudos no Conservatório de Coimbra, na<br />
classe da Canto, vindo a obter, em 1988, o 1º lugar<br />
naquela classe, nas provas regionais do Concurso<br />
Nacional da Juventude Musical Portuguesa.<br />
Ao longo daqueles anos, frequentou ainda as<br />
actividades oferecidas pelo Clube dos Arcos, onde não só<br />
aprofundou a sua formação humana e cristã, como pode<br />
viajar, alargar o número de amigos e desenvolver talentos<br />
(ali representou Gil Vicente pela primeira vez, por<br />
exemplo, descobriu que tinha uma voz para cantar…).<br />
Ao mesmo tempo, colaborava na paróquia, nas<br />
actividades de catequese, nos serviços musicais litúrgicos<br />
e na organização de Campos de Férias.<br />
Em 1984, ingressou na Faculdade de Letras da<br />
Universidade de Coimbra e em 1988 concluiu a<br />
licenciatura em Estudos Clássicos e Portugueses, sendo<br />
111
distinguida com uma viagem de estudo a Roma,<br />
oferecida pela União Latina. O Mestrado, em 1992, e o<br />
doutoramento em Literatura Latina do Renascimento, em<br />
2002, fê-los na mesma Universidade, sob orientação do<br />
Senhor Professor Américo Costa Ramalho, a quem deve<br />
o interesse pelo Humanismo português.<br />
O início da actividade profissional na Faculdade de<br />
Letras do Porto, em 1989 (após três meses de aulas de<br />
Português na Escola Secundária Jaime Cortesão, em<br />
Coimbra), fê-la cruzar-se de perto com homens de valor<br />
como o Padre João Abranches S. J. (†2000) e o Padre<br />
João Cabral S. J., cujo encontro foi fundamental para<br />
abrir horizontes ao seu desenvolvimento integral. Com<br />
este último (o P. João Cabral), acompanhou a fundação e<br />
os primeiros anos de actividades do CREU no Porto.<br />
Em 1996-1997 e 1998-1999 foi bolseira da<br />
Fundação Calouste Gulbenkian e permaneceu em Roma<br />
onde, acolhida pelo Instituto Português de Santo António,<br />
desenvolveu a sua investigação com vista ao<br />
doutoramento e aperfeiçoou estudos vocais com o<br />
Maestro Marcos Pavan, tendo também tido oportunidade<br />
de participar, como solista, em diversos recitais de<br />
música barroca.<br />
É membro do Grupo Vocal Ançã-ble, que há cerca<br />
de 20 anos se tem dedicado regularmente à polifonia<br />
112
clássica portuguesa do período áureo, tendo já publicado<br />
diversos CD’s e realizado inúmeros recitais, em Portugal,<br />
Espanha, Itália, e Brasil.<br />
É sócia da Real Associação de Coimbra<br />
(movimento monárquico apartidário), da “Associação de<br />
Defesa e Apoio da Vida” de Coimbra (ADAV) e do<br />
C.A.D.C., de cuja Direcção fez parte em 2007-2009.<br />
Na FLUC, foi secretária e presidente da Comissão<br />
Científica de Grupo de Estudos Clássicos, secretária do<br />
Instituto de Estudos Clássicos e membro da Comissão<br />
Coordenadora do Conselho Científico. Actualmente,<br />
pertence à Direcção da Associação Portuguesa de<br />
Estudos Clássicos e é membro do Centro de Estudos<br />
Clássicos e Humanísticos.<br />
A sua investigação, em áreas que vão desde a<br />
Antiguidade Clássica até ao Humanismo Renascentista<br />
em Portugal, tem conduzido à apresentação de numerosas<br />
conferências e publicações. Além de diversos títulos<br />
publicados em revistas nacionais e internacionais, em<br />
Actas de Congressos, bem como em livros de autoria<br />
colectiva, publicou ainda alguns livros, de que se<br />
salientam os seguintes títulos: Teatro nos Colégios dos<br />
Jesuítas. Lisboa: FCG, 2006; Latineuropa. Latim e<br />
cultura neolatina no processo de construção da<br />
identidade europeia. (Coord. Nair Castro Soares,<br />
113
Margarida Miranda e Carlota M. Urbano), Coimbra,<br />
2008; Código Pedagógico dos Jesuítas. Ratio Studiorum<br />
da Companhia de Jesus – Regime escolar e Curriculum<br />
de estudos. Edição bilingue latim-português. Versão<br />
portuguesa de Margarida Miranda. Lisboa, Esfera do<br />
Caos, 2009, pp. 290.<br />
114
Carlota Maria Lopes de Miranda Urbano<br />
Esboço biográfico<br />
A mais nova dos cinco irmãos, Carlota Maria Lopes<br />
de Miranda, Urbano por casamento, nasceu no dia 12 de<br />
Agosto de 1969, em Coimbra, e foi baptizada na Igreja<br />
Matriz de Ançã no dia 22 desse mês. Foram seus<br />
padrinhos Maria Irene Corregedor Abegão e José Carlos<br />
<strong>Tr</strong>avassos Relva. Desde a alcofa acompanhou a mãe para<br />
a escola de Balsas (Febres), por isso aí fez parte da<br />
instrução primária, que concluiu na escola de Ançã, com<br />
a professora D.ª Maria Luísa de Matos Roseira Campos.<br />
Foi com a mesma professora que fez o 5º e 6º ano de<br />
escolaridade antes de entrar na Escola Secundária de<br />
Cantanhede, onde estudaria do 7º ao 11º ano.<br />
Na adolescência, pela mão da madrinha, começou a<br />
frequentar campos de férias e actividades formativas da<br />
ACR (Acção Católica Rural), actividades que depois<br />
passou a animar, especialmente com jovens e pré-jovens,<br />
assumindo mais tarde responsabilidades a nível<br />
115
diocesano e nacional. Também na adolescência,<br />
frequentou o Clube dos Arcos, um centro feminino de<br />
formação humana e espiritual e de ocupação de tempos<br />
livres, do Opus Dei, junto aos Arcos do Jardim em<br />
Coimbra, casa onde muito recebeu. Nessa altura<br />
participava anualmente no Festival da Canção ‘Darca’,<br />
em que vários clubes e colégios ligados àquela obra,<br />
apresentavam as suas canções inéditas e originais para<br />
que a canção vencedora representasse Portugal num<br />
Festival similar em Barcelona.<br />
Para fazer as disciplinas de Literatura Portuguesa,<br />
Latim e Grego, a fim de ter acesso ao Curso de Estudos<br />
Clássicos, fez o 12º ano em Coimbra, no Liceu José<br />
Falcão, onde teve como mestres de Latim o Prof. Veiga e<br />
Moura e de Grego, o Prof. Margarido. Nesta altura<br />
começou a frequentar o CUMN (Centro Universitário<br />
Manuel da Nóbrega) casa da Companhia de Jesus, à<br />
altura, na Couraça de Lisboa, onde viria a passar grande<br />
parte do seu tempo de estudante na Universidade. Desses<br />
anos datam a entrada nas CVX (Comunidades de Vida<br />
Cristã, a que pertence até hoje), de que foi animadora e<br />
membro da equipa regional; e as primeiras experiências<br />
de EE (Exercícios Espirituais de St. Inácio). Foi também<br />
animadora do CUMN, serviço em que muito recebeu, no<br />
contacto com variadíssimos estudantes e com pessoas da<br />
116
casa como a doroteia Ir. Bourbon ou os jesuítas Irmãos<br />
Adão e Zé Ribeiro e os padres José Craveiro, Vasco<br />
Magalhães, Alberto Brito, António Amaral, Luís Rocha e<br />
Melo e Dário Pedroso.<br />
Enquanto estudante na Universidade, frequentou o<br />
Conservatório de Música de Coimbra, onde fez estudos<br />
de Formação Musical e de Canto.<br />
Em 1985, na Festa da Senhora das Dores de Vale<br />
de Estêvão (Anadia) conheceu o Miguel (Fernando<br />
Miguel Vidal Urbano), natural de Coimbra, um rapaz de<br />
19 anos, irmão do Tó Zé Urbano, por sua vez grande<br />
amigo do seu irmão Tiago. O Miguel estudava Gestão de<br />
empresas no Porto, fazia EE e também pertencia a uma<br />
CVX.<br />
Em 1991 terminou a licenciatura em Línguas e<br />
Literaturas Clássicas e Portuguesa e começou a trabalhar<br />
como professora de Português na Escola Secundária de<br />
Tábua. Ao mesmo tempo, começou a frequentar o Curso<br />
de Mestrado em Línguas e Literaturas Clássicas. Em<br />
Setembro de 1992, casou com o Miguel Urbano e fixou<br />
residência em Vale de Estêvão. Em Março de 1993,<br />
começou a ensinar na Faculdade de Letras da<br />
Universidade do Porto como assistente estagiária, função<br />
que desempenhou até Abril de 1995. Nesta altura veio<br />
ensinar para Coimbra, como assistente estagiária do<br />
117
Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras.<br />
No dia 17 de Abril de 1996, veio ao mundo o primeiro<br />
filho vivo, José Miguel de Miranda Urbano, baptizado<br />
com o nome de José Miguel da Anunciação de Miranda<br />
Urbano, na Basílica de N. Srª Auxiliadora de Mogofores,<br />
no dia 18 de Maio do mesmo ano. Desta altura data o<br />
início da colaboração do casal com a pastoral familiar, na<br />
paróquia de Mogofores e, mais tarde, no Centro de<br />
Preparação para o Matrimónio do arciprestado da Curia,<br />
equipa em que ainda hoje trabalha.<br />
Ainda em Junho de 1996, defendeu a tese de<br />
Mestrado em Literatura Latina, com a dissertação “ A<br />
oração de Sapiência do Padre Francisco Machado SJ.<br />
1629”, sob a orientação do grande Mestre do Humanismo<br />
Português, o Prof. Doutor Américo Costa Ramalho.<br />
No dia 17 de Abril de 1998, vieram ao mundo o<br />
segundo e terceiro filhos, David Gabriel de Miranda<br />
Urbano e Alberto Rafael de Miranda Urbano, que foram<br />
baptizados na igreja matriz de Ançã no dia 25 de Junho,<br />
dia de S. Tiago e S. Tomé. Entretanto preparava o<br />
doutoramento em Literatura Neolatina, sob orientação do<br />
Prof. Costa Ramalho, com uma dissertação sobre Épica<br />
hagiográfica neolatina no Humanismo Português.<br />
Defendeu a sua dissertação em Julho de 2004 e nesse<br />
mesmo ano viu a luz a sua primeira filha, a 24 de<br />
118
Novembro, Maria de Nazaré Miranda Urbano, que foi<br />
baptizada na igreja matriz de Ançã a 19 de Dezembro.<br />
Desde então mudou residência para Ançã, onde vive<br />
ainda hoje.<br />
No dia de Natal de 2008, nasceu a sua segunda<br />
filha, Maria do Carmo de Miranda Urbano, baptizada na<br />
igreja matriz de Ançã no dia 30 de Janeiro de 2009 com o<br />
nome de Maria do Carmo da Natividade de Miranda<br />
Urbano.<br />
Para além do gratificante serviço do ensino na<br />
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,<br />
desenvolve a sua investigação no âmbito do Centro de<br />
Estudos Clássicos e Humanísticos, sobretudo na Linha de<br />
Estudos Medievais e Renascentistas. Os seus trabalhos e<br />
publicações têm por objecto principal a literatura<br />
neolatina da Companhia de Jesus em Portugal nos séc.<br />
XVI e XVII, com especial relevo para a poesia<br />
hagiográfica, mas também para a oratória, textos que têm<br />
levado o seu estudo a campos como o perfil literário do<br />
herói no séc. XVII, a recepção da cultura clássica, cultura<br />
clássica e cristianismo, espiritualidade inaciana, missões<br />
jesuítas no Japão, martírio e identidade, pedagogia<br />
inaciana, etc…<br />
Conta, ao momento, 40 anos e o seu tempo repartese<br />
entre os deveres profissionais e a difícil missão de,<br />
119
com o Miguel, acompanhar o crescimento dos filhos com<br />
os risos e lágrimas que lhe são naturais, e sobretudo na fé<br />
e esperança de lhes deixar o bem essencial. Nesta missão<br />
educativa incluem também a participação de ambos na<br />
sociedade, quando os movem causas de bem maior e por<br />
elas lutam em família, seja na igreja seja no mundo.<br />
120
Os Avós e os 19 netos.
Ançã-ble versão inicial.
Grupo Vocal Ançã-ble<br />
Apresentação<br />
O Grupo Vocal Ançã-ble, constituído por uma<br />
família de Ançã, (de onde retira o nome pelo qual se<br />
designa, num jogo de palavras que dispensa explicações),<br />
é um conjunto vocal que se tem dedicado à música sacra<br />
portuguesa, com natural incidência sobre o período áureo<br />
da música vocal em Portugal (séculos XVI-XVII,<br />
segundo uma classificação comummente aceite). Tem-se<br />
apresentado em público com uma frequência regular em<br />
Portugal, Espanha, Itália e Brasil. Para além dos seus<br />
regulares encontros com o público, iniciativas o mais das<br />
vezes, de paróquias e autarquias (Coimbra, Braga,<br />
Aveiro, Esposende, Póvoa do Varzim, Monção, <strong>Tr</strong>ofa,<br />
Matosinhos, Alcobaça, Ourém, Lisboa, Fátima, Porto, Stª<br />
Marta de Penaguião, Vila Real, Vilar Formoso,<br />
Cantanhede, Barcelos, Chaves, Anadia, Mondim de<br />
Basto), são também de referir, em particular, duas<br />
antologias de polifonia portuguesa nas Catedrais de Tuy<br />
(1999 e 2000) e Aprilia (Itália, 2005), bem como uma<br />
123
série de concertos temáticos – acompanhados por vezes<br />
das respectivas comunicações científicas – em várias<br />
ocasiões académicas: Edição do Livro Preto do Arquivo<br />
da Universidade de Coimbra (1977), III Centenário da<br />
morte do Pe António Vieira (1998), o duplo congresso<br />
sobre Anchieta (em Coimbra e em S. Paulo, Brasil,<br />
1999), Congresso Internacional sobre Damião de Góis,<br />
com a execução integral da sua obra (Coimbra, 2002),<br />
Sessão Solene de Apresentação da miscelânea de estudos<br />
de homenagem ao Cardeal Saraiva Martins (Roma,<br />
2004), Congresso Internacional sobre o “O órgão e a<br />
Liturgia” (Fátima 2005), Congresso Internacional sobre<br />
“Retórica e Teatro” (Porto, 2007). No Congresso<br />
Internacional sobre “Teatro Jesuítico” (Lisboa, 2004), o<br />
Ançã-ble assumiu ainda a reconstituição, com base numa<br />
parte do cantus (MM 70 da BGUC) da música de cena,<br />
composta com toda a probabilidade por D. Francisco de<br />
Santa Maria, para a tragédia Sedecias, do P. Luís da<br />
Cruz, e para a <strong>Tr</strong>agédia de Acab, de Miguel Venegas<br />
(séc. XVI), bem como a respectiva execução no âmbito<br />
do mesmo Congresso.<br />
Mais fecunda e exigente tem sido, porém, a<br />
actividade desenvolvida pelo Ançã-ble em colaboração<br />
com o Instituto Português de S. António em Roma, onde,<br />
a partir de 1995, tem apresentado, em primeira audição<br />
124
contemporânea, um número conspícuo de composições<br />
inéditas, recolhidas e transcritas pelo seu Director<br />
artístico em arquivos musicais significativos, tais como a<br />
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Biblioteca<br />
Nacional, Arquivo da Sé Patriarcal de Lisboa, Arquivo<br />
Capitular de Viseu, Arquivo do Seminário da Missões de<br />
Cernache de Bonjardim, Arquivo do Instituto de Stº.<br />
António dos Portugueses em Roma, Arquivo Capitular de<br />
Ciudad Rodrigo, Biblioteca Vaticana, Arquivo do Cabido<br />
de S. João de Latrão e Biblioteca do Conservatório de Stª<br />
Cecília, em Roma. Também a divulgação dos actuais e<br />
principais compositores de música sacra portugueses lhe<br />
tem merecido atenção, fazendo parte do seu repertório<br />
obras a si dedicadas pelo compositor bracarense Joaquim<br />
dos Santos.<br />
Da sobredita actividade resultam numerosas<br />
gravações e publicações discográficas: Erreffe, (Roma,<br />
1996), Public-art (Coimbra, 2000 e 2002), a banda<br />
sonora para o CD ROM das Crónicas de D. Manuel e do<br />
Príncipe D. João, de Damião de Góis (edição da<br />
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Fundação<br />
Gulbenkian e Comissão do Congresso Damião de Góis e<br />
o Humanismo Europeu, (1502 – 2002), Lisboa, 2002),<br />
bem como a gravação do concerto que realizou naquele<br />
Congresso, a pretexto da execução integral da obra<br />
125
musical deixada por aquele humanista e músico<br />
português. Também o seu contributo para o Congresso<br />
sobre “Retórica e Teatro” foi gravado com a Public-art<br />
(Coimbra, 2009), constituindo um anexo musical das<br />
respectivas Actas. Mas é sobretudo graças ao mecenato<br />
do Instituto Português de S. António em Roma, que o<br />
Ançã-ble tem podido contar com o registo e publicação<br />
sistemáticos do seu labor musical (IPSAR, Roma, 2000,<br />
2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2009). A Direcção é<br />
de Pedro Miranda.<br />
Ançã-ble. Versão actual.<br />
126
CERTÍSSIMO<br />
Testemunho do Pároco<br />
Sendo-me pedida, pelo Rotary Club de Coimbra,<br />
uma opinião sobre a homenagem que esta Associação<br />
deseja prestar à "Familia Miranda", de Ançã, a primeira<br />
palavra que saltou, à nossa língua, foi esta: certíssimo, à<br />
qual se podem juntar muitas outras, como justíssimo,<br />
muito bem, etc.<br />
Num tempo de tanta injustiça e num tempo em que<br />
a própria justiça parece não se entender, é lindo que uma<br />
associação, como o Rotary de Coimbra, cumprindo os<br />
seus objectivos, tenha decidido homenagear uma família<br />
que, logicamente, possa servir de estímulo para tantas<br />
outras que, também, não se querem deixar arrastar por<br />
"modelos" que, no nosso entender, corroem e destroem a<br />
Família.<br />
Sem querer canonizar ninguém, em vida, nós que<br />
temos o privilégio de conhecer esta Família, há 33 anos,<br />
sabemos parte do caudal de bem que tem construído<br />
nesta bonita terra de Ançã e não só.<br />
Porque ninguém dá o que não tem, a Família<br />
Miranda procurou, sempre fazer a sua vida sob a<br />
orientação dos princípios cristãos e humanos que, nem<br />
modas novas, nem correntes novas, conseguem abalar.<br />
127
São cabeça de Casal os Srs. Dr. Tiago da Rocha<br />
Miranda e D. Maria Lisette Carlos Lopes da Rocha<br />
Miranda. Do seu amor, nasceram três rapazes e duas<br />
raparigas; tendo uma vida económica a que poderíamos<br />
chamar de muito razoável, sensibilizou-nos, à partida, a<br />
forma simples como os filhos, então muito jovens,<br />
vestiam, não porque os meios económicos não<br />
existissem, mas porque parte dos mesmos era investida<br />
na formação extra escolar dos filhos! Todos eles são<br />
excelentes músicos, bons cristãos, abertos à solidariedade<br />
e líderes, na prossecução do bem comum.<br />
Beberam estes princípios no ambiente familiar, mas<br />
não só; quantos cursos, retiros, horas e horas passadas em<br />
encontros de formação crista, em casas da especialidade,<br />
ainda hoje existentes, em Coimbra. Como é evidente,<br />
estas coisas custam dinheiro, mas o Senhor Dr. Tiago e<br />
D. Lisete, sua esposa preferiram investir na formação dos<br />
filhos, de preferência a luxos que, muitas vezes<br />
denunciam pobreza interior.<br />
Como é normal a Família Miranda cresceu e<br />
multiplicou-se: quatro casaram, trazendo para a Família<br />
dois genros e duas noras, também eles e elas gente de<br />
princípios cristãos e de grande humanidade. Amantes da<br />
beleza duma família numerosa, deram à família 18 netos<br />
e véspera de 19. Mas falta um filho! Este, Pe. Dr. Pedro<br />
Miranda, entregou a sua vida a Deus e aos irmãos, no<br />
serviço do Sacerdócio.<br />
Como Pároco de Ançã, tive e tenho a sua melhor<br />
colaboração; por isso os encontro no Conselho de<br />
Pastoral, no Conselho Económico, na Catequese, no<br />
128
Coro, nas Equipas de Casais e, até, quando fui presidente<br />
do Ançã Futebol Clube, tive o Senhor Dr. Tiago como<br />
Presidente da Assembleia Geral.<br />
Embora correndo o risco de alongar estas simples,<br />
mas verdadeiras palavras, não posso deixar de dizer que<br />
D. Lisette, quando sai à rua, é uma verdadeira<br />
conselheira para as inúmeras mulheres que, no cominho,<br />
a interpelam, procurando um conselho, fazendo um<br />
desabafo e, também, dando uma boa notícia.<br />
A sua presença é notável na Acção Católica Rural<br />
(A.C.R.), orientando e apoiando as Militantes.<br />
Só me resta dizer: obrigado Senhor por esta Família<br />
pertencer à minha Paróquia.<br />
129<br />
Pe. Manuel de Jesus
ÍNDICE<br />
Prefácio ………………………………...... 7<br />
Mensagem do Presidente do RI (Dezembro) 9<br />
Mensagem do Governador (Dezembro)….. 11<br />
A família Miranda: unidos pelo exemplo,<br />
sobriedade e amor (entrevista) ……...... 13<br />
Biografias ................................................... 77<br />
Tiago da Rocha Miranda ....................... 79<br />
Maria Lizette Carlos Lopes da Rocha<br />
Miranda ............................................. 85<br />
José Carlos Lopes de Miranda ............... 93<br />
Tiago Afonso Lopes de Miranda ........... 99<br />
Pedro Carlos Lopes de Miranda ............. 105<br />
Maria Margarida Lopes de Miranda ....... 110<br />
Carlota Maria Lopes de Miranda Urbano 115<br />
Grupo vocal Ançã-ble ................................. 123<br />
Certíssimo (testemunho do Pároco) ............ 127<br />
131<br />
Pág.