Dilatações urinárias fetais - Masterlink
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DILATAÇÕES URINÁRIAS FETAIS (DUF) Protocolo elaborado por Alexandra Matias, Helena Jardim e Carlos Mariz<br />
INTRODUÇÃO<br />
A ecografia prénatal de rotina permite detectar precocemente dilatações do tracto urinário e dificuldade na<br />
progressão do fluxo urinário. Os rins e as suprarrenais <strong>fetais</strong> podem visualizar-se a partir das 9 sem (em 100% dos<br />
casos a partir das 13 sem). As suprarrenais podem mimetizar a presença de rins. A bexiga fetal pode visualizar-se em<br />
80% dos casos a partir das 11 sem e em mais de 90% a partir das 13 sem. A produção de urina fetal inicia-se às 11-<br />
13 sem (5 ml às 20 sem e 50 ml às 40 sem) e é responsável pela manutenção do volume de LA a partir das 16<br />
semanas. No entanto, a interpretação dos achados prénatais e o planeamento da atitude pósnatal devem ser<br />
cautelosos dado que o conhecimento da fisiologia do tracto urinário fetal é ainda rudimentar e o prognóstico destas<br />
patologias é incerto.<br />
A prevalência das dilatações <strong>urinárias</strong> é de 1-5 casos por 1.000 nascimentos (50-75% das anomalias renais),<br />
ocorrendo em 10-15 % dos casos bilateralmente. Em 1 em 100 casos trata-se de anomalias minor e em 1 para 500 de<br />
anomalias major que em 5-40% dos casos vão necessitar de correcção cirúrgica.<br />
As DUF podem classificar-se em:<br />
dilatação piélica uni- ou bilateral<br />
hidronefrose uni- ou bilateral<br />
megaureter uni- ou bilateral<br />
obstrução uretral/anomalia cloacal<br />
O termo “obstrução” não deve ser usado já que a existência de dilatação não implica necessariamente uma<br />
deformação ou um obstáculo físico à passagem de urina. As causas mais frequentes de DUF são:<br />
Causas renais Causas extrarenais<br />
Anomalia da junção pelviureteral (A) Teratoma sacrococcígeo<br />
Anomalia da junção vesicoureteral (B) Hidrometrocolpos<br />
Válvulas uretrais posteriores (C) Duplicação entérica<br />
Sistemas duplex (c/ ou s/ dilatação) Atrésia duodenal<br />
Ureter ectópico Cisto ovárico<br />
Ureterocelo obstrutivo Outras massas pélvicas<br />
Megaureter<br />
Refluxo vesicoureteral<br />
Síndrome de Prune-Belly<br />
Atrésia uretral/anomalia cloacal<br />
* Woodward M et al, 2002<br />
DIAGNÓSTICO PRENATAL<br />
O diagnóstico das DUF é feito inicialmente por ecografia, em plano transversal e longitudinal, de modo a:<br />
• localizar os rins <strong>fetais</strong><br />
• quantificar a dilatação piélica<br />
• caracterizar a dilatação calicial<br />
• definir ecogenicidade renal e diferenciação corticomedular<br />
• verificar a existência ou não de megaureter<br />
• verificar a existência e tipo de cistos<br />
• quantificar o volume de líquido amniótico (LA)<br />
• visualizar a bexiga fetal (parede, forma, esvaziamento vesical)<br />
• pesquisar malformações extra-renais associadas<br />
• definir sexo fetal<br />
A RMN fetal permite, de forma complementar, definir o nível da obstrução (hidronefroses bilaterais graves,<br />
megabexiga) e as estruturas nefrourológicas envolvidas, principalmente em caso de oligo- ou anidrâmnios, e<br />
obesidade materna. O estudo funcional do rim fetal com gadolínio ainda não foi aprovado pela FDA.<br />
A. TIPOS DE DILATAÇÃO URINÁRIA FETAL: diagnóstico e orientação prénatal<br />
A dilatação do tracto urinário representa cerca de 50% das anomalias renais detectadas no período prénatal.<br />
Cerca de 1-2% das gravidezes apresentam dilatação pielocalicial moderada ou transitória, com maior incidência no<br />
sexo masculino.<br />
I. DILATAÇÃO PIÉLICA<br />
Trata-se da uropatia fetal mais frequente (representa 45% das uropatias com DPN) afectando cerca de 2-3%<br />
dos recém-nascidos, maioritariamente do sexo masculino. 90% dos casos são unilaterais (principalmente de<br />
localização à direita), 25% apresentam anomalias renais associadas e 4-31%, anomalias extrarrenais associadas. O<br />
risco de trissomia 21 está aumentado 1,5x; no entanto, enquanto achado isolado não é indicação para determinação<br />
do cariótipo fetal.<br />
Define-se pelo alargamento da pelve renal sem dilatação dos cálices (embora a hipoecogenecidade dos<br />
pirâmides possa mimetizar caliectasias bem como os vasos renais do hilo podem sugerir uma pelviectasia). Em corte<br />
transversal mede-se o diâmetro anteroposterior da pelve (AP), com a bexiga fetal vazia, e classifica-se em termos de<br />
“cut-off” segundo a tabela:<br />
Bexiga<br />
B<br />
Rim<br />
A<br />
C<br />
Esfíncter Uretra
Idade gestacional Diâmetro piélico (mm)<br />
11-14 sem 3<br />
14-22 sem 4<br />
22-32 sem 5<br />
> 32 sem 7<br />
* Cohen-Overbeek et al, 2005<br />
Deve ser realizada avaliação seriada do diâmetro AP às 32 semanas e a termo. Um diâmetro AP da pelve > 7<br />
mm depois das 32 semanas implica vigilância pós-natal. O limiar de 8 mm apresenta pouca especificidade, mas inclui<br />
a maioria dos casos patológicos; um limiar ≥ 10 mm detecta a patologia mais grave mas possui pouca sensibilidade<br />
para detectar refluxo vesicoureteral. Deve ter-se em conta que a hidratação materna e o grau de preenchimento da<br />
bexiga fetal podem alterar fisiologicamente o valor do diâmetro da pelve renal.<br />
Pode haver aumento da ecogenicidade renal e a presença de cistos comunicantes com a pelve renal. Pode<br />
ocorrer resolução espontânea da dilatação in utero ou, mais raramente, progressão para hidronefrose se existe causas<br />
obstrutivas, refluxo vesicoureteral ou duplicação do sistema colector renal.<br />
O volume de LA é normal.<br />
Não existe evidência de que o parto deva ser antecipado.<br />
II. HIDRONEFROSE<br />
Constitui a 2ª causa mais frequente de dilatação urinária no feto<br />
principalmente do sexo masculino (incidência = 1: 2000 RN),<br />
representando 35% das uropatias com DPN. Cerca de 10% são bilaterais.<br />
Anomalias do rim contralateral (obstrução da junção ureteropélvica,<br />
agenesia renal, rim pélvico e refluxo vesicoureteral) coexistem em 25%<br />
dos casos. Anomalias extrarrenais podem ser encontradas em 10% dos<br />
casos. Independentemente do grau de hidronefrose, qualquer tipo de<br />
caliectasia é anormal (duplica a possibilidade de a hidronefrose vir a<br />
necessitar de correcção cirúrgica).<br />
Define-se como dilatação da pelve renal e dilatação dos cálices<br />
por obstrução ao nível da junção entre a pelve e o ureter, sem que haja<br />
dilatação dos ureteres ou da bexiga. Pode haver aumento da<br />
ecogenicidade renal e podem aparecer cistos corticais (displasia cística<br />
obstrutiva). Em corte transversal mede-se o diâmetro anteroposterior da<br />
pelve renal (AP), com a bexiga fetal vazia, e em corte sagital é melhor<br />
avaliada a dilatação dos cálices. Deve ser realizada avaliação seriada de 4<br />
em 4 semanas. O volume de LA é geralmente normal, mas pode estar<br />
aumentado principalmente se a obstrução é unilateral, ou existir<br />
oligoâmnios se a obstrução é bilateral e grave.<br />
Não está indicada a realização de determinação do cariótipo fetal.<br />
Não existe evidência de que o parto deva ser antecipado.<br />
III. MEGAURETER<br />
Esta entidade representa 10% das uropatias com DPN com uma incidência de 1 em 6500 RN. O envolvimento<br />
bilateral ocorre em cerca de 25% dos pacientes com megaureteres obstrutivos congénitos. O megaureter obstrutivo<br />
congénito tem uma relação 4♂:1♀. O lado esquerdo é mais frequentemente afectado que o direito. O megaureter pode<br />
ser do tipo obstrutivo, refluxivo, obstrutivo-refluxivo ou não obstrutivo-não refluxivo consoante existe uma obstrução<br />
ureteral mecânica ou funcional, embora esta classificação só seja<br />
realizável no período pós-natal. Pode associar-se a anomalias renais<br />
(duplicação do sistema colector renal, refluxo vesicoureteral) e<br />
extrarrenais, principalmente malformações ginecológicas em cerca de<br />
50% dos fetos do sexo feminino.<br />
O megaureter define-se com a dilatação do(s) ureter(es) (> 1 cm<br />
de Ø), com trajecto tortuoso, geralmente unilateral (esquerda > direita),<br />
acompanhada por dilatação piélica c/ ou s/ dilatação calicial, e bexiga de<br />
características normais. A RMN fetal pode ser útil na clarificação do nível<br />
da obstrução ou da existência de duplicação, e no caso dos fetos do sexo<br />
feminino, na definição de anomalias ginecológicas associadas.<br />
Deve ser realizada avaliação seriada de 4 em 4 semanas.<br />
O volume de LA é geralmente normal.<br />
A terminação da gravidez deve ser programada para as 37 semanas.<br />
2
IV. OBSTRUÇÃO URETRAL<br />
Pode ocorrer por malformações da uretra (desde atrésia uretral até ao<br />
síndrome das válvulas uretrais posteriores) (♂>♀) ou por anomalias da cloaca<br />
(♀>♂). Afecta 1: 1600 fetos no 1º trimestre e existe elevada mortalidade in<br />
utero, embora o grau de gravidade seja muito variável. A termo afecta 1 em<br />
5000-8000 fetos do sexo masculino. Constitui a uropatia infravesical<br />
obstrutiva mais frequente na infância. Anomalias associadas são frequentes e<br />
podem ocorrer em 43% dos casos (cardiopatias, síndrome de VATER, atrésia<br />
anal).<br />
A tradução mais precoce desta obstrução é a megabexiga que se<br />
define por um diâmetro longitudinal da bexiga > 7 mm entre as 11-14<br />
semanas. Considera-se moderada se este diâmetro mede de 8-12 mm, tendo a maioria resolução espontânea, ou<br />
grave se mede mais de 17 mm, tendo a maioria evoluído para uropatia obstrutiva ou displasia renal. A<br />
determinação do cariótipo fetal no LA ou na urina fetal está indicada.<br />
O diagnóstico de obstrução uretral inclui a presença de megabexiga que pode ocupar todo o abdómen,<br />
com hipertrofia da parede vesical e dilatação fusiforme da uretra (“keyhole sign”), hidronefrose bilateral com<br />
eventual aumento da ecogenicidade do parênquima renal ou diminuição do tamanho renal (atrofia), megaureteres<br />
bilaterais, abdómen “prune belly”, membros contracturados e facies de Potter. Pode ocorrer ruptura da bexiga com<br />
a consequente ascite urinária, bem como ruptura dos cálices com formação de urinomas perinéfricos. O LA está<br />
diminuído ou constata-se oligoâmnios/anidrâmnios que, se ocorre antes
C. ATITUDE PÓS-NATAL (Cirurgia pediátrica)<br />
A indicação cirúrgica no caso das dilatações renais varia entre 5 a 20 % dependendo dos centros:<br />
▪ Indicação generalizada – Obstrução urinária a qualquer nível<br />
– Refluxo com ITU recorrente sob profilaxia<br />
▪ Indicação individualizada – ureterocelo, megaureter congénito, ureter ectópico, divertículo vesical,<br />
refluxos de grau IV-V > 1 ano ou adolescente género feminino<br />
▪ Situações complexas - Cloaca, seios urogenitais, extrofia da bexiga, bexiga neurogénica, bexigas de<br />
esforço, “prune-belly”<br />
1. Síndrome de junção pieloureteral<br />
A indicação cirúrgica depende de se tratar de uma obstrução:<br />
▪ sintomática (dor no flanco recorrente, infecção de trato urinário): pieloplastia<br />
▪ assintomática<br />
- Vigilância dependendo do grau de dilatação e de função renal<br />
- Cirurgia se:<br />
▪ função inicial diferencial inferior a 40% do lado afectado<br />
(se menor 15% nefrostomia e pieloplastia ou nefrectomia conforme recuperação)<br />
▪ perda de mais que 10% função em estudos subsequentes<br />
▪ aumento de diâmetro anteroposterior na ecografia de seguimento e hidronefrose de grau<br />
III e IV da SAFU<br />
2. Síndrome de junção vesicoureteral<br />
3. Ureterocelo<br />
A indicação para tratamento cirúrgico depende de se tratar de um megaureter:<br />
- obstrutivo, igual aos do síndrome de junção pieloureteral<br />
- refluxivo, igual ao refluxo vesicoureteral<br />
▪ Em doente assintomático com pólo superior não funcionante, sem obstrução significativa do pólo inferior ou<br />
da saída vesical:<br />
- Antibióticos profiláticos<br />
- Heminefrectomia polar superior aos 3 meses<br />
▪ Com obstrução de pólo inferior ou de ureter contralateral ou de saída vesical:<br />
- Descompressão endoscópica imediata<br />
- Antibióticos profiláticos<br />
- Reavaliação em 3 meses<br />
– Se descompressão efectiva e sem refluxo parar antibióticos e seguimento com cultura<br />
de urina e ecografia<br />
– Se refluxo ou obstrução presentes realizar cirurgia secundária<br />
4. Válvulas da Uretra Posterior<br />
- Passar cateter vesical nos casos suspeitos e realizar urgentemente (48 horas) CUMS e ecografia e<br />
análises de função renal; se impossível cateterizar bexiga colocar cateter suprapúbico<br />
- Confirmado diagnóstico, realizar ablação endoscópica ou vesicotomia com ablação diferida<br />
5. Refluxo Vesico Ureteral<br />
O tratamento baseia-se em prevenir a infecção e as cicatrizes renais:<br />
- Profilaxia antibiótica<br />
- Cirurgia (reimplantação de ureteres, injecção endoscópica) se:<br />
• Infecções apesar de profilaxia<br />
• Não aderência ao tratamento antibiótico<br />
• Novas cicatrizes renais<br />
• Malformações associadas (duplex, divertículo de Hutch, ureter ectópico)<br />
• Refluxo grau IV e V após 1 ano<br />
• Raparigas se refluxo não desaparece para lá dos dois anos<br />
4
D. Orientação pré-natal:<br />
Dilatação piélica<br />
∅ AP < 7 mm (32S) ⇒ N<br />
∅ AP > 7 mm (32S)<br />
∅ AP ≥ 10 mm (grave)<br />
Parto termo<br />
Suspeita de dilatação urinária<br />
CONFIRMADA NÃO CONFIRMADA<br />
Ecografia morfológica<br />
Ecocardiograma fetal<br />
Hidronefrose<br />
Dilatação da pelve e cálices<br />
RMN fetal (se bilateral)<br />
Avaliação seriada<br />
4/4 sem<br />
Parto termo<br />
Ecografia fetal<br />
Megaureter<br />
Ureter ∅ > 1 cm<br />
RMN fetal<br />
Avaliação seriada<br />
4/4 sem<br />
Parto 37 sem<br />
IMG<br />
< 24 sem<br />
Obstrução uretral<br />
1º T: ∅ longit > 7 mm<br />
∅ > 17 mm (grave)<br />
2º /3º T : megabexiga +<br />
oligoâmnio<br />
Cariótipo fetal<br />
RMN fetal<br />
> 24 sem<br />
Avaliação seriada<br />
4/4 sem<br />
Parto 32 sem<br />
5
E. Orientação pós-natal:<br />
SJPU, SJVU, ureterocelo<br />
Profilaxia antibiótica D1<br />
Ecografia renovesical<br />
1 M<br />
3-6-M<br />
∅ AP < 15 mm ∅ AP ≥ 15 mm<br />
Profilaxia da<br />
infecção urinária<br />
Suspeita de dilatação urinária no RN<br />
Ecografia renovesical às<br />
48-72 h<br />
CONFIRMADA NÃO CONFIRMADA<br />
RVU<br />
+vo<br />
Cintigrafia<br />
com DMSA<br />
CUMS<br />
RVU<br />
-vo<br />
Válvulas da uretra posterior<br />
Cateter vesical<br />
CUMS às 48 h<br />
Análises da função renal<br />
Renograma<br />
Ablação endoscópica<br />
ou<br />
Vesicotomia com ablação<br />
diferida<br />
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