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ISSN 1413-2605<br />
REVISTA JURÍDICA<br />
REALIZACÁO<br />
ACADÉMICOS DE DIREITODA UNIVERSIDADE FEDERAL<br />
DO RIO GRANDE DO NORTE<br />
APOIO<br />
CENTRO DECIÉNCIASSOCIA1SAPLICADAS-CCSA/UFRN<br />
FUNDACÁO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTERIO PÚBLICO-FESMP/RN<br />
Ano IX -Número <strong>15</strong> (Jan./Jun. 2003)<br />
Editora: SERVGRÁFICA<br />
Tiragcm deslacdiijilo: 300 cxemplares<br />
REVISTA .11 IR'nirM iv VFRBISn. <strong>15</strong>-UFRN
Os artigos assinados sao de exclusiva responsabilidade dos autores. É permitida a<br />
reproducao total ou parcial dos artigos desta, desde que citada a fonte.<br />
Toda correspondencia para a <strong>Revista</strong> deverá ser enviada para:<br />
COMISSAO EDITORIAL DA REVISTA JURÍDICA IN VERBIS<br />
ESPACO INTEGRADO CAAC-I N VERBIS<br />
UNÍ VERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE<br />
AV. SENADOR SALGADO FILHO,3000<br />
SETORI DO CAM PUS UNÍ VERSITÁRIO<br />
CURSODEDIREITO<br />
NATAL/RN<br />
CEP 59072-870<br />
Endereco virtual: http://in verbis.vilabol.uol.com.br/<br />
E- mail: in vcrbis@bol.coni.br<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Jurídica</strong> <strong>In</strong> Vcrbis- Renlizacílo; Académicos de Direilo da<br />
Universidude l-'ederal do Rio Grande do Norte. Ano IX. n° I5.j:in/jun. 2003,<br />
Natal: Editora Scrvgráfica, 2003 - l'eriodicidade Semestral.<br />
1. Direito- Periódico. I. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.<br />
Centro de Ciencias Sociais Aplicadas - CCSA/UFRN<br />
CDU-34<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
UNIVERSIDAD!; FEDERAL DO KIO (iKANI)l-: DO NORTE<br />
CENTRO DI-: CIENCIAS SOCIAIS APLICADAS<br />
RE1TOR<br />
JOSÍv IVONII.DO IX) RÉ.GO<br />
VICE-REITOR<br />
NILSEN DE CARVALHO FILMO<br />
CURSO DI-: DIRF.ITO<br />
REVISTA JURÍDICA /.V VERHIS<br />
DIRETORA DO CCSA<br />
MARÍA ÁRLETE DUARTE DE ARAÚJO<br />
VICE-DIRETORA DO CCSA<br />
ANA LUCIA ASSUNCÁO ARAGAO GOMES<br />
CONSELUOEDITORAL<br />
CLEANTO FORTUNATO DA SILVA<br />
DARCI PINHEIRO<br />
EDILSON PEREIRA NOBRE JR.<br />
ELAINE CARDOSO DE MATOS NOVAES (FESMP/RN)<br />
FABIANO ANDRÉ DE SOUZA MENDONCA<br />
FRANCISCO BARROS DÍAS<br />
JOSÉ DANIEL D1NIZ<br />
JOSÉ LUIZ BORGES HORTA<br />
JULIANO IIOMIiM DE S1QUEIRA<br />
LUÍS ALBERTO DANTAS FILHO<br />
MARCELO NAVARRO RIBE1RO DANTAS<br />
RICARDO WAGNI-R ALCÁNTARA<br />
WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR<br />
NORMALIZACAO<br />
MARÍA DO SOCORRO DE AZEVF.DO BORBA<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN
COMISSAO EDITORIAL<br />
ALINNI:. IAJISI-: CAVALCANTl DA SILVA<br />
BRUNO BARCELLOS CAVALCANTE<br />
DANIEL DE OLIVEIRA ARAÚJO<br />
DANIE1.LY CRUZ MIRANDA<br />
FERNANDA BRAGA RAMAI.IIO<br />
MARCE1.I.A RÉGO DE CARVALIIO<br />
MATUSALÉM JOBSON BL7.ERRA DANTAS<br />
MAX BRUNO ALVES<br />
ORQUIMARY JUCARA RAFAEL SIQUEIRA<br />
PAULO SERGIO PEREIRA DOS SANTOS<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERUIS n. <strong>15</strong> - UI'RN
EDITORIAL<br />
Num ano conturbado para as universidades públicas - especialmente<br />
nossa UFRN, envolta em clima de apreensüo devido ao espectro da reforma<br />
previdenciária - conseguimos concluir mais esta edicao da <strong>Revista</strong> <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>, com<br />
a cerie/a de que, mais do que nunca, será grande a nossa responsabilidade em<br />
levar adiante esse trabalho de incentivo ao estudo individual e á produeño científica,<br />
em ambiente com ¡nfra-estrutura precaria e sob condicoes nem sempre<br />
estimuladoras.<br />
Nao pretendemos discutir aqui, em editorial de urna revista académica, o<br />
mérito ou nao da reforma que ora se leva a termo, em velocidade nunca vista em<br />
materia capital para o servico público. Deixemos esse trabalho de reflexáo para<br />
nossos articulistas, quem sabe até em urna futura edicao especial sobre o assunto.<br />
Entretanto, nao há como nao tocar no tema, principalmente quando pensamos ñas<br />
possíveis consequéncias de tais medidas, sobretudo para o ensino público supe<br />
rior, coisa que nem de longe se viu discutir nos grandes meios de comunicacao,<br />
que se limitaram a reverberar o táo alegado déficit na previdencia e os "privilegios<br />
inconcebiveis" de reduzidas carnadas do setor público. Nao arriscaremos também<br />
vaticinar a respeito do impacto da reforma sobre a UFRN em particular, sobre<br />
nossa vida académica. Mas lembremos que, nos últimos cinco anos, a Universidade<br />
perdeu ¡números docentes, aposentados, após a mini-reforma promovida através<br />
da EC 20/98. E agora constatamos, desesperados e impotentes, que esse número<br />
tende a aumentar. Varios professores já pediram aposentadoria após o inicio da<br />
discuss3o sobre a reforma. Há mesmo urna corrida contra o tempo para se conseguir<br />
a aposentadoria antes da aprovacao da "PEC 40".<br />
Difícil imaginar esta Universidade, o curso de direito, sem ver no quadro<br />
de docentes aquelas personalidades que sabemos ainda estarem na ativa por puro<br />
amor ao ensino e á instituicao. Mas nem só de amor vive o homem. A Universidade<br />
já nao remunera bem. Há muitos professores substitutos, que também sao mal<br />
remunerados. Certamente perderemos mais professores titulares. E há muitos outros<br />
motivos para o clima de apreensao. Estamos perdendo muito. O curso de direito<br />
está perdendo valores importantes. Para se ter urna idéia do tamanho do desfalque,<br />
basta lembrar a recente aposentadoria da Prof Rosenite Alves de Oliveira, grande<br />
incentivadora da pesquisa e da extensño nesta Universidade e orientadora de<br />
nossos colegas da SOI, que conseguiram importantes vitórias representando a<br />
UFRN no citado evento académico. Sem exageros - quem a conheceu o sabe bem<br />
- trata-sc de urna perda irreparávcl para o curso de direito.<br />
Mas como a esperanca é a palavra de ordem do momento, vamos "esperar"<br />
por urna reestruturacao do ensino público universitario e a recomposicao<br />
(qualitativa e quantitativa) de seu quadro docente. Diz o ditado: "quem espera<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
semprc alcanza" (em nossa situacao seria melhor dizcr: "qucm espera sempre cansa"<br />
...). Bem, em todo caso, esperamos melhor sorte para os futuros graduandos. Por<br />
enquanto, que fazer? Sejamos otimislas...Afinal. pelo que temos acompanhado em<br />
nossa "Academia", é na adversidade que surgem as grandes surpresas e as mais<br />
¡novadoras idéias. E temos muitos exemplos disso, aqui mesmo em nossa Univer-<br />
sidade: basta citar as conquistas das últimas delegac.Oes enviadas á SOI e a<br />
organizaclío da nova edicao do evento aqui em Natal - a SOI/20031. preparada para<br />
o mes de novembro deste ano; a empreitada do Programa "Ligas <strong>Jurídica</strong>s"2 , a ser<br />
concluida pela atual gestño do Centro Académico Amaro Cavalcanti - CAAC,<br />
tendo á sua frente o Professor Fabiano André de Souza Mendonca, o trabalho<br />
desenvolvido pelaONG NOVA MENTE, surgida a partir de iniciativa de alunos do<br />
5o período do curso e o engajamento do grupo de Direito Alternativo, com os<br />
estudos em estágio avancado e que certamente será nossa primeira "Liga <strong>Jurídica</strong>".<br />
Lembremos ainda, é claro, em relacüo a nossa "<strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>", do sucesso que foi o<br />
lancamento da nossa segunda edicao temática, sobre Direito do Consumidor, com<br />
a ilustre presenca da Procuradora de Justica Rosana Grinberg, vice-presidente do<br />
BRASILCON - <strong>In</strong>stituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, além do<br />
retorno ao meio académico.do Prof. Giuseppi da Costa e das brilhantes intervencSes<br />
dos Professores José Augusto Peres Filho, Elaine Cardoso de Matos Nováis e do<br />
avaliador da ed¡c3o, o Professor Edilson Alves de Franca, a quem sempre estaremos<br />
devendo, eternamente, em materia de agradecimentos. Esta nova edicao, alias, traz<br />
importantes modificacSes, gracas sobretudo as sugestóes e observacSes do Prof.<br />
Edilson, especialmente na parte do questionário de avaliacao dos artigos (ver ao<br />
final da revista), agora com tópicos sobre análise da utilizacao da bibliografía<br />
selecionada pelo articulista e insereno de jurisprudencia, quando o assunto assim<br />
o exigir - pois nenhum aluno que queira expor suas idéias em urna revista jurídica<br />
pode olvidar esta fonte que é o direito vivo, em movimento, saido do "forno" dos<br />
nossos Tribunais.<br />
Falando agora das mudancas ñas regras de publicac3o, algumas medidas<br />
se tornaram urgentes em face do aumento do número de artigos enviados, como o<br />
estabelecimento de outros requisitos de admissibilidade para a correc3o do trabalho<br />
pela comissSo avaliadora. Assim, a partir da próxima edicto teremos número mínimo<br />
de páginas para aceitaeño do artigo, além daquelas regras cujo desrespeito poderá<br />
ensejar sua eliminacSo ¡mediata, sem seguir sequer para análise de um professor.<br />
Portanto, recomendamos a todos a leitura atenta das Regras para Publicacüo, ao<br />
1 Para saber mais sobre o que c a SOI veja o »¡lc www.soiufm.cjb.iicl.<br />
•' Menores infonnacoes sobre conio participar do Programa Ligas <strong>Jurídica</strong>s, acesse www.limsiuridicas.hpt'com.br ou<br />
www.aniarocavalcanti.hDi! eom br<br />
10 RF.VISTA JURÍDICA IN VF.RUIS n. <strong>15</strong> UFRN
final deste exemplar. disponibilizadas também no site oficial da <strong>Revista</strong>1. Para esta<br />
edicik), temos mudanca também no que se refere aos profcssorcs avaliadores, que<br />
passam agora a ostentar o tao reclamado status de 'Conselho Editorial', podendo<br />
assim acrescentar os créditos da correcao dos artigos na famosa "GED".<br />
Urna outra questao discutida á exaustao entre nos da Comiss3o Editorial,<br />
"nó górdio" de nossas reuniñes, foi a inclusáo de um "espaco" fixo para estudantes<br />
de outras universidades terem a oportunidade de dar sua contr¡buic§o para nossa<br />
<strong>Revista</strong> sem correrem o risco de "cair" no criterio de desempate que dá preferencia<br />
a estudantes da UFRN. Existia urna certa relutáncia quanto a esse ponto. Porém.<br />
n3o poderiamos permanecer indiferentes diante do crescimento do prestigio da<br />
<strong>Revista</strong> para além dos limites geográficos de nosso Estado (afinal era esse o nosso<br />
desejo) e. a partir desta edicao, abrimos o merecido espaco aos nossos colegas<br />
que n3o sao da UFRN e que desejem enviar seus trabalhos. De agora em diante a<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Jurídica</strong> <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong> contará com pelo menos um artigo escrito por estudante<br />
que n3o seja da UFRN. Esperamos com isso ampliar nossa d¡vulgac3o e incentivar,<br />
também em outras universidades, a prática da pesquisa jurídica, nosso primeiro<br />
lema.<br />
Outra noticia é queja temos definido o assunto da próxima revista. Devido<br />
aos contratempos com a greve, impossibilitando-nos de fazer a já conhecida<br />
consulta a todo o corpo discente sobre a escolha do tema, resolvemos fugir á regra<br />
e decidimos, "inaudita altera pars". atender a urna antiga reivindicacao das turmas<br />
dos períodos iniciáis do curso e que certamente agradará a gregos e troianos: para<br />
a próxima revista temática os alunos devenío encaminhar á Comiss3o Editorial<br />
artigos na área de Direito Penal e Direito Processual Penal. Fica estabclccido também<br />
o costumeiro prazo, de até um mes após o lancamento da revista, para entrega dos<br />
trabalhos.<br />
Agora os informes referentes á Comissiío Editorial que, como sabemos,<br />
vem passando por um período de renovacao. Deixaram, neste semestre, a Com¡ss3o<br />
Renata Veras Rocha e Amanda Barccllos Cavalcantc. últimas representantes daqucla<br />
fase áurea, em que se imprimiu feicao mais dinámica á <strong>Revista</strong>, e a colega Jadía<br />
Marina Bezerra Dantas. Com a saída do trio, a <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong> reinicia mais um ciclo, que<br />
esperamos ser de muito sueesso, fazendo jus ao trabalho das colegas. E é com esta<br />
enorme responsabilidade de levar o 'barco* adiante, que seccionarnos cinco novos<br />
companheiros para (re)compor a Com¡ss3o Editorial: Alinne Luise Cavalcanti da<br />
Silva, Daniel de Oliveira Araújo, Danielly Cruz Miranda, Marcella Régode Carvalho<br />
1 Ver p.i^iiwi da Revisto lillp-//in verte \ibbol iiol com br<br />
RF.VISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
e Max Bruno A Ivés. Esperamos ter acertado na escolha! Boas Vindas aos novos<br />
"inverbianos"!<br />
Para finalizar, que todo editorial muito longo é sempre enfadonho, nossos<br />
agradecimentos de praxe, ao Professor Adilson Gurgel, ao Escritorio do Prof.<br />
Diógenes da Cunha Lima, ao Centro de Ciencias Sociais Aplicadas - CCSA/UFRN<br />
c a Fundacao Escola Superior do Ministerio Público (FESMP/RN), pela continuidade<br />
da parceria de muito sucesso, participando inclusive, através da ProP Elaine Cardoso<br />
de Matos Nováis, dos trabalhos de avaliacSo dos artigos enviados. Agradecimen<br />
tos especiáis ao Professor Walter Nunes da Silva Júnior que, sempre presente e<br />
atuante na "vida" da <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>, voltou a integrar a Comiss3o Avaliadora, desta feita<br />
para nunca mais sair, pois lembremos que os temas para a próxima revista s3o<br />
Direito Penal e Direito Processual Penal. Portanto, m3os á obra, caros amigos!<br />
"Até que tudo cesse, nos nao cessaremos'"4<br />
Boa leitura!<br />
A Comissüo Editorial<br />
' Lema dn amiga l'uciildailc de Uircílo da Ribeira, cujo predio voliam a ser nosso. apesar da eobica de ouiros cursos<br />
12 RHVISTA JURÍDICA IN VKRBIS n. <strong>15</strong> UI'RN
SUMARIO<br />
A REFORMA DO ESTADO, AGENCIAS REGULADORAS E<br />
DESENVOLVIMENTO<br />
AlexandreGoncalvesl'razüo <strong>15</strong><br />
DO LEGAL AO REAL: DIREITOS HUMANOS EIDENTIDADEIUUSILEIRA<br />
l'lávio llcnriquc Rodrigues Carnciro 33<br />
O DANOCAUSADO POR ASSÉDIO MORAL NO ÁMBITO DOTRABALHO<br />
Chen L¡ Wen 51<br />
A ADOCÁO DA ACÁO AFIRMATIVA PELOORDENAMENTO JURÍDICO<br />
musí leí ro<br />
Amanda Barcellos Cavalcante 59<br />
A USUCAPIÁONA PERSPECTIVA DO NOVOCÓDIGOCIVIL<br />
Janine Medeiros Santos e Larissa Lopes Matos 75<br />
ACÁO DE REINTEGRACÁO DE POSSE PARA RECUPERACÁO DE BEM<br />
ARRENDADO EM LEASING: ADEQUACÁO DA ACÁO E PRELIMINARES<br />
OPONÍVEIS PELO DEVEDOR<br />
Haroldo Augusto da Silva Teixeira 89<br />
REGULACÁO, LIVRE CONCURRENCIA E DEFESA DO CONSUMIDOR NA<br />
INDUSTRIA DO PETRÓLEO<br />
Alirio Maciel Lima de Brito e Ronald Castro de Andrade 104<br />
UM A ANÁLISE SOBRE O ESTATUTO DO TORCEDOR<br />
DavideOliveiraBonavides 116<br />
O DIREITOIX)CONSUMIDOR EOS BANCOS: A DIGNIDADE DOCIDADÁO<br />
X O PODER ECONÓMICO<br />
RubcnsCartaxo Júnior 126<br />
ADOCÁO NACIONAL<br />
Renata Veras Rocha 143<br />
RI-VISTA JURÍDICA IN VHRBIS n. <strong>15</strong> - UI'RN l3
OSCRIMES NA INTERNET EM FACE DOCÓDIGO PENAL BRASILEIRO<br />
Bruno Barcellos Cavalcante <strong>15</strong>8<br />
A COISA JULGADA FRENTE AO PRINCIPIO DA ISONOMIA<br />
CONSTITUCIONAL<br />
Leonardo Dantas Nagashima 172<br />
DIRE1TO PROBATORIO E O CARÁTER NÁO-ABSOLUTO DO PRINCÍPIO<br />
DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVASOBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS<br />
Ana Claudia Freiré da Cosía Bezerra 182<br />
DA OMISSÁO ADMINISTRATIVA: REQUISITOS E HIPÓTESES DO<br />
CABIMENTO DO CONTROLE JUDICIAL SOBRE AINACÁO<br />
Leonardo Martins, Murillo Máximo e Raíssa de Queiroz 195<br />
O ESTADO FEDERAL E OS LIMITES AO PODER CONSTITUINTE DOS<br />
ESTADOS: O PRINCÍPIO DA SIMETRÍA<br />
Rafael César Coelho dos Santos 209<br />
Novo Questionário para Avaliac3o dos Artigos 220<br />
Regras para publicado na <strong>Revista</strong> <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong> n° 16 221<br />
14 REVISTA JURÍDICA IN VF.RB1S n. <strong>15</strong>- UFRN
1. <strong>In</strong>troducto<br />
REFORMA DO ESTADO, AGENCIAS KF.C;ULAIX)KAS F.<br />
DESENVOLVÍ MEMO<br />
Alevandre Goncalves Frazao<br />
Académico de Direito do 9o Periodo da Ul RN<br />
Reformar o Estad» nan significa dcsmantelá-lo. Pelo<br />
contrario, a reforma jamáis potieria significar urna<br />
desorganízacao do sistema administrativo e do<br />
sistema político de decisdes e, muito menos, é claro,<br />
levar á dim'muicao da capucidade regulatória do<br />
Estado, ou aínda, á dimínuicao do sen poder de<br />
liderar o processo de mudancas, definindo o sen<br />
rumo.<br />
Fernando HenriqucCaldoso(in PEREIRA,2001, p. <strong>15</strong>)<br />
Falar da reforma do Estado no Brasil é, sem qualquer exagero, imprescindível.<br />
Se ná"o bastasse aja tradicional ineficiéncia da burocracia tupiniquim, o<br />
mundo atual, mais do que nunca, exige, sob pena de atraso c subdesenvolvimento,<br />
um poder público adaptado ás suas exigencias de rapidez e eficiencia, e que tenha<br />
a consciéncia dos seus limites e de seus reais poderes de transformacao da realidade<br />
circundante.<br />
Durante a década de 90, especialmente no governo do sociólogo<br />
FERNANDO H ENRIQUE CARDOSO,passou-sea falar na reestruturacao do Es<br />
tado brasileiro, adotando-se, para isso. algumas mudancas a nivel constitucional e<br />
legal, que, se deram um ar de renovado ao aparato administrativo, est3o longe de<br />
representar a configuracao prática de um modelo teórico que hoje se preconiza<br />
como o mais apto para enfrentar os desafios da sociedade global ou, nos dizeres<br />
de ULRICH BECK, da "segunda modernidade", express3o que denota a nova<br />
realidade social, económica, política e cultural, que n3o pode mais tercomo referencia<br />
o Estado Nacio-nal, enquanto centro de soberanía e senhor único das regras de<br />
conduta de urna sociedade1.<br />
1 lím tuna passa^cm de scu livrití>
ALEXANDKE GON^ALVES IKA/AO<br />
Tal modelo teórico leva em consideracao a necessidade de se reformular<br />
a administracao pública e retirá-la de um contorno ideológico fundado no chamado<br />
principio da auloridade, legado do absolutismo, em que se pensava a burocracia<br />
como legitimada a produzir decisóes e impó-las coercitivamente, verticalmente,<br />
como senhora absoluta da nocSo de interesse público. As novas tendencias<br />
apontam para urna flexibilizacjio da atuacao administrativa, tudo em torno dos<br />
principios da eficiencia, do consensualismo, da finalidade, participacao popular,<br />
moralidade e transparencia, além de subprincípios, como subsidiariedade, autonomía<br />
e boa-fé.<br />
Busca-se, através dessa mudanca de mentalidade, dar maior<br />
operacionalidade ás institu¡95es de governo, de modo que o Estado brasileiro<br />
possa fugir da chamada "crise de governabilidade" que vem atingindo o poder<br />
político no mundo contemporáneo.<br />
A figura das agencias reguladoras, por sua vez, faz parte do rol nacional<br />
de medidas modernizantes. Ao contrario do que pensam alguns, a sua ¡nstituicüo<br />
tem o condüo de dar novo perfil a rcgulacilo das atividades económicas em nosso<br />
país, de modo a contribuir para o rearranjo institucional esperado e permitir a<br />
criacao de um ambiente político-económico em que o governo nao seja impecilho<br />
para o desenvolvimento nacional, saindo do tradicional papel de prestador<br />
ineficiente de servicos e bens e especializando-se na condujo normativa e<br />
administrativa dos atores privados na consecuc3o dos interesses públicos.<br />
Por fim, resta afirmar que, se se busca modernizar o país, se se deseja<br />
encontrar saídas para a anunciada falencia do Estado centralizante, se se quer<br />
redesenhar o clássico esquema de funcóes governamentais, tudo isso deve levar<br />
em conta urna I¡c3o básica da teoria política que nasceu com a primeira modernidade,<br />
aquela que tinha como a referencia da vida do homem o Estado-Nacao: todo<br />
aparato pol ítico organizado deve servir para o seu cidadao melhorar a sua qualidade<br />
de vida, para que ele possa dispor de um sistema que Ihe permita usufruir, em um<br />
mínimo aceitável, os bens culturáis que, para urna determinada época, constituam<br />
o básico da dignidade humana. Enfim, o Estado deve permitir o desenvolvimento,<br />
tendo que abdicar de velhas roupagens sem, contudo, esquecer o que Ihe dá<br />
justificativa e legitimidade: a protecao do homem enquanto hiposuficiente na<br />
consecuc3o de seus interesses.<br />
Assim, reforma do estado, agencias reguladoras e desenvolvimento<br />
sao tres palavras cujas nocóes se imbricam e estao na ordem do dia. É para a<br />
melhor compreensáo dessárelacao entre as nocSes, incrementando o debate sobre<br />
assunto visceral para o futuro político-jurídico do Brasil, que se passa a discorrer.<br />
16 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
A Kll ORMA IX) i;STAÜO, AGENCIAS KI-CIJI.AUOKA.S l¡ l)l:SI-NVOI.VIMI:Nt<br />
2. A neccssidadeda reforma administrativa<br />
2.1. A historicidadedos modelos estafáis e as duas modernidades<br />
LEONARDO BOFF, em seu livro Tempo Je Transcendencia, faz incurs3o<br />
filosófica sobre a natureza humana e afirma (2000, p. 26):<br />
O que é anterior e o que subjaz ¿is expressoes<br />
imanencia-lranscenJuncia? É a experiencia Jo<br />
próprio ser humano como um ser histórico, um ser<br />
que está se fazenJo continuamente. E o que<br />
chamamos Je experiencia originaria. QuanJo<br />
/alarnos filosóficamente em existencia, dizemos: ex<br />
istencia. Estamos senipre nos projetandu para Jora<br />
(ex), construinJo nosso ser. Nos nao o ganhamos<br />
pronto. Nos o molJamos mediante a nossa liherdade,<br />
meJiante os enfrenliimenlos Jo real.<br />
Esse mesmo ser humano, pois, projeta a historicidade que Ihe é imánente<br />
para a sua cultura, ou para aquilo que ele cria como forma de melhorar a sua<br />
existencia.<br />
N3o é diferente com o Estado. Enquanto típico instrumento humano de<br />
dominacao2, é ele marcado pela referencia a um tempo e a um modo de vida, de<br />
forma a refletir o desenvolvimento cultural sobre que ergue a sua base.<br />
A forma de organizacáo política estatal que interessa a esse estudo<br />
surgiu sobas luzes do Século XVIII eseconsolidou na centuria segu inte. Defato,<br />
foi nesse período que surgiram as bases do chamado Estado de Direito, pautado<br />
pelo principio da legalidade, pela separacüo dos poderes e pelos direitos humanos<br />
individuáis e políticos.<br />
Esse modelo se apoiou na idéia de soberanía popular, em que o Estado,<br />
através de mecanismos legitimadores, criava, em nome de sua populado, o direito<br />
vigente no territorio, com for?a para impor esse mesmo direito aqueles que a ele<br />
1 I nao vai ,iqui i|uak|iicr picconceilo sobre qiuil o ohjclo da domiiincflo. scjnin elcs os próprios lionicns. sejt)<br />
das dificuldudcs n.mirais. ele<br />
RI'.VISTA JURÍDICA IN VF.RHIS n. <strong>15</strong>- UI-RN l7
nao se ajustassem.<br />
Al I XANDItl d(>N(, Al VI S I KA/An<br />
Nessa época, separou-se mais claramente as funcóes estatais que deviam<br />
criar os mecanismos de freios e contrapesos do poder, de modo a garantir que as<br />
forcas do poder público cumprissem os mandamentos constitucíonais de protec3o<br />
á pessoa humana e das liberdades individuáis, assegurando ambiente propicio<br />
para o modelo político-económico liberal.<br />
Urna tal configuracao do Estado possuía, em contrapartida, um tipo de<br />
modelo administrativo, que, como se sabe, teve como base a tradicional estrutura<br />
burocrática da Franca antiga, pois diretamente inspirada por suas idéias. Esse<br />
modelo de gestao pública, demasiadamente atrelada ao principio da legalidade<br />
formal, tinha como meta afastar-se da antiga figura absolutista do Estado de Policía,<br />
em que n3o havia limites claros para a repressáo do poder político em detrimento<br />
dos cidadaos, sendo a máquina pública extensao das vontades dos governantes.<br />
Assim sendo, formou-se urna AdministracSo firmada sobre o principio da<br />
competencia, de modo que o que mais era importante saber, na atuacüo<br />
administrativa, era se havia lei permitindo o agir do Poder Público, de modo que<br />
garantisse seguranca aos particulares ñas suas relacñes com o Estado. Mais aincja,<br />
tínha este que agir no modo prescrito em lei, sendo rígido o controle das formal idades<br />
burocráticas e comuns as Iimitac5es funcionáis por falta de pressuposto legal.<br />
Contudo, apesar da tentativa de afastar-se do antigo espelho absolutista,<br />
tal intento n3o foi totalmente alcancado. Longe disso, permaneceu a Adm¡n¡strac3o<br />
Pública como um superpoder, que mantinha em torno de si institutos de ¡mperium.<br />
como a idéia de poder de polícia, de díscricionariedade incontrolada e<br />
autoexecutoriedade de seus atos. Assim, formou-se um modelo administrativo<br />
que, se pensado com base na legalidade, tinha um controle meramente formal,<br />
apenas sendo examinado se a regra de competencia foi respeitada. No mais, existia<br />
a forte hierarquizaciio, imperatividade e enclausuramento do agir administrativo,<br />
sem a busca pela eficiencia, pela flexibilidade c pela participacáo democrática no<br />
agir do poder público.<br />
Víés interessante da afirmacao desse modelo de Administracao nos dá<br />
DIOGO DE F1GUEIREDO MOREIRA NETO, segundooqual, das tres revolucóes<br />
liberáis (a inglesa, a americana e a francesa), foi a última que moldou o perfil do<br />
Poder Executivo. e o fez segundo aqueles padrOes ácima descritos. De fato, diz o<br />
autor (200 l,p. 8-9):<br />
18 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
A RIIOKMA DO ISTADO. AdÍNCIAS RIC.III.AnORAS f DliSINVOI.VIMINTO<br />
As grandes Revolacñes liberáis desenvolverán!,<br />
todavía, en/ases políticas distintas: a <strong>In</strong>glesa,<br />
preocupada em limitar o poder monárquico, vollou-<br />
se a afirnniciiu das ¡nslíluicoes da representaca» e<br />
du l'arlamenio, assenlando as bases do que é hoje o<br />
Legislador; a Americana, preocupada em consolidar<br />
a soberanía política do novo Estado, dedícou-se a<br />
racionalízacao e ao equilibrio de seus poderes<br />
constituidos, elevando, no processo, o Judíciário, a<br />
Poder do Estado; e, porfim, a Francesa, preocupa<br />
da em varrer o absolutismo das inslituicoes, assenlou<br />
as bases da Adminístracdo Pública contempo<br />
ránea.<br />
E logo em seguida arremata o doutrinador (2001: 9):<br />
Estranhamente, o Poder Executivo, sede da Admi-<br />
nistracao Pública, a cargo da mais generalizada,<br />
intensa e próxima interacáo entre o Estado e a<br />
sociedade, nao apresentou qualquer deslaque<br />
significativo nessa mesma linha de efetiva absorcao<br />
dos principios liberáis. Ao contrario, sua evolucao<br />
seguiu urna principiologia oposla, dando énfase a<br />
institutos que reforcavam o poder de imperio do<br />
Estado, como a sua aluacao discricionária, a<br />
exclusao do administrado naformacao do processo<br />
decisorio, a execuloriedade e a autotutela.<br />
Eram esses, assim. os perfis do Estado e da Administrado da chamada<br />
primeira modemidade3. As instituicSes criadas nesse período cumpriram, por pouco<br />
tempo, sua func3o. logo sobrevíndo sua defasagcm política em razáo de seu<br />
desajustamento com as necessidades sociais.<br />
De falo, de meados do Século XIX para os lempos presentes, jamáis<br />
' Já c possucl inferir do Icxlu que css.n príinciru HKxIeniid.'uJc corresponde no periodo cni que o I sl;nlo se consolida<br />
como rclcr¿iici(~i do poder político, criando de forma absolula c soberana o direilo<br />
RRVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l9
ALBXANDRIí GONí/Al.VliS IRA/ÁO<br />
houve na historia da humanidade tamanhas rcvolucdcs sociais, culturáis,<br />
económicas e políticas. Com o pleno dcsunvulvinicnlo das iccnologias e das<br />
ciencias, o homem amplamente dependente da natureza passa a ser o honiem sem<br />
limites, cada vez mais cíente de scu poder de dominacilo c criacDo de bens c<br />
servicos. A utilízacüo de novas fontes de energía deu um impulso vertiginoso ñas<br />
descobertas e ¡nvencQes, de modo também a criar em torno dessas novas utilidades<br />
um meio capaz de Ihes dar o seu devido valor económico. Surgía, entüo, as bases<br />
da sociedade do consumo, que nada mais é do que a criacüo artificial de um<br />
ambiente necessário para o escoamento da producao crescente.<br />
Ora, remedios, transportes, comunicacao, formas de moradia, educacüo,<br />
ferramentas de trabalho, mecanismos de producao, procedimentos, intercambio<br />
comercial, todos esses setores sofreram impactos modernizantes. As ofertas de<br />
bens aumentavam, servicos eram criados, gerando a reformulacao do conceito de<br />
dignidade, que passava a incorporar novos elementos, novos padróes de consumo.<br />
Por outro lado, é necessário lembrar que o Estado da primeira<br />
modemidade foi criado em torno da nocSo de igualdade entre os homens e com o<br />
objetivo superior de dar protec3o a um ambiente de liberdade em que os seus<br />
cidadaos, já que iguais, pudessem tratar de forma segura de seus negocios. Laissez<br />
/aire, Laissez passer (deixai fazer, deixai passar), eram as palavras de ordem. Deixem<br />
que o mundo anda por si só {Le monde va de lui-méme), diziam os profetas do<br />
liberalismo. Ignorando a tal ponto a desigualdade social dos homens a título de<br />
urna teoría racionalista que os equiparava, n3o era de se estranhar que logo esse<br />
modelo político se visse como fonte institucionalizada de ¡njusticas. servidor de<br />
urna classe detentora do monopolio dos bens de produc3o e exploradores de urna<br />
mSo-de-obra ignorante e paupérrima.<br />
Exigiu-se urna postura diferenciada do Poder Público, pois este n3o<br />
podia mais estar legitimado pela soberanía popular e fechar os olhos para a maioria<br />
do povo, impossibilitada de obter os bens materiais que iam surgindo, de modo a<br />
Ihe proporcionar um mínimo de acesso ao desenvolvimento que, com o seu trabalho,<br />
ajudava a criar. PressQes pela protecao do trabalhador e dos hipossuficientes, pela<br />
prcstacSo de educacüo, saúde e moradia pelo Estado e pelo amparo á velhíce<br />
através de sistemas previdenciários tornaram-se constantes. Exigia-se, a par da<br />
democracia política, um mínimo de justica social.<br />
N3o bastasse ¡sso, a necessidade de mudanca foi reforcada pela ressaca<br />
ética que as conseqüéncias do individualismo e da busca frenética por lucros<br />
provocavam. Com o desenvolvimento da comunicado e dos transportes, as trocas<br />
20 •. REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
ARI IOKMA IX II STADO. Aíií-NCIAS Kl (.111 ADORAS I DI SI NVOI VIMI NM><br />
comerciáis se inicnsilkaram e, no final do Século XIX, surgía, como nova feicüodo<br />
capitalismo mundial, o chamado mercado llnanceiro, gerando fortunas sem uin<br />
mínimo de producao. O dinheiro tornava-se capital autoreprodutivo, ajudando na<br />
concentracao de riquezas em torno de corporales de crédito que, por sua vez,<br />
financiavam a dinámica económica. Os Estado passavam a lutar, através dos mais<br />
variados mecanismos (inclusive a colonizacüo de povos), por mercados<br />
consumidores c fornecedores de materia-prima para escoar urna producao jamáis<br />
vista e sustentar as bases de suas economías, que cada vez mais transcendiam os<br />
territorios nacíonais e espraíavam seus tentáculos pelo mundo, a cada día menor<br />
para as imensuráveis aspiracoes capitalistas. Criou-se, portante um ambiente de<br />
extrema competitividade e individualismo, n2o demorando muito para que se<br />
percebesse da inviabilidade de um tal projeto que, em última análise, gerou os dois<br />
momentos de maior virulencia da historia humana: as duas grandes guerras<br />
mundiais. em que milhóes de pessoas foram mortas, despertando a consciéncia<br />
mundial para a busca de urna outra forma (mais ética) de sociedade.<br />
O Estado. ent3o. mudou. As pressñes sociais e as falhas estruturais do<br />
capitalismo sem freiosgeraram um modelo de organizado política em que aquele<br />
passou a prestar bens e servicos á populacüo, atendendo aos novos direitos<br />
fundamentáis de 2a dimensao (saúde, educacao, moradia. trabalho, lazer,<br />
previdencia), e a controlar mais efetivamente o mercado, de modo que esse<br />
respeitasse um mínimo ético no seu desenvolvimento e pudesse ser dírecionado<br />
para o bem-estar da populacao, respeítando regras sobre concurrencia, padrSes<br />
de qualidade, margem de lucro, necessidade de eficiencia etc. Por outro lado, o<br />
Exccutivo passou a monítorar a economía nacional bem como a manipula-la através<br />
de instrumentos tais como política monetaria, controle dos juros básicos, política<br />
fiscal e orcamentária, buscando evitar as cíclicas depressSes do capitalismo de<br />
mercado.<br />
Essa nova realidade críou unía gigante burocracia governamental, cuja<br />
lógica foí o embriao de sua defasagem. A necessidade de atender a todas aquelas<br />
novas competencias gerou uní considerável aumento na arrecada^üo tributaria<br />
para o financiamento dos servicos, onerando a populacao com pesados impostos,<br />
restringindo, muitas vezes, o próprio crescimento económico. De outra sorte, as<br />
demandas sociais n3o paravam de cessar. Afora aquelas já mencionadas, surgem<br />
outros desafios a serem enfrentados pelo Estado, tais como meio ambiente,<br />
telecomunicacóes, críme organizado etc. Somado a isso tudo, cría-se, desde meados<br />
do século XX, unía nova realidade que vai por em cheque a própria capacidade da<br />
REVISTA JURÍDICA 1N VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 2I
Al.liXANDKI. C¡ON(,AI.VI S IKA/ÁO<br />
organizado política de atender ás finalidades para que existia. Percebe-se, cada<br />
vez mais, a perda de soberanía do Estado-Nac3o, no sentido de n3o mais ser o<br />
único centro de decisao e referencia da vida dos seus cidadaos. Alias, a própria<br />
questao da cidadania é posta em dúvida.<br />
Presencia-se, primeiramente, o apaiecimento de entes com poder<br />
económico igualável ao de países, quando n3o superiores. Grandes empresas<br />
transnacionais. responsáveis por significativa parcela de arrecadac3o tributaria,<br />
geracao de emprego e criacao de bens materiais e servicos no mundo passaram a<br />
ser mais que importantes para as nacSes e tomaram urna tal dimensao que passam<br />
a ser disputadas pelas mesmas por meio de vantagens comparativas que aumentem<br />
a margem de lucro dessas empresas. Como podem, através das tecnologías de<br />
comunicacao e transporte, se instalar em qualquer parte do globo, acabam por<br />
escolher os locáis que oferecem o melhor ambiente para a lucratividade de sua<br />
atividade, fazendo com que países abdíquem de certas políticas e regras para<br />
atender ás exigencias dessas corporacSes, que passam a ter poder sobre as<br />
¡nst¡tu¡c5es nacionais e a impor as próprias regras de funcíonamento4.<br />
Em outro aspecto, verifica-se, com a intercomunicacao e interligacao<br />
entre pessoas e lugares do globo, que o Estado-nac3o nao mais é a referencia da<br />
vida dos seus cidadaos. Com a possibilidade de contato com culturas, regras,<br />
comportamentos e ¡déías de outros povos, o individuo passa a se desprender de<br />
suas raízes locáis, sentindo-se cada vez mais pertencente a urna nova organizac3o<br />
social, a sociedade global, com problemas comuns (meio ambiente, tráfico de<br />
criancas e mulheres, crime organizado, crescímento demográfico, terrorismo, miseria)<br />
e necessitando, portanto, de solucoes comuns. Assím, as regras comportamentais,<br />
os instrumentáis teóricos, as instituic5es bem como as políticas nüo podem mais<br />
ser nacionalizadas, pois urna so nacao é impotente para cuidar de situacoes socíais<br />
cujas existencias desbordam seu territorio e, mesmo, fazem-no de vítima, dada a<br />
impotencia do Estado diante da virulencia de seus. efeitos.<br />
O mundo moderno, portanto, nüo poderío mais ser pensado "nacional<br />
mente". A soberanía é relativizada, tanto em seu aspecto político-institucional<br />
como em seu aspecto social. N3o haveria mais o poder absoluto sobre um territorio<br />
4 Segundo JOSK EDUARDO I-ARIA (2000:109). "cssa mudanca rsdic.nl nas formas de aluacao do sistema fíiiancciro<br />
inicniacioii.il c das corporaefles Imnsnacionais, viabilizando a artiiulacao de suas decisdes de invtstinienlo, prodigio<br />
e comcrcializacáo cni escala global com exigencias impostas as econoniias nacionais e a seus respectivos Estados, é um<br />
dos fatores mais decisivos para o decliuio das institiiicocs. iiKcanisinos c "senso comum' jurídicos do Estado-nacilo<br />
c para a coiisolidacao das cstnilurns c pruccdhnenlos jurídicos surgidos nn ánibilo de unía economía globali/iida ( ..)"<br />
22 RRVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
A UI-.I-OUMA IX) KSTAIX). ACiNCIAS KIXiUl.AIXlKAN H DIStNVOI.VIMINTO<br />
e uní povo, enquanto definicao clássica dos elementos do Estado. Ñas palavras de<br />
ULRICII HECK(1999,p.77):<br />
Toda e qualquer leuria da soberanía nacional que<br />
compreeiuhi sen objeto como unía forma ¡ndivisivel<br />
c inlransponível deforca e de poder público é insu<br />
ficientemente complexa. A soberanía deve boje ser<br />
compreendida e examinada como um poder cindido,<br />
que é percebido deforma parcial por urna serie de<br />
atores - nacionais, regionais e internacionais - que<br />
é limitado e acorrentado por esta pluralidade<br />
imánente.<br />
2.2. A reestruturacáo do estado como condiciío para a sua sobrevivencia<br />
Configura-se, portanto, um mundo em que as necessidades sociais s3o<br />
cada vez inaiores, cada vez mais aumenta a pressSo por bens e servicos como parte<br />
do conteúdo da dignidade humana, tenta-se aumentar o controle político do mercado<br />
para fins de orienta-lo para finalidade públicas ou fazé-lo financiá-las. expande-se<br />
sobremanera a burocracia estatal para fazcr frente a essas demandas com o consc-<br />
qüente aumento da carga tributaria, do instrumental normativo e institucional, c da<br />
captacüo de recursos no mercado para fazer frente a esses desafíos, lim<br />
contrapobicao. vcrifíca-se a crescente impossibilidade da organizado política de<br />
responder aos novos polos de soberanía e á sua progressiva perda de capacidade<br />
de implementar as políticas públicas, conforme já demonstrado. O resultado da<br />
conjuncüo desses fenómenos, portanto, é a crise de governabilidade, com a<br />
consciéncia de que o poder público nao eslava conseguindo satisfazer ás<br />
necessidades que o justificam enquanto instituicüo. Ao Estado cabía fazer mais do<br />
que podia. Do ponto de vista económico, essa situacáo existencial da organizado<br />
política éassim descrita por IMARCAL.IUSTEN FILHO(2002,p. 19):<br />
A mulliplicacao da populacao e a reducao da<br />
eficiencia das alividades desempenhadus<br />
diretamente pelo Estado contribuiram<br />
decisivamente para o fenómeno denominado 'crise<br />
fiscal'. A expressao passou a ser utilizada para<br />
indicar a siluacdo de insolvencia governamenlal.<br />
Rl- VISTA JURÍDICA IN VKRUIS n. <strong>15</strong> UIRN 23
AU-XANDRI-: GONCAI.Vi;S IRA/ÁO<br />
inviabi/izadora do cumprimento das obrigacoes as-<br />
sumidas e do desenvolvimenío de projetos mais<br />
ambiciosos. A elevando dos passivos<br />
governamenlais, proveniente de sucessivos prejuizos<br />
ornamentarlos, reduziu a capacidade estatal de<br />
executar satisfatoriamente os encargos que<br />
assumira. A manutencao dos projetos de satisfacao<br />
do interesse coletivo demandara a existencia de<br />
recursos que o Estado nao mais dispunha. Além<br />
disso, as dividas foram se acumulando de modo a<br />
impedir até mesmo o custeio de despesas essenciais.<br />
Além da crise fiscal, a crise foi também administrativo-funcional, pois<br />
além de ná"o ter condicScs financeiras de financiar e prover as demandas sociais,<br />
naquilo em que atuava o Estado o fazia de forma ineficiente, pois tendo por base a<br />
velha burocracia da primeira modernidade. fundada em principio de hierarquia.<br />
leualidade. imperatividade e impessoalidade do servico. Para um ambiente social<br />
técnico e dinámico o Governo respondía com estruturas e procedimentos estáticos<br />
e despreocupados com os resultados de seu servico. Para uma sociedade cada vez<br />
mais plural, o poder público arvorava-se em agir conforme o "intcrcssc público",<br />
como se estivesse num tempo em que se poderia falar em um único "interesse<br />
público", prcssupondo uma sociedade homogénea quando a divcrs¡f¡cac.fío e<br />
IragmentacSo já davam o tom da "societas" global. Era preciso, portanto, e<br />
rápidamente, reformaras ¡nstituicóes.<br />
3. Principios fundamentáis da reforma administrativa e administracáo pública<br />
gereiicial<br />
Diante do enorme desafio que era amoldar as estruturas administrativas<br />
de modo a adequá-las para a nova realidade mundial, primeiramente se definiram<br />
os principios maiores para essa mudanca. ldentificou-se, nessa primeira etapa, que<br />
dois valores fundamentáis deviam orientar o novo aparato administrativo: a<br />
eficiencia e a legitimidade.<br />
No que toca á eficiencia, a busca pela mesma já decorre bom tempo,<br />
estando o principio inscrito no Decreto-lei 200/67 (art. 26, III). Mais do que uma<br />
noca"o genérica de eficiencia, o modo porque foi encarado esse valor deveria<br />
repercutir em diversos aspectos da organizacSo burocrática, possibilitando-lhe<br />
produzir resultados quantitativa e qualitativamente superiores. Primeiramente. era<br />
2-4 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UI'RN
\ Kl IOKMA IXil MAIX). Adl NC'IAS Kl í.lll AIXiKAN I Hl-M NVOI.VIMIMO<br />
preciso definir qual seria o real papel da AdministracSo. Lm outras palavras. onde<br />
deveria a mesma aluar. Segundo, era necessário que se precisasse como seriam<br />
desempenhadas as atividades. ou seja. o modo de proceder administrativo.<br />
Quanto ao primeiro aspecto, que necessariamente diz respeito com os<br />
limites do Estado, entende-se que deve este se atastar o máximo possível da<br />
prestacüo de bens e servicos, quando a iniciativa privada pudesse fazé-lo de modo<br />
mais eficiente e barato, desonerando a sociedade de gastos e arrecadacao com<br />
atividades mal prestadas. Essa idéia desenvolve o chamado principio da<br />
suhsiJiark'JaJí:, em que da vida privada só se deve tirar aquilo que a mesma nSo<br />
forcapa/ de atender em termos de interesse público e qualidade mínima. Ao poder<br />
público deve-se deixar as funedes em que seja necessária a atuacáo de seu poder,<br />
evitando o alargamento desnecessário do aparato burocrático. Assim, as empresas<br />
estafáis scríam privati/adas (excelu naquelcs setores onde nao houvesse interesse<br />
ou condic.no para a iniciativa privada em explorá-lo) e seriam quebrados ou<br />
flexibili/ados os monopolios públicos. Ao Estado caberia t3o só o controle do<br />
mercado, oríenlando-o segundo os interesses sociais através de mecanismos que<br />
só a putcsladc estatal delem. Por meio de incentivos Ciscáis, policía administrativa,<br />
normas reguladoras de mercado, politica monetaria e cambial, de importacSo e<br />
exportacilo, seria o mercado dirigido ou inducido aos efeitos desejados pela política<br />
govcrnamcnlal.<br />
Esse principio da subsidiariedade, diga-se, nao constituí urna volta ao<br />
modelo liberal clássico. Muito ao contrario, permite com que o mercado continué<br />
sendo monitorado pelo Estado, mas agora segundo os mecanismos que dizem<br />
respeito com a sua natureza de planejamento e controle, incentivo e fiscalizacflo.<br />
Para alcancar metas económicas politicamente iracadas como salutares para o<br />
desenvolvimento nacional nao é necessário que o poder público participe como<br />
agente diroto, em área cstranha á sua natureza. Basta induzir os particulares a<br />
tanto, através do instrumental jurídico-económico disponivel, através da reguluqdo<br />
das utividudes particulares. Desenvolve-se a idéia de que o mercado n&o é o<br />
reino da liberalidade sem freios (como era o mesmo visto no século XVIII e XIX e<br />
até primeira metade do século XX), mas sim um lugar para a producto e consumo<br />
das necesidades vitáis para a populacho, de modo que só pode funcionar quando<br />
atender a esses objetivos de forma justa, equilibrada e com um mínimo de<br />
raciona I idade\<br />
A eficiencia administrativa também obrigaría que as atividades que de-<br />
vessem ser prestadas o fossem pelos niveis burocráticos mais próximos aos<br />
destinatarios do servico. por se acreditar que em termos executivos se obtería<br />
RFVISI \ JURÍDICA IN VIIRHIS n. <strong>15</strong> UFRN
AI.HXANDRI: t;i)N(,'AI.VI S I KA/ÁCI<br />
melhores resultados quando fosse mais próximo o contato entre a Administracao<br />
e administrados, cabendo aos órg3os superiores a coordenacao das atividades a<br />
nivel nacional e regional. Tem-se aquí a realizado dos subprincipios da<br />
descentralizacüo e cooperado institucional, que devem ser postos em prática<br />
entre os entes da federac3o nacional, de acordó coni os mandamentos dos artigos<br />
23, parágrafo único, e241 daConstituic3o Federal6.<br />
Já no que toca ao modo de proceder da burocracia, busca-se urna total<br />
reformulacao do espirito da Administradlo. Como já referido, esta, no Estado de<br />
Direito, nasceu segundo principios rígidos de legalidade, competencia, hierarquia<br />
e impessoalidade. O objetivo, naqueles tempos, era moldar um quadro estatal que<br />
fugisse do patrimonialismo, em que res publica e a res prívala se misturavam.<br />
Queria-se urna administrado capaz de evitar a corrupc3o, o nepotismo, a servidor<br />
fugir de sua competencia, agindo quase que mecánicamente, segundo processos<br />
racionáis e controle do tipo previo, através das ¡numeras autorizacóes,<br />
homologacóes, permissdes. A lógica do sistema era interna, voltada para se<br />
auto I imitar, sem preocupaca"o com a eficiencia e os resultados perseguidos.<br />
impessoalidade, empregando-se processos segundo os quais nao era<br />
possível ao servidor fugir de sua competencia, agindo quase que mecánicamente,<br />
segundo processos racionáis e controle do tipo previo, através das inúmeras<br />
autorizacñes, homologacOes, permissSes. A lógica do sistema era interna, voltada<br />
para se autolimitar. sem preocupacito com a eficiencia e os resultados perseguidos.<br />
Cabe aquí um paréntese para exemplificar melhor essa situacao e mostrar<br />
como ela ainda domina o modelo administrativo brasileiro. Há na 5a Vara da Fazenda<br />
Pública da comarca de Natal/RN processo em que Carlos José Pereira da Silva<br />
aciunu o listado do Rio Grande do Norte para que esse pague os proventos de sua<br />
aposentadoria de acordó com o cargo em que passou para a inatividade. Apesar<br />
de o ¡ild do ¡iposcnlmloriíi lor sido ro¡ili/.iiilo cori'etiimciiU1 c de ler cnqiiiuli'mlo o<br />
servidor no cargo em que devena se aposentar, alguin erro interno quando da<br />
elaborac3o da folha de pagamento fez com que o aposentado recebesse proventos<br />
com base no cargo inferior. Apesar de buscar corrigir o problema administrativamente<br />
1 Na verdade, o que se busca i a compalibilizavílo de fins de micresse público com os meios empresariais de aliñó<br />
los Nesso sentido, a amafio privada lem liinilcs estrenos c que serao determinados pelas normas reguladoras do<br />
mercado Assnn, a vida privada c encoberla de unía hnhnm,ih¡hiJc anlcs nao vista, enquamo que atuacáo do Estado,<br />
se ames era inv\iiit.ttHHil - dedicada á producto direla de bens e servicos -. agora passa a ser prtnii" do l)ecrelo*lei 2UO/67 estipuln couui principios luiulamenlais das alividades da Adminislravao o<br />
planeiauíenli), n t'uurdciiiieAu, a (lescentrali/iiv'ild, dclegacao de competencia c o controle<br />
-6 RKVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN
'■' IOKMA IX) I-:STAIX). AÜÉNCIAS RI-XiUl.AIXIRAS I: DHSKNVOLVIMKNTO<br />
e de ter o Estado reconhecido (inclusive na própria contestacao da acüo) o seu<br />
erro e o direito do autor, há mais de 1 ano e meio que, através de autorizacñes,<br />
homologacdes, controles, pareceres etc que o processo administrativo se arrasta,<br />
demonstrando a incapacidade da burocracia de corrigir, eficientemente, um simples<br />
erro de folha de pagamento7.<br />
Para fugirdesse quadro, pretende-se, hoje, urna Administracáo voltada<br />
para resultados, sendo que para isso terá maior flcxibilidade na utilizacSo de meios<br />
e incentivos pelo alcance dos mesmos. Havcrá maior autonomía burocrática, de<br />
modo que nüo haverá tanta vinculacüo em termos de competencia, recursos<br />
humanos e financeiros (ver art. 37, § 8o da Constiluicüo Federal). Os controles nüo<br />
serüo previos, mas tlnalisticos e se elaborará responsabilizado em razüo da<br />
eficiencia c nüo de respeito a formas. O bom administrador nüo será o bom seguidor<br />
de procedimentos, mas o bom garante. Assim, tlcxibilidade, autonomía e<br />
responsabilizacáo serüo elementos indicadores de urna Administracüo Gerencial.<br />
Ñas palavras de LU1Z CARLOS BRESSER PEREIRA.que participou da reforma<br />
do lisiado brasileiro na década de 90, enquanto ministro da Administracüo Federal<br />
e da Reforma do Estado (in PEREIRA. 2001, p. 28):<br />
Algumas características básicas defmem a adminis<br />
tracáo píiblica gerencial. E orientada para o<br />
cidadao e para a obtencao de resultados: pressupde<br />
que os políticos e os funcionarios públicos sao<br />
merecedores de grau limitado de con/tanca; como<br />
estrategia, sérvese da descentralizando e do<br />
incentivo a criatividade e á inovacao; e utiliza o<br />
contrato de gestan como instrumento de con/role<br />
dos gestores públicos.<br />
No que toca á legitimidade do proceder administrativo, propugna-se<br />
pela reformulac,üo, mesmo, do principio democrático, passando a énfase para a<br />
participado direta do administrado em detrimento do clássico sistema de<br />
representatividade, que a cada dia mostra-se insuficiente para as necessidades<br />
' O número do processo c 001.02.02409I-I. iratando-sc de rilo ordinario. O curioso da estória c que qtiando da<br />
conlcslacao o l-slado apenas dedn/ preliminar proccssual (no mcrilo ele rccoiihece o dircilo do amor), no sentido<br />
de que nao la\xn.< intcressc cm demandar cm juizo. posto que a Admmislracio reconhecia o direilo do anlor Assim.<br />
secundo es.se entcmlimeiilo. podería o postulante esperar, qiiein sabe, mai* uns dez anos, para ver seu diicilo ¡Hendido<br />
REVISTA JURÍDICA IN VI-RUIS n. <strong>15</strong> UIRN 27
AI.1XANDRI c;ON
A KI-.I-ORMA IX) ISTADO. AGINCIAS RI.(.UI.AIX)KAS 1. DKSbNVOl.VIMENTO<br />
Em temios de reforma administrativa, o fenómeno das agencias inova<br />
no direito brasileiro em dois aspectos fundamentáis: a) tratam-se de autarquías<br />
com funches normativas, independencia finanecira (com receitas próprias),<br />
independencia decisoria (nao há, em regra. o chamado recurso hierárquico para o<br />
Ministerio competente) e independencia política (mandato para os seus diretores,<br />
sem a possibilidade de dem¡ss3o adnuliini), quebrando a histórica vinculacüo do<br />
direito brasileiro ao modelo francés da unidade administrativa, em que as ¡nstituiedes<br />
estüo dispostas em hierarquia, tendo o presidente da república como chefe; b)<br />
introduz-se na regulacüo das atividades dos particulares a ¡déia de participacüo<br />
popular, visando maior eficiencia do direito elaborado, por contar com a colaboracáo<br />
efetiva. em termos de informacao e opiniüo, dos sujeitos regulados.<br />
Passa, portanto, a Administradlo Pública a ser responsavel pela<br />
conduc3o de determinados setores a objetivos económicos e sociais de interesse<br />
público, assumindo a especia I iznc.¡ío. a técnica e a eficiencia regulatória como<br />
valores u servirem de criterios de suu atuncik). li inlcrcssantc perceber, c isso iS<br />
pouco enfatizado quando dos debates a respeito, que as agencias reguladoras<br />
nflo silo (ou pelo menos n3o devem ser) apenas mais urna forma de burocracia, mas<br />
rcprcsenluin uní instrumento para o dcsenvolviinento económico.<br />
Desenvolvimento económico, conforme atesta CALIXTO SALOMÁO<br />
Fl LHO (2002, p. 32), "...antes que um valor de crescimento ou mesmo um grupo de<br />
instituícóes que possibilitem determinado resultado, é um processo de<br />
autoconhecimento da sociedade". de modo que nüo bastaría o aumento da<br />
produfáo de bens e servicos. o aumento da produtividade da nacáo, para se<br />
atingir o desenvolvimento, mas também permitir um ambiente económico de modo<br />
que, sendo possivel o acesso do maior número possível de cidadaos aos bens e<br />
servicos (democracia económica), possam os mesmos opinar e participar da<br />
resolucao dos problemas, escolha de valores e de modelos económicos a serem<br />
perseguidos.<br />
Assim, para se atingir esses dois objetivos, democracia económica e<br />
transmiss3o de informacóes sobre as preferencias económicas dos participantes<br />
do mercado, é preciso que a regulac3o seja orientada por tres principios<br />
fundamentáis: o redistríbutivo (em que se obrigaria que as empresas atuantes no<br />
mercado universalizassem os seus servicos, fazendo quem pode pagar por quem<br />
n3o pode ou impondo a utilizacao de parte do lucro nesse processo); o da quebra<br />
de polos de concentracao económica (permitindo a difusaodo poderío económico<br />
através da protejo á concorréncia); e, finalmente, o da cooperac3o, através do<br />
qual o poder público usaría de seus instrumentos para que os próprios agentes do<br />
RIZVISTA JURÍDICA IN VERIiIS n. <strong>15</strong> UKRN 29
ALI-XANDRI- tiONCALVES FKA/.ÁO<br />
mercado pudessem se ajudar na resolucSo de suas ¡mperfeicóes e no atendimento<br />
das necessidades reciprocas.<br />
As agencias reguladoras caberia realizar esse papel. Através de sua<br />
competencia normativa e fiscal¡zadora, criaría obr¡ga
A KI-IOKMA IXI I SIAIXI. A(,l NUAS KI.CUJI.AIXÍKAS I: DHStNVOLVIMKN IO<br />
administrativo brasileiro'". Mostra-se ¡issim, um despreparo do novo governo ao<br />
tratar a questáo das agencias, reduzindo a discussáo sobre as mesmas a urna briga<br />
de quem deve ter mais poder na esfera federal, sem se enfocar sobre que sistema<br />
atendería aos atuais objetivos da oiganizacilo política estatal contemporánea.<br />
Espera-se que o presente texto tenha contribuido para urna discussüo mais<br />
aprofundada do assunlo.<br />
6. Referencias bibliográficas<br />
BECK, Ulrich. O que é globalizacdo, equívocos do globalhmo e resposlas ¿i<br />
globalizacdo. Trad. André Carone. Sao Paulo: Paze Térra, 1999.<br />
BOFF, Leonardo. Tempo de transcendencia (o ser humano como um projeto<br />
infinito). Rio de Janeiro: Sextante, 2000.<br />
CARDOSO, Fernando Henrique. Reforma do Estado. <strong>In</strong>: Reforma do Estado e<br />
Administracao Pública Gerencial, orgs. Luiz Carlos Bresser Pereira e Peter Spink,<br />
Rio de Janeiro: Editora FG V, 2001. p. <strong>15</strong>-20.<br />
DI PlETRO. Maria Sylv ia. Parcerias na Administracao Pública. 4a ed. S3o Paulo:<br />
Atlas. 2002.<br />
FARI A, José Eduardo. O Direito na economía glohalizada. S3o Paulo: Malheiros<br />
Editores, 2000.<br />
JUSTEN FILHO, Marcal. O Direito das Agencias Reguladoras <strong>In</strong>dependentes,<br />
Sao Paulo: Dialctica. 2002.<br />
MOREIRA NETO. Diogode Figueiredo. MutucñesdeDireitoAdministrativo.!'<br />
ed. Süo Paulo: Renovar. 2001.<br />
'" I in ic|x>n;ii!cni na Rc\ M;i Veja. ctlivAo de 11 de mai\'o de 200.V venficii-se que "desde a posse de l.ula. as agencias<br />
se lonuiiain ;iU
Al.I XANDKI U)N(,AI VI S IK\/,\l><br />
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. //»; Reforma do Estado e Adm'misiracao Pública<br />
Gerencia/, orgs. Luiz Carlos Bresser Pereira e Peter Spink. Rio de Janeiro: Editora<br />
FGV,200l.p.2l-38.<br />
SALOMÁO FILHO, Calixto. Regula9aoe Desenvolvimento. <strong>In</strong>: Regulacao e De-<br />
semalvimenio, coord. Calixto Salomüo Filho, Süo Paulo: Malheiros Editores,2002.<br />
p. 29-63.<br />
RliVISTA JURÍDICA IN VERRIS n. <strong>15</strong>- UFRN
IX)U:(.ALAORF.AL:I)IKF.ITOSHUIV1ANOSF.II)EINTIDADEBRASILF:IRA<br />
Fláviü Iknrique Rodrigues Carneiro<br />
Académico do 8.° periodo do curso de Direito da UFRN<br />
Bolsista do Programa de «ocurso I <strong>In</strong>munos du Agencia Nacional do Petróleo<br />
I. <strong>In</strong>troducto<br />
/. <strong>In</strong>lrodticao; 2. (Jlobuli'iicao, NeoLiberulismo e<br />
o.\ Üircilos Humanas; i. Os Direilos Humanos como<br />
universais; 4. Os Direilus Humanos no Brasil; 5. A<br />
Idenlidade e os Direilos Humanos; 6. Considera-<br />
coes Fináis; 7. Referencias Bibliográficas.<br />
0 noticiario da ¡mprensa brasileira, sobretudo nos últimos anos, mostra<br />
que a garantía aos Direitos Humanos, o respeito á Coisa Pública e á honestidade<br />
administrativa dos governantes, atravessam urna profunda crise que afeta o país<br />
como um todo. Parece que criou-se no Brasil urna forte corrente naqual os direitos<br />
só tém valor se estiverem no plano particular. Há urna completa desvalorizado do<br />
plano público na vida nacional.<br />
Pode-se perceber o desenvolvimento de urna moral cínica nacional,<br />
criada a partir de vínculos que envolvem todas as carnadas sociais. Na verdade os<br />
padróes de honestidade só tém validade dentro do restrito grupo familiar. Nesse<br />
sentido há um grande elo que une o político que desvia fundos para pagamento de<br />
precatórios, o ladrüo que furta. o motorista que nao respe¡ta o limite de velocidade<br />
estabelecido ñas estradas ou nao respeita os sinais de tránsito, o cidadüo que com<br />
o argumento da "pressa" fura as filas.<br />
Ue forma idéntica nos indignamos com a miseria. Contudo, ao andar<br />
pelas mas do centro de S3o Paulo, Rio de Janeiro, Recife e mesmo da pequeña<br />
Natal, encontramos iniseráveis queja perderam qualqucr sentido da palavra vida.<br />
Ao levantar essa problemática algumas questdes surgem:<br />
1. Coinoo Brasil pode ser signatario da Declaracüodos Direitos do Homemseaté<br />
hoje continuamos u dcsrespeitá-la?<br />
2. Será que a noeflo de Direitos do Homem ainda existe? Haveria na sociedade urna<br />
crise paradigmática tüo profunda que a própria idéia de Direito encontra-se em<br />
crise?<br />
3. Que passos a sociedade tem dado para reverter o quadro caótico no que se<br />
refere aos Direitos Humanos?<br />
RTVISTA JURÍDICA IN VRKIJIS n. <strong>15</strong>-UFRN
11 AVIO III-NKK.UII KODKKilll S I ARNI IKO<br />
4. Por que mesmo vivenciando urna sociedade alardeada pelo poder como<br />
democrática, ná"o conhecemos a di lerenda entre política assistencialista e política<br />
assistencial?<br />
5. O que fazercom a Policía que n3o se percebe como instrumento para a lei. mas<br />
simeomoaprópria lei?<br />
6. Por que as "minorías" aínda nao conseguem o respeito ás suas liberdades?<br />
Todas essas questóes nos inconiodam e se desejássemos respondé-las<br />
separadamente teñamos material suficiente para escrevermos diversos artigos.<br />
Para que se tenha urna vís3o geral desse tema o texto foi dividido em quatro partes.<br />
No prímeiro item díscute-se a globalizacño, o neoliberalismo e os Direitos<br />
Humanos. No segundo tópico do trabalho sao discutidos os Direitos Humanos<br />
como processo universal. Na terceira parte do texto discute-seos Direítos Humanos<br />
no Brasil. A quarta parte do trabalho discutirá a identidade nacional e os Díreítos<br />
Humanos.<br />
2. AGIobalizacilo,o Neoliberalísmoeos Direitos Humanos<br />
A globalizacjio da sociedade é apreseniada como um processo ¡nevítável<br />
dos acontecímentos. O pensamento neoliberal afirma com toda convicio a<br />
inevitabílidade dos acontecímentos e dizem que na"o lia outra alternativa.<br />
De onde vem essa convicio de que sao inevitáveis os acontecimentos?<br />
E provável que esta seguranza esteja na primazía absoluta do capital, do seu<br />
caráter invencível, desde que o desenvolvimento da racionalidade económica<br />
confundiu-se com o desenvolvimento da racíonalidade tecno-cientifica.<br />
Estamos atravessando urna fase de mudancas no paradigma tecnológico<br />
e duas dessas mudancas chamam a atenedo. A primeira diz respeito ás atividades<br />
de pesquisa e desenvolvimento: No atual momento histórico as industrias estilo<br />
promovendo grandes alteracdes ñas tomadas de decisñes sobre investimentos em<br />
pesquisa. As decisOes de investir em pesquisa nSo se base ¡a m mais ñas taxas de<br />
retorno, trata-se de investir para buscar sobreviver no competitivo mercado. Por<br />
outro lado, o padrüo de competícáo também está mudando; até pouco tempo atrás,<br />
o competidor costumava ser urna outra empresa do mesmo setor industrial, mas<br />
agora, em muitos casos, o competidor é de um setor industrial diferente, o que faz<br />
com que se passe de competidores visíveis para inimigos invisiveis. A segunda<br />
grande transformacao refere-se aos padrSes de inovacáo. Na vis3o convencional,<br />
a inovacáo técnica se realiza através da ruptura das fronteíras de tecnologías<br />
existentes. Contudo, o que ocorre hoje, em muitos casos, é a fusño de diversos<br />
RRVISTA JURÍDICA IN VliRBIS n. <strong>15</strong>- Uf'RN
IMI I I (.Al Al) Kl Al. DIKI IIDS HUMANOS I 11)1 N IIDADI- UKASII I.IKA<br />
tipos de tecnologías, muito mais do que as rupturas tecnológicas. A fusao é muilo<br />
mais do que a soma e a combinacño de tecnologías diferentes, porque ¡mplementa<br />
urna ¡iritmiMica cm que um mais um ó igual a tres.<br />
O principio da competitividade obriga a racionalidade económica a atre-<br />
lar-se a tradicional tecno-científica e a subordinar as decisóes de investimento á<br />
dinámica da inovacao. É como se a sobrevivencia no mercado dependesse mais de<br />
sua capacidade de invencao e substituido de produtos. do que da extensa<br />
exploracSo comercial dos mesmos, cujo ciclo de vida é cada vez mais curto.<br />
Tudo se passa, entáo, como se estívéssemos vivenciando um período<br />
de ondas de revolucao que emergem dentro do capitalismo, Ihe dáo novo alentó e<br />
vao Ihe abrindo novas perspectivas. É a revolucao eletrónica, seguida de outras<br />
revolucñes - revolucao das comunicares, revolucao dos novos materiais. e<br />
revolucao biotecnológica.<br />
O progresso da ciencia e da tecnología caminha em sentido oposto ao<br />
do progresso da moral¡dade da conduta humana, já que o processo fortalece um<br />
modo de ser pré-reflexivo, nao-racional e nao-espiritual, e nem por isso instintivo.<br />
Contudo, a melhor maneira de entender o que se passa verifica-se no<br />
campo da reproduc3o humana. A ¡ntencáo de seres humanos de ter um filho que<br />
nao podem ou n3o querem té-Ios pelas vias biológicas "convencionais", pode ser<br />
fácilmente atingida nos dias de hoje, grabas aos avances tecno-científicos da<br />
chamada "reproducSo assistida". Se na década de 60 a luta consistía em garantir o<br />
sexo sem procriacüo; a década de 80 trouxe á tona urna ¡nversao da luta: a procriacáo<br />
sem sexo. As opc5es de ampliacüo da reprodu93o humana crescem de forma<br />
espantosa. Procriar sem sexo tornou-se um fato para a human idade: s3o as<br />
¡nsemínacócs artificiáis; süo possibilidades de clonagem humana; s3o os bebés de<br />
proveta; s3o os bancos de esperma; s3o as barrigas de aluguel; s3o as<br />
comercializacóes de ovos e embrides.<br />
Todas essas ¡novacóes geram urna forte crise no conceíto de homem e,<br />
consequentemente, na própria noc3o de Direito do Homem. Quando lemos nos<br />
jomáis noticias do tipo: casal gay deseja construir um novo tipo de familia; senhoras<br />
de ¡dade avancada desejam ser mñes; clientes japoneses querem contratar barrigas<br />
de aluguel no exterior - porque a atividade é ¡legal no seu país; ficamos surpresos.<br />
Na verdade isso indica que estamos vendo na realidade as nocñes do Direito n3o<br />
contemplando tantas ¡novacSes.<br />
A Declaracao á sociedade dos Direítos Humanos de 1948, postulava o<br />
reconhecimento de um direíto consensual para todos. Naquele momento o conceito<br />
de Direito cstava limitado á nocao de reconhecimento universal. Aparentemente a<br />
i| iRJniCA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UI-KN 35
I'LAVIO HENRIQUli RODRIGUES CARNKIRO<br />
Declaracao ao estabelecer o sistema dos Direitos Humanos teria resolvido o confuto<br />
entre o individualismo indomado e o Direito.<br />
Contudo, atualmente desapareceu o equilibrio entre o individualismo e<br />
o Direito. Isso porque, o sujeito humano aumentou sua potencia, através das<br />
inovacoes científicas, a ponto de nao mais considerar os limites e as fronteiras.<br />
Nesse sentido, uní novo conceito de Direito precisa serdiscutido e operacionalizado.<br />
2.1. A Pós-Modernidade<br />
A negacao da nocao de Direito tem sido urna das posicñes defendidas<br />
pelos teóricos da pós-modernidadc. Mas o que significa a pós-inodemidade? Que<br />
relacoes ela provoca? Como caracterizar esse novo momento histórico e seus<br />
teóricos?<br />
Tentando definir esse momento afirma García:<br />
Os acontecimenios se prccipitaram e as nossas ca<br />
tegorías se tornaram pobres para entendé-los.<br />
Queda do muro de Berlim, fracasso do socialismo<br />
real, AIDS, neonazismo, intolerancia étnica,<br />
implosao dos grandes sistemas, dos modelos, dos<br />
blocos. Fragmentacao a que se deu o nome vago de<br />
pós-moderno. Nome vago que anuncia algo quefoi<br />
idtrapassado, que estamos em outro momento, nao<br />
sabemos exatamente qual e o que isto significa<br />
(García,] 994, p.58).<br />
Para caracterizar, mais detalhadamente, o momento de crise das certezas<br />
absolutas, Santos, através de urna retrospectiva histórica, demonstra as raízes<br />
desta problemática. Segundo o autor, a década de 1980 caracterizou-se pelo<br />
aprofundamento da crise do Estado-Providencia - já detectada na década anterior<br />
- nos países centráis (Santos, 1994, p.68).<br />
É incontestável a afirmacá"o de que o desmantelamento do Estado-Pro-<br />
vidéncia agravou ainda mais as desigualdades sociais em todo mundo. Entretanto,<br />
o que mais chama atencSo neste quadro de discrepancias sociais é a situac.20 dos<br />
países do chamado Terceiro Mundo, que foram sem dúvida alguma os mais<br />
prejudicados.<br />
O que provocou urna crise mais agucada nos países periféricos foi o<br />
endividamento externo desses países e a desvalorizacSo de seus produtos no<br />
36 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
IX) 1.1 ÜAI. AO REAL DIREITOS HUMANOS 1. IDINT1DAOE BRASILKIRA<br />
mercado internacional.<br />
A dificuldadee a riqueza de analisaresse momento histórico é notável.<br />
A plural¡dade de interpretacóes para os acontecimentos atuais garantem uní rico<br />
material de leitura. Contudo, ao mcsmo tempo, as diversas ¡nterpretacóes discutem<br />
os temas com paradigmas bastante diferenciados, o que dificulta a busca da<br />
objetividade dos acontecimentos.<br />
Buscando analisar o atual contexto, encontram-se algumas<br />
interpretares que privilegiam o Neoliberalismo e a Globalizacao como centro de<br />
suas análiscs. Para essas védenles a análisc da década de 1980 é bastante positiva,<br />
lsso porque, durante esses anos ocorreu a reabilitacáo dos movimentos sociais e<br />
da democracia. Reforcando tal ponto de vista os teóricos dessa vertente<br />
interpretativa apontam o fim do Apartheid.o fim do confuto leste/oeste e o<br />
abrandamento da corrida nuclear, como exemplos de que vivemos um mundo mais<br />
justo, democrático e solidario.<br />
As ¡nterpretacóes que enaltecem o neoliberalismo e a globalízacSo ar-<br />
gumentam e fundamentam a execuc^o de políticas económicas voltadas para o<br />
desenvolvimento de urna política internacional com base na ¡ntegrac3o regional.<br />
Dessa forma, explica-se a ¡ntensificacao das práticas transnacionais,<br />
pautadas pela ¡nternacionaüzacáo da economía. A conseqüéncia ¡mediata de tais<br />
políticas foi a marginalizacüo do Estado Nacional e a perda de sua autonomía e de<br />
sua capacidade de regulacüo social.<br />
2.2.0 Outro Lado da Globalizacao<br />
Contudo, percebe-se que, de forma contraditória, o Estado Nacional<br />
continua ocupando as costumeiras funcSes, tanto para regulamentar como para<br />
desregulamentar. Tal atitude do Estado nacional levanta urna questao: O Estado<br />
Nacional é urna unidade em extincüo? As evidencias nos encaminham a responder<br />
negativamente essa questño, na medida em que o que temos visto é a atuapüo do<br />
Estado Nacional privilegiando os interesses do capital internacional.<br />
Ao analisar com cuidado a ¡ntensificacao da interdependencia<br />
transnacional, é possível perceber que as relacóes sociais apenas aparentam sínais<br />
de superacüo do territorio nacional. Alguns estudos apressados chegaram a afirmar<br />
que ludo se encaminhava para que fossem ultrapassadas as fronteiras do nacional.<br />
Nesse sentido, esses estudos chegaram a afirmar que os costumes, a língua e a<br />
ideología nüo teriam mais um lugar específico, tudo pertenceria a um mundo<br />
desterritorializado. Contudo, em contraposicüo á essa interpretado o que temos<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> UFRN 37
II.AVIO IIINRIQUi: KOI)KI(ilJi:S(.AKNi:iRC)<br />
visto c o surgimento do resgale das identidades regionais e locáis.<br />
Hoje, cada vez mais, as pessoas buscam referenciais que a liguem com<br />
o lugar em que vivem. Isso porque, o mundo global retirou as referencias mais<br />
próximas e todos passaram a sentir a necessidade de se perceberem como sujeitos.<br />
Essa discussáo sobre a presenca do Estado no mundo globalizado e a<br />
busca das identidades afeta diretamente a nocao de Direito. Isso porque, algumas<br />
questSes afloram com muita veeméncia: O Direito é um conjunto de regras<br />
vinculadas ao espa9O nacional? Existe um padrSo consensual que possa definir o<br />
que é Direito ou cada grupo tem sua própria definicilo? Diante deste quadro duas<br />
grandes posicoes se apresentam: para alguns pensadores a sociedade atravessa<br />
urna plena crise de modelos, que afeta o próprio conceito de Direito, apontando<br />
para a perspectiva de que seja desenliado um novo criterio do que se constitui um<br />
Direito. Para outros, a luta consiste em descobrir formas de preservar os Direitos<br />
conquistados históricamente.<br />
3. Os Direitos Humanos como Universais<br />
Segundo Bobbio (1992), a protecao dos Direitos Humanos torna-sc um<br />
problema central nos días atuais. Para o autor a base dessa preservaca"o está na<br />
Declaracüo Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10 de dezembro de<br />
1948, na Assembléia Geral das Na?Ses Unidas. Por essa declarac.ao fo¡ decidido<br />
que os países signatarios a adotariam "como ideal a ser atingido por todos os<br />
povos e todas as nacoes".<br />
O estabelecimento dessa declaracáo é um marco na universalizaca"o dos<br />
direitos, na medida em que passou a existir um sistema de valores considerados<br />
humanamente fundados e reconhecidos por diferentes povos, e que é denominado<br />
por Bobbio de "consenso da validade". Em outras palavras, o que o pensador<br />
italiano deixa claro é que foram descobertos valores subjetivamente escolhidos e<br />
históricamente aceitos como consensuáis, pelo universo dos homens.<br />
Bobbio afirma que a Declarac3o de 1948 apresenta ao mesmo tempo um<br />
caráter universal e positivo. O caráter universal está presente quando o documento<br />
objetiva atingir os "cidadaos do mundo" como um todo, e n3o apenas os habitantes<br />
de urna fronteira nacional específica. O aspecto positivo está no fato dos direitos<br />
deixarem de ser apenas proclamados e passarem a ser protegidos contra qualquer<br />
violacílo.<br />
Dessa forma, está evidente que existe urna luta histórica pela defesa<br />
dos Dircitos Humanos. Luta essa que possui um processo anterior á etapa de<br />
Rl-VISTA JURÍDICA IN V1ÍRBIS n. <strong>15</strong>-UFRN
IXH.HIAI AOKIAI IMKRTOS HUMANOS I IDI NTIDADK BRASII.EIKA<br />
consol iducño. Didaticamente podemos apresentardois momentos que antecederam<br />
a consol iducüo dos Direitos: num primciro momento os Direitos Humanos eram<br />
concebidos, exclusivamente, enquanto direitos naturais do homem e. portanto, a<br />
única alternativa paru v ¡sualizá-lo era o chamado direito de resistencia. Num segundo<br />
momento, as Constituicóes dos Estados-NacOes passaram a reconhecer a protec3o<br />
jurídica de alguns desses direitos. Nessa nova etapa o direito natural de resistencia<br />
transformou-se em direito positivo de promover urna acáo judicial.<br />
Entretanto, necessário se faz destacar que so a partir da Declarado<br />
Universal dos Direitos do Homem é que a humanidade passou a partilhar alguns<br />
valores comuns e a crer na universalidade dos valores históricamente legítimos.<br />
A Declarado Universal dos Direitos do Homem é um documento<br />
redigido a partir de um consenso histórico entre homens de diferentes panes do<br />
planeta. Ela significa, certamente, um ponto de partida em relacao ao processo de<br />
protecüo global dos direilos do homem.<br />
O momento histórico e político que vivemos hoje possui diferenciacoes<br />
substanciáis em relacüo ao contexto que possibilitou a assinatura da Declaracáo<br />
dos Dircilos do Homem. Alualmente qualro grandes características emolduram o<br />
cenário no planeta: Um acelerado nivel de desenvolvimento das tecnologias e das<br />
técnicas; urna translbrmacüo das condicocs económicas e sociais favorecendo<br />
para o aumento das disparidades entre pobres e ricos; urna ampliado dos<br />
conhecimentos e a intensificado dos meios de comúnicacáo. Esse novo cenário<br />
provoca novas mudancas na organizado da vida humana e ñas relacSes sociais,<br />
favorecendo para o nascimento de novas necessidades e, portanto, para novas<br />
demandas de liberdade e de poderes, ocasionando a necessidade de um novo<br />
consenso que regule as novas relacñes.<br />
Desde a assinatura da Declarado ficou patente para a humanidade que<br />
a protecflo dos direitos do homem está ligada ao desenvolvimento global da<br />
civilizaciio. Da inesma forma passou-se a compreender que nao se pode entender<br />
a questdo dos Direitos Humanos abstraindo dois dos problemas da nossa<br />
contemporaneidade : a guerra e a miseria.<br />
4. Os Direitos Humanos no Brasil<br />
Marilena Chaui talando sobre a sociedade oras i le ira, afirma:<br />
REVISTA .11IRÍDICA IN Y'KRHIS n. <strong>15</strong> - UFRN<br />
O Brasil é urna sacieJaJe autoritaria, na medida em<br />
que nao consegue, alé o limiar Jo sécalo XXI,<br />
concreiizur sequer os principios (velhos de tres
I I.ÁVIO III'.NKKJMI. KODKICUCS l'ARNI-.IKO<br />
sécalos) do liberalismo e do republicanismo,<br />
/ndislincao entre o público e o privado,<br />
incapacidade para tolerar o principio formal e<br />
absintio da igualdade peranle u leí, combate da<br />
clusse dominante as idéias gerais comidas na<br />
Declaracao dos Direilos do Homeni e do Cidadao,<br />
repressao asformas de lula e de organizando saciáis<br />
e populares, discriminando racial, sexual e de<br />
classes. a sociedade brasileira sob a aparencia de<br />
fluidez (pois as categorías sociológicas, válidas<br />
para a descrigao das sociedades européias e norte<br />
americana, nao parecen! alcancar a realidade social<br />
brasileira), estrutura-se de modoJanemente hiercír-<br />
c/uico, e, neta, nao sú o Estado aparece como funda<br />
dor do práprio social, mas as rehenes saciáis se<br />
efeluam sob a forma da tutela e da favor (¡amáis da<br />
direito) e a legal¡dade se constituí como circulo<br />
fatal do arbitrio (dos dominantes) a Iransgressáo<br />
(dos dominados), e, desta, aa arbitrio (dos<br />
dominantes) (Chaui, 1996, p.47).<br />
Ao desenvolver tais afirmativas a autora deixa nítida a nossa "tradicao"<br />
de desrespeito aos Direitos Humanos. Para Chaui essa "tradieño" n3o pode ser<br />
explicada, como afirmavam, freqUentemente, estudiosos da veia culturalista, pela<br />
origem ibérica da colonizado. Tais estudiosos diziam que o Brasil era um país que<br />
desrespeitava os direitos do homem, poique a populacilo trazia "no sen sangue"<br />
as práticas das populac.óes da Península Ibérica (Portugal e lispanha).<br />
A filósofa, adota a crítica aos cultura listas apoiada na interpretado de<br />
Roberto Schwartz. Foi Schwartz quem primeiro deixou bastante claro as peculiari<br />
dades da nossa sociedade. Entre essas particularidades pode ser citado o fato de<br />
o Brasil ter vivido, durante o Imperio um liberalismo político, instalado sobre urna<br />
economía escravista. O liberalismo brasileiro, ao contrario do F.uropeu. mío defendía<br />
as liberdades plenas, pois continuava convivendo com a escravidao para favorecer<br />
as élites agrarias.<br />
Assim. sño históricos os traeos do autoritarismo no Brasil. Nesse sentido.<br />
n3o se pode dizer que as mazelas autoritarias, ainda vigentes nos nossos dias, süo<br />
puros reflexos de 1964. O que se pode dizer é que o autoritarismo foi apenas<br />
■•" RKVISTA JURÍDICA IN VI-RUIS n. <strong>15</strong> UTRN
IX) I K.Al AdKI.AI IMKMIDS HUMANOS I 11)1 NTIDADfc HRASII.EIRA<br />
reforcadocom a instauracüo do regime militar.<br />
O nosso momento histórico é marcado pelo paradoxo desenvolvimenio<br />
económico/miseria social e exige a compreensdo dos novos direitos que emergem.<br />
Para tanto optamos por discutir esscs novos direitos a partir de situacfles concretas<br />
da sociedade brasileiru, selecionadas de artigos publicados pelo jornal Folha de<br />
S3o Paulo. e pelas revistas Veja, Isloé. e Época, ñas quais se evidencia a insuficiencia<br />
de um concuilo jurídico para delimilur oque éou nilo um direito humano.<br />
4.1. Em nlacSoá policía<br />
Lm marco de 1997, urna acüo da Policia Militar Paulista na cidade de<br />
Diadema fe/ surgir urna serie de discussfles sobre a policia e os Direitos Humanos.<br />
Essas discussoes alingiram os jomáis, as revistas, o debate universitario, e<br />
seminarios envolvendo a sociedade civil.<br />
l.m artigo publicado no jornal lolha de Süo Paulo (Tendencias/Debates,<br />
caderno I, p. 03,03 de julho de 1997), o professor Paulo Sergio Pinheiro. comenta<br />
a situadlo da Policia Militar em lodo o Brasil. Da análise do autor se observa os<br />
seguintes dados:<br />
(a) a disparidade entre a remuneraca"o paga a Soldados, Cabos e Sargentos e a<br />
remuneraciio de Oficiáis, Coronéis e Delegados;<br />
(b) em muitos estados brasileiros as Policías Militares atuam como forcas de ocu-<br />
pacáo ou milicias auxiliares de jaguncos, e<br />
(c) as Policías Civil e Militar, em todos os estados, n3o cooperam entre si e muitas<br />
vezes se atrope I am.<br />
Analisando a mesma questáo, num artigo publicado pelo mesmo jornal,<br />
o professor Rubem A Ivés afirma:<br />
RFVISTA JURÍDICA IN VEKBIS n. <strong>15</strong> UFRN<br />
.SV o Estado nao díspuser de instrumentos de<br />
violencia pura impar a leí, ele acaba se<br />
transformando num motivo de chacota - como é o<br />
caso do Brasil. Quem lem medo do Estado? A<br />
psicología dos envolvidos nos precatórios é a mesma<br />
psicología dos policiais de Diadema. (...) A policía<br />
se estabelece. assim. como urna ¡nstituicao com as<br />
Características do sagrado: a sensaedo de poder,<br />
concedida pelo uso das armas; o prazer sádico de<br />
infligir sofrimento lis pessoas; a arrogancia de ndo<br />
haver ncnhiimo instancia superior a que prestar
I I.ÁVIO IIINRiyill RODRIGUI S CARNHRO<br />
Diante disso questiona-se:<br />
1. Que cultura de policía existe no Brasil?<br />
conins; o sentímento de onipolencia. concedida<br />
pela certeza da impunidade. (...) Policía nao é le¡.<br />
Ela nao é a continuacao do Estado. O lugar<br />
institucional da policía é o mesnio lugar das<br />
ferramentas: o Estado precisa de ferramentas para<br />
coleta de lixo, ferramentas para promover a saúde.<br />
jerramentas para a educacúo dos individuos.<br />
Precisa, lamhém, de ferramentas para comer a<br />
violencia (Alves, 1997, Caderno I. p. 03).<br />
2. Como pode ser estimulada a criacao de órg3os da sociedade civil para controlar<br />
a ac3o policial?<br />
3. N3o deveria haver punícSes para acóes ¡rresponsáveis como a dos governadores<br />
que deram aumento para os oficiáis deixando de lado os soldados, cabos e<br />
sargentos?<br />
4. Que proposta temos para a reestruturacao da Polícia brasileira?<br />
5. Como a Polícia pode llcar limitada á sua funcáo de cumprir a lei e nao se conside<br />
rar a própría leí?<br />
6. Como alterar a psicología de ¡mpunidade que "comanda" o imaginario brasileiro?<br />
4.2. Corrupciloeo Dircito (crido do Contribu inte<br />
Situaca~o I:<br />
Em materia publicada no día I9demaíode I999.arevista Veja denuncia<br />
que Ministros c ouiros a I los funcionarios do governo federal, cnlrc cíes: José<br />
Serra, Pedro Malan e Raúl Jungmann, foram descansar e se divertir com a familia<br />
em fins de semana usando - de grac.a - avióes da FAB c lanzando despesas na<br />
conta de Brasilia (Brasil, <strong>Revista</strong> Veja, I9demaiode 1999, p.44-9).<br />
Situac3o2:<br />
O senador Luis Esteváo, cassado por corrupcao e quebra do decoro<br />
parlamentar, no dia 28 de junho de 2000, tinha como suplente o empresario do setor<br />
de transportes coletivos. Valmir Amaral. Talvez a casa estivesse trocando seis por<br />
meia dúzia, pois Amaral estava sendo investigado por sonegacáo fiscal em suas<br />
empresas e respondía a um processo por violencia contra uní de seus funcionarios.<br />
H- Rl-VISTA JURÍDICA IN VKRIÍIS n. <strong>15</strong> UFRN
IX) MiCAI. AO RI-AI. DIRKITOS HUMANOS F. IDKNTIDADH RRASILUIRA<br />
SituacSo3:<br />
Em Janeiro de 1999, logo depois da desvalorizacao do real frente ao<br />
dólar, o Banco Central, em urna operacao "pouco convencional" sal vou da falencia<br />
o banco Marka, do banqueiro Salvatore Cacciola e o banco FonteCindam, do<br />
banqueiro Luís Antonio Goncalves. Essa ajuda foi autorizada pelo ent§o presidente<br />
da ¡nstituicüo, Francisco Lopes, e provocou um prejuízo de mais de 1,5 bilhóes de<br />
reais aos cofres públicos, somente com essas duas operafoes. Cacciola foi preso<br />
e, apesar do Ministerio Público ter pedido a sua condenacáo, Lopes e toda a sua<br />
diretoriacontinuam em liberdade(Rocha, <strong>Revista</strong> IstoÉ, 28 dejunhode2000, p.30-<br />
2).<br />
Situacao4:<br />
No final de maio de 2000, tres ministros do Supremo Tribunal Federal e<br />
outros doze do Superior Tribunal de Justica viajaran! a Nova York e Toronto para<br />
participar de um seminario sobre os "Aspectos Jurídicos das TelecomunicacOes".<br />
Toda a viajem foi paga por duas grandes empresas do setor de telecomunicacSes<br />
- a Nortel e a Ericsson. Esta possui dois processos no STF e os relatores Néri da<br />
Silveira e Sydney Sanches participaram da comitiva. Esta atitude fere o artigo 9o,<br />
inciso I °, da lei de improbidade, que proíbe o funcionario público de auferir vantagens<br />
de empresa que pode, com sua funcSo, prejudicar ou beneficiar (Miranda, <strong>Revista</strong><br />
IstoÉ, I4dejunhode2000, p.110).<br />
Diante desses outros casos, indagamos:<br />
1. Como podemos pagar livremente nossos impostos se sabemos que o nosso<br />
dinheiro está sendo alvo de corrupcao?<br />
2. Porque a populado só tem seus direitos de cidadania lembrados quando é para<br />
servir aos interesses do Estado?<br />
4.3.0DireitodoOutro<br />
O caso dos jovens adolescentes que queimaram o indio, em Brasilia,<br />
chocou a opiniao pública. Entretanto a ent3o deputada Marta Suplicy demostra<br />
que essa a?3o n2o pode ser entendida como ato ¡solado e maldoso de jovens<br />
adolescentes. Sobre o episodio comenta a ex-deputada:<br />
Precisamos compreender as raides que levaram<br />
rapaies que comem bem, lém convivio familiar e<br />
freqüenlam escolas a se porlarem com a sc/vagcrhi<br />
demónstrenla ao incendiar o indio palaxó, como<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UlrRN 43
I I.AVIO llliNRIOIJi: KODlilCHJKS CARNKIKO<br />
'br'mccitleira' do grupo.<br />
O caso tem algumas similaridades com o ocorrido<br />
na mesma semana nos BÚA, onde dois adolescentes,<br />
de 18 a 17 anos, mataram dois en/regadores de pina<br />
'para sentir a emoQao de matar urna pessoa',<br />
comentou um deles. (Supücy, 1997, Caderno 1, p. 03).<br />
O texto da ex-deputada estabelece um vínculo entre diversos casos que<br />
parecem ¡solados para a sociedade. Na verdade o que é demonstrado é que a<br />
televisao, com sua programacüo violenta, e a sociedade de consumo, que valoriza<br />
o lugar ocupado pelas pessoas, e nSo o Ser Humano, estao intimamente ligados a<br />
essa situacao. O que fica evidente é que esses casos criam um ruptura com os<br />
direitos básicos da cidadania. Observando as declaracoes dos adolescentes que<br />
queimaram o indio em Brasilia, após o atentado, nos lembra Kowarick, a af¡rmac.üo<br />
dos rapazes: '"pensávamos tratar-se de um mendigo".<br />
Dessa análise podemos questionar:<br />
1. A sociedade nao precisa, urgentemente, redefinir a educado no tocante aos<br />
direitos humanos e valores éticos?<br />
2. Nao precisaría estabelecer urna análise mais criteriosa dos programas televisivos?<br />
3. Nao haveria necessidade de urna forte campanha pela valorizado e respeíto ao<br />
diferente?<br />
4. Nao seria necessário urna formacao humana para todos de modo a generalizar<br />
urna cultura de que o ser humano nao é brinquedo e, que todos tém o mesmo valor<br />
e os mesmos direitos?<br />
4.4.0 judiciário e a defesa<br />
O júri popular que julgou, em agosto de 1999, os tres oficiáis,<br />
responsáveis pela morte de 19 trabalhadores participantes do movimento "Sem-<br />
terra", em Eldorado dos Carajás, absolveu os réus, justificando para a sua acao a<br />
falta de provas. A decisao até poderia ser acatada nao fosse o vasto material que<br />
evidencia a culpa dos envolvidos no caso. <strong>In</strong>clua-se ai, um vídeo que exibe os<br />
quatro primeiros minutos do confronto (Traumann, <strong>Revista</strong> Veja, 25 de agosto de<br />
1999,p.48-9).<br />
A esse respcito a Anistia <strong>In</strong>ternacional, na época ¡mediatamente<br />
posterior ao julgamento, divulgou um comunicado denunciando o que considerava<br />
mais um exemplo da "complacencia das autoridades brasileiras com a violacao dos<br />
44 RHVISTA JURÍDICA IN VI-UBIS n. <strong>15</strong> UI-'RN
DO LIXiAL AC) RP.AI.: OIRIITOS HUMANOS K IDIiNTIDADU BRASILERA<br />
dircilos humanos no país".<br />
lim abril de 2000, o Tribunal de Justina do Para anulou ojulgamento que<br />
inocentou os tres oficiáis responsáveis pela morte de dezenove agricultores "sem-<br />
terra'" em Eldorado dos Carajás. Contudo, esse mesmo Tribunal teve problemas<br />
para encontrar magistrados dispostos a assumir o segundo julgamento, na medida<br />
em que 13 dos <strong>15</strong> juízes crimináis de Belém se recusaran! á missáo (Pinto, <strong>Revista</strong><br />
Época, 17 de abril de 2000, p.43).<br />
Diante disso, questiona-se:<br />
1. A sociedade brasilcira perdeu a credibilidade no Judiciário. Que propostas efetivas<br />
de mudancas desse poder podem ser operacionalizadas?<br />
2. Como a sociedade pode controlar externamente o poder "supremo" dos juizes?<br />
3. Que punic.6es efetivas há para os juizes que usam seu poder sem a observadlo<br />
da lei?<br />
4. Que tipo de educacüo a populacho brasileira tem para participar de júri popular<br />
e decidir sobre a vida de outras pessoas sem a utilizado apenas de mecanismos<br />
emocionáis?<br />
4.5. A justica é urna Questáo deClasse<br />
Grajew:<br />
A partir dessas questSes somos obrigados a refletir junto com Oded<br />
A constituicao garante que "todos sao ¡guais peranle<br />
a lei", mas nossasprisoes sao verdadeiros depósitos<br />
de seres humanos, repletas de pessoas pobres. Rico<br />
nao vai para a cadeia no Brasil (Grajew, 1997:<br />
Caderno 1, p. 03).<br />
O ex-presidente Collor. Sergio Naya, Nicolau dos Santos Neto, Francisco<br />
Lopes, e tantos outros continuam gozando de boa vida.<br />
Contudo, nao podemos aderir ao ceticismo e estimular urna visáo que a<br />
Constituicao e as instituicSes de nada valem. Temos que moralizar nossas instancias<br />
de poder antes que sejam banalizados completamente de nossa sociedade os<br />
comportamentos contrarios aos valores humanos.<br />
Questao:<br />
1. Como poderemos superar a constatacao de que a Justina nao é para todos?<br />
REVISTA JURÍDICA 1N VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
5. A Identidade e os Dircitos Humanos<br />
FI.ÁVIO IILNRiyUl: ROI)RIC¡Ui:S C'AKNI-IKÜ<br />
Ao falar da identidade nacional brasileira algumas imagens ¡mediata<br />
mente se apresentam. Essas imagens constróem urna idéia de que o povo brasileiro<br />
possui inúmeros elementos de ¡dentidade, entre os quais, ao nivel da ilustracao,<br />
pode-se citar: a paixüo pelo esporte; os hábitos alimentares; o espirito alegre e<br />
festivo; a forma de abordar as temáticas sexuais; o desejo de interferir no final das<br />
novelas televisivas; a forma hospitaleira de lidar com os visitantes; a mancira<br />
gentil de se portar com as outras pessoas. <strong>In</strong>úmeros outros hábitos e<br />
comportamentos poderiam ser citados. Contudo, entende-se que o detalhamento<br />
de alguns desses tópicos já será suficiente para discutir o conceito de ¡dentidade<br />
no Brasil e perceber o que diferencia o povo brasileiro dos outros povos.<br />
No que diz respeito á paixSo pelos esportes a imagem mais forte da<br />
¡dentidade brasileira é a representacao das manifestaedes de delirios coletivos por<br />
ocasiao dos jogos brasileiros na copa do mundo de futebol. Nessa ocasiao as<br />
pessoas nao conseguem se dedicar a outra atividade que n3o seja assistiraojogo.<br />
O País para. Contudo n3o é só o futebol que estabelece o vinculo da ¡dentidade<br />
brasileira com o esporte. Na verdade o brasileiro apresenta um talento para eleger<br />
heróis esportivos, entre os quais os jogadores de futebol fazem parte, mas n3o s3o<br />
exclusivos. Veja-se por exemplo os casos dos pilotos de "Fórmula 1", inicialmente<br />
o ídolo nacional era Emerson Fittipaldi, depois passou a ser Nelson Piquet, e o<br />
auge do caro esporte automobilístico veio com Ayrton Senna.<br />
O mais recente caso de herói nacional é o tenista Gustavo Kuerten - já<br />
popularizado no "coracáo" brasileiro como o "garoto Guga". Apesar da maioria do<br />
país nunca ter tido acesso se quer a urna raquete de tenis, todos passam a idolatrar<br />
o novo herói.<br />
O espirito alegre e festivo do brasileiro é exaltado como elemento peculiar.<br />
A maior demonstrac,üo desse espirito está no carnaval. Essa é a festa maior, as<br />
pessoas se encobrem de um sentido permissivo das coisas e durante este período<br />
tudo pode acontecer. Acabam-se as censuras e "todo pecado será abolido na<br />
quarta-feira de cinzas". O carnaval apresenta-se como o profano legitimado pelo<br />
sagrado.<br />
Somos seres cordiais e hospitaleiros, essa é a nossa marca. Contudo.<br />
esta característica n3o resiste á forma pela qual agimos com os mais pobres e<br />
menos poderosos.<br />
A nossa cordial¡dade verdadeira está exposta no cotidiano: sito grades<br />
e guantas ñas edificaedes comerciáis e residenciáis; sño vidros de carros fechados;<br />
46 REVISTA JURÍDICA IN VHRBISn. <strong>15</strong>-UFRN
IX) I I C.Al Ad Kl Al DIKi-IIOS HUMANOS I 11)1 N IIIMDI-. URASII.IIRA<br />
sao sobrcssaltos dianic de qualquer abordagem ñas rúas de nossas cidades.<br />
l;ntretanto. o que parece fascinar mais ainda o brasileiro é a capacidade<br />
de disculir Illosotlas de vida com unía desenvoltura incomum. Assim, a toda hora<br />
procura explicacoes para justificar: a legitima inexistencia de rigidez nos<br />
compromisos; a possibilidade de arranjar ludo com unía boa conversa e; a busca<br />
"legal" de burlar urna fiscal ¡zaca"o, querenquanto fiscal, querenquanto fiscalizado.<br />
É a "leí de Gerson", é o "jeitinho brasileiro".<br />
alguns pontos:<br />
Essas interpretares sobre a identidade nacional requerque imaginemos<br />
I. Autores como Sergio Buarque de Holanda já demonstraran! que nao existe<br />
urna identidade nacional padrSo. Sabemos, hoje, que as identidades culturáis<br />
nao süo rígidas, ncm muito menos imutáveis. Sao resultados sempre<br />
transitorios e fugazes de processos de identificacáo. Logo na"o podemos ter<br />
urna característica para o brasileiro, mas analisar o momento histórico<br />
vivenciado e a partir da i estabelecer urna análise.<br />
2 Sabemos, também. Que as identificaedes, além de plurais, s3o dominadas pela<br />
obsessüo de dil'erenca e pela hierarquia das distincóes. Quem pergunta pela<br />
sua identidade questiona as referencias hegemónicas mas, ao fazé-lo, coloca<br />
se nu posicSo de outro e, simultáneamente, numa situacSo de carencia e de<br />
subordinac.30.<br />
3. A preocupacáo com a identidade nao é, obviamente, nova. Podemos dizer até<br />
que a modernidade nasce déla e com ela. O primeiro nome moderno da<br />
identidade é a subjetividade. Ao procurar estabelecer um conceito de<br />
¡dentidade. devemos perceber o processo de tensSo que ocorre, no instante<br />
de sua formacSo. entre a subjetividade individual e a subjetividade coletiva.<br />
Postas essas considerares fica claro que falar da identidade brasileira<br />
requer que tenhumos claras as condiefles históricas vivenciadas pelo país, ultra-<br />
passando a ¡déia que a midia nos transmite de que somos um povo unido em<br />
funeño de algumas questOes que nos tornam fortes e decididos. N3o podemos<br />
viver a procurar pontos soltos para nos firmar enquanto povo. Isso implica um<br />
repensar das nossas atitudes individuáis e coletivas, um repensar do mundo hoje,<br />
um repensar da forma como vivenciamos os direitos.<br />
6. Consideracfles Fináis<br />
Após discutir essas idéias. está muito claro para nos a necessidade de<br />
repensar nossa condueño socialmente estabelecida. Isso nüo é válido apenas para<br />
REVISTA JURÍDICA IN VHRlilS n. <strong>15</strong> - UFKN 47
II AVIO III NKK.MII KDDKU.III S C'AKNI IKO<br />
;i soeicdacle brasileira. Somos loriados a perceberquo miin nuindo globali/ado os<br />
problemas humanos tambán se tornam universais. I lélio Bicudo numa lúcida rellexáo<br />
sobre a questño nos afirma:<br />
.•/ Declarando Universal Jos Üireitos Jo llomem Je<br />
194H. como se lem afirma Jo. fui o marco inicial Je<br />
uní movimento que prosterne alé lio/e, justamente<br />
na linha Je suu protecdo além Jas fronteiras Jos<br />
EslaJosf...)<br />
Punco e pouco, foi-se superan Jo o entenJimenlo Je<br />
que a prolecao Jos Jireilos humanos se esgota na<br />
otilando Jos EstaJos(...)<br />
Na venlaJe, na apreciando Jo Jesenvolvimento his<br />
tórico Ja protecdo internacional Jos Jireitos<br />
humanos, verificase a gradual superando Je<br />
barreiras, na compreensdo Je que a protecdo Jos<br />
Jireitos básicos Ja pessoa humana nao se esgotam<br />
na atuaedo Jo Estado, na pretensa e Jemonstrável<br />
"competencia nacional exclusiva" (Bicudo, 1997,<br />
Caderno l,p.03).<br />
Contudo, ¡ruernamente, temos que cuidar de questóes que nos<br />
interessam. Isso porque no Brasil<br />
Nao há consolidando Jos direitos civis na sua<br />
concrelude mais elementar, que é a integridadefísica<br />
Jas pessoas. Entre 1948 e 1991, mais Je 4.000<br />
transeúntes foram morios pela Policía Militar em<br />
Sdo Paulo. Isso para nao Jalar Je inlimiJuanes,<br />
exlorsdes, espancamentos ou torturas, que em boa<br />
meJiJa nao entram ñas eslalislicas oficiáis, pois o<br />
meJo passou a fazer parte Jo cotiJiano Je nossas<br />
cidaJes. Ha lambém os furtos, assaltos, seqüestros e<br />
assassinalos praticados por jovens e adultos, cuja<br />
Jlmensdo constituí fenómeno inédito na historia Ja<br />
Jelinquéncia no Brasil (Kowarick, 1997, Caderno I,<br />
p.03).<br />
Podemos, entüo, vislumbrar os dois lados da questao. Temos que lutar<br />
4S REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
IX) I IXiAI. AO RLAL DIRlilTOS HUMANOS i; IIJI NIIÜADli HRASILtIKA<br />
pela preservacao dos Direitos Universais, mas temos lambém que garantir direitos<br />
internos. Se como afirmam os pós-modernos, há urna crise no próprio conceito de<br />
Direito; existem Direitos legítimos que precisam ser garantidos e n3o podem esperar<br />
icdefinicCies coneeituais, que precisam, obviamente, serení (citas em lunciio de<br />
novos parámetros.<br />
É necessário repensar o país, o mundo e os valores humanos. Assim será<br />
possível construir valores identitários reais e vinculados as necessidades históricas.<br />
7. Referencias Bibliográficas<br />
7.1 Livros:<br />
BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos, Rio de Janeiro, Campus, 1992.<br />
CHAUI, Marilena. Raízes Teológicas do Populismo no Brasil; 1N; DAGNINO,<br />
Evelina (org). Anos 90: Política e Sociedadc no Brasil, Süo Paulo, Brasiliense,<br />
1994.<br />
. Conformismo e Resistencia, Sao Paulo, Brasiliense, 1996.<br />
GARCÍA, Pedro. Paradigmas em Crise e a Educado; IN; BRANDÁO, Zaia (org). A<br />
Crise dos Paradigmas e a Educacáo, Sao Paulo, Cortez, 1994.<br />
HOLANDA. Sergio Buarque. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, José Olimpio, 1975.<br />
SANTOS, Boaventura dos. Pela Mao de Alice. S3o Paulo, Cortez, 1994.<br />
7.2 Artigos do Jornal "Folha de Sao Paulo"<br />
ALVES, Rubcm. Quando as Ratoeiras Viram Guiólas. Tendencias/Debates, ca-<br />
derno I, p.03,05 de maio de 1997.<br />
BICUDO, Helio. Direitos Humanos Nüo Tt'in Fronteiras. Tendencias/Debates,<br />
cademo l,p.03, 18 de abril de 1997.<br />
GRAJEW, Oded. CPI dos Direitos Humanos. Tendencias/Debates,cademo 1, p.03,<br />
10 de abril de 1997.<br />
KOWARICK, Lucio. A Exclusáo Social. Tendencias/Debates, caderno 1. p.03,24<br />
dejunhode 1997.<br />
RTVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> UI-RN 40
ll.AVIl) IIKNKIOIIi: K()l)l
I. <strong>In</strong>troducáo<br />
O DAÑO CAUSADO POR ASSKDIO MORAL NO<br />
ÁMBITO DOTRAHALIIO<br />
Chen L¡ Wen<br />
Académica do 9o Periodo do Curso de Direito da UFRN<br />
No primeiro instante, antes de discorrer acerca do tema em epígrafe, é<br />
de bom alvitre tracar algumas linhas conceituais a respeito dos termos a serem<br />
utilizados ao longo do presente artigo. Nessa onentacüo, principia-se por assédio,<br />
o que vem a ser? O referido vocábulo designa a insistencia impertinente ou a<br />
¡mportunacao reiterada junto de alguém, através de quaisquer meios, a finí de<br />
conseguir alguma coisa.<br />
Naturalmente, dentro da accpcüo do seu conceito, o assédio pode ser<br />
encontrado em qualquer meio social: no seio da familia, no grupo de amigos, no<br />
ambiente de trabalho etc. É, inclusive tangente ao último, o direcionamento do<br />
lema proposto, ou mclhor, objet¡va-se, no momento, expor o assédio praticado no<br />
interior das relacóes laboráis, que, por fim, acaba a denegrir físico e<br />
psicológicamente a vitima, ocasionando-lhe um daño.<br />
Neste sentido, o assédio moral no írabalho é tido como:<br />
Qualquer condula abusiva (gcslo, palavra, comportanwn-<br />
lo. al ilude...) que átenle, por sua repeliqao ou sistemaliza-<br />
cao. contra a dignidade ou inlegridade psíquica ou física<br />
de unta pessoa, ameacando seu emprego ou degradando o<br />
clima de trabalho (I lirígoyen. 2002. p. 17).<br />
Perante tal fato, é notoria a ocorréncia de daño. que. por sua vez, se<br />
trata de subtracüo ou diminuicüo de um bem juridico. No caso em análise, refere-se<br />
ao daño de natureza moral, visto que se perquire a ofensa a bem inerente á<br />
personalidade da vitima. Ressalte-se que, á luz da Carta Magna, qualquer violacao<br />
do direito á dignidade esculpido no art. Io, inciso III, constituí um daño moral, cuja<br />
plena reparacüo é assegurada com fulcro no art. 5o, incisos V e X.<br />
N2o obstante a ciencia da gravidade do daño á dignidade humana, além de<br />
outros direitos da personalidade, por parte da Organizado <strong>In</strong>ternacional do<br />
Trabalho (OIT) e por países como os EUA c uns da Europa; no Brasil, aínda se<br />
encontra incipiente a análise, pelos profissionais do Direito, da Psicología e da<br />
Medicina do Trabalho, da violencia moral e psicológica que ocorre ñas relacSes<br />
humanas de trabalho.<br />
Urna pesquisa realizada pela médica do trabalho Margarida Bárrelo, da PUC<br />
Rl: VISTA JURÍDICA IN VI-.RBIS n. <strong>15</strong> UI-RN
CHEN Ll WKN<br />
de Sao Paulo, aponta que 36% da populacao brasileira económicamente ativa, que<br />
está trabalhando, passa por violencia moral. Nos países europeus, segundo a O1T,<br />
esse índice cai para 10% e nos Estados Unidos, para 7%.<br />
Finalmente, a conduta conhecida como assédio moral no país, recebe<br />
diversas denominacóes no mundo: harcélement moral na Franca, mobbing na<br />
Italia, na Alemanha e nos países escandinavos, buHying na Australia e na Gr3-<br />
Bretanha, emotional abuse ou mistreatment nos EUA e murahachibu no Japao.<br />
Outrossim, sua definido pode ser alterada, a depender da ciencia (Me<br />
dicina, Psicología, Direito etc.) que o estuda. <strong>Jurídica</strong>mente, o assédio moral no<br />
trabalho é considerado como "uní abuso emocional no local de trabalho, de forma<br />
maliciosa, n2o-sexual e n3o-racial, com o fim de afastar o empregado das relacóes<br />
profissionais, através de boatos, ¡ntimidacSes, humilhacóes, descrédito e<br />
isolamento" (Schmidt, 2001, p. 143).<br />
2. Configura cao do daño por assédio moral no trabalho<br />
Em materia de identificacüo do daño causado por assédio moral dentro<br />
das rela?oes de trabalho, faz-se necessário determinar a duracüo, os meios e os<br />
efeitos nos quais incorre e para tanto, é oportuno, preliminarmente, atentar para as<br />
seguintes McSes:<br />
So deve ser reputado como daño moral a dor, vexame.<br />
so/rímenlo ou humilhaccio que, fugindo á normalidade,<br />
interflra intensamente no comportamento psicológico do<br />
individuo, causando-lhe qfliedes, angustia e desequilibrio<br />
em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa,<br />
irritacao ou sensibilidade exacerbada estaofora da órbita<br />
do daño moral, porquanto, além de fazerem parte da<br />
normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no tránsito,<br />
entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situafdes<br />
nao sao intensas e duradouras, a ponto de romper o<br />
equilibrio psicológico do individuo. Se assim nao se<br />
entender, acabaremos por banalizar o daño moral,<br />
ensejando acoesjudiciais em busca de indenizacoes pelos<br />
mais triviaisaborrecimentos (Cavalicrí Fílho, 2002. p.89).<br />
Em outras palavras, aplicadas ao estudo em tela, deve-se distinguir<br />
assédio moral do estresse, aborrecimentos, discussdes e agressSes pontuais, más<br />
52 REVISTA JURÍDICA 1N VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
O DAÑO CAUSADO POR ASSÉDIO MORAL NO ÁMHITO DO TRABALMO<br />
condicóes de trabalho, imposicñes profissionais e outras formas de violencia<br />
(física, sexual), bem como se deve utilizar a lógica do razoável para configurá-lo<br />
como um daño ¡material, ou n3o patrimonial, ou simplesmente, moral, o qual é<br />
passívcl de compensacSo através da obrigacüo pecuniaria imposta ao agressor,<br />
sendo esta meramente urna satisfacSo e n3o unía indenizacao.<br />
Seguindo esse norteamento, aditado ao alhures explicitado, podc-se<br />
considerar que o assédio em exame é um abuso de direito do empregador ao<br />
exercer seu poder diretivo. Acerca do assunto, é sabio o ensinamento de Arnaldo<br />
Süssekind:<br />
O quolidiano do contrato de trabalho, com o relaciona-<br />
niento pessoal entre o empregado e o empregador, ou<br />
aqueles a qiiem este delegan o poder de comando, possibi-<br />
lila. sem dúvida. o desrespe ito dos diré ¡tos da personal¡da-<br />
de por parte dos contratantes. De ambas asparles - convem<br />
enfatizar - embora o niais comum seja a violacao da<br />
intimidade, da vida privada, da honra ou da imagem do<br />
trabalhador (Rclmontc. 2001. p. 131).<br />
Destarte, as acOes ou comandos do mesmo, ou de seus prepostos,<br />
sobre os empregados ou subordinados, n3o podem, nem devem ultrapassar os<br />
limites da licitude, conferidos pelas faculdades derivadas do seu poder de direcao,<br />
ainda quando. num vínculo trabalhista. é propicio a ocorréncia de danos moráis,<br />
devido á pessoalidade em relacao ao empregado, além da sucessividade, devendo<br />
o último, também, perante a subordinado jurídica, permanecer á disposicao do<br />
empregador.<br />
Sob outro ángulo, em deducSo contraria ao que foi, outrora, exposto,<br />
ou melhor, quando o empregador agir no excrcício regular de direito, inexistirá o<br />
daño. Conforme diz Sergio Cavalieri Filho: "nao gravitam na órbita do daño moral<br />
aquetas situaedes que, nao obstante desagradáveis, s2o necessários ao regular<br />
exercício de certas atividades" (Cavalieri Filho, 2002, p.90).<br />
A fim de esclarecer tal assertiva, exemplifica-se com urna hipótese de<br />
ociosidade forcada do funcionario. Em razño do seu local de trabalho ser entregue<br />
para reforma, por ordem do seu superior, este foi sendo, paulatinamente, desprovido<br />
dos seus instrumentos de trabalho (computador, telefone, fac-simile, ar<br />
condicionado etc.), tendo sido, ao final, obrigado a se deslocar para outra sala de<br />
menor conforto c dificultando-lhe de por seu servico em dia. Tal fato n3o é assédio<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - Uí-'RN 53
CHIiN Ll WLN<br />
e o transtorno é passageiro. Ademáis, após o término da reforma, possivelmcnte<br />
será beneficiado com a mesma.<br />
A referida situac3o é diferente da ociosidadc forcada do empregado,<br />
devido a intencao de scu chefe em Ihe denegar servicos a todo o momento, para<br />
posteriormente demiti-lo. Ocorre isso quando, por exemplo, o empregador, aos<br />
poucos, vai ao seu funcionario ¡nformacOes essenciais ao bom desenvolvimento<br />
da empresa, de modo que prejudique seus servicos e ainda pensar que nño está a<br />
cumpri-los de forma córrela por incapacidade própria. Assim, configura-se o assédio<br />
moral, a medida que perde a auto-confianza na sua capacidade laborativa e por fim,<br />
vé-se forjado a pedir demiss3o.<br />
Além disso. um fato agravante pode ser verificado no seguinte:<br />
Traíase de um processo destruidor que pode levar a viti-<br />
ma a urna incapacidade até permanente e mesmo á morte:<br />
o chamado bulicidio. A agressao tende a desencadear<br />
ansiedade e a vitima se coloca em atitude defensiva<br />
(hipervigiláncia) por ter a sensacao de ameaca, surgindo.<br />
pois, sentimentos de fracasso, impotencia e baixa aulo-<br />
estima e Iwmilluica'o (domes. 2002. injusmivegaiuli).<br />
O referido autor ainda complementa:<br />
Com aedes negativas desse tipo, sofrem, os trabalhado-<br />
res. urna injustificada agressao á dignidade humana, fi-<br />
candíi o trabalhador(a) desestabHizadu(a),<br />
ridicular¡zado(a),fragilizado(a) e esligmattado(a) e, por<br />
fim, até mesmo responsabilizado pela queda da produtivi-<br />
daile, como falla de qualidadc do produla e 011 mesmo<br />
servico prestado.<br />
A conseqüéncia provocada por esse processo destruidor e<br />
aniquilador do sentimenlo de útil¡dade da pessoa humana<br />
nao serve a ninguém no seio da sociedade. E nefasto a<br />
própria empresa que o pralicou por seusprepostos, como<br />
nefasto é a toda a sociedade nogeral.ficando onerada com<br />
os cusios das despesas previdenciárias decorrentes das<br />
incapacidades geradaspara o trabalho, pelaperda, quer<br />
daproducao da vitima, quer dopróprío emprego que ocorre<br />
na maioria das vezes (Gomes. 2002. in jusnavegandi).<br />
5-4 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN
O 1ANO CAUSADO POR ASSÉDIO MORAL NO ÁMUITO DO TRABALHO<br />
Outrossim, observa-se daño num caso concreto, conforme jurisprudencia<br />
de unía Corte Especializada, a seguir:<br />
Caracterizase a (¡correncia de chino moral, de obrigalória<br />
reparacao. a denegucao, como pena, de servicos ao<br />
trahalhador aínda se sob percepcao salarial. A siluaedo<br />
parasitaria é considerada vexatória, em si mesma,<br />
independente de achincalhos de terceiros. Hipólese em que<br />
cabente indenizacao de cunho reparatório e dissuasório<br />
(TRT <strong>15</strong>a Reg. - REO <strong>15</strong>297/96-3 - Ac. 45.490/98.12.1.99<br />
- Reí. Juiza Mariu Cecilia Alvares Lcite).<br />
A respeito do fato, é válido ressaltar o comentario de Emmanuel Teófilo<br />
Furtado: "deixar o einpregado sem nada fazer, é humilhante e aviltante da dignidade<br />
humana do obreiro, que seria alvo de comentarios de todos os companheiros, por<br />
se encontrar no ambiente da empresa sem nenhuma incumbencia" (apud Lobregat,<br />
2001, p.93).<br />
Noutro caso prático, pela primeira vez, ocorre dec¡s3o de Tribunal Es<br />
pecializado com a especificacao do assédio moral, recentemente em Vitória-ES:<br />
Assédio Moral - Contrato de <strong>In</strong>acao - <strong>In</strong>denizacao por<br />
Daño S toral - A tortura psicológica, destinada a golpear a<br />
auto-estima do empregado, visando forcar sua demissao<br />
ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem<br />
em sobrecarregar o empregado de larefas imitéis, sonegar-<br />
llie informacóes efingir que nao o vé. resultam em assédio<br />
moral, cujo efe ¡lo é o direito á indenizacao por daño moral,<br />
porque ultrapassa o ámbito profissional, eis que minam a<br />
saúde física e mental da vltima e corroí a sua auto-estima.<br />
No caso dos autos, o assédio foi alé ni. porque a empresa<br />
transformou o contrato de atividade em contrato de inacao.<br />
quebrando o caráler sinalagmático do contrato de trabalho,<br />
e por conseqiióncia, descumprindo a sua principal<br />
obrigacSo que é a dejbrnecer Irabalho.fonte de dignidade<br />
doempregado(TRT-17'Regido- RO 13<strong>15</strong>.2000.00.17.00.1<br />
- Ac. 2276/2001 - Reí. Juiza Sania das Dores Dionizio - 20/<br />
08/02. na <strong>Revista</strong> LTr 66- 10/1237).<br />
Contudo, outrora, em exame análogo. Marco Aurelio Mendes de Parias<br />
REVISTA JURÍDICA IN VI-RUIS n. <strong>15</strong>- UI'RN
CIILN Ll WLN<br />
Mello, Ministro do Supremo Tribunal Federal, quando á época era Min. do TST, já<br />
havia se posicionado da seguinte maneira:<br />
A violencia ocorre minuto a minino, enquanto o empregu-<br />
dor, violando nao so o quefoi contralado, mas, também, o<br />
disposto no § 2°, do art. 461 consolidado - preceito<br />
imperativo - colocase na insustenlável posicao de exigir<br />
trabalho de maior valia, considerando o enquadramento<br />
do empregado. e observa contraprestacao inferior, o que<br />
conflita com a natureza onerosa, sinalagmática e<br />
comutaliva do contrato de Irabalho e com os principios de<br />
protecao, da realidade, da razoabilidade e da boa-fé,<br />
norteadores do Direilo do Trabalho. Conscientizem-se os<br />
empregadores de que a busca do lucro nao se sobrepoe.<br />
jurídicamente, á dignidade do trabalhador como pessoa<br />
humana e partícipe da obra que encerra o empreendimenlo<br />
económico (Tribunal Superior do Trabalho, l"T.,Ac. 3.879,<br />
RR 7.642/86,09/11/1987, Reí: Min. Marco Aurelio Mendes<br />
de Farias Mello).<br />
Naturalmente, a materia fomenta repercussSes, de tal modo que, ao lado<br />
do inédito posicionamento jurisprudencial do último ano, tem-se verificado intensas<br />
producoes legislativas visando coibir a prática do assédio moral, quer na área<br />
trabalhista, quer na área criminal, mas principalmente no ámbito administrativo,<br />
isto é, no funcionalismo público municipal que tem tido avancos significativos.<br />
<strong>In</strong>clusive, em Natal, foi aprovada a Lei n° 189, de 03/02/2002, que dispóe sobre<br />
aplicacao de penalidades á prática de assédio moral ñas dependencias da<br />
administracao pública municipal direta, ¡ndireta, autárquica e fundacional, por<br />
servidores públicos municipais nomeados para cargos de confianca.<br />
3. Conelusilo<br />
O assédio moral no trabalho é um risco invisívcl, porém real e concreta<br />
mente realizável, que atinge um número significativo de trabalhadores, provocando<br />
nestes conseqüéncias maléficas a suas saúdes física e psíquica, além de ofender-<br />
Ihes a dignidade e a personalidade. Podendo, aínda, estender a prejuízos sociais e<br />
financeiros, á medida que afetar as relacOes domésticas e reduzir a produtividadc<br />
no labor.<br />
56 REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
O DAÑO CAUSADO I'OR ASSHDIO MOKAI NO ÁMHITO IX) TRAliAl.l IO<br />
Tal fenómeno tem, ainda, sido intensificado e banalizado pelo contexto<br />
moderno do trabalho, ou seja, exigencias de quaüficacao e competitividade do<br />
trabalhador, busca incessante pelos melhores resultados n3o contribuem para<br />
minimizar o mal.<br />
Hodiernamente, o daño causado pelo assedio moral numa relacüo de<br />
trabalho pode ser compensado, visto que a legislaciío nacional vigente dá respaldos<br />
ao Poder Judiciário para que possa apreciar a materia e deferir a indenizacao a que<br />
faz jus o empregado que sofreu com a conduta abusiva, repetida e sistemática do<br />
seu empregador.<br />
Deste modo, o presente artigo espera incitar o desenvolvimento de<br />
estudos vindouros acerca dos problemas advindos desse "psicoterror", de suas<br />
implicacOes jurídicas e das prevencóes para os mesmos, visando o resguardo do<br />
direito dos trabalhadores ao bem-estar no ambiente laboral.<br />
4. Rcfcmicins bibliográficas<br />
Assédio moral no trabalho: chega de humilhacüo! <strong>In</strong>. Assédio Moral no Trabalho:<br />
http://www.assediomoral.org., 07 de abril de 2002.<br />
BELMONTE, Alexandre Agrá. Danos moráis no direito do trabalho: identificacao.<br />
tutela e reparac3o dos danos moráis trabalhistas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.<br />
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. S3o Paulo:<br />
Malheiros Editores, 2002<br />
GOMES, Luiz Flávio. Assédio moral: doenca proflssional que pode levar á ¡ncapa-<br />
cidade permanente e até á morte. <strong>In</strong>. Jusnavegandi: http://vvww.jus.com.br/doutrina,<br />
13deoutubrode2002.<br />
H1RIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violencia perversa no cotidiano. Rio<br />
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.<br />
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.<br />
. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral.<br />
LOBREGAT, Marcus Vinícius. Daño moral ñas relacSes individuáis do trabalho.<br />
Sao Paulo: LTr. 2001.<br />
RHVISTA JURÍDICA IN VHRBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 57
CHIiN Ll Wl-N<br />
NASCIMENTO, Amauri Mascare. <strong>In</strong>iciado ao direito do trabalho. Sao Paulo: LTr,<br />
2002.<br />
REZENDE, Deisc Neves Botelho. Assédio moral: n
I. <strong>In</strong>trodujo<br />
A ADOCÁO DA ACÁO AFIRMATIVA PELOORDENAMENTO<br />
JURÍDICO BRASILEIRO<br />
Amanda BarcellosCavalcantc<br />
Académica do 9o periodo do Curso de Direito - UFRN<br />
Confundindo-se na"o raramente com a idéia de just¡9a, em virtude de<br />
estar intrínsecamente ligado a este valor, porquanto se pode introduzira ¡niqüidade<br />
numa determinada sociedade a partir nao só da inobservancia das leis, como também<br />
por meio da alteracao das relacSes por ele reguladas, tem-se o principio da igualdade<br />
como um dos reclamos fundamentáis do homem moderno, em que se inspiraran!<br />
¡números filósofos e políticos desde o aclarar dos tempos.<br />
A despeitodetaisesforcos intelectuais, o principio da ¡gualdade jurídica<br />
remanesce como urna das temáticas de maior complexidade na ciencia jurídica,<br />
apresentando dificuldades desde a sua conceituacao e amplitude até um dos<br />
aspectos mais intrigantes para os estudiosos contemporáneos, qual seja, a sua<br />
plena ¡mplementacüo. Tal acontece em virtude da inadequacáo dos dispositivos<br />
insculpidos nos documentos internacionais e no próprio Texto Magno de 1988<br />
que proclamam a ¡gualdade de todos perantc a lei, e a realidade que abriga urna<br />
sociedade preconceituosa. ainda que voladamente, a qual nega a total fruicüo dos<br />
direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturáis por parte de determinados<br />
grupos sociais, /.ciando assim por unía cidadania delicia, que afronta as bases de<br />
urna democracia social.<br />
Esta, na l¡ca"o de Norberto Bobbio, define-se como sendo "urna sociedade<br />
regulada de tal modo que os individuos que a compOem sflo mais livres e iguais do<br />
que em qualquer outra forma de convivencia" (1997, p.08), definicío esta que p5e<br />
em evidencia os valores em que se fundamenta a democracia: a liberdade e a<br />
igualdade.<br />
Engana-se quem poderia supor ser a liberdade valor superior á ¡gualdade.<br />
Conforme destaca Renata Malta Vilas-Bóas, o amor que o homem dedica a<br />
¡gualdade é maior que aquele destinado á liberdade, posto que seria menos sofrivel<br />
privar um povo de sua I ¡berdade, do que de um tratamento equánime (2003, p.O I).<br />
Um homem submetido á escravidSo, resigna-se a esta condicao, na medida em que<br />
lodos os scus semelhantes também s3o escravos. Por outro lado, a existencia de<br />
grupos sociais excluidos e marginal izados e urna minoría detentora de vantagens e<br />
privilegios geram inconformismo, prejudicando a harmonía e a paz social.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 59
AMANDA UARCELLOS CAVALCANTl:<br />
A importancia do principio ora ventilado reside na sua condicüo de<br />
permear todo o ordenamento jurídico brasileiro, servindo de guia para a escorreila<br />
interpretado de suas normas, erigindo-se como valor supremo, o qual somente se<br />
submele ao principio da dignidade da pessoa humana, do qual é instrumento para<br />
a sua concretizacao.<br />
A salvaguarda do principio da igualdade, como se depreende da análise<br />
do panorama social atual, n3o depende táo somente da igualdade formal (isonomia)<br />
assegurada nos diplomas legáis, advogando-se atualmente por urna igualdade<br />
material (de condicSes socioeconómicas), ou melhor, pela ¡gualdade de<br />
oportunidades, de pontos de partida.<br />
Nesse contexto, visando precipuamente implementar o principio da ¡gual<br />
dade no seio social, surgem as acóes afirmativas (traducSo literal da expressiio<br />
inglesa affirmutive action), também denominadas aefles positivas ou discriminacoes<br />
positivas, as quais se consubstanciam como mecanismos de inclusa o social de<br />
grupos históricamente marginal izados, por meio de desequiparac.aes e tratamentos<br />
jurídicos diferenciados. A desigualdade criada por tal instrumento torna-se hábil<br />
para alcanc.ar a igualdade, na medida em que corrige urna desigualdade anterior,<br />
oriunda do passado histórico ou de concepcSes previas arraigadas no imaginario<br />
coletivo, e entilo, parafraseando Norberto Bobbio, a nova ¡gualdade resultará da<br />
equiparaejio de duas desigualdades (1997, p.32).<br />
O presente traba I ho. visando contribuir para a compreensáo do novo<br />
conteúdo do principio da igualdade, o qual é delineado pela aplicado das acoes<br />
afirmativas, estudará o referido instituto jurídico, apontando suas origens históricas,<br />
definicao, objetivos, dentre outros aspectos, com o escopo de investigar.a<br />
adequacüo de tais medidas ao ordenamento jurídico nacional. Tal intento nao será<br />
atingido com sucesso sem a necessária abordagem da evolucao do principio<br />
susomencionado e dos criterios utilizados para determinar se urna dada<br />
desequiparacao adversa ou n3o esse importante valor adotado pelo constituinte<br />
brasileiro.<br />
2. A evoluc.3o histórica do principio da igualdade<br />
Voltando-se a atencSo para a evolucao histórica do principio da<br />
¡gualdade, constata-se a feic3o dinámica ¡nerente ao mesmo, encontrando-se o<br />
referido valor em constante construyo, afastando qualquer conceptuó que Ihe<br />
atribua feic.ao absoluta e estática, pois aínda que a regra seja a igualdade, sempre<br />
existirSo excec.5es para confinnar aquela. as quais senlo admissiveis des que<br />
60 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
justificadas<br />
A AIXX.ÁO DA Ai, ÁO AFIRMAII VA l'lil.O OKDI NAMIINTO JURÍDICO BRASILERO<br />
independenlemente da fase histórica vivenciada pelo principio em tela,<br />
¡naceitável associá-lo a urna tentativa de neutral¡zacao da diversidade naturalmente<br />
encontrada na sociedade, gerando. por conseguinte, unía homogeneidade artificial<br />
entre os diferentes grupos sociais. Ao revés, o principio da igualdade reconhece a<br />
existencia de desigualdades perceptiveis entre os homens, de condic5es<br />
económicas, de compleicao tísica, de género, entre outras, embora as especificidades<br />
existentes entre os individuos nem sempre tenham sido levadas em considerac^o<br />
para o pleno exercício dos direitos fundamentáis. Sua mutacao liga-se principalmente<br />
á seguinte questáo: ¡gualdade em qué? Nos direitos? Ñas chances conferidas aos<br />
homens para satisfazer suas necessidades? A solucüo para essa indagacao é<br />
determinante para a maior ou menor amplitude do principio da ¡gualdade.<br />
A transformacao do valor estudado em principio jurídico ocorreu a<br />
partir das Declarares de Direitos do século XVIII, decorrentes das experiencias<br />
revolucionarias dos norte-americanos e dos franceses, que se basearam nos ideáis<br />
iluministas e jusnaturalistas vigentes á época.<br />
O ideal de ¡gualdade despontou na Declaracüo de Direitos da Virginia,<br />
de I2dcjunhode 1776, cujo arl. I "aflrmava que todos os homens, em razao de sua<br />
natureza, süo igualmente livres e independentes, possuindo certos direitos ¡natos.<br />
Nesse sentido, a Declaracáo de <strong>In</strong>dependencia dos Estados Unidos da América,<br />
que data do mesmo ano, declarou que todos os homens sao criaturas iguais.<br />
Entretanto, o principio da ¡gualdade disseminou-se com maior<br />
publicidade como norma de primeira grandeza a partir de sua expressa previsao na<br />
Declaracao dos Direitos do Homem e do Cidadao, de 26 de agosto de 1789, a qual<br />
adotou a concepcao de igualdade perante a lei (isonomia), ao formular em seu art.<br />
Io: "os homens nascem e sao livres e iguais em direitos. As distin^Ses sociais so<br />
podem fundamentar-se na utilidade comum".<br />
O conteúdo do principio da ¡gualdade almejado pelos revolucionarios<br />
franceses encontrou limitacoes tratadas pelo próprio contexto social, caracterizado<br />
pela presenta de classes estratificadas, sendo conferidos privilegios e vantagens<br />
aos monarquistas e á aristocracia, em virtude de sua linhagem e posic3o social.<br />
Destarte, o ocaso dos privilegios do Antigo Regime significou a ascensáo do<br />
principio isonómico na sociedade francesa, aplicando-se o mesmo tratamento<br />
jurídico para todos os homens, cuja ascensao social seria determinada únicamente<br />
pelo mérito e talento, e nao mais por criterios oriundos de vantagens previamente<br />
flxadas.<br />
A igualdade material e absoluta entre os individuos nao figurou como<br />
REVISTA JURÍDICA IN V1-KUIS n. <strong>15</strong> UI-KN 6I
AMANDA BARCELLOS CAVAI.CANTI;<br />
um dos objetivos da Revoluto Francesa, como demonstra o dispositivo citado,<br />
que autoriza diferenciacóes com fulcro na utilidade comum. Contudo, remonta a<br />
esse período o duplo objetivo do principio da isonomia apontado pela doutrina<br />
brasileira, em especial por Celso Antonio Bandeira de Mello, qual seja, propiciar<br />
garantía individual contra perseguicSesetolher favoritismos (1998, p.23).<br />
Confirmando a notoriedade alcan9ada pelo principio da ¡gualdade<br />
perante a lei, tem-se a sua adocao pelos textos constitucionais de diversos países,<br />
até que por volta da metade do século XIX, exija-se a sua reformulacao, porquanto<br />
o progresso material da humanidade, proporcionado pelos modelos de Estado<br />
abstencionista e liberal da economía, n3o foí acompanhado por urna justa<br />
distribuicao das riquezas e bem-estar da coletividade.<br />
A conseqüente crise social, evidenciada principalmente pelo movimento<br />
operario em prol de melhores condicSes de trabalho e de vida, culminou na procla-<br />
ma?ao dos direitos económicos e socíais, presentes pioneíramente na Constituicao<br />
Mexicana de 1917 e na Constituicao de Wcimar de 1919.<br />
Substitui-se o liberalismo clássico pelo intervencionismo estatal, rccla-<br />
mando-se do Poder Público a tarefa de reduzir as desigualdades sociais, através da<br />
atuacao direta no setor económico, promovendo-se a justica social.<br />
A necessidade de inclus3o dos grupos socialmente vulneráveis impul-<br />
síonou a elaborac3o do principio da ¡gualdade substancial ou material, em desfavor<br />
da estática e ultrapassada concepc3o da ¡gualdade formal. Embora prevista<br />
legalmente, n3o fora capaz de assegurar ¡guais oportunidades mínimas de existencia<br />
digna e exercício da cidadania, tornando-se a mera proibicao da discriminacao<br />
insuficiente para a efetividade do principio da ¡gualdade jurídica. Requer-se para a<br />
sua observancia no plano fático, a combinacao da vedacáo da discriminacao com<br />
políticas compensatorias que acelerem o processo de igualdade, destacando-se<br />
como medida eficaz a adoc3o da acao afirmativa, que delineia novo conteúdo ao<br />
principio discutido, correlacionando-o ao respeito á diferenca e á diversidade<br />
(Piovesan e outros, 1999, p.86).<br />
3. Requisitos para a admissibilidade de desequiparac5es legáis<br />
Configuram-se as ac5es afirmativas como políticas que visam promover<br />
a inserc3o de grupos socialmente fragilizados nos espacos sociais, através da<br />
aplicac3o de tratamento jurídico diferenciado, que confere beneficios<br />
exclusivamente aos membros desses grupos, visando á obtenc3o de igualdade de<br />
oportunidades.<br />
62 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
A AIXH.AO DA ACÁO Al IRMAI IVA I'I.I.O OKDINAMI NTO JURÍDICO DRASlUilRO<br />
Conseqüentcmcntc, a legitimidade de determinada acilo afirmativa fun-<br />
dar-se-á no estabelecimento de urna diferenciado que nüo ofenda o principio da<br />
igualdadc sendo imprescindível a observancia cumulativa de certos requisitos<br />
para a prescrvac3o do preceito isonómico.<br />
Consoante os ensinamentos de Celso Antonio Bandeira de Mello, o<br />
primeiro aspecto a ser levado em cons¡derac3o é a escolha do elemento adotado<br />
como criterio de desigualado. Poder-se-ia supor. em razao de alguns dispositivos<br />
da Constituicao Federal de 1988, que determinados elementos s3o inidóneos para<br />
servirem como fator de discrimen, violando-se o principio da ¡gualdade quando os<br />
individuos s3o desequiparados em razüo da raca, sexo, cor, idade ou crenca religiosa.<br />
No entanto, qualquer elemento residente ñas pessoas, coisas ou situacóes pode<br />
ser erigido como fator discriminatorio, n3o se infringindo o principio ¡sonómico<br />
quando existe pertinencia lógica entre o discrimen e o conseqUente tratamento<br />
jurídico especial, ou seja, nos casos de desequiparacSes justificadas.<br />
Esses elementos foram elencados pela Carta Magna de 1988, devido á<br />
maior probabilidade, face á conjuntura histórica atual, dos mesmos ensejarem a<br />
criac.30 de desequiparaefles arbitrarias, fortuitas ou injustificadas, sem embargo<br />
de preceitos como o art. 3o, IV, do referido diploma legal, albergarem os demais<br />
fatores, tais como a renda ou a origem familiar (1998, p. 18).<br />
Apcsar da livre escolha do criterio diferencial n3o implicar no<br />
desrespeito ao preceito ¡sonómico, obsta-se a adocao de elemento de elevado<br />
grau de especi fie idade que alcance um único sujeito, determinado ou determinável,<br />
no presente e definitivamente. Por outro lado, n3o se condena o regime especial<br />
que incide sobre um só individuo ou categoría de pessoas, caso se dirija a sujeito<br />
indeterminado ou indeterminável no presente, possibilitando-se a sua aplicacao<br />
futura sobre outros destinatarios.<br />
Releva destacar a inadmissibilidade do tempo ser considerado um fator<br />
de diferenciacao idóneo entre os individuos, em virtude de sua neutralidade, pois<br />
corre igualmente para as pessoas. sendo necessariamente idéntico para todos os<br />
homens. Só pode ser diferencado aquilo que é desigual. Reversamente, permite-se<br />
a adoc3o, como criterio discriminador, dos fatos e acontecimentos que nele<br />
transcorreram e por ele se delimitam (1998, p.32).<br />
Para a preservac3o do preceito constitucional da isonomia, é mister a<br />
existencia de adequaeño racional entre o fator diferencial e a disparidade de<br />
tratamentos jurídicos dispensados, isto é, veda-se a discriminacáo gratuita ou<br />
fortuita.<br />
A título elucidativo, tomem-se alguns exemplos colacionados por Celso<br />
IU-VISTA JURÍDICA IN VL-RRIS n. <strong>15</strong> - UI'RN 63
AMANDA llAKChLLUS CAVAU'ANTI:<br />
Antonio Bandcira de Mello para demonstrar que a ausencia dessa conexüo lógica<br />
autoriza os nüo-abrangidos pelo regime jurídico especial a alegarem a transgressSo<br />
do principio da igualdadc jurídica.<br />
Ocorreria ofensa ao aludido principio na hipótese de leí que vedasse ás<br />
pessoas de determinada raca (branca ou negra, por exemplo) o acesso aos<br />
espetáculos musicais, facultando-o a todos os individuos de outra raca, porquanto<br />
urnas e outras pessoas sao irrefutavelmente desiguais quanto á raca ou quanto á<br />
cor.<br />
Diversamente, n3o haveria censura á conduta de um centro de pesquisas<br />
esportivas que, mediante selecto pública, realizasse testes para investigar se o<br />
biotipo da raca negra (ou da raca branca) exerce influencias na performance atlética<br />
conforme a modalidade de esporte, negando-se assim a participado de candidatos<br />
alheios á raía pesquisada, pois nüo se trata ai de urna norma ou comportamento<br />
baseados numa desequiparac3o injustificada (1993, p.80-81).<br />
Cumpre registrar o caráter nüo absoluto da correlacSo lógica até emito<br />
discutida, a qual se encontra imbuida pelas concepcóes e fatores culturáis da<br />
época, submetendo-se, portanto, ao que ditam o tempo e o espaco.<br />
Por derradeiro, exige-se ainda, ¡n concreto, que a justificativa lógica do<br />
tratamento desigual se coadune com os ¡nteresses constitucionalmente protegidos<br />
ou padróes ético-sociais difundidos neste ordenamento. Se a desequiparacSo n3o<br />
for fundada numa razáo valiosa para o bem público, forzoso concluir por sua<br />
¡ncompatibil idade com o principio da igualdade (1998. p.42).<br />
Diante do exposto, figura-se incorreto o comportamento daqueles que<br />
advogam contrariamente ao emprego das acSes afirmativas, fundados na idéia de<br />
que qualquer desequiparacáo, por si só, ensejaria numa grave violac.30 ao preceito<br />
constitucional isonómico, olv¡dando-se que é próprio do legislador desigualar<br />
situacSes, concedendo tratamentos distintos aos individuos, embora sejam<br />
igualados quanto ao fato de serem pessoas (1993, p.79).<br />
4. Orígem da acáo afirmativa e a experiencia norte-americana<br />
<strong>In</strong>serido no sistema da CoinnionLaw, cujo traco diferenciador reside no<br />
poder atribuido aos juízes de criar o direito a partir de decisdes judiciais ou diplomas<br />
legáis, os Estados Unidos da América, através dos esforcos dos Ministros da<br />
Suprema Corte norte-americana, exibem ao mundo a face construtora do principio<br />
da igualdade jurídica, constantemente formulado a partir dos pronunciamentos<br />
judiciais sobre a constitucionalidade ou nüo dos programas de acoes afirmativas<br />
64 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
A AIXX.ÁO DA A^'ÁO AFIRMATIVA f'LLO ORDUNAMIN IO JURÍDICO BRASILLIKO<br />
empregados nos Estados dessa Federacao.<br />
Tal declaracáo de constitucionalidade deriva da observancia da deno<br />
minada equal protcclion clause, que corresponde ao principio da igualdadc<br />
ventilado pela Décima Quarta Emenda Constitucional, ratificada em 1868, cuja<br />
parte final do primeiro artigo preceitua que"nenhum Estado poderá negara qualqucr<br />
pessoasobsuajur¡sd¡c3oa igual protecaodas leis" (Menezes, 2001, p.60).<br />
O cunho marcadamente político das decisñes da Suprema Corte nessa<br />
materia, ocasionado pela existencia de um compromisso velado entre a atuac3o de<br />
seus Ministros e o plano de govemo do chefe-maior do Poder Executivo, a quem<br />
cabe a composicüo da referida Corte, explica o posicionamento comedido dos<br />
juízcs, cuja feicüo de vanguarda caracterizou-se por concessSes feitas quanto ao<br />
uso de classificacdes discriminatorias, simultáneamente ao reconhecimento da<br />
violacáo da referida cláusula para os nao-beneficiados por determinada política de<br />
¡nclusüo social.<br />
Esse grau de relativo conservadurismo evidencia-se pela recórreme<br />
aceitacüo da constitucionalidade dos programas de acáo afirmativa que<br />
representavam meramente urna compensado por discriminacoes passadas, sendo<br />
legítimo seu emprego, desde que conferissem o mínimo de direitos possível e<br />
somente para as pessoas efetivamente discriminadas (op. cit., p. 141).<br />
A maior amplitude das referidas políticas, em razáo de terem sido criadas<br />
para promover a diversidade social ou neutralizar discriminares estruturais, ou<br />
seja, n3o baseadas num comportamento deliberadamente discriminatorio contra<br />
certo individuo, mas s¡m determinadas porpadroes incutidos no imaginario coletivo<br />
e injusticas prat¡cadas durante séculos, obsta a sua aceitacao incontinenti, a qual<br />
fica submetida ao exame do fator de discrimen por elas adotado.<br />
Caso tais fatores estejam atrelados a raca, etnia ou direitos<br />
constitucionais fundamentáis, tem-se o que a Suprema Corte designa de<br />
classificacao suspeita, a qual quando reconhecida, redunda no padrSo de julgamento<br />
conhecido por exame judicial rigoroso, cuja aplicac3o inicial quase sempre implicava<br />
na declarado de inconstitucionaiidade da norma que trazia em seu bojo os<br />
mencionados elementos discriminatorios, afastando-se tal condenado apenas<br />
quando comprovadamente existisse íntimo vínculo entre a ac3o questionada e um<br />
interesse estatal cogente, como por exemplo, a saúde ou seguranca pública (op.<br />
c//.,p.62).<br />
Assumindo fei?5es residuais, porquanto se aplica aos demais fatores<br />
n3o abarcados pelo criterio de classificacao suspeita, tem-se o padrüo de julgamento<br />
denominado exame mínimo, no qual é despicienda uina perfeita conexao lógica<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 65
AMANDA BARCELLOS CAVALCANTE<br />
entre o discrimen e os objetivos colimados pela leí, existindo mesmo uma presuncáo<br />
em favor da constitucionalidade desta, cabendo o ónus da prova concernente á<br />
violacao do preceito isonómicoaquemalega(op. c/7.,p.63). Excetuam-se as normas<br />
legáis que tomam como elemento de diferenciac3o o sexo dos individuos, bem<br />
como os processos que versam sobre illegitimacy, aos quais incide o nivel<br />
intermediario de exame judicial, que investigará a presenca de interesses relevantes<br />
na regulamentacüo questionada, tais como aqueles determinados pela conveniencia<br />
administrativa (Menczes, 2001, p.65).<br />
Como reflexo do preconceito existente na sociedade norte-americana,<br />
desenvolveu-se no transcorrer do período entre 1896e 1954adoutrina intitulada<br />
separuic bul equal (separados mas iguais), segundo a qual seria permitida a<br />
segregaeflo racial na prestac3o de servicos ou como criterio genérico de tratamento,<br />
"desde que os aludidos tratamentos ou servicos fossem ofertados, dentro de um<br />
inesmi) padrflo. puní todas ¡is rucas" (/>. al., p.7'1).<br />
Apenas em 1954, ao proferir decis3o sobre o caso Brown v. Board of<br />
Edncalion qfTopcka, a Suprema Corte dos Estados Unidos procedeu á revisita da<br />
referida douiriiui, cm proiuinciamenio hislórico de extrema relevancia para o amu-<br />
durecimento do dircito constitucional norte-americano em direcüo ao pleno exercício<br />
dos dircitos fundamentáis. No caso avencado, foram julgados simultáneamente<br />
quatro processos distintos, cujos autores requeriam o acesso á determinada<br />
¡nstituica*o de ensino público, através do afastamento da segregado racial imposta<br />
aos negros pelas leis locáis, em virtude da observancia da equalprotection clause.<br />
Por unanimidade, censurou-se a segregado racial existente no campo educacional,<br />
visto que obstaculizava a ¡gualdade de oportunidades entre os cidadaos,<br />
desdobrando-se tal entendimento para os demais setores, proibindo-se, por<br />
conseguinte, as segregacOes raciais em parques, praias públicas, ónibus, auditorios<br />
municipais e restaurantes de aeroportos (op. cil., p.85).<br />
A sentenca proferida no caso Brown contribuiu para maximizar a tensflo<br />
social provocada pela insatisfacao de grupos sociais vitimados pelos efeitos<br />
maléficos do racismo presente na sociedade norte-americana, sendo insuficiente a<br />
atuacSo da Suprema Corte no sentido de mitigar a conflituosidade decorrente<br />
desta conjuntura. Com o objetivo de solucionar o problema através da uniiio de<br />
esforcos entre as varias esferas do Poder Estatal, o Presidente John F. Kennedy,<br />
em 1961, expediu a Executive Order n° 10.925, criando um órg3o competente para<br />
fiscalizar e reprimir a discriminacao presente no ámbito das relacSes de emprego,<br />
bem como visando assegurar a igualdade de oportunidades ñas relacSes travadas<br />
entre o governo federal e os seus contratantes. Embora com conotacóes limitadas.<br />
K>6 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UI-RN
A AIX)CÁC> DA ACÁO AFIRMATIVA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO<br />
empregou-se pionciramente num texto oficial a expressüo "a?üo afirmativa".<br />
Em 1965, sob o governo do Presidente Lyndon B. Johnson. editou-se a<br />
Execuiivc OrJer n° 11.246, obrigando-se os contratantes com o governo federal a<br />
se abstcr de cometer práticas discriminatorias, promovendo paralelamente a<br />
aplicacáo de medidas efetivas em prol de minorías étnicas e raciais. Sua importancia<br />
residiu no fato de adotar urna concepto aproximada do que se considera<br />
hodiernamente acQo afirmativa, seguindo-se á sua ediciio varios programas<br />
mitigadores das desigualdades sociais, que empregavam condutas positivas para<br />
a correeño de disenminaefies.<br />
A fim de extirpar a discriminacao e o preconceito do plano legislativo,<br />
¡numeras leis foram editadas, sendo decorréncia desse processo o aumento do<br />
número de demandas relativas as aeñes afirmativas. A partir de entáo. novas<br />
doutrinas foram elaboradas, empregando-se novos criterios para o exame da<br />
constitucionalidade do instituto jurídico em tela. Nesse sentido, releva destacar a<br />
presenfa, no meio judicial, da teoria do impacto adverso ou diferenciado, da qual<br />
resultou a l¡93o de que seria legítimo o estabelecimento de a96es positivas, quando<br />
fundadas em desequilibrios comprovados estatisticamente. Ademáis, firmou-se<br />
no seio da Suprema Corte norte-americana o entendimento de que seria possível<br />
sustentar a constitucionalidade de a95es afirmativas que utilizassem como criterio<br />
de discrimen fatores como a ra9a ou etnia, contanto que ele n3o consista no único<br />
criterio para a selecüo, nao importando ainda no estabelecimento de quotas rígidas<br />
e ¡nflexíveis (Menezes, 2001, p. 103).<br />
Paradoxalmente, observando-se as recentes decis5es da Suprema Corte<br />
dos Estados Unidos, assiste-se a um retrocesso quanto á implementa92o do<br />
principio da igualdade por meio das acóes afirmativas, ocasionado pela excessiva<br />
exploracáo política da temática, abrindo-se espa9o para convic9Óes preconceituosas<br />
em detrimento dos direitos de grupos desfavorecidos. Surgem incertezas quanto<br />
ao estabelecimento de urna sociedade justa e fraterna, porquanto se confere<br />
paulatinamente as agdes afirmativas o cunho meramente compensatorio,<br />
penalizando-se somente os responsáveis efetivamente por atos discriminatorios,<br />
sendo ressarcidas únicamente as vítimas rcais, individualmente consideradas (op.<br />
c/7.,p.l4l-142).<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UI'RN 67
AMANDA UAKCI-I.I.OS CAVAI.CANTI:<br />
5. Conceito de acáo afirmativa eseus principáis desdobramentos<br />
A abrangéncia da expressáo "acüo afirmativa" e as diversas conotac,5es<br />
assumidas por ela desde a sua previsiSo cm texto oficial tornam dificultosa a<br />
definicao do instituto jurídico ora comentado, sendo imprescindível recorrer aos<br />
ensinamentos dos estudiosos no assunto.<br />
acoes afirmativas o<br />
Consoante definicao de Joaquim B. Barbosa Gomes, consideram-se<br />
conjunto de políticas públicas e privadas de caráter<br />
compulsorio, facultativo ou voluntario, concebidas<br />
coi» vistas ao combate a discrimine/cao racial, de<br />
género, por deficiencia física e de origem nacional,<br />
bem como para corrigir ou mitigar os efeitos<br />
presentes da discriminaciio praticudu no pausado,<br />
tendo por objetivo a concretizaqao do ideal de<br />
efeliva igualdade de acesso a bens fundamentáis<br />
como a L'ducacilo c o empreño (2001, p. 135).<br />
Ressaltando o caráter inclusivo das referidas medidas, Flávia Piovcsan,<br />
Luciana Piovesan c Priscila Kei Sato enunciam ainda que<br />
estas acoes constituem medidas especiáis e<br />
temporarias que, buscando remediar um passado<br />
discriminatorio, objetivam acelerar o processo de<br />
igualdade, com o alcance da igualdade substantiva<br />
por parte de grupos vulneráveis, como as minorías<br />
étnicas e racíaís, as mulheres, dentre outros grupos<br />
(1999,p.86).<br />
Corroborando com esse entendimento, tem-se a definicao esposada<br />
por Paulo Lucena de Menezes, o qual designa como ac3o afirmativa<br />
o conjunto de estrategias, iniciativas ou políticas<br />
que visam favorecer grupos ou segmentos sociaís<br />
que se encontram em piores condiqoes de<br />
compelicao em qualquer sociedade em razao, na<br />
maior parle das vezes, da prática de discriminacoes<br />
negativas, sejam elas presentes ou passadas (2001,<br />
p.27).<br />
68 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
A ADÍX.ÁO DA AQÁO AFIRMATIVA I'IXO ORDENAMIENTO JURÍDICO 11RASILFIRO<br />
Impende destacar a óptica temporal das acóes afirmativas, as quais<br />
podem ser apreciadas como o terceiro estágio na evolucáo do principio da<br />
igualdade, o qual transitou da concepcüo de isonomia (¡gualdade perante a lei)<br />
para a criminalizaca'o do racismo e demais práticas discriminatorias, culminando no<br />
atual conceito moldado a partir da adocüo dessas discriminacóes positivas.<br />
Afora o fim primordial de concretizar o principio da igualdade de opor<br />
tunidades no plano fático, objetiva-se com o emprego das acdes positivas provocar<br />
mudan?as de ordem cultural, pedagógica e psicológica, que redundarüo na extincüo<br />
de preconceitos presentes no ánimo da coletividade. Outrossim, visam coibir n3o<br />
somente d¡scriminac5es subjetivas, mas também estruturais, que advém de com-<br />
portamentos passados arraigados no seio da sociedade. Ademáis, consubstancia<br />
se num hábil instrumento para alcancar a diversidade social e cultural, promovendo<br />
urna maior representatividade, no sentido de exercício da cidadania participativa,<br />
de grupos anteriormente vulneráveis. Em virtude de propiciar um maior acesso ao<br />
processo educacional e ao trabalho a determinados segmentos da sociedade,<br />
busca-se também com as acOes afirmativas promover o desenvolvimento económico<br />
do país, o qual poderá competir em condicOes de igualdade na órbita internacional.<br />
Por derradeiro, as discriminacSes positivas tém em mira criar personalidades<br />
emblemáticas, isto é, pessoas anteriormente fragilizadas e que ascenderam<br />
socialmente, servindo no presente como modelos para as geracOes mais jovens,<br />
demonstrando a inexistencia de obstáculos ¡ntransponíveis para a realizacao de<br />
seus projetos de vida (Gomes. 2001, p. 136-137).<br />
Faz-se necessário esclarecer alguns equívocos comumente associados<br />
á noc3o de ac5es afirmativas. Tais medidas ná"o consistem em remedios judiciais,<br />
como supOe Fábio Konder Comparato (1993, p.77), provavelmente em razao de<br />
serem objeto de ¡números processos judiciais, como ocorre nos Estados Unidos<br />
da América. Também, incidindo o mesmo autor em novo engaño, nao se deve<br />
afirmar que as referidas acSes correspondem a um direito de minorías, urna vez que<br />
os grupos beneficiados pela ac3o afirmativa, embora n3o ocupem urna posi?ao<br />
dominante na sociedade, muitas vezes representam quantitativamente urna maioria<br />
(tome-se como exemplo o caso das mulheres na sociedade brasileira).<br />
Devido ao escasso conhecimento sobre as acoes afirmativas, justificável<br />
pela incipiente doutrina brasileira na materia em questáo. costuma-se confundir<br />
esse instrumento com o sistema de quotas, o qual é identificado com o<br />
estabelecimcnto de um número fixo ou porcentual de vagas em determinados<br />
setores, em favor dos integrantes de grupos alijados da sociedade brasileira. Limita<br />
se assim sua amplitude, que abarca diversas estrategias e práticas. tais como<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 69
AMANDA BARCULLOS CAVALCANTlí<br />
ofertas de treinamentos específicos ou revisüo de políticas de promocüo de<br />
empregados.<br />
A utilizacño do sistema de quotas, como salienta Joaquim B. Barbosa<br />
Gomes, deve ser nitidamente marginal, sendo aceitável somente ñas hipóteses em<br />
que serüo levados em consideracao criterios ¡nquestionavelmente objetivos, como,<br />
por exemplo, a reserva de vagas em universidades para os alunos egressos das<br />
escolas públicas (2001. p. 147). Elucidativamente, difícilmente admit¡r-se-ia a adocüo<br />
do fator racial como criterio para facilitar o ingresso ñas universidades públicas,<br />
visto que em razáo de nao existirem di fe rencas biológicas capazes de classificar os<br />
individuos em determinada raca, forcoso seria utilizar-se da autodeclaracao,<br />
mecanismo este que geraria iniquidades, pois o cidadílo brasilciro, conforme<br />
demonstram pesquisas oficiáis, nao sabe a que categoría pertence, tendo já sido<br />
auto-atribuidas 135 cores diferentes (Vilas-Bóas, 2003. p.65).<br />
Com o escopo de coíbir o advento de discriminares reversas, agora<br />
em detrimento das maiorias que perdem espacos, em razao de n3o serem beneficiadas<br />
pelas mencionadas políticas, os programas de acilo afirmativa devem fixar sempre<br />
perecntuais mínimos garantidores da inclusño social de grupos marginalizados,<br />
ficando a maior parcela de lugares em escolas, em empregos e outros, á Hvre<br />
disputa da minoría (Rocha. 1996. p.286).<br />
Consoante afirmado porNorberto Bobbio, toda vida social é considerada<br />
como urna grande competiclo por bens escassos (1997, p.31). Tal realidade constituí<br />
num dos principáis faiores que dificulta a aceitacüo pública das ac5es afirmativas,<br />
pois erróneamente se pensa que aqueles n3o beneficiados por essas políticas,<br />
arcariam com os prejuízos decorrentes de sua adoc3o. Olvida-se que os individuos<br />
nao abarcados pelas ac5es positivas já sao detentores de maiores privilegios e<br />
vantagens que o segmento social beneficiado (Vilas-Bóas, 2003, p.32). Ademáis, a<br />
inclusSo social de grupos históricamente discriminados traz beneficios para toda a<br />
eoletividade, através da manutencSo da harmonía e da paz social, antes ameacadas<br />
por condutas anti-sociais praticadas por pessoas que tiveram negado o pleno<br />
exercício da cídadania e conseqüente fruicao dos direítos fundamentáis, sofrendo<br />
assim a violacáo do principio maior da dignidade da pessoa humana.<br />
6. A acao afirmativa na Constituicao Federal de 1988, na legislando<br />
infraconstitucional e no plano jurídico internacional<br />
Como é cedíco, o legislador constituinte conferiu especial atenc3o ao<br />
principio da igualdade, fato demonstrado pela nova topografía deste, que inicia o<br />
70 REVISTA JURÍDICA IN VERÜIS n. <strong>15</strong>-UIRN
A ADOCÁO DA ACÁO AFIRMATIVA I'KLOOROUNAMLNTO JURÍDICO HRASII.HIRO<br />
articulado sobre os direitos e garantías fundamentáis.<br />
Ultrapassando concepcóes meramente valorativas presentes no<br />
Preámbulo do Texto Magno de 1988, er¡g¡u-se a ¡gualdade como principio<br />
fundamental que permeia todo o ordenamento jurídico brasileiro, impondo-se todas<br />
as conseqüéncias advindas de sua considerac3o como norma, como, por exemplo,<br />
a obrigatoriedade de seu cumprimento. Esta resulta precipuamente da previsáo<br />
constitucional que identifica a igualdade com um dos objetivos fundamentáis da<br />
República Federativa do Brasil, a qual enuncia ser dever do Estado reduzir as<br />
desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, livre de quaisquer<br />
preconceitos e formas de discriminacao (art. 3o, 111 e IV). Ademáis, a obrigatoriedade<br />
do preceito isonómico espraia-se pela Iegislac3o infraconstitucional quando a<br />
Constituido Federal de 1988 criminaliza o racismo e pune quaisquer práticas<br />
discriminatorias atentatorias dos direitos e liberdades fundamentáis, consoante<br />
disposto no art. 5o, XL1I e XLI. respectivamente.<br />
A conjunto dos dispositivos constitucionais que albergam o principio<br />
da igualdade indica a intencao do legislador nacional de conferirá maioramplitude<br />
possível ao referido principio, visto que n3o foi suficiente para assegurar a sua<br />
aplicabilidade a literal previs3o da isonomia no capul do art. 5o, sendo necessário<br />
aditará proibicüo da n3o discriminacao a atuacSo positiva do Estado no sentido de<br />
reduzir as desigualdades sociais (Meló, 1998, p.90-91).<br />
Verifica-se que a Magna Carta de 1988 n3o contempla urna disposicao<br />
que permite cxplicilnmentc a prática rolineira e generalizada da ac.no afirmativa.<br />
Preferiu o legislador constituinle implemcntarde forma pontual e de menor alcance<br />
tal política, adotando as aeñes positivas em setores previamente determinados.<br />
Nesse sentido, tem-se o art. 7o, XX, que advoga pela proteeflo especial da inulhcr<br />
no mercado de trabalho, ou ainda o art. 37, VI11, que reserva percenlual de cargos<br />
e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiencia, n3o se olvidando<br />
tambem do art. 170. IX. que admite tralamento favorecido para as empresas de<br />
pequeño porte constituidas sob as leis nacionais e que tenham sua sede e<br />
administracüo no País.<br />
No ámbito da legislacüo ¡nfraconstitucional, o novo conteúdo do<br />
principio jurídico da igualdade, definido pela adoc3o das acóes afirmativas,<br />
encontra-se, por exemplo, na Lei n° 8.666, de 21.06.1993, cujo art. 24, XX, dispensa<br />
a licitacao na contratac3o de assoc¡ac3o de portadores de deficiencia física, desde<br />
que sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, exigindo-se ainda que o<br />
preco contratado seja compatível com o praticado no mercado.<br />
No mesmo sentido de estabelecer desequiparacóes que visam corrigir<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 71
AMANDA IIAIU'I I.I.OS CAVAICANII<br />
desigualdades fínicas anteriores, tém-se a l.ci n°9.100. de 29.09.1995. e a Leí n"<br />
9.504, de 30.09.1997, que llxaram quotas mínimas de candidatas mulheres para as<br />
eleicSes.<br />
lim ra/.flo da adesfio do Brasil ao sistema internacional de protejo de<br />
direitos humanos, cabe mencionar os diplomas relacionados ao tópico estudado e<br />
que foram ratificados pelo País.<br />
Nessc diapasüo, a Conven?2o <strong>In</strong>ternacional sobre a Eliminacao de todas<br />
as formas de Discriminacáo Racial, adotada pela Organizado das Nacdes Unidas<br />
(ONU) em 21.12.1965. e ratificada pelo Brasil em 27.03.1968, prescreve, no art. I °, §<br />
4o, a possibilidade de discriminado positiva mediante a adocáo de<br />
medidas especiáis lomadas com o único objetivo de<br />
assegurar o progresso adequado de cerlos grupos<br />
rociáis ou étnicos ou de individuos que necessitem<br />
da protecoo que possa ser necessária para<br />
proporcionar a tais grupos ou individuos igual gozo<br />
ou exercício de direitos humanos e liberdades<br />
fundamentáis, contanto que tais medidas nao<br />
conduzam, em conseqiiéncia, á manutencao de<br />
direitos separados para diferentes grupos rociáis e<br />
nao prossigam após lerem sido alcancados os seus<br />
objetivos (Piovesan, 2000, p.380).<br />
Com redacáo semelhante, a Convencüo sobre a Eliminacao de todas as<br />
formas de Discriminacao contra a Mulher, adotada pela ONU em 18.12.1979, e<br />
ratificada pelo Brasil em 01.01.1984, prevé em seu art. 4°o emprego de acSes afirma<br />
tivas para acelerar o processo de igualizacao de status entre homens e mulheres<br />
(op. c//.,<br />
7. Conclusoes<br />
As aeñes afirmativas, consideradas como o mais recente estágio na<br />
evolucao do principio da igualdade jurídica, coadunam-se com os valores que se<br />
encontram sob os auspicios do ordenamento jurídico brasileiro, cujas normas<br />
impelem o Estado a minimizar progressivamente as desigualdades sociais, tarefa<br />
que deve ser cumprida nüo em razio do respeito á moral e afeicüo á Justina, mas em<br />
virtude da obrigatoriedade do cumprimento do preceito igualitario.<br />
Declararam-se constitucionalmente as limitaedes da isonomia para a<br />
72 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
A AIXX AO DA AQ'ÁO AFIRMATIVA PELO ORDKNAMLNTO JURÍDICO BRASILliIRO<br />
construcSo de uma sociedade justa e pluralista, sendo somente possível proclamar<br />
o direito á diversidade cultural e social inerentes á coletividade humana através da<br />
adocüo de políticas públicas ou privadas que visem inserir grupos sociais<br />
vulneráveis em espacos oulrora reservados ás maiorias (ou minorias, se<br />
consideradas no sentido quantitativo) detentoras de vantagens e privilegios, em<br />
razüo de nüo terem sofrido discriminaeñes passadas, á maneira do que ocorreu<br />
com os integrantes dos referidos grupos, cessando essas medidas em datas<br />
preestabelecidas ou quando alcancado o objetivo de concretizar a igualdade de<br />
oportunidades no seio da sociedade.<br />
A nüo previsüo expressa de norma que autorize a prática generalizada<br />
da acüo afirmativa nüo implica na inconstitucionalidade do questionado instituto<br />
jurídico, em razao de se constituir numa afronta ao principio da ¡gualdade, por<br />
estabelecer necessariamente tratamentos diferenciados. A constitucionalidade dos<br />
programas de acóes positivas será examinada em cada caso concreto, levando-se<br />
em considerado para a sua declarado a existencia de criterio discriminador<br />
residente ñas pessoas, acontecimentos ou coisas, bem como a conexüo lógica<br />
entre o fator de discrimen e os regimes jurídicos diversos e entre esta relac^o e os<br />
valores protegidos constitucionalmente, exigindo-se ainda que a norma nüo<br />
singularize atual e definitivamente um sujeito determinado ou determinável.<br />
8. Referencias bibliográficas<br />
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de Janeiro: Ediouro, 1997.<br />
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bidas e desequiparacóes permitidas. <strong>Revista</strong> Trimestral de Direito Público, n. 1,<br />
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REVISTA JURÍDICA IN VERB1S n. <strong>15</strong> - UFRN 73
AMANDA UAKCELLOS CAVALCANTH<br />
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MENEZES, Paulo Lucena de. A acáo afirmativa (Afjlrmative action) no direito<br />
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74 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
AUSUCAPIÁONA PERSPECTIVA DONOVOCÓDICOCIVIL<br />
(l.l.l N" 10.406DI-I 10 W:.JAN!;IRODI-2002)<br />
Janine IMedciros Santos<br />
(Oireilo/UI KN 5" período e bolsista da Procuraduría <strong>Jurídica</strong>/UFRN)e<br />
1 INTKODUCÁO<br />
Liirissa Lopes Matos<br />
(Direito/UFRN -6o periodo)<br />
O traco principal deste trabalho é demonstrar o instituto da usucapiao<br />
na dimensáo que Ihe lora atribuida pelo novo Código Civil (CC) Brasileiro. O<br />
contexto em debate é apenas pequeña parte da grande transformacao havida no<br />
ordenamento jurídico patrio, lamentavelmente, nao espelhada com a devida énfase<br />
pela maioria da doutrina especializada, máxime por aqueles que mais festejados<br />
compócm seleto grupo de fonmadores de opiniSo nos meios académicos.<br />
De toda sorte, comidas ñas naturais limitaedes de académicas do curso<br />
de Direito ousamos trilhar urna visáo menos ortodoxa do instituto tendo como<br />
propósito primordial, demonstrá-lo como importante instrumento de forte conteúdo<br />
social e nao somente como um instrumento jurídico á disposicao de interesses<br />
meramente privados, conforme históricamente verificado.<br />
Em suma, nosso propósito é tracar esse novo perfil da usucapiao pro<br />
curando levar á comunidade académica á consciéncia de que o pensamento<br />
dogmático acerca de sua natureza merece ser revisto, para que entdo possamos<br />
estabelecer urna verdadeira conexüo entre a norma e o fato social.<br />
3.CONCEITO<br />
Etimológicamente, a palavra usucapiao' promana do latim composta<br />
pelos termos capto, que sinifica "tomar" e usu, que significa "pelo uso".<br />
Para firmar o conceilo do instilulo doulrinaüores<br />
amigos e modernos recorrem sempre a mesma<br />
origen), ou seja. a deftnicao de Modeslino, no<br />
Digeslo, Livro 41, Til. lll.fr. 3, sendo vejamos com o<br />
leslemunho de Orlando Gomes, em sua obra Direito<br />
' u\il anlcnof loyi.i referencia a esle inhumo tumo sendo do péncto masculino (o usucapían), enirelanio.<br />
a I ei ii '■ '*■'> XI i-inprepiMi »•> ú-iihmiho. a^Mín ci«m> « la/ ■> ihimi Cixiipi Civil<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERMS n. <strong>15</strong> UIRN<br />
75
JANINI MI OlIROS SANIOS I- I AKISSA I OI'IS MAIUS<br />
Reai.s:<br />
Usucapido é. no concedo clássico de Modeslino. o<br />
modo de adquirir a propriedade pela posse<br />
continuada durante cerlo lapso de lempo, aun os<br />
requisitos eslabelecidos na leí: usucuapio esl<br />
adieclio dontini per conlinuationem possessionis<br />
Icnipons le^e de/inil. A usucapión é. com efeilo. o<br />
moda de aquisicao da propriedade, por via do qual<br />
opossuidor se tornaproprietário". (Gomes. 1999,<br />
p.163).<br />
Dentre os mais récenles autores o meslre Edilson Pcreira Nobre Júnior,<br />
expóe cm scu artigo intitulado Perfil da Usucapkio Constitucional que: "liste é<br />
considerado, a luz do ordenamento jurídico, como a aquisicao da propriedade ou<br />
de oulro direito real pelo decurso prolongado do tempo, segundo o preenchimento<br />
dos requisitos previstos em lei".<br />
Posicionando o conceito de forma bem completa, porquanto o mitigando<br />
com a jurisprudencia, María Helena Diniz expóe:<br />
ü (a) usucapido é uní modo de aquisiedo da<br />
propriedade e de oulros direitos reais (usufnito, uso.<br />
habilaeao, enfíleme - Rt. 53S.27S. 59
A USLCAPIÁO NA PERSPECTIVA IX) NOVO CÓDIGO CIVIL<br />
exigencias, se converle em dominio, podemos repetir,<br />
embora com a cautela de alterar para a circunstan<br />
cia de que nao é qualquer posse sendo a qualificada:<br />
Usucapido é a aquisicdo do dominio pela posse<br />
prolongada. (Pereira, Caio Mario, p.103)<br />
Destarte, se concluí que a natureza jurídica da usucaptáo requcr, dcntre<br />
oulros, dois elementos que süo básicos: a posse c o lempo. Esses elementos<br />
adicionados a outras variacóes revelam as especies de usucapíño constante no<br />
ordenamento jurídico patrio: o usucapiao extraordinario, o ordinario e o especial,<br />
urbano e rural, que serüo demonstrados de per si.<br />
Por seu turno, n3o se confunde a prescricao com a usucapiüo. Sao<br />
institutos que se diferenciam profundamente, apesar de os mesmos terem como<br />
coiulicilo o decurso do lempo. A prescribo, segundo o Novo Dícioiu'irio Aurelio<br />
é "a perda da acao atribuida a um direito, que fica assim jurídicamente desprotegido,<br />
em conseqüéncia do nüo uso déla durante determinado tempo". Configura-se num<br />
modo de extinguir pretensóes, operando com base na inercia do sujeito de direito<br />
durante um dado espaco temporal, assim, se mostrando como um instituto negativo.<br />
N3o obstante, a usucapiao supóe posse continuada, se configura num instituto<br />
positivo pelo fato de proporcionar a aquisicao de um dominio de uma propriedade<br />
a alguém queja detinha a posse por um certo tempo.<br />
4. REQUISITOS<br />
Parte da doulrina sistematiza o estudo da usucapiao no que concerne<br />
aos seus requisitos a partir de exigencias legáis necessárias para a sua<br />
configuracao2. Estes podem fazer referencia as pessoas a quem ¡nteressa (requisi<br />
tos pessoais), as coisas em que pode recair (requisitos reais) e á forma por que se<br />
constituí (requisitos formáis).<br />
4.1. Requisitos pessoais:<br />
Relaciona-se as exigencias referentes ao possuidorque pretende adquirir<br />
o bem e ao proprietário que, assim, o perde. Toda pessoa física capaz de exercer<br />
•' Orlando Gome-. Serpa 1 »pes. Mana I lelciia Diniz. dcntre oulros<br />
Rl-VISTA JURÍDICA !N VI-RBIS n. <strong>15</strong> - UI'RN 77
JANINI; MI:l)i:iKUS SANTOS li 1.AK1SSA 1-ül'liS MATOS<br />
pessoalmente os atos da vida civil e as pessoas jurídicas de direito privado e do<br />
direito público interno podem usucapir. As pessoas tísicas civilmente ¡ncapazes<br />
tém esta faculdade desde que acompanhadas por seus representantes legáis e<br />
esteja configurado que estes apreenderam a coisa n3o para si, mas em nome da-<br />
quelas. Quanto as pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras e as jurídicas nacionais<br />
há algumas restricoes previstas em lei (Decretos-leis n.°s: 494 e 924 e lei n° 5.709).<br />
Assim, temos como forma desses requisitos: a capacidade do adquirente.<br />
qualidade para adquirir o dominio pela usucapiao e o animas domini (a ¡ntencüo<br />
de ser dono). Conforme a doutrina, n3o pode usucapir quem obteve a posse<br />
injustamente, viciada de violencia, clandestinamente, ou quem passou a té-la de<br />
má-fé1. O marido e mulher também n3o podem adquirir bem um do outro por<br />
usucapiao. A mesma proib¡c3o ocorre entre ascendentes e descendentes, entre<br />
incapazes e seus representantes. Do mesmo modo existem situacSes jurídicas que<br />
impossibilitam a aquisicSo por usucapiao de determinados bens, como é o caso do<br />
condómino em relacao ao bem comum.<br />
Orlando Gomes afirma que:<br />
4.2. Requisitos reais:<br />
Quanto áquele que sofre os efeitos da usucapido,<br />
nao há exigencia relativamente a capacidade. Basta<br />
que seja proprietúrio da coisa suscetivel de ser<br />
usucapida. Aínda que nao tenha capacidade defalo,<br />
pode sofrer os efeitos da posse continuada de outrem,<br />
poís compete a quem o representa impedi-la. Cerlos<br />
proprietários nao podem, porem, perder a<br />
propriedade por usucapiao. Neste caso se encontram<br />
pessoas jurídicas de direíto publico, cujos bens sao<br />
imprescritíveis (Gomes, 1999, p.¡65).<br />
Nem todos os bens podem ser usucapidos, tais como os bens dominicais<br />
bem como os demais bens públicos. Alguns porque s3o considerados<br />
imprescritíveis, por exemplo, os que estao fora do comercio; outros, por<br />
1 Orlando Comes traz em stu obra Direitus Reais esla eoloencáo. rehallando que nao lia aceitacáo gcral<br />
78 REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UKRN
A USliCAPIÁC) NA PliRSI'LCTIVA IX) NOVO CÓDIGO CIVIL<br />
circunstancias legáis, mesmo que dentro do comercio. O Decreto n° 22.785. de 31<br />
de maio de 1993, no seu art. 2°já afirmava a impossibilidade prescricional de bens<br />
públicos.<br />
Quanto aos ¡movéis públicos, o texto constitucional deixa evidente a<br />
¡mpossibilidade da usucapiao, restando indiferente o local onde eles se situam,<br />
seja na área urbana ou rural. Como exemplo, segué a seguinte jurisprudencia:<br />
Reintegrando de Pus.se - Área Verde - As áreas<br />
verdes que complementan o loteamento sao bens<br />
de uso comum dopovo, pertencentes ao Estado, ¡n<br />
casu ao Distrito Federal, e sobre elas o particular<br />
nao exerce posse, por ser tratar de bens<br />
inalienáveis (art. 67, CC) e insuscetiveis de<br />
usucapiao (art. 183, § 3o e art. 191, ambos da<br />
Conslituicao Federal de 1988).(t)df- 2a T. - AC n°<br />
23.256-Reí. Des.VasquezCruxém, Diario da Justica,<br />
SecaoIL lOfev. 1993)<br />
Contudo, há urna ressalva quanto as térras devolutas4. Juristas como<br />
Celso Ribeiro Bastos e Tupinambá do Nascimento alegam que elas s3o passíveis<br />
da usucapiao, em raz3o de serem mantidas á título de direito privado, nao sendo<br />
pública stricto sensu.<br />
Enfim, somente os direitos reais que recaem em coisas prescritíveis<br />
podem ser adquiridos pela usucapiao, tais como: a propriedade, as servidñes, a<br />
enfiteuse, o usufruto, o uso e a habitacao.<br />
4.3. Requisitos formáis:<br />
Variam de acordó com o prazo fixado por le¡ para a posse. Contudo, há<br />
ncccssidadc do lempo c da posse, além da comprovai;üo, em algumas especies de<br />
aquisicüo, do justo titulo e da boa-fé. <strong>In</strong>existe a usucapiao sem a posse, a qual<br />
deve ser exercida com animus domini. Excluem-se, assim, aqueles que exercem<br />
temporariamente a posse direta, por torca de obrigac3o ou direito, como o<br />
' C) Novo Dicionáno Aurelio assini as deline: "aquclas que, lulo sendo pióprias iicm aplicadas ao uso público, nao<br />
se incorporaron* no dominio privado".<br />
RF.VISTA JURÍDICA IN VF.RBIS n. <strong>15</strong> UFRN 70
JANINl- MI-DUIKUS SANIOS I: I.AUISSA LOI'liS MATOS<br />
usufrutuário, o locatario e o credor pignoraticio.<br />
Como requisito formal, a doutrina aínda estabelece que a posse deve ser<br />
mansa e pacifica, ¡sto é, exercida sem oposicao por parte do proprietário, visando<br />
caracterizar a conduta omissiva do proprietário em relaciio ao seu imóvel. Para se<br />
configurar a oposicao, no sentido jurídico, nao bastam os atos meramente<br />
emulativos, é necessária a presenca de urna oposic.ao seria, tempestiva e exercida<br />
na área judicializada.<br />
Ademáis, a posse deve ser continua. Observa-se, aínda, que cada moda-<br />
lidade da usucapiáo apresenta um prazo específico para a aquisicao da propriedade,<br />
os quais serao discriminados no decorrer da discussao.<br />
5. ESPECIES<br />
5.1 Aquisicao por usucapiSo de bens imóveis<br />
- a extraordinaria;<br />
- a ordinaria; e<br />
A doutrina e a legislacao brasileiras distinguen! tres especies:<br />
- a especial ou constitucional, que se divide em: pro labore (rural) e pro morare<br />
(urbana).<br />
5.1.1. Usucapiiío extraordinaria<br />
Nosso Código Civil dispóe em seu artigo 1.238, verbis:<br />
Aquele que, por quinze anos, sem interrupcao, nem<br />
oposicao, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe<br />
a propriedade, independenlemente de titulo e boa-<br />
fé; podendo requerer ao juiz que assirn o declare<br />
por sentenca, a qual servirá de título para o registro<br />
no Cartório de Registro de Imóveis.<br />
Parágrafo único. O prazo estabelecido ueste artigo<br />
reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver<br />
estabelecido no imóvel a sita moradia habitual, ou<br />
nele realizado obras ou servicos de caráter<br />
produtivo.<br />
SO RF.VISTA JURÍDICA IN VI-RBIS n. <strong>15</strong> UFRN
A USUCAIMAONA 1'LRSI'tCTIVA IX) NOVO CÓDIGO CIVIL<br />
Assim, tem-se como requisito específico da usucapido extraordinaria: a<br />
posse de <strong>15</strong> (quinze) anos, que pode reduzir-se a 10 (dez) anos se o possuidor<br />
houver eslabelecido no imóvel a sua morad ¡a habitual ou nelc realizado obras ou<br />
scrvicos de caráter produtivo. Prescinde de comprovacüo do justo titulo e da boa-<br />
fé: há urna presunc3oji/rá et de jure.<br />
5.1.2. Usucapido ordinaria<br />
Consagrada em nossa legislacáo no art. 1.242, que dispóe:<br />
Adquire tambént a propriedade do ¡móvel aquele<br />
que, continua e incontest adámenle, com justo titulo<br />
e boa-fé, o possuir por dez anos.<br />
Parágrafo ímico. Será de cinco anos o prazo previsto<br />
neste artigo se o ¡móvel houver sido adquirido, one<br />
rosamente, com base no registro constante do<br />
respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde<br />
que os possuidores nele liverem eslabelecido a sua<br />
moradia, ou realizados investimentos de interesse<br />
social e económico.<br />
Logo, o lapso temporal para a aquisicño da posse do imóvel corresponde<br />
a 10 (dez) anos, salvo a hipótese prevista no parágrafo único, em que prazo poderá<br />
ser diminuido para 5 (cinco) anos. Diferente do tipo extraordinario, a usucapiSo<br />
ordinaria exige a comprovacao do justo titulo e da boa-fé. Deve, entño, o usucapiente<br />
provar a posse.<br />
O artigo n°2.029 das Disposicoes Transitorias preceitua que:<br />
Até dais anos após a entrada em vigor deste Código,<br />
os prazos estabelecidos no parágrafo único do art.<br />
1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serao<br />
acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo<br />
transcorrido na vigencia do anterior, Lei rí' 3.071,<br />
de I" de Janeiro de 1916.<br />
Os parágrafos ácima mencionados referem-se as hipóteses de reducSo<br />
do prazo em razáo do possuidor ter estabclecido no imóvel a sua morada habitual.<br />
RF. VISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 8I
JANINli MliDHIKOS SANTOS E LARISSA LOI'tS MATOS<br />
ou nele realizado obras ou servidos de caráter produlivo (Goncalves, 2002, p. 95-<br />
96).<br />
Complementado o entendimento do artigo retrocitado, seu posterior de<br />
termina, verbis: "Art. 2.030. O acréscimo de que trata o artigo antecedente, será<br />
feito nos casos a que se refere o § 4o do art. 1.228".<br />
O Código Civil de 1916 trazia a redacSo' sobre as especies da usucapiao<br />
extraordinaria e ordinaria em seus arts. 550 e 551, respectivamente. A Leí n° 10.406/<br />
02. entretanto, alterou o texto destes dispositivos no atinente ao prazo<br />
prescricional, mas preservou a exigencia de sentenca declaratoria do juiz para a<br />
transcricao no registro de lmóveis.<br />
Outra modificacao consistiu na inexistencia, no novo dispositivo legal,<br />
da referencia a presentes e ausentes contidas no art. 551. Entendia-se por presentes<br />
as pessoas residentes no mesmo municipio e ausentes as pessoas residentes em<br />
municipios diversos.<br />
5.1.3. Usucapiao rural (pro labore)<br />
saber:<br />
Versa o artigo n° 1.239, do atual Código Civil, verbis:<br />
Aquele que, nao sendo proprielário de imóvel rural<br />
ou urbano, possua como sita, por cinco anos<br />
ininlerruplos, sem oposicao, área de ierra em zona<br />
rural nao superior a cinqüenta heclares, lornando-<br />
a proilutiva por seu Irabalho ou de sua familia,<br />
tendo nela sua moradia, adquirir-lhc-á a proprie-<br />
dade.<br />
Adendo ao dispositivo ácima declara a Const¡tu¡c3o Federal (CF), a<br />
d;ida pela Leí n"2.437. de 07 de mareo de 1955<br />
Arl. 191 - Aquele que, nao sendo proprietário de<br />
imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco<br />
anos ininlerruptos, sem oposicao, área de Ierra, em<br />
zona rural, nao superior a cinqüenta néctares,<br />
82 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN
A USUtAI'lAO NA PKRSPI-CTIVA DO NOVO CÓDIGO CIVIL<br />
Ressalta-se que:<br />
tonuindo-a produtiva por sen trubalho ou de sua<br />
familia, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a<br />
propriedade.<br />
A funcao social é cumprida quando a propriedade<br />
rural alende, simultáneamente, segundo criterios e<br />
graus de exigencia estabelecidos em lei. aos<br />
seguinles requisitos: aproveitamento racional e<br />
adequado; a utilizacao adequada dos recursos na-<br />
turais disponiveis e preservacao do meio ambiente;<br />
obsun'úncia das disposicoes que regulam as rela-<br />
coes de trabalho; exploracao que favoreca o bem-<br />
eslar dos proprielarios e dos irabalhadores. (CF,<br />
art. 186).<br />
Isto implica no que chamamos de dcsenvolvimento sustentavel; um<br />
máximo de aproveitamento da térra, dos recursos naturais e da máo-de-obra<br />
disponivel com o mínimo de prejuizo e dispendio para o meio ambiente e de desgaste<br />
para o ser humano, de modo a comprometer a sua saúde. Deve, pois, haver um<br />
equilibrio entre a Torca física humana e a forca da natureza.<br />
Determina a legislacüo que a posse deverá ser exercida por 5 (cinco)<br />
anos ininleiTuplos e com o animas domini. Nilo pudendo ser, a pessoas que<br />
pretendem usucapir, proprietário nem rural e nem urbano.<br />
5.1.4. Usucapido urbana (pro morare).<br />
Aiendcndo aos reclamos da Política Urbana, o Código Civil c a Consti-<br />
tuicao, enunciam em seus respectivos dispositivos:<br />
Art. 1.241). Aquele que possuii; como sua, área ur<br />
bana de até duzentos e cinqüenta metros quadra-<br />
dos, por cinco anos ininterruptaniente e sem oposi-<br />
cao, utilizando-a para sua moradia ou de sua fami<br />
lia, adquirir-lhe-á o dominio, desde que nao seja<br />
proprietário de oulro imóvel urbano ou rural.<br />
§ lv O titulo de dominio c a concesscio de uso serao<br />
conferidos ao homem ou a mulhei; ou a ambos, inde-<br />
REVISTA JURÍDICA IN VF.RRIS n. <strong>15</strong> - UFRN 83
JANINE MEDEIROS SANTOS K LAR1SSA I.OPUS MATOS<br />
penden/emente do esleído civil.<br />
§ 2'1 O clireilo previsto no parágrafo antecedente<br />
nao será recunhecido ao inesnio possuidor muís de<br />
unía vez.<br />
Arl. /íS'i. Ac/uele que possuir como sua área urbana<br />
de até duzentos e cinqüenla metros quadrados, por<br />
cinco anos, ininterruptamente e sem oposicao,<br />
utilizando-a para sua moradia ou de sita familia,<br />
adquirir-lhe-á o dominio, desde que nao seja<br />
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.<br />
§ ¡" - O título de dominio e a concessao de uso<br />
serao conferidos ao homem ou á mulher, ou a ambos,<br />
independentemenle do estado civil.<br />
§ 2o - Esse direito nao será reconhecido ao mesmo<br />
possuidor mais de urna vez.<br />
Ao se analisar detalhadamente os requisitos desta modalidade da<br />
usucapido, constatamos: a) posse direta e pessoal, em nome próprio do usucapiente,<br />
e sem a intervencao de terceiros; excluem-se, assim, os meros detentores, os<br />
possuidores em nome alheio (caseiros, comodatarios, empregados etc.), bem como<br />
todos aqueles que se encontrem em relacüo de dependencia para com o proprietário;<br />
b) Área n3o superior a 250m2, em área urbana. Nesse sentido, manifestou-se o<br />
TJRS, verbis: "Usucapiao especial. É ¡nvocável o usucapido especial, previsto no<br />
arl. 183 daCFde I988,c|iiandoaárea Ibr superior a 250m2"(TJRS- 3» Cámara Civil<br />
- AC n° 589.067.792 - Reí. Dr. Jorge A. Perrone de 01 iveira, decisSo: 23-11 -1989); c)<br />
utilizacao do bem, pelo possuidor, "parasua moradia ou de sua familia". Ressalva-<br />
se que o vocabulo "moradia" é empregado 110 sentido de domicilio, habitacüo;<br />
afastando, assim, as posses esporádicas ou eventuais, típicas das casas de veraneio,<br />
ou mesmo aquelas destinadas á fins comerciáis, salvo se o usucapiente residir no<br />
mesmo local onde desenvolve suas alividades mei'canlis, lais como um bar, um<br />
mercadinho, urna oficina etc., figuras bastantes comuns; d) posse justa, escoimada<br />
de vicios decorrentes da violencia, clandestinidade ou precariedade, conforme<br />
dispóe o art. 1.200 da atual legislacüo civil. Note-se que a boa-fé é presumida,<br />
independe de comprova?ao"(CC, art. 1.201); e) impedimento do possuidor em ser<br />
proprietário de outro bem imóvel, seja este urbano ou rural, ainda que em local<br />
8-1 RI-VISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
A IJ.NUCAI'IÁO NA PERSPECTIVA IX) NOVO CÓDIGO CI Vil.<br />
diferente, seja outro Estado, país etc;<br />
Fazem-se necessários alguns comentarios a respeito desta nova modalidade<br />
da usucapido. Primeiro é importante frisar que o Supremo Tribunal Federal<br />
mío considera, para os tlns previstos no art. 183, o lempo de posse anterior á<br />
promulgacüo da Carta de 1988. mas sim que o tenno inicial da fluencia do prazo de<br />
cinco anos dá-se com a entrada em vigor da Constituicüo Federal, a partir de 5-10-<br />
1988. Por se tratar de instituto novo, somente a posse constatada após o advento<br />
dessa nova ordem constitucional pode ser considerada para efeito do quinquenio<br />
previsto no dispositivo sob enfoque. Por sua vez, esta decisüo contradiz o enun<br />
ciado da Súmula 445, do próprio STF, a saber: "A Lei n° 2.437. de 7-3-55, que reduz<br />
prazo prescricional é aplicável as prescricoes em curso na data de sua vigencia (1 -<br />
1-56), salvo quanto aos processos entilo pendentes".<br />
Contrariando o entendimento ácima, há a versüo do Tribunal de Justica<br />
de Sño Paulo, ¡n fine: "Usucapiüo. Área Urbana. Modalidade instituida pelo art.<br />
183 da nova CF. Dispositivo legal que dispensa regulamentacüo. Aplicacüo ¡mediata,<br />
nüo sendo necessário aguardar o decurso de cinco anos após a promulgacao da<br />
nova Carta"(TJSP - RT 549/58).<br />
Quanto ao limite máximo de área usucapiável, este foi fixado pelo legis<br />
lador constitucional em 250 metros quadrados, deixando sem soluc3o algumas<br />
questdes que, por bem, deveriam ter sido norteadas quando se disciplinou a<br />
usucapiao urbana, tais como as posses localizadas em lotes urbanos indivisiveis<br />
por lei, cuja extensao supere os 250 rrr. Nestes casos, a ausencia de regulamentacao<br />
legal permite que se utilize o enunciado do art. 4o da Lei de <strong>In</strong>troduc3o do Código<br />
Civil, aplicando-se á usucapiao pro morare, por ana logia a Lei n. 6.969/81, referente<br />
á usucapiao rural.<br />
Ademáis, o parágrafo § 2o do artigo supracitadoaodispor"Essedireito<br />
n3o será reconhecido ao mesmo possuidor mais de urna vez", deixa dúvida quanto<br />
a que "direito" se está privando. <strong>In</strong>terpretando de forma restrita, levanta-se a<br />
hipótese de vedar o possuidor de adquirir, novamente, um outro imóvel via a<br />
usucapiao especial urbana. Pode-se, ainda, ter urna análisc mais abrangente, na<br />
qual se inipcdc o usucapiente de tornar-sc propriclário de qualqucr nutra modalidade<br />
da usucapiüo. Alias, há, inclusive, urna redundancia ueste artigo e,<br />
conseqüentemente no que tange a usucapiüo pro labore.<br />
Parece-nos, entao, ser a segunda posicüo a mais acertada, naja vista<br />
que um dos requisitos para a concessao de qualquer das formas de usucapiüo<br />
(previstas constitucionalmente) consiste, exatamente, no falo de o possuidor nao<br />
ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. E, se a nossa Lei Maior já previu.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERRIS n. <strong>15</strong> - UFRN 85
JANINI- MEDÜ1R0S SANIOS K I.ARISSA I.OIMiS MATOS<br />
expressamente, essa privacao, nao teria sentido ela nao incidir sobre as<br />
modalidades: "extraordinaria'" e "ordinaria", ambas figuras do Código Civil, que foi<br />
omisso quanto a esta limitaciio.<br />
Há um outro ponto a ser debatido atinente a acessio temporis. Ao<br />
contrario do que ocorre ñas formas tradicionais da usucapiao, a transferencia da<br />
posse para efeitos de prescricao aquisitiva em favor de terceiro n3o é admissível<br />
na modalidade especial, em face de sue caráter estritamente pessoal.Contudo, esta<br />
MmitacSo n3o se aplica quanto a sucessio temporis. Como alega Celso Bastos, em<br />
caso de imóvel ocupado por familia, os prazos do antecessor e do sucessor podem<br />
ser somados. Isso na hipótese de parte da familia vir morar, a posterior'!, no ¡móvel<br />
primitivamente ocupado por um ou alguns de seus membros, antes de aberta a<br />
sucess3o.<br />
Por fim, resta frisar que o legislador constituinte trouxe para o seio da<br />
Carta Magna de 1988 a ent3o modalidade rural - usucapiao prolabore- já regula-<br />
mentada pela Lei n° 6.969/81. Assim tambétn fizeram os juristas que se empenharam<br />
na construc3o do novo código.<br />
5.2. Aquisicüü por usucapiao de bens movéis<br />
Referindo-se á usucapiao de bens movéis, a doutrina e a legislacao<br />
brasileira distingue duas especies, cuja legislacao nao trouxe mudancas:<br />
- a extraordinaria; e<br />
- a ordinaria.<br />
5.2.1.Usucapido extraordinaria<br />
Ter-se-á esta modalidade quando da posse ¡ninterrupta e pacífica, pelo<br />
lapso temporal de 5 (cinco) anos, sem haver exigencia de justo título e boa-fé,<br />
consoante dispSe o art. 1261 do Novo Código Civil: "Se a posse da coisa móvel se<br />
prolongar por cinco anos, produzirá usucapiao, ¡ndependente de título ou boa-<br />
fé".<br />
5.2.2. Usucapido ordinaria<br />
Esta especie requer posse ¡ninterrupta e ¡ncontestada pelo período de<br />
3 (tres) anos, exigindo justo título e boa-fé. Reza o art. 1.260, infine: "Aquele que<br />
possuir coisa móvel como sua, continua e incontestadamente, durante tres anos,<br />
com justo titulo e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade".<br />
86 REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
A USUCAI'IÁO NA PliRSI'IC UVA DO NOVO CÓDIGO CIVIL<br />
Por fim, veriflca-se um entrela9amento entre a usucapiao de bens movéis<br />
com a usucapiao de bens ¡movéis, vejamos, por exemplo, o que estabelece o artigo<br />
1.262: "Apl¡ca-se á usucapiao de coisas imóveis o disposto nos arts 1.243 e 1.244."<br />
Existem também leis espacas que disciplinan! o assunto. A Lei n°370/37, modificada<br />
pela Lei n° 2.313/54 e regulamentada pelo Decreto n° 40.395/56, menciona que o<br />
dinheiro e objetos de valor depositados em estabelecimentos comerciáis e bancários<br />
poderlo ser usucapidos, desde que a quantia esteja sem movimento e os objetos<br />
nao houverem sido reclamados pelo período de 30 (trinta) anos, a contar da data<br />
do depósito.<br />
6. Á Guisa de Conclusüo<br />
As mudancas advindas com a inscrcao de novos dilames legáis no<br />
nosso ordenamento jurídico devem sempre acompanhar o desenvolvimento da<br />
sociedade, á fim de nianter a ordem pública. Em nosso país, por exemplo, onde as<br />
desigualdades socio-económicas imperam, quak]iicr iniciativa destinada a mclhorar<br />
as condicSes de vida do povo torna-se bem vinda.<br />
Assim, a usucapiao vem atender as necessidades de quem nao lem<br />
unía propriedade, urbana ou rural, podendo adquirir urna deslas, mediante a posse<br />
prolongada e o preenchimento de certos requisitos exigidos por lei. Desta forma,<br />
este instituto está fundado na consolidacao da propriedade, revestindo de caráter<br />
jurídico urna situacao de fato.<br />
O novo Código Civil ao alterar o lapso temporal da usucapiao buscou<br />
dar urna protecao maior ao possuidor, diminuindo o tempo que antes lhe era dado<br />
para ver reconhecido o direito ao dominio, principalmente se o espaco por ele<br />
ocupado esteve voltado para si ou para sua familia e considerando outros requisitos<br />
que comungam com a necessidade de se fazer valer a func3o social da propriedade,<br />
antes esquecida pelo legislador, mas hoje bem caracterizada no novo dispositivo<br />
legal.<br />
Em relacao á usucapiao especial urbano, sua regulamentacao veio con<br />
tribuir, decisivamente, para assentar grande parcela da populacao, dando-lhe acesso<br />
á moradia, direito este previsto constitucionalmente no Capítulo II - Dos Direito<br />
Sociais, art. 6o, e, conseqüentemente, a urna melhor qualidade de vida.<br />
Isto posto, observamos que a propriedade, antes destinada a sat¡sfac3o<br />
meramente individual, hoje assume um caráter social, ou seja, ñas palavras do<br />
¡lustre Ricardo Aronne, citando José Cretella Jr., menciona: "A propriedade que<br />
anteriormente tinha urna juncao nítidamente individual, hoje se socializa, em<br />
urna transicao a refletir a 'repersonal ¡za(,-ao' e a 'constitucionalizacao' do<br />
RKVISTA JURÍDICA IN VIZRRIS n. <strong>15</strong> - UFRN 87
JANINI-: MÜDEIROS SANTOS C LARISSA LOI'liS MATOS<br />
Direiio Civil". (Ricardo Aronne, 1999. p. 172).<br />
7. Referencias Bibliográficas<br />
ARONNE, Ricardo. Propriedade e dominio: reexamesistemático das nocoes nu<br />
cleares de direitos ruáis. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 172.<br />
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentarios a Constituicao do Brasil: promulgada em<br />
5 de outubro de 1988. Sao Paulo: Saraiva, 1988.<br />
DINIZ, María Helena. Curso de direito civil brasileiro. v.4. 17. ed. atual. de<br />
acordó com o novo Código Civil (Leí n°l 0.406, de 10-01 -2002). Sao Paulo: Saraiva,<br />
2002. p. 143.<br />
FERREIRA, Aurelio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurelio da língua<br />
portuguesa. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.<br />
GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio de Janeiro, <strong>Revista</strong> Forense, 1999.<br />
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 11. ed. Sao Paulo: Atlas, 2002. p.<br />
658-662.<br />
NASC1MENTO, Tupinambá Miguel Castro do. A ordem económica efinanceira e<br />
a nova Constituicao. Aide, 1991.<br />
PERE1RA, Caio Mario da Silva. <strong>In</strong>stituicoes do direito civil, vol. 4. 9.ed. Rio de<br />
Janeiro: Forense, 1992.<br />
PEREIRA JR., Edilson Nobre. Perfil do usucapiao constitucional ln<br />
vAvw.jfrn.gov.br/docs/doutrina74.doc, 02 de abril de 2003.<br />
SANTOS, Ulderico Pires dos. Usucapiao constitucional, especial e comum.<br />
Palmape, 1991.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERB1S n. <strong>15</strong>-UFRN
ACÁO DE REINTEGRACÁO DE POSSE PARA RECUPERADO DO BEM<br />
ARRENDADO EM LEASING: ADEQUACÁO DA ACÁO E PRELIMINARES<br />
OPONÍVEIS PELO DEVEDOR<br />
I. Problcinutizacüo.<br />
Haroldo Augusto da Silva Teixeira Duarte<br />
Académico do 7o período do curso de Direito da<br />
UFRN.<br />
SUMARIO: 1. Problematizacao; 2. O contrato de<br />
leasing: suas principáis características; 3. A tutela<br />
jurídica da posse: juizo possessório xjuízo petitorio;<br />
4. Sobre a adequacao da acao de reintegracao de<br />
posse para recuperando do bem arrendado; 5.<br />
Questoes preliminares oponíveís pelo devedor; 5.1<br />
O pagamento antecipado do valor residual (VR);<br />
5.1.1 Como pode ocorrer a cobranca antecipada<br />
do VR; 5.1.2 Possibilidade de descaracterizacao do<br />
contrato de oficio; 5.1.3 A materia da antecipacao<br />
do VR na jurisprudencia do STJ; 5.2 Ausencia de<br />
notificacao previa do arrendatario; 5.2.1 A questao<br />
da necexsidade de notificacao previa no STJ; 6.<br />
Consideracoes jlnais<br />
O presente artigo visa a estudar a acao de<br />
reintegracao de posse na qual se tem por meta, a<br />
recuperaciio do bem arrendado, em cuso de<br />
inadimplemento do arrendatario.<br />
<strong>In</strong>iciamos, como n3o poderia deixar de ser, conceituando o contrato de<br />
leasing, determinando, assim, os seus elementos. Em seguida, deteremo-nos á<br />
tutela jurídica da posse, e á distincüo entre juízo possessório e petitorio.<br />
Só eniSo passaremos a responder, á luz de pesquisa doutrinária,<br />
jurisprudencial e legal, os seguintes problemas: A) É a acSo de reintegracao de<br />
posse meio adequado para tal fim? B) Sendo afirmativa a resposta da questao<br />
anterior, quais s2o os fundamentos dessa admissibilidade? C) Tendo em vista<br />
esses fundamentos, que preliminares passam a ser argülveis pelo devedor? D)<br />
Quais as conseqüéncias da cobranca antecipada do valor residual, e como ela<br />
pode ocorrer? e, por último, E) Quais os efeitos da ausencia de notificacao previa<br />
do devedor?<br />
REVISTA JURÍDICA IN VF.RBIS n. <strong>15</strong> - UFRN<br />
80
HAKOLDO AUGUSTO DA SILVA TEIXEIRA DUARTE<br />
2.0 Contrato de leasing: suas principáis características.<br />
A acirrada concorréncia do mcio empresarial demanda, dos agentes<br />
económicos, urna constante renovac3o do maquinado, mediante a descoberta de<br />
novas formas de se produzir mais, melhore mais barato. Acontece, que nem sempre<br />
se tem á d¡sposic3o capital suficiente para promover a aquisicao de novas<br />
tecnologías. Foi da necessidade de se investir no insumo das empresas, mesmo<br />
havendo escassez de recursos, que se firmou em nosso país o contrato de<br />
arrendamento mercantil (leasing1).<br />
Surgindo das necessidades práticas dos comerciantes, essa especie<br />
contratual consol idou-se em nosso país mesmo com a carencia de regulamentac3o<br />
própria sobre a materia, com a excec3o da Lei 6.099 de 1974, que a regula<br />
preponderantemente sob o prisma tributario, e de resolucóes do Banco Central<br />
(Bacen).<br />
Consiste o leasing financeiro2, ou leasing propiamente dito, na operacáo<br />
trilateral na qual: I - Urna instituicao financeira adquire bem do fornecedor; II -O<br />
uso desse bem é cedido ao arrendatario, que, por ele, passa a pagar aluguéis até<br />
que advenha o termo do negocio e III - Findo o contrato é dada ao arrendatario a<br />
faculdade de renová-lo, devolver a coisa, ou comprá-la mediante o pagamento do<br />
valor residual. Em suma: trata-se de arrendamento por prazo determinado,<br />
transcorrido o qual é dada opeáo de compra ao arrendatario. Logo esse contrato<br />
passou a ser usado mesmo por particulares para a obtencao nao de bens de insumo,<br />
mas de consumo com a intermediado das mesmas institui^ñes fínanceiras3. Eis<br />
porque o estudo desse instituto tem merecido a atencSo nao só dos nossos<br />
comerciaüstas, mas também dos civilistas4,<br />
1 Do inglés lo Icaw. alugar. Trala-se de contrato surgido nos Estados Unidos da América nos idos de 1950. Breve<br />
histórico de comíalo de lea\mg no dircilo nortc-amcrícana pode ser encomiado cm Fábio Kondcr Compáralo<br />
(1967).<br />
-' Há, aínda, o Awi- luuk, o \elf lca.\inne oDiimniy corpaniim cujas principáis características sao estudadas por<br />
Waldirio Bulgarclli (2002, p. 383). Materia que, no enlamo, paisa ao largo da meta dcslc Irabalho.<br />
1 A I «i 7.132 de I'JKA, nllcrniitki n rahieno da 6(W), mili» i/ou « iculi/neAo dti hiiuiiK niesino cmn pcisuus lisian<br />
no papel de arrendatario. O arrendador deverá necessariamcute ser pessoa jurídica consliluida na forma de S.A e<br />
submetida ao controle e fiscalizacao do Banco Central.<br />
4 Silvio de Salvo Venosa (2002. p. 601 c seguinles) e lanibéni Orlando Gomes (1999. p. 461 e scguinles). dcnlrc<br />
nulros. (lcilÍL'iiruiu |>ii|(¡ii!t* u esse coulrulo.<br />
IU-VISTA JURÍDICA IN VLKUIS n. <strong>15</strong>-UKKN
AC'ÁO DE REINTliüRACAO DE POSSE PARA RECUPERA
IIAKOI.DO AUGUSTO L)A SILVA TKIXLIRA UUAKTL-<br />
pretens3o de serení proprietários da coisa. Enquanto que no possessório, os<br />
litigantes visam a repelir, a posse ilegítima, os atos turbativos ou as ameacas<br />
verossímeis da outra parte sob a alegacSo de que a sua posse é a melhor.<br />
A razáo de ser da tutela específica da posse em nosso ordenamento,<br />
por meio das acOes possessórias (ac3o de reintegracño de posse, manutencao e<br />
interdito possessório), reside no afa de dar ao proprietário esbulhado, turbado ou<br />
ameacado na sua posse urna via de defesa na qual n3o precise fazer prova de seu<br />
dominio (prova que de tao complexa, merece da doutrina a adjetivacao de diabólica).<br />
Basta que prove a sua posse, ou seja, o fato de que ele se comporta com relac3o á<br />
coisa como normalmente o faz o proprietário (afflclio dominí).<br />
Entilo, protegendo a posse por mcio dos ¡nterditos, que em determinadas<br />
circunstancias se processam em rito especial - art. 920 e seguintes do Código de<br />
Processo Civil (CPC) -, protege-se, ¡ndiretamente, a propriedade. Daí se verifica<br />
que a pureza de um e outrojuízo é fundamental á preservacSo da finalidade precipua<br />
da existencia dos ¡nterditos: o de conferir ao proprietário meio célere de proteeño<br />
contra atos de usurpacáo. Ora, se for lícito discutir, em sede de ac3o possessória a<br />
propriedade sobre o bem, n3o haveria como o proprietário defender seu direito<br />
sem se deparar com a diabólica probatio.<br />
É claro que, dando á posse essa protccüo, assume-se o risco de salva<br />
guardar nao só a posse de quem tem o dominio sobre a coisa, mas também daquele<br />
que n3o o tem. Mas "esse é o preco que a sociedade paga para contar com um<br />
instrumento rápido e eficaz de protec3o á propriedade" (Rodrigues, 2002, p. 55).<br />
Esses sao os fundamentos nos quais se firma a distincüo entre juízo<br />
petitorio e possessório. Essa separacSo só encontrou moderacao em nosso direito<br />
por um erro histórico' que deu origem á segunda parte do art. 505 do Código Civil<br />
de 1916.<br />
Citamos o dispositivo em sua inteireza:<br />
art. 505. Nao obsta a manutencao, ou reintegrando<br />
' A parle linal do artigo cin leln originou-se do Asscnlo da Casa de Suplicacao de 16 de fcv. de 1786 que. tratando<br />
de dirciio a sucessan. solucionava um caso concreto coiicliiindo com a ullnnacao de que nao se deveria julgnr o<br />
interdito restilutório a favor de quem nao possni, cvidciitctncnlc. direito á propriedade, oriundo da sucessdo, sobre<br />
o bcm. <strong>In</strong>correu a doutrína no equivoco de entender essa regra aplicável ás possessórias em geral atenuando, com<br />
isso, o dispositivo das Ordcnacocs Filipinas que vedava absolutamente a cxcccAo de dominio. Teixeira de Hrcilas<br />
prcstigiotí essa equivocado corrcnlc anolando-a ao arl. 817 da sua Coji&olktacdo. Hncoiuraiido respaldo na doulrina<br />
(lambein era Loólo), eis que a cxivpiiii i/nnnni ¡nyressou no nosso dircito posilÍNV na pane final do art 505 do »«A-.r<br />
de 1916 Unta explanacio sobre esse erro histórico pode ser encontrada em Humberto Theodoro Júnior (1991, p.<br />
161?)<br />
9- Rl-VISTA JURÍDICA IN VI-RUIS n. <strong>15</strong> - UI-RN
A(,'Áo di; ri;inti;c;ka(,-áo de k)ssi; i>ara reoji'eraivAo do iii;m arriendado iím ursino<br />
AI)IQIIA(,Ao DA Al/AO i: I'HI I.IMINARHS OI'ONÍVIÍIS I'II.O DIÍVI-DDK<br />
na posse, a alegacdo de dominio, ou de oulro direito<br />
sobre a coisa. Nao se deve, enlrc/unlojid^ar a posse<br />
em favor daquele a quem evidentemente nao<br />
perteneer o dominio.<br />
Previa, a parte final do artigo, o que a doutrina convencionou denominar<br />
excec3o de dominio, canal através do qual, durante décadas, questSes de dominio<br />
¡nundaram contendas possessórias. Atendendo aos reclames da doutrina*, o le<br />
gislador tratou de nao repeti-la no novo codex (v. art. 1.210, §2").<br />
4. Da adequacüo da acáo de reintegrado de posse para recuperacáo do bem<br />
arrendado.<br />
Com o inadimplemento do arrendatario no contrato de leasing, o que se<br />
verifica é que sua posse. até entao legítima, passará a ilegítima. Nesse momento se<br />
teria por configurado o esbulho possessório autorizador do uso da possessória.<br />
Mas deve-se considerar que nesse contrato, em regra, a instituiejío de leasing ná"o<br />
chega a possuir o bem da vida objeto do negocio'. O que ocorre é urna tradicao<br />
direta do fomecedor ao arrendatario. Ora, quem nunca teve a posse nüo pode, por<br />
obvio, ter a posse protegida por meio dos interditos. Sendo a ¡nstituicüo finanecira<br />
proprietária sem posse antiga sobre a coisa, carecería, em tese, de aca"o possessória<br />
contra o arrendatario já que n3o cabe, em sede de possessória, discussao sobre o<br />
dominio1", que ó tudoquea financeira tem.<br />
A única posse que a financeira detém, in casu, é a indireta, na qual<br />
cncontra a jurisprudencia dominante no país o fundamento para a admissibilidade<br />
do uso da reintegratória para recuperado do bem arrendado. Mas só usando de<br />
grande abstraeño poderíamos conceber a existencia de esbulho contra o possuidor<br />
indireto, vez que inserta no conceito de esbulho esta a no^ao da perda do poder<br />
físico sobre a coisa (corpus) para outrem. Poder que o proprietário possuidor<br />
indireto, que nunca o foi diretamente, nao chegou a exercer. Ademáis, prevé o art.<br />
1.197 do Código Civil apenas a possibilidade do possuidor direto proteger sua<br />
posse contra o indireto, e nao o inverso" .<br />
"CI". nesse sentido Caio Mano (2000, p. 52) e Humberto Tlieodoro Júnior (1991, p 1614).<br />
'' <strong>In</strong>clusive, a possibilidade do negocio ser estipulado direlamenle entre vendedor e arrendatario c cxpressaincntc<br />
prevista no art. 13 da Rcsolucao 2.309 de 1996 do Bacen.<br />
'" E inesmo durante a vigencia da íhí/b» tlninmi cni nosso direito, negava-sc a possibilidade de alegacao de<br />
dominio ao anuir Kr.sa so poderia ser fcila pelo réu. Nesse sentido ha diversos julgados, consullc-sc: RT 671:116.<br />
501;I.IX e 499:122<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN . 93
IIARUUX) AUGUSTO DA SILVA TL1XLIRA DUARTI;<br />
A despeito desses entraves teóricos, há muito já consol¡dou-se a juris<br />
prudencia em aceitar a via possessória na h i pótese estudada, muito embora o que<br />
esteja cm tela seja o jus possidendi (direito á posse) e nüo propriamente o ¡us<br />
pussessionis (direito a ter a posse protegida). Reconhecendo as peculiaridades da<br />
possessória usada para esses fins, a jurisprudencia n3o tem exigido a prova da<br />
posse direta anterior do bem por parte da arrendadora (requisito estabelecido ao<br />
art. 927, inc. I do CPC), para a expedicüo do mandado reintegratório. Para tanto,<br />
basta apenas que se prove: I. Que realmente se traía de contrato de arrendamento<br />
mercantil, da onde deriva a existencia da posse indireta da instituic3o de leasing,<br />
e 11. A mora do arrendatario, a partir do qual se teria por configurado o esbulho.<br />
5. Questóes preliminares oponíveis pelo devedor.<br />
Tendo em vista essas condicSes especiáis á higidez da possessória<br />
usada no contexto em estudo, uso que, a rigor, atenúa o preceito da separacüo<br />
entre juízo petitorio e possessório, posto que traz a esse último questáo referente<br />
ao jus possidendi do autor; tendo em vista (repetimos) cssas especiáis condieñes,<br />
é que passaremos ao estudo das preliminares de carencia de ac2o que passam a ser<br />
oponíveis pelo arrendatario.<br />
5.1 O pagamento antecipado do valor residual (VR).<br />
Como visto, a característica essencial do contrato de arrendamento<br />
mercantil é a possibilidade de, ao seu termo, o arrendatario escolher urna dentre as<br />
seguintes opcóes: I. Adquirir em definitivo o bem mediante o pagamento do valor<br />
residual; II. Prorrogar o contrato, ou III. Devolver o bem. Essa regra está consignada<br />
no art. 5o , alinea "c" da Lei n. 6.099 de 1974, verbis: "art. 5o Os contratos de<br />
arrendamento mercantil contento as seguintes disposieñes: c) opcSo de compra<br />
ou renovacüo do contrato, como faculdade do arrendatario". A conseqüéncia da<br />
inobservancia do estabelecido é colocada, em seguida, no art. 11, § Io da mesma<br />
lei: "A aquisicao pelo arrendatario de bens arrendados em desacordó com as<br />
d¡spos¡9des dessa lei, será considerada operacSo de compra e venda a prestac3o".<br />
Pois bem, trata-se de especie contratual que poderá terminar como<br />
" Rcssallc-se que csse cnlcndiincnto aquí defendido (da inadequacio do inlcrdilo possessorio cm comento, para<br />
rcversao do bem objeto do conlralo de Icasini: em caso de inadiinplemcnlo) c diverso do pacificamente aceito na<br />
jurisprudencia. Razio pela qual, dcvcinos rcconhccé-lo. nao lem esse débale mitro ¡nleresse que nao o teórico-<br />
cicmiíííco. Teñios, entretanto, ao nosso lado o nupsicno de Caio Mano da Silva Pereira que nao confere ao possuidor<br />
nklirclo n
AÍ.ÁO DI 1(1 INII (,KA(,Á DI. I1)SSI; I'AKA Kl.l III'IKA
HAROLLX) AUGUSTO DA SILVA TEIXlilKA RUARTK<br />
impossibilidade jurídica do pedido, com base no art. 267, inc. VI do CPC. Nesse<br />
sentido é que tém decidido os tribunais14.<br />
5.1.1 Como pode ocorrer a cobranca antecipada do VR.<br />
So unía análisc acurada do caso concrclo dirá se está ocorrendo unía<br />
antecipacaodo VR. O instrumento contratual há de ser estudadocom profundidade,<br />
haja vista a sorte de subterfugios utilizados, comumente, para mascarar a verdadeira<br />
natureza do negocio. Um desses meios é a cobranca do VRG.<br />
A rigor, a simples cobranca do VRG, em si, já constituí urna ¡legalídade,<br />
posto que se trata de criacao do Banco Central em ato de completa exorbitancia do<br />
seu misterde regulamentar a lei 6.099 de 1974, que nao prevé tal instituto. Mas, em<br />
atitude benevolente, tém os tribunais aceito a sua cobranca, desde que tenha por<br />
finalidade cobrir eventual prejuizo, decorrente da opc3o do arrendatario de n3o<br />
adquirir o bem<strong>15</strong>. Isso porque há a possibilidade de que, encerrado o contrato e<br />
devolvido o bem á financeira, o valor obtido com a sua alienacüo a terceiro n3o seja<br />
o suficiente para, em conjunto com os aluguéis arrecadados, compor o total do<br />
capital que fora mobilizado pela arrendadora para a sua compra. O que só ocorrerá<br />
se a desvalorizacao do bem, no período da vigencia do contrato, for maior que o<br />
quantum apurado com os aluguéis.<br />
O que implica dizer que da comprovacao do pagamento do VRG na<br />
vigencia do contrato, nao decorrerá automáticamente a transformacao desse em<br />
compra e venda a prestado; é necessário, para tanto, que o valor cobrado em VRG<br />
seja de tal monta que redunde em verdadeira antec¡pac3o do preco da coisa.<br />
Em urna palavra: O VRG tolerado é o que, somado ao valor arrecadado<br />
com os aluguéis, corresponde á desvalorizacao da coisa. Cobranca maíor significa<br />
antecipaciSo do VR, elidindo, pelos motivos anteriormente colocados, o direito de<br />
a
ac/áo ni: ii;rac;áodouüm arri;ndaix> i:m lef-sing<br />
Á DA AC.ÁO i; I'RI.I.IMINARKS OPONiVmS PVA.O DEVIÍDOR<br />
ARRENDAMENTO MERCANTIL -<br />
Descaracterizacao para compra e venda -<br />
Adniissibilidude se o valor residual garantido,<br />
diluido nas prestucOes, nao representan c/uanlia<br />
mínima eslabelecida a titulo de seguranca para o<br />
arrendador - Circunstancia que afasia a<br />
possihilidade de reintegracao de posse do bew ar<br />
rendado. (RT 772:321)<br />
Tem-se decidido, ainda, que resta desnaturado o arrendamento mercantil,<br />
que passa a ser compra e venda a prestacSo, no caso do quantum cobrado, ao<br />
final, a título de valor residual, ser irrisorio16. Isso porque valor residual irrisorio é<br />
o mesmo que valor residual inexistente. De onde se deduz que a opca"o de compra<br />
n3o fora feita verdadeiramente ao final do contrato, mas antecipadamente. Tendo<br />
sido o real VR diluido ao longo das prestacóes.<br />
Mas muitas outras práticas podem constituir indicio de antecipacáo do<br />
VR. As vicissitudes da prática comercial frustram qualquer tentativa de catalogac^o<br />
exaustiva, motivo pelo qual cabe ao advogado dissecar o caso concreto que lhe é<br />
apresentado, para verificar se se trata de contrato de compra e venda travestido de<br />
arrendamento mercantil. Se assim o for, resta-lhe argüi-lo cm sede de preliminares<br />
da contestacao, pugnando pela extincao da acao de reintegracao de posse sem<br />
julgamento de mérito.<br />
5.1.2 Possibilidade de dcscaracterizac.3o do contrato de oficio.<br />
Questiona-se se, recebendo a peticüo inicial e se convencendo, o magis<br />
trado, a partir dos documentos que a instruem, de que houve urna antec¡pac.3o do<br />
VR, se poderia indeferir, de oficio, a exordial com base na carencia de acíio.<br />
Entendemos que a resposta só pode ser a negativa".<br />
Explicamos: É que muito embora a transmutado gere a carencia de ac.5o,<br />
que é materia de ordem pública e, portanto, conhecível ex ojjicio, ela (a<br />
transmutado), em si, n3o pode ser reconhecida sem provocado da parte interessada.<br />
"RTJRGS 21.1:378<br />
'" Tanibein nesse sumido: Thalc Moráis da Cosía (2001)<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 97
I IARüLDÜ AUGUSTO DA SILVA ILIXUIRA DUARTU<br />
A declarado da real natureza de determinado contrato nao constituí materia de<br />
ordem pública. Podem, as partes, exercitando sua liberdade contratual, celebrar o<br />
contrato que quiserem, unindo em um só ato as características que Ihes aprouverem,<br />
sem que daí decorra interesse público na declaracáo da relacüo jurídica criada.<br />
Pode se argumentar que os principios que instruem a política nacional<br />
de protecáo ao consumidor, lancados com a Leí 8.078 de 1990 (Código de defesa do<br />
consumidor-CDC-), autorizariam a realizacáo dessa declaracño de oficio pelo órg3o<br />
julgador, já que déla decorreria urna decisáo favorável ao polo hipossuficiente da<br />
relacSo de consumo (a extinc3o, sem julgamento de mérito, da acáo de reintegracao<br />
de posse). No entanto, é de se ponderar que os interesses do consumidor nüo se<br />
limitam á contenda possessória instalada. No ámbito dessa, n3o há dúvida de que<br />
a extincao do feito sem julgamento do mérito Ihe será mais interessante. Acontece<br />
que da caracterizacüo da compra e venda, decorrerüo outros efeitos como, verbi<br />
gralia, a responsabilidade pelas prestacoes vencidas e vicendas. Ao passo que,<br />
em se tratando de leasing, caberia ao arrendatario apenas o pagamento das prestado<br />
vencidas até o momento da propositura da acflo.<br />
Em suma: o arrendatario n3o só gozará das benesses, mas também arcará<br />
com os ónus advindos daquela declaracSo. Raz3o pela qual só á parte cabera,<br />
pesando pros e contras, decidir da convcniC'iicia de se pleitear declaradlo judicial<br />
que reconheca a existencia do contrato de compra e venda18.<br />
5.1.3 AinatériadaaiitccipacüodoVRiiajurisprudí'iiciadoSTJ.<br />
Diante da copiosa serie de precedentes da 2* sceflo do STJ10,<br />
reconhecendo que a antccipacüo do VR, faz o contrato de arrendamento mercantil<br />
adquirir feicdes de compra e venda a prestacüo, sumulou-se o entendimento no<br />
enunciado de número 263 do Superior Tribunal que passamos a transcrever: "A<br />
cobranca antecipada do valor residual (VRG) descaracteriza o contrato de<br />
arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a prestacao".<br />
Ao se ler essa súmula, n3o se pode perder de vista a sua origem, para a<br />
partir daí compreender seu verdadeiro alcance. Como dito, ela fo¡ elaborada pela<br />
'• Nessc sentido i o jul^ado: Ap. Civ 331.214-3 - 7- Cám. Civ. - TAMG - j. 10 05.2001 - reí Juiz Femando<br />
Braulio - DJ 30.05.2001. Thales Moráis da Costa comenta dctalhadamcntc esse acordao no artigo citado na ñola<br />
¡interior.<br />
'" Alguns desses l'oram citados á nota U. á qual remolemos o Icilor.<br />
REVISTA JURÍDICA INVERUISn. <strong>15</strong>-UFRN
AÍ/ÁO DH REINTEGRADO DE POSSH I'ARA RECUrERA^AO DO BEM ARRENDADO EM LEESING:<br />
ADi:OI)ACAO DA A
IIAROUX) AUCUSTO DA SILVA THIXIiIRA IJUARTIi<br />
picvisño de varios encargos (valor residual, cumissílo de permanencia, juros<br />
moratórios etc), pautados vulgarmente em índices variáveis (tal como a cotac2o do<br />
dólar americano por exemplo); surge justificável dúvida, para o devedor, de qual é<br />
o montante de seu débito. Motivo pelo qual só restaría configurada a mora/esbulho,<br />
a partir do momento em que esse permanecesse inerte após notificacSo previa para<br />
pagamento, que deverá conter "clara especificacüo do quantum debeatur e os<br />
componentes estruturais quali-quantitativos do débito nüo solvido em contrato<br />
de leasing", (RTJRGS 202:383).<br />
Nessa linha de raciocinio, inexistindoanotificacao, a mora seria do credor<br />
(mora accipiendi), o que excluiría a mora solvendí (necessária á caracterizacao do<br />
esbuiho), já que nao é exigível ao arrendatario o pagamento de débito, cujo valor<br />
Ihe é presumivelmente desconhecido, por pressupor, para o seu exato aferimento,<br />
conhecimentos técnicos ¡nalcancáveis ao homem medio.<br />
Outro argumento em prol do acolhimento dessa preliminar é que, em se<br />
ajuizando acáo de reintegraciJo de posse contra o devedor sem antes notificá-lo,<br />
se estaría porsubtrair-lhe a faculdade de exercer a opc3o de compra do bem, que<br />
sendo característica essencial do contrato de leasing, perduraría mesmo que<br />
configurado o inadimplemento. Ora, a opc3o de compra só poderá ser feita mediante<br />
o conhecimento dos encargos decorrentes do n3o pagamento das prestac5es.<br />
A necessidade de previa notificacao, para o uso da possessória, é aínda<br />
mais evidente quando se considera que há a possibilidade (pelo que dispde o art.<br />
920 e seguintes do CPC), de expedicao do mandado reintegratório, sem ouvir a<br />
parte contraria, no caso do esbuiho datar de menos de ano e día. Nessa hipótese,<br />
o arrendatario perderá a posse do bem, sem que Ihe seja dada a oportunidade de<br />
purgar a mora22.<br />
5.2.1 A questáo da necessidade de notificacao previa no STJ.<br />
Há, no entanto, quem entenda que a existencia de cláusula resolutoria<br />
expressa, no instrumento contratual, torne despicienda a notificacüo previa do<br />
devedor, que desde o inadimplemento já estaría constituido em mora. Essa especie<br />
"Cf nesse sentidoo Rcsp. 139305: "Comoa afilo rcinlc^ratória pennile odcfcrinieiilode liininar ¡iKlcpciidcntemcnlc<br />
a ouvjda da pane conmina. nSo lera esta a oporiiinidadc de exercer o sen cintilo [de purgar a mora] se ames disso nao<br />
liver sido notificada do valor do debito, especialmente quando sujeito a reajustes c acréscimos contratados".<br />
100 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
AQÁO DI-: KI-INTHGRA^ÁO DE I'OSSE PARA RECUPERADO DO DEM ARRENDADO EM LliHSING:<br />
ADCQUACÁO DA ACÁO P. PRELIMINARES OPONÍVEIS PELO DEVEDOR<br />
de cláusula dispóem que: mediante o ¡nadimplemento do arrendatario, estaría au<br />
tomáticamente resolvido o negocio, indcpendentemente de notificacao, estando o<br />
arrendador legitimado a reaver a coisa e os aluguéis nao pagos. Nesse sentido é<br />
que vem se posicionando a 3a Turma do STJ2'. Posica"o oposta á reinante na 4a<br />
Turma (cujos precedentes foram citados no item anterior), que entende necessária<br />
a notillcacao mesmo nessa h¡pótese.<br />
Julgamos que o melhor entendimento é o da 4a Turma, e o fazemos pelo<br />
motivo que passamos a aduzir. Sob a égide do CDC24, na"o é possível interpretar tal<br />
cláusula, sem antes considerar algumas ponderacSes: I. Trata-se de cláusula<br />
imposta em contrato de adesao; e 11. Assim o sendo, deve ser observada a regra do<br />
art. 54 § 2" do CDC, que passamos a citar: "Nos contratos de adesao admite-se<br />
cláusula resolutoria, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor,<br />
ressalvando-se o disposto no § 2udo artigo anterior".<br />
De onde se constata que é ¡nadmissível, em contrato de adesao no<br />
ámbito do CDC, cláusula resolutoria se na"o for alternativa, ou seja, se nao trouxer<br />
a possibilidade do consumidor purgar a mora, ¡mpedindo, com isso, a resolucüo<br />
contratual.<br />
Dessa forma, temos que a notificacao previa do arrendatario, n3o só<br />
deve ser feita em respeito á natureza do leasing, como também por observancia as<br />
normas básicas de defesa do consumidor. Nao sendo, por isso, sua ausencia<br />
suprida por cláusula resolutoria expressa.<br />
De qualquer forma, fica aquí registrado o dissenso existente entre a 3a e<br />
4a Turmas do STJ que, esperamos, venha a ser em breve diluido, quando reunida a<br />
SecSo de Direito Privado para pronunciamento definitivo sobre o assunto.<br />
ó.Consideracóes fináis.<br />
Ao final desse estudo, verificamos que o tema do contrato de<br />
arrendamento mercantil, no campo teórico, é fértil em gerar perplexidades das mais<br />
■' O'. Kesp. U.JIK.V l.iiiiU-ni uessa veiicme. l< I 7J: II.» c «Id:<strong>15</strong>.2.<br />
;' Que se aplica nos conlralos de leasing, sendo indiferente o Talo da arrendataria se dedicar á alividade mercantil<br />
Nesse senlido: Resp. 2.<strong>15</strong>200 e RTJRGS 2<strong>15</strong>:384. É claro que essaé urna materia controversa, que nao temos a ambicio<br />
de dissecar em mera nota de rodapé. Especialmente pelo lato das indagacucs referentes so concedo de consumidor,<br />
serení das mais polémicas no ániliilo do Direiln C'onsunierisla. merecí.,ido mn csii.Jo deialludo i|iie n;lo cnconlra<br />
espaeo nesse traballui<br />
RF.VISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN 101
IIAROLIX) AUGUSTO DA SILVA TKIXUIRA DUARTt<br />
diversas, a comecar pela sua natureza híbrida, que congrega diferentes operacóes<br />
(financiamento, aluguel e urna possível compra e venda). Em juízo, n3o poderia ser<br />
diferente, novas possibilidades se abrem haja vista as suas ¡diossincrasias. A<br />
despeito das adversidades encontradas, e com base na lei, jurisprudencia c doutrina<br />
analisadas, reputamo-nos aptos a concluir:<br />
1- A acáo de reintegracao de posse é o meio tido por admissivel para<br />
recuperar o bem arrendado em leasing. Ressalvamos, no entanto, que ao nosso<br />
juízo n3o há tal admissibilidade. posto que o proprietário que nunca teve a posse<br />
direta da res (o que comumente ocorre em se tratando de leasing) nüo tem acüo<br />
possessória contra o possuidor. Ao nosso ver, caberia ao arrendador ajuizar acüo<br />
reivindicatoría, na qual, provando sua propriedade, pediría para ser imitido na<br />
posse.<br />
2- Para processar a ac3o de reintegracáo de posse no contexto em anal ¡se,<br />
os tribunais tém exigido: I. Constatac.3o de que realmente se trata de contrato de<br />
leasing, a partir do qual se teria por existente a posse ¡ndireta da financiadora; e 11.<br />
A mora do arrendatario, que cquivalcria ao csbulho.<br />
3- A parir daí, novas questóes passam a ser argüíveis, em sede de preli<br />
minares, com a mola de fulminar o direílo de aguo da arrendadora, sflo elas: I. O<br />
pagamento antecipado do VR; e II. A ausencia de notifícacao previa.<br />
4- Em se pagando antecipadamente o VR, teríamos que o contrato passaria<br />
a ser de compra c venda. Elidíndo, assím, a posse indíreta da instítuicüo de leasíng.<br />
5- A cobranca antecipada do VR vem sendo, freqüentementc, perpetrada<br />
sob o manto da cobranca do VRG.<br />
6- A ausencia de notifícacüo previa do devedor, por parte do arrendador,<br />
desconstitui a mora solvendi, sem a qual, fenece a pretens3o reintegratória.<br />
7. Referencias<br />
BULGARELLI. Waldirio. Contratos mercantis. Sao Paulo: Atlas, 2001.<br />
COSTA, Thales Moráis da. Descaracterizacüo do contrato de leasing e reintegra-<br />
cao de posse. IN <strong>Revista</strong> de Processo N. 104, p. 240-253, outubro- dezembro 2001.<br />
COMPARATO, Fábio Konder. Contrato de "leasing" IN <strong>Revista</strong> dos Tribunais<br />
vol. 386, p. 7-14, dezembro, 1967.<br />
102 REVISTA JURÍDICA IN VERlilS n. <strong>15</strong> - UFRN
ACA(> IJL Kl INII.GRACÁO IX. TOSSE PARA RUCIIPI RAÍ,'AO DO HtM ARRKNUADO IM Ll£[-.SINCi:<br />
ADIOUACAo DA ACAO K PRELIMINARES OPONÍVEIS PIU.0 [)KVniX)R<br />
GOMES, Orlando. Contratos. Atualizador: Humberto Theodoro Júnior. Rio de Ja<br />
neiro: Forense, 1999.<br />
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil: vol. 3, procedi-<br />
mentos especiáis. Rio de Janeiro: Forense. 1991.<br />
PEREIRA, Caio Mario da Silva. <strong>In</strong>stituyes de direito civil: VoL IV. Rio deJaneiro:<br />
Forense, 2000.<br />
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das coisas. Sao Paulo: Saraiva, 2002.<br />
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: contratos cm especie. S3o Paulo: Atlas,<br />
2002.<br />
REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN 1()3
REGULACÁO,L1VRECONCORRÉNCIAEDEFESADOCONSUMIDORNA<br />
INDUSTRIA DO PETRÓLEO: O PAPEL DA ANP.<br />
Alírio Maciel Lima de Brito<br />
Académico do 7o período do Curso de Direito - UFRN<br />
Bolsista do Programa de Recursos Humanos da ANP para o setor de Petróleo c<br />
Gas Natural (PRH ANP/MCT36 - Direito do Petróleo e Gas)<br />
Ronald Castro de Andrade<br />
Académico do 7o período do Curso de Direito- UFRN<br />
Bolsista do Programa de Recursos Humanos da ANP para o setor de Petróleo e<br />
1. <strong>In</strong>troducto.<br />
Gas Natural (PRH ANP/MCT 36 - Direito do Petróleo e Gas)<br />
"Nunca a industria do petróleo leve como<br />
fundamento qualquer racionalidade; ao contrario,<br />
desenvo/veu-se, leudo como característica principal<br />
a paixao, o desafio, a vitaría, o poder e a derrota".<br />
María D'Assuncüo Menezello<br />
As novas tendencias do mercado no limiardo sóculo XXI demandaran)<br />
urna reformulacüo das políticas nacionais relativas ás atividades da industria do<br />
petróleo, o que se deu no Brasil através da Emenda Constitucional n° 09/1995,<br />
culminando com a aprovac3o da denominada Lei do Petróleo (Lei n° 9.478) dois<br />
anos mais tarde.<br />
Cumpre analisarmos, destarte, os fatos históricos que a precederam, tanto<br />
no ámbito interno como internacional, além da forma e razOes motivadoras desta<br />
reformulacao política, com foco ñas medidas adotadas no sentido de garantir o<br />
respeito ás regras de mercado e, principalmente, a satisfago dos interesses dos<br />
consumidores. Este, que é o fim último da Lei do Petróleo, será anal ¡sudo a partir<br />
das acSes do principal ator surgido com o novo cenário da industria petrolífera<br />
brasileira: a Agencia Nacional do Petróleo (ANP).<br />
2. Concentracáo e industria do petróleo: consideraedes históricas.<br />
A historia da industria do petróleo se confunde, em sua evolucSo,<br />
contradicSes e paradigmas, com a própria historia do capitalismo desde o inicio de<br />
seu ciclo comercial em meados do século XIX. O petróleo é, indubitavelmente, o<br />
bem de maior importancia económica, política e estratégica na sociedade hodierna.<br />
104 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
ALIKIO MARCIIU. LIMA DI; BRITO K RONALD CASTRO DE ANDRADE<br />
sendo mesmo ¡mpcnsável a vida em nossos días sem os inumeráveis produtos<br />
dele provenientes, tanto direta como indiretarnente.<br />
lista essencialidade do petróleo, aliada a forte, quase incrcnte, tendencia<br />
de concentracao da industria petrolífera seja no plano interno ou mundial, pñe o<br />
controle sobre suas atividades como unía das preocupaedes centráis dos Estados<br />
em termos estratégicos e político-económicos.<br />
Com efeito, a experiencia norte-americana com Rockefeller e o truste<br />
Standard Oil em fins do século XIX constituí marco determinante no sentido de<br />
evidenciar a necessidade de controle estatal sobre as atividades petrolíferas. A<br />
Standard Oil, em 1889, controlava mais de 90% da capacidade de refino nos Estados<br />
Unidos. Em 1899, quando o truste foi convertido em urna Holding, a concentrado<br />
do mercado tornou-se ainda mais acentuada, urna vez que a estrutura monopolista<br />
integrada e verticalizada que caracteriza esta modalidade empresarial implicava no<br />
controle das diversas etapas produtivas e da própria infra-estrutura necessária ás<br />
atividades petrolíferas.<br />
Marinho Jr. (1989, p.23-4) aprésenla dados impressionantes sobre a<br />
situacao da Standard Oil no ano de 1907, quando controlava 67 subsidiarias, nove<br />
companhias de refino, cinco companhias de óleo lubrificante e compostos, tres<br />
companhias produtoras, 12 companhias de oleoduto, urna companhia<br />
transportadora de vagóes-tanques, seis companhias distribuidoras de gas e 45<br />
companhias de petróleo no exterior, representando urna flagrante violado do<br />
principio basilar da economía capitalista: a livre-concorréncia.<br />
Esta situacao perdurou até <strong>15</strong> de maio de 1911, quando a Suprema Corte<br />
dos Estados Unidos ordenou, em decisáo histórica, a dissolucao da Standard Oil<br />
of New Jersey, obrigada a dividir entre seus acionistas as participaeñes em trinta e<br />
tres sociedades (Cf. Marinho Jr. apud Menezello. 2000). Esta decisao tornou-se um<br />
marco da intervencao Estatal na economía petrolífera interna. No entanto, a<br />
tendencia concentradora dos atores da industria do petróleo n3o se restringe ao<br />
ámbito interno dos Estados. Ao invés, é no campo internacional que a concentrac.ao<br />
se faz ainda mais avassaladora, causando verdadeiro estardalhaco ñas políticas e<br />
economías internas dos Estados, muitas vezes inermes em func^o da acentuada<br />
dependencia em relaclo aos grandes conglomerados petrolíferos transnacionais.<br />
O marco da ¡nternacionalizacao da industria petrolífera é o Acordó de<br />
Achnacarry, de 1928, ideado por Henri Hendrik Deterding. Com o Acordó de<br />
Achnacarry, as gigantes do petróleo mundial, conhecidas como majors, buscaram<br />
dividir entre si quotas do mercado mundial, mantendo a proporcao que se afigurava<br />
até entño, inclusive abalizando o crescimento de cada qual em func3o do<br />
Rl.VISTA ,'URIDICA IN VERIÍIS n. <strong>15</strong>-UFRN<br />
105
REGULACÁO. LIVRE CONCURRENCIA E DEI ESA DO CONSUMIDOR NA INDUSTRIA DO PETRÓLEO<br />
crescimento da demanda total. Propugnava-se um sistema de competicao limitada,<br />
com precos internacionais estabilizados.<br />
Em seguida, nos trilhos do Acordó de Achnacarry, foi estabelecido o<br />
Acordó de Londres, em 1934, tido como o ajuste constituinte do cartel internacional<br />
das "Sete Irmas", composto pelas seguintes majors: Exxon, Socal (hoje Chevron),<br />
Mobil, Gulf, Texaco, Anglo-persian (hoje BP) e Shell, ás quais se juntou<br />
posteriormente a CFP francesa na partilha do mercado mundial.<br />
Até fins da década de 50 as "sete irmás" reinaram absolutas, sem outra<br />
limitadlo que nao seus próprios designios, ditando precos á sua conveniencia e<br />
pondo em cheque a soberanía interna nos ditos países hospedeiros. Contra tal<br />
situacSo se insurgiriam, entáo, os principáis países produtores, criando a<br />
Organizacao dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). <strong>In</strong>icialmente, fonnavam<br />
a Organizacao: Arabia Saudita, Venezuela, Kuait, Iraque e Ira, aos quais se uniram,<br />
posteriormente, Qatar, <strong>In</strong>donesia, Nigeria, Equador e Gabao.<br />
Á mesma época, a América Latina vivia um acentuado processo de<br />
nacional¡zac3o das atividades petrolíferas, com intervencionismo direto do Estado,<br />
nao apenas no aspecto regulatório e normativo, mas a partir da criacao de empresas<br />
Estatais. Apontam-se tres objetivos determinantes para este processo: i) reduzir a<br />
dependencia do país em relacao ao cartel internacional; ii) possibilitar ao país<br />
desenvolver sua própria industria do petróleo e; i¡¡) assegurar o suprimento de<br />
petróleo em bases confiáveis e menos onerosas (Cf. Marinho Jr., 1989).<br />
É nesse contexto que é aprovada no Brasil a Lei Federal n° 2.004, de 03 de<br />
outubro de 1953. Esta lei, em seu artigo Io, estatui como monopolio da Uniao: "a<br />
pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e outros hidrocarbonetos fluidos e gases<br />
raros, existentes no territorio nacional", "a refinacao do petróleo nacional ou<br />
estrangeiro", "o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de<br />
derivados de petróleo produzidos no País", ¡ncluindo "o transporte, por meio de<br />
condutos, de petróleo bruto e seus derivados, assim como de gases raros de<br />
qualquer origem", definindo também que esse monopolio seria exercido por meio<br />
do Conselho Nacional do Petróleo, criado pelo Decreto n° 395/38, enquanto órg3o<br />
de orientacao e fiscalizacao e pela Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás) e suas<br />
subsidiarias, como órg3os de execucüo.<br />
A Petrobrás, desde sua criacao em 1953 até o advento da Lei 9.478/97 (Lei<br />
do Petróleo), obteve inquestionável sucesso na execucao do monopolio Estatal<br />
do petróleo. Gracas á Petrobrás, o Brasil alcancou a contento os tres objetivos<br />
maiores do processo de nacionalizacao das atividades petrolíferas aludidos<br />
anteriormente.<br />
106 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
AI.ÍKIO MARCII I. LIMA Di; IIKITO I: RONAI.I) CASTRO ül¡ ANDRAUI:<br />
3. Abertura do mercado.<br />
A Emenda Constitucional n° 09/1995 altcrou profundamente a func3o<br />
exercida pelo Estado brasileiro ñas atividades petrolíferas. Até cnta"o, elas eram<br />
desempenhadas pelo Estado por sua conta e risco, sendo vedada por dispos¡c3o<br />
constitucional (art. 177 da CF/1988) a ¡nserc3o de novos atores ñas atividades<br />
relatadas no capítulo anterior. Estas atividades eram desempenhadas pela Petrobrás<br />
de acordó com a lei 2.004 de 1953, detendo, dessa forma, o Estado seu monopolio<br />
absoluto.<br />
Esta transformacao foi motivada por uma tendencia mundial que se<br />
verificou desde o final dos anos 70 e inicio dos anos 80 do século passado em<br />
alguns países, principalmente, na <strong>In</strong>glaterra. Esta modificacao no modo de atuacSo<br />
do F.stado no dominio económico tevc como alicoree a ideología neoliberal, a qual<br />
propugna pelo afastamento do Estado de alguns setores da economía que até<br />
entao eram única e exclusivamente por Ele desempenhadas. No contexto brasileiro<br />
podemos citar como exemplo da utilizacüo dessa ideología a privatizacao dos<br />
setores de energia elétrica e de telefonía, bem como a nova cstruturacSo dada ao<br />
setor do petróleo e gas natural visando, segundo Saúl Suslick (2001, p. 34).<br />
"aumentar a eficiencia e a ampliacüo de suas atividades, além de dar énfasc a<br />
prolecüo dos consumidores e usuarios quanio ao proco e qualidade dos produtos<br />
e a garantía do suprimento de petróleo em todo o territorio nacional".<br />
No caso brasíleiro, o intervencionismo estatal na economía remonta á<br />
década de 50 do século passado e teve como pressuposto a substituido da<br />
iniciativa privada como agente financiador do desenvolvimento de determinados<br />
setores tidos como cssenciais para o Estado (siderurgia; eletricidade; telefonia;<br />
explorado de petróleo). Para alguns, dentre os aspectos negativos do 'modelo<br />
estatal de desenvolvimento', destacam-se: "a ausencia de um mercado competitivo,<br />
a baixa qualidade dos servicos prestados aos consumidores e a falta de recursos<br />
paraamodemizacaodosservicos(Valo¡s, 2000, p. 117)".<br />
Diante dessa conjuntura internacional e do processo de globalizac,&o<br />
económica, e sob o principal argumento da carencia de recursos por parte do<br />
Estado brasileiro para financiar as atividades petrolíferas, já que os riscos inerentes<br />
a ela, principalmente na fase de exploracáo, s3o bastante elevados e sem retomo<br />
garantido, foi enviado ao Congresso Nacional uma proposta de Emenda que resultou<br />
na Emenda Constitucional n° 09/95, que marcou o fim do período de<br />
intervencionismo estatal no setor petrolífero. Esta carencia de recursos poderia<br />
ocasionar um verdadeiro colapso em nosso país, pois a importancia dessa especie<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. I5-UI;KN l07
RIXÍULACÁO, LIVRL CONCURRENCIA E DEKLSA [XICONSUMIDOR NA INDUSTRIA IX) I'KTKÓLEO<br />
energética para a economía é bastante elevada, podendo ocasionar um retomo á<br />
situacao de dependencia de petróleo por parte de nosso país a patamares do<br />
período das duas grandes crises do petróleo.<br />
A Emenda Constitucional n° 09/95 também previu a criacao de um órgüo regulador<br />
para o setor. que foi instituido através da lei 9.478/97, incumbindo-o da func3o de<br />
regular o monopolio da Uniao: A Agencia Nacional do Petróleo. Esta, ao contrario<br />
do modelo estatal anteriormente utilizado, nüo atua diretamente no dominio<br />
económico, isto é, promovendo e capitalizando esse setor, mas como expSe Mello<br />
(2001, p. 452), "apresenta um papel balizador colocando o consumidor e seus<br />
diversos interesses como a raz3o de ser da regulacao...".<br />
4. A funcáo reguladora da ANP e a protccAo dos interesses dos consumidores.<br />
As transformacóes havidas no processo produtivo desde a revolucao<br />
industrial (segunda metade do século XV11I) e principalmente com a revolucao<br />
tecnológica (fenómeno decorrente do grande desenvolvimento técnico alcancado<br />
no pos 2.a Guerra Mundial) ocasionaram urna profunda alteraciJo ñas relacSes<br />
entre consumidor e fornecedor. Até ent3o, a producao que era caracterizada pela<br />
elaboracao artesanal e manual de produtos e restrita ao ámbito familiar ou a um<br />
pequeño grupo de pessoas, passou a ser urna excec3o. As relaeñes de consumo<br />
deixaram de ser pessoais e diretas, fulminando com o relativo equilibrio existente<br />
entre as partes.<br />
Essa nova configuracao do mercado baseada na producüo em massa,<br />
pelo dominio do Crédito, Marketing, e práticas comerciáis abusivas colocou o<br />
consumidor numa situacüo de extrema precariedade frente aos agentes económicos,<br />
requerendo, dessa maneira, urna transformacao ou amenizacáo deste sistema<br />
predatorio.<br />
Diante dessa conjuntura percebeu-se que o consumidor eslava<br />
desassistido e por isso necessitava de unía protec3o legal, pois é utópica a<br />
possibilidade de autocomposicao entre os integrantes das relacOes de consumo<br />
sem a intervencao estatal. Baseado nessa vulnerabilidade do consumidor foi<br />
iniciado um movimento no ámbito internacional com o intuito de reequilibrar as<br />
relacóes entre consumidores e produtores. No ano de 1985 a ONU pela resoluc3o<br />
39/248 baixou norma sobre a protecao do consumidor reconhecendo que os<br />
consumidores se deparam com desequilibrios em termos económicos, níveis<br />
educacionais e poder aquisitivo.<br />
No caso brasileiro a constituido de 1988 elevou a defesa do consumidor<br />
108 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
AI.IRIO MARCII.I. I.IMA \)\ IIKI'IOI: KONAI.IK ASI KO 1)1- ANPKADI:<br />
ao patamar de direito fundamental (art. 5o, XXX11: "o Estado promoverá, na forma da<br />
lei, a defesa do consumidor"), bem como a principio da ordcm económica, além de<br />
prever no artigo 48 do alo das disposicóes constitucionaís transitorias a elaboracüo<br />
de um Código de Defesa do Consumidor (CDC).<br />
Dentro dessa perspectiva inscre-se o papel regulatório e fiscalizatório<br />
desempenhado pela AN P, pois a lei 9.478/97 ao dispor sobre os principios e objetivos<br />
da política energética nacional tracou como um de seus objetivos a protecüo dos<br />
intercsses dos consumidores quanto a piC90, qualidade c oferta dos produtos (art. Io,<br />
inc. 111), bem como ao instituirás atribuicóes da Agencia Nacional do Petróleo, instituiu<br />
a sua funcSo de:<br />
implementar, em xuas esferas de atribuicoes, apolítica<br />
nacional Je petróleo egás natural, coñuda na política<br />
energética nacional, nos termos do Capítulo I desla<br />
Lei, com énfase na garantió do supr¡mentó de derivados<br />
de petróleo em todo o territorio nacional e naprolecüo<br />
dos interesses dos consumidores quanto a preco,<br />
qualidade e quantidade (art. 8a, inc. I).<br />
Nos últimos anos tem ocorrido urna guerra no mercado de revenda de<br />
combustíveis brasileiro, com relac3o aos precos praticados, muitas vezes fruto da má<br />
qualidade dos produtos oferecidos aos consumidores, bem como da sonegacSo de<br />
¡mpostos, ocasionando práticas anticoncorrenciais.<br />
Dentro dessa problemática insere-se o papel fiscalizatório e regulatório da<br />
Agencia Nacional do Petróleo, tendo em vista os interesses dos consumidores,<br />
buscando, dessa maneira, um setor de revenda de combustíveis isento de práticas<br />
anticompetitivas, no qual a concorréncia possa de fato trazer beneficios aos<br />
consumidores. Antes de adentramos na análise das medidas adotadas pelo ANP,<br />
¡remos trabar algumas considerares alusivas sobre o consumidor para a agencia.<br />
Piiineiramenlc, vale salienlarque a industria do petróleo nflo se refere a um<br />
servido público, mas a um produto de importancia estratégica e pública (Cf. Suslick,<br />
2001). Assim, a ANP interfere diretamente no ámbito de urna atividade económica.<br />
O foco de atiiucSo da ANP na defesa do consumidor nflo ocorre de tima<br />
maneira individual, pois ao trocar as regras que visam dar transparencia ao mercado,<br />
a agencia leva em considerado a coletividade de consumidores, que se convencionou<br />
denominar "consumidor-cidadflo" (Cf. Mello, 2001). Se bem que, devido a sua<br />
importancia na atualidadc. podemos afirmar que a quase totalidade da populacho<br />
brasileira consomé, direta ou indiretamente. esse produto leudo em vista que o<br />
REVISTA JURÍDICA IN VI-RUIS n. <strong>15</strong>-Uh'KN l0°
Kl i;ULA(,A(). 1.IVKI-. CUNCORRLNCIA lí ULIISA IX)UJNSUMIIX>R NA INDUSTRIA IX) PtIRÓLtt)<br />
transporte de mercadurías e passageiros utiliza essa especie de combuslível.<br />
Assim, a frente de atuacHo e preocupacflo da ANP nilo eleve se restringir<br />
únicamente aus consumidores atuais. Segundo Mello(2001, p. 453):<br />
a agencia deve uíuar na proiecüo dos interesses<br />
dos futuros consumidores, seja na garantía de<br />
suprimento futuro dos recursos existentes, como no<br />
aproveitamenlo racional dos mesmos, para a<br />
inclusao de novos consumidores ao mercado,<br />
objetivando, dessa maneira, realcar o principio regulatório do ampio acesso dos<br />
consumidores a esse produto.<br />
No ámbito da normatizacáo podemos identificar um acentuado esforco<br />
da ANP com o intuito de trabar as condutas a serem seguidas pelos agentes<br />
económicos em todos os setores da industria petrolífera, atuando de urna maneira<br />
preventiva nesse desiderato.<br />
No entanto, vamos destacar as medidas adotados para a regulacüo do<br />
setor de revenda de combustíveis, já que é neste que o consumidor apresenta urna<br />
relacSo mais direta e de conseqüéncias mais perceptíveis frente aos agentes do<br />
mercado.<br />
Dentre as portadas editadas podemos destacar as seguintes: a n° 116 de<br />
05 de julho de 2000, que regulamenta o exercício da atividade de revenda varejista<br />
de combustivel automotivo e a de n° 248 de 31 de outubro de 2000, a qual estabelece<br />
o regulamento técnico ANP n° 3/2000 que trata do controle de qualidade do<br />
combustivel automotivo líquido adquirido pelo revendedor varejista para<br />
comercia I ¡zac3o.<br />
Estas portarías enumeram urna serie de obrigaeñes aos revenderes<br />
varejistas com o intuito da protecüo dos consumidores e assentadas em principios<br />
basilares da defesa do consumidor, dentre as quais podemos destacar a<br />
transparencia, que é o dever que possui o forncecdor de dar ¡nformacSes claras,<br />
corretas e precisas sobre o produto a ser vendido, além do principio da confianca,<br />
isto é, a credibilidade que o consumidor deposita no produto como instrumento<br />
capaz de a!canc.ar os fins que dele razoavelmente se espera.<br />
Outra grande contribuyo da ANP no campo da defesa do consumidor<br />
deu-se com a criac3o do Centro de Relacóes com o Consumidor da ANP (Portaría<br />
n° 111 de 28 de junho de 2000) que possibílitou um canal direto de contato do<br />
consumidor com a ANP.<br />
No ámbito fiscalizatório, podemos destacar a Lei Federal n° 9.847/99, que<br />
dispóe sobre a fiscal¡zac3o das atividades relativas ao abastecimento nacional de<br />
110 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN
AI.IKIO MARCILl. I.IMA Dl: HKITO t RONAI.I) CASTRO DI ANDRADI:<br />
combustiveis. que é realizado diretamente pela ANP ou mediante convenios por<br />
ela celebrados. Neste aspecto sSo importantes os convenios realizados com<br />
¡nstituicoes de ensino superior, que visam monitorar a qualidade dos combustiveis<br />
comercializados em nosso país, bem como com os Ministerios Públicos para a<br />
¡mplementacao das acóes de natureza civil e penal contra os agentes que estejam<br />
desrespeitando as disposicoes legáis sobre o assunto, pois cabe á ANP apenas a<br />
¡mplementacáo das sanees administrativas.<br />
5. A atu¡ic3o da ANP no fomento da Mvre concurrencia.<br />
A Lei do Petróleo, já em seu artigo Io estabelece a promocüo da livre<br />
concurrencia como um dos objetivos essenciais da Política Energética Nacional.<br />
Como tivemos a oportunidade de evidenciar em nosso capítulo introdutório, a<br />
tendencia concentradora dos atores da industria petrolífera é t3o intensa que até<br />
mesmo parece-lhes intrínseca. A essencialidade económica, política e estratégica<br />
deste bem, entretanto, n3o deixa ao Estado outra opc3o que n3o a de atuar firmemente<br />
no fomento á concorréncia, mesmo sendo este o setor onde a existencia dos<br />
denominados monopolios naturais se mostra mais comum.<br />
No Brasil, apesar da abertura ocasionada pela Lei 9.478/97, é inegável a<br />
existencia ainda hoje. corridos quase seis anos desde sua edicüo, de um monopolio<br />
natural por parte da Petrobrás. Embora n3o haja mais um monopolio legal, abolido<br />
definitivamente com esta lei, há um inolvidável monopolio fático, real, posto que a<br />
Petrobrás é ainda detentora da quase totalidade do arcabou?o ¡nfra-estrutural<br />
necessário as atividades da industria do petróleo. Neste sentido, é de certo modo<br />
um pressuposto fático que os agentes que desejem entrar no mercado brasileiro<br />
firmem parcerias com a Petrobrás.<br />
Esta situac3o nüo consiste numa exceeño feita á Petrobrás. Com efeito, a<br />
Política Energética Nacional dispoe de modo claro que as atividades desta empresa<br />
deverño ser desenvolvidas "em caráter de livre competido com outras empresas,<br />
em funcílo das condicOes de mercado..." (Art. 61, § I °). Nao há situacüo privilegiada<br />
por se tratar de empresa estatal. O que ocorre é que as "condicOes de mercado" a<br />
que se refere este dispositivo demandam do aplicador da lei urna ¡nterpretacáo que<br />
tenha em conta as quase cinco décadas de monopolio legal desta empresa no país.<br />
A cautela parece ser a palavra de ordem aos novos agentes que se insercm no<br />
mercado brasileiro, os quais buscam naturalmente se aliar a esta gigante Estatal,<br />
detentora de profundos conhecimentos sobre as condicóes geológicas e<br />
mercadológicas do país, além de ser detentora de tecnología de ponta, muitas<br />
vezes por ela mesma desenvolvida, como no caso da exploracüo de petróleo em<br />
REVISTA JURÍDICA 1N VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN ' ''
uix;iii.a(.Ao. i.ivri-: concokkhncia i; di;i lsa ix>consumidor na industria ix> pi tkoi.io<br />
aguas profundas e ultraprofundas.<br />
Voltando a atencüo específicamente á atuac3o da Agencia Nacional do<br />
Petróleo no fomento da livre concurrencia, cumpre-nos afirmar que o papel conferido<br />
a este órg3o pela Lei do Petróleo é modesto, mormente se comparado ás<br />
prerrogativas outorgadas a Agencia Nacional de Telecomunicacóes (ANATEL)<br />
pela sua lei criadora, a Lei n° 9.472, de 16 de julho de 1997. De fato, enquanto o<br />
inciso XIX do art. 19 desta Lei confere á ANATEL a competencia para "exercer,<br />
relativamente ás telccomunicacóes, as competencias legáis cm materia de controle,<br />
prevencüo e repressáo das infracóes da ordem económica, ressalvadas as<br />
pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Económica (CADE)" á ANP<br />
cabe lüo somente comunicar os fatos que possam configurar indicio de ¡nfracüo da<br />
ordem económica, ¡mediatamente, ao CADE e á Secretaria de Direito Económico do<br />
Ministerio da Justíca, "para que estes adotem providencias cabiveis, no ámbito da<br />
legislado pertinente" (Lei n° 9.478/97, Art. 10).<br />
Deste modo, cumpre á ANP um papel subsidiario, preventivo e de fomento,<br />
assim como ocorre no tocante á proteeño dos interesses do consumidor, conforme<br />
relatamos no capítulo anterior. Dentre suas principáis acSes positivas, destacamos<br />
a edicüo da Portaría n° 42, de 16 de marco de 1999, que cria o Comité de Política da<br />
Concurrencia, com a finalidade de assessorar a Diretoria-geral da ANP em suas<br />
decisñes no campo do controle, prevencao e repressáo das ¡nfracQes da ordem<br />
económica, bem como da Portaría n° 60, de 05 de abril de 2000, que instituí a<br />
Comiss3o de Defesa da Concorréncia (CDC), com a finalídade de dar cumprimento<br />
ás obrígaedes assumidas pela ANP no Acordó de Cooperacño Técnica, celebrado<br />
com o Conselho Administrativo de Defesa Económica - CADE e a Secretaria de<br />
Direíto Económico - SDE.<br />
6. Conclusdes<br />
Vimos que a historia da industria do petróleo, desde seu surgimento, é<br />
marcada por urna forte tendencia á concentrado das suas atividades em um reduzido<br />
número de agentes económicos. Ao mesmo tempo, observamos a crescente<br />
preocupado por parte dos Estados nacionais em regrar a conduta destes agentes<br />
em plano interno, visando a manutenc3o da ordem económica e a preservac3o de<br />
seus interesses, tendo em vista o caráter estratégico deste recurso natural.<br />
A intervencüo estatal no dominio económico n3o seguiu um padrüo único, mas<br />
sim viveu urna constante varíacao, atrelada aos paradigmas político-económico<br />
dominantes nos distintos períodos históricos. No caso brasileíro, observou-sc a<br />
REVISTA JURÍDICA IN VIÍRBIS n. <strong>15</strong> - UI'RN
Al.iRIO MARCIÜL LIMA Dl{ URITO K RONAI.DCASTRO Dt ANDRADI;<br />
modificacüo do modelo de intervencao máxima do Estado no periodo que se<br />
estendeu do Estado Novo até o Miniar do século XXI, ao modelo de ¡ntervenc3o<br />
indireta, a que corresponde ao denominado Estado regulador, que propiciou a<br />
gradual abertura do mercado interno a novos agentes económicos.<br />
Essa nova concepc3o consiste num meio termo entre os modelos de<br />
Estado Liberal e Estado <strong>In</strong>tervencionista, ou Welfare State, buscando a maximizac3o<br />
do bem-estar social, sem, entretanto, incorrer nos altos riscos provenientes da<br />
abertura desregrada do mercado.<br />
No sentido da busca pelo máximo bem-estar social, instituiu-sc urna Política<br />
Energética Nacional, tendo como fim último a protec^o dos interesses dos<br />
consumidores-cidadaos. Esta tarefa, no ámbito da industria do petróleo, foi<br />
incumbida á Agencia Nacional do Petróleo, através de dispositivo constitucional,<br />
oriundo da Emenda Constitucional n° 09/95.<br />
Através da leí n° 9478/97 foram tracadas as diretrizes básicas do modelo<br />
de atuacao da ANP na regulacSo e fiscalizacüo do mercado atinente á industria<br />
petrolífera. Essas atividades desempenhadas pela agencia buscam efetivar a<br />
harmonizacao dos ¡nteresses dos agentes económicos e dos consumidores, através<br />
de medidas coercitivas reguladoras deste mercado tendenciosamente monopolista.<br />
Nesse sentido foram editadas diversas portarías pela ANP visando urna maior<br />
transparencia ñas condutas dos agentes económicos, bem como convenios com<br />
instituicóesde ensino superior e os Ministerios Públicos Estaduais para um controle<br />
mais efetivo do mercado.<br />
Por fim, evidenciamos o caráter subsidiario das acóes empreendidas pela<br />
ANP em relacüo á esfera de competencia do CADE e da SDE, cabendo-lhe t3o<br />
somente comunicar a estes órg3os possíveis indicios de infracOes á ordem<br />
económica.<br />
7. Referencias Bibliográficas.<br />
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dos consumidores brasileiros no controle da prestac3o de servidos públicos. Porto<br />
Alegre: Livraria do Advogado, 2002.<br />
FERNADES, Armando Wilson Alves. Análise sobre a prestacáo deservidos nos<br />
postos de revenda de combustíveis nos últimos anos. Tese de mestrado. ln:<br />
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Atualizado por Alexandre Santos de Arag3o. 2°ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.<br />
SALOMÁO FILHO, Calixto. RegulacSo da atividade económica (principios e<br />
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Malheiros, 2002.<br />
S3o Paulo: Malheiros, 2002.<br />
^_(Coord.). Regulado e desenvolvimento. S3o Paulo:<br />
_. Regulacüo e Concorréncia (estudos c pareceres).<br />
114 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
AI.IKIOMAKCIIX I.1MA DI: IMITO I KONA1.I) C'ASTIU) DI- ANDKADI<br />
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro:<br />
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SUNFELD, Carlos Ar¡. Direito Administrativo Económico. Sao Paulo: Malheiros,<br />
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SUSL1CK, Saúl B. "A dinámica na regulacüo de petróleo e gas natural", in<br />
2001.<br />
(coord.): Regulacao em petróleo e gas natural. Campiñas: Komedi,<br />
VALOIS. Paulo. A EvolucSodo Monopolio Estatal do Petróleo. Rio de Janeiro:<br />
Lumen Juris, 2000.<br />
RF.VISTA JURÍDICA INVF.RBISn. <strong>15</strong>-UFRN
UMA AN ALISE SOBRE O ESTATUTO DO TORCEDOR<br />
DavideOliveim l'itiva liona vides<br />
Académico do 5o Período de Direito - UFRN<br />
INTRODUCÁO<br />
O torcedor brasilciro está acostumado a assistir grandes conquistas<br />
dos esportes nacionais, ganhamos títulos ñas mais diversas categorías e<br />
modalidades, estamos entre os melhores em esportes populares como o futebol, o<br />
vólei e o tenis ou em outros nao tao comuns como o iatismo e o hipismo, no<br />
entanto o Direito nacional c a protecüo daqueles que sao os destinatarios de todos<br />
os eventos esportivos estavam entre os mais atrasados de todo o mundo. Os que<br />
acompanham torneios futebolísticos estño acostumados a ver ao descompasso<br />
entre nossa legislado e a legislacáo estrangeira, aceitam-se os desmandos dos<br />
dirigentes como algo intrínsecamente nosso. algo que é assim porque é c que<br />
pouco se pode fazer para alterar essa sítuacao, tolera-se o descaso com a seguranca,<br />
a saúde e a higiene nos estadios como se fosse isso o normal e excepcional o<br />
respeíto ao torcedor.<br />
N3o há nada de diferente aínda nessa é a situacüo, surge, porém urna<br />
esperarla de que todo esse desrespeito esteja para ter um fim. Essa esperance<br />
traduz-se pela letra da Leí 10.671, de <strong>15</strong> de maío de 2003, o Estatuto do Torcedor<br />
(ET).<br />
A nova leí é formada por doze capítulos, a saber: 1-DISPOSICÓES GE-<br />
RAIS, I I-DA TRANSPARENCIA NA ORGANIZADO, Ill-DOREGULAMENTO<br />
DA COMPETICÁO, 1V-DA SEGURANCA DO TORCEDOR PARTÍCIPE DO EVEN<br />
TO ESPORTIVO, V-DOS INGRESSOS, VI-DO TRANSPORTE, VII-DA<br />
ALIMENTACÁO E DA HIGIENE, VIII-DA RELACÁOCOM A ARBITRAGEM<br />
ESPORTIVA, IX-DA RELACÁOCOM A ENT1DADE DE PRÁTICA DESPORT1VA,<br />
X-DA RELACÁOCOM A JUST1CA DESPORTI VA, XI-DAS PENALIDADES, XII-<br />
D1SPOSICÓES FIN AIS E TRANSITORIAS.<br />
Importante lembrar que apesar de diversos pontos do ET serení tratados<br />
por outras leis, como o caso da Leí n° 9.6<strong>15</strong>/98 (Lei Pelé), o novo estatuto traz unía<br />
visáo completamente diferente pois é a única voltada diretamente para o público<br />
torcedor. É urna especie de aplicacáo do Código de Defesa do Consumidor(CDC)<br />
aplicado ás relac^es existentes entre os organizadores de eventos esportivos e<br />
seus espectadores e busca, a exemplo do CDC, proteger o hiposuficiente. Conceítua<br />
o torcedor como todo aquele que se declare como tal' e equipara a entidade<br />
responsável pela organizacüo da competícao, bem como a entidade de prática<br />
1 16 REVISTA JURÍDICA IN VER13IS n. <strong>15</strong> - UFRN
DAVI |}| ()l IV! IRA I'AIVA UONAVIDI..S<br />
dcsportivn delentom do mando de jogo, no Ibrnecedor nos termos di) CDC. Convém<br />
esclarecer untes de prosseguirmos que, ao contrario do que se possa imaginar, o<br />
conceito dado a "torcedor" pelo Estatuto abrange os adeptos de ¡numeras<br />
modalidades esportivas, diversas do lutebol, aclara-se aínda que essa leí aplica-se<br />
apenas ao desporto profissional, como informa seu art. 43.<br />
Nascido de urna rara iniciativa do Congresso Nacional o ET é fruto de<br />
duas CPl's2 realizadas no ano 2000. Apesar de ná"o levar á punicüo de nenhuma<br />
dos envolvidos, esses inquéritos somados ao histórico de catástrofes ocorridas<br />
dentro de estadios1 criaram um clima de ¡nsatisfacao popular que levou o Senado<br />
a preparar urna nova lei que buscasse proteger o torcedor tanto do descaso a que<br />
é exposto durante as partidas como aos demandes dos chamados "cartolas".<br />
Contribuiu também para o advento da Lei 10.671/03 o crescimento da consciéncia<br />
política da populacSo que nao concedeu um novo mandato para varios dirigentes<br />
da chamada "bancada da bola', entre eles o presidente do Vasco e advogado<br />
Eurico Angelo De Oliveira Miranda, e permitiu que tal lei fosse aprovada por<br />
unanimidade ñas duas casas do Congresso Nacional.<br />
OS PRINCIPÁIS PONTOS DO ESTATUTO<br />
Como já foi dito, o Estatuto do Torcedor traz grandes mudancas para a<br />
legislacáo esportiva nacional, regrando ámbitos tüo diversos como o transporte, a<br />
alimentacáo e a publicidade de regras dos torneios. Para urna análise mais didática<br />
de tais ¡novaeñes, facamos urna divisSo baseada nos seguintes temas: a)<br />
transparencia, b) seguranza, transporte, higiene e alimentacao, c) regulamento, d)<br />
a figura do ouvidor, e) punieñes cabiveis aos organizadores e torcedores.<br />
1 Traz o art 2" do RT a seguinte redacto: "Torcedor é loda pessoa que aprecie, apóic ou se associc a qualquer enlidade<br />
de prálica desponiva do l'ms c acompanlie a prálica de determinada modalidade esportiva. Pnráiirafo único. SaKo<br />
prova eni contrario, presninein-se a anrcciacAo. o apoio ou o ¡icoinpanh.imcnlo de que trata o cnpul dcslc artigo "<br />
; Um no Senado, i|iic hnscava apurar denuncias lenas contra c\-lreinadc>r da Selecto Drasilcirn. c oulra na Cániani.<br />
instaurada para investigar as coritas da Confederacao Brasileira de Kutebol (CBK).<br />
' Nunca é dcmais Icinbrar os aconteciincntos da final do Campeonato Brasileiro de 1992 quando após um tumulto,<br />
as grades de prolccao da ari|uibancada do Maracaná cederam. e centenas de torcedores cairnm ñas cadeiras causando<br />
a morte de quairo pessoas c fcrimcnlos cin niais de cent Uu o ocomdo ein 1995 no estadio do Pacacmbu. quando ao<br />
final da Supereopa Sao l'aulo de Júniores integrantes das toreidas organizadas Mancha Verde e da <strong>In</strong>depcndenlc.<br />
palmcirenses c sao-paulinos respectivamente, digladiaram-sc coin paus c pedras de obres do estadio. Um torcedor do<br />
Sao Paulo nioncu a pauladas Lssc rol macabro poderia se eslender por longas lollias. porcm nos delcnhamos a<br />
rclembrar a final da Copa Joao I iavelangc no ano 3000. quando iium siiperlotado estadio de Sao Januárío a queda de<br />
um alambrado api» um tumulto causón lerimcntos cni dezenas de pessoas<br />
RF.VISTA JURÍDICA IN vr.RRIS n. <strong>15</strong> - UI'RN "7
a) Transparencia<br />
UMA ANÁLISE SOBRE O ESTATUTO DO TORCI:IX>R<br />
Essa é urna questáo de grande importancia para o Estatuto, sendo<br />
inclusive tema de um capítulo inteiro. Trata-se da aplicacáo do Principio da<br />
Publicidade e dodireito á informacao4 ñas rela9óes entre torcedores e organizadores.<br />
Visando a transparencia nessas relacoes o ET obriga as entidades de<br />
administracño do desporto a fazer publicar em sile próprio na ¡nternet, assim como<br />
ñas entradas dos locáis onde se realiza o evento esportivo: o regulamento da<br />
compcticño; as tabelas da competicao. contendo as partidas que senio realizadas,<br />
coni cspccificacüo de sua data, local e horario; o nome e as formas de contato do<br />
Ouvidor da Competicáo; os borderós completos das partidas; a escalo dos<br />
arbitros ¡mediatamente após sua definió'; a relacSo dos nomes dos torcedores<br />
impedidos de comparecer ao local do evento desportivo1'.<br />
Assegura aínda o texto da le¡ que os calendarios das competíc5es devam<br />
ser apresentados 60 días antes de seu inicio e que a renda e o público sejam<br />
divulgados, por meio de sendos de som e imagem instalados no estadio, durante<br />
a realizacílo das partidas.<br />
b) Seguraii9a, Transporte, Higiene e Al¡menta9ao<br />
Outro ponto de grande preocupa?ao do ET e sem dúvida urna das razñes<br />
de sua elabora93o é a preocupa9áo com a seguran9a, de urna forma ampia, da<br />
pessoa que vai a um estadio acompanhar a realiza93o de um evento esportivo.<br />
A entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus<br />
dirigentes devem informar aos órgaos públicos de seguran9a, transporte e higiene<br />
os dados necessários á seguran9a da partida, com urna atencSo especial ao local<br />
do evento; o horario de abertura deste; a expectativa de público e a capacidade do<br />
local, sendo punfvel com a perda do mando de campo por, no mínimo, dois meses,<br />
sem prejuízo das sanQ&es cabiveis, a entidade de prática desportiva detentora do<br />
mando de jogo que n3o respeitar tais determinacSes.<br />
É seu deverainda, disponibilizarum médico, doisenfermeiros-padrüoe<br />
urna ambulancia para cada dez mil presentes ao local do evento7, assim como<br />
1 An 5". XXXIII. da ConsliluMu Federal (CF)<br />
' liscolhidos nlr;i\cs de sorteio aberto ao público, como afirma o art. 38 do b'T.<br />
* Art. 5* c incisos, do tiT<br />
'An 16. lile IV.<br />
I 18 Rl£VISTA JURÍDICA IN VI-RUIS n. <strong>15</strong> - UI-KN
IMVI Dli OUVKIRA FA1VA UÜNAVIDliS<br />
garantir a existencia de servicos de estacionamento e de transporte, ainda que<br />
onerosos. O torcedor tcm direito a instalacSes que garantam a higiene, trata-se<br />
aqui principalmente de banheiros e lanchonetes asseados, o que de tüo raro é<br />
difícil encontrar alguém que tenha visto. Por fim, a nova lei afirma que os alimentos<br />
e bebidas vendidos nos estadios nao poderao ter precos muito ácima dos praticados<br />
no mercado, busca-se assim um certo controle sobre o comercio em tais eventos.<br />
Outro ponto que tem recebido grande destaque na mídia nacional é a<br />
obrigatoriedade da instalacao de urna central de informacóes equipada com um<br />
sistema de monitoramento por imagem, em todos os estadios com capacidade<br />
maior que vinte mil pessoas8. Essa previsSo tem como principal objetivo a<br />
¡dentificacSo de vándalos e outras pessoas que va"o a eventos esportivos com<br />
finalidades outras que nSo a apreciacSo do desporto e é inspirada em legíslacOes<br />
que obtiveram sucesso em outros países na diminuicüo da violencia nos estadios,<br />
como veremos mais adiante. Outra correta "importacáo" feita pelo Estatuto é a<br />
previsüo de que os ingressos seráo numerados e teráo assentos correspondentes'.<br />
c) Regulamento<br />
Ao discorrer sobre o regulamento das competicóes esportivas a Lei<br />
10.671/03 aborda assuntos tüo obvios que um desavisado pensaría tratar-sc apenas<br />
de falta de outras preocupacoes por parte do legislador. Acontece que em nosso<br />
país o obvio é muitas vezes o mais revolucionario que se pode esperar.<br />
Para que se saiba do que estamos falando examinemos a redacáo do<br />
art. I Oda citada lei:<br />
An. 10. É direiio do torcedor que a parti-<br />
cipacao das entidades dcprátka desportiva em com<br />
peticóes organizadas pelas entidades de que traía<br />
o art. 5" seja exclusivamente em virtude de criterio<br />
técnico previamente definido. § 1" Para osfins do<br />
disposto ueste artigo, considerase criterio técnico<br />
■Art 18<br />
" Art 22. I c II Tal medida procura evitar dcnlrc oulras coisas a supcrlolacio Rcsla porém uina dúvida acerca da<br />
pcrmissao da existencia das chamadas ""gerais" nos grandes estadios de luicDul. poste que o {I«desse mesmo artigo<br />
nflniu qiie "O Ji\pt>\in un iiumi II ih'ki .«■ aplica i«» Ak u/« já cm/cn/i'N ptmi a\ ctmipelicile*<br />
i/iii- "¡\nniiiran. Iimiiniklit-M: m-»>i"» Anímism Js/vwihu. itikudí hj«i i»» ¡h- \
UMA ANAUSL SOURIí O HSTATUTO IX) T0UCK1X1R<br />
a habilitucao de entidade de prática desportiva em<br />
razao de colocacao oblida em competicao anterior.<br />
§ 2" Fica vedada a adocíio de quulquer o litro<br />
criterio, especialmente o convite, observado o<br />
disposto no arl. 89 da Lei rt1 9.6<strong>15</strong>, de 24 de marco<br />
de 1998. § 3- Em campeonatos ou lomeios regulares<br />
com mais de urna divisao, será observado o principio<br />
do acesso e do descenso. § 4" Serao desconsideradas<br />
as partidas disputadas pela enlidade de prática<br />
desportiva que nao tenham atendido ao criterio<br />
técnico previamente definido, inclusive para efeilo<br />
de pontuacao na competicao. (grifos nosso)<br />
A necessidade de se colocar tal evidencia expressamente em texto de lei<br />
se dá em raz3o das infames "viradas de mesa" tao comuns em nossos campeonatos<br />
futebolísticos. Espera-se que a forca legal dessa previs3o ajude a por um pouco de<br />
moralidade na organizado dos torneios nacionais, busca também urna maior rigidez<br />
ñas regras das competieses, impedindo que o regulamento seja alterado desde sua<br />
divulgacüo definitiva, salvo hipóteses de elaborado de um novo calendario anual<br />
de eventos.<br />
d) A Figura do Ouvidor<br />
O Estatuto do Torcedor criou a figura do Ouvidor de Competicao, sendo<br />
suas atribuicóes referidas no art.6° da referida lei.<br />
Cabe a este recolher sugestSes, propostas e reclamacSes dos torcedores,<br />
examiná-las e proporá respectiva entidade medidas necessárias ao aperfeicoamento<br />
da competicao e ao beneficio do torcedor, que por sua vez deverá ter ampio acesso<br />
áquele, mediante comunicac^o postal ou mensagem eletrónica, tendo direito de<br />
resposta as suas sugestSes, propostas e reclamacSes num prazo de trinta dias.<br />
Apesar de ser um avanco o surgimento dessa func3o, nao se pode<br />
deixar de criticar o fato de ser remunerada pelas entidades de prática desportiva<br />
participantes da competicao, o que gera urna ¡ndesejável liga?ao entre fiscal e<br />
fiscalizado.<br />
120 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
DAVI DI-I OI.IVF.IRA PAIVA BONAVIUliS<br />
e) Punicóes Cabíveis aos Organizadores e Torcedores.<br />
Um dos temas mais falados na imprensa esportiva, com ¡numeras impro-<br />
priedades, acerca do novo estatuto é a responsabilizacüo objetiva dos dirigentes<br />
e organizadores por danos causados ao torcedor.<br />
O art. 19 do ET traz a seguinte redaeño:<br />
Art. 19. As entidades responsáveis pela<br />
organizacao da compelicao, bem como seus<br />
dirigentes responderá solidariamente com as<br />
entidades de que trata o art. <strong>15</strong> e seus dirigentes,<br />
independentemente da existencia de culpa, pelos<br />
prejuizos causados a torcedor que decorram de<br />
falhas de seguranca nos estadios ou da<br />
inobservancia do disposto neste capitulo, (grifo<br />
nosso)<br />
Ao contrario do que tem se falado nao há urna responsabilizacüo por<br />
tudo o que ocorre no estadio e suas cercanías. Como em toda responsabilizado<br />
objetiva há de existir um nexo causal entre a conduta, ou omissáo, do individuo e<br />
o fato ocorrido10.<br />
Entre as sancóes previstas no Estatuto para as entidades de<br />
administracao do desporto, as ligas ou entidades de prática desportiva estao: a<br />
perda do mando de jogo"; a destituicáo de seus dirigentesi:; a suspensao por<br />
seis meses desses mesmos"; o impedimento de gozar de qualquer beneficio fiscal<br />
em ámbito federal e a suspensao por seis meses dos repasses de recursos públicos<br />
federáis da administracao direta e indireta14.<br />
É fácil perceberquea Ici traz ¡numeras obrigacóes aos organizadores e<br />
"' O ET c assini feliz cm inais nina vez adolar uní principio que norlcía o Código de Dcfesa do Consiiinidor. ira/endo<br />
um pande seguranca para o lorccdor e evilando impunidades lao coinuns cm nosso país.<br />
" No mínimo por seis meses, sem prejuizo das ciernáis sancAcs cabíveis, nos casos de supcrlolacao como se den<br />
no ja referido episodio de dc/embro de 2000. cm Sao Januário (nn. 23)<br />
i: Nos casos de desrespeilo ás rearas de que Iraiain os Capilulos II. IV e V da leí em esludo<br />
11 Casos nao pre\isios na <strong>In</strong>poicsc anlcrior<br />
" Prcvúdcs do art .'7. íucím* I a IV.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l21
UMA ANAUSIi SOURIí O USTATUTO [)() TORCWXiR<br />
entidades envolvidas no desporto nacional. Nao ouvidou porém, o legislador de<br />
estabelecer sancóes para os maus torcedores.<br />
O art. 39, capul e § 1 ° e 2o, rcfercm-se ao mau torcedor da scguinte forma:<br />
Art, 39. O torcedor que promover tumulto,<br />
praticar ou incitar a violencia, ou invadir local<br />
restrilo aos competidores ficará impedido de<br />
comparecer as proximidades, bem como a qualquer<br />
local em que se realize evento esportivo, pelo prazo<br />
de tres meses a um ano, de acordó com a gravidade<br />
da conduta, sem prejuizo das dentáis sane-oes<br />
cabíveis. § /'-' <strong>In</strong>correrá ñas mesmas penas o torcedor<br />
que promover tumulto, praticar ou incitar a<br />
violencia num raio de cinco mil metros ao redor do<br />
local de realizacao do evento esportivo. §2"A veri<br />
fica/pao do mau torcedor deverá ser feita pela sua<br />
condula no evento esportivo ou por Boletins de<br />
Ocorréncias Policiais lavrados. aos competidores<br />
ficará impedido de comparecer as proximidades,<br />
bem como a qualquer local em que se realize evento<br />
esportivo, pelo prazo de tres meses a um ano, de<br />
acordó com a gravidade da condula, sem prejuizo<br />
das dentáis sangoes cabíveis. § I1' <strong>In</strong>correrá ñas<br />
mesmas penas o torcedor que promover tumulto,<br />
praticar ou incitar a violencia num raio de cinco<br />
mil metros ao redor do local de realizacao do evento<br />
esportivo. § 2a A verifica
DAVI Di: OLIVF.IRA I'AIVA BONAVIORS<br />
autoridade, pelo mando do evento esportivo ou por qualquer torcedor participe,<br />
mediante representacao". Estes torcedores poderüo ser impedidos de freqüentar<br />
estadios por um periodo de tres meses a um ano.<br />
LEGISLACÁO COMPARADA<br />
O Estatuto do Torcedor pode gerar urna revolucao nos esportes<br />
brasileiros, poréin nao é nenhuma novidade para o mundo jurídico. Diversos oulros<br />
países já adotam há algum tempo normas de defesa do torcedor que se assemelham<br />
ao novo estatuto. Muitos jogadores brasileiros de nivel internacional já devem<br />
inclusive eslarem habituados com seus principios.<br />
a) Espnnha<br />
Desde de 1993 existe na Espanha urna lei que trata do assunto: o Real<br />
Decreto de 93. Já nesse ano a lei espanhola, atualizada cinco anos após sua cria-<br />
cao, abordava temas que hoje s3o vistos como absurdos por muitos dos dirigen<br />
tes brasileiros.<br />
Previa a existencia de assentos numerados em todos os estadios; a<br />
determinacáo de locáis diferentes para as torcidas rivais; assim como a instalado<br />
de sistemas de seguranca nos estadios, contendo circuitos fechados de TV, sistemas<br />
de som e controle automático de portóes e acessos.<br />
Pontos de maior polémica do ET também s2o tratados na lei espanhola:<br />
a responsabilizacao da organizacao e dirigentes caso as regras nSo sejam cumpridas<br />
corretamente, prevé aínda pena de prisáo de tres a quatro anos para atos de violencia<br />
e vandalismo durante eventos esportivos, multa de 60 mil euros para invasáo de<br />
campo e suspensjío do direito de ir aos estadios.<br />
b) <strong>In</strong>glaterra<br />
País que ;iinda hoje enfrenta problemas com o vandalismo de alguns<br />
torcedores, os chamados "hoolingans", a <strong>In</strong>glaterra vem adotando medidas cada<br />
vez mais duras com relac2o aos seus eventos esportivos, como demonstra o<br />
y>. i r<br />
REVISTA JURÍDICA 1N VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l23
UMA ANAl.lSli SUUKI: O I-ISTAI UTO IX) TOKCHDOR<br />
Foolball Act, lei vigente desde o ano 2000.<br />
Torcedores que se comporten! indevidamente durante tais eventos<br />
podem ser expulsos, considera-se inclusive que mau comportamento incluí atitudes<br />
provocadas por alcoolismo, vandalismo e até mesmo tatuagens ofensivas. A<br />
exemplo do que ocorre na Espanha e se busca efetivar no Brasil, o Foolball Act<br />
impSe a existencia de circuito interno de TV nos estadios e permite que a .Justica<br />
¡mpec_a urna pessoa a comparecer a outros eventos esportivos, no caso da <strong>In</strong>glaterra<br />
por períodos que chegam a dez anos.<br />
Em virtudc do comportamento dos hoolingans cm algumas Copas do<br />
Mundo e outros eventos intcrnacionais, a legislado acertadamente estabelece<br />
que aqueles torcedores impedidos de comparecer aos estadios devem se apresentar<br />
á justica 24 horas antes das partidas, sendo tanta a preocupacüo estes ficam<br />
proibidos de deíxar o país.<br />
c) Argentina<br />
Talvez o país onde a realidade mais se aproxime da brasileira seja a<br />
Argentina. Nossos maiores rivais dentro de campo, os argentinos saíram na nossa<br />
frente quando se trata de Iegislac3o esportiva. A Ley de Seguridad en Espetáculos<br />
Esportivos criou o Comité de Seguranca no Esporte. Tal comité elabora e fiscaliza<br />
a implantac^o normas, coordena atividades dos organismos públicos envolvidos<br />
e estabelece as bases da organizado dos eventos. Os dirigentes dos clubes ficam<br />
responsáveis pela garantía do cumprimento das normas criadas pelo Comité.<br />
S3o previstas puniedes para diversos atos que aqueles que freqüentam<br />
os estadios brasileiros se habituaram a ver: brigas entre torcedores, por exemplo,<br />
s3o punidas com prisáo de um a nove meses; para urna ¡nvas2o de campo cabe<br />
prísáo de um mes a um ano; porte de armas de fogo, armas brancas ou artefatos<br />
explosivos - tres meses a oito anos; etc.<br />
Impoe ainda, como urna constante da protecao ao<br />
torcedor em todo o mundo, a instalacao de circuitos<br />
internos de TV nos estadios, assim como a<br />
implantacáo de mangueiras de incendio, sistema<br />
de áudio, instalacdes sanitarias adequadas e<br />
presenca de organismos de emergencia médica e<br />
protecao civil em cada evento esportivo realizado<br />
pelo país.<br />
124 REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
DAVI DE OI.IVLIRA PAIVA UONAVIDI£S<br />
CONCLUSAO<br />
O advento da Lei 10.671, de <strong>15</strong> de maio de 2003, traz um sopro de espe<br />
ranza para a normalizacüo da situacüo, muitas vezes caótica, do desporto nacional.<br />
Claro, nao se ilude que apenas a entrada em vigor de urna lei tenha o poder de<br />
mudar toda urna estrutura corrompida, o que de fato traz essa esperanca é a<br />
disposicao que se percebe por parte das autoridades públicas de se fazer cumprir<br />
tal lei, sendo significativa sua aprovacao por unanimidade e a rejeicao popular á<br />
ameaca de paralisacao do Campeonato Brasileiro de 2003.<br />
Apesar de questionar muitos pontos do Estatuto alguns dirigentes já<br />
comecam a adotar ¡mposicóes suas, como a instalacáo de cameras nos estadios e<br />
o sorteio dos arbitros. Outros ainda teimam em n3o cumpri-la, considerando-se<br />
ácima da ordem jurídica.<br />
Esperamos contudo que nossas esperancas ná"o sejam mais urna vez<br />
frustradas e que o Estatuto do Torcedor seja sim um diploma eficiente em seus<br />
objetivos de protecSo e moralizaciio do desporto nacional.<br />
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
FLORES, Mariana, Presidente sanciona leis que moralizam o esporte no Brasil, ln<br />
Ministerio dos Esportes: http://www.esporte.gov.br/<br />
noticia detalhe.asp?id noticia=656,25 de maio de 2003.<br />
GIMÉNEZ, Alexandre e GOMES FILHO, Julio, "Revolucao" do futebol coloca<br />
dirigentes em xeque. ln Uol Esporte: http://esporte.uol.com.br/especial/<br />
especial 05a.jhtin, 21 de maio de 2003.<br />
MÉDIC1, Joño Henrique, Estatuto do Torcedor: "Manual de <strong>In</strong>strucao", ln Uol<br />
Esporte: http://esporte.uolxom.br/especial/especial 05b.ihtm. 21 de maio de 2003.<br />
TOLEDO JR., Toledo, Pentacampeao em campo, Brasil leva goleada ñas leis, ln Uol<br />
Esporte: http://esporte.uol.com.br/especial/especial 05c.ihtm. 21 de maio de 2003.<br />
V1EIRA. Carlos, Tragedias e maracutaias estüo com os dias contados com o Esta<br />
tuto do Torcedor, ln Uol Esporte: http://esporte.uol.com.br/especial/<br />
especial 05d.jhtm. 21 de maio de 2003.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERB1S n. <strong>15</strong> - UFRN l25
<strong>In</strong>troducáo<br />
O DIRFJTO DO CONSUMIDOR EOS BANCOS<br />
A Dignidade do Cidadílo verxus o Poder Económico<br />
RubensCartaxo Júnior<br />
Académico do 7o Período do Curso de Direito da UFRN<br />
Objetiva o presente artigo estudar a questño da aplicabilidade do Direito<br />
Consumerista ás relacOes entre os clientes e os bancos, abordando-a sob o prisma<br />
dos principios e objetivos fundamentáis insculpidos na Constituyo Federal de<br />
1998 (CF 1988), confrontando-os com a prática dos bancos no Brasil, ñas quais se<br />
enxerga a express3o máxima do emprego do poder económico, discutindo, por fi.m,<br />
0 que deverá prevalecer nesse embate, se a dignidade humana ou o poderío<br />
económico.<br />
O tema será abordado estudando-se o Direito do Consumidor, seus<br />
primeiros lampejos, scus fundamentos e objetivos, sua razüo de existencia e<br />
aplicabilidade, demonstrando sua constitucionalidade c sen lugar no ordenamento<br />
jurídico patrio. Em seguida, o foco será voltado para a prática das instituiedes<br />
flnanceiras no Brasil, prática esta, abusiva cm varios aspectos, respaldada muitas<br />
vezes em diplomas legáis anacrónicos, produzidos no período em que o País vivia<br />
uní regime de excec.üo, urna legislacüo ¡ncompalivcl com o atual momento democrá<br />
tico e ¡ncompatível com a ConstituicÜo Federal de 1988. Discute-se, posteriormen<br />
te, a aplicabilidade do Direito do Consumidor aos contratos bancários, cotejándo<br />
se opinióes a favor e contrarias á tese, concluindo com a resposta a candente<br />
pergunta: o que deve prevalecer: a dignidade humana ou o poderío dos bancos?<br />
1 -O Direito do Consumidor<br />
1 - Prolegómenos<br />
É de todos sabido que numa relacüo de consumo o consumidor é a<br />
parte mais fraca, tendo em vista o poder económico do fornecedor. Tal realidade é<br />
de tal monta que o próprio ordenamento jurídico nacional o reconhece sem sombra<br />
de dúvidas, conforme a Lei 8.078/90, o Código de Protec3o e Defesa do Consumidor<br />
(CDQ:<br />
Art. 4o A Política Nacional das Relacoes de Consumo<br />
REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
RUULNSCAKIAXOJUNIOR<br />
tem por objetivo o aienüimento das necessidades<br />
Jos consumidores, o respeilo a muí dignidade, saíide<br />
e seguranca, a protecao de seus ¡nleresses<br />
económicos, a melhoria da stia qualidade de vida,<br />
bem como a transparencia e harmonía das relacoes<br />
de consumo, atendidos os seguinles principios:<br />
I - reconhecimento da vulnerabilidad^ do<br />
consumidor no mercado de consumo;<br />
Em vista disso, a fim de atender aos principios da isonomia ou da<br />
vulnerabilidade, da hipossuficiéncia, da transparencia, da boa-fé objetiva, e, em<br />
especial, aos principios do equilibrio e da equivalencia entre as parte contratantes,<br />
elementos básicos para a consccucao da just¡c.a, necessário se faz que o Estado<br />
atue de fonna a proteger o hipossuficiente na relac3o. Um breve estudo na historia<br />
económica revela que essa protec.no é materia recente, sendo fruto de um processo<br />
que se desenvolve desde o sc'culo XIX, ganhando forca principalmente após a II<br />
Guerra Mundial, tendo os Estados Unidos como o principal desenvolvedor da<br />
doutrina de protecüo ao consumidor.<br />
Entre nos a questüo é ainda mais recente, bastando verificar que o CDC<br />
é de setembro de 1990. Entremente, algumas leis esparsas anteriores a 1990 tocaram<br />
em alguns pontos concernentes á defesa do consumidor, mas sem a organicidade<br />
do atual código. É o caso do Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933. a chamada Lei da<br />
Usura, o qual estabelece o limite máximo de juros a ser cobrado nos contratos<br />
como o dobro da taxa legal, definida pelo decreto em 6% ao ano; em 1934 a<br />
Constituido lembrou-se de proteger a economía popular através dos artigos 114 e<br />
1<strong>15</strong>, conforme abaixo:<br />
Art. 1<strong>15</strong> - A ordein económica deve ser organizada<br />
conforme os principios dajustica e as necessidades<br />
da vida nacional, de modo que possibilite a lodos<br />
existencia digna. Dentro desses limites, é garantida<br />
a liberdade económica.<br />
Art. ¡17 - A lei promoverá o fomento da economía<br />
popular, o desenvolvimento do crédito e a<br />
nacionalizacao progressiva dos bancos de depósito.<br />
Igualmente providenciará sobre a nacionalizacao<br />
das empresas de seguros em todas as siius<br />
REVISTA JURÍDICA 1N VERBIS n. <strong>15</strong> - UI-RN l27
O DIREITO IX) C0NSUMIIX1R H OS BANCOS A DIGNIDADU DO CIDADAO X O PODhR ECONÓMICO<br />
modalidades, devendo constituirse em sociedade<br />
brasileira as estrangeiras que actualmente opercim<br />
no pais.<br />
Parágrafo único: E proibida a usura, que será<br />
punida na forma du lei.<br />
Seguindo-se a isso, vieram o Decreto-Leí n° 869, de 18 de novembro de<br />
1938 e o de n° 9.840, de 11 de setembro de 1946, tratando dos crimes contra a<br />
economía popular, e em 1951 a chamada Lei de Economía Popular, até hoje vigente.<br />
Aínda em 1962 é promulgada a Lei 4.137, a Lei de Repressüo ao Abuso do Poder<br />
Económico, a qual de maneira ¡ndireta beneficiava o consumidor, tendo cía também<br />
criado o Conselho Administrativo de Defesa Económica (CADE), o qual faz parte<br />
da estrutura do Ministerio da Justica.<br />
Somente em 1985 foi criado o Conselho Nacional de Defesa do Consu<br />
midor através do Decreto n° 91.469. Este Conselho foi extinto e substituido pela<br />
atual Secretaria de Direito Económico (SDE). O Decreto 2.181, de 20 de marco de<br />
1997 criou o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor- SNDC, o qual é integrado<br />
pelo SDE, "por meio do seu Departamento de Protecáo e Defesa do Consumidor<br />
(DPDC), e demais órgaos federáis, estaduais, do Distrito Federal, municipais e as<br />
entidades civis de defesa do consumidor." (Art. 2o)<br />
Fundamental para a consolidacao do Direito do Consumidor em nosso<br />
ordenamento foi a ¡nserc3o na CF 1988 da determinacao de que o Estado deveria<br />
promover a defesa do consumidor (Art. 5o, XXXI I), elevando-a a principio consti<br />
tucional (Art. 170, V). O legislador constituinte. sabedor das terríveis forcas inte-<br />
ressadas em que o Direito do Consumidor n3o fosse regulamentado, permanecendo<br />
apenas como urna boa intencao, mas de efeito nulo, cuidou de determinar no Art.<br />
48 do Ato das Disposicóes Constitucionais Transitorias (ADCT) que "O Congresso<br />
Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgacáo da Constituicao, elaborará<br />
código de defesa do consumidor." Apesar de n3o ter cumprido o prazo estabelecido,<br />
o Congresso elaborou o CDC, promulgado em 1990, como visto.<br />
A determinacao da criacao do CDC, a previsao da<br />
defesa do consumidor capitaneada pelo Estado e<br />
sua elevacao a principio geral da ordem económica<br />
nacional pela Constituicao indicara a relevancia<br />
do tema para o Pais. Será visto adiante, como a<br />
defesa e a protecdo ao consumidor está embasada<br />
1-8 REVISTA JURÍDICA IN VERB1S n. <strong>15</strong> - UFRN
RUBP.NSCARTAXO JÚNIOR<br />
2- Principios e Objetivos Fundamentáis<br />
em varios oulros principios conslilticionais.<br />
A CF 1988 é principiológica, como bcm disse o Prof. Paulo Lopo Saraiva<br />
em varias de suas aulas no Curso de Direito da Universidade Federal do Rio<br />
Grande do Norte (UFRN), tanto é assim que seu Título I denomina-se Dos Principios<br />
Fundamentáis. Em seu Art. Io, III, a CF 1988 erigiu com um dos fundamentos da<br />
República a dignidade da pessoa humana. Além disso, estabeleceu como objetivos<br />
fundamentáis da República a construcao de urna sociedade livre, justa e solidaria,<br />
a garantía do desenvolvimento nacional e a erradicacao da pobreza e da<br />
marginalizacao, bem como a reducao das desigualdades sociais.<br />
Em seu Art. 5o, o famoso Capítulo que contempla os Direitos e Garantías<br />
<strong>In</strong>dividuáis e Coletivas, o legislador constitucional garante a todos a igualdade<br />
perante a lei, a proibicüo taxativa de o cidadao ser submetido a tratamento desumano<br />
ou degradante, a ¡nvíolabilidade da honra e da imagem, e que o Estado promoverá<br />
adefesa do consumidor. Diz mais em seu § Io: "As normas definidoras dos direitos<br />
e garantías fundamentáis tém aplicaciio ¡mediata." (grifo nosso)<br />
Além desses, há ¡números outros principios disseminados em todo<br />
texto constitucional, como é o caso do já citado Art. 170, que enumera os principios<br />
que regem a ordem económica e financeira. Estes principios norteiam a interpretacao<br />
de todo texto constitucional e dos demais diplomas legáis, quer os recepcíonados<br />
pela nova ordem constitucional, quer os promulgados após a publicacao da CF<br />
1988.<br />
Neste sentido, todo e qualquer diploma legal que esteja em confronto<br />
ou em desacordó com estes principios na Constituicao enumerados, estao em<br />
confronto ou em desacordó com o espirito da Constituicao e s3o, portanto,<br />
¡nconstitucionais se promulgados após o advento da CF 1988, ou revogados se<br />
promulgados anteriormente.<br />
A importancia dos principios constitucionais n3o se resume a este<br />
aspecto negativo, mas tambcm tem um aspecto positivo, de informar materialmente<br />
os atos do poder público, a flm de se alcanzaros objetivos fundamentáis encartados<br />
na CF 1988.<br />
Como visto, os principios constitucionais, secundados pelos objetivos<br />
REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN 129
O DIKF.ITO 1X5 CONSUMIDOR t OS BANCOS A DlüNIDADi; DO CIDADÁO X O PODI:K ECONÓMICO<br />
fundamentáis, constituem a mens legis da Constituicao, devendo sua interpretado<br />
obedecer ao norteamento emanado desses principios. <strong>In</strong>terpretar a Leí ou a<br />
Constituicüo sem levar em conta os principios equivale a Ihes negar validadc e<br />
negar validade a um principio constitucional equivale a violar a própria Constituicao.<br />
3 — Constitucionalidadedo Direito do Consumidor<br />
Como visto ácima, a defesa do consumidor foi colocada em lugar estra<br />
tégico no texto constitucional, posto que o comando de o Estado promové-la<br />
encontra-se no Art. 5°, por todos sabido como cláusula pétrea. Tal localizado<br />
indica com clareza a relevancia com que o legislador constituinte tratou o tema. E<br />
n3o somente ¡sto, mas elevou ele a defesa do consumidor a principio geral da<br />
ordem económica (Art. 170, V CF 1988), atribuindo-lhe o mesmo status conferido<br />
aos principios da propriedade privada, da livre concorréncia, da presunc3o de<br />
inocencia, da soberanía nacional, dentre outros.<br />
Assim vistos, os direitos do consumidor s2o direitos<br />
constitucionalmente assegurados e pela Magna Carta determinados. Em<br />
conseqüéncia, o CDC, embora técnicamente lei ordinaria, tem nítida vocac3o<br />
constitucional, sua ratio esscndi é constitucional, posto que sua elaborac3o visa<br />
a dar eficacia a disposicfies da Constituicao da República.<br />
Cumpre, portanto, na aplicacao c interpretacao das normas cogentes<br />
comidas no CDC ter sempre em mente os principios e os objetivos constitucionais;<br />
ter em mente que a dignidade da pessoa está ácima do patrimonio; ter em mente<br />
que o consumidor, sendo a parte mais fraca na relacao, deve ser protegido, n3o<br />
como forma de privilegio, indevido na estrutura republicana, mas como forma de<br />
estabelecer um equilibrio, a fim de atender ao principio da igualdade.<br />
Pode-se ir mais além e afirmar convictamente que a defesa e a protec3o<br />
do consumidor é urna das maneiras de se alcancar os objetivos fundamentáis<br />
inseridos na Carta Magna de 1988.<br />
11 - O Poderío dos Bancos<br />
Ao analisar as normas que regem a atuacao dos bancos e outras insti-<br />
tuicoes financeiras parece-se estar em país distinto daquele que apresenta como<br />
130 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
RUBHNS CARTAXO JUNIOK<br />
principio fundamental a dignidade humana e como objetivos fundamentáis a<br />
constriicilo de urna sociedade justa e solidaria, a crradicacüo da pobreza e a rcducflo<br />
das desigualdades sociais. Chega a assustar, com será demonstrado, a flagrante<br />
oposicño dessas normas com os principios e objetivos fundamentáis vistos<br />
anteriormente.<br />
O primeiro exemplo encontra-se no Decreto-Lei n°911, de Iode outubro<br />
de 1969. Este diploma estabelece normas de processo sobre alienacito fiduciaria,<br />
dentre outras providencias. De sua leitura verif¡ca-se que o proprietário fiduciario<br />
possui um poder que desequilibra totalmente a relacao jurídica. E ná"o somente<br />
isto, estes poderes atentam contra a própria dignidade da pessoa humana.<br />
O Art. 3o do DL 911/69 estabelece que havendo inadimpléncia do<br />
devedor, o proprietário fiduciario poderá requerer busca e apreens2o do bem, a<br />
qual será concedida liminarmente, ou seja a lei ná"o permite sequer que o juiz<br />
analise a ocorréncia do periculum ¡n mora e ofumo boni iuris, posto que determina<br />
que a I ¡minar seja concedida, numa clara violáceo ao principio do livre<br />
convencimento do juiz.<br />
Vai mais além este artigo. Somente após executada a liminar é que o<br />
devedor será citado para, em tres dias, apresentar contestacao. Até parece piada.<br />
O Código de Processo Civil - CPC estipula o prazo para contestacao no processo<br />
de conhecimento, rito ordinario, em <strong>15</strong> (quinze) dias, no procedimento sumario, em<br />
10 (dias), prazo semelhante assinado para a niaior parte das execucSes a fim de o<br />
devedor apresentar seus embargos. Vé-se, portanto, que o DL 911/69 favorece<br />
tremendamente o credor fiduciario, pois num prazo de tres dias o devedor conseguir<br />
um advogado e este elaborar a contestacá"o n3o é tarefa das mais facéis. É patente,<br />
portanto, o desequilibrio, a favor do banco ou instituicao fiduciaria, da relac3o<br />
jurídica, claro desrespeito ao principio da isonomia.<br />
Mas nao fica somente por ai o favorecimento do credor fiduciario e o<br />
desfavor ao devedor. Na contestacao, a única coisa que pode ser alegada é o<br />
pagamento do débito vencido ou o cumprimento da obrigac^o (Art. 3o, § 2o).<br />
Também está assinado um prazo de 5 (cinco) dias após vencido o prazo para<br />
defesa para que o juiz prolate a sentenca, independente da avaliacao do bem.<br />
Contra esta sentenca cabe apelado, porém somente no efeito devolutivo, que n3o<br />
impedirá a venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente.<br />
Mais além vai o Decreto-Lei, pois determina que. caso o bem alienado<br />
fiduciariamente n3o seja encontrado ou se nao estiver na posse do devedor, "o<br />
REVISTA JURÍDICA INVERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN l31
O DIREITO DOCONSUMIIXIR II OS BANCOS A DIGNIDAD!-: IX1CIDADAO X O IHJDHK I.CONOMICO<br />
crcdor podcrú requcrcra convcrsao do pedido de busca c apreensüo, nos niesmos<br />
autos, em acao de depósito" (Art. 4o). Ou seja, o devedor poderá ser preso por ser<br />
considerado depositario infiel! Se isto n§o é atentar contra a dignidade humana, o<br />
que mais seria? Enviar um cidadao á prisao sem que tenha cometido nenhum crime<br />
ou nao tenha sido pego em flagrante delito e sem que tenha transitado em julgado<br />
sentenca que o declare culpado é atentatorio á dignidade humana, sendo isso<br />
frontalmente contrario á mens legis constitucional.<br />
Seria ingenuidade pensar que este diploma legal nao foi feito de enco-<br />
menda pura atender aos bancos c instituicocs fínaneciras. Nüo bastasse o<br />
desequilibrio natural entre a pessoa l'isica que contrata com o banco, tendo em<br />
vista o poder económico da instituicao, o próprio ordenamentojurídico Ihe conferc<br />
privilegios ¡naceitaveis, tendo em vista o principio da igualdade enlre as partes, o<br />
principio da ampia defesa e do contraditório e a estrutura republicana do País.<br />
Outro cxemplo candente do favorecimento dos bancos c instituicocs<br />
llnancciras pela Icgislacüo infraconstitucional é o Decrcto-Lei 70/66, que regula a<br />
cxecucSo extrajudicial, principalmente no que se refere aos artigos 30, parte final,<br />
31 c 38, os quais cstabcleccm contra o devedor do agente finaneciro:<br />
Vencida e nao paga a divida hipotecaria, no<br />
lodo ou em parle, o credor que houver preferido<br />
execulá-la de acordó com este decrelo-lei,<br />
formalizará ao agente fiduciario a solicilacao da<br />
execucüo da divida, inslruindo-a com os seguinles<br />
documentos<br />
Recebida a solicilacao da execucao da<br />
divida, o agente fiduciario, nos dez días<br />
subseqúentes, promoverá a noliftcaqao do devedor,<br />
por intermedio do Canario de Títulos e Documentos<br />
concedendo-lhe o prazo de vinte días para a<br />
purgacáo da mora<br />
Nao acudindo o devedor a purgacáo do<br />
débito o agente fiduciario estará de pleno direilo<br />
autorizado a publicar editáis e efetuar, no decurso<br />
dos <strong>15</strong> (quinze) días ¡mediatos, o primeiro leilao<br />
público do imóvel.<br />
Vé-se, mais urna vez, um diploma legal preparado de encomenda para os<br />
132 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
RlililiNSCARTAXO JÚNIOR<br />
bancos e instituicóes financeiras, cujo propósito é o de proteger o patrimonio<br />
dessas instituicoes, e isto de forma unilateral, sem a provocacüo ao judiciário e á<br />
revclia de varios principios constitucionais, tais como o principio da jurisdicao, do<br />
devido processo legal e do contraditório, além do principio da inafastabilidade,<br />
exprcsso no Art. 5o, XXXV da CF 1988: "a le¡ nao excluirá da apreciacao do Poder<br />
Judiciário lesüo ou ameaca a direito".<br />
O advogado Eurípedes Brito Cunha, em excelente artigo intitulado Exe-<br />
cucao exlrajudicial. A revogacao constitucional dos artigos 30, 31 e 38 do<br />
Decreto-Lei 70/66 (2000, p. I) descreve sucintamente o procedimento da execucao<br />
extrajudicial:<br />
O credor, ou suposlo credor estabelece,<br />
singularmente, o valor do seu crédito e notifica o<br />
devedor, ou suposto devedor, de que deve saldá-lo<br />
num prazo máximo de até 20 (vinie) días, sob pena<br />
de o imóvel a que está vinculado o débito resultante<br />
do empréstimo hipotecario ser leiloado. Nao há<br />
inlervencao judicial alguma.<br />
Salta aos olhos que o banco neste particular tem o poder de fazcr justica<br />
com as próprias müos, ou seja, ao cidadüo é vetado isto, salvo rarissimas excecóes<br />
como a legítima defesa ou o desforco imediato, tendo em vista que o Estado tomou<br />
para si a atribu¡c3o de jurisdicao - iusdicere - de dizer o direito. Caso o cidadao<br />
faca justica com as próprias m3os, incorre no crime de exercicio arbitrario das<br />
próprias razSes, tipificado nos Art. 346 e 346 do Código Penal - CP. A instituicao<br />
financeira, no entanto, está, estranhamente, autorizada a exercer suas próprias<br />
razfles!<br />
N3o é á toa, portanto, que os bancos e as instituicóes financeiras se<br />
¡nsurjam com todas as suas forcas, que como vimos n3o sao desprezíveis, para<br />
impedir que o CDC seja aplicado aos negocios jurídicos celebrados com seus<br />
clientes, apesar de o código ser extremamente claro no § 2o do Art. 3o ao incluir os<br />
bancos, ¡nstituicñes financeiras e seguradoras no ámbito de sua abrangéncia:<br />
§ 2" Servico é qualquer atividade fornecida no<br />
mercado de consumo, mediante remuneracao,<br />
inclusive as de natureza bancária, financeira, de<br />
crédito e securitária, salvo as decorrentes das<br />
relacoes de caráter trabalhista.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l33
O DIRLITO DO CONSUMIDOR K OS BANCOS A DIGNIDAOU DO CIDADÁO X O PODER ECONÓMICO<br />
£ patente que o legislador quis efelivamente incluir as relacoes dos<br />
bancos com seus clientes dentro da área de prolecdo do CDC, principalmente<br />
porque éjustamente nessas relacoes que afragilidade do consumidor e o poderío<br />
do fornecedor se revelam de forma mais marcante e mais contundente. Um<br />
rapidíssimo exemplo desse terrlvel desequilibrio é o do contrato de mutuo. Quando<br />
o cidadao deposita seu dinheiro no banco, quer seja numa conta de poupanca<br />
quer seja numa conta de invest ¡mentó, este ¡he remunera com juros que varlam<br />
de 0,65% a 1,5%. no máximo 2% ao mes. Entretanto, caso o cliente deseje um<br />
empréstimo, lera que pagarjuros de 9% a <strong>15</strong>% ao mes, na melhor das hlpóteses!<br />
Nao é sem razao que os bancos n3o desejem que o Estado coíba suas<br />
práticas abusivas, pois leriain urna reducSo enorme em seus lucros anuais, que s3o<br />
fabulosos. Assim, desde o primeiro momento questionaram aaplicacáo do CDC ás<br />
suas operacOes, ¡nicialmente com a tese de que o CDC fala de servicos, mas na"o de<br />
operacóes, logo, suas operacóes estariam de fora do ámbito do CDC. A<br />
jurisprudencia na primeira instancia tem rechacado esta tese. O próprio Superior<br />
Tribunal de Justi?a (STJ) n3o acolheu a tese absenteísta dos bancos e<br />
tem entendimento uniformizado sobre a api¡cacao<br />
do Código de Defesa do Consumidor aos contratos<br />
entre o consumidor e o as <strong>In</strong>stituicoes Bancárias e<br />
impoe a boa-fé ás condutas das <strong>In</strong>stituicoes<br />
Financeiras por exemplo, em casos de extravio de<br />
cheque (RESP 238.016-SP e 239.702-RJ), recusa<br />
de exibicao de documentos (RESP 245.660-SE e<br />
207.310-DF), manutencao do nome do devedor em<br />
cadaslro quando a contestacüo judicial da divida<br />
(RESP 255.266-SP, 200.267-RS. 164.542-RS,<br />
262.672-SE.) multa moratoria (RESP 213.825-RS,<br />
235.200-RS, 231.208-PE, e 57.974.) capitalizaqao<br />
dejuros (RESP 235.200-RS, 258.647-RS e 244.076-<br />
MG) cumulacao indevida da comissao de<br />
permanencia 9RESP 287.828-SP, Min. Barros<br />
Monteiro e AGA 296.516-SP, Min. Fútima Nancy<br />
Andrigi), denegaedo da elelcao deforo privilegiado<br />
(RESP 190.860-MG, <strong>15</strong>9.931-SP, 201.195-SP, Min.<br />
Ry Rosado de Aguiar), poupanca (RESP 106.888-<br />
PR, Min. César Asfor Rocha). (Oliveira, 2002. p. 4)<br />
Rl-VISTA JURÍDICA IN VliRUIS n. <strong>15</strong> - UFRN
KUHUNSl'AKIAXOJUNIOK<br />
Também o Tribunal de Justica do Estado do Rio Grande do Norte -<br />
TJRN tem firmado jurisprudencia no sentido de agasalhar os contratos celebrados<br />
entre os bancos e seus clientes no ámbito do direito consumerista.<br />
EMENTA: A cao ordinaria de revistió de cláusulas<br />
conlraiuais. Leasing. <strong>In</strong>cidencia do CDC. I. Nos<br />
contratos de leasing, ein regra, ha a incidencia da<br />
norma consumerista, havendo possibilidade de<br />
revisao de cláusulas ¡idus como abusivas.<br />
Precedentes do STJ. 2. Capitalizacao de juros.<br />
Impossibilidade emface de expressa vedacao legal.<br />
Súmula 121 do STF. 3. Cumulacao de comissao de<br />
permanencia coi» correcao monetaria. Remunera-<br />
coes que Icm por Jim a manutencao do valor real do<br />
capital em caso de inadimplemento. <strong>In</strong>devida a<br />
cumulacao entre estas, devendo ser mantida apenas<br />
a correcao monetaria. Sumida 30 do STJ. 4. Mulla<br />
por inadimplemento ácima do percentual máximo<br />
ditado pelo CDC. Reducao para os índices legáis.<br />
5. Correcao calculada sobre a TR (Taxa<br />
Referencia!). Possibilidade de suhslituicao do índice<br />
pelo IGPMpor melhor refletir a correcao monetaria.<br />
6. Revisao de juros contratuais. Possibilidade em<br />
face da manutencao do equilibrio contratual. 7.<br />
Improvimento do apelo. Manutencao da sentenca<br />
atacada. (TJRN - Apelacao Cível n" 01.001816-6 -<br />
Natal/RN. Ia C. Civ. Reí. Des. Aécio Marinho. 19/<br />
11/2001)<br />
RKVISTA JURÍDICA IN VI-KI1IS n. <strong>15</strong> UI'RN<br />
EMENTA: Civil - Contrato bancário - Nulidade de<br />
cláusulas contratuais - <strong>In</strong>cidencia do CDC. I. As<br />
inslituicoes bancárias estao submetidas as<br />
disposicoes do CDC, havendo possibilidade da<br />
revisao dos contratos de crédito sob a ótica da norma<br />
consumerista. II. Mulla contratual de 2% (dois por<br />
cenlo) sobre o valor da prest aciío em atraso, jixada<br />
de acordó com o art. 52, § I "do CPC, com redacao<br />
dada pela Lei n" 9.298/96. III. Cumulacao de
O DIRII ro DO CONSUMIDOR E OS HANCOS A DIGNIDADF. DO CIDADÁO X O PODER ECONÓMICO<br />
comissdo de permanencia com correcao monetaria.<br />
Remuneracao que lem por Jim a manulencao do<br />
valor real do capital em caso de inadimplemento.<br />
<strong>In</strong>devida a cumulacao entre estas, devendo ser<br />
manuda apenas a correcao monetaria. Sumida 30<br />
do STJ. IK Recurso conhecido e impróvido. (TJRN -<br />
ApelucQo civel n" 00.002431-7 - Natul/RN, Ia C.<br />
CVv. Reí. Des. Manuel dos Santos. 17/02/2003)<br />
Em seu voto proferido na apreciacSo do agravo de instrumento n°<br />
00.002793-6 - Natal/RN, o excelentíssimo senhor desembargados Dr. Amaury Moura<br />
Sobrinho foi incisivo em caracterizar o contrato bancário, no caso concreto de<br />
abertura de conta corrente, como uní contrato acobertado pelo CDC.<br />
Pártanlo, a relacao de consumo está devidamente<br />
configurada, bem como afigura do consumidorfinal,<br />
pois este contrato de abertura de conta corrente,<br />
corresponde a urna preslacao de servico efelivado<br />
pelo Banco, ora agravante, ao cliente agravado,<br />
encontrando esta relacao jurídica guarida no<br />
Código de Defesa do Consumidor.<br />
O insigne prof. Amoldo Wald desenvolveu urna tese afirmando que o<br />
CDC n3o é aplicável aos contratos bancários, á excec3o dos contratos de aluguel<br />
de cofres, pois dentre os produtos referidos no Art. 2o da Leí 8.078/97 n3o se<br />
incluiriam o dinheiro ou o crédito, pois estes nao sao "consumidos" pelo cliente,<br />
mas utilizados para adquirir o produto final desejado (um imóvel, um automóvel,<br />
jóias, fazer urna viagem de ferias, etc.). O argumento parte da defini?3o de que só é<br />
re I aguo de consumo quando o produto c usado pelo cliente como destinatario<br />
final; se ele vai usar o dinheiro para comprar um outro produto, ai sim há urna<br />
relacao de consumo e n3o na anterior (banco - cliente) posto que ela nño está no<br />
final da cadeia económica.<br />
Este argumento, embora inteligente, nüo tem convencido a maioria da<br />
doutrina e da jurisprudencia, conforme dito ácima, principalmente porque, no caso<br />
do banco, seu produto é o dinheiro e o crédito. <strong>In</strong>teressante é notar que no próprío<br />
jarg3o bancário a conta de depósito, a caderneta de poupanca, a abertura de<br />
crédito (cheque especial), as contas de investimento s3o chamados de "produtos".<br />
<strong>In</strong>conformadas com a direcao tomada pela doutrina e pela jurisprudencia,<br />
essas ¡nstituicóes nSo se deram por vencidas e impetraran! junto ao Supremo<br />
136 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
RUHKNSCARTAXO JÚNIOR<br />
Tribunal Federal (STF) a Acao Direta de <strong>In</strong>constitucionalidade (ADIN) n° 2591, a<br />
chamada "ADIN dos bancos"' através da Confederacao Nacional do Sistema<br />
Financeiro (CONSIF), que congrega a Federacüo Nacional das Empresas<br />
Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliarios, a Federacao Nacional dos Bancos,<br />
a Federacao <strong>In</strong>terestadual das <strong>In</strong>stituicdes de Crédito, Financiamento e<br />
<strong>In</strong>vestimentos, e a Federacao Nacional das Empresas de Seguros Privados e<br />
Capitalizado, cujo objetivo principal é que sejam desconsiderados os "servicos<br />
bancários como relacóes de consumo".<br />
A linha-mestra da argumentado desta ADIN é de que o CDC, por ser lei<br />
ordinaria, nao pode regular o funcionamento do sistema flnanceiro nacional, pois<br />
segundo a CF 1988, somente unía lei complementar poderia fazé-lo. Assim sendo,<br />
os negocios bancários firmados com os clientes n3o estariam tutelados pelo CDC.<br />
Mas De Lucen discordavajá desse raciocinio.<br />
A lei ordinaria pode incidir sempre que nao há<br />
reserva constitucional de que sua materia deve ser<br />
tratada por lei complementar. A lei deve ser aplicada<br />
segundo seu sentido razoável. Como entender que o<br />
CDC, lei ordinaria nao se aplica, enquanto outras<br />
leis ordinarias, como a própria lei n" 6.404/76 que<br />
regula as sociedades por acoes (sendo o banco<br />
obrigatoriamente desta especie), ou a lei que<br />
disciplina a materia de imposto sobre a renda,<br />
aplicam-se? Acaso um banco já discordou da inci<br />
dencia da Lei das Sociedades por Acoes?<br />
(Dallagnol, 2002, p. 9)<br />
Outro aspecto importante é que o CDC nao se arvora a regulamentar o<br />
sistema financeiro nacional, mas as relacóes de consumo entre o cliente e o banco.<br />
O CDC, por exemplo, nao determina como deve ser feita urna transferencia eletrónica<br />
através do Sistema Brasileiro de Pagamentos - SBP ou o que deve constar numa<br />
guia de depósito, ou ainda como se fazer saques com a utilizacao de cartóes<br />
magnéticos. Logo, percebe-se que a argumentacao da ADIN deseja evidenciar o<br />
que no CDC n3o está contido.<br />
Cabem aínda duas indagacoes: se os bancos<br />
entendem que nao se Ihes aplicam as disposicoes do<br />
CDC. como podan utilizarse dos cadastros de<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l37
O l)IRI-:iTO IX) CONSUMIDOR i: OS BANCOS A DIÜNlIMDi: 1X1 CIDADÁO X O K1DI.K liCONÓMICO<br />
reslricao ao ere Jilo pura conslranger consumidores.<br />
e que lóm fundamento legal justamente no Código<br />
do Consumidor? Se nao querem sujeitar-se á leí no<br />
que Ihes e desvuntajoso, nao podem déla servi-se<br />
apenas no que Ihes é favorável (Oliveira Júnior,<br />
2002, p. 2)<br />
Atualmente a ADIN 2591 encontra-se com seu julgamento suspenso<br />
devido ao pedido de vista dos autos pelo Ministro Nelson Jobim, tendo dois<br />
ministros já se manifestado: o Relator, Ministro Carlos Velloso, que proferiu voto<br />
no sentido de que n3o ha confuto entre as normas do CDC e as que regulam o<br />
Sistema Financeiro Nacional, devendo o CDC ser aplicado ás atividades bancadas,<br />
excetuando a questa*o dos juros de 12% ao ano, a ser tratada por leí complementar,<br />
conforme decidido na ADIN n°4-7/DF; também votou o Ministro Néry da Silveira,<br />
"que decidiu pela improcedencia da ADIN n° 2591, pois se nao há confuto entre o<br />
Código e o art. 192, da Constituido, nulo há que se falar em inconstitucionalidade."<br />
(Dallagnol,2002,p. 10)<br />
111 - O Que Deve Prevalecer, a Dignidade Humana Ou O Poder Económico?<br />
A resposta a esta questá~o é crucial para o País, na medida em que<br />
curvar-se o ordenamento jurídico ao poder económico dos bancos equivale a<br />
negar o espirito da Constituicao e admitir que em nossa estrutura republicana há<br />
sujeitos de direito mais iguais do que os outros.<br />
Como visto, o legislador constituinte deixou claro que os principios<br />
fundamentáis que norteiam a estruturac3o do País sá"o, dentre outros, a cidadania<br />
e a dignidade da pessoa humana. Também foi claro ao estipular que s3o objetivos<br />
fundamentáis da República a construcSo de urna sociedade livre, justa e solidaria;<br />
o desenvolvimento nacional; a erradicac2o da pobreza e a rcducüo das<br />
desigualdades sociais.<br />
Para alcancar estes fins, varios outros principios foram elencados, tais<br />
como os principios dajurisdicáo, da presuncáo de inocencia, docontraditório e da<br />
ampia defesa, além do principio da defesa do consumidor. Também para atingir<br />
aqueles fins, estruturou a CF 1988 a ordem jurídica, social e económica nacional,<br />
ou seja, tudo deve concorrer para que os objetivos fundamentáis expressos no<br />
Art. 3o sejam alcancados, reputando-se inconstitucional ou revogado tudo o que<br />
138 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
KIJI1I NSCARTAXO JÚNIOR<br />
impedir a consecucao daqueles objetivos.<br />
Em assim sendo, verifica-se que os diplomas legáis citados como exemplo<br />
do inigualável poder dos bancos, Decretos-Leí n°" 91 1/69 e 70/66, estüo rcvogados<br />
em tudo o que contrarié a CF 1988, posto que n2o atendem nem se coadunam,<br />
antes ao contrario, afrontam, a Magna Carta vigente.<br />
<strong>In</strong>icialmente observa-se que esses normativos foram produzidos por<br />
um regime de excecao, através de um mecanismo execrado pela democracia, o<br />
famigerado decreto-leí, express3o do autoritarismo que grassou em nossas térras<br />
da década de 60 á década de 80, cuja promulgado escorou-se nos nüo menos<br />
execráveis Atos <strong>In</strong>stitucionais, expressao máxima daquele autoritarismo.<br />
N3o bastasse sua origem espuria, seu conteúdo, como visto, prima pela<br />
mais desbragada ¡njustica ao conferir todo poder a urna das partes na relajo<br />
jurídica, por sinal a mais forte, como se o forte precisasse de ainda mais forca,<br />
reservando ao cidadáo o papel de grao a ser moido pela estrutura por eles forjada.<br />
O DL 911/69 atenta contra a dignídade humana ao prever a pr¡s3o por<br />
divida, quando estabelece que o credor pode transformar a acño de busca e<br />
apreens3o em ac5o de depósito. Qual a finalidade dísso se nao conferir ao credor<br />
fiduciario um poder coercitivo que ncnhum outro tipo de credor possui, num claro<br />
confronlocom o espirito da CF 1988? ¿inconcebível que o urdcnamcnlo jurídico<br />
permita a transformac,3o unilateral de um contrato de urna natureza em outro. E urna<br />
afronta aos principios da isonomia, da liberdade de contratar e da mutualidade,<br />
pois o devedor nao participa desta decisao, apenas sofre suas conseqüéncias.<br />
Ainda outro ponto é claramente contrario á Constituic^ío e seus principios<br />
no DL 911/69: o procedimento da cobranca da divida inadimplida fere os principios<br />
do contraditório, da ampia defesa e da própria livre convicio do juiz, vez que<br />
determina que o julgador deverá conceder a liminar de busca e apreens3o.<br />
Já o DL 70/66, que trata da execu^áo extrajudicial, confere as instituic,5es<br />
tlnanceíras o poder exercer impunemente suas próprias razSes, indo mais além,<br />
estabelecendo elas próprias o quantum devido pelo outro contratante. Este poder<br />
atenta frontalmente contra o principio da jurisdicáo, do monopolio jurisdicional do<br />
Estado. Atenta também contra o principio do contraditório e da ampia defesa, pois<br />
o devedor é notificado a pagar a quantia que o banco diz que ele deve, sob pena de<br />
perder o imóvel hipotecado.<br />
Ora. a CF 1988 é clara cm afirmar que "ninguém será privado da liberdade<br />
ou de seus bens sem o devido processo legal" (Art. 5o. Ll V). Tomar o bem hipotecado<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l39
O OIKI-ITO IX) CONSUMIDOR \l OS BANCOS: A PIGNIDADL DO CHMDÁO X O I'ODIÍR IX'ONÓMICO<br />
scm a manifestacao judicial é claramente urna violenta afronta á Constituicüo, nüo<br />
somente quanto a este dispositivo, mas também ao inciso XXXV deste artigo, o<br />
qual expressa o principio da inafastabilidade da jurisdicüo.<br />
Vé-se, com clareza, que estes normativos, resquicios do autoritarismo,<br />
sao completamente ¡ncompatíveis com o atual regime democrático que ora vive o<br />
País e francamente afrontosos ao espirito da CF 1988, á intenc3o do legislador<br />
constituinte, aos principios e objetivos fundamentáis constitucionais.<br />
Claro está que as instituicoes financeiras, crediticias, securitárias e ban-<br />
cárias nao querem perder os privilegios a que estSo acostumados de longa data e<br />
estáo lutando com todas as sua forcas para que seja mantido o status quo. O CDC<br />
e sua aplicnc.So as rclacSes bancarias significa a destruicüo dcsses privilegios<br />
descabidos e intoleráveis numa república democrática, e por isso devem lutar<br />
todos os profissionais do Direito, a fim de termos urna sociedade mais justa e mais<br />
equánime.<br />
Ao revés disso, a aplicacao do CDC a todas as relacóes de consumo,<br />
inclusive as bancarias e securitárias, é meio idóneo para alcancar a construc3o de<br />
urna sociedade mais justa, com menos explorado e com maior garantía para a<br />
sociedade. É urna das formas de se proteger a dignidade humana e fazer valer a<br />
boa-fé objetiva nos contratos, perseguindo sempre a consecuc3o da justica.<br />
Quer se analise a questao sob o prisma jurídico, quer se analise sob o<br />
prisma da justica social, a aplicado do CDC aos contratos bancários é nSo so<br />
cabivel como imperativo.<br />
IV- Referencias Bibliográficas<br />
BRASIL. Código Comercial. Obra coletivade autoría da Ed. Saraiva com a colabo<br />
rado de PINTO, Antonio Luiz de Toledo, WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos<br />
e SIQUE1RA, Luiz Eduardo Alves de. 16 ed. Sao Paulo: Saraiva, 2001.<br />
BRASIL. Código Penal. Obra coletiva de autoría da Ed. Saraiva com a colaborado<br />
de PINTO. Antonio Luiz de Toledo. WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos e<br />
CÉSPEDES, Livia. 40 ed. S3o Paulo: Saraiva, 2002.<br />
BRASIL. Código de Protec3o e Defesa do Consumidor. Nova ed. rev., atual. e ampl.<br />
com o Decreto n° 2.181, de 20 de marco de 1997. Brasilia: Ministerio da Justica,<br />
2001.<br />
140 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
RUBI.NSCAR7AXO JÚNIOR<br />
BRASIL. Constituidlo Federal. Coord. Giselle de Mello Braga Tapai, 7 ed. rev.,<br />
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RHVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> ■ UFRN m
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2002.<br />
142 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UI'RN
ADOCÁO NACIONAL<br />
Renata Veras Rocha<br />
Académica do 9o periodo do Curso de Direito<br />
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN<br />
Bolsista do Programa de Recursos Humanos da Agencia Nacional do Petróleo<br />
l.<strong>In</strong>troducSo<br />
(PRH AN P/MCT 36 - Direito do Petróleo e Gas).<br />
Durante sua evolucao, o instituto da adocáo se apresentou sob as mais<br />
variadas facetas. Suas características, efeitos e demais aspectos adequaram-se as<br />
tendencias e aos costumes de cada época, sofrendo transformacSes que foram<br />
enquadradas pela legislacSo que o disciplinou. Tendo em vista essa amplitude de<br />
conteúdo referente ao assunto, em contraposicSo ao pequeño espaco disponível<br />
em sede de um artigo, o trabalho que ora se inicia pretende abordar principalmente<br />
os aspectos jurídicos vigentes em relacüo á adocao. Outrossim, ressalte-se que se<br />
objetiva comentar os mais relevantes pontos do procedimento quando requerido<br />
por nacionais ou estrangeiros que aqui residem, isto é, a chamada adocSo nacional1.<br />
Quando o requerente pretende levar o adotado para o exterior, configurando-se<br />
adoc3o internacional, há peculiaridades jurídicas que fogem á exigüidade deste<br />
artigo. Delimitado o campo de abrangéncia, imprescindível se faz destacar que o<br />
presente ensaio vislumbra servir nSo somentc aos estudiosos do direito, mas<br />
também aos demais interessados no assunto, fomecendo informacSes a todos os<br />
que valorízam um instituto de tamanha importancia face ás desigualdades sociais<br />
do Brasil. De fato, sabe-sc que o modo pelo qual se comportam os fatores afelivos<br />
durante a fase de desenvolvimento do ser humano representa urna fúñelo vital<br />
para a saúde mental futura desse individuo, e que a familia c o lar mostram-sc<br />
insubstituíveis para a adequada formacüo da sua personalidade. E a adocáo consiste<br />
na resposta mais digna da sociedade ao problema das enancas, jovens e até mesmo<br />
dos adultos sem lar, tudo de acordó com o que será exposto a seguir.<br />
2. Conceito<br />
A alternativa de se inserir alguém numa familia substituía merece con-<br />
sideracSo apenas quando todas as possibilidades de sua manutencSo na familia<br />
' Tanto os nncinnais qtianlo os esliangcinK que reúdem no Rrasil cMio cnquadraJos pelo Iralnmcnio da adorno<br />
iwunul iIcykIo i'i ÍM>tiinn>ii emre ¡niilxis. nmami/mb pelo ni/'»/ ün !ini|»i y 1U1 Cimvintin,A I cik-r.il de I ')KX<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. \5 - UFRN
RENATA VURAS ROCHA<br />
natural sejam descartadas, tratando-se de eficaz providencia em relacao a enancas<br />
e adolescentes cujos direitos fundamentáis encontrem-se ameacados ou<br />
suprimidos. A respeito disso, o ordenamento jurídico brasileiro prevé,<br />
exaustivamente, tres formas de colocacáo da enanca ou adolescente em uma familia<br />
substituta: guarda, tutela c adocüo (art. 28 da lei 8.069/90 - Estatuto da Crianca c<br />
do Adolescente - ECA). A aplicado de quaisquer dessas medidas pode ocorrer<br />
somente de modo excepcional e se devidamente comprovada a sua real necessidade.<br />
No que se refere á guarda e á tutela, conservam divergencias entre si,<br />
mas ambas tém como principal aspecto em comum o fato de serem transitorias. A<br />
guarda "visa prestar assisténcia material, moral c educacional ao menor,<br />
regularizando sua posse de fato" (Diniz, 2000, p.426), podendo inclusive ser deferida<br />
de forma liminar nos procedimentos de tutela e adocao. Enquanto isso, a tutela<br />
representa "uní complexo de direitos e obrigacóes, conferidos por lei, a um terceirp,<br />
para que proteja a pessoa de um menor, que nüo se acha sob o patrio poder [hoje<br />
denominado poder familiar], e administre seus bens" (Op.cit, p.439). A adocao, por<br />
sua vez, é a mais radical e completa das medidas elencadas, tanto que perdura,<br />
¡rrevogavelmente, por toda a vida da pessoa, podendo inclusive ser aplicada n3o<br />
apenas em criancas e adolescentes, mas igualmente em maiores de idade,<br />
obedecendo-se ás disposieñes do Código Civil de 2002 (CC).<br />
A própria palavra "adocSo" traduz sua idéia primordial, qual seja, a<br />
"accitacao" de alguém como filho. <strong>Jurídica</strong>mente falando, pode-sc conccituá-la<br />
como uma modalidade artificial de filiac3o, em que se insere o adotando,<br />
definitivamente, numa familia substituta, n3o resultante de relacao biológica, mas<br />
de uma sentenca judicial. O ato de adocao faz com que uma pessoa passe a gozar<br />
do estado de filho de outra, com os direitos e deveres ¡nerentcs a essa situacSo,<br />
independentemente de vínculo biológico. É seu pressuposto a integracáo do<br />
adotado na nova familia, rompendo-se os vínculos com seus familiares<br />
consanguíneos, salvo os impedimentos matrimoniáis (art.41, capul, ECA e 1.626,<br />
capul, CC).<br />
Uma vez realizada a adocao, será proibida qualquer discriminac3o em<br />
relac3o ás outras formas de filiacao, tendo em vista que a Constituyo Federal de<br />
1988 (CF), no artigo 227, § 6°, afirma que "Os filhos, havidos ou nao da relacao do<br />
casamento, ou por adoc3o, terSo os mesmos direitos e qualificaedes, proibidas<br />
quaisquer designares discriminatorias relativas á filiacao".<br />
144 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>- UFRN
3. Legislacáo Aplicávcl<br />
ADOCAO NACIONAL<br />
No Código Civil de 1916 (CC 1916), a adoc^o era regulada nos artigos<br />
368 a 378, e o norte dado por esse diploma em relac,3o ao instituto pautava-se na<br />
idéia central de prioridade do interesse dos país que n2o pudessem gerar uma<br />
prole. Assim. deixava-se em posi^ao secundaria qualquer preocupado com o<br />
adotado. Atualmente, a disciplina legal do tema em estudo, contrariando essa<br />
tendencia e colocando em primeiro plano a situacáo do individuo a ser adotado,<br />
encontra-se inserida básicamente no Estatuto da Crianca e do Adolescente e no<br />
vigente Código Civil. Existem, porém, alguns questionamentos doutrinários acerca<br />
da relac3o de vigencia entre ambos os diplomas.<br />
Em 1990, quando do advento do ECA, a adoc3o de crianzas e<br />
adolescentes passou a ser regida por esta lei. porém continuaram vigentes os<br />
dispositivos do CC 1916 para adoc3o de maiores de 18 (dezoito) anos, n3o<br />
abrangidos, em regra, pelo ECA. Desse modo, havia dois tratamentos legáis em<br />
relac3o ao instituto, variando de acordó com a idade do adotando, ou seja, quando<br />
fosse maior de 18 (dezoito) seria englobado pelo CC 1916; nos demais casos, pelo<br />
ECA. Importa destacar que embora este se refira, em geral, á adoc3o de pessoas até<br />
18 (dezoito) anos, excepcionalmente incide sobre adotandos de até 21 (vinte c uní)<br />
anos, quando, ao terem completado aquela idade, já estivessem sob guarda ou<br />
tutela do adotante (cf. art.40). Essa disciplina excepcional prevalece ainda hoje.<br />
Prosseguindo, a despeito de terem ambos os diplomas (CC 1916 e ECA)<br />
permanecido em vigor, percebe-se que os principios informadores daquele código<br />
colidiam em muito com os trazidos pelo Estatuto. De fato, ao passo que o CC 1916<br />
priorizava os ¡nteresses dos pais, deixando os do menor em segundo plano, o ECA<br />
consolidou a teoría da protec3o integral, segundo a qual o centro de todas as<br />
atencóes é a crianca ou o adolescente, considerado-o sujeito de direitos. Essa<br />
idéia foi mencionada também pela Convencáo sobre os Direitos da Crianca2, art.<br />
03°: "Todas as agdes relativas ás enancas, levadas a efeito por instituiedes públicas<br />
ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgaos<br />
legislativos, devem considerar, primordialmente, o ¡nteresse maior da cr¡anc.a ".<br />
Ao contrario, a adocáo regida pelo CC 1916, classificada de "simples",<br />
-' Adolada pela Assemblcia Gcral das Nacócs Unidas em 20 de noxcmbro de 1989, subscnla pelo Govemo brasilciro<br />
cm 26 de Janeiro de 1990 c aprovada pelo Senado Federal pormeiodo Decreto Ixgislalivo n. 28, de 14 de Miembro<br />
Je IWO<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN<br />
145
RENATA VERAS R(XIIA<br />
nüo conferia lodos os direitos de filho ao adotado, mas formava um vínculo restrito<br />
a este e seu adotante, podendo ser realizada por escritura pública e n3o extinguindo<br />
os direitos e deveres do adotado com sua familia biológica, salvo o patrio poder<br />
(art. 378 CC 1916). Com a promulgacao da CF, levantaram-se questionamentos<br />
quanto a essa especie adotiva, tendo em vista que a Carta Magna estabeleceu em<br />
seu artigo 227, § 5o que a adocáo deve ser assistida pelo Poder Público, além de<br />
consagrar, no § 6o do mesmo artigo, a igualdade entre as diversas formas de fil ¡acSo.<br />
Essas disposicdes colocavam em cheque a possibilidade de permanencia de urna<br />
adocüo restrita, questao superada com a chegada, em 2002, do atual código civil.<br />
Com a vigencia deste código, revogou-se por completo a disciplina do<br />
CC 1916.0 novel diploma veio inspirado no ECA e nos dispositivos constitucional,<br />
condicionando o deferimento da adocüo á comprovacüo de reais ¡nteresses ao<br />
adotando e o sujeitando sempre á necessidade de procedimento judicial (art. 1.623.<br />
parágrafo único). Nüo ocorreu, com seu advento, revogacüo do Estatuto1, tanto<br />
pela especialidade desta lei, quanto pelo fato de que o CC trouxe disposicSes que<br />
se harmonizan! com as estatutarias, reforjando a nobreza do instituto da ado^üo e<br />
o acatando somente em sua forma plena, ou seja, que confere todos os direitos de<br />
filho ao adotado.<br />
O enfoque da adocüo moderna leva em conta, sobretudo. a pessoa e o<br />
bcm-cstar do adotando, antes dos ¡nteresses dos adotantcs. Ncssc sentido,<br />
percebe-se que. com a vigencia do CC, nüo houvc allcracüo significativa da filosofía<br />
e estrutura do Estatuto, embora haja omissüo daquele quanto a alguns pontos,<br />
como no tocante ao estágio de convivencia e ao cadastro das familias inleressadas<br />
em adotar, que nüo forain abordados em seu texto. Segundo Venosa, "no novo<br />
código, a adocüo de maiores de 18 anos deve seguir essa lei, nada ¡mpedindo que.<br />
se continué a aplicar o ECA, até que seja a materia regulamentada" (2002. p.323). O<br />
pcnsamcnlo desse autor chega á acertada conclus.au de que, com u leilura córrela<br />
do CC, a adocSo de maiores terá a mesma amplitude da disposta pelo Estatuto, até<br />
porque nSo mais se admite qualquer distincüo de categorías de filiacüo (2002,<br />
p.306). Também nesse sentido, o ensinamento de José Luís Alicke e Roberto<br />
Barbosa Alves, a seguir citado:<br />
' I <strong>In</strong> quero considere Icrctn sido revocadas as dispoM^iVs do hC'A referemes á aduyl» nacional Ne»se xmtidu. leía<br />
se o artigo do Alc\ Sandr» Rilx-ir>i (2
4. Naturcza <strong>Jurídica</strong><br />
AIXX.ÁO NACIONAL<br />
Fica evidente, comojáressallado, ofiní da dicotomía<br />
entre as formas de adocao para maiores e menores<br />
de 18 anos. A adocao é, agora, urna só; e o Novo<br />
Código Civil demonstra intencao de dirigirse<br />
tambéin a cr¡ancas a adolescentes (art. 1.621 e<br />
parágrafos, art. 1.623 parágrafo único earl. 1.624).<br />
A unidade conceitual nao evita, cornudo, a<br />
persistencia de algumas peculiaridades do<br />
tralamento da adocao do maior de 18 anos,<br />
conforme se verá odiante. (2002, p.03).<br />
O ordenamento jurídico brasileiro vigente prevé urna serie de determi-<br />
nacñes e restribes em relacao á adoc3o, o que demonstra marcante interesse<br />
público. Afasta-se, definitivamente, a noc3o de contrato que existia em relacSo ao<br />
instituto, tendo em vista que n3o se mostram suficientes as vontades das partes<br />
para que haja a sua concretizaca"o, fazendo-se necessária a obediencia a todos os<br />
requisitos estipulados pela legislado em vigor.<br />
Táo evidente se mostra o ¡nteresse público relevante envolvido no<br />
assunto que o Ministerio Público deve dele participar necessariamente (art. 202<br />
ECA), mesmo nos casos em que se trate de adoc3o de maiores (art. 82, 11, CPC),<br />
pois se refere sempre a urna questSo de estado. Esta posic3o tem sido adotada<br />
pelos diversos tribunais, inclusive expressamente disposta no site do Tribunal de<br />
Justica do Rio Grande do Norte, in verbis: "A adocño de maiores de dezoito (18)<br />
anos dependerá, igualmente, de processo judicial, com a ¡ntervencáo do Ministerio<br />
Público". (Disponível no endereco virtual: http://www.tj.rn.gov.br/destaques/<br />
novo_codigo_adocao.html).<br />
Consolidou-se, portanto, o entendimento segundo o qual a acáo de<br />
adocño é de estado, com caráter constitutivo, através da qual se confere, para<br />
todos os efeitos, a pos¡c.3o de filho ao adotado.<br />
IU-1VISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> UFRN 147
5. Requisitos<br />
5.1. Do adotante<br />
RENATA VERAS ROCHA<br />
O ECA dispóe ser 21 (vinte e um) anos a ¡dade mínima que deve ter o<br />
requerente da adocao (art.42), na"o se referindo á questño da maioridade, motivo<br />
pelo qual n2o se aceita que emancipados intentem o pedido'1. Com o CC, houve<br />
explícita divergencia, pois, segundo este, a ¡dade mínima para adotar passa a ser de<br />
18 (dezoito) anos (art. 1618). Embora o CC nao tenha o cond3o de revogar o ECA,<br />
nesta situacío houve, aparentemente, expressa disposicao em contrario, o que<br />
levou alguns doutrinadores a aflrmarem ter havido a revogacao. A defesa dessa<br />
tendencia é feita tendo-se por base a idéia de que o legislador estatutario havia<br />
fixado o patamar de 21 (vinte e um) anos imbuido na antiga maioridade, que se dava<br />
ao se atingir esta idade. Com a reducao da maioridade para 18 (dezoito) anos, bem<br />
como a expressa disposicao de que para adotar será este o mínimo necessário,<br />
estaría revogada a disposicao do estatuto que se refere aos 21 (vinte e um) anos'.<br />
No entanto, em que pese a autoridade dessa corrente, deve-se ter em<br />
mente que o legislador estatutario n3o fez qualquer alus3o á maioridade, e sim ao<br />
criterio absoluto dos 21 (vinte e um) anos", que deve ser mantido para os<br />
procedimentos de adoc3o de criancas e adolescentes, mesmo após a vigencia do<br />
código civil, lei mais geral, que n3o pode revogar o Estatuto. A propósito, as leis<br />
especiáis se sobrepñem ás gerais, justamente por tratarem específicamente sobre<br />
determinado tema sendo, sendo mais completas. Essa regra está na Lei de<br />
<strong>In</strong>troducto ao Código Civil, preconizando-se a prevaléncia da lei especial sobre a<br />
geral, quando divergentes (art. 2o, § 2o). Assim, a despeito de existir, em geral,<br />
conformidade entre as disposicñes do CC ás do ECA, gerando um só sistema para<br />
adocáo, o requisito da idade para o adotante aínda n3o foi uniformizado, pois<br />
quando foro procedimento de maíores será suficiente os 18 (dezoito) anos exigidos<br />
1 Comentario ao art. 42 do ECA: *"E o requisito é o da idade. nao suprivcl peta cniíincipacdo" (Cury. Silva c Méndez,<br />
2002, p. 146).<br />
* Nesse sentido. Venosa explica: "O novo código civil, loando cni conta a maioridade que assumc. permite que<br />
a pessoa maior de 18 anos possa adotar (an 1618). A idade, que passa a ser dora vacile de 18 anos é, porlanto, requisito<br />
objetivo para o adotanlc". (2002, p 324). Grifo acresecntado<br />
* O Tribunal de Justica do Río Grande do Sul, nos casos de aplicacáo de medida socioeducativas, decidiu pela<br />
manutencao do criterio de idade fixado pelo Estatuto (unte e um anos), nao obstante a maioridade civil ler sido<br />
rebaixada para 18 (dezoilo) anos. "Os magistrados consideran) que o Estatuto da Críanca e do Adolescente (ECA)<br />
de Corma expressa cslabclccc o limite temporal de 21 anos para a aplicado de medidas socioeducaiivds, nao mi/civdo<br />
referencia algumn í> maioridade civil". Disponivcl em hllpV/www cliclciuil.com hr'n-O4042OO3-8.asp.<br />
148 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
ADOCÁO NACIONAL<br />
pelo CC. Nos demais casos, permanece vigente o criterio do ECA, de 21 (vinte e<br />
um) anos.<br />
Nüo há restribo para o estado civil do adotante, podendo ser pessoa<br />
solteira ou casada. No entanto, faz-se mencáo no CC ao fato de que quando a<br />
adocSo for feita por mais de urna pessoa conjuntamente, devem estar casadas ou<br />
em uniao estável, neste caso desde que naja comprovacao da estabilidade (art.<br />
1622, capul). "A regra elimina também qualquer polémica sobre a possibilidade de<br />
adoc3o por casáis homossexuais, porque a uniao estável só é admitida entre homem<br />
e mulher (art. 1.723 do Novo Código Civil)' (Alicke e Alves, 2002, p.05).<br />
No entanto, dccis3o recente do Tribunal de Justica do Rio Grande do<br />
Sul reconheceu a uniao estável entre homossexuais. o que demonstra urna mudanca<br />
de mentalidade por parte de nossosjulgadores7. Em sendo disseminada a ace¡tac3o<br />
jurídica de uniües homossexuais, tal muduiiv'a de visüo pode implicar, em breve, no<br />
incipiente reconhecimento da adoc3o por esses casáis.<br />
Os separados judicialmente ou divorciados podem adotar de forma con<br />
junta, desde que a convivencia com o adotando tenha se iniciado durante a época<br />
em que viviam juntos (art.42, §2°, ECAe 1.622, §2°, CC). Semprequese tratar de<br />
adoc3o requerida por duas pessoas, admite-se que apenas um délas tenha a idade<br />
mínima exigida (art. 42, § 2o, ECA e 1.618, parágrafo único, CC). Outra peculiaridade<br />
do ordenamento patrio é a adocao proposta pelo atual cónjuge ou companheiro da<br />
mulher em relacao ao filho desta. Neste caso, conhecido como adocüo unilateral,<br />
os vínculos familiares do adotado ser3o rompidos apenas com a familia do seu pai<br />
(art. 41, § 1 °, ECA e 1.626, parágrafo único, CC).<br />
Unía inovacáo trazida pelo ECA fo¡ a aceitacáo da adocao postuma,<br />
quando o adotante, "após inequívoca manifestacao de vontade, vier a falecer no<br />
curso do procedimento, antes de prolatada a sentenca" (art. 42, § 5o). A palavra<br />
"procedimento" tem sido interpretada como abrangente de quaisquer dos meios<br />
de colocacáo em familia substituía, e nao apenas no de adocSo, ou seja, importa<br />
saber se o ¡nteressado manifestou, quando vivo, no bojo de guarda, tutela ou<br />
adoc3o, a vontade livre de adotar determinada pessoa.<br />
' De acordó com a ludia de raciocinio esposa pelo voló da Descmbargadora María Bcrentcc Días: ~A existencia de<br />
vinculo amoroso e o que basla para que se reconheca a existencia de urna familia. Essa nova concepcao lem levado<br />
cada vez mais a sociedade a coinner coin todos os tipos de rclacionamenlo, mesmo que nao mais correspondan! ao<br />
modelo lido como oficial" Disponivel no endereco clcirónico htlp://wu\v lj n i¡ov br/sile php/nolicias/<br />
moslrano(¡cia.plip'1assiiiilo' I&c<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UPRN 149
KI-NAIA VIKASIUKIIA<br />
Existe proibicao temporaria para o adotantc tutor ou curador, pois cn-<br />
quanto nao for aprovada a prcslacüo de conlas da sua adminislracilo (1.620 CC e<br />
44 ECA) nSo poderá adotar seu pupilo ou curatelado. A norma existe para evitar<br />
que eventual desvio de recursos realizado se oculte com a adocao, já que nesse<br />
momento passará a ter a administracüo dos bens do adotado.<br />
Sempre visando á similaridade em relacáo á familia biológica, requer-se<br />
urna diferenca de 16 (dezesseis) anos entre adotante e adotado (art 42, §3°, ECA e<br />
art. 1.619 CC). Ademáis, nao se permite a adoc3o por ascendentes e irmaos do<br />
adotando, para evitar mudancas de parentesco que venham a confundir o adotado<br />
e os membros da familia como um todo (art.42, § 1 °, ECA). Essa norma, assim como<br />
quaisquer outras inexistentes no CC, podem ser utilizadas analógicamente para<br />
adocüo de maiorcs, de acordó com o que se explicou no tópico "legislacSo aplicável".<br />
5.2. Do adotando<br />
Com relacSo á pessoa do adotando, desde que tenha mais de 12 (doze)<br />
anos, deverá sempre ser ouvido pelo juiz. Obviamente, ele deverá contar com<br />
aptid§o pessoal para manifestar sua vontade livre e conscientemente, havendo<br />
casos em que tal oitiva se mostrará inviabilizada (caso se trate de pessoa portadora<br />
de grave doenca mental, por exemplo). A opiniao emitida pelo adolescente tem<br />
grande valor, mas n3o vincula a decisáo judicial. Havendo divergencia na decisño,<br />
esta deverá ser ainda mais cuidadosamente fundamentada, a fim de se explicitarem<br />
os motivos pelos quais a ¡ntencüo do adotando n3o será levada em considerado.<br />
No tocante aos maiores de idade, poroutro lado, o livre consentimento mostra-se<br />
vinculante, nao se admitindo adogSo sem que o mesmo esteja presente. Quando o<br />
juiz achar necessário e conveniente, também os menores de 12 (doze) anos poderao<br />
ser ouvidos.<br />
5.3. Procedimento<br />
Conforme já se mencionou anteriormente, só há adocao através de pro-<br />
cesso judicial. Via de regra, no procedimento deverá constar o consentimento dos<br />
genitores do adotando, manifestando expressamente sua aceitacao, que pode ser<br />
revogado até a data da publicacao da sentenca (art. 1.621, § 2o, CC). Admite-se<br />
ausencia do mesmo em relacao ao pai ou mSe que tenha sido destituido do poder<br />
familiar ou quando sejam desconhecidos (art. 45, §1°, ECA). A destituicSo do<br />
poder familiar pode ser decretada previamente ou até na mesma sentenca que a<br />
adocSo. como na decisao a seguir transcrita:<br />
<strong>15</strong>0 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN
A1XX.ÁU NACIONAL<br />
Adocdo - Cumulada cow destituirán do patrio<br />
poder Recurso do Ministerio Público (¡enilor<br />
preso - Siluacao de encerramento nao<br />
suficientemente demonstrada - A prava indica<br />
desinteresse do genitor em relucau a vida dajilha,<br />
de molde a configurar dcscuniprimento injustificado<br />
dos deveres e obrigacoes a que se refere o artigo 22<br />
de Estatuto da Crianca e do Adolescente - Menor<br />
bem cuidada e perfeitamente integrada ao adotante,<br />
com quem convive desde os tres anos de idade (hoje<br />
tem quatorze) e constituí forte vínculo, recebendo<br />
orienlacao e afeto - Consolidando de situacao de<br />
fato — Adocdo que representa reais vantagens para<br />
a adotanda - Recurso nao próvido. (TJSP - Ap<br />
Cível 56.<strong>15</strong>3-0,30-3-200, Reí. Jesús Lofrano).<br />
A seriedade do ato requer sempre a presenca dos adotantes, impedindo-<br />
se adoc3o por procurac3o (art 39 ECA), exigencia que deve ser mantida para a de<br />
maiores. O processo de adocáo deve tramitar, quando houver, na Vara da <strong>In</strong>fSncia<br />
e Juventude (em relacao ás criancas e adolescentes). A de maiores será procedida<br />
ñas Varas de Familia.<br />
Além desses requisitos mencionados até aqui, lembre-se que em todos<br />
os casos o juiz deverá avaliar a organizado e condiedes da familia substituía para<br />
averiguar se é possível a adoeño. Cada situac3o, incluindo-se todos os seus<br />
pormenores, deverá ser analisada de per si, sem quaisquer preconceitos e com o<br />
auxilio da equipe interproflssional. Através dos estudos minuciosos dos psicólogos<br />
e assistentes sociais. perserguir-se-3o os interesses superiores do adotando,<br />
aferindo-se, efetivamente, se a pretensáo em tela se funda em legítimos motivos<br />
(art. 1625 CC e 43 ECA).<br />
6. Estágio de Convivencia<br />
O estágio de convivencia consiste no período em que o adotante deverá<br />
desfrutar da companliia do provávcl filho. É urna fase de experiencia c adaptacüo<br />
do adotando com a familia que substituirá a sua natural. Como se sabe, a adocáo<br />
constituí medida radical, que desliga os vínculos entre o adotado e sua familia<br />
biológica, o que fez com que o legislador, preservando os ¡nteresses da enanca.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN <strong>15</strong>1
i:naia vkraskoc'iia<br />
preconizasse a necessidade dessa etapa de convivencia, muito importante para<br />
ambas as partes envolvidas.<br />
O CC n2o previu absolutamente nada a respeito da necessidade de<br />
estágio de convivencia, o que faz com que, na adocDo de niaiores, fique a ocorréncia<br />
do mesmo sujeito ao livre convencimento do juiz, sendo aconselhável sua<br />
real izacao. O ECA estabeleceu, em geral, a obrigatoriedade do estágio, deixando,<br />
porém. a flxacüo do scu prazo a criterio da dccisüo jurisdicional, que se pautará nos<br />
pormenores da avaliacao feita pela equipe interprollssional (art. 167 ECA).<br />
Excepcionalmente, o legislador estatutario previu a dispensa do estágio<br />
nos casos em que o adulando (¡ver menos de 01 (lunn) ano de idade ou quando já<br />
estiver em companhia do adotante por periodo considerável (ECA, art. 46, § I °). De<br />
fato, neste caso, a convivencia já existe, sendo indiscutivelmente justa a dispensa.<br />
No que aliña a primeira cxcccilo, entretanto, pairam polémicas. De um lado, delende-<br />
se a posicüo legislativa adotada, pois as chances dessa adoc3o dar errado sSo as<br />
mesmas em relacSo á criacao natural, já que as criancas menores de 01 (hum) ano<br />
nüo tcm considerável constituicao de sua personalidade, nüo havendo da parte<br />
délas urna necessidade de adaptado com determinada familia. Por outro ponto de<br />
vista, há argumentos discordando da dispensa, alegando-se a necessidade de<br />
tratamento isonómico entre os adotantes, supostamente ferido pelo dispositivo.<br />
Este pensamento, com a devida venia, mostra-se equivocado, por dar prevaléncia<br />
aos ¡nteresses do adotante.<br />
7. Efcitos da Adocáo<br />
Após o tránsito em julgado, a sentenca fará seus efe ¡tos a partir de<br />
entüo (ex nunc), salvo quando se tratar de adocao/?o.v/ moríem, quando terá forca<br />
retroativa á data do óbito (art. 47, § 6o, ECA). A averbacao no registro civil perfaz<br />
um ato necessário ao aperfeicoamento da adoc3o, sob pena da nova fíliacao nSo<br />
ter eficacia erga omnes. Será, portanto, realizada sua ¡nscricao no Cartório de<br />
Registro Civil, n3o se podendo déla fornecer certidao: somente para autoridade<br />
judiciária os dados poderío ser entregues (art. 47, § 2o, ECA). Nesse sentido,<br />
cancela-se o registro original do adotado, e no novo, no qual n3o constará qualquer<br />
referencia á adocüo, ser3o consignados os nomes dos adotantes e de seus<br />
ascendentes (47, §1°, ECA). Permite-se a modificacao do preñóme a pedido de<br />
adotante (art. 47,5o) ou até mesmo do adotado, quando maior(l .627 CC).<br />
A irrevogabilidade constituí efeito primordial da adoc3o. Apesar disso.<br />
<strong>15</strong>2 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
AIXX/AO NACIONAL<br />
tal medida, como qualquer ato ou negocio jurídico, poderá ser rescindida, quando<br />
presentes as causas de nulidade e anulabilidade processuais. Segundo Artur<br />
Marques da Silva Filho. apesar do ECA n3o contemplar essas hipóteses, "o ato<br />
jurídico, regra geral, para produzir efeitos, n3o deve carregar vicios, valorados pelo<br />
Direito como impeditivos de formacüo ou validade" (1997, p.207). Afora esses<br />
casos, a única forma do adotado sair do seio da sua nova familia é através de outro<br />
procedimento de adoc3o, caso a primeira nao tenha sido bem sucedida. Ñas palavras<br />
de Marcos Bandeira:<br />
A irrevogabilidade da adoqao impede, á evidencia,<br />
o restabelecimento do patrio poder dos genitores<br />
do adotado, impedindo que a crianca ou<br />
adolescente, por morte dos adotantes ou por<br />
qualquer motivo, como arrependimento, por<br />
exemplo, retorne a familia original. Nada impede<br />
que esta crianca já adotada seja de novo adotada<br />
por outra familia, em face da existencia de motivos<br />
que coloquen o menor em situaqao de risco social<br />
ou moral (maus-tratos, abuso sexual, ele) ejustifique<br />
a destitiiicdo da patrio poder. A ¡rrevuguhilidade<br />
do ato nao pode necessariamente tornar a adoqao<br />
um ato inexorável, perfeito e que fique ¡muñe as<br />
fraquezas e intemperies humanas, o que sobrelevaria<br />
em importancia a própria familia natural, com<br />
efeitos manifestamente nocivos aa formacao moral<br />
da crianqa e adolescente (2001, p.52).<br />
O adotado passa a ser herdeiro do adotante e tem direito e dever de<br />
alimentos para com este. Segundo o estatuto, nao somente se igualam os direitos<br />
sucessórios dos adotivos como também se estabelece reciprocidade do direito<br />
hereditario entre o adotado, seus descendentes, o adotante, seus ascendentes,<br />
descendentes e colaterais até 4o (quarto) grau, observada a ordem de vocaejío<br />
hereditaria (art 41, 2o, ECA). Conforme já dito, os impedimentos matrimoniáis<br />
permanecem, tendo em vista sua origem biológica, moral e genética. Assim, a partir<br />
da adocüo, haverú impedimentos matrimoniáis do adotado com ambas as suas<br />
familias, genética e adotante.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN <strong>15</strong>3
8. Licenca-maternidade por adocáo<br />
RHNATA VliRAS ROCHA<br />
Os tribunais superiores geralmente negavam o direito de licenca-mater-<br />
nidade as adotantes, alegando nao ser necessária, fundamentando-se, para ¡sso,<br />
eni diversos argumentos. Mencionava-se, na maioria das vezes, que a crianca<br />
adotada geralmente n3o é mais amamentada, nao se caracterizando a ílnalidade<br />
maior da I ¡cenca; tambem se afirmava que o beneficio citado se dirigía á gestante c<br />
nao ao til tío, nao podendo ser estendida á müe adotiva, o que nao violava a<br />
¡sonomia entre os filhos, de acordó com o seguinte acórdao:<br />
Licenca-maternidade. Nao é possivel equiparar as<br />
situacoes, absolutamente distintas, da müe biológica<br />
e da mae civil. Tal é a raido por que o ordenamento<br />
jurídico estadual distingue o alcance das ¡¡cencas<br />
gestantes e por adocao. O tratamento isonómico a<br />
todos osfilhos, previsto na constituicaofederal, por<br />
ter destinatarios distintos - o direito, aquí, e dos<br />
filhos, lá, dasmdes, n3o pode ser projetado na esfera<br />
de interesses destas. Apelo próvido. (Apelac3o cível<br />
n° 590090767, segunda cámara cível. Tribunal de<br />
Justica do RS, relator: Des. Talai Djalma Selistre,<br />
julgadoem 27/02791).<br />
Apcsar desse pensamento ter sido esposado por milito tempo, grande<br />
parte da doutrina, e até da própria sociedade civil, insurgia-se contra a tendencia<br />
consagrada, afinal n3o apenas a m3e se beneficia da licenca, mas principalmente o<br />
filho, que desfrutará da sua companhia. Nos casos de adoc3o, medida de cuntió<br />
protetivo á crianca e adolescente, t3o necessária quanto na filiac3o natural se<br />
mostra a I ¡cenca, a fím de que haja urna adaptacSo do adotado com sua novu<br />
familia. Tudo eni prol da protecao integral das enancas dos e adolescentes.<br />
Foi pensando nisso que surgiu a lei n°. 10.421, de <strong>15</strong> de abril de 2002,<br />
estendendo á mae adotiva o direito a licenca-matcmidadc c ao salário-maternida-<br />
de, alterando a Consolidado das Leis do Traba I ho, aprovada pelo Decreto-Leí np<br />
5.452. de l°dcmaiode 1943, e a Lei n°. 8.2l3,de24dejulhode 1991. Adisposicao<br />
da lei se refere a adocao de enancas, ou soja, o beneficio aínda nSo se destina á<br />
adocáo de maiores, nem de adolescentes. E mesmo em relaíSoás criancas, o texto<br />
legal contempla o beneficio somente para as que tenham até 08 anos de idade.<br />
<strong>15</strong>4 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
adocáo nacional<br />
Mesmo assim, o diploma já demonstra grande avanco.<br />
9. Possibilidadede <strong>In</strong>vcstigacáo de Paternidade pelo filho udotivo<br />
Em vías práticas, tem sido unía questao tormentosa saber se o filho<br />
adotivo pode ¡ngressar com acSo de investigacio de paternidade. para evidenciar<br />
quem sño seus país biológicos. De fato, nSo há vedacao legal, sendo inevitável<br />
reconhecer-se um sólido interesse moral do adotado para essa ac3o. Além disso,<br />
está, por diversas vezes, demonstrada no ECA e na CF a consagrado do direito á<br />
familia, existindo ainda urna disposic3o expressa no estatuto afirmando que "o<br />
reconhecimento do estado de fil¡ac3o é direito personalíssimo, indisponível e<br />
imprescritível (...)" (art.27). Desse modo, observa-se que todos tém direito a saber<br />
quem s3o seus pais, garantindo-se, prioritariamente, á crianca e ao adolescente, a<br />
convivencia na sua familia natural e sua identidade. Ñas situacSes excepcionais.<br />
quando houver adocilo, ao adotado, com base nesses principios, resguarda-se o<br />
direito de conhecer a identidade de seus pais biológicos. No entanto, urna ac2o de<br />
invcstigacüo de paternidade nessa situaciio n3o poderia Icr o cóndilo de romper a<br />
llliacño estabelecida jurídicamente, nem gerar qualqucr repercussQo patrimonial,<br />
mas únicamente se referindo á seara moral e aos impedimentos matrimoniáis.<br />
Ademáis, vorillen-se c|iie o segredo d:i ndoc.no, manlido por varias<br />
familias, além de ferir o direito do adotado, tem gerado prejuízos á sua personal¡dade,<br />
pois um dia sempre toma conhecimento da verdade, momento em que geralmente<br />
s3o acarretados traumas ou revoltas. Isso gera urna desconfianza na familia e nos<br />
valores da sociedade, sendo de fundamental importancia revelar-se á crianza<br />
adotada sua filiacüo desde cedo, de acordó com seu desenvolvimento psicossocial.<br />
10. Adocao á brasileira<br />
N3o raramente, o adotante obtém o filho registrando diretamente como<br />
sua urna crianca nascida de outra pessoa, muitas vezes com a conivéncia de<br />
profissionais da saúde ou das próprias parturientes, que manifestam o desejo de<br />
dar (ou vender) sua prole. Em muitos casos, mais abomináveis até, há mesmo<br />
pessoas e agencias comerciáis realizando a intermediaci5o, o seqüestro e tudo mais<br />
que diga respeito ao tráfico de criancas, crimes que ferem os mais elementares<br />
direitos da crianza e dos pais biológicos.<br />
A prática de registrar como seu filho de outrem constituí, por si só.<br />
atitude desaconsejada por psicólogos e juízes. trazendo graves conscqücncías<br />
RF.VISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN <strong>15</strong>5
i;nata veras kdcha<br />
para a crianca ou o adolescente. Trata-se da divulgada "adocao á brasileira", crime<br />
de falsidade ideológica, previsto no art. 242 do Código Penal, com pena de reclusüo<br />
de 02 a 06 (dois a seis) anos. Eni geral esta situacüo envolve intermediarios, que<br />
também podem ser punidos, conforme o artigo 237 do ECA. Além disso, os pais<br />
biológicos podem recorrer á Justica a qualquer momento para reaver o filho c o<br />
registro poderá ser cancelado quando da comprova(3o da verdadeira filiacüo.<br />
Muitas vezes os adotantes sup5em, equivocadamente, que a adocáo á<br />
brasileira é benéfica para a crianca, pois através déla eliminam-se a burocracia c os<br />
cuidados da Justica. Essa prática, no entanto, acarreta mais desvantagens que<br />
vantagens para os envolvidos, podendo até ser mais rápida c atender ao desejo<br />
dos pais biológicos, mus nílo leva em coma os direitos e u desenvolvimcnto da<br />
crianca. A adocilo tem que passar pelo crivo judicial, através do qual serño<br />
preservados os ¡nteresses de todos os envolvidos, principalmente o das enancas.<br />
Há casos em que, preservando as situacSes familiares reconhecidas e<br />
consagradas a longo do tempo, o Superior Tribunal de Justíca vem conferindo<br />
direitos a filhos oriundos de adocüo irregular, posi(3o acertada, já que eles nüo<br />
merecem ser novamente prejudicados. Cabe, portanto, para evitar tudo isso, aos<br />
hospitais, cartórios e demais profissionais relacionados, a obrigacáo de preservar<br />
o devido registro legal das enancas, bem como difundir perante a sociedade os<br />
esclarecimentos sobre como se proceder á adocáo de forma correta e legalizada.<br />
ll.Conclusáo<br />
Em síntese, portanto, no que diz respe¡to á legislado que rege a materia<br />
da adocüo nacional, pode-se concluir que está regulamentada pelo ECA e atual<br />
CC, que permanecem convivendo paralelamente, fazendo-se necessária, na<br />
¡nterpretac3o, a harmonizacao, sempre que possível. de seus dispositivos. Por se<br />
tratar de típico microssistema jurídico, dotado de especialidade, o ECA permanece<br />
integrado ao ordenamento jurídico brasileiro, enquanto o CC serve, quanto á<br />
adocSo. como norma meramente complementar. Ademáis, de acordó com as linhas<br />
básicas tracadas nesse artigo, póde-se perceber que, na interpretado das normas<br />
estatutarias, sobretudo quanto ás específicamente voltadas á adocüo, deve sempre<br />
preponderara idéia da proteeño integral da crianca e do adolescente, priorizando-<br />
se a solucüo que proporcione reais vantagens ao adotando. Tudo isso tendo em<br />
vista que a adocüo pressupde a total e definitiva insercSo de alguém em urna nova<br />
familia. Como em todo instituto jurídico, a adoc3o está sujeita fraudes e desvíos de<br />
<strong>15</strong>6 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
ADOCÁO NACIONAL<br />
finalidades, o que n3o retira seu mérito, cabendo ao ordenamento e aos cidadSos<br />
coibir e punir severamente scu mau-uso.<br />
12. Referencias Bibliográficas<br />
ALICKE, José Luís; ALVES, Roberto Barbosa. Reflexóes sobre o instituto da adocao<br />
á luz do novo código civil. <strong>In</strong> Centro de apoio operacional das Promotorias de<br />
Justica da <strong>In</strong>fancia e da Juventude: http://www.mp.sp.gov.br/caoinfancia/<br />
doutrina.htm, 25 de maio de 2002.<br />
BANDEIRA, Marcos. AdocSo na Prática Forense. Ilhéus: Editus. 2001.<br />
CURY, Muñir; SILVA, Antonio Fernando Amaral e; MÉNDEZ, Emilio García. Esta<br />
tuto da Crianca e do Adolescente Comentado: Comentarios Jurídicos e Sociais.<br />
5.ed. rev. e atual. Süo Paulo: Malheiros, 2002.<br />
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Familia. <strong>15</strong>.ed.<br />
S2o Paulo: Saraiva, 2000, v.5.<br />
R1BEIRO, Alex Sandro. A adocSo no novo Código Civil. <strong>In</strong> Jus Navigandi, Teresina,<br />
a. 6. n. 59, out. 2002: http://wwwl jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3302, 10 de<br />
maio de 2003.<br />
SILVA FILHO, Artur Marques da. O regime jurídico da adocüo estatutaria. Sa"o<br />
Paulo: Editora <strong>Revista</strong> dos Tribunais, 1997.<br />
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Familia. 2.ed. Atualizada com o<br />
NCC. Sao Paulo: Atlas, 2002, v. 06.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN <strong>15</strong>7
l.<strong>In</strong>troducño<br />
OSCRIMESNA INTERNET EM FACE DO CÓDIGO<br />
PENAL BRASILEIRO<br />
Bruno BarccIlosCavalcantc<br />
Académico do 5o período do Curso de Direito - UFRN<br />
l.<strong>In</strong>troducao. 2.A <strong>In</strong>ternet. 2.1.Do surgimento á<br />
popularizado. 2.2.Do desvirtuamento. 3.Do crime na<br />
<strong>In</strong>ternet. 3.1 .Conceito. 3.2.Da Iegisla93o. 3.3.Dos de<br />
litos. 3.3.1.Da violacáo de Direitos Autorais sobre<br />
software. 3.3.2.Da cria9a"o e dissemina9ao de virus.<br />
3.4.Dos delinqüentes da rede. 4.Das precau95es ne-<br />
cessárias ao navegar na <strong>In</strong>ternet. 5.Conclus3o. 6.Re-<br />
feréncias Bibliográficas.<br />
O presente artigo tem por objetivo analisar um tema, de certa forma,<br />
pouco explorado pelo Direito, visto sua complexidade, técnica necessária e sua<br />
recentidade, qual seja, os crimes na ¡nternet em face do código penal brasileiro,<br />
<strong>In</strong>icialmente, far-se-á urna breve análise do advento da <strong>In</strong>ternet e sua<br />
atual populariza9ao, bem como do desvirtuamento desse meio de comunica93o e<br />
suas conseqüéncias.<br />
Posteriormente, concentrar-se-3o os esfor9os no estudo da deficiencia<br />
na Iegisla9áo no Direito nacional e na inexistencia de urna Iegisla9áo internacional<br />
aplicável á materia. Ressaltar-se-á ainda o conflito de normas no espa90.<br />
Far-se-á urna análise sobre alguns crimes que s3o habituáis na <strong>In</strong>ternet.<br />
Ao final, será feita urna breve análise sobre os delinqüentes virtuais, e<br />
também acerca das medidas de precavo para se navegar na <strong>In</strong>ternet, concluindo<br />
juntamente com urna tomada de pos¡9áo diante da problemática.<br />
NSo se tem a pretensao de esgotaras possibilidades temáticas da materia,<br />
diante da extensSo que a informa. Busca-se contribuir para fomentar a discuss3o,<br />
na medida em que se procura despertar a curiosidade do estudioso para a discipli<br />
na jurídica do Direito Penal (DP), focal izando-se os crimes na <strong>In</strong>ternet.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VRRUIS n. <strong>15</strong> - UFRN
2.A <strong>In</strong>ternet<br />
2.1. Do surgimentoá popula rizado<br />
BRUNO HARCL1.LOS CAVALCANTK<br />
A <strong>In</strong>ternet que se utiliza, hodiernamente, foi elaborada a partir de um<br />
"esboco" que existiu na década de setenta. Esse esboco era urna rede de comuni-<br />
cac.5es sigilosa projetada pelas forcas armadas norte-americanas, de caráter militar.<br />
A mesma era de urna comunicabilidade instantánea, assim como acontece com os<br />
telefones, e teria de ser resistente a ataques de quaisquer amplitudes, até mesmo<br />
nuclear. Esta experiencia militar foi designada de Advanced Research Projects<br />
Agency Network (ARPAnet). Por interesse das forcas armadas, os militares, ao<br />
completar a ¡nstalacao de urna rede própria, deixaram de utilizar a ARPAnet, que<br />
logo caiu no dominio de civis. Os particulares desenvolverán! o projeto inicial e<br />
formaram urna nova rede, denominando-a de <strong>In</strong>ternet.<br />
No comeco. os acessos árede eram bastante restritos. Mas, com o passar<br />
dos anos, o dominio da técnica e conseqüente barateamento do custo dos equipa-<br />
mentos necessários e incentivos dos Governos, ela aos poucos foi conquistando<br />
diversas carnadas da populacho.<br />
Atualmente, a <strong>In</strong>ternet possui um ¡menso número de usuarios, caracteri<br />
zando um mcio de comunicado de massas. Nela encontra-sc disponiveis urna<br />
infinidade de servicos ao usuario, dentre eles: possibilidade de pesquisas através<br />
do computador; ler jomáis de diversas localidades do mundo; comunicar-se com<br />
pessoas em qualquer parte do mundo, seja através de correio eletrónico, bate-<br />
papo ou mesmo vídeo-conferéncia; diversas formas de comercializar, entre outros.<br />
A <strong>In</strong>ternet é o meio de comunicacao da modernidade.<br />
2.2. Do desvirtuamento<br />
A <strong>In</strong>ternet, em razáo da ¡mensa gama de beneficios que proporciona, é,<br />
¡ncontestavelmente, um marco na d¡v¡s3o da historia da humanidade. Porém tem<br />
também seu lado odioso: é instrumento de crhne.<br />
Constata-se com a massificacao desse meio de comunicado no mundo,<br />
a diversificacao dos usuarios. Eles s3o de diversas racas, religiSes, culturas e<br />
maneiras de pensar. Portanto, há pessoas que ulilizam seu conhecimento na área<br />
da informática, precisamente no que dizrespeito á rede mundial de computadores,<br />
para esse lado funesto.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERHIS n. <strong>15</strong> - UI-RN <strong>15</strong>
OS CRIMES NA INTERNET EM FACE DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO<br />
Destarte, surgem os chamados crimes na <strong>In</strong>ternet. Como lembra María<br />
Helena Junqueira Reís:<br />
A gama de delitos que podem ser perpetrados pela<br />
<strong>In</strong>ternet é quase infinita. A lista incluí o man uso<br />
dos cartdes de crédito, ofensas contra a honra,<br />
apología de crimes, como racismo, ou incentivo 'ao<br />
uso de drogas, ameacas e extorsao, acesso nao<br />
autorizado a arquivos confidenciais, destruicao e<br />
falsificacao de arquivos, programas copiados<br />
ilegalmente e até crime eleitoral (propaganda ngo<br />
autorizada por exemplo), dentre outros. (1996, p.53).<br />
Diante do crescente número de delitos que s3o perpetrados pela <strong>In</strong>ternet,<br />
dá-se o caráter de relevancia da materia. Assim, torna-se necessário o estudo da<br />
mesma na atualidadc.<br />
3.Do criinc na <strong>In</strong>ternet<br />
3.1.Conce¡to<br />
Segundo a conceptuó do Secretario lixeculivo da Associacilo de Direito<br />
e <strong>In</strong>formática do Chile, Claudio Líbano Manzur, os crimes na <strong>In</strong>ternet ou<br />
Cybercrímes s2o:<br />
(...) todas aquellas acciones u omisiones típicas,<br />
antijurídicas y dolosas, trátese de hechos aislados<br />
o de una serie de ellos, cometidos contra personas<br />
naturales o jurídicas, realizadas en uso de un<br />
sistema de tratamiento de la información y<br />
destinadas a producir un perjuicio en la victima a<br />
través de atentados a la sana técnica informática,<br />
lo cual, generalmente, producirá de manera<br />
colateral lesiones a distintos valores jurídicos,<br />
repontándose, muchas veces, un beneficio ¡licito en<br />
el agente, sea o no se carácter patrimonial, actúe<br />
160 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
BRUNO BARCHLLOS CAVALCANTL<br />
con o sin ánimo de lucro, (upad Pinheiro, 2003, p.O I).<br />
De forma sucinta, cybercrimes sao todos os atos ilícitos praticados atra-<br />
vés da <strong>In</strong>ternet que vcnham a causar algum tipo de daño, seja ele patrimonial ou<br />
moral, ao ofendido.<br />
3.2.Da Icgislacáo<br />
Ao analisar a legislacáo brasileira, verifica-se a ausencia de leis específicas<br />
no Código Penal (CP) e a deficiencia ñas suas leis esparsas. Muitos aplicadores do<br />
Direito, usando-se da máxima "nulla paena nulla crimen sine legge", argumentam<br />
que enquanto nao houvcr leis específicas de repress3o aos cybercrimes, nüo será<br />
possivel que exista por parte do Estado urna atuac3o coercitiva eficaz.<br />
Portanto, afirma-se que, no Brasil, nao há legislacáo repressiva para<br />
punir os criminosos da rede por ser a mesma deficiente e incompleta. Porém, já<br />
existe legislacáo desse tipo em outras localidades, tais como na Australia, na<br />
Un¡3o Européia e nos Estados Unidos da América, onde as questóes jurídicas<br />
envolvendo atividades em curso na <strong>In</strong>ternet já chegaram nos Tribunais.<br />
No que diz respeito ao tema, há varios projetos de lei arquivados e<br />
outros em circulacáo no Congresso Nacional.<br />
O Direito brasileiro, o qual tem como fonte principal a lei, n3o consegue<br />
atualizar-se com a mesma velocidade que os avancos tecnológicos. Destarte, mui<br />
tos operadores do Direito utilizam como escusa á nao ¡mputacáo criminosa, o<br />
principio da anterioridade e o principio da reserva legal, contidos no artigo Io do<br />
CP Brasileiro: "Art. Io. Nao há crime sem lei anterior que o defina. Nao há pena sem<br />
previa cominacao legal". Além disso, há a escusa de no DP nao caber a analogía<br />
ñas normas penáis incriminadoras, ¡nterpretando-se de forma restritiva.<br />
Por ser o DP tutelador dos bens jurídicos mais relevantes, como a vida,<br />
a liberdade, o patrimonio, a honra, a sociedade, nao pode ficar á mercé dos<br />
operadores do Direilo, submetendo-sc á falla de interpretacüo das leis c da clabo-<br />
racáo de outras novas.<br />
Portanto, é de extrema necessidade a aprovacüo pelo Congresso Nacio<br />
nal de um projeto de lei adequado para o controle dos delitos perpetrados na<br />
<strong>In</strong>ternet.<br />
Num primeiro momento, teria que se suprir a necessidade de urna<br />
legislacáo nacional específica. Contudo, logo após viria um segundo problema, no<br />
que diz respeito á aplicacito da lei penal no espaco.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l61
OS CRIME.S NA INTh'RNET KM KACb" tX) CÜDICiO 1'bNAl. ÜRASILEIRO<br />
A <strong>In</strong>ternet é urna rede que integra todo o inundo. Destarte, diante da<br />
possibilidade de uní usuario, de qualquer nacionalidadc. estar acessando a <strong>In</strong>ternet<br />
e poder se comunicar com outras pessons em diversas localidades do globo, cons-<br />
tata-se a dificuldade de um operador do Direito aplicar a lei penal, sendo um delito<br />
perpetrado dessa forma. Esse entendimento é corroborado por Ivan Lira de<br />
Carvalho, em artigo intitulado Crimes na <strong>In</strong>ternet. Há como puni-los., no qual<br />
relata que "A 'pedra no caminho' do operador jurídico que trava contato com a<br />
criminalidade da <strong>In</strong>ternet, segundo pensó, diz respeito á aplicaciSo da lei penal no<br />
espaco" (2003, p.01).<br />
Neste diapasüo, diante do obstáculo que é a aplicacao da lei penal no<br />
espaco, cstabelece-se a criacüo de urna legislucflo que regule a <strong>In</strong>ternet no mundo<br />
todo, ou seja, urna norma de caráter internacional.<br />
3.3.I)os delitos<br />
Os delitos cometidos na rede mundial de computadores, segundo Ivan<br />
Lira de Carvalho, em artigo anteriormente mencionado, dividem-se em dois básica<br />
mente: os crimes "velhos", os quais sao os delitos ja conhecidos da sociedade, só<br />
que agora perpetrados na <strong>In</strong>ternet; e os delitos novos, contemporáneos da forma-<br />
cito da rede mundial de computadores.<br />
Evidentemente, diante da limitacáo do presente trabalho, nao será pos-<br />
sível relatar sobre os varios delitos do ciberespaco. Far-se-á, entáo, a exposicáo de<br />
alguns delitos novos, devido ao crescimento de tais fatos delitivos na <strong>In</strong>ternet, e<br />
também, ao relativo desconhecimento por grande parte dos seus usuarios.<br />
3.3.1.Du violacüo de Direitos Autorais sobre software<br />
A violac3o dos direitos autorais sobre software é o delito relacionado a<br />
computadores mais popular na atualidade.<br />
O objeto material desses crimes é o programa de computador, que pela Lei 9.609 de<br />
19.02.1998 é definido como:<br />
Arl. Io. Programa de computador é a expressao de<br />
um conjunto organizado de instrucoes em linguagem<br />
natural ou codificada, comida em suporte físico de<br />
qualquer natureza, de emprego necessário em<br />
máquinas automáticas de tratamento da ¡nformaedo.<br />
162 RP.VISTA JURÍDICA IN VIIRBIS n. <strong>15</strong> - UI-'KN
DRUNO UAKCI-.I.I.OS CAVAI.CAN Mi<br />
dispositivos, instrumentos ou equipamenlos<br />
periféricos, buseudos em técnica digital un análoga,<br />
para fazc-los funcionar de modo e para fins<br />
determinados.<br />
De forma sucinta, programa de computador é um conjunto ordenado de<br />
¡nstrucóes dadas á máquina que faz com que ela realize determinada tarefa.<br />
A violacño de direitos autorais de software está tipificada, em nossa<br />
legislacao, no art. 12 da Lei do software (Lei n° 9.609/98). O dispositivo legal diz<br />
respeito sobre a violacüo dos direitos do autor de programa de computador, abran-<br />
gendo tres formas de delitos distintos, bem conhecidos na informática por pirataria,<br />
warez e crackz.<br />
A pirataria é urna copia de programas de computador em meio físico sem<br />
autorizado do autor. Esse meio físico pode ser disquete, CD-ROM, entre outros. É<br />
importante ressaltar que é ¡rrelevante para caracterizar tal delito o animus lucri<br />
faciendi. Isso fica claro ñas palavras de Túlio Lima Vianna ao delimitar a pirataria:<br />
"O que caracteriza a pirataria é a consubstanciacjio de programa de computador<br />
em meio físico". (2002, p.414).<br />
Segundo um estudo da Price Waterhouse, 68% dos softwarcs em<br />
operacüo no Brasil sño ¡legáis. No Brasil, como causa de índices altos de reprodujo<br />
ilegal de programas de computadora atribuido o alto preco no mercado, em relac3o<br />
á renda media brasileira. A maioria dos softwares tem valor superior a um salario<br />
mínimo. Outro "incentivo" á pirataria é a diminuicao do custo de gravadores de<br />
CD-ROMs, pois qualquer usuario com conhecimentos mínimos de informática<br />
consegue reproduzir programas origináis com esses aparelhos.<br />
Outra forma de se violar os direitos autorais sobre software é conhecida<br />
como warez. Segundo Túlio Lima Vianna, ela caracteriza-se como:"'(».) a prática de<br />
se dispon ibi I izar na <strong>In</strong>ternet, ou por qualquer outro tipo de conexáo entre compu<br />
tadores, programas completos que podem ser copiados do servidor para a outra<br />
máquina", (op. cit., p.414).<br />
A palavra warez originou-se do termo inglés wares (mercadoria). A troca<br />
do S pelo sufixo Z, na giria do submundo da <strong>In</strong>ternet, serve para identificar tudo<br />
que é ¡legal. Portanto, o warez ó urna mercadoria (software) fornecida de forma<br />
¡legal.<br />
Há entre o warez e a pirataria urna diferenca peculiar. Neste há a consubstanciacao<br />
do programa em meio físico, inexistente naquele. No Brasil, aínda é pequeña a<br />
RI-VISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 163
OS C'KIMIiS NA INTI:RNI:T \:M IACH DO CODICIO I'IÍNAI. I1KASI1.LIRO<br />
prática do warez, devido á baixa velocidade de conexüo na <strong>In</strong>ternet brasileira. Mas,<br />
a tecnología está avancando, tendenciando á diminuicao do preco sobre produtos<br />
c servidos de <strong>In</strong>lemel de alia velocidade, que ira viabilizar o JuwnloiuP de<br />
programas muito grandes.<br />
Como na piraturía, o wuraz nüo se caracteriza pelo iinimus lucrifucicinii.<br />
Porém, identifica-se a existencia do animus na minoría dos casos. Destarte, se os<br />
criminosos nao tém a intencáo do lucro, eles disponibilizam os programas como<br />
forma de ir contra as empresas de softwares que abusam dos valores cobrados por<br />
seus direitos autorais. Assím, eles fornecem os programas a urna ínfinidade de<br />
usuarios sem custo algum.<br />
As pessoas que cometem esse delito geralmente utílízam-se de servido<br />
res gratuitos de espaco para homc pages e ali distríbuem os softwares. Nessc<br />
diapasáo, aquele que possuír o endereco e estíver conectado á <strong>In</strong>ternet poderá ter<br />
acesso aos programas sem o pagamento de direitos autorais.<br />
Urna última mane ira de transgredir os direitos autorais dos soñwares é<br />
através dos crackz e key makerz.<br />
Segundo Túlio Lima Vianna, "crackz s3o pequeños programas criados<br />
por crackers2 capazes de transformar programas de demonstrado como<br />
sharewares* e demos* em programas completos" (2002, p.4<strong>15</strong>).<br />
Eles funcionam rompendo as travas de seguranca que limitam o uso do programa.<br />
Dessa maneira, utilizando-se os crackz, os programas deixam de exigiro número de<br />
serie e passam a trabalhar como se tivessem sido registrados. Para Túlio Lima<br />
Vianna, a utilizado de crackz seria: "(...) urna apropr¡ac3o indébita de copias de<br />
1 Transferencia de arquivos entre dois computadores ligadas em rede, na qual uní deles "baixa" de um servidor urna<br />
copia idéntica de um arquivo lá annazenado.<br />
! E o individuo que se utiliza de seus conhecimentos técnicos para "quebrar" lodo c qualquer tipo de barreira de<br />
seguranca Nuina definicao siraplisla poderiamos dizer que é o hacker "do inal". Eles lém por objeto de seus críincs<br />
a quebn do sislenu de seguranca de programas ou o acesso ilícito a informacAes aimazenadas em computadores.<br />
' Sao programas em que o autor fomece urna copia de demonstracAo do programa que funciona normalmente por ceno<br />
período de lempo (em geral 30 dias), depois do qual o programa para de funcionar e passa a requisilar do usuario um<br />
número de sene (señal nuniber) para vollar a funcionar normalmente. Esse número de serie é obtido pelo registro do<br />
software com o conscqücnle pagamento dos direitos aulorais, o que em geral é fcilo pela própria <strong>In</strong>ternet através de<br />
pagamento por cartao de crédito.<br />
' Sao programas de demonstraedu com limilocOcs ilc recursos. Tais liinil.iviVs pndcui variar desde ns mni» c&scnciuis.<br />
como salvar c imprimir, alé algunas que punco acrescentam ao programa. I sses programas, cm sua maiuria, nao podem<br />
ser registrados, devendo ser adquiridos mis lojns. Hntretanlo, ha alguiis que accilam o registro pela liiicnicl,<br />
dcstrnvando o piograma através de um número de serie. Ríes nao postilan limilncno de lempo, podendo ser usados<br />
iihlcliimUiMk'iik' |vlo naturio. \cinpic cem u'curMtx Iiiiii|;h|4>n<br />
164 REVISTA JURÍDICA IN VI-RB1S n. <strong>15</strong>-UFRN
BRUNO BARCELLOS CAVALCANTE<br />
programas que foram cedidas pelo autor a título de demonstracao". (op. cil., p.4<strong>15</strong>).<br />
Os key makerz ou key generatorz süo, literalmente, geradores de chaves,<br />
ou seja, geradores de números seríais. Eles originam números de serie<br />
personalizados iguais aos que seriam cedidos pela empresa do software no<br />
momento do registro do programa. Isso possibilita a qualquer pessoa que deles se<br />
utilizar, obter urna senha que nSo só destrava o programa, mas também registra<br />
como se o registro tivesse sido realmente obtido.<br />
Há diferenca entre os crack: e os key makerz. Os primeiros sao peque-<br />
nos programas que instalados no computador destravam os softwares. Já os outros<br />
s3o programas que fornecem senha para um "registro" do software que irá destravá-<br />
lo.<br />
Os key makerz, após a obtencao da senha e feito o registro, podem ser<br />
apagados do computador. Destarte, nao se terá prova alguma do delito. Isso nao<br />
ocorrc com os crackz que na"o podem ser apagados para o completo funcionamen-<br />
to do programa.<br />
3.3.2. Dii criacilo e disscminacilo de virus<br />
Os virus de computador, análogamente, sao semelhantes aos biológi<br />
cos. Eles foram criados pelo homcm a imagem c scmelhanca dos existentes na<br />
Ciencia Biológica.<br />
Os virus de computador, segundo Túlio Lima Vianna, "sao programas<br />
extremamente pequeños, escritos cm Assembly5, O ou Pascal7, capazes de se<br />
reproduzir através da contaminacá"o de disquetes que, se colocados em outros<br />
computadores, acabam infectando-os também". (2002, p.416-417). Apesar de o<br />
autor apenas mencionar os disquetes, existem outras formas de transmissáo.<br />
Hodiernamente, urna das formas que mais se disseminam virus é através da <strong>In</strong>ternet,<br />
principalmente por e-mails. Através destes é possível infectar, concomitantemente,<br />
ni¡Ihares de computadores.<br />
Os virus süo urna das formas de ameaca mais temida pelos usuarios de<br />
computadores. Há usuarios que temem até mesmo ver seus próprios organismos<br />
infectados por virus de computador, devido a grande semelhanca do modo de agir<br />
dos homónimos biológicos. Porém, sabe-se que é ¡mpossível a ocorréncia de um<br />
* Programa cm linguagens de computador.<br />
'' Programa cm Ijnguagciis de computador.<br />
" l'iogiama cin línguageiis de computador.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN l65
OS CRIMES NA INTERNET EM I-ACE DO CÓDIGO I'ENAI. DRASILEIRO<br />
virus de computador infectar um ser humano.<br />
Todo virus possui um criador que nao é, necessariamente, quem o disse<br />
mina. No Brasil, n3o há qualquer dispositivo que tipifique a conduta da criac3o do<br />
virus. Porém, é necessária a criacao de urna norma que incrimine tal fato, pois esta<br />
acüo constituí crime de perigo concreto.<br />
Túlio Lima Vianna caracteriza a disseminacüo da seguinte maneira: "a<br />
disseminacilo é a difusSo do virus com o intuito de infectar as máquinas com o<br />
programa, causando-lhes assim um daño material, (op. cit., p.418). Como dito ante<br />
riormente, essa contaminacao é feita através de disquetes ou por rede de compu<br />
tadores (<strong>In</strong>ternet).<br />
Apesar da disseminacSo de virus de computadores nüo ter um disposi<br />
tivo que a regule exclusivamente, pode a niesma ser enquadrada no crime de daño,<br />
tipificado no art. 163 do CP brasileiro: "Art. 163. Destruir, inutilizar ou deteriorar<br />
coisa alheia. Pena - detencao, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou mulla".<br />
No caso dos virus de computadores, eles ¡rao destruir, inutilizar ou dete<br />
riorar os dados existentes na máquina. Esses dados, geralmente, tém valor nüo só<br />
pecuniario, como também de utilidade ao usuario. Portanto, o delito na"o deve ficar<br />
impune por nao ter dispositivo exclusivo.<br />
Como a mera criacao do virus n3o pode, pela atual legislacüo brasileira,<br />
ser considerada crime, o sujeito ativo do crime neste caso é apenas o disseminador.<br />
Nao se pode punir a mera contaminacao com o virus. É necessário que<br />
este cause algum daño, para, só assim, o sujeito ativo poder responder pelo preju-<br />
ízo. Isso é considerado pelo fato de que um virus pode infectar um computador e<br />
n3o atacar, ficando apenas em 'estado de latericia". Nesse estado, o virus já está<br />
instalado no computador, sendo que ele precisa que determinado fato ocorra para<br />
sair de tal situacao. Alguns virus, por exemplo, "despertam" se o computador é<br />
ligado num dia de sexta-feira 13, no dia do natal, dia de ano novo, ou se o individuo<br />
executa qualquer tarefa que seja necessária para o despertar do virus. Destarte, o<br />
virus pode estar infectado e n3o manifestar os síntomas no computador.<br />
Apesar da possibilidade de incriminacao da disseminacüo de virus, é<br />
quase impossivel condenar-se atualmente alguém por crime de daño causado por<br />
virus de computador. Há obstáculo na limitacao técnica da pericia que impede a<br />
comprovac3o da materialidade do crime, pois os virus n3o carregam assinatura do<br />
autor, e a <strong>In</strong>ternet, nos presentes d¡as, ainda n3o possuí formas eficazes de combater<br />
o anonimato do usuario. Existem varias lacunas no ramo da informática,<br />
possibilitando o infrator de "esconder-sc por tras do computador".<br />
166 REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
3.4.I)os dclinqüentcs da rede<br />
BRUNO UARl'ULLOS C'AVAl.CANTi:<br />
A comunidadc da <strong>In</strong>ternet é. de certa forma, diversificada em sua cor,<br />
ruca, Hngua, cultura, ele. Assim como deve ocorrer na sociedade real, na qual os<br />
direitos de um individuo va"o até onde comecam os de outrem, o mesmo deve<br />
acontecer na comunidade virtual. Porém, nao é, de fato, o que se observa. Em<br />
ambas as sociedades esse limite nao é respeitado, ocorrendo o excesso. Esse<br />
extremo nüo observado causa transtornos e danos. Sendo eles na informática, as<br />
perdas causadas, quando convertidas em valores pecuniarios, chegam a quantias<br />
astronómicas. Nesse diapasüo, dá-se a importancia de delinearos infratores desses<br />
delitos.<br />
As pessoas que perpetram delitos na <strong>In</strong>ternet sao conhecidas, genérica<br />
mente, como hackers. Segundo Túlio Lima Vianna. a palavra hacker é caracteriza<br />
da como:<br />
(...) um termo de origem inglesa do verbo lo huck<br />
(corlar, cavar) que originalmente signifteava<br />
alguém que fabrica movéis utilizando um machado.<br />
No jargao da informática, pode ser traduzido<br />
libremente por fucador'. E um individuo que se<br />
dedica a explorar os detalhes de sistemas<br />
programareis. Profundo conhecedor de computa<br />
dores, o hacker em geral domina muito bem o uso de<br />
sistemas operacionais como o Lima e o Windows e<br />
programa em linguagens como C e Assembly, entre<br />
outras. A especialidade dos hackers, no entanto,<br />
sao as redes de computadores, em especial, a <strong>In</strong>ternet<br />
(2002,p.407).<br />
Consoante o relatado ácima, percebe-se que esse tipo de criminoso é<br />
razoavelmente letrado, possuindo grande conhecimento técnico na área de<br />
informática e. possivelmente, um relativo conhecimento de mundo.<br />
O perfil dos hackers vai se delineando com o passar dos tempos, e com<br />
as ocorréncias pol¡ciáis. Hodiernamente, o hacker é, na sua grande maioria, jovem<br />
e inteligente; gosta de computadores e informática. Ele possui, no geral, um eleva<br />
do grau de escolaridade, tendo no mínimo o ensino medio completo; quando nüo<br />
o tem é porque se trata de um jovem que nem ¡dade suficiente atingiu para poder<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l67
OS CRIMES NA INTERNET KM HACE DO CÓDIGO PENAL I1RASILEIRO<br />
concluí-lo, como num caso ocorrido nos Estados Unidos, em que um adolescente<br />
com menos de 16 (dezesseis) anos ¡nvadiu os computadores do Pentágono.<br />
Destarte, conclui-se que, ao contrario do criminoso comum, o qual nüo<br />
possui, geralmente, o cnsino fundamental completo, o hacker é em principio unía<br />
pessoa de razoável intelecto. Á medida que a <strong>In</strong>ternet se desenvolve, a classe<br />
desses criminosos cresce, devido á ausencia de lei que regule sobre o certo e o<br />
errado, ou mesmo pelo desconhecimento técnico da informática como ciencia.<br />
•Í.Das precaucóes necessárías ao navegar na <strong>In</strong>ternet<br />
A <strong>In</strong>ternet, como meio de comunicado aínda recente, ná"o apresenta um<br />
nivel de seguranca que garanta urna navegacüo tranquila, sem nenhum transtorno<br />
onde quer que seja.<br />
Aos usuarios da rede mundial de computadores, sejam eles pessoas<br />
físicas ou jurídicas, ao navegar na <strong>In</strong>ternet, devem utilizar-se sempre do bom senso<br />
e da cautela, pois esses süo. no momento, as melhores "armas" contra o crime via<br />
rede. Como o Direito aínda nao protege todos os tipos de condutas lesivas no<br />
campo virtual, entSo, a prevencao é o melhor remedio para os usuarios ao conectar<br />
se á rede.<br />
Ao entrar na <strong>In</strong>ternet o usuario deve tomar certas medidas preventivas.<br />
S3o elas: ter programas de seguranca atualízados (um antivírus e, se possível, um<br />
firewalP)', fazer copias dos arquívos mais importantes contidos em seu computa<br />
dor em disquetes ou CD-ROM (back-up); nSo acreditar em propostas ¡mpossíveis<br />
ou onde haja urna desproporcao entre preco e o bem a ser adquirido; se o usuario<br />
for pessoa jurídica e manusear ¡nformacSes confidenciais em seu estabelecimento,<br />
¡solar, se possível, urna rede interna que na"o se interligue na <strong>In</strong>ternet daquela que<br />
é conectada á <strong>In</strong>ternet, o que evitaría a invas3o da hackers; n3o navegar em sites<br />
de origem duvidosa, nem fazer downloads ou compras nos mesmos. Essas sito<br />
algumas das medidas preventivas que os usuarios devem tomar, sejam eles pessoas<br />
físicas ou jurídicas.<br />
No que diz respeito as autoridades públicas cabe a críacao e ¡mplementacSo<br />
de urna legislacSo aplicável, que preze a seguranca, as penalidades cabíveis e a<br />
* É um programa que bloqueia o seu computador (cnquanlo esliver coneelado á <strong>In</strong>terne!) de conexo» que vocé ou<br />
os programas que vocc utilra 11J0 solicilarcim, quer dizer. Icnlnlívns de mwisoes Impcdc que seu computador seja<br />
invadidi) pot /fw(Ai'/*\.<br />
RUVISTA JUKÍDICA IN VliKIilS ii. <strong>15</strong>- LJI-'KN
BRUNO BARCELLOS CAVA1.CANTF.<br />
prevencao do crime. Em nosso país, nSo há legislacáo repressiva que puna os<br />
delinqüentes da <strong>In</strong>ternet, tendo sido apenas tomadas medidas administrativas<br />
quanto á explorado da rede. Em algumas localidades como Estados Unidos, Uniao<br />
Européia e Australia, já existe legislacao que puna os crimes virtuais. No Brasil,<br />
como já visto, temos apenas projetos de lei. Mesmo sendo criada urna legislacSo<br />
local, discute-se a criacao de um dispositivo jurídico que possa ser usado e aplicado<br />
de forma universal, ou seja, em todo o mundo virtual, um só ordenamento para<br />
todas as localidades.<br />
5.Conclusüo<br />
Como já mencionado anteriormente, é conhecido por seus usuarios os<br />
beneficios proporcionados pela <strong>In</strong>ternet, os quais sao de grande importancia para<br />
a sociedade moderna.<br />
A <strong>In</strong>ternet, originariamente, é composta por urna sociedade livre; nela<br />
n3o há limitacoes ou regras. É, portanto. nesse excesso de liberdade que está o<br />
problema.<br />
A Ciencia da informática nao é capaz de solucionar esse problema sem urna<br />
interdisciplinariedade. Nao há programa de computador perfeito, um software que<br />
dé total seguranca ao usuario quando navegar no ciberespaco. Na <strong>In</strong>ternet, nao se<br />
deve confiar em nenhum meio de seguranca, pois sempre há urna forma de quebrá-<br />
lo.<br />
A solucao para tal problema é regular a vida virtual através de um estudo<br />
interdisciplinar da <strong>In</strong>formática e do Direito. O cientista do Direito precisa dominar<br />
todo o fundamento da ciencia da computacao. Ao dominar as técnicas e conhecer<br />
mais o mundo virtual, ele poderá elaborar normas específicas com bastante efica<br />
cia. Porém, leis nacionais n5o sSo suficientes para solucionar o problema; elas<br />
apenas amenizam. O direito positivo é posto em cheque diante de alguns principi<br />
os de aplicacao das leis penáis, como o da territorialidade.<br />
Conclui-se que há a necessidade do estudo ¡nterdisciplinar do Direito e<br />
da <strong>In</strong>formática para a elaboracao de normas específicas de natureza global, de<br />
caráter internacional. Nesse diapasao, a sociedade virtual, do mesmo modo que a<br />
real, terá direito de fazer tudo que nao for proibido por lei, implicando as transgres-<br />
s5es em punicóes. Portanto, a solucao que o Direito aponta é a elaboracao de<br />
normas de caráter internacional, pois somente dessa forma resolver-se-á o proble<br />
ma da aplicacao da lei penal no espaco.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 169
OS CRIMES NA INTERNET HM KACH IX) CÓDIGO PrNAI. IIKASII.I-IIU)<br />
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170 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
BRUNO BARCELLOS CAVALCANTK<br />
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REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN 171
1. <strong>In</strong>troducíio<br />
ACOISAJULGADAFRENTEO PRINCIPIO DA<br />
ISONOMIA CONSTITUCIONAL<br />
Leonardo Dantas Nagashiina<br />
Académico do 9o período do curso de Direito - UFRN<br />
Monitor da disciplina Direito Administrativo I<br />
/. <strong>In</strong>troducao - 2. A Coisa Jidgada - 2.1. Conceito<br />
e fundamentos -2.2. A moderna teoría da Coisa<br />
Jidgada <strong>In</strong>constitucional -2.3. A Coisa Julgada<br />
Material e o Principio Constitucional da Isonomia<br />
-2.4. A A cao Rescisória e a Coisa Julgada-3.<br />
Conclusao - 4. Referencias Bibliográficas.<br />
Tudo leva a crer que a ética será a disciplina<br />
cxtudada de nos.su época.<br />
(Jacy de Souza Mendonca)<br />
A Constituic2o da República, quando da sua promulgacao em 1988,<br />
trouxe em seu bojo um rol de direitos fundamentáis elencados em seu artigo 5o,<br />
direitos que de tamanha importancia revestirán! tal dispositivo com a qualidade de<br />
cláusula pétrea, ou seja, de ¡nalterabilidade constitucional, n3o podendo ser modi<br />
ficado por meio de Emenda Constitucional nem por qualquer outro meio legal (art.<br />
60,§4daCF).<br />
Observa-se que esses direitos, a principio, n3o devem ser valorados,<br />
mas a prática mostra que quando do confronto entre mais de um deles, deve o<br />
julgador valer-se do seu juízo de valor e aplicar ao caso concreto (subsunc^io ou<br />
concrecüo da norma) aquilo que para a época se fizer mais "justo". É nesse diapasSo<br />
que injustifas s3o cometidas, vez que conjunturas políticas e económicas, sejam<br />
nacionais ou internacionais, bem como movimentos sociais, podem alterar<br />
sobremaneira o momento do julgado, intervindo, conseqüentemente, no seu<br />
resultado.<br />
O que fazer, entao, quando a coisa julgada produzir efeitos diversos<br />
para sujeitos que ajuizarem acOes individuáis em um niesmo período, baseando-se<br />
nos mesmos direitos e que so ter3o julgamentos diferentes em virtudc de<br />
entendimentos diversos dos julgadores quando da prolacflo da decisüo?<br />
l7- REVISTA JURÍDICA IN VIZRBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
LHONARDü DANTAS NAtiASIIIMA<br />
Pretende-se nesse trabalho vislumbrar as hipóteses legalmente<br />
instituidas a fim de que restem preservados os direitos de urna coletividade com<br />
interesses individuáis semelhantes (e por que nño dizer, idénticos), baseando-se,<br />
para tanto, no principio constitucional da ¡sonomia, presente no art. 5o, capul, da<br />
Const¡tuic3o Federal.<br />
2. ACoisü Julgada1<br />
2. l.Conceitoe fundamento<br />
Há muito entendida, a coisa julgada, como sendo um efeito da sentenca,<br />
"a mais moderna doutrina a conceitua como sendo déla simples qualidade" (Barro<br />
so, 2000, p. 187) e que pode ser entendida como a imutabilidade dos efeitos da<br />
decisáojudicial.<br />
No estudo do Direito Processual, vé-se a coisa julgada sob dois ángulos,<br />
podendo ser ela formal ou material, aquela, parte de urna sentenca terminativa (que<br />
apenas pSe fim ao processo em virtude da carencia de algum requisito que impela<br />
a apreciado do mérito) e esta versando acerca dos efeitos da sentenca de mérito,<br />
legalmente tida como a eficacia, que torna imutável e indiscutível a sentenca, nao<br />
mais sujeila a recurso ordinario ou extraordinario (art. 467 do CPC).<br />
Tratando sobre as decisñes proferidas pelos nossos julgadores, o<br />
Ministro José Augusto Delgado preconiza que<br />
o decisum emitido pelo Poder Judiciário deve<br />
exprimir confianca, prática de lealdade, da boa-fé<br />
e, especialmente, con/iguracao de moralidade ". Mais<br />
odiante afirma que "essa expressao de moralidade<br />
é reflexo dos sonhos democráticos que o povo<br />
deposita no exercicio do poder e na legitimidade<br />
da atividade jurisdicional. (2003, p.02).<br />
1 Nao se piule adcftUar cut bk» complexo tenia son antes cslmlar ¿i «usa jiil|UMla cni m'iis principáis aspectos, inonnciiic<br />
em se tratando do que a doumiia anuí vcm denonunando de coisa julpkla inconslilucional É de se ver. cornudo, que<br />
o présenle esludo abran^era tilo-vhnenie 3 coisa julgada nuicnal c sctis denos, em razio de ser a única que se coaduna<br />
aos flus .it|ui prestados<br />
I-VISTA JUKÍDICA IN VIÍKBISn. <strong>15</strong> HIKN n?t
A COISA JULGADA FRENTK O PRINCÍPIÜ DA ISONOMIA CONSTITUCIONAL<br />
É nesse contexto que se encontra o fundamento do preceito contido no<br />
art. 469 do Código de Processo Civil, ao afirmar que se constituem em coisa julgada<br />
os fundamentos da sentenca, n3o restando abrangidos os motivos, a verdade dos<br />
fatos e a apreciado da questao prejudicial, em face de se buscar, com a sentenca,<br />
o mais completo reflexo da concrecüo da nomia e dos principios éticos de urna<br />
sociedade, cominando, quanto aos efeitos, na chamada seguranca jurídica. Essa é<br />
a razao de Paula Batista preconizar que "a coisa julgada restringir-se-á á parte<br />
dispositiva do julgamento e aos pontos ai decididos e fielmente compreendidos<br />
em relacao aos seus objetivos" (apud Theodoro Júnior, 2001, p.471).<br />
Sámente a sentenca — e nem todas elas - poderá<br />
oferecer este tipo de estabilidade protetora daquilo<br />
que ojuiz hoja declarado como sendo "a lei do caso<br />
concreto ", de tal modo que isto se torne um preceito<br />
inwdiftcável para futuras relacoes jurídicas que se<br />
estabelecerem entre as partes perante as quais a<br />
sentenca tenha sido proferida. (Silva, 2000, p. 484).<br />
O Professor Walter Nunes da Silva Júnior assim dispoe quando trata da<br />
seguranca jurídica ocasionada pela coisa julgada:<br />
Constituí, á semelhanga da prescricao, antes unía<br />
exigencia de ordem política do que propriamente<br />
jurídica, em razao da necessidade de se obter, com o<br />
pronunciamento jurisdicional, a certeza do direito,<br />
no desideralo de conferir aos individuos a<br />
seguranca para o desenvolvimento para as suas<br />
relacoes jurídicas. (2003, p. 03).<br />
Conclui-se, pois, que a razSo da existencia da coisa julgada está na<br />
estabilidade trazida pelos julgados. Estabilidade essa convertida em seguranca, a<br />
qual impede que novas questoes venham a ser revisadas quando efetivamente<br />
niío se puder mais decidir acerca do mérito da causa, scja porque decorrido o prazo<br />
legal n3o tenha sido intentado um recurso, ou, seja porque estejam exauridas as<br />
vias recursais, o que dá ao vencedor da lide a certeza no julgado e nüo mera<br />
expectativa de exercício de um direito judicialmente decidido. Ocorre, entretanto,<br />
REVISTA JURÍDICA 1N VERlilSn. <strong>15</strong>-UF'RN
LHONARDO DANTAS NAUASHIMA<br />
que a coisa julgada pode produzir "inseguranca jurídica" quando a sentenca diferir<br />
em tratamentos ou se fundar em preceitos manifestamente inconstitucionais, como<br />
veremos.<br />
2.2. A moderna teoría da Coisa Julgada <strong>In</strong>constitucional<br />
Defendida por ilustres doutrinadores, dentre eles, o Prof. Humberto<br />
Theodoro Júnior, a teoría da coisa julgada inconstitucional vem ganhando cada<br />
vez mais adeptos, os quais acreditan! ser aquela t3o grave quanto urna lei<br />
inconstitucional.<br />
A Constituicáo, pilar de um sistema jurídico, nao há que tolerar urna sentenca que<br />
afronte seus principios básicos, ainda que esta tenha transitado em julgado; con<br />
siderando-as nulas ou inexistentes, podendo-se, assim, modifica-las a qualquer<br />
tempo.<br />
É bem de se ver que tal teoría tem sofrido críticas ferrenhas no que<br />
tange á modificacao dos julgados. Ora, sabe-se que as sentencas, mesmo<br />
inconstitucionais, esta"o a produzir efeitos e nao há que considera-las inexistentes<br />
no mundo jurídico, muito pelo contrarío. A estabilídade jurídica trazida pela coisa<br />
julgada também irá fazer surtir os seus efeitos.<br />
É nesse ponto que nao se pode modificar urna decisa"o para saciar os<br />
desejos daqueles que se engajam em concretizar os seus ideáis, os quais buscam<br />
sempre um pretexto para ajuizar novas demandas com base em um direito constitu-<br />
cionalmente protegido. Deve-se, portanto, ter calma na aplicaca"o da presente teoría.<br />
Sustentam, ainda, que o Judiciário n3o pode se ocupar de questdes já decididas,<br />
devendo a parte sucumbida aceitar a sentenca em virtude de adotarmos a jurisdicao<br />
como modo de resoluto de conflitos. Nessa atividade, "os órg3os jurisdicionais<br />
atuam para pacificar as pessoas confutantes, eliminando os conflitos e fazendo<br />
cumprir o preceito jurídico pertinente a cada caso que Ihes é apresentado em busca<br />
de solu9ao" (Cintra et al, 1996, p.23).<br />
A cautela quando da aplicacao da teoría da coisa julgada<br />
inconstitucional deve estar sempre presente e a sua relativizacao, mesmo<br />
extemporánea, deve-se cingir a questoes claramente pertinentes quanto ao julga-<br />
mento da lide, nao se aceitando, em conseqüéncia, afrontas aparentes a direitos<br />
-' O professor ! lumbcrto Tlicodoro Júnior na "Jomada Nacional Processual Civil Prof Galeno Lacerda", realizada<br />
em Porto Aleare cni maio do 2001. defcndcu a présenle leona com a palestra intitulada "a coisa julgada<br />
inconMiincional"<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 175
A COISA JULüADA FRI-NTI: ü PRINCIPIO DA ISONOMIA CONSTITUCIONAL<br />
possivelmente lesados. A lesao, aquí, deve ser clara, o que evita o problema da<br />
rediscussáo sucessiva de quest5es efetivamente decididas.<br />
2.3. A Coisa Julgada Material e o Principio Constitucional da Isonomia<br />
Sabe-sc que a coisa julgada material é parte da sentcnca de mérito, que<br />
a torna ¡mutável relativamente aos seus efeitos. Ocorre, entretanto, que algumas<br />
questóes podem restar injustas á medida que n3o podera"o ser rediscutidas em via<br />
judicial ouemqualqueroutraviaextrajudicial.<br />
Nao se trata aqui da aplicaciio dos efeitos da coisa julgada<br />
inconstitucional em face de sentenca manifestamente inconstitucional, a qual foi<br />
¡ntroduzida anteriormente. A sentenca agora tratada fundamenta-se em direitos<br />
dos pleiteantes constitucionalmente assegurados, sendo, portante constitucionais<br />
as decisoes proferidas e que sao motivos de estudo em virtude da afronta ao<br />
principio da isonomia quando da análise dos diversos resultados obtidos em<br />
diferentes acSes ajuizadas, as quais fundamentam-se em direitos semelhantes.<br />
É o caso, no Brasil, das acSes de expurgo inflacionario de Fundo de<br />
Garantía por Tempo de Servico - FGTS - referente aos planos económicos<br />
instituidos no Brasil em Governos anteriores, ñas quais alguns autores de acSes<br />
individuáis pleitearam reajustes nos mais diversos planos, sendo tais valores<br />
concedidos pelos Tribunais Superiores, enquanto outros sujeitos, ajuizando aedes<br />
na mesma época, baseados nos mesmos direitos e com as mesmas prerrogativas<br />
pessoais e funcionáis, n3o o conseguiram em virtude de seus processos serem<br />
distribuidos a jufzes que possuíam conviccSes diferentes sobre os índices de<br />
reajuste, e, quando da apreciaciio dos recursos, seja por mudanca de entendimento<br />
dos Tribunais, seja por alteracOes conjunturais, que conduziram os julgadores a<br />
decidirem de modo diverso, exauriram a via recursal, conseguindo aqueles apenas<br />
alguns dos valores pleiteados.<br />
Chegou-se ao caso de termos, entao, dentro de urna mesma repartic3o<br />
pública, funcionarios com o mesmo tempo de servico e mesmas atribuicóes<br />
funcionáis recebendo da Caixa Económica Federal valores atualizados de Fundo<br />
de Garantía por Tempo de Servio que em muito se diferenciavam. Será que alguns<br />
teriam mais direítos a reclamar que outros, recebendo, em conseqüéncia, mais<br />
reajustes? Como solucionar a afronta ao principio constitucional da isonomia?<br />
É claro o texto constitucional a dispon<br />
176 REVISTA JURÍDICA IN VHRÜIS n. <strong>15</strong> - UFRN
LEONARDO DANTAS NACiASIIIMA<br />
Arl. 5": Todos sao iguais perante a le i, sem distincao<br />
de qualquer naturcza, garantindo-se aos hrasileiros<br />
e aos estrangeiros residentes no país a<br />
¡nviolahilidade do direito a vida, a igualdade, a<br />
seguranga e a propriedade, (...).<br />
Rui Portanova ao tratar do principio da ¡gualdade o define como a "equi-<br />
paracüo de todos que estejam submetidos a unía dada ordem jurídica no que se<br />
refere ao respeito, ao gozo e á fruicao de direitos, assim como á sujeic3o de deveres"<br />
(2001, p. 35). O Direito, como se sabe, é uno, e quando sao iguais os direitos<br />
subjetivos, iguais seráo (pelo menos, deveriam ser) os tratamentos dados a cada<br />
cidadao; tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais.<br />
Ojuizfederal Francisco Barros Días n3o foge a essa linha de pensamento,<br />
baseando-se na doutrina de Prof. José Afonso da Silva, indicando que:<br />
Aofalar deste principio peranle o juiz, afirma José<br />
Afonso da Silva, o seguinte: "o principio da<br />
igualdadejurisdicional ou perante ojuiz (¡presenta<br />
se, paríanlo, sob dais prismas: I) como ¡nlurdicao<br />
aojuiz defazer distincao entre situacdes iguais, ao<br />
aplicar a lei; 2) como interdicao ao legislador de<br />
editar leis que possibilitem tratamento desigual a<br />
situacdes iguais ou tratamento igual a situacoes<br />
designáis por parte da Justica" (2003, p.07).<br />
Assim, resta claro que o principio da igualdade nao fora obedecido no<br />
caso dosjulgamentos das acóes de reajuste monetario do FGTS. É de se perguntar<br />
se o cidadao que teve a infelicidade de ter sua pretensao julgada por magistrados<br />
com diferentes visoes sobre o tema, ficará privado do gozo de um direito expresso<br />
em nossa Constituicao quando já alcancada a sentenca pelos efeitos da coisa<br />
julgada. A resposta há que ser negativa.<br />
Primeiro é de ser perquirido se a sentenca foi proferida mediante alguns<br />
dos ¡tens do art. 485 do Código de Processo Civil, tais a prevaricado, a incompe<br />
tencia do juiz, dolo da parte vencedora para que se obtivesse o resultado<br />
conseguido. Nesses casos, dentro do prazo de dois anos contados do tránsito em<br />
julgado da sentenca, poderá haver revisao por meio de acao rescisória, que será<br />
REVISTA JURÍDICA INVF.RBISn <strong>15</strong> UFRN l77
A COISA JULGADA RtLNTI: O 1'RINCÍPIO DA ISONOMIA CONSTITUCIONAL<br />
vista mais adiante em tópico específico. Porém, n3o estando configurados os<br />
requisitos para a propositura de urna acao rescisória, o sucumbido nao pode ficar<br />
á mercé do ordenamento, restando-lhe a tentativa de revis3o judicial quanto á<br />
parte julgada improcedente na decisSo. Justifica-se tal pensamento porque "na<br />
queda de braco entre a coisa julgada, de um lado, e a legalidade e a isonomia, do<br />
oulro lado, a primeira cede passo ás segundas" (Lima apud Dias, 2003, p.08).<br />
Logo, vislumbra-se urna possibilidade de re-análise ou revisáo do mérito<br />
da causa cm face do dcsrcspcito ao principio da isonomia constitucional c da mío<br />
configurado de coisa julgada quanto a verdade dos tatos (conforme a leitura do<br />
art. 469, II, do CPC), o que dá ao individuo que se viu privado de seus direitos, a<br />
chance de igualar-sc áquele que oblcvc a concrecüo esperada; no caso apresenlado,<br />
o reajuste das contas vinculadas ao FGTS nos índices denegados pelo Judiciário,<br />
salvo se restar indubitável a nao caracterizacao da expurgacáo inflacionaria na<br />
parte sucumbida, por dedsilo do colegiado legilimninenle competente para tanto<br />
(Tribunais da cúpula do Poder Judiciário brasileiro) e devidamente fundamentada,<br />
a qual contenha explícitamente a impossibilidade de aplicaciío de correcto a tais<br />
índices. Rcsuminclo, seria urna adaptadlo da rcvisílo criminal a scara cívcl, sempre<br />
em busca do principio da verdudc real c nQo mais pela verdade aparente, l'ornial ou<br />
processual, como acontece nos moldes do processo civil atual.<br />
Tal possibilidade encontra respaldo ñas palavras do Prof. Paulo Roberto<br />
de Oliveira Lima apud Francisco Barros Dias, que apregoa:<br />
(...) para tanto, nao é necessária qualquer reforma<br />
na nossa Constituicao, depois acrescenta -, (...) é<br />
perfeitamente constitucional a alteracao do instituto<br />
da coisa julgada, aínda que a mudanca implique<br />
restringir-lhe a aplicacao, a criacao de novos<br />
instrumentos de seu controle ou até a sua supressdo,<br />
em algum ou em todos os casos. (2003, p. ¡I).<br />
A teoría aqui esposada busca a reparac3o de um equívoco do Judiciário<br />
por meios aceitos em nosso sistema processual, mas que num futuro nao distante<br />
ainda passará por provaeñes e críticas, quando da sua efetiva implementacüo.<br />
Esse é apenas um exemplo que se pode citar, dentre varios que ocorreram<br />
e que, certamente, ainda ocorrerño no decorrer da historia brasileira, mas que<br />
claramente nao condizem com os objetivos propostos pela República Brasileira,<br />
178 RLVISTA JURÍDICA IN VERB1S n. <strong>15</strong> - UFRN
I.HONARDO DANTAS NAGASIIIMA<br />
nein tampouco, com os seus principios constitucionais.<br />
2.4. A Acilo Rescisória c a Coisa Julgada<br />
A acño rescisória é -'o remedio jurídico que visa reparar a injustica de<br />
urna sentenca transitada em julgada" (Barroso, 2000, p.216). Sua eficacia se dá na<br />
medida em que temos a extincüo da imutabilidade dos efcitos materiais da sentenca<br />
de mérito, trazendo o art. 485 do Código de Processo Civil as possibilidades de<br />
rescisflo.<br />
Art. 485. A sentenca de mérito, transitada em<br />
julgado. pode ser rescindida quando:<br />
I - se verificar que fot dada por prevaricacao, con-<br />
cussao ou corrupcao dojuiz;<br />
II - proferida por juiz impedido ou absolutamente<br />
incompetente;<br />
III - resultar de dolo da parle vencedora em<br />
detrimento da parte vencida, ou de colusüo entre as<br />
partes, aftm defraudar a lei;<br />
IV- ofender a coisajulgada;<br />
V - violar literal disposicao de lei;<br />
VI - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido<br />
apurada em processo criminal ou seja provada na<br />
própria acao rescisória;<br />
VII - depois da sentenca, o autor obtiver documento<br />
novo, cuja existencia ignorava, ou de que nao pode<br />
fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar<br />
pronunciamento favorável;<br />
VIH - houverfundamento para invalidar conftssao,<br />
desistencia ou transacao, em que se baseou a<br />
sentenca;<br />
IX'— fundada em erro de futo, resultante de alos ou<br />
de documentos da causa.<br />
Com a aguo rescisória, cria-se a possibilidade de urna nova discussáo<br />
sobre a causa oriunda de sentenca já transitada em julgado. N3o há que se analisar<br />
aqui todos os pontos ácima transcritos, até mesmo por tratarem de questoes formáis<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l79
A COISA JULÜADA FRENTE O PRINCIPIO DA ISÜNOMIA CONSTITUCIONAL<br />
da sentenca; porém, os incisos Vil e IX merecem algumas reflexóes mais<br />
aprofundadas.<br />
Aplicando a regra da ac2o rescisória ao aludido caso da correcüo dos valores das<br />
contas vinculadas ao FGTS, temos que o julgador, quando da prolacao de sua<br />
decis3o, deveria se fundamentar em pareceres emitidos por especialistas para que<br />
possa a mesma encerrar o assunto, chegando-se á estabilidade garantida. Entre<br />
tanto, se nSo preenchidos tais requisitos, sobrevindo entendimento específico<br />
que verse acerca da possibilidade da correcüo dos índices de FGTS, e dentro do<br />
prazo dos dois anos preconizados pelo art. 495 do CPC, a medida cabívcl para<br />
reparar a injustica seria a ac3o rescisória. Raciocinio idéntico se aplica comprovando-<br />
sc posteriormente que houve incorrccüo parcial ou total dos valores concedidos<br />
anteriormente, os quais tiveram por base entendimentos igualmente incorretos<br />
sobre o caso, ¡nduzindo em erro de falo a materia tratada por parte dos julgadorcs.<br />
Alguns seguidores da tcoria da coisa julgada inconstitucional, como<br />
Francisco Barros Dias, sustentam que dentre os fundamentos para a propositura<br />
da ac3o rescisória deve-se ser acrescentado o da inconstitucionalidade do julgado.<br />
Ncssc diapasüo, sustenta que o prazo decadencial para a propositura da afilo<br />
presente no CPC (art. 495) nüo deve regular a materia, inexistindo prazo para o<br />
ajuizamcnlo da rescisória, sendo, como se percebe, instrumento pcrfcitamcntc<br />
cabívcl para a tutela de inleresscs individuáis cm nosso sistema processual.<br />
Essa é a idéia principal da ac3o rescisória, nos moldes atuais e com a<br />
perspectiva da sua modificacáo, a qual tem grande relevancia no ordenamento<br />
jurídico nacional e que, em virtude dos seus requisitos de admissibilidade (vicios<br />
de anulabilidade da sentenca) nSo fere o dispositivo constitucional da coisa julgada,<br />
tampouco ocorrendo gravames á Constituicao em sua aplicado á<br />
inconstitucionalidade produzida pela sentenca.<br />
3. ConclusSo<br />
A coisa julgada, como fora dito no decorrer do trabalho, tem sofrido<br />
nesses últimos anos questionamentos diversos acerca da sua sustentabilidade no<br />
Brasil. Teorías como a coisa julgada inconstitucional, relativizacáo ou flexibilizacüo<br />
da coisa julgada trouxeram á tona debates que versam sobre a mutabilidade dos<br />
julgados em virtude de serem estes inconstitucionais ou nao retratarem a verdade<br />
como quando na época de sua publicado.<br />
A introducSo dessas teorías no cenário jurídico nacional certamente<br />
180 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
LKONARDO DANTAS NAGASIIIMA<br />
aínda despertará discussóes sobre a efetividade da seguranca jurídica ocasionada<br />
pela coisa julgada e. em especial, dos efeitos da scnlenca de mérito que se balizaran<br />
em inverdades ou que trouxerem em seu bojo unía ¡mensa disparidade de direilos,<br />
relativamente aqueles que os pleiteiam.<br />
1! corto que aínda incipiente é o pensamento sobre as disparidades<br />
ocasionadas pelas sentencas, mas o tempo é capaz de provar que elas n2o devem<br />
perdurar em umasociedade bascada em direitos individuáis e calcada em principios<br />
universais, como c o da isonomia dos cidadüos.<br />
Para tanto, a mudanca de consciéncia dos operadores jurídicos (que se<br />
faz complexa em virtude da comodidade dos julgadores em n3o aceitar a relativizacáo<br />
da coisa julgada), é capaz de, mesmo sem alteracao nos textos legáis, suprir essa<br />
suposta omissSo instrumental; cabendo aos doutrinadores aperfeicoarem essa<br />
teoría, ¡ntroduzindo novos conceítos que, sem ferír a ordem jurídica, sejam capazes<br />
de reparar ¡njusticas ocasionadas por atos dos seus próprios representantes,<br />
mormente, a adocáo de acóes baseadas na ré-análise do mérito, sejam elas acóes<br />
rescisórias ou nüo, e "acóes declaratorias de inexistencia de coisa julgada<br />
inconstitucional" (Días, 2003, p.13) as quais nüo encontram óbices em nosso<br />
Ordenamento Jurídico.<br />
4. Referencias Bibliográficas<br />
BARROSO, Carlos Eduardo Fcrras de Mattos. Teoría Gcral do Processoe Proccsso<br />
de Conhecimento. Serie Sinopse <strong>Jurídica</strong> -11. S3o Paulo: Saraiva, 2000.<br />
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,<br />
Cándido Rangel. Teoría Geral do Processo. 12 ed. S3o Paulo: Malheiros Editores,<br />
19%.<br />
DELGADO, José Augusto Delgado. Efeitos da Coisa Julgada e Principios Cons<br />
titucional. <strong>In</strong>. www.oab-ba.org.br/advogado/artigosedebates/art42.zip, 20 de<br />
abril de 2003.<br />
DÍAS, Francisco Barros. Breve análise sobre a Coisa Julgada <strong>In</strong>constitucional,<br />
ln. www.jfm.gov.br/docs/doutrinal29.doc, 23 de abril de 2003.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN 161
A COISA JUI.ÜADA FRI-NTU O PRINCIPIO DA ISONOMIA CONSTITUCIONAL<br />
PORTANOVA, Rui. Principios do Processo Civil. 4ed. Porto Alegre: Livraria do<br />
Advogado Editora, 2001.<br />
SILVA, Ovidio A. Baptista da. Elementos de Processo Civil. 5ed. S3o Paulo: Sarai-<br />
va,2000.<br />
SILVA JÚNIOR, WalterNunes da. Coisajulgadardireito facultativo ou imperativo.<br />
<strong>In</strong>. www.jfm.gov.br/docs/doutrinal 06.doc, 23 de abril de 2003.<br />
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol.l. 36ed.<br />
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.<br />
182 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
DIREITO PROBATORIO EOCARATERNÁO ABSOLUTO DO PRINCÍPIO<br />
DA INADMISSIBILIDADE DASPROVASOBTIDASPORMEIOS ILÍCITOS<br />
Ana Claudia Freiré da Costa Bezerra<br />
Académica do 5o período da Universidade Federal do Rio Grande do Norte<br />
1-CONSIDERACÓES INICIÁIS:<br />
Consoanie o artigo 5o, inciso LVI, da Constituicao Federal de 1988 (CF),<br />
■'s3o ¡nadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". Tal preceito<br />
norteia n3o só o sistema jurídico brasileiro, mas também varias outras legislacSes<br />
em todo o mundo.<br />
Ao longo do tempo, a doutrina e a jurisprudencia mundiais conflitaram<br />
a respeito da aceitado ou nao das provas obtidas por meios ilícitos no corpo de<br />
um procedimento judicial. O Brasil, até 1988, era um dos países que admitía deter<br />
minadas provas obtidas por meios ilícitos. Com a promulgacao da Carta de 88,<br />
tornou-se inadmissível tal procedimento, já que o mesmo maculava de<br />
inconstitucionalidade todo processo, fato que espelhava o desrespeito a um outro<br />
preceito consagrado constitucionalmente no artigo 5o, inciso LIV: o do devido<br />
processo legal. Hodiernamente, o entendimento prevalecente é o de que tais provas,<br />
inquinadas de ilegitimidade, nao devem ser acatadas e, caso já constem nos autos<br />
processuais, devem destes ser desentranhadas. Dessa forma, o Supremo Tribunal<br />
Federal (STF) tem decidido no sentido de nao admitir as provas que nascam de<br />
meios ilícitos, seguindo a teoría dos "frutos da árvorc envenenada", criada pela<br />
Suprema Corte Americana.<br />
Partindo do exposto, o presente estudo tem por escopo demonstrar<br />
que, apesar de a CF consagrar o principio da inadmissibilidade das provas obtidas<br />
por meios ilícitos e tal principio imperar na maioria dos sistemas jurídicos mundiais,<br />
este n3o é absoluto. Como bem lembra Ada Pellcgrini Grinover, "os direitos do<br />
homcm mío podcm ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restricao<br />
resultante do principio da convivencia das liberdades" (Grinover, 2001, p. 129).<br />
2- DIREITO Á PROVA;ONUSPROBAND1E VALORACÁO DAS PROVAS:<br />
É ¡nconteste que para as teses advindas das ciencias exatas serem<br />
validadas, suas teorías e fórmulas devem ser passívcis de dcmonstrac.no medíanle<br />
experimentos práticos. Do mesmo modo, na ciencia jurídica estao presentes<br />
elementos que constituem meios de comprovacao de situacóes fáticas, quais sejam,<br />
os elementos probatorios. Desde os períodos mais remotos a provajá era utilizada<br />
como instrumento para a busca da verdade e conseqüente solucao dos conflitos<br />
REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN l83
ANA CLAUDIA l-'RKIRü DA COSTA WJ.liRRA<br />
que desde sempre existirán! nos mais antigos grupos humanos.<br />
Consoante o vocabulario jurídico, prova é todo mcio legal, usado no<br />
processo, capaz de demonstrar a verdade dos fatos alegados em juízo. Tal elemento<br />
tem por escopo influenciar na formacao da convicio do juiz, para o qual se destina.<br />
Em todo processo, as dúvidas que insurgem com rclac3o tanto aos<br />
fatos alegados pela parte que objetiva dada pretensSo, como aqueles argüidos<br />
pela parte da qual se exige urna reparacSo, serao dirimidas na fase de instrucSo<br />
processual, na qual serao apresentadas as provas trazidas pelas partes e, a partir<br />
daí, o julgador estará instrumentalizado para apreciar a situacSo jurídica e<br />
fundamentar a sua decis3o com dados sólidos e seguros. Destarte, consoante<br />
leciona Ada Pellegrini Grinover, "a prova constituí, pois, o instrumento por meio<br />
do qual se forma a conviccao do juiz a respeito da ocorrencia ou inocorréncia dos<br />
fatos controvertidos no processo" (Cintra, 1999, p.347). É elemento instrumental<br />
para que as partes influam no convencimento do magistrado e o meio de que este<br />
se serve para apurar a veracidade dos fatos alegados em juízo. Faz-se mister frisar<br />
que somente os fatos que possam dar lugar á dúvida, que exijam urna comprovacao,<br />
é que constituem objeto de prova. Sendo assim, conforme preceitua o Código de<br />
Processo Civil (CPC) em seu artigo 334, nao dependem de prova os fatos notorios,<br />
os afirmados por unía parte e confessados pela parte contraria, os fatos<br />
incontroversos e os que em cujo favor milita presuncSo lega! de existencia ou de<br />
veracidade. No Processo Penal, contudo, com vistas a interesses indisponíveis,<br />
até mesmo com relacao aos fatos incontroversos, o juiz pode, discricionariamente,<br />
requerer elementos probatorios ex officio.<br />
A finalidade do Direito Processual, portanto, é fixar urna verdade jurídica,<br />
designio este alcancado mediante as provas judiciais.<br />
Consoante está consignado na Carta Magna, o Poder Judiciário nao se<br />
pode absier de apreciar lesao ou ameaca a direito. Desse preceito deprcende-se<br />
que a todos é assegurado o direito de acao, inclusive ao Estado. Registre-se que<br />
conferido o direito de ac, ao, reconhece-se o direito de defesa da parte contra a qual<br />
recai o primeiro. É a corroboracüo do principio do devido processo legal, que<br />
garante "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em<br />
gcral o direito á ampia defesa e ao contrnditório. com os mcios e recursos a ela<br />
¡nerenles" (Cl\ artigo 5", LV). As partes devem ser proporcionadas condicoes para<br />
que ¡nterfiram e influam na formacao da conviccao do juiz e é exatamente por meio<br />
do contraditório que isso se concretiza, já que na dialética do processo as partes<br />
Ibrmularao alegacSes e produzirüo provas com o desiderato de que seja alcancada<br />
a verdade e seja restabelecido o equilibrio, tato que demonstra a íntima ligacSo do<br />
184 REVISTA JURÍDICA INVF.RBISn. <strong>15</strong>-UFRN
OIRlilTO PROBATORIO li O CARÁTER NAO ABSOLUTO DO I'RINCÍPIO DA INADMISSIUILIDADI:<br />
DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITOS<br />
direito á prova com o direito de acáo e defesa. A ampia defesa abarca ¡números<br />
atos que devem ser utilizados na persecuc3o de verdade real e tais atos n3o se<br />
refletem apenas de maneira negativa, ou seja, na resistencia ou oposicao á pretensáo<br />
do autor, mas a ampia defesa enseja também uma participac3o positiva, no sentido<br />
de intervir, influenciar, incidir sobre o andamento do processo, causando efeitos<br />
no seu resultado. Sendo assirn, o direito á prova conferido aos litigantes é<br />
consectario do preceito expresso no artigo 5o, LV da CF. N3o é diferente o<br />
entendimento da nossa jurisprudencia, segundo a qual as partes devem ser<br />
conferidos recursos para oferecimento da materia probatoria:<br />
O respeito ao principio constitucional do<br />
contraditório - que tem, na instrucao probatoria,<br />
um dos momentos mais expressivos de sua<br />
incidencia no processo penal condenatorio - tradui<br />
um dos elementos realizadores do postulado do<br />
devidoprocesso legal (STF - HC - Reí. Min. Celso<br />
deMello-j. 18.2.1992 - RTJ 140/856).<br />
Sendo assim, o contraditório, como reflexo do principio da igualdade,<br />
pressupñe uma paridade entre as partes, as quais participam decisivamente na<br />
fase de ¡nstruc3o processual.<br />
O direito de Í19ÍI0 c defesa possibililn as parles ¡nlcrvircm no clesen-<br />
volvimento e resultado do processo. Tal interferencia é permitida pelo direito que<br />
as partes tém de apresentar elementos probatorios. Vale frisar, todavía, que o<br />
direito á prova possui limitares e, portanto, a rejeieño n um meio de prova nílo<br />
significa a violando da garantía constitucional.<br />
Percebe-se, portanto, que o direito probatorio é corolario do principio<br />
constitucional do contraditório e este, quando violado, implica em cerceamento da<br />
defesa ou da acusacSo. Desta forma, o rumo dos meios de prova deve conduzir-se<br />
sob a ótica do devido processo legal. O fulcro da producüo das provas é ela ser<br />
realizada em contraditório. Tal posicSo é defendida pela doutrina brasileira e<br />
estrangeira. Com relacSo á prova emprestada, esta será acolhida no processo atual<br />
caso seja submetida a novo contraditório. Na hipótese de n§o sujeicao a este,<br />
configurar-se-á prova ilícita. Portanto, a existencia do contraditório é cond¡c3o de<br />
validade da prova.<br />
Com relacüo ao onus probandi, este, a priori, cabe a quem alega o fato.<br />
Porém, há excecOes, ñas quais há urna inversSo do ónus da prova. É importante<br />
ressaltar que o juiz n3o é uma peca inerte no jogo processual. dentro do qual<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN '83
ANA CLAUDIA IRIMRE DA COSTA BKZERRA<br />
somente as partes cabe o direito de requerer e apresentar materia probatoria. O<br />
pretor no curso da inslrucao, ou antes da sentenca, pode determinar, de oficio,<br />
diligencias para dirimir dúvidas. Além disso, cabe ao juiz do processo a apreciacSo<br />
e valorado dos elementos probatorios. Todas as provas trazidas durante a fase<br />
instrutória e as alegacSes feitas pelas partes constituir-se-3o em objeto de análise<br />
do julgador, o qual, com base no principio da motivacao, fundamentará a sua<br />
sentenca a partir das informacOes colhidas na fase probatoria.<br />
A valoracao do material de prova será feita com base no sistema da<br />
persuasSo racional. Faz-se necessário, porém, um retorno no panorama histórico<br />
com o fito de investigar os sistemas de apreciado ou valoracao das provas até se<br />
chegar ao que, modernamente, é adotado por nossa Iegislac3o. O primeiro sistema<br />
é o da livre apreciado ou da convicio íntima, segundo o qual, o juiz, conforme<br />
sua valorac3o pessoal, independentemente do que consta nos autos, tem toda a<br />
liberdade de decis3o e n3o é obrigado a motivar as suas sentencas. Em<br />
contraposi?ao a esse modo de apreciacao probatoria, tem-se o sistema das provas<br />
legáis, no qual a liberdade do juiz é tolhida, já que a lei se encarrega de determinar<br />
as provas a serem admitidas e o valor de cada uma délas. Assim, fica o meritíssimo<br />
vinculado á lei. Por fim, como sempre há uma corrente que tem como esséncia a<br />
medianía, evoluiu-se para o hodierno sistema da persuas3o racional ou do livre<br />
convencimento, o qual encontra-se afastado da inseguranca e do arbitrio judicial,<br />
ensejados pelo primeiro sistema, e possibilita uma liberdade sob medida ao juiz, a<br />
fim de que este se esmere e possua meios para alcancar a verdade, já que no<br />
sistema das provas legáis tal liberdade é bastante restringida. Sendo assim, o juiz<br />
possui liberdade de apreciar e valorar as provas, mas n3o deve olvidar da análise<br />
dos elementos constantes dos autos e de fundamentar as suas decisoes. garantía<br />
esta exigida pela Lei Maior em seu artigo 93, inciso IX.<br />
3-PROVAS ILÍCITAS:<br />
As provas ¡lícitas corresponden! a uma especie das chamadas provas<br />
vedadas. Estas compreendem aquelas e as chamadas provas ilegítimas, as quais<br />
contrariam normas processuais, indo de encontró á lógica e finalidade do processo.<br />
As provas ilícitas s3o aquelas que ferem normas ou principios de direito substancial,<br />
ou seja, s3o inadmissíveis pelo fato de contrariarem direitos que o ordenamento<br />
reconhece aos individuos. A vedac3o, destarte, pode decorrer de uma norma<br />
processual, de uma norma material ou, ainda, de principios gerais do direito.<br />
Além da distincao entre as provas ilícitas e as provas ¡legítimas<br />
RI-VISTA JURÍDICA IN VKRI3IS n. <strong>15</strong> - UPRN
DIRHITO PROHATORIO C O CARÁTER NAO ABSOLUTO DO PRINCIPIO DA ÍNADMISSIUILIDADI!<br />
DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITOS<br />
enfocando o criterio da natureza da norma violada, estabelece-se, outrossim, urna<br />
distincao com relacüo ao momento da transgress3o: a ilegalidade, ñas provas<br />
ilegítimas, consuma-se no momento de sua producSo, isto é, no momento de sua<br />
introduc3o no processo. Já com relacao ás provas ilícitas, a mancha de<br />
inconstitucionalidade se dá no momento da colheita das mesmas, normalmente<br />
anterior á produc3o das provas em jufzo e externamente ao processo. Dessa forma,<br />
percebe-se que em ambos os casos, na violacao de normas processuais e na<br />
violacSo de normas ou principios substanciáis, configura-se a ilegalidade. No<br />
primciro cnso linvem mn ato ilegítimo c no segundo, tim uto ilícito. Portnnio, um¡i<br />
prova será ¡legal quando violar normas legáis ou principios gerais do ordenamento,<br />
de natureza processual ou material. Sendo assim a prova ilícita é<br />
a prova colhuía infringindo-se normas ou principios<br />
colocados pela Constituicao e pelas leis,<br />
freqüenteniente para a protecdo das liherdades<br />
públicas e dos direitos da personalidade e daquela<br />
sua manifeslacdo que é o direito a intimidade<br />
(Grinover,200l,p.l33).<br />
Pode-se considerar, portanto, as provas ilícitas como sendo aquetas<br />
que ferem normas materiais ou principios do direito e aquelas délas decorrentes,<br />
ou seja, as que, conquanto lícitas, resultam de provas ilícitas. S3o as chamadas<br />
provas ilícitas por derivac3o.<br />
É inconteste que, embora o direito a produzir prova esteja albergado na<br />
Leí Magna, n3o significa que seja absoluto e ilimitado. As liberdades dos individuos<br />
n3o podem ser exercidas de modo que venham a causar danos á ordem social e ás<br />
liberdades alheias. Os direitos fundamentáis devem ser assegurados e tutelados<br />
tendo como enfoque o individuo inserido em um contexto social, fato que caracteriza<br />
o Estado Social de Direito, no qual o individuo possui direitos, mas estes n3o sSo<br />
infindos.<br />
O direito probatorio, dessa forma, apesar de constituir urna das prerro<br />
gativas do direito de defesa, também possui restriefies, visto que deve ser balizado<br />
por regras moráis, conforme consigna o artigo 332 do CPC, segundo o qual "sao<br />
admitidos todos os meios legáis e os moralmente legítimos para provara verdade<br />
dos fatos". O rito probatorio deve ser revestido de um valor ético de sorte que<br />
possa se constituir em urna garantía aos individuos.<br />
Assim, apesar de continuar preservado o direito de apresentar provas.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN l87
ANA CLAUDIA KREIRE DA COSTA BEZERRA<br />
o qual enseja liberdade para a producán destas, visto nao haver um rol taxativo de<br />
provas legáis, é imperioso que a atividade probatoria, como toda atividade proces-<br />
sual, esteja voltada para a busca da justica social, com vistas a realizar o bem<br />
comum. Faz-se necessário impor limites á atividade instrutória a fim de que nao<br />
sejam sacrificados valores, cuja relevancia se situé em um ámbito mais ampio que a<br />
esfera individual. É nesse ínterim que se aloca o problema da admissibilidade das<br />
provas ilícitas. Coloca-se em jogo dois interesses igualmente valiosos para a paz<br />
social, que é o fim primacial do direito: a busca, a qualquer preco, da verdade em<br />
defesa da sociedade ou a tutela ás garantías fundamentáis asseguradas<br />
constitucionalmente que, porventura, possam ser violadas em virtude dessa busca<br />
incondicional da verdade.<br />
4- INADM1SSIBILIDADE DAS PROVASOBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS:<br />
Durante algum tempo o tema das provas ilícitas foi relegado a segundo<br />
plano pela doutrina e jurisprudencia. Quando do inicio da apreciacüo de tal temática<br />
pelos juristas, surgiram diversas teorías, as quais basearam-se em criterios diversi<br />
ficados. Entre estas se destacaran! as que partiram dos pressupostos do livre<br />
convencimento do juiz e da "verdade real", fato este que determinava o<br />
entendimento da investigado da verdade, aínda que fundada em meios ilícitos. A<br />
maioría dos juristas pugnava pela sobreposic3o do interesse da coletividade na<br />
busca da verdade com relacüío a urna mera formalidade antijurídica. Muitos defen-<br />
diam que as provas eivadas de ilicitude deveriam ser admitidas tendo em vista um<br />
interesse mais relevante, qual seja, o ¡nteresse público. Segundo tal concepcSo, a<br />
prova ilícita, com vistas á busca da verdade e com base no dogma do livre conven<br />
cimento do juiz, deve ser tida como válida e eficaz, sem prejuízo, todavía, das<br />
sanc.6es cabíveis ao infrator. Dessa forma, consoante as teorias, aínda hoje<br />
existentes, que propalam a admissíbilidade de tais provas no processo, somente as<br />
chamadas provas ilegítimas, ou seja, as que a lei processual proscreve, estariam<br />
inquinadas de vicios.<br />
Embora, em urna fase preambular, algumas teorias tenham lutado pela<br />
admissibilidade das provas ilícitas, quando estas se mostravam demasiadamente<br />
relevantes e pertinentes, sem prejuízo da punicSo do responsável pelo ato ilícito,<br />
houve urna pendencia doutrinária e jurisprudencial para a teoria da inadmissibilidade<br />
das provas ilícitas, pendencia esta confirmada, aquí no Brasil, por algumas deci-<br />
sñes do STF. Posteriormente, configurou-se a consagracüo constitucional de tal<br />
principio. Hoje, como demonstra a tendencia evolutiva, a posicao dominante é pela<br />
188 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
DIRKITO PROBATORIO t O CARÁTER NAO ABSOLUTO DO PRINCIPIO DA 1NADMISSIBILIDADF.<br />
DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITOS<br />
inadmissibilidade das provas ilícitas. Por mais importantes que sejam os fatos por<br />
elas demonstrados, tais provas devem ser banidas do processo, visto que possuem<br />
a marca de inconstitucionalidade, na medida em que contrariam normas ou principios<br />
consignados na Carta Maior. Dessa forma, dados probatorios oriundos de trans-<br />
gressSes ao ordenamento positivo, em regra, s2o inválidos. Tais elementos n3o<br />
possuem valor probante.<br />
Nelson Hungría, embora declarándose favorável<br />
á livre admissao da prova emjuízo como atribulo<br />
do principio do livre convencimento, e<br />
identificando a finalidade do processo penal com<br />
a descoberta da verdade material, entende que a<br />
liberdade na apreciacao dos meios de prova, por<br />
maior que seja, nao é total: o limite é aquele que<br />
garanta a exclusdo dos meios de prova que atentem<br />
contra o pudor público, ou se revelem subversivos<br />
da ordem pública, violentos e atentatorios a<br />
personalidade humana ou á moral pública (Hungría<br />
apud Avolio, 2003, p.76).<br />
Conquanto o principio supramencionado esteja amparado constitucio-<br />
nalmente e seja acolhido na maioria dos ordenamentos comparados, há ainda<br />
pontos que suscitam debates na doutrina e jurisprudencia com relacSo ao seu<br />
caráter nüo absolutorio.<br />
5- O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE:<br />
É indubitável que os direitos n3o podem ser exercidos de modo absolu<br />
to. A liberdade de um individuo só pode ser exercida até onde se inicia a Hberdade<br />
alheia. Sendo assim, do mesmo modo que o direito á prova, em face das garantias<br />
fundamentáis, é restringido pelo principio da inadmissibilidade das provas obti-<br />
das por meios ilícitos ou pelas vedacfles probatorias, o principio da<br />
proporcional idade surge, em varias legislacñes, inclusive na nossa, como elemen<br />
to balizador do principio da inutilizabilidade das provas ilícitas.<br />
A tendencia doutrinária e jurisprudencial acompanhou o sentido de<br />
evolucSo da teoria da admissibilidade para a inadmissibilidade das provas ilícitas.<br />
Embora esta última corresponda á posicño dominante, hodiernamente, na maioria<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l8°
ANA CLAUDIA FRKIRI- DA COSTA HI:ZRRRA<br />
dos sistemas jurídicos mundiais, surgem ainda debates na doutrina a respeito do<br />
tempero que deve ser dado á utilizacao do preceito da inutilizabilidade das provas<br />
obtidas pormeios ilícitos.<br />
Junto aos sectarios da teoria da admissibilidade no proccsso das pro vas<br />
ilícitas e aos defensores da teoria diametralmente oposta, qual soja, a da<br />
inutilizabilidade processual das provas marcadas pela antijuridicidade, despontam<br />
correntes doutrinárias e jurisprudenciais que hasleiam a bandeira da teoria da<br />
inadmissibilidade das provas ilícitas na atividade processual, temperada pelo<br />
principio da proporcionalidade. Essa última posicSo é a mais acertada, visto que<br />
nada em direito deve ser encarado de forma rígida sem que se ponha em risco<br />
algum bem jurídico que, porventura, possa ter o seu valor mais relevante que o<br />
bem em virtude do qual poderá ser sacrificado.<br />
O equilibrio entre os valores eni jogo deve ser estabelecido de modo a<br />
se alicercar as bases para a efetivacSo de um verdadeiro Estado de Direito. Qual<br />
quer liberdade deve ser desenvolvida dentro dos limites tracados constitucional-<br />
mente.<br />
A idéia de proporcá"o confunde-se com a própria nocáo de direito, é<br />
desta indissociável. É conhecida a definicá"o de Dante, segundo a qual itis est<br />
realis ac personalis homini ad hominem proportio*. A projecao da<br />
proporcionalidade remonta á antiguidade clássica e, modernamente, reflete a con-<br />
cepcao de que devem ser empregados os meios necessários, adequados e exigíveis<br />
para se atingir os fins almejados. Além de ser necessária a existencia de normas<br />
para pautar as condutas humanas em urna sociedade, é imprescindível que se<br />
lance mao de um principio regulativo para se ponderar a utilizacao dos direitos.<br />
Qualquer I¡m¡tacá"o deve ser apropriada. necessária e proporcional. A finalidade do<br />
principio da proporcionalidade nao é destruir, sacrificar os direitos e garantías<br />
consagrados constitucionalmente, mas, ao revés, é assegurar a tutela dessas<br />
liberdades, o seu exercício, condicionando-os ao bem-estarda sociedade como um<br />
todo. Tais garantías so poderao ser reduzidas quando estiverem em confuto com<br />
interesses mais relevantes, quais sejam, aqueles que dizem respeito á esfera coletiva,<br />
e na medida da consecucSo dos designios principáis do Direito, a finí de que se<br />
cumpra a finalidade de interesse público, ou seja, toda essa questao gira em torno<br />
do aspecto teleológico.<br />
1 O Direilo ó a propoiíao real e pessoal de um hnmcm para oiilm liomem.<br />
190 RRVISTA JURÍDICA IN VRRBIS n. <strong>15</strong> UFRN
DIRlilTO PROHATÓRIO F. O CARÁTCR NAO ABSOLUTO IX) I'RINCÍPIO DA 1NADMISSIBILIDADI-:<br />
DAS PROVAS OHTIDAS POR MEIO ILÍCITOS<br />
O principio da proporcionalidade é urna faceta do principio da<br />
razoabilidade e é aplicado nos varios ramos do direito, n3o se limitando ao ámbito<br />
constitucional. Tal preceito abre caminho para excecOes á regra da inadmissibilidade<br />
das provas ilícitas, ou seja, em algumas situacOes as garantías fundamentáis devem<br />
ser feridas tendo em vista um ¡nteresse mais relevante, qual seja, o bem-estar da<br />
comunidade, urna vez que este se constituí no fim precipuo do direito. Portanto,<br />
exige-se dos aplicadores do direito, o respeito ao criterio da proporcionalidade. Tal<br />
criterio pressupOe a existencia de valores postos em conflito e a adequada ponde-<br />
racáo dos mesmos.<br />
A idéia da proporcionalidade está ínsita em varios principios que ¡nformam o<br />
direito processual.<br />
A teoría da proporcionalidade ou da<br />
fazoabilidade, lambém denominada de teoría do<br />
balanceamento ou da preponderancia dos<br />
interexses, consiste, pois, exatamente, mima<br />
construcao doutrináría e jurisprudencial que se<br />
coloca nos sistemas de inadmissibilidade da prova<br />
obtida ¡licitamente, permitindo, em face de urna<br />
vedacao probatoria, que se proceda a urna escolha,<br />
no caso concreto, entre os valores<br />
constitucionalmente relevantes postos em confron-<br />
/o(Avol¡o,2003,p.60).<br />
De observar que nSo se deve reduzir desarrazoadamente um valor em<br />
detrimento de outro. É imperioso que se estabeleca um balanceamento entre os<br />
custos e os beneficios de urna exclusáo probatoria. Faz-se necessárío o exame dos<br />
casos em que a prova ilícita deve ser banida do processo e em quais circunstancias<br />
é preferível que tal prova seja admitida, já que ao se considerar a inadmissibilidade<br />
das provas ilícitas de modo absoluto, poderá se ter como contrapeso um ónus<br />
muito grande.<br />
Um reflexo do acolhimento desse canon na ordem jurídica brasileíra é a<br />
utilizabílidade da prova, conquanto obtida ilegalmente, favorável ao réu. O acata-<br />
mento de tal principio n3o se restringe á doutrina e á jurisprudencia brasileíras, o<br />
direito alemao, dentre outros, também o albergou. A serventía do criterio do<br />
balanceamento dos valores determina a admiss3o de excecOes á inutilizabilidade<br />
das provas obtidas inconstitucionalmente. Tais excecdes s3o reconhecidas quando<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 101
ANA CLAUDIA RKIRK IM COSTA BEZERRA<br />
se trata de realizar exigencias superiores, sejam de caráter público ou privado,<br />
merecedoras de particular tutela. É mister salientar a necessidade de haver equili<br />
brio entre o meio empregado e a finalidade pretendida. Deve-se ter em mente em<br />
que medida vale a pena fazer prevalecer detenninado valor, a despeito dos eventuais<br />
inconvenientes. O aplicador do direito deve perscrutar cada caso, analisar os<br />
valores colidentes e optar pela preponderancia de um deles, solucionando todos á<br />
luz do principio da proporcional idade, deixando-se por ele guiar. Há dados valores<br />
que devem ceder diante de outros de mais elevado status e importancia social.<br />
Estes devem ser cotejados, colacionados, confrontados com aqueles. Existem casos<br />
que haveria urna especie de "estado de necessidade processual", o qual legitima<br />
ria o atenuamento de urna liberdade em detrimento de outra, com vistas a um<br />
interesse deveras importante para ser sacrificado.<br />
O principio da proporcionalidade visa, em face de urna vedacao<br />
probatoria, cotejar ¡nteresses de direito material postos em confronto. Surge como<br />
meio de relativizar o principio da inadmissibilidade das pravas ilícitas. Espelho<br />
disso é a ace¡tac3o, quase que unánime, da prova ilícita pro reo, acatada pela<br />
doutrina e aplicada esporádicamente pela jurisprudencia brasileira, mormente no<br />
processo penal, onde impera o principio do favor reí, ou seja, a aplicacáo do<br />
principio da proporcionalidade sob a ótica do direito de defesa. A doutrina<br />
majoritária entende que a ilegalidade, decorrente da prova ilícita colhida pelo<br />
acusado, é eliminada em virtude das excludentes de antijuridicidade, como a legí<br />
tima defesa. Portanto, as liberdades públicas possuem caráter relativo e, sendo<br />
assim, podem ser sacrificadas quando colidentes com interesses mais relevantes.<br />
Há situac5es em que provas obtidas ilicitamente podem ser consideradas moral-<br />
mente legítimas se as circunstancias do caso justificam a adoc3o de tal medida. A<br />
jurisprudencia tem admitido a prova ilícita com fulcro no principio do equilibrio<br />
entre valores fundamentáis contrastantes. N3o se deve reconhecer valor inque-<br />
brantável á vedacao de tais provas. Os direitos e garantías fundamentáis nao<br />
podem ser exercidos de modo ilimitado. Segundo o criterio da proporcionalidade,<br />
os interesses envolvidos devem ser comparados. Nos pratos da balanca devem<br />
ser sopesados os bens jurídicos colidentes, constitucionalmente garantidos. Dessa<br />
forma, em casos excepcionais a prova ilícita deve ser admitida.<br />
O principio da proporcionalidade, assegurado constitucionalmente, de-<br />
1l)- RKVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
DIRLIIO PROBATORIO t O CARATER NAO ABSOLUTO IX) I'RINCÍPIO DA INADMISSIBILIOADU<br />
DAS PROVAS OBTIDAS IXJR MltlO ILÍCITOS<br />
termina que se tolere o sacrificio a alguns direitos conferidos pela CF, a finí de se<br />
tutelar um bem jurídico de maior valor. É imperioso que tal preceito seja observado<br />
principalmente no processo penal, onde estüo em jogo as liberdades individuáis.<br />
6- CONSIDERARES FINÁIS:<br />
No tocante á utilizacáo da prova ¡licita na atividade processual, é mister<br />
salientarque, conquanto a Carta Maior fale expressamente em ¡nadmissibilidade.<br />
ensejando um entendimento no sentido de nao se admitir tal prova somente no<br />
momento do juizo de admissibilidade2, esta deve ser evitada em todas as fases da<br />
atividade probatoria. É ¡mprescindível urna interpretado abrangente do preceito<br />
constitucional com fulcro na finalidade ínsita em tal norma. É necessário destacar,<br />
portanto, que tanto o processo como a tutela das garantías fundamentáis deve se<br />
orientar por um aspecto teleológico. Ambos sujeitam-se a preceitos e finalidades<br />
éticas. Deve haver urna harmonía, um equilibrio no exercício dos direitos. Segundo<br />
Ada Pellegrini Grinover, "as liberdades públicas nüo se prestam a proteger abusos<br />
nem acobertar violacóes" (Grinover apud Avolio, 2003, p. <strong>15</strong>0).<br />
Em s¡tua?5es extremamente graves, mesmo que se sacrifique um bem<br />
jurídico em prol da preservac2o de um outro de valor ¡ncontestavelmente superior,<br />
a diretriz da proporcionalidade deve ser um guia, no desiderato de se evitarem<br />
danos irreparáveis. Quando estíverem na balanca, contrapostos, o direíto á<br />
intimidade e o direíto á vida; o direito á liberdade e o direito á inviolabilidade das<br />
comunicacñes, dentre outros, a análise deve ser consc¡endosa, levando em conta<br />
as finalidades jurídicas. É nesse sentido que o cánone da proporcionalidade vem<br />
temperar a teoría da ¡nadmissibilidade das provas ¡lícitas.<br />
Em direito, como em todas as ciencias humanas, nada deve ser visto em<br />
termos absolutos, as excecóes sempre ¡nsurgem, caso contrario, se incorreria no<br />
erro de por em risco valores que, de per si, já s3o superiores. Todo jurista, antes de<br />
tudo, deve serum humanista, e nño simplesmente se limitara dizera vontade legal.<br />
Deve inserir todas as situafSes fáticas em um contexto mais abrangente e procurar<br />
atingir o intento precipuo do direito que é a pacificacSo social e a busca pela<br />
Justica. Os aplicadores do direito devem procurar dilucidar os casos postos á sua<br />
: Ñas alindados proccssuaís. no que concerne ás provas. lia qualro mámenlos: 1) a proposicáo das provas (indicado<br />
ou rcqucrinieiHo). 1) a admissao ou nao das provas (o jui/ se inaml'csia sobre sua admissibilidade). J) a producto das<br />
provas (inlroducíko dcslas no processo) e 4) apreciat;ao das provas (valorado ("cita pelo jui¿)<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERB1S n. <strong>15</strong> - UI-RN 193
ANA CLAUDIA FRlilRK DA COSTA UEZI-RRA<br />
apreciacao flindamentando-sc na idéia de proporcionalidade, a fim de que a Justina<br />
se efetive e, conseqüentemente, se concretize o tao almejado Estado Democrático<br />
de Direito, cujas garantías sao inquebrantáveis. É nesse íntenm que se infere a<br />
obrigacao do Estado na luta pelo equilibrio das liberdades públicas e concreto de<br />
todas as garantías constitucionalmente asseguradas aos individuos.<br />
Vale ressaltar que a inadmissibilidade das provas ilícitas aplica-se aos<br />
processos de qualquer natureza, seja civil, criminal, trabalhista, administrativa,<br />
dentre outros. Contudo, em todas essas esferas tal teoría deve ser atenuada pelo<br />
criterio da proporcionalidade, levando-se em conta sempre as peculiaridades<br />
inerentes a cada especie de direito, já que a observancia deste principio constitui-<br />
se em instrumento necessário para a salvaguarda dos valores mais estimados pela<br />
nossa comuna.<br />
7- Referencias Bibliográficas:<br />
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: <strong>In</strong>terceptares telefónicas,<br />
ambientáis e gravacQes clandestinas. 3aed. rev., arnpl. e atual. em face das Leis<br />
9296/1996 e 10.217/2001 e da jurisprudencia. Sao Paulo: Editora <strong>Revista</strong>dos Tribu-<br />
nais,2003.<br />
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,<br />
Cándido Rangel. Teoria Geral do Processo. <strong>15</strong>aed. rev. e atual.. Sao Paulo: Malheiros<br />
Editores, 1999.<br />
DE PAULA, Jónatas Luiz Moreira. Teoria Geral do Processo. SSo Paulo: Editora de<br />
Direito, 1999.<br />
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO,<br />
Antonio Magalhaes. As Nulidades no Processo Penal. 7°ed. rev. e atual.. SSo<br />
Paulo: Editora <strong>Revista</strong> dos Tribunais, 2001.<br />
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 20aed. rev., mod. e ampl..<br />
Sao Paulo: Saraiva, 1998, v.3.<br />
küVISTA JURÍDICA IN VI:KIüS n. <strong>15</strong> lll-'KN
DAOMISSÁO ADMINISTRATIVA- REQUISITOS E HIPÓTESESDE<br />
CABIMENTO DO CONTROLE JUDICIAL SOBRE AINACÁO.<br />
Leonardo Pereira Martins<br />
Recém-egresso, ex-monitorde Direito Processual Civil e ex-bolsista PIBIC/<br />
CNPq;<br />
Murillo Maitius Máximo<br />
Aluno do 8o período, bolsista PIBIC/CNPq,<br />
Raissa de Queiroz Ríos<br />
Aluna do 8o período, bolsista PIBIC/CNPq, todos do Núcleo de Estudos e<br />
Pesquisas do Departamento de Ciencias <strong>Jurídica</strong>s da Universidade Católica de<br />
<strong>In</strong>troducto<br />
Goiás, orientados pelo professor doutor Nivaldo dos Santos.<br />
A par da diversificacao de condutas administrativas habéis a fazer frente<br />
á multiplicidade de interesses surgidos na contemporaneidade, no que se revela<br />
corriqueira a ¡ncorporacáo de recursos tecnológicos aos procedimentos para<br />
satisfacao de novas necessidades do poder público e dos clientes dos seus<br />
servicos, permanece o ato omissivo como dos mais eflcazes na oportunizacao do<br />
controle extemo da Administracáo, pelas vias judiciais. <strong>In</strong>egável a divida social<br />
brasilcira, de que 6 devedor o Estado, representado por seus administradores, c<br />
credora grande parcela da populacao, a quem, seja por afronta explícita ou<br />
¡nterpretacao indevida dos regramentos, insistentemente se impóe a ¡nacSo dos<br />
aparelhos de Estado.<br />
No contexto, revela-se necessário perquirir a respeito da disciplina jurí<br />
dica e requisitos necessários á configuracüo da omiss3o relevante, impugnável<br />
judicialmente. Nesse ensaio a citada ¡nvestigacüo referencia-se pelo<br />
estabelecimento de semelhancas e dessemelhancas no tratamento dado pelos<br />
direitos penal e administrativo ao ato omissivo e suas implicacdes jurídicas. Apesar<br />
de privilegiar-se a via do mandado de seguranca como apropriada ao controle<br />
judicial da om¡ss3o, o que se faz tao-somente por razóes estatísticas, o tema é<br />
tratado no ámbito do direito material, sendo as conclusSes válidas para qualquer<br />
que seja o veiculo processual manejado.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN I9S
LEONARDO PEREIRA MARTINS. MURILI.O MARTINS MÁXIMO E RAISSA DE QUI-IROZ RÍOS<br />
Da omissüo administrativa que enseja correcüo judicial<br />
O ato administrativo omissivo ou, simplesmente, como preferem alguns,<br />
a omissao atacável pela via judicial, traduz-se num nonfarc qualificado. Na seara<br />
jurídico-criminal a questao da omissao relevante é tratada, enquanto desdobramento<br />
da teoría da causalidade, encampado pelo Código Penal, num dos parágrafos do<br />
artigo 13 deste diploma, assim redigido:<br />
§ 2o A omissao é penalmente relevante quando o<br />
om¡tente devia e podía agir para evitar o resultado.<br />
O dever de agir incumbe a qitem:<br />
a) tenha por leí dever de cuidado, protégelo ou vigi<br />
lancia;<br />
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de<br />
impedir o resultado;<br />
c) com sen comportamento anterior, criou o risco<br />
da ocorréncia do resultado<br />
A transcric3o ácima se justifica em raz3o da intencao de, a partir do<br />
estabelecimento de semelhancas e dessemelhancas no tratamento dado pelos<br />
direitos penal e administrativo ao ato omissivo e suas impIicacQes jurídicas,<br />
estabelecer a disciplina e requisitos necessários á configuracao da omissao que dá<br />
azo ao controle judicial da administracao, seja por habeos data, mandado de<br />
seguranca, individual ou coletivo, acao civil pública, ac3o popular, a9ao direta de<br />
inconstitucionalidade e outras. A escolha, todavia, por certo, n3o é aleatoria,<br />
dependendo das vicissitudes dos quadros fático e jurídico a serem alterados.<br />
Obviamente, nSo é qualquer ¡nac3o da autoridade pública que enseja<br />
conserto e, mesmo dentre as passíveis de correcao, nem todas autorizan! ¡njuncao<br />
do poder judiciário. Há consenso doutrinário em torno da exigibilidade do que se<br />
pode chamar conduta vinculada da administracao. Fala-se aqui de um nao fazer<br />
relativamente a urna conduta positiva instituida por lei ou outra especie normativa.<br />
A atuacao da autoridade, no caso, é vinculada.<br />
149), sao<br />
Atos vinculados ou regrados, segundo Hely Lopes Meirelles(1999, p.<br />
1% REVISTA JURÍDICA IN VRRBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
I)A ( AIINSAU ADMIMNIKAI IVA - Kl (Jl IISI IllSI IIIIM I I SI S 1)1 C AltIMI NIO IX >l (»N I KOLI:<br />
JIIDK'IAI SílllKI A INAI/ÁO<br />
aqueles para os quais a lei eslahelece os requixilos<br />
e condi
I.I-.ONAK1X) I'1-.KI'IIRA MAKIINS. MIIUIU.O MARI INS MÁXIMO I KAINSA DI t.H'l IKO/ KION<br />
possibilidade de se submeterem os atos discricionários a controle" (Figueiredo.<br />
2000, p. I 17). Daí, embora regra geral seja a nao ¡ntromissüo do judiciário nos<br />
negocios da administraeSo, aspecto em que revelad;! a independencia de poderes,<br />
momentos há permissivas do controle judicial das suas omissóes d¡scricionárias.:<br />
Adstrita que é ao principio da legalidade, a administracao n3o age senño<br />
quando expressamente autorizada ou competida por norma cogente. no que diver<br />
sifica sua atuacáo da dos particulares, aos quais é válida a máxima civilista segundo<br />
a qual 'lícito é todo ato n3o defeso em lei'.3 Nessa medida, embora se reconheca a<br />
possibilidade do controle judicial de seus atos discricionários, cingir-se-á a fisca-<br />
lizacao, tal como atualmente disciplinado pela ordem jurídica, com arrimo na maior<br />
parte da doutrina, a excecOes.<br />
Sujeitar-se-á a ingerencia do judiciário á circunstancia de revelar a omis-<br />
s3o desproporcionalidade e/ou desarrazoabilidade, desdobramentos do tratamento<br />
isonómico devido aos administrados. Desse aspecto decorre. da parte de quem<br />
aciona o Estado-juiz e especialmente do órgio investido de competencia para o<br />
caso concreto, necessidade de aval¡ac3o casuística da ¡nacüo para efeito,<br />
respectivamente, do ajuizamento da medida cabível e do seu deferimento.<br />
Antes de identificar as situacOes reputadas habéis ao controle judicial<br />
da discricionariedade administrativa, tem-se por bem o registro de que, embora<br />
ainda minoritaria, é crescente a tendencia de suavizar teorías e postulados clássicos,<br />
subtraindo-lhes caráter axiomático, em favor da instrumentalizacSo e efetividade<br />
das garantías constitucional4. Cássio Scarpinella Bueno (2002, p. 213) identifica,<br />
com arrimo no pensamento de Maria Fernanda dos Santos Macas, expresso na<br />
dissertacao que Ihe conferiu, junto á Universidade de Coimbra, o título de Mestre<br />
em Direito, os seguintes temas como afetos ao supra citado abrandamento: "a<br />
: Cf María Sylvia Zandía Di Pieiro: "Com relicto aos aios discrícionános, o controlo judicial ¿ possitcl mas lera<br />
que respeilar a discricionariedade adminisiraiiva nos linnles em que cía c assegurada á Adiiiinislracao Pública pela<br />
lei " (20O2, p. 209)<br />
' A propósilo de aprofundamemo sobre a quesillo da legalidade administrativa remeic-se u leilor as mdicacoes<br />
bibliográficas sugeridas por Alexandrc de Moiacs 12002, p. 99): "TÁCITO, C'aio O principio de legalidade pomo<br />
c conlraponio. Hernia Je Dirviio AJmitiiMnitivn. Rio de Janeiro: Renovar/IGV. n ° 200. p. I. oul./ile/. 19%.<br />
C'IJM IA. Tliere/inlia l.ueia l;errcini. Principio da I .egalidade e desvio ele poder no Dircilo Ailininistialivo. Iternht<br />
DA ÜMISSAO ADMINISTRATIVA - REQUISITOS E HIPOTEStS DK CABIMENTO DO CONTROLE<br />
JUDICIAL SOBRE A INACÁO<br />
presuncao de legilimidade e de plena operalividade do ato administrativo, a<br />
separacao dos poderes e a atividade revisora dos atos administrativos pelo<br />
Judiciário". Referindo-se a eles concluí: "s3o doutrinas que devem ser revistas de<br />
acordó com os novos valores e consoante as novas realidades das Constítuicoes<br />
mais recentes."<br />
Esse movimento de revisao paradigmática, é também percebido pelo<br />
publicista de língua espanhola José Luis Shaw (2000, p. 20), que o caracteriza nos<br />
seguintes termos:<br />
Na base desle ampio ámbito que abrange a garantía<br />
da tutela jurisdicional está a evoluqao que tem<br />
havido na doutrina e no direito comparado quanto<br />
a forma de conceber o principio de separacao de<br />
poderes, como do mesmo modo no papel tradicional<br />
do Poder Judiciário ou de novos órgaos<br />
jurisdicionais que tem sido criados, aos quais vem-<br />
se reconhecendo ou outorgando poderes de controle<br />
do Poder Legislativo e do Poder Executivo que os<br />
tem situado em um pé de igualdade hierárquica com<br />
estes.<br />
Comohem ass'malu Vuldés, tem-sesuperadoassima<br />
doutrina imperante em muitos direitos que negava<br />
ao Poder Judiciário a faculdade de pronunciarse<br />
sobre a legitimidade dos atos dos outros poderes e<br />
que inclusive o colocavam em situacao de<br />
inferioridade em frente ao Poder Executivo. Esta<br />
evolucao tem determinado como a missao dos órgaos<br />
jurisdicionaisjá nao é somenle a de dirimir conflitos<br />
aplicando as normas legáis e regulamentares, sendo<br />
também a de julgar a legitimidade destas,<br />
defendendo os direitos fundamentáis consagrados<br />
ñas constiluigoes contemporáneas e nos pactos in-<br />
ternacionais; em outras palavras, defendendo a<br />
REVISTA JURÍDICA 1N VERB1S n. <strong>15</strong> - UFRN '"
I.IXÍNARIX) I'HRIÍIRA MARTINS, MURII.I.O MARTINS MÁXIMO [i RAISSA DI- OUKIROZ RÍOS<br />
constituicao contra os excessos dos poderes<br />
Legislativo e Executivo.3<br />
No passo que a doutrina nacional se encontra em relacao aos adiantados<br />
pensamentos alienígenas transcritos identificam-se, relativamente ao controle da<br />
discricionariedade administrativa, entre nos, duas teorías complementares, por<br />
vezes n3o distinguidas. A teoría relativa ao desvio de poder ou desvio defmalidade,<br />
pela qual o judiciário exercerá ampio controle sobre os atos quando usados pelo<br />
administrador para atingir fim diverso daquele estabelecido pela norma de regencia,<br />
e a dos motivos determinantes, segundo a qual resta ao juiz autoridade para verificar<br />
tanto a ocorréncia dos fatos ensejadores dos atos discricionários praticados quanto<br />
a coeréncia da motivacao que os tenha ensejado. Daí ser, em tese, admissível o<br />
direito de acesso á justica em sentido estrito (direito de acao) para atacar omissao<br />
relativa a escolha discricionária do administrador, já que possível o exercício do<br />
controle judicial sobre afwalidade e motivaqao tanto do ato quanto do nao-ato.<br />
Nesse último caso o controle n3o se sujeita, como pode parecer em desavisada<br />
leitura, á fundamentacSo, por parte do administrador, quanto ás razñes da negativa<br />
de ¡mplementacao do ato. Assim por revelar-se pouco usual o procedimento de<br />
justificar a inacao, já que o respectivo documento serve de prova pré-constituída<br />
hábil a lastrear eventual medida judicial, especialmente, impetracao de mandado de<br />
seguranza.<br />
Mais correto que declarar a propriedade da via judicial em estudo para<br />
controle das condutas omissivas vinculadas da administracao é alargar seu<br />
cabimento para fazé-lo adequado ao combate da inacSo quanto a algo devido.<br />
Pode, nessa medida, a sujeicao da autoridade advir diretamente do comando<br />
normativo ou de outras circunstancias em que, embora inexistente a norma de<br />
conduta específica, decorra a obrigacao omitida, por exemplo, de situacSo concreta<br />
implementada em virtude de atividade administrativa anterior.<br />
Nesse passo, a inercia do administrador atacável em juízo guarda seme-<br />
Ihanca com urna das especies de omissSo consideradas pela lei brasileira penalmente<br />
relevantes, encontradas no supra transcrito § 2° do artigo 13 do Código Penal.<br />
Parafraseando a segunda parte do dispositivo e seus incisos, tem-se a omissao<br />
administrativa relevante e corrigível na via em estudo se a autoridade impetrada: a)<br />
sujeita-se, por forca de disposicao normativa cogente (seja legal ou regu I amentar).<br />
' Tradujo IKte do amor.<br />
200 REVISTA JURÍDICA 1N VHRB1S n. <strong>15</strong> - UFRN
DA OMISSÁO ADMINISTRATIVA - REQUISITOS E HIPOTLSES DE CABIMENTO DO CONTROLE<br />
JUDICIAL SOHRi; A INACÁO<br />
á conduta omitida - aquí se cuida de ato vinculado - b) valeu-se da ¡nacSo para<br />
atingir fim diverso daquele estabelecido pela norma de regencia - incidencia da<br />
teoría do desvio de finalidade - ou apresentou incoerentes os motivos e/ou os<br />
fatos ensejadorcs da omissao praticada - incidÍMicia da teoria dos motivos<br />
determinantes- c) detendo poderes para tanto, deixa de evitar Ies3o que decorra de<br />
conduta administrativa anterior, mesmo legitima, potencialmente provocadora de<br />
daño - a impetracao dirigir-se-á, na hipótese, contra omiss3o causadora de Ies3o a<br />
direito subjetivo. Distancia-se a forma de controle em estudo da tutela penal, no<br />
entanto, devido a esta se orientar pela responsabilidade subjetiva, ao passo que,<br />
na scara do direito administrativo dcsinlercssa a volicüo, na medida da<br />
responsabilidade civil objetiva do Estado, aspecto em que se resolve o problema.<br />
Pode ainda, tratando-se de ¡mpetracüo de seguranca, revestir-se esta<br />
de caraler preventivo de lesüo a direito subjetivo e dirigir-se contra oniíssílo. Nesse<br />
caso, a conduta omitida pela administracao decorre de interpretacao reputada<br />
inconstitucional da leí e/ou regulamento pela autoridade impetrada e o pedido<br />
cinge-se á cessacao da omissao, consectario da respectiva tomada de posicao<br />
pela sua inconstitucionalidade, como fundamento da decisüío. Necessário observar<br />
que pedido destinado a obter pronunciamento quanto á inconstitucionalidade de<br />
esperado ato omissivo do agente apontado coator nao se confunde com pedido<br />
de declarado de inconstitucionalidade de lei. Por isso, n3o se cogita da utilizacao<br />
do writ of mandamus, na hipótese, como substitutivo da aciío direta de<br />
inconstitucionalidade. De outro lado, referindo-se a pretensao á declarado de<br />
inconstitucionalidade da própria lei de cuja interpretacao advenha a conduta<br />
negativa do agente público, tem-se por descabido o mandado de seguranca, em<br />
favor da via própria do controle de constitucionalidade concentrado: cabe ac3o<br />
direta de inconstitucionalidade.6<br />
Finalmente, registra-se a possibilidade de impetracao de seguranca<br />
contra omissao fundamentada pela autoridade, caso em que o ato editado a fim de<br />
* "Nao se revelam sindicáveis. pela via juridíco-proccssual do mandado de seguranca, os alos em (ese, assim<br />
considerados aqueles - como as leis ou os seus equivalenies constitucional?; - que dispoem sobre situacóes gerais<br />
e ímpessoals. que Icin alcance genérico e que disciplínam hipólcscs nelcs abslralamenle previstas Síunula 266/STF<br />
Precedentes. - O mandado de seguranca nao se qualifíca como sucedáneo da acáo dircta de inconstitucionalidade.<br />
nao podcndo ser utilizado, em conseqüéncia, como instrumento de controle abslrato da validade constitucional das<br />
Icis c dos alos normativos cm gcral. Precedentes. - Exclusáo de beneficio, com ofensa ao postulado da isonomia:<br />
mecanismos destinados a viabilizar a resolucáo do contlito resultante de situacáo configuradora de omissáo parcial<br />
imputávcl ao Poder Público. Análise das possiveis solucócs jurídicas " (STF - Tribunal Pleno. MS 23809 AgR / DF<br />
Reí. Min. Celso de Mello DJU 06/04/2001. p 071 )<br />
REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN 201
LEONARDO PEREIRA MARTINS, MURILLO MARTINS MÁXIMO E RAISSA DE QUF.IROZ RÍOS<br />
justiflcá-la serve de prova da eventual violacSo de direito e de termo inicial da<br />
decadencia. Válidas, no mais, as consideracSes já expendidas.<br />
Portanto, passível de correcSo pela via judicial, respeitadas as peculia<br />
ridades de cada mecanismo impugnativo (mandado de seguranca, individual ou<br />
coletivo, ac3o popular, babeas data, ac3o civil pública e outros) a omissüo da<br />
autoridade que se ache sujeita, formal ou materialmente, á prática de determinada<br />
conduta estabelecida em lei ou outro ato normativo. Por suposto, os limites do<br />
controle judicial respeitar§o, respectivamente, aos aspectos da expressüo ou do<br />
mérito cujo juízo deriva diretamente da norma cogente e indiretamente de casuísmos<br />
reveladores ou n3o da razoabilidade, relativamente á omissao que se pretenda ver<br />
suprida. Também sujeita á ret¡ficaci5o a omissSo derivada da ocorréncia de indevida<br />
intervenciío da administrado tanto física, no ambiente, quanto jurídica, no<br />
patrimonio dos administrados, cuja eventual e potencial lesividade na"o seja eficaz<br />
e prontamente controlada. Decorre, nesse caso, da própria responsabilidade<br />
objetiva do Estado.<br />
Implicacoes da ¡mpugnacáo de omissiío no prazo decadencial do mandado de<br />
seguranca<br />
517,regrageral,<br />
O prazo decadencial del 20 dias, disciplinado no artigo 18 da Lei 1.533/<br />
opera, emface de sua eficacia preclusiva, aextincao<br />
do direito de impetrar o "writ" constitucional. Nao<br />
gera, contudo, a extincao do próprio direito<br />
subjetivo eventualmente amparávelpelo remedio do<br />
mandado de seguranca ou por qualquer outro meio<br />
ordinario de tutela jurisdicional. Esse direito<br />
subjetivo resta incólume e nao se vé afetado pela<br />
consunwcáo do referido prazo decadencial, cujo<br />
' Sem desprezar abalizadas manifestaedes em contrario, com a maioria, entendemos constitucional o dispositivo<br />
citado.<br />
202 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
DA OMISSÁO ADMINISTRATIVA - REQUISITOS E HII'OTESES OH CABIMENTO DOCONTROLE<br />
JUDICIAL SOBRH A INACÁO<br />
único efeilo jurídico consiste, apenas, eni<br />
inviabilizar a uli/izacao do remedio constitucional<br />
do mandado deseguranca."<br />
Essa leitura, todavía, carece temperamento. Para efeitos de impetrado<br />
contra omissao mais adequado é considerar, sempre que ¡nexista ato administrativo<br />
concreto, inoperante a norma do mencionado artigo 18 da lei 1.533/51. Afinal, um<br />
contrario posicionamento prestigiaría a conduta do administrador desidioso e<br />
subtraíria do cidadao, sem justa causa, vía impugnativa célere e incisiva, de inegável<br />
importancia na correcao de lesSes provocadas pela administracao a direito<br />
subjetivo. Daí porque se posicionaram doutrina e jurisprudencia "no sentido de<br />
que, existindo um ato omissivo por parte da Administracao, poderá este se tornar<br />
continuo, nao se podendo falar, nestes casos, em decadencia da ac3o<br />
mandamental".9<br />
Entretanto, diversa a conclus2o, em se cuidando de omissao<br />
fundamentada pela autoridade, caso em que o ato editado com o fito de justificar a<br />
inac3o serve de termo a quo do prazo decadencia!, descaracterizando a<br />
continuidade da omissao. Na hipótese, esse lapso temporal, se implementado,<br />
haverá ser declarado, mesmo quando desrespeitada frontalmente a lei ou quando<br />
Imalidade, molivacao ou razoabilidade tenham sido maculadas.<br />
Evolucao jurisprudencial quanto á prova da omissSo.<br />
Sem olvidar da importancia da prova para viabilizacao da atividade<br />
cognitiva do juiz, especialmente a prova pré-constituída como supedáneo da<br />
seguranca, é preciso reconhecer, por razoes de natureza elementar, a inexigibilidade<br />
da demonstracao da omissao em si (a chamada prova negativa). <strong>In</strong>daga-se a respeito<br />
de como, entilo, provar, já que se trata de um requisito indispcnsuvcl para obtenerlo<br />
de resultado processual útil, a ocorréncia da omissao e a relevancia desta.<br />
O Superior Tribunal de J ustica e alguns tribunaís estaduais tém decisdes<br />
segundo as quais, a partir de deducao e generalizacüo excessivas, consideran!<br />
carecedor da ac3o de seguranca o impetrante que, com a inicial, naojuntou a prova<br />
■ STF - l*rimdra Turma. RMS 21.162 / DF. Reí. Mi». Celso de Mello. DJU 26/O6/l')
I I DNAKDOI'IUlilUAMAIMINS. MIIKM.I O MAK IINS MÁXIMO I! KAISSA DI ni II ll(()/ II IOS<br />
do ato omitido10. Em assim entendendo, acabavam por inadmitir o controle das<br />
omissñes pela via do remedio heroico. Essa jurisprudencia, todavía, acha-se, como<br />
nao poderia deixar de ser, ultrapassada, em decorréncia da superacSo dialética<br />
daqucle posicionamenlo.<br />
Tem-se, hoje, nos tribunais superiores, duas orientacñes<br />
complementares, quanto ao tema. Para o STJ, "quando se trata de ato omissivo,<br />
nao se tem como exigir do impetrante a demonstracao documental do ato"".<br />
Também a Suprema Corte entende indevida a prova da omissao propriamente dita<br />
(prova negativa), considerando suficiente a demonstracao de que a autoridade<br />
impetrada tem o poder-dever de agir. Nesse sentido, decisao destacada no<br />
<strong>In</strong>formativo STF 143/3:<br />
Tratándose de mandado de seguranza contra ato<br />
omissivo que a autoridade apontada como coatora<br />
deva praticar de oficio, é indevida a exigencia de<br />
prova a respeito da prática da omissao, bastando<br />
apenas para o impetrante a demonstracao de que a<br />
autoridade impetrada tem o poder-dever de agir.<br />
Com esse entendimento, a Turma deu provimento a<br />
recurso ordinario contra acórdao do STJ em<br />
mandado de seguranca para que, afastada a<br />
preliminar acolhida pelo acórdao recorrido - de<br />
que os impetrantes nao juntaram nenhuma prova<br />
da prática do ato omissivo -, prossiga o Tribunal a<br />
quo nojulgamento da acao como entender de direito.<br />
RMS22.032-DF, reí. Min. Moreira A Ivés, 26.3.99.'-'<br />
Fiel á orientac3o ora esposada, decidiu o Tribunal de Justica do Estado<br />
de Goiás, em recente acórdao, fazendo uso concomitante das posicoes do STJ e do<br />
STF:<br />
'" "Nílo se conhece da impetrado, á miiigun da demonstrado de qualqucr alo omissivo ou coinissivo irrogávcl ao<br />
Ministro de Cstado indicado como aiitorídnde coalora." (STJ - Terceirn Sccto. Reí. Min. José Dantas. DJ 0.V06/19%,<br />
p. 19.185). Vidc, tambán, do informativo STF 14.1/3, a segunda parte da Iranscricáo.<br />
"STJ -TerceiraSecSo. MS3609/DF. Reí. Min. AdhemarMaciel. DJU 02/10/1995,p.32.311.<br />
12 Dados transcritos do <strong>In</strong>formativo STF n" 143 (Brasilia. 22 a 26 mar/1999. ()n lim; capturado aos I9/OI/2OO3.|<br />
O destaque nSo integra o tex to original, bndereco clclrónico do documento: hllp;/An«v.stfpovbr/noticias/<br />
infomialivos/anleriores/info 143. asp<br />
204 RRVISTA JURÍDICA 1N VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN
DA OMISSAO ADMINISTRATIVA - KHOUISI IOS I I Ill-OILSIS DI: CABIMI.NTO DOCON I KOI.I.<br />
JUDICIAL SOBRE A INA(, ÁO<br />
Em sede de mandado de seguranza, a demonstracao<br />
pré-consl¡luida e documental dos falos erígese em<br />
condicao da aciio. Cuidándose, lodavia, de<br />
impetracao contra alo omissivo, nao se pode exigir<br />
do impetrante a documentando do ato em si, havendo<br />
que ser ¡nstrumentaliiada a prova por oulros nidos<br />
idóneos, também documentáis, mormenie se<br />
dessumivel dos autos que a auloridade aponlada<br />
coatora delém opoder-dever correspondente á pra-<br />
tica do alo."<br />
E de ver, aínda, que o Estado-administracao, ñas acóes ordinarias, e a<br />
própria autoridade inquinada desidiosa, se se tratar de mandado de seguranca,<br />
podem, respectivamente, na contestac3o ou ¡nformacóes, admitir a omissSo<br />
rechacada, o que faz, salvo ñas hipóteses de fraude processual, cuja soluc3o<br />
clama a incidencia do artigo 129 do Código de Processo Civil, para fins de julgamento<br />
pela procedencia do pedido ou concessao da ordcni, prova bastante14. Ja a ausencia<br />
das informacóes "favorece os argumentos do impetrante em prol de seu pedido<br />
sem, contudo, infirmar a condicao da ac3o mandamental correspondente á prova<br />
"pré-constituída"."<br />
Conclusdes<br />
O estabelecimento da disciplina jurídica e requisitos necessários á con-<br />
figuracao da omissao relevante, seja em relac3o a ato vinculado ou discricionário,<br />
é pressuposto de uma maior utilizac3o da viajudicial como instrumento de controle<br />
da ¡nac3o administrativa. Bem assim, o levantamento dos temperamentos e<br />
restriefles ao controle judicial das omissSes deve levar em conta a<br />
imprescindibilidade de, em cada caso levado ao exame do magistrado, haver<br />
razoabilidade e proporcionalidade entre a acáo em tese devida e seu reverso<br />
11 TJ-GO Quana Cinara Ciwl. APC 61907-5/189. Rcl Dcsora Bealn* Kigueiredo Franco. DJ 17/06/200:?<br />
" Didicr Je, em Iraballio colclivo, coordenado por Bueno, Alvim c Wainbicr (2002. p 373) sinlcliza a quesijo nos<br />
scpiinles icnnos "Apla a pcrai a pro\Fa. é a autoridade coalora fontc desla, sendo as ¡nformafdes o mcio pelo qual<br />
déla (lonle) se relira a prora".<br />
" TJ-GO yiuirta Cámara Cí\cl. DGJ 8487-2/195. Reí Dcsora. Bcaln/ Figiicircdo Franco Acórdao do 03/04/2003<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN 205
LEONARDO I'EREIRA MARTINS, MURIIXO MARTINS MÁXIMO 1£ RAISSA DV. QUIilROZ RÍOS<br />
reclamado, sopesando-se para o fim de deferimento da medida qual dos valores<br />
merece prevalecer. A omissao administrativa hábil a sercorrigida na via em estudo<br />
assemelha-se áquela tida por relevante pela lei penal, estabelecendo-se as principáis<br />
distincóes como derivadas das diferentes perspectivas que caracterizam a<br />
responsabilidade em cada urna dessas ramas do direito.<br />
Passível de correcSo pela via em exame a omiss2o da autoridade que se<br />
ache sujeita, formal ou materialmente, á pratica de determinada conduta estabelecida<br />
em lei ou outro ato normativo. Por suposto, os limites do controle judicial respeitarao,<br />
respectivamente, aos aspectos da expressüo ou do mérito cujo juízo deriva<br />
diretamente da norma cogente e indiretamente de casuísmos reveladores ou na"o<br />
da razoabilidade, relativamente á omissao que se pretenda ver suprida. Também<br />
sujeito á retificacao o ato omissivo derivado da ocorréncia de indevida ¡ntervencao<br />
da administracao tanto física, no ambiente, quanto jurídica, no patrimonio dos<br />
administrados, cuja eventual e potencial lesividade nao seja eficaz e prontamente<br />
controlada. Decorre, nesse caso, da própria responsabilidade objetiva do Estado.<br />
A decadencia do direito de impugnar ato omissivo pela via mandamental<br />
n3o é a regra. Ocorrerá, entretanto, desde que a omiss3o tenha sido devidamente<br />
motivada em ato administrativo, validamente expedido e publicado, em que<br />
explicitadas as razSes da ¡nac3o. No caso, a data da publicacíío serve de termo a<br />
quo do prazo a que se refere o artigo 18 da lei de regencia do mandado de seguranca.<br />
A producao da prova é responsável pela viabilizac3o da atividade<br />
cognitiva do juiz e, de conseqüéncia, pelo suprimento, por ordem deste, da omis<br />
sao, revestindo-se a demonstrado pré-constituída e documental dos fatos em<br />
cond¡c3o especial da acao mandamental. Todavia, manejado mandado de seguran<br />
ca para exercitamento de controle judicial da inac3o administrativa, torna-se<br />
inexigível, segundo orientacao do STJ, a documentacao do ato em si, havendo que<br />
ser instrumental izada a prova por outros meios idóneos, também documentáis,<br />
exceto nos casos de omissao fundamentada. Para o Supremo Tribunal Federal,<br />
importa provar que a autoridade apontada coatora detém o poder-dever corres<br />
pondente á pratica do ato negligenciado. A prova pode, aínda, ser produzida pelo<br />
Estado em sede de contestacao e/ou informacóes sendo, entao, adquirida pelo<br />
processo.<br />
206 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
DA OMISSÁO ADMINISTRATIVA - REQUISITOS V. IIII'ÓTKSI-IS Dl£ CABIMENTO DO CONTKOLi:<br />
JUDICIAL SOHRI-: A INACÁO<br />
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Luiz Flávio Gomes. 3.ed. Sa"o Paulo: <strong>Revista</strong> dos Tribunais, 2002.<br />
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de seguranca. <strong>In</strong>: ALVIM, Eduardo Amida; BUENO, Cássio Scarpinela; WAMBIER,<br />
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FIGUEIREDO, Lucia Valle. Mandado de Seguranca. 3.ed. Sao Paulo: Malheiros,<br />
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MORAES, Alexandre de. Direito Administrativo Constitucional. Sao Paulo: Atlas,<br />
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tributaria e de financas públicas, Sao Paulo, n.° 33, p. 17-57. jul./ago. 2000. [Ed.<br />
<strong>Revista</strong> dos Tribunais]<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 207
LEONARDO PEREIRA MARTINS. MURI1.LO MARTINS MÁXIMO I: RAISSA DE QUEIROZ RÍOS<br />
Sites:<br />
wuw.stf.gov.br<br />
w\v\v.stj .gov.br<br />
www.tj.go.gov.br<br />
208 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS ti. <strong>15</strong> - UFRN
O ESTADO FEDERAL E OS LIMITES AO PODERCONSTITUINTE DOS<br />
I. <strong>In</strong>troducto.<br />
ESTADOS: O PRINCIPIO DA SIM ETRI A.<br />
Rafael César Coelho dos Santos.<br />
Académico do 5o Período do Curso de Direito - UFRN.<br />
O trabalho ora apresentado aborda a questüo da Federac3o dentro da<br />
realidade constitucional brasileira. Cuida, mais precisamente, de evidenciar as es-<br />
truturas da engenhosa construcao normativa que é o Estado Federal, volvendo-<br />
se, primordialmente, para o descobrimento dos mecanismos postos pela<br />
Constituido de 1988 ou déla deconrentes para assegurar a unidade normativa da<br />
Federacño.<br />
Com esse desiderato, este estudo trata dos principios tradicionalmente<br />
apontados pela doutrina como limites ao Poder Constituinte dos Estados, ou seja,<br />
limites á capacidade de auto-organ¡zac.2o dos Estados, consubstanciada na com<br />
petencia de darem-se suas próprias Constituicoes. Dentre todos os principios,<br />
merece especial atencSo o principio da simetría, que, embora abundante na<br />
jurisprudencia do Supremo Tribunal Federal (STF), carece de exame pelos juristas.<br />
Despido de maiorcs pretensoes, este estudo intenta atrair os olhares da doutrina<br />
constitucional para a problemática da Federac3o, sobretudo, lancando luz sobre<br />
aspectos desta que, nao obstante de relevada importancia, demandam anal ¡se<br />
mais detida dos juristas, como é o caso do principio da simetría.<br />
2.0 Estudo Federal: "a unidade díalétíca deduas tendencias contraditórias: a<br />
tendencia á unicidade e a tendencia á diversidade".<br />
O Estado Federal ou Federac3o é forma de Estado, sob ponto de vista<br />
histórico, assaz recente. Nasceu com a Constituicüo dos Estados Unidos da América<br />
de 1787 c baseia-se na untáo de coletividades públicas dotadas de autonomía<br />
político-constitucional, autonomía federativa.(Silva, 2002, p.99). A primeira<br />
Constituido republicana, de 1891, adotou a Federac3o como a forma do Estado<br />
brasilciro, rompendo com o Estado Unitario do Imperio, e tal configuracüo do<br />
modo do exercícío do poder político em funcüo do territorio do Estado tem se<br />
mantído ñas subseqüentes ConstituicÓes brasileiras. Assim quís também o<br />
Constituínte de 1988. Com efeito, a Constituyo Federal (CF), em seu art. Io,<br />
estabelece, in verbis: "A República Federativa do Brasil, formada pela uniao<br />
indissolúvel dos Estados e Municipios1 (...)".N3o bastasse isso, o constituinte de<br />
1988 coloca a forma federativa de Estado no rol das chamadas cláusulas pétreas<br />
RF.VISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 209
RAFAEL CÉSAR COELIIO DOS SANTOS<br />
(art. 60, § 4o), núcleo de principios imutáveis do Diploma Supremo, dando, portanto.<br />
prova de sua enorme importancia dentro sistema constitucional brasileiro.<br />
Conforme dito ácima, a Federacao nSo é sen3o urna configuracao do<br />
modo do poder político em func3o do territorio e, some-se a isso, que se caracteriza<br />
pela difusSo territorial desse poder entre ¡numeras organizacSes governamentais.<br />
A questao da divisao do poder político é deveras a pedra de toque do Estado<br />
Federal e fonte inesgotável de tensóes dentro da estrutura federal. Mais claramente,<br />
o Estado Federal coloca em permanente confronto dois polos de poder: a Uni§o e<br />
os Estados. No nosso país, esse embate se prolonga desde o advento da<br />
Constituido de 1891, que primeiro introduziu o Estado Federal aqui, chegando<br />
aos dias contemporáneos com toda a vivacidade e envergadura que sempre o<br />
caracterizam. Daí, porque imputamos a essa forma de Estado a nota dominante de<br />
"a unidade dialética de duas tendencias contraditórias: a tendencia á unicidade e<br />
a tendencia á diversidade", qualificac^o soberba de García Pelayo (Horta, 1995, p.<br />
346), conforme haja prevaléncia, respectivamente, do Estado central ou dos Estados-<br />
membros - na terminología corrente entre nos, respectivamente: Uni3o e,<br />
simplesmente, Estados.<br />
3. A Federacao, de um ponto de vista jurídico: realidade complexa.<br />
Consoante tivemos dito, a Federacao carrega em si um entrechoque de<br />
poderes: de um lado, a Unuío e, de outro, os Estados. Para os objetivos desse<br />
estudo, concentremo-nos apenas na fe¡c2o jurídica desse embate de forcas; em<br />
outros termos, detenhamo-nos em analisar de que forma o Direito canaliza, limita e<br />
compoe os conflitos naturaís, porquanto inerentes, do modelo de Estado Federal.<br />
Sem embargo, a nossa pesquisa volve-se particularmente para o entendimento da<br />
problemática referida, dentro do quadro do ordenamento jurídico brasileiro, n3o<br />
obstante, muito do que aqui for versado se aplique a outros exemplares de Estado<br />
Federal.<br />
A doutrina mais abalizada a versar sobre sua estrutura, a saber,<br />
n de Kiiul Machado I loria, enxcrga ¡i Fedcracilocomoconslriicflojiírídico-poliliea<br />
complexa, e explica:<br />
1 C) presente trabalho nflo pretende abordar questoes alíñenles á posicáo do Municipio na Consliluicüo Federal<br />
de 1988; prende-se tüo-somenlc a análise de questdes relacionadas ao Estado, como se vera<br />
210 REVISTA JURÍDICA IN VI-RUIS m. <strong>15</strong> UI-RN
O KSTAIX) I I.DERAL E OS LIMITES AO PODER CONSTITUINTE DOS ESTADOS:<br />
O I'RINCiPIO DA SIMETRÍA<br />
A organizacao do Estado Federal é tarefa de<br />
laboriosa engenharia constitucional. E que o<br />
Estado Federal requer duplo-ordenamento,<br />
desencadeando as normas e as regras próprias a<br />
cada um. Refiro-me ao ordenamento da Federacao<br />
ou da Uniao e aos ordenamentos jurídicos dos<br />
Estados-Membros. (Horta, 1995. p. 346).<br />
Com a devida licenca, modificaría em breves traeos a estrutura proposta<br />
pelo autor. Em vez de um duplo-ordenamento, haveria sim urna pluralidade de<br />
ordenamentos no seio do Estado, configurados em doís ámbitos, a saber: (a) os<br />
ordenamentos parciais dos Estados-membros — que senio tantos quantos forem<br />
esses Estados —. cada um com sua Constituic3o Estadual e normas infra-<br />
constitucionais, decorrentes daquela; (b) o ordenamento central, formado pela CF<br />
ou da Uniao e pelas demais normas ¡nfra-constitucionais, que decorrem daquela,<br />
incidindo sobre todo o territorio e populado da Federacao no seu conjunto -<br />
portanto, sobre os próprios ordenamentos parciais, aludidos ácima.<br />
É o que evidencia, com peculiar clarividencia, José Horacio Meirelles<br />
Teixeira, ao desnudar a estrutura da Federacao, vista da perspectiva do individuo<br />
que nela vive:<br />
Caracterizase o Estado Federal, ou a forma<br />
federativa de governo, quando num territorio, e<br />
sobre as mesmas pessoas, simultánea e<br />
harmónicamente, existem dois ordenamentos<br />
jurídicos e se exercem duas categorías de governos<br />
— o central e os regionais —, cujos poderes sao<br />
distribuidos por unía constiluicao rígida. (Teixeira,<br />
1991,p. 621).<br />
Ademáis, conforme alude Meirelles Teixeira, o Estado Federal n3o pode<br />
prescindir de urna Const¡tu¡c3o rígida. "A Constituic3o Federal é o instrumento de<br />
criacao jurídico-positiva do Estado Federal, encerrando a decisao fundamental<br />
sobre a forma do Estado" (Horta, 1995,377), sendo, portanto, a existencia de urna<br />
Constituido rígida o elemento que viabiliza a coexistencia dos Estados e da Uniao<br />
dentro da Federacao. Com efeito, n3o se concebe a Federacao em que os direitos<br />
REVISTA JURÍDICA IN VIÍRBIS n. <strong>15</strong> - UFRN<br />
211
RAFAEL CÉSAR COELHO DOS SANTOS<br />
e prerrogativas dos governos regionais pudessem ser restringidos ou mesmo<br />
suprimidos por Ie¡ ordinaria do poder central. Ou seja: Constituicao rígida e suprema<br />
é elemento indispensável do conceito de Estado Federal (Teixeira, 1991, pp. 621 -<br />
622).<br />
Contudo, cumpre evidenciar que de muito pouco Valeria a própria CF,<br />
dentro da arrojada arquitetura normativa da Federacao, ainda que revestida de<br />
suas qualidades de rigidez e supremacía, se n2o houvesse mecanismos que<br />
garantissem a mantenca de suas dísposic5es quanto á divisSo do poder político -<br />
e normativo, conseqüentemente - entre a Untáo e os Estados. Como aludido<br />
anteriormente, a forma Federal do Estado carrega em si um entrechoque de dois<br />
polos de poder, a Uniao e o Estado, o que constituí urna fonte incessante de<br />
conflitos que, sem tregua, intentam contra a hígidez do "sistema" federativo, ao<br />
acodar os dispositivos constitucionais que sustentam o pacto federativo. No que<br />
toca ao aspecto especificamente jurídico da Federacao, ao Supremo Tribunal Federal<br />
cabe solver as quest6es relacionadas ao equilibrio e a harmonía entre os diversos<br />
ordenamentos parciais e o ordenamento central. Em outras palavras: o Supremo<br />
Tribunal é o intérprete supremo da Constituicao e a ele compete solucionar os<br />
conflitos entre os Estados-membros e o Estado Federal, mediante o controle de<br />
constitucionalidade das leis (Teixeíra, 1991, p.622).<br />
4. A autonomía dos Estados-membros:<br />
A autonomía dos Estados-membros e a reparticao de<br />
competencias2 sño os dois elementos essencíais da idéia de Estado federal. Na<br />
prática, a autonomía manifesta-se sob tres aspectos distintos: (a) auto-organizacao,<br />
que significa a capacidade de elaborar a própria Constituicao, chamada Constituicao<br />
Estadual, medíante o exercício do poder constítuinte estadual; (b) autogoverno,<br />
que se traduz na capacidade de escolha dos agentes públicos que exercerao as<br />
func5es de legislar, julgar e administrar, constitucionalmente referidas; por fim, (c)<br />
auto-administracao, que designa a capacidade de aplicar as leis por órgaos próprios,<br />
bem como prestar os servicos públicos da competencia estadual. (Barroso, 1993,<br />
p.323).<br />
; Nao c preteusSo do presente esludo abordar lodos os aspectos do Eslado federal, nem seria possivel faze-lo em 13o<br />
exiguo espaco. Para conhecer com inaior profundidade outros aspectos atinentes n essa forma de Estado, confronte<br />
a bihliograíin especializada listada ao fun deste trabalho.<br />
212 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN
l SIAIX) II DI KAI I OS1 IMIII S AOI"OI>rR C'ONSIirilINTI-. 1X)S IMAIX)S<br />
o I'KINC II'KIDA SIMI IKIA<br />
A capacidade de auto-organizando é o primeiro elemento da auto-<br />
nomia esladual. lista consagrado no capul do artigo 25 da CF de 1988, que estabe-<br />
Icce: Os Eslailos oryanttim-se e re^em-se pelas Consliluicñes que adataren!,<br />
observados os principios desleí Conslitiiicao. Ao niesmo tempo, esse dispositivo<br />
assenUí ;i capacidade dos Estados de elaborarem suas Constitu¡96es, organizando<br />
internamente os órgííos supremos de governo local e, igualmente, evidencia que<br />
essa ciipatidade ¡uilo-organi/acao iiilo é ilimitada, posto que encontra balizas na<br />
própria l.ei Magna du FederacSo. Em outros termos: o referido dispositivo exprime<br />
o tato de que o Poder Constituinte Kstadiml. cuja existencia decorre do referido<br />
preceilo du CF, c, por ¡sso, chamado de l'oder Conslituinte üecorrente (Silva, 2002.<br />
p. 591) goza de liberdade relativa, porquanto balizada por principios constantes da<br />
CF. O nunca demasiadamente citado José Afonso da Silva explica que o Poder<br />
Constituidlo dos Lstados, pressuposto da auto-organizado e manifestacüo, eni<br />
última análise. da autonomía, pode ser definido:<br />
como poder próprio dentro de uní circulo truco<br />
por nutro |o Poder Constituinte Originario, fonte da<br />
CF]. pressupoe un niesmo uma zona de<br />
auiodelerniinacüo. que é propriamente autónomo,<br />
e uní conjunto de lim ¡lardes e determinantes<br />
jurídicas extrínsecas, que é o heterónomo. (Silva.<br />
2002. p. 591) (acréscimo inserido).<br />
A doutrina tradicional já desnudou grande parte dos principios<br />
limitadores do l'oder Constituinte dos Estados. Contudo, resta aínda uma gama de<br />
determinantes jurídicas extrínsecas, para utilizar a acertada terminología do grande<br />
José Afonso. cuja exala dellnicüo do sentido demanda o estudo dos juristas. S2o<br />
limites cuja índole lugidia e etérea reclama percuciente observado científica a finí<br />
de descobrir-lhcs os traeos dominantes e, assim, constituir-lhes a fisionomía.<br />
O présenle Irabalho perpassu u temática, já tradicional na doutrina. dos<br />
principios que ¡mpoe restricoes á capacidade de auto-organizacSo dos Estados.<br />
Contudo. vai mais além: debruca-se lambém sobre principio, aínda descuidado<br />
pela doutrina, a que a jurisprudencia do STF (STF) denomina principio da simetría<br />
constitucional.<br />
RIVISIA JURÍDICA IN VCKBIS ji. <strong>15</strong> UI'RN 213
RAÍ Al 1.t tSAK C()i;l.HO IX)S SANIOS<br />
5. Limites ao Poder Constituirle dos Estados.<br />
A pesquisa no texto constitucional é o único meio de se conhecer os<br />
limites impostos pelo Constituinte de 1988 ao poder de auto-organizacao dos<br />
Estados. Com ef'eito, os principios constitucionais que consisten! em determinantes<br />
extrínsecas do Poder Constituinte Estadual est3o dispersos por toda a extensSo<br />
do texto magno, sendo, portanto, sua identificacüo completa tarefa extenuante e<br />
despropositada. Á vista dessa constatado, a doutrina de José Afonso da Silva<br />
classifica esses principios em dois grupos: os principios constitucionais sensiveis;<br />
os principios constitucionais estabelecidos (Silva, 2002, p. 592).<br />
5.1. Os principios constitucionais sensiveis.<br />
Os principios constitucionais sensiveis sao aqueles que est3o<br />
enumerados no art. 34, VI I, da CF. Diz-se deles sensiveis, tanto porque fácilmente<br />
percebidos pelos sentidos, ou seja, s3o claros, evidentes, visíveis e manilestos,<br />
bem como, porque, quando violados, ensejam reacio, no a fim de assegurar sua<br />
observancia. Compreendem principios do mais alto coturno no nosso sistema<br />
constitucional, e que, por isso mesmo, quando desobedecidos, abrem espaco á<br />
atuacjo de seu mecanismo de defesa, qual seja, a ¡nten
O tSTADO FEDIiRAL E OS LIMITES AO PODER CONSTI lUINTIJ DOS ESTADOS:<br />
O PRINCIPIO DA SIMETRÍA<br />
93, 94, 95 e 125; os principios sobre organizac,áo e<br />
competencia do Ministerio Público (Silva, 2002, p.<br />
594-598).<br />
6.0 principio da simetría constitucional.<br />
O exame da jurisprudencia do STF, em sede de ac2o direta de<br />
inconstitucionalidade (ADIN) que verse sobre confuto de normas de Constituido<br />
Estadual em face da CF, revela a aplicacüo diuturna do principio da simetría<br />
constitucional ou, simplesmente, principio da simetría. Embora figura quase<br />
onipresente nos arrazoados das partes e votos dos Ministros, tal principio conserva<br />
se olvidado pela doutrina especializada. Cumpre, pois, investigar-llie a atuacüo<br />
para descobrir qual o seu papel dentro do quadro de límitac.5es ao Poder Constituinte<br />
dos Estados e, em última análise, na configurac.ao mesma da FederacSo brasileira.<br />
Primeiramentc, cabe assinalar que o principio da simetría ó aplicado<br />
tao-somente a casos em que se cotejam Constituicao Estadual e a CF. Consoante<br />
dito ácima, o principio em causa consiste em limite ao Poder Constituinte dos<br />
Estados, tendo, portanto, como fundamento lógico, a noc3o de supremacía da CF,<br />
dentro da estrutura normativa da Federac3o. Assim, o referido principio tem como<br />
ámbito de atuacüo a afericao da compatibilidade da Constituicao Estadual á CF.<br />
Antes de qualquer outro passo, é preciso evidenciar que o principio da<br />
simetria tem como pressuposto a noc.ao de que a forma de organizac^o da Uniao é<br />
o modelo a ser almejado pelo Estado. Deveras, sobre limitar o Poder Constituinte<br />
do Estado, tal principio adstringe o Constituinte estadual ao deverde dar feicao á<br />
organ¡zac3o do Estado similar (ou análoga) áquela da Uniao sempre que a CF n3o<br />
disponha específicamente acerca de certo aspecto da Constituíc.30 Estadual. Veja<br />
se, por exemplo, a ADIN 678-9, em que o STF afirma, por unanimidade, a<br />
"extensibilidade do modelo federal" á organízac.a'o dos Estados:<br />
EMENTA: CONSTITUCIONAL GOVERNADOR<br />
DO ESTADO: AUSENCIA DO TERRITORIO<br />
NACIONAL POR QUALQUER PRAZO: EXIGENCIA<br />
DE AUTORIZACAO DA ASSEMBLÉIA<br />
LEGISLA TI VA: INCONSTITUCIONA LIDA DE.<br />
Constituicüo do Estado do Rio de Janeiro, inc. IV<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 2I5
RAIAUL CESAR COKI.HO DOS SANIOS<br />
do arl. 99; § I"do arl. 143. Constituiciio Federal,<br />
arl. 49, III.<br />
I. - Exlensibilidade do modelo federal—CE.<br />
arl. 49, III — aos Eslados-membros: a autorizacdo<br />
previa da Asseinhléia Legislativa para o<br />
Governador e o Vice-Governador se ausentaren! do<br />
territorio nacional será exigida, se essa ausencia<br />
exceder a quinze dias.<br />
¡I .-Acao direta de inconstitucionalidade<br />
julgadaprocedenle.(ADlU 678-9/RJ. STF. Reí.: Min.<br />
Carlos Velloso. Tribunal Pleno. Decisño: 13/11/2002.<br />
D.J. l9.l2.2002)(Grifonosso).<br />
A análise da jurisprudencia do STF revela ainda que esse principio se<br />
dirige a uma categoría específica de normas constitucionais, nomeadamente, as<br />
normas constitucionais de organizacao, segundo classificacao proposta por Luís<br />
Roberto Barroso. De forma geral, pode-se dizer que tal categoría de normas tem por<br />
objeto organizar o exercício do poder político, ao estabelecer o estatuto da<br />
organizagSo do Estado, partilhar atribuic5es, criar órgSos e disciplinar a aplicado<br />
de outras normas (Barroso, 1993, p.91). Ademáis, o brilhante constitucionalista<br />
refere-se ás normas constitucionais de organizacao como sendo todas aquelas<br />
que, "a despeito de alguma variacao no seu objeto, apresentam um trago típico<br />
comum: sSo dirigidas aos órgSos públicos e pressupostos da apl¡cac3o das demais<br />
normas" (Barroso, 1993, p. 89). É, justamente, sobre o terreno das relacóes entre<br />
normas constitucionais de organizacao da CF, de um lado, e as normas<br />
constitucionais de organizado da Const¡tu¡c3o Estadual, de outro, que incide o<br />
principio da simetría, aferindo a compatibilidades entre urnas e outras. A seguir,<br />
veja-se exemplo de incidencia do principio em tela:<br />
EMENTA: AQÁO DI RETA DE<br />
INCONSTITUCIONALIDADE CONST/TU/CAO DO<br />
ESTADO DO RIOGRANDE DO NORTE. CONCES-<br />
SAO DE VANTAGENS PECUNIARIAS A<br />
SERVIDORES PÚBLICOS. SIMETRÍA. VICIO DE<br />
INICIATIVA.<br />
I. As regras de processo legislativo previstas na<br />
216 REVISTA JURÍDICA INVF.RBIS n. <strong>15</strong>-UFRN
O ESTADO FEDERAL E OS LIMITES AO PODER CONSTITUINTE DOS ESTADOS:<br />
O PRINCÍPIO DA SIMETRÍA<br />
Carla Federal aplicam-se aos Estudos-membros,<br />
inclusive para criar ou revisar as respectivas<br />
Constituicoes. <strong>In</strong>cidencia do principio da simetría<br />
a limitar o Poder Constituíate Estadual decorrente.<br />
2. Compele exclusivamente ao Che/e do Poder Exe-<br />
cutivo a iniciativa de leis, lato sensu, que cu ideni<br />
do regimejurídico e da remuneracao dos servidores<br />
públicos (CF artigoó I, §Io, II, "a " e "c " c/c artigos<br />
2"e25). Precedentes.<br />
<strong>In</strong>constitucionalidade do §4° do artigo 28 da Constituido do Estado<br />
do Rio Grande do Norte.<br />
Acaoprocedente.(ADIN 1.353-O/RN. STF. Reí.: Min.<br />
Mauricio Correa. Tribunal Pleno. Dec¡s3o: 20/03/<br />
2003. D.J. 16.05.2003) (Grifo nosso).<br />
Na mesma ADIN 1.353-0, pode ser percebida outra nota marcante do<br />
principio em causa: o seu caráter subsidiario ou suplementar. Aplica-se, portante<br />
apenas á falta de principio estabelecido ou sensível da CF, que imponha certo<br />
formato á organizacao do Estado-membro. Em outros termos: o principio da simetría<br />
constitucional é invocado apenas quando a CF nao contém dispositivo que defina<br />
qual a organizafao dos Estados; assume, pois, func,3o suplementar em relac3o aos<br />
principios sensíveis e estabelecidos na tarefa de conformar a Constituícao Estadual<br />
ao modelo consubstanciado na CF.<br />
Acerca do caráter suplementar do principio, é bastante elucidativa a<br />
ADIN N. 452-2, de 28 de agosto de 2002, de que foi relator o Ministro Mauricio<br />
Correa. De fato, aquí o STF, por unanimidade de votos, declarou a<br />
inconstitucionalidade de dispositivo da Constituicao do Estado do Mato Grosso<br />
que seguía o modelo de nomeacao do Procurador-Geral da República (art. 128, §1°,<br />
da CF), aplicando-o á nomeac.ao do Procurador-Geral de Justina do Estado, quando<br />
havia dispositivo específico, na CF, a estabelecer a forma de nomeacao deste (art.<br />
128, §3°). Decidiu a Suprema Corte, ent3o, pela nao-apl¡cac3o do principio da<br />
simetría. A saber:<br />
EMENTA: ACAO DIRETA DE<br />
INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUICAO DO<br />
ESTADO DO MATO GROSSO. COMPETENCIA DA<br />
REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN 2I7
7. Consideracóes fináis.<br />
RAFAEL CÉSAR C0ELI10 DOS SANTOS<br />
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA PARAAPROVARA ES-<br />
COLHA DOPROCURADOR-GERAL DE JUSTINA.<br />
INCONSTITUCIONALIDADE<br />
1. A escolha do Procurador-Geral da República<br />
deve ser aprovada pelo Senado
ni NI Al (O I I DI KAI I (IS I IMIII NAO I'ODI.K CONSIII UIN IL IX)S I SIADOS<br />
O l'KINt IIMl) DA SIMIITRIA<br />
ai) Poder Constítuiíue do lisiado, sobretudo. o principio da simetría. Chegava-se.<br />
entüo. ¡id ponió culminante deste trabalho, urna vez que o referido principio pode<br />
ser entendido como bal i/.a máxima á capacidade de aulo-organizacao do F.slado.<br />
vinculando este, vía de regia, ao transplante do modelo da Uníao para sua<br />
Consl¡<strong>In</strong>icuo própria. I. hem verdade que suas feicóes Ibrani tüo-somentedelineadas.<br />
Tao-somcnie delineadas sim. tendo em vista que o presente estudo, em virtude da<br />
brevidaele que reclama. n3o logrou explicitar-lhe toda a fisionomía e revelar-lhe a<br />
compostura. Cornudo, ressaltou seus caracteres mais marcantes, conforme a<br />
utilizacao que Ihe tem sido dada pela jurisprudencia caudalosa do STF, os quais<br />
ser3o novamente evocados para finalizar a o trabalho: (a) aplica-se apenas na<br />
averiguaeflo da adequacüo das normas da CE as normas da CF; (b) tem como<br />
pressuposto a nocüo de que a forma de organizacSo da Uniao constituí modelo<br />
para os l.slados; (c) dírige-se apenas ás normas constitucional de organizado;<br />
(d) subsidiariedade. porquanlo invocado apenas quando da falta de principio<br />
sensível ou estabelecido correlato.<br />
8. Referencias bibliográficas.<br />
1. BARROSO. Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas nor<br />
mas: límites epossibilidades da Constituicáo brasíleira. Río de Janeiro: Renovar.<br />
1993.<br />
2. BONAVIDF.S. Paulo. Ciencia política. 3 a ed. Rio de Janeiro: Forense. 1976.<br />
3. HORTA. Raúl Machado. F.studos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del<br />
Rey. IW5.<br />
4. ROSA. Viarcio I einando I ilias.l'riiicipioscoiislituciomiis na conccpvAusistéiiiicu<br />
do ordena mentó jurídico. <strong>Revista</strong> de direito constitucional e internacional, n. 39, p.<br />
l89-2()X.¡ibril-¡iinlH).2()()2.<br />
5. SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 2 Ia ed. S3o<br />
Paulo: Malheiros. 2002.<br />
6. TEIXlilRA, José I lorácío Meirelles. Curso de direito constitucional. Texto re-<br />
vistocaiuali/iidorHir María (¡arda. Rinde Janeiro: Forense Universitaria. 1991.<br />
RFVIS'I \ JURÍDICA IN Vr.RUISn. <strong>15</strong> UI'RN 2|t)
H (<strong>Revista</strong> <strong>Jurídica</strong> <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong><br />
QUESTIONÁRIO DESTINADO AOS PROFESSORES<br />
PARA AVALIACÁO DOS ARTIGOS<br />
PROFESSOR AVALIADOR:<br />
TÍTULO DO ARTIGO AVALIADO:<br />
INTRODUCAO:<br />
1.1. O plano e o propósito do trabalho foram delineados sucintamen<br />
te?<br />
1.2. Outras observacóes sobre a ¡ntroducáo:<br />
DESENVOLVIMENTO:<br />
1.3. As idéias foram encadeadas de maneira clara, objetiva e coeren-<br />
te?<br />
1.4. Existe alguma especie de raciocinio falacioso?<br />
1.5. Existe algum assunto ou tópico que deveria ter sido melhor explo<br />
rado ou desenvolvido? Alguma sugestáo?<br />
1.6. Existe algum tópico que deve ser acrescentado?<br />
1.7. Existe algum tópico que deve ser suprimido?<br />
1.8. Outras observacóes sobre o desenvolvimento:<br />
CONCLUSÁO:<br />
1.9. As conclusóes e recomendacóes fináis foram decorrentes dos<br />
argumentos e/ou fatos apresentados?<br />
1.10. O trabalho trouxe algo de novo (abordagem, conceitos, etc.) sobre<br />
o assunto?<br />
1.11. Outras observacóes sobre a conclusáo:<br />
OUTRAS OBSERVACOES RELEVANTES SOBRE O ARTIGO:<br />
1.12. O autor selecionou bibliografía adequada? Soube utilizar tais refe<br />
rencias doutrinárias para subsidiar sua argumentacáo?<br />
1.13. O autor se preocupou em ilustrar (se o tema assim o permitir)<br />
seus pontos de vista com jurisprudencia atualizada sobre o as<br />
sunto?<br />
O ARTIGO É MERECEDOR DE PUBLICAQÁO NA REVISTA JURÍDICA "IN<br />
VERBIS"? (sim/náo):<br />
Observacóes adicionáis sobre o artigo:<br />
Nota do artigo:<br />
MEMBRO DO CONSELHO EDITORIAL RESPONSÁVEL PELO ARTIGO<br />
--° RTVISTA JURÍDICA IN VI RUIS n. I 5 UIKN
REGRAS PARA PUBLICACÁO DE ÁRTICOS NA IN VERBIS<br />
Cnnítulo I- DAS DISPOSICÓESCERAIS<br />
Art. 1°. A revista jurídica <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>, de periodicidade semestral e sem ílns lucrativos,<br />
publica artigos referentes á área jurídica. A revista publicada no primeiro semestre<br />
do ano abordará os mais diversificados temas; já no segundo semestre, o periódico<br />
restringir-se-á a um único tema.<br />
Parágrafo único. O tema da revista do segundo semestre será estabelecido de<br />
acordó com os criterios estipulados pela Comissao Editorial e que deverño<br />
exteriorizar, na medida do possível, a participado do alunado na elaborado da<br />
revista. Na delimitacáo do tema buscar-se-á sempre aprofundar ramos jurídicos de<br />
maior necessidade de pesquisa por parte do corpo discente.<br />
Art. 2°. Serüo aceitos somente artigos inéditos, nao implicando remunerac.30,<br />
remessa, devolucSo ou publicac,ao dos trabalhos.<br />
Parágrafo único. A Comissao Editorial afastará o trabalho que souber,<br />
comprovadamente. ter sido publicado ou divulgado, anteriormente á publicado<br />
da <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>, em qualquer local ou através de qualquer mcio.<br />
Art. 3". Na aplicado das regras para publicac.ao de artigos na <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>, a Comissao<br />
Editorial atuará sempre com imparcialidade, independencia e estimulando a<br />
produc3o científica do maior número possível de estudantes.<br />
Art. 4o. A Comissao Editorial é composta por membros do corpo discente da<br />
UFRN. cuja func.3o é a de coordenar o processo seletivo e decidir sobre eventuais<br />
controversias surgidas no interregno deste processo.<br />
Parágrafo único. Os componentes da referida Comissao s3o: Alinne Luise<br />
Cavalcanti da Silva, Bruno Barcellos Cavalcante, Daniel de Oliveira Araújo, Danielly<br />
Cruz Miranda, Fernanda Braga Ramalho, Marcella Régo de Carvalho, Matusalém<br />
Jobson Bezerra Dantas, Max Bruno Alves, Orquimary Jucara Rafael Siqueira e<br />
Paulo Sergio Pereira dos Santos.<br />
Capitulo 11-DAADIV1ISSIBILIDADE IX) ARTIGO<br />
Art. 5°. Os trabalhos, obrigatoriamente redigidos em portugués, sob a forma de<br />
artigocieniillco.com no mínimo 4 (quatro)e no máximo 12 (doze) laudas, dcverüo<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 221
ser entregues á Comissüo Editorial, em 02 (duas) versóes impressas. acompanhadas<br />
de 02 (duas) versOes inseridas em disquetes distintos, gravados em editor de texto<br />
compativel com "Word for Windows", vers3o 6.0 ou superior.<br />
§ Io. Deverño ser obrieatoriamente adotadas as seguintes margens: esquerda e<br />
superior. 3cm; direita e inferior, 2,5cm. O parágrafo devera ser de 1,5cm e o espaco<br />
entre linhas do texto será simples. O lamanho do papel a ser utilizado é o A4. A<br />
fonte será a "Times New Román", e seu tamanho 12 (doze).<br />
§2°. A versüo impressa também será verificada, em confronto com a versüo em<br />
disquete, inclusive quanto aos parámetros numéricos, medidos com régua<br />
milimetrada.<br />
§3°. Na versüo impressa NAO deverá constar o nome do autor. No entanto, este<br />
será exigido ñas versSes em disquete e na parte exterior deste, com a identificacüo<br />
do titulo do trabalho, regra cuja desobediencia implicará em eliminacSo sumaria do<br />
artigo.<br />
Art. 6o. As folhas do trabalho deverSo ser obrigatoriamente numeradas desde o<br />
inicio (primeira página), constando o algarismo arábico do alto da página, á direita.<br />
Art. 7o. Os trabalhos devera"o incluir:<br />
I - título e subtítulo (este, se houver):<br />
II - nome(s) completo(s) do(s) autor(es) (somente ñas versfles em disquete);<br />
I11 - filiacüo científica, que indicará a Universidade, o período ou eventual bolsa ou<br />
monitoria (somente ñas versOes em disquete);<br />
IV - texto propiamente dito com os seguintes cuidados:<br />
a) siglas e abreviacOes, ao aparecerem pela primeira vez no trabalho serflo precedidas<br />
do nome por extenso e depois colocadas entre parénteses; na repeticSo deverá ser<br />
utilizada apenas a sigla sem os parénteses. Ex.:"(...) consoante prega a Lei da AcSo<br />
Civil Pública (LACP), o Ministerio (...), dessa forma, é assim que a LACP diz ser<br />
válida (...)";<br />
b) a chaceo bibliográfica de texto inserido no artigo, se houver, deve seguir o<br />
seguinte excmplo: "Tradicional a classificacao das normas constitucional, dada<br />
•>■}-><br />
REVISTA JURÍDICA IN VIRRIS n. <strong>15</strong>-UFRN
por José Alonso da Silva em relac.au a sua aplicahilidadc cm normas de eficacia<br />
plena, comida e limitada"(Moraes. 2000. p.31)):<br />
c) quando nao ultrapassarem 03 (tres) linhas. as citacoes deverüo ser inseridas no<br />
próprio parágrafo; caso contrario. deverüo ser destacadas, sem a utilizacao de<br />
aspas e em itálico, com fonte Times New Román tamanho 11 e observando-sc o<br />
recuo de 4cm a contar da margem esquerda;<br />
d) Notas de rodapé poderüo ser incluidas, numeradas seguidamente e laucadas ao<br />
pé da página em que estiver o respectivo sinal de chamada. Elas terüo a funcüo de<br />
aprofundar e/ou esclarecer um assunto do texto, jamáis trazendo referencias<br />
bibliográficas. A presentado tamanho IO(dez)de fonte "Times Ncw Román";<br />
e) Referencias a julgados deverüo ser feitas, preferencialmente, utilizando-se das<br />
notas de rodapé. As respectivas ementas ou trechos da decisüo deverüo identificar<br />
perfcitamante a fonte consultada, de acordó as normas técnicas relativas á utilizacío<br />
de referencias jurisprudenciais em artigos científicos.<br />
Arl. 8". No final do texto deverüo constar obrigatoriamcntc as REFERENCIAS<br />
BIBLIOGRÁFICAS, obedecendo-se ao que segué:<br />
I - serüo dispostas na ordem alfabética, de acordó com o sobrenome dos autores;<br />
II - sendo publicacüo avulsa (livro, folheto, tese e afins), respeitar-se-á a seguinte<br />
ordcm: sobrenome do autor, preñóme, titulo da obra, local, editor e data;<br />
III - se publicacüo de periódico, a ordem é a seguinte: sobrenome do autor, preñóme,<br />
título do artigo, nome do periódico, indicacüo do volume. número, páginas inicial<br />
c final, data da edicüo (día. mes e ano);<br />
IV - se for utilizada obra proveniente da <strong>In</strong>ternet, a referencia atenderá o excmplo:<br />
DANTAS. Múcio Vi lar Ribeiro. Parecer acerca da succssüo municipal no municipio<br />
de Encanto. <strong>In</strong>. Jurisnet: httpy/www.truenet.com.br/jurisnet, 02 de agosto de 1998.<br />
A data corresponde ao dia em que a página virtual foi acessada.<br />
Art. 9o. A desobediencia ao preceituado no artigo 5o e/ou 7o, alinea "c", excluirá de<br />
¡mediato o añino do processo seletivo. salvo decisáo em contrario da Comissüo<br />
Editorial, quando o absoluto respeito a tais formalidades inviabilizar a publicacüo<br />
da revista e nflo houver prejuízo para os que subnieterani seus trabalhos ao referido<br />
processo.<br />
revista jurídica in vi-:i
Parágrafo único. Nos demais casos de irregularidades formáis, o artigo participará<br />
do processo seletivo. sendo, poréni, preterido cm relacao aos que estejam totalmente<br />
em conlbrmidade com as presentes regias, configurando-se destarte, no primeiro<br />
criterio de desempate a seraplicado(art. 13).<br />
Caníliilo III -IM) PROCESSO SELETIVO<br />
Art. 10. Os trabadlos para a próxima cdicao da <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>, que será temática, deveráo<br />
ser apresentados a Comissüo Editorial até 30 (trinta) días após o lancamento do<br />
último número, ressalvando-se exclusivamente á Comissao o direito de ampliar<br />
este prazo. A data-limite para entrega dos artigos e demais informes pertinentes<br />
serao também divulgados na página da <strong>Revista</strong>.<br />
Parágrafo Único: Para o recebimento de artigos de autores de fora do Estado será<br />
considerada a data da postagem do material com o trabalho.<br />
Art. II. Exaurido o prazo anterior, os trabalhos seráo entregues aos professores.<br />
juntamente com o questionário, para avaliacño e definic3o do atendimento ou nao<br />
dos niveis cientílico-jurklicos nccessários íi publicac.no.<br />
§ I". Os autores tcm o direito de consultar os comentarios fcitos pelos professores<br />
sobre o seu irabulho no pra/.o de 60 (sessenta) días a contar da divulgacao do<br />
resultado da selecüo.<br />
§ 2". Caso queira, poderá o professor nüo responder ao questionário, reservándo<br />
se o direito de falar pessoalmente com o aluno.<br />
Art. 12. Os artigos uño publicados nüo serüo utilizados pelos membros da Comissao<br />
para nenhum outro finí. Ao final do processo seletivo, todos os disquetes recebidos<br />
serüo doados para urna escola pública, escolhida pela Comissao Editorial.<br />
Art. 13. Quando houver mais artigos aprovados do que o número máximo a ser<br />
publicado (quatorze artigos para a revista pluritemática e oito para a temática),<br />
utilizar-se-üo, para o desempate, respectivamente, os seguintes criterios:<br />
I - trabalho com assunto semelhante a outro anteriormente já publicado na <strong>In</strong><br />
<strong>Verbis</strong>;<br />
224 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> UI-RN
II - académico de Direito da UFRN, ressalvada a reserva de urna única vaga para<br />
artigos de alunos de outras universidades;<br />
III - autor(es) que nao tenha(m) publicado no número anterior da revista, salvo o<br />
caso de trabalhos em grupo, em que pelo menos um dos componentes preencha a<br />
condicao descrita neste inciso;<br />
IV - a nota atribuida pelo avaliador, quando de artigos submetidos ao mesmo<br />
professor;<br />
V - análise do questionário de avaliacao e de eventuais ressalvas feitas pelo<br />
avaliador;<br />
VI - artigo escrito por aluno mais próximo da conclusSo do Curso, ainda que em<br />
grupo, hipótese em que prepondera o período do aluno mais avancado.<br />
Parágrafo único. Os artigos que disputarüo a vaga a que se refere o inciso II se<br />
submeterao aos mesmos criterios aplicáveis aos demais, estando inclusive sujeitos<br />
á eliminacao a que se refere o art. 9° deste Regulamento, n3o sendo obrigatória a<br />
publicac3o de artigos de alunos que se encontrem na s¡tuac3o descrita no inciso,<br />
caso em que a <strong>Revista</strong> poderá ser composta exclusivamente por trabalhos de<br />
alunos pertencentes á UFRN.<br />
Art. 14. Caso ocorra a aprovacáo de dois ou mais trabalhos. cuja autoría é a<br />
mesma, ainda que em grupo e com algum(ns) componente(s) distinto(s), apenas<br />
01 (um) deles será publicado, cabendo a escolha ao(s) autores) idéntico(s).<br />
Art. <strong>15</strong>.0 artigo aprovado pelo avaliador, mas n3o publicado, poderá ser submetido<br />
a novo processo seletívo, caso o autor deseje publicá-lo no próximo número da<br />
revista.<br />
Art. 16. A Comiss3o Editorial goza do direito de modificar o número máximo de<br />
artígos a ser publicado, desde que haja condi^oes financeiras para tanto e espaco<br />
físico remanescente na revista.<br />
Capitulo IV - DISPOSICÓES FINÁIS<br />
Art. 17. Os dados e conceitos emitidos nos trabalhos, bem como a exatidao das<br />
fontes e das referencias bibliográficas, s3o de inteira responsabilidade dos autores.<br />
REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 225
Art. 18. No que as normas aqui expostas forem omissas, aplicam-se as adotadas<br />
pela Associac3o Brasileira de Nonnas Técnicas (ABNT).<br />
Art. 19. O presente regulamento deverá ser obedecido a partir da seleciSo para a<br />
revista <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong> n° 16, e terá vigencia até que a Comiss3o Editorial divulgue<br />
posteriores alteracSes.<br />
Natal, 26 de agosto de 2003.<br />
A Comissño Editorial<br />
|226 RP.VISTA JURÍDICA IN VF.RRIS n. <strong>15</strong> UFRN