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Edição 15 - Revista Jurídica In Verbis

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ISSN 1413-2605<br />

REVISTA JURÍDICA<br />

REALIZACÁO<br />

ACADÉMICOS DE DIREITODA UNIVERSIDADE FEDERAL<br />

DO RIO GRANDE DO NORTE<br />

APOIO<br />

CENTRO DECIÉNCIASSOCIA1SAPLICADAS-CCSA/UFRN<br />

FUNDACÁO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTERIO PÚBLICO-FESMP/RN<br />

Ano IX -Número <strong>15</strong> (Jan./Jun. 2003)<br />

Editora: SERVGRÁFICA<br />

Tiragcm deslacdiijilo: 300 cxemplares<br />

REVISTA .11 IR'nirM iv VFRBISn. <strong>15</strong>-UFRN


Os artigos assinados sao de exclusiva responsabilidade dos autores. É permitida a<br />

reproducao total ou parcial dos artigos desta, desde que citada a fonte.<br />

Toda correspondencia para a <strong>Revista</strong> deverá ser enviada para:<br />

COMISSAO EDITORIAL DA REVISTA JURÍDICA IN VERBIS<br />

ESPACO INTEGRADO CAAC-I N VERBIS<br />

UNÍ VERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE<br />

AV. SENADOR SALGADO FILHO,3000<br />

SETORI DO CAM PUS UNÍ VERSITÁRIO<br />

CURSODEDIREITO<br />

NATAL/RN<br />

CEP 59072-870<br />

Endereco virtual: http://in verbis.vilabol.uol.com.br/<br />

E- mail: in vcrbis@bol.coni.br<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jurídica</strong> <strong>In</strong> Vcrbis- Renlizacílo; Académicos de Direilo da<br />

Universidude l-'ederal do Rio Grande do Norte. Ano IX. n° I5.j:in/jun. 2003,<br />

Natal: Editora Scrvgráfica, 2003 - l'eriodicidade Semestral.<br />

1. Direito- Periódico. I. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.<br />

Centro de Ciencias Sociais Aplicadas - CCSA/UFRN<br />

CDU-34<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


UNIVERSIDAD!; FEDERAL DO KIO (iKANI)l-: DO NORTE<br />

CENTRO DI-: CIENCIAS SOCIAIS APLICADAS<br />

RE1TOR<br />

JOSÍv IVONII.DO IX) RÉ.GO<br />

VICE-REITOR<br />

NILSEN DE CARVALHO FILMO<br />

CURSO DI-: DIRF.ITO<br />

REVISTA JURÍDICA /.V VERHIS<br />

DIRETORA DO CCSA<br />

MARÍA ÁRLETE DUARTE DE ARAÚJO<br />

VICE-DIRETORA DO CCSA<br />

ANA LUCIA ASSUNCÁO ARAGAO GOMES<br />

CONSELUOEDITORAL<br />

CLEANTO FORTUNATO DA SILVA<br />

DARCI PINHEIRO<br />

EDILSON PEREIRA NOBRE JR.<br />

ELAINE CARDOSO DE MATOS NOVAES (FESMP/RN)<br />

FABIANO ANDRÉ DE SOUZA MENDONCA<br />

FRANCISCO BARROS DÍAS<br />

JOSÉ DANIEL D1NIZ<br />

JOSÉ LUIZ BORGES HORTA<br />

JULIANO IIOMIiM DE S1QUEIRA<br />

LUÍS ALBERTO DANTAS FILHO<br />

MARCELO NAVARRO RIBE1RO DANTAS<br />

RICARDO WAGNI-R ALCÁNTARA<br />

WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR<br />

NORMALIZACAO<br />

MARÍA DO SOCORRO DE AZEVF.DO BORBA<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN


COMISSAO EDITORIAL<br />

ALINNI:. IAJISI-: CAVALCANTl DA SILVA<br />

BRUNO BARCELLOS CAVALCANTE<br />

DANIEL DE OLIVEIRA ARAÚJO<br />

DANIE1.LY CRUZ MIRANDA<br />

FERNANDA BRAGA RAMAI.IIO<br />

MARCE1.I.A RÉGO DE CARVALIIO<br />

MATUSALÉM JOBSON BL7.ERRA DANTAS<br />

MAX BRUNO ALVES<br />

ORQUIMARY JUCARA RAFAEL SIQUEIRA<br />

PAULO SERGIO PEREIRA DOS SANTOS<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERUIS n. <strong>15</strong> - UI'RN


EDITORIAL<br />

Num ano conturbado para as universidades públicas - especialmente<br />

nossa UFRN, envolta em clima de apreensüo devido ao espectro da reforma<br />

previdenciária - conseguimos concluir mais esta edicao da <strong>Revista</strong> <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>, com<br />

a cerie/a de que, mais do que nunca, será grande a nossa responsabilidade em<br />

levar adiante esse trabalho de incentivo ao estudo individual e á produeño científica,<br />

em ambiente com ¡nfra-estrutura precaria e sob condicoes nem sempre<br />

estimuladoras.<br />

Nao pretendemos discutir aqui, em editorial de urna revista académica, o<br />

mérito ou nao da reforma que ora se leva a termo, em velocidade nunca vista em<br />

materia capital para o servico público. Deixemos esse trabalho de reflexáo para<br />

nossos articulistas, quem sabe até em urna futura edicao especial sobre o assunto.<br />

Entretanto, nao há como nao tocar no tema, principalmente quando pensamos ñas<br />

possíveis consequéncias de tais medidas, sobretudo para o ensino público supe<br />

rior, coisa que nem de longe se viu discutir nos grandes meios de comunicacao,<br />

que se limitaram a reverberar o táo alegado déficit na previdencia e os "privilegios<br />

inconcebiveis" de reduzidas carnadas do setor público. Nao arriscaremos também<br />

vaticinar a respeito do impacto da reforma sobre a UFRN em particular, sobre<br />

nossa vida académica. Mas lembremos que, nos últimos cinco anos, a Universidade<br />

perdeu ¡números docentes, aposentados, após a mini-reforma promovida através<br />

da EC 20/98. E agora constatamos, desesperados e impotentes, que esse número<br />

tende a aumentar. Varios professores já pediram aposentadoria após o inicio da<br />

discuss3o sobre a reforma. Há mesmo urna corrida contra o tempo para se conseguir<br />

a aposentadoria antes da aprovacao da "PEC 40".<br />

Difícil imaginar esta Universidade, o curso de direito, sem ver no quadro<br />

de docentes aquelas personalidades que sabemos ainda estarem na ativa por puro<br />

amor ao ensino e á instituicao. Mas nem só de amor vive o homem. A Universidade<br />

já nao remunera bem. Há muitos professores substitutos, que também sao mal<br />

remunerados. Certamente perderemos mais professores titulares. E há muitos outros<br />

motivos para o clima de apreensao. Estamos perdendo muito. O curso de direito<br />

está perdendo valores importantes. Para se ter urna idéia do tamanho do desfalque,<br />

basta lembrar a recente aposentadoria da Prof Rosenite Alves de Oliveira, grande<br />

incentivadora da pesquisa e da extensño nesta Universidade e orientadora de<br />

nossos colegas da SOI, que conseguiram importantes vitórias representando a<br />

UFRN no citado evento académico. Sem exageros - quem a conheceu o sabe bem<br />

- trata-sc de urna perda irreparávcl para o curso de direito.<br />

Mas como a esperanca é a palavra de ordem do momento, vamos "esperar"<br />

por urna reestruturacao do ensino público universitario e a recomposicao<br />

(qualitativa e quantitativa) de seu quadro docente. Diz o ditado: "quem espera<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


semprc alcanza" (em nossa situacao seria melhor dizcr: "qucm espera sempre cansa"<br />

...). Bem, em todo caso, esperamos melhor sorte para os futuros graduandos. Por<br />

enquanto, que fazer? Sejamos otimislas...Afinal. pelo que temos acompanhado em<br />

nossa "Academia", é na adversidade que surgem as grandes surpresas e as mais<br />

¡novadoras idéias. E temos muitos exemplos disso, aqui mesmo em nossa Univer-<br />

sidade: basta citar as conquistas das últimas delegac.Oes enviadas á SOI e a<br />

organizaclío da nova edicao do evento aqui em Natal - a SOI/20031. preparada para<br />

o mes de novembro deste ano; a empreitada do Programa "Ligas <strong>Jurídica</strong>s"2 , a ser<br />

concluida pela atual gestño do Centro Académico Amaro Cavalcanti - CAAC,<br />

tendo á sua frente o Professor Fabiano André de Souza Mendonca, o trabalho<br />

desenvolvido pelaONG NOVA MENTE, surgida a partir de iniciativa de alunos do<br />

5o período do curso e o engajamento do grupo de Direito Alternativo, com os<br />

estudos em estágio avancado e que certamente será nossa primeira "Liga <strong>Jurídica</strong>".<br />

Lembremos ainda, é claro, em relacüo a nossa "<strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>", do sucesso que foi o<br />

lancamento da nossa segunda edicao temática, sobre Direito do Consumidor, com<br />

a ilustre presenca da Procuradora de Justica Rosana Grinberg, vice-presidente do<br />

BRASILCON - <strong>In</strong>stituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, além do<br />

retorno ao meio académico.do Prof. Giuseppi da Costa e das brilhantes intervencSes<br />

dos Professores José Augusto Peres Filho, Elaine Cardoso de Matos Nováis e do<br />

avaliador da ed¡c3o, o Professor Edilson Alves de Franca, a quem sempre estaremos<br />

devendo, eternamente, em materia de agradecimentos. Esta nova edicao, alias, traz<br />

importantes modificacSes, gracas sobretudo as sugestóes e observacSes do Prof.<br />

Edilson, especialmente na parte do questionário de avaliacao dos artigos (ver ao<br />

final da revista), agora com tópicos sobre análise da utilizacao da bibliografía<br />

selecionada pelo articulista e insereno de jurisprudencia, quando o assunto assim<br />

o exigir - pois nenhum aluno que queira expor suas idéias em urna revista jurídica<br />

pode olvidar esta fonte que é o direito vivo, em movimento, saido do "forno" dos<br />

nossos Tribunais.<br />

Falando agora das mudancas ñas regras de publicac3o, algumas medidas<br />

se tornaram urgentes em face do aumento do número de artigos enviados, como o<br />

estabelecimento de outros requisitos de admissibilidade para a correc3o do trabalho<br />

pela comissSo avaliadora. Assim, a partir da próxima edicto teremos número mínimo<br />

de páginas para aceitaeño do artigo, além daquelas regras cujo desrespeito poderá<br />

ensejar sua eliminacSo ¡mediata, sem seguir sequer para análise de um professor.<br />

Portanto, recomendamos a todos a leitura atenta das Regras para Publicacüo, ao<br />

1 Para saber mais sobre o que c a SOI veja o »¡lc www.soiufm.cjb.iicl.<br />

•' Menores infonnacoes sobre conio participar do Programa Ligas <strong>Jurídica</strong>s, acesse www.limsiuridicas.hpt'com.br ou<br />

www.aniarocavalcanti.hDi! eom br<br />

10 RF.VISTA JURÍDICA IN VF.RUIS n. <strong>15</strong> UFRN


final deste exemplar. disponibilizadas também no site oficial da <strong>Revista</strong>1. Para esta<br />

edicik), temos mudanca também no que se refere aos profcssorcs avaliadores, que<br />

passam agora a ostentar o tao reclamado status de 'Conselho Editorial', podendo<br />

assim acrescentar os créditos da correcao dos artigos na famosa "GED".<br />

Urna outra questao discutida á exaustao entre nos da Comiss3o Editorial,<br />

"nó górdio" de nossas reuniñes, foi a inclusáo de um "espaco" fixo para estudantes<br />

de outras universidades terem a oportunidade de dar sua contr¡buic§o para nossa<br />

<strong>Revista</strong> sem correrem o risco de "cair" no criterio de desempate que dá preferencia<br />

a estudantes da UFRN. Existia urna certa relutáncia quanto a esse ponto. Porém.<br />

n3o poderiamos permanecer indiferentes diante do crescimento do prestigio da<br />

<strong>Revista</strong> para além dos limites geográficos de nosso Estado (afinal era esse o nosso<br />

desejo) e. a partir desta edicao, abrimos o merecido espaco aos nossos colegas<br />

que n3o sao da UFRN e que desejem enviar seus trabalhos. De agora em diante a<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Jurídica</strong> <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong> contará com pelo menos um artigo escrito por estudante<br />

que n3o seja da UFRN. Esperamos com isso ampliar nossa d¡vulgac3o e incentivar,<br />

também em outras universidades, a prática da pesquisa jurídica, nosso primeiro<br />

lema.<br />

Outra noticia é queja temos definido o assunto da próxima revista. Devido<br />

aos contratempos com a greve, impossibilitando-nos de fazer a já conhecida<br />

consulta a todo o corpo discente sobre a escolha do tema, resolvemos fugir á regra<br />

e decidimos, "inaudita altera pars". atender a urna antiga reivindicacao das turmas<br />

dos períodos iniciáis do curso e que certamente agradará a gregos e troianos: para<br />

a próxima revista temática os alunos devenío encaminhar á Comiss3o Editorial<br />

artigos na área de Direito Penal e Direito Processual Penal. Fica estabclccido também<br />

o costumeiro prazo, de até um mes após o lancamento da revista, para entrega dos<br />

trabalhos.<br />

Agora os informes referentes á Comissiío Editorial que, como sabemos,<br />

vem passando por um período de renovacao. Deixaram, neste semestre, a Com¡ss3o<br />

Renata Veras Rocha e Amanda Barccllos Cavalcantc. últimas representantes daqucla<br />

fase áurea, em que se imprimiu feicao mais dinámica á <strong>Revista</strong>, e a colega Jadía<br />

Marina Bezerra Dantas. Com a saída do trio, a <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong> reinicia mais um ciclo, que<br />

esperamos ser de muito sueesso, fazendo jus ao trabalho das colegas. E é com esta<br />

enorme responsabilidade de levar o 'barco* adiante, que seccionarnos cinco novos<br />

companheiros para (re)compor a Com¡ss3o Editorial: Alinne Luise Cavalcanti da<br />

Silva, Daniel de Oliveira Araújo, Danielly Cruz Miranda, Marcella Régode Carvalho<br />

1 Ver p.i^iiwi da Revisto lillp-//in verte \ibbol iiol com br<br />

RF.VISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


e Max Bruno A Ivés. Esperamos ter acertado na escolha! Boas Vindas aos novos<br />

"inverbianos"!<br />

Para finalizar, que todo editorial muito longo é sempre enfadonho, nossos<br />

agradecimentos de praxe, ao Professor Adilson Gurgel, ao Escritorio do Prof.<br />

Diógenes da Cunha Lima, ao Centro de Ciencias Sociais Aplicadas - CCSA/UFRN<br />

c a Fundacao Escola Superior do Ministerio Público (FESMP/RN), pela continuidade<br />

da parceria de muito sucesso, participando inclusive, através da ProP Elaine Cardoso<br />

de Matos Nováis, dos trabalhos de avaliacSo dos artigos enviados. Agradecimen<br />

tos especiáis ao Professor Walter Nunes da Silva Júnior que, sempre presente e<br />

atuante na "vida" da <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>, voltou a integrar a Comiss3o Avaliadora, desta feita<br />

para nunca mais sair, pois lembremos que os temas para a próxima revista s3o<br />

Direito Penal e Direito Processual Penal. Portanto, m3os á obra, caros amigos!<br />

"Até que tudo cesse, nos nao cessaremos'"4<br />

Boa leitura!<br />

A Comissüo Editorial<br />

' Lema dn amiga l'uciildailc de Uircílo da Ribeira, cujo predio voliam a ser nosso. apesar da eobica de ouiros cursos<br />

12 RHVISTA JURÍDICA IN VKRBIS n. <strong>15</strong> UI'RN


SUMARIO<br />

A REFORMA DO ESTADO, AGENCIAS REGULADORAS E<br />

DESENVOLVIMENTO<br />

AlexandreGoncalvesl'razüo <strong>15</strong><br />

DO LEGAL AO REAL: DIREITOS HUMANOS EIDENTIDADEIUUSILEIRA<br />

l'lávio llcnriquc Rodrigues Carnciro 33<br />

O DANOCAUSADO POR ASSÉDIO MORAL NO ÁMBITO DOTRABALHO<br />

Chen L¡ Wen 51<br />

A ADOCÁO DA ACÁO AFIRMATIVA PELOORDENAMENTO JURÍDICO<br />

musí leí ro<br />

Amanda Barcellos Cavalcante 59<br />

A USUCAPIÁONA PERSPECTIVA DO NOVOCÓDIGOCIVIL<br />

Janine Medeiros Santos e Larissa Lopes Matos 75<br />

ACÁO DE REINTEGRACÁO DE POSSE PARA RECUPERACÁO DE BEM<br />

ARRENDADO EM LEASING: ADEQUACÁO DA ACÁO E PRELIMINARES<br />

OPONÍVEIS PELO DEVEDOR<br />

Haroldo Augusto da Silva Teixeira 89<br />

REGULACÁO, LIVRE CONCURRENCIA E DEFESA DO CONSUMIDOR NA<br />

INDUSTRIA DO PETRÓLEO<br />

Alirio Maciel Lima de Brito e Ronald Castro de Andrade 104<br />

UM A ANÁLISE SOBRE O ESTATUTO DO TORCEDOR<br />

DavideOliveiraBonavides 116<br />

O DIREITOIX)CONSUMIDOR EOS BANCOS: A DIGNIDADE DOCIDADÁO<br />

X O PODER ECONÓMICO<br />

RubcnsCartaxo Júnior 126<br />

ADOCÁO NACIONAL<br />

Renata Veras Rocha 143<br />

RI-VISTA JURÍDICA IN VHRBIS n. <strong>15</strong> - UI'RN l3


OSCRIMES NA INTERNET EM FACE DOCÓDIGO PENAL BRASILEIRO<br />

Bruno Barcellos Cavalcante <strong>15</strong>8<br />

A COISA JULGADA FRENTE AO PRINCIPIO DA ISONOMIA<br />

CONSTITUCIONAL<br />

Leonardo Dantas Nagashima 172<br />

DIRE1TO PROBATORIO E O CARÁTER NÁO-ABSOLUTO DO PRINCÍPIO<br />

DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVASOBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS<br />

Ana Claudia Freiré da Cosía Bezerra 182<br />

DA OMISSÁO ADMINISTRATIVA: REQUISITOS E HIPÓTESES DO<br />

CABIMENTO DO CONTROLE JUDICIAL SOBRE AINACÁO<br />

Leonardo Martins, Murillo Máximo e Raíssa de Queiroz 195<br />

O ESTADO FEDERAL E OS LIMITES AO PODER CONSTITUINTE DOS<br />

ESTADOS: O PRINCÍPIO DA SIMETRÍA<br />

Rafael César Coelho dos Santos 209<br />

Novo Questionário para Avaliac3o dos Artigos 220<br />

Regras para publicado na <strong>Revista</strong> <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong> n° 16 221<br />

14 REVISTA JURÍDICA IN VF.RB1S n. <strong>15</strong>- UFRN


1. <strong>In</strong>troducto<br />

REFORMA DO ESTADO, AGENCIAS KF.C;ULAIX)KAS F.<br />

DESENVOLVÍ MEMO<br />

Alevandre Goncalves Frazao<br />

Académico de Direito do 9o Periodo da Ul RN<br />

Reformar o Estad» nan significa dcsmantelá-lo. Pelo<br />

contrario, a reforma jamáis potieria significar urna<br />

desorganízacao do sistema administrativo e do<br />

sistema político de decisdes e, muito menos, é claro,<br />

levar á dim'muicao da capucidade regulatória do<br />

Estado, ou aínda, á dimínuicao do sen poder de<br />

liderar o processo de mudancas, definindo o sen<br />

rumo.<br />

Fernando HenriqucCaldoso(in PEREIRA,2001, p. <strong>15</strong>)<br />

Falar da reforma do Estado no Brasil é, sem qualquer exagero, imprescindível.<br />

Se ná"o bastasse aja tradicional ineficiéncia da burocracia tupiniquim, o<br />

mundo atual, mais do que nunca, exige, sob pena de atraso c subdesenvolvimento,<br />

um poder público adaptado ás suas exigencias de rapidez e eficiencia, e que tenha<br />

a consciéncia dos seus limites e de seus reais poderes de transformacao da realidade<br />

circundante.<br />

Durante a década de 90, especialmente no governo do sociólogo<br />

FERNANDO H ENRIQUE CARDOSO,passou-sea falar na reestruturacao do Es<br />

tado brasileiro, adotando-se, para isso. algumas mudancas a nivel constitucional e<br />

legal, que, se deram um ar de renovado ao aparato administrativo, est3o longe de<br />

representar a configuracao prática de um modelo teórico que hoje se preconiza<br />

como o mais apto para enfrentar os desafios da sociedade global ou, nos dizeres<br />

de ULRICH BECK, da "segunda modernidade", express3o que denota a nova<br />

realidade social, económica, política e cultural, que n3o pode mais tercomo referencia<br />

o Estado Nacio-nal, enquanto centro de soberanía e senhor único das regras de<br />

conduta de urna sociedade1.<br />

1 lím tuna passa^cm de scu livrití>


ALEXANDKE GON^ALVES IKA/AO<br />

Tal modelo teórico leva em consideracao a necessidade de se reformular<br />

a administracao pública e retirá-la de um contorno ideológico fundado no chamado<br />

principio da auloridade, legado do absolutismo, em que se pensava a burocracia<br />

como legitimada a produzir decisóes e impó-las coercitivamente, verticalmente,<br />

como senhora absoluta da nocSo de interesse público. As novas tendencias<br />

apontam para urna flexibilizacjio da atuacao administrativa, tudo em torno dos<br />

principios da eficiencia, do consensualismo, da finalidade, participacao popular,<br />

moralidade e transparencia, além de subprincípios, como subsidiariedade, autonomía<br />

e boa-fé.<br />

Busca-se, através dessa mudanca de mentalidade, dar maior<br />

operacionalidade ás institu¡95es de governo, de modo que o Estado brasileiro<br />

possa fugir da chamada "crise de governabilidade" que vem atingindo o poder<br />

político no mundo contemporáneo.<br />

A figura das agencias reguladoras, por sua vez, faz parte do rol nacional<br />

de medidas modernizantes. Ao contrario do que pensam alguns, a sua ¡nstituicüo<br />

tem o condüo de dar novo perfil a rcgulacilo das atividades económicas em nosso<br />

país, de modo a contribuir para o rearranjo institucional esperado e permitir a<br />

criacao de um ambiente político-económico em que o governo nao seja impecilho<br />

para o desenvolvimento nacional, saindo do tradicional papel de prestador<br />

ineficiente de servicos e bens e especializando-se na condujo normativa e<br />

administrativa dos atores privados na consecuc3o dos interesses públicos.<br />

Por fim, resta afirmar que, se se busca modernizar o país, se se deseja<br />

encontrar saídas para a anunciada falencia do Estado centralizante, se se quer<br />

redesenhar o clássico esquema de funcóes governamentais, tudo isso deve levar<br />

em conta urna I¡c3o básica da teoria política que nasceu com a primeira modernidade,<br />

aquela que tinha como a referencia da vida do homem o Estado-Nacao: todo<br />

aparato pol ítico organizado deve servir para o seu cidadao melhorar a sua qualidade<br />

de vida, para que ele possa dispor de um sistema que Ihe permita usufruir, em um<br />

mínimo aceitável, os bens culturáis que, para urna determinada época, constituam<br />

o básico da dignidade humana. Enfim, o Estado deve permitir o desenvolvimento,<br />

tendo que abdicar de velhas roupagens sem, contudo, esquecer o que Ihe dá<br />

justificativa e legitimidade: a protecao do homem enquanto hiposuficiente na<br />

consecuc3o de seus interesses.<br />

Assim, reforma do estado, agencias reguladoras e desenvolvimento<br />

sao tres palavras cujas nocóes se imbricam e estao na ordem do dia. É para a<br />

melhor compreensáo dessárelacao entre as nocSes, incrementando o debate sobre<br />

assunto visceral para o futuro político-jurídico do Brasil, que se passa a discorrer.<br />

16 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


A Kll ORMA IX) i;STAÜO, AGENCIAS KI-CIJI.AUOKA.S l¡ l)l:SI-NVOI.VIMI:Nt<br />

2. A neccssidadeda reforma administrativa<br />

2.1. A historicidadedos modelos estafáis e as duas modernidades<br />

LEONARDO BOFF, em seu livro Tempo Je Transcendencia, faz incurs3o<br />

filosófica sobre a natureza humana e afirma (2000, p. 26):<br />

O que é anterior e o que subjaz ¿is expressoes<br />

imanencia-lranscenJuncia? É a experiencia Jo<br />

próprio ser humano como um ser histórico, um ser<br />

que está se fazenJo continuamente. E o que<br />

chamamos Je experiencia originaria. QuanJo<br />

/alarnos filosóficamente em existencia, dizemos: ex<br />

istencia. Estamos senipre nos projetandu para Jora<br />

(ex), construinJo nosso ser. Nos nao o ganhamos<br />

pronto. Nos o molJamos mediante a nossa liherdade,<br />

meJiante os enfrenliimenlos Jo real.<br />

Esse mesmo ser humano, pois, projeta a historicidade que Ihe é imánente<br />

para a sua cultura, ou para aquilo que ele cria como forma de melhorar a sua<br />

existencia.<br />

N3o é diferente com o Estado. Enquanto típico instrumento humano de<br />

dominacao2, é ele marcado pela referencia a um tempo e a um modo de vida, de<br />

forma a refletir o desenvolvimento cultural sobre que ergue a sua base.<br />

A forma de organizacáo política estatal que interessa a esse estudo<br />

surgiu sobas luzes do Século XVIII eseconsolidou na centuria segu inte. Defato,<br />

foi nesse período que surgiram as bases do chamado Estado de Direito, pautado<br />

pelo principio da legalidade, pela separacüo dos poderes e pelos direitos humanos<br />

individuáis e políticos.<br />

Esse modelo se apoiou na idéia de soberanía popular, em que o Estado,<br />

através de mecanismos legitimadores, criava, em nome de sua populado, o direito<br />

vigente no territorio, com for?a para impor esse mesmo direito aqueles que a ele<br />

1 I nao vai ,iqui i|uak|iicr picconceilo sobre qiuil o ohjclo da domiiincflo. scjnin elcs os próprios lionicns. sejt)<br />

das dificuldudcs n.mirais. ele<br />

RI'.VISTA JURÍDICA IN VF.RHIS n. <strong>15</strong>- UI-RN l7


nao se ajustassem.<br />

Al I XANDItl d(>N(, Al VI S I KA/An<br />

Nessa época, separou-se mais claramente as funcóes estatais que deviam<br />

criar os mecanismos de freios e contrapesos do poder, de modo a garantir que as<br />

forcas do poder público cumprissem os mandamentos constitucíonais de protec3o<br />

á pessoa humana e das liberdades individuáis, assegurando ambiente propicio<br />

para o modelo político-económico liberal.<br />

Urna tal configuracao do Estado possuía, em contrapartida, um tipo de<br />

modelo administrativo, que, como se sabe, teve como base a tradicional estrutura<br />

burocrática da Franca antiga, pois diretamente inspirada por suas idéias. Esse<br />

modelo de gestao pública, demasiadamente atrelada ao principio da legalidade<br />

formal, tinha como meta afastar-se da antiga figura absolutista do Estado de Policía,<br />

em que n3o havia limites claros para a repressáo do poder político em detrimento<br />

dos cidadaos, sendo a máquina pública extensao das vontades dos governantes.<br />

Assim sendo, formou-se urna AdministracSo firmada sobre o principio da<br />

competencia, de modo que o que mais era importante saber, na atuacüo<br />

administrativa, era se havia lei permitindo o agir do Poder Público, de modo que<br />

garantisse seguranca aos particulares ñas suas relacñes com o Estado. Mais aincja,<br />

tínha este que agir no modo prescrito em lei, sendo rígido o controle das formal idades<br />

burocráticas e comuns as Iimitac5es funcionáis por falta de pressuposto legal.<br />

Contudo, apesar da tentativa de afastar-se do antigo espelho absolutista,<br />

tal intento n3o foi totalmente alcancado. Longe disso, permaneceu a Adm¡n¡strac3o<br />

Pública como um superpoder, que mantinha em torno de si institutos de ¡mperium.<br />

como a idéia de poder de polícia, de díscricionariedade incontrolada e<br />

autoexecutoriedade de seus atos. Assim, formou-se um modelo administrativo<br />

que, se pensado com base na legalidade, tinha um controle meramente formal,<br />

apenas sendo examinado se a regra de competencia foi respeitada. No mais, existia<br />

a forte hierarquizaciio, imperatividade e enclausuramento do agir administrativo,<br />

sem a busca pela eficiencia, pela flexibilidade c pela participacáo democrática no<br />

agir do poder público.<br />

Víés interessante da afirmacao desse modelo de Administracao nos dá<br />

DIOGO DE F1GUEIREDO MOREIRA NETO, segundooqual, das tres revolucóes<br />

liberáis (a inglesa, a americana e a francesa), foi a última que moldou o perfil do<br />

Poder Executivo. e o fez segundo aqueles padrOes ácima descritos. De fato, diz o<br />

autor (200 l,p. 8-9):<br />

18 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


A RIIOKMA DO ISTADO. AdÍNCIAS RIC.III.AnORAS f DliSINVOI.VIMINTO<br />

As grandes Revolacñes liberáis desenvolverán!,<br />

todavía, en/ases políticas distintas: a <strong>In</strong>glesa,<br />

preocupada em limitar o poder monárquico, vollou-<br />

se a afirnniciiu das ¡nslíluicoes da representaca» e<br />

du l'arlamenio, assenlando as bases do que é hoje o<br />

Legislador; a Americana, preocupada em consolidar<br />

a soberanía política do novo Estado, dedícou-se a<br />

racionalízacao e ao equilibrio de seus poderes<br />

constituidos, elevando, no processo, o Judíciário, a<br />

Poder do Estado; e, porfim, a Francesa, preocupa<br />

da em varrer o absolutismo das inslituicoes, assenlou<br />

as bases da Adminístracdo Pública contempo<br />

ránea.<br />

E logo em seguida arremata o doutrinador (2001: 9):<br />

Estranhamente, o Poder Executivo, sede da Admi-<br />

nistracao Pública, a cargo da mais generalizada,<br />

intensa e próxima interacáo entre o Estado e a<br />

sociedade, nao apresentou qualquer deslaque<br />

significativo nessa mesma linha de efetiva absorcao<br />

dos principios liberáis. Ao contrario, sua evolucao<br />

seguiu urna principiologia oposla, dando énfase a<br />

institutos que reforcavam o poder de imperio do<br />

Estado, como a sua aluacao discricionária, a<br />

exclusao do administrado naformacao do processo<br />

decisorio, a execuloriedade e a autotutela.<br />

Eram esses, assim. os perfis do Estado e da Administrado da chamada<br />

primeira modemidade3. As instituicSes criadas nesse período cumpriram, por pouco<br />

tempo, sua func3o. logo sobrevíndo sua defasagcm política em razáo de seu<br />

desajustamento com as necessidades sociais.<br />

De falo, de meados do Século XIX para os lempos presentes, jamáis<br />

' Já c possucl inferir do Icxlu que css.n príinciru HKxIeniid.'uJc corresponde no periodo cni que o I sl;nlo se consolida<br />

como rclcr¿iici(~i do poder político, criando de forma absolula c soberana o direilo<br />

RRVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l9


ALBXANDRIí GONí/Al.VliS IRA/ÁO<br />

houve na historia da humanidade tamanhas rcvolucdcs sociais, culturáis,<br />

económicas e políticas. Com o pleno dcsunvulvinicnlo das iccnologias e das<br />

ciencias, o homem amplamente dependente da natureza passa a ser o honiem sem<br />

limites, cada vez mais cíente de scu poder de dominacilo c criacDo de bens c<br />

servicos. A utilízacüo de novas fontes de energía deu um impulso vertiginoso ñas<br />

descobertas e ¡nvencQes, de modo também a criar em torno dessas novas utilidades<br />

um meio capaz de Ihes dar o seu devido valor económico. Surgía, entüo, as bases<br />

da sociedade do consumo, que nada mais é do que a criacüo artificial de um<br />

ambiente necessário para o escoamento da producao crescente.<br />

Ora, remedios, transportes, comunicacao, formas de moradia, educacüo,<br />

ferramentas de trabalho, mecanismos de producao, procedimentos, intercambio<br />

comercial, todos esses setores sofreram impactos modernizantes. As ofertas de<br />

bens aumentavam, servicos eram criados, gerando a reformulacao do conceito de<br />

dignidade, que passava a incorporar novos elementos, novos padróes de consumo.<br />

Por outro lado, é necessário lembrar que o Estado da primeira<br />

modemidade foi criado em torno da nocSo de igualdade entre os homens e com o<br />

objetivo superior de dar protec3o a um ambiente de liberdade em que os seus<br />

cidadaos, já que iguais, pudessem tratar de forma segura de seus negocios. Laissez<br />

/aire, Laissez passer (deixai fazer, deixai passar), eram as palavras de ordem. Deixem<br />

que o mundo anda por si só {Le monde va de lui-méme), diziam os profetas do<br />

liberalismo. Ignorando a tal ponto a desigualdade social dos homens a título de<br />

urna teoría racionalista que os equiparava, n3o era de se estranhar que logo esse<br />

modelo político se visse como fonte institucionalizada de ¡njusticas. servidor de<br />

urna classe detentora do monopolio dos bens de produc3o e exploradores de urna<br />

mSo-de-obra ignorante e paupérrima.<br />

Exigiu-se urna postura diferenciada do Poder Público, pois este n3o<br />

podia mais estar legitimado pela soberanía popular e fechar os olhos para a maioria<br />

do povo, impossibilitada de obter os bens materiais que iam surgindo, de modo a<br />

Ihe proporcionar um mínimo de acesso ao desenvolvimento que, com o seu trabalho,<br />

ajudava a criar. PressQes pela protecao do trabalhador e dos hipossuficientes, pela<br />

prcstacSo de educacüo, saúde e moradia pelo Estado e pelo amparo á velhíce<br />

através de sistemas previdenciários tornaram-se constantes. Exigia-se, a par da<br />

democracia política, um mínimo de justica social.<br />

N3o bastasse ¡sso, a necessidade de mudanca foi reforcada pela ressaca<br />

ética que as conseqüéncias do individualismo e da busca frenética por lucros<br />

provocavam. Com o desenvolvimento da comunicado e dos transportes, as trocas<br />

20 •. REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


ARI IOKMA IX II STADO. Aíií-NCIAS Kl (.111 ADORAS I DI SI NVOI VIMI NM><br />

comerciáis se inicnsilkaram e, no final do Século XIX, surgía, como nova feicüodo<br />

capitalismo mundial, o chamado mercado llnanceiro, gerando fortunas sem uin<br />

mínimo de producao. O dinheiro tornava-se capital autoreprodutivo, ajudando na<br />

concentracao de riquezas em torno de corporales de crédito que, por sua vez,<br />

financiavam a dinámica económica. Os Estado passavam a lutar, através dos mais<br />

variados mecanismos (inclusive a colonizacüo de povos), por mercados<br />

consumidores c fornecedores de materia-prima para escoar urna producao jamáis<br />

vista e sustentar as bases de suas economías, que cada vez mais transcendiam os<br />

territorios nacíonais e espraíavam seus tentáculos pelo mundo, a cada día menor<br />

para as imensuráveis aspiracoes capitalistas. Criou-se, portante um ambiente de<br />

extrema competitividade e individualismo, n2o demorando muito para que se<br />

percebesse da inviabilidade de um tal projeto que, em última análise, gerou os dois<br />

momentos de maior virulencia da historia humana: as duas grandes guerras<br />

mundiais. em que milhóes de pessoas foram mortas, despertando a consciéncia<br />

mundial para a busca de urna outra forma (mais ética) de sociedade.<br />

O Estado. ent3o. mudou. As pressñes sociais e as falhas estruturais do<br />

capitalismo sem freiosgeraram um modelo de organizado política em que aquele<br />

passou a prestar bens e servicos á populacüo, atendendo aos novos direitos<br />

fundamentáis de 2a dimensao (saúde, educacao, moradia. trabalho, lazer,<br />

previdencia), e a controlar mais efetivamente o mercado, de modo que esse<br />

respeitasse um mínimo ético no seu desenvolvimento e pudesse ser dírecionado<br />

para o bem-estar da populacao, respeítando regras sobre concurrencia, padrSes<br />

de qualidade, margem de lucro, necessidade de eficiencia etc. Por outro lado, o<br />

Exccutivo passou a monítorar a economía nacional bem como a manipula-la através<br />

de instrumentos tais como política monetaria, controle dos juros básicos, política<br />

fiscal e orcamentária, buscando evitar as cíclicas depressSes do capitalismo de<br />

mercado.<br />

Essa nova realidade críou unía gigante burocracia governamental, cuja<br />

lógica foí o embriao de sua defasagem. A necessidade de atender a todas aquelas<br />

novas competencias gerou uní considerável aumento na arrecada^üo tributaria<br />

para o financiamento dos servicos, onerando a populacao com pesados impostos,<br />

restringindo, muitas vezes, o próprio crescimento económico. De outra sorte, as<br />

demandas sociais n3o paravam de cessar. Afora aquelas já mencionadas, surgem<br />

outros desafios a serem enfrentados pelo Estado, tais como meio ambiente,<br />

telecomunicacóes, críme organizado etc. Somado a isso tudo, cría-se, desde meados<br />

do século XX, unía nova realidade que vai por em cheque a própria capacidade da<br />

REVISTA JURÍDICA 1N VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 2I


Al.liXANDKI. C¡ON(,AI.VI S IKA/ÁO<br />

organizado política de atender ás finalidades para que existia. Percebe-se, cada<br />

vez mais, a perda de soberanía do Estado-Nac3o, no sentido de n3o mais ser o<br />

único centro de decisao e referencia da vida dos seus cidadaos. Alias, a própria<br />

questao da cidadania é posta em dúvida.<br />

Presencia-se, primeiramente, o apaiecimento de entes com poder<br />

económico igualável ao de países, quando n3o superiores. Grandes empresas<br />

transnacionais. responsáveis por significativa parcela de arrecadac3o tributaria,<br />

geracao de emprego e criacao de bens materiais e servicos no mundo passaram a<br />

ser mais que importantes para as nacSes e tomaram urna tal dimensao que passam<br />

a ser disputadas pelas mesmas por meio de vantagens comparativas que aumentem<br />

a margem de lucro dessas empresas. Como podem, através das tecnologías de<br />

comunicacao e transporte, se instalar em qualquer parte do globo, acabam por<br />

escolher os locáis que oferecem o melhor ambiente para a lucratividade de sua<br />

atividade, fazendo com que países abdíquem de certas políticas e regras para<br />

atender ás exigencias dessas corporacSes, que passam a ter poder sobre as<br />

¡nst¡tu¡c5es nacionais e a impor as próprias regras de funcíonamento4.<br />

Em outro aspecto, verifica-se, com a intercomunicacao e interligacao<br />

entre pessoas e lugares do globo, que o Estado-nac3o nao mais é a referencia da<br />

vida dos seus cidadaos. Com a possibilidade de contato com culturas, regras,<br />

comportamentos e ¡déías de outros povos, o individuo passa a se desprender de<br />

suas raízes locáis, sentindo-se cada vez mais pertencente a urna nova organizac3o<br />

social, a sociedade global, com problemas comuns (meio ambiente, tráfico de<br />

criancas e mulheres, crime organizado, crescímento demográfico, terrorismo, miseria)<br />

e necessitando, portanto, de solucoes comuns. Assím, as regras comportamentais,<br />

os instrumentáis teóricos, as instituic5es bem como as políticas nüo podem mais<br />

ser nacionalizadas, pois urna so nacao é impotente para cuidar de situacoes socíais<br />

cujas existencias desbordam seu territorio e, mesmo, fazem-no de vítima, dada a<br />

impotencia do Estado diante da virulencia de seus. efeitos.<br />

O mundo moderno, portanto, nüo poderío mais ser pensado "nacional<br />

mente". A soberanía é relativizada, tanto em seu aspecto político-institucional<br />

como em seu aspecto social. N3o haveria mais o poder absoluto sobre um territorio<br />

4 Segundo JOSK EDUARDO I-ARIA (2000:109). "cssa mudanca rsdic.nl nas formas de aluacao do sistema fíiiancciro<br />

inicniacioii.il c das corporaefles Imnsnacionais, viabilizando a artiiulacao de suas decisdes de invtstinienlo, prodigio<br />

e comcrcializacáo cni escala global com exigencias impostas as econoniias nacionais e a seus respectivos Estados, é um<br />

dos fatores mais decisivos para o decliuio das institiiicocs. iiKcanisinos c "senso comum' jurídicos do Estado-nacilo<br />

c para a coiisolidacao das cstnilurns c pruccdhnenlos jurídicos surgidos nn ánibilo de unía economía globali/iida ( ..)"<br />

22 RRVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


A UI-.I-OUMA IX) KSTAIX). ACiNCIAS KIXiUl.AIXlKAN H DIStNVOI.VIMINTO<br />

e uní povo, enquanto definicao clássica dos elementos do Estado. Ñas palavras de<br />

ULRICII HECK(1999,p.77):<br />

Toda e qualquer leuria da soberanía nacional que<br />

compreeiuhi sen objeto como unía forma ¡ndivisivel<br />

c inlransponível deforca e de poder público é insu<br />

ficientemente complexa. A soberanía deve boje ser<br />

compreendida e examinada como um poder cindido,<br />

que é percebido deforma parcial por urna serie de<br />

atores - nacionais, regionais e internacionais - que<br />

é limitado e acorrentado por esta pluralidade<br />

imánente.<br />

2.2. A reestruturacáo do estado como condiciío para a sua sobrevivencia<br />

Configura-se, portanto, um mundo em que as necessidades sociais s3o<br />

cada vez inaiores, cada vez mais aumenta a pressSo por bens e servicos como parte<br />

do conteúdo da dignidade humana, tenta-se aumentar o controle político do mercado<br />

para fins de orienta-lo para finalidade públicas ou fazé-lo financiá-las. expande-se<br />

sobremanera a burocracia estatal para fazcr frente a essas demandas com o consc-<br />

qüente aumento da carga tributaria, do instrumental normativo e institucional, c da<br />

captacüo de recursos no mercado para fazer frente a esses desafíos, lim<br />

contrapobicao. vcrifíca-se a crescente impossibilidade da organizado política de<br />

responder aos novos polos de soberanía e á sua progressiva perda de capacidade<br />

de implementar as políticas públicas, conforme já demonstrado. O resultado da<br />

conjuncüo desses fenómenos, portanto, é a crise de governabilidade, com a<br />

consciéncia de que o poder público nao eslava conseguindo satisfazer ás<br />

necessidades que o justificam enquanto instituicüo. Ao Estado cabía fazer mais do<br />

que podia. Do ponto de vista económico, essa situacáo existencial da organizado<br />

política éassim descrita por IMARCAL.IUSTEN FILHO(2002,p. 19):<br />

A mulliplicacao da populacao e a reducao da<br />

eficiencia das alividades desempenhadus<br />

diretamente pelo Estado contribuiram<br />

decisivamente para o fenómeno denominado 'crise<br />

fiscal'. A expressao passou a ser utilizada para<br />

indicar a siluacdo de insolvencia governamenlal.<br />

Rl- VISTA JURÍDICA IN VKRUIS n. <strong>15</strong> UIRN 23


AU-XANDRI-: GONCAI.Vi;S IRA/ÁO<br />

inviabi/izadora do cumprimento das obrigacoes as-<br />

sumidas e do desenvolvimenío de projetos mais<br />

ambiciosos. A elevando dos passivos<br />

governamenlais, proveniente de sucessivos prejuizos<br />

ornamentarlos, reduziu a capacidade estatal de<br />

executar satisfatoriamente os encargos que<br />

assumira. A manutencao dos projetos de satisfacao<br />

do interesse coletivo demandara a existencia de<br />

recursos que o Estado nao mais dispunha. Além<br />

disso, as dividas foram se acumulando de modo a<br />

impedir até mesmo o custeio de despesas essenciais.<br />

Além da crise fiscal, a crise foi também administrativo-funcional, pois<br />

além de ná"o ter condicScs financeiras de financiar e prover as demandas sociais,<br />

naquilo em que atuava o Estado o fazia de forma ineficiente, pois tendo por base a<br />

velha burocracia da primeira modernidade. fundada em principio de hierarquia.<br />

leualidade. imperatividade e impessoalidade do servico. Para um ambiente social<br />

técnico e dinámico o Governo respondía com estruturas e procedimentos estáticos<br />

e despreocupados com os resultados de seu servico. Para uma sociedade cada vez<br />

mais plural, o poder público arvorava-se em agir conforme o "intcrcssc público",<br />

como se estivesse num tempo em que se poderia falar em um único "interesse<br />

público", prcssupondo uma sociedade homogénea quando a divcrs¡f¡cac.fío e<br />

IragmentacSo já davam o tom da "societas" global. Era preciso, portanto, e<br />

rápidamente, reformaras ¡nstituicóes.<br />

3. Principios fundamentáis da reforma administrativa e administracáo pública<br />

gereiicial<br />

Diante do enorme desafio que era amoldar as estruturas administrativas<br />

de modo a adequá-las para a nova realidade mundial, primeiramente se definiram<br />

os principios maiores para essa mudanca. ldentificou-se, nessa primeira etapa, que<br />

dois valores fundamentáis deviam orientar o novo aparato administrativo: a<br />

eficiencia e a legitimidade.<br />

No que toca á eficiencia, a busca pela mesma já decorre bom tempo,<br />

estando o principio inscrito no Decreto-lei 200/67 (art. 26, III). Mais do que uma<br />

noca"o genérica de eficiencia, o modo porque foi encarado esse valor deveria<br />

repercutir em diversos aspectos da organizacSo burocrática, possibilitando-lhe<br />

produzir resultados quantitativa e qualitativamente superiores. Primeiramente. era<br />

2-4 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UI'RN


\ Kl IOKMA IXil MAIX). Adl NC'IAS Kl í.lll AIXiKAN I Hl-M NVOI.VIMIMO<br />

preciso definir qual seria o real papel da AdministracSo. Lm outras palavras. onde<br />

deveria a mesma aluar. Segundo, era necessário que se precisasse como seriam<br />

desempenhadas as atividades. ou seja. o modo de proceder administrativo.<br />

Quanto ao primeiro aspecto, que necessariamente diz respeito com os<br />

limites do Estado, entende-se que deve este se atastar o máximo possível da<br />

prestacüo de bens e servicos, quando a iniciativa privada pudesse fazé-lo de modo<br />

mais eficiente e barato, desonerando a sociedade de gastos e arrecadacao com<br />

atividades mal prestadas. Essa idéia desenvolve o chamado principio da<br />

suhsiJiark'JaJí:, em que da vida privada só se deve tirar aquilo que a mesma nSo<br />

forcapa/ de atender em termos de interesse público e qualidade mínima. Ao poder<br />

público deve-se deixar as funedes em que seja necessária a atuacáo de seu poder,<br />

evitando o alargamento desnecessário do aparato burocrático. Assim, as empresas<br />

estafáis scríam privati/adas (excelu naquelcs setores onde nao houvesse interesse<br />

ou condic.no para a iniciativa privada em explorá-lo) e seriam quebrados ou<br />

flexibili/ados os monopolios públicos. Ao Estado caberia t3o só o controle do<br />

mercado, oríenlando-o segundo os interesses sociais através de mecanismos que<br />

só a putcsladc estatal delem. Por meio de incentivos Ciscáis, policía administrativa,<br />

normas reguladoras de mercado, politica monetaria e cambial, de importacSo e<br />

exportacilo, seria o mercado dirigido ou inducido aos efeitos desejados pela política<br />

govcrnamcnlal.<br />

Esse principio da subsidiariedade, diga-se, nao constituí urna volta ao<br />

modelo liberal clássico. Muito ao contrario, permite com que o mercado continué<br />

sendo monitorado pelo Estado, mas agora segundo os mecanismos que dizem<br />

respeito com a sua natureza de planejamento e controle, incentivo e fiscalizacflo.<br />

Para alcancar metas económicas politicamente iracadas como salutares para o<br />

desenvolvimento nacional nao é necessário que o poder público participe como<br />

agente diroto, em área cstranha á sua natureza. Basta induzir os particulares a<br />

tanto, através do instrumental jurídico-económico disponivel, através da reguluqdo<br />

das utividudes particulares. Desenvolve-se a idéia de que o mercado n&o é o<br />

reino da liberalidade sem freios (como era o mesmo visto no século XVIII e XIX e<br />

até primeira metade do século XX), mas sim um lugar para a producto e consumo<br />

das necesidades vitáis para a populacho, de modo que só pode funcionar quando<br />

atender a esses objetivos de forma justa, equilibrada e com um mínimo de<br />

raciona I idade\<br />

A eficiencia administrativa também obrigaría que as atividades que de-<br />

vessem ser prestadas o fossem pelos niveis burocráticos mais próximos aos<br />

destinatarios do servico. por se acreditar que em termos executivos se obtería<br />

RFVISI \ JURÍDICA IN VIIRHIS n. <strong>15</strong> UFRN


AI.HXANDRI: t;i)N(,'AI.VI S I KA/ÁCI<br />

melhores resultados quando fosse mais próximo o contato entre a Administracao<br />

e administrados, cabendo aos órg3os superiores a coordenacao das atividades a<br />

nivel nacional e regional. Tem-se aquí a realizado dos subprincipios da<br />

descentralizacüo e cooperado institucional, que devem ser postos em prática<br />

entre os entes da federac3o nacional, de acordó coni os mandamentos dos artigos<br />

23, parágrafo único, e241 daConstituic3o Federal6.<br />

Já no que toca ao modo de proceder da burocracia, busca-se urna total<br />

reformulacao do espirito da Administradlo. Como já referido, esta, no Estado de<br />

Direito, nasceu segundo principios rígidos de legalidade, competencia, hierarquia<br />

e impessoalidade. O objetivo, naqueles tempos, era moldar um quadro estatal que<br />

fugisse do patrimonialismo, em que res publica e a res prívala se misturavam.<br />

Queria-se urna administrado capaz de evitar a corrupc3o, o nepotismo, a servidor<br />

fugir de sua competencia, agindo quase que mecánicamente, segundo processos<br />

racionáis e controle do tipo previo, através das ¡numeras autorizacóes,<br />

homologacóes, permissdes. A lógica do sistema era interna, voltada para se<br />

auto I imitar, sem preocupaca"o com a eficiencia e os resultados perseguidos.<br />

impessoalidade, empregando-se processos segundo os quais nao era<br />

possível ao servidor fugir de sua competencia, agindo quase que mecánicamente,<br />

segundo processos racionáis e controle do tipo previo, através das inúmeras<br />

autorizacñes, homologacOes, permissSes. A lógica do sistema era interna, voltada<br />

para se autolimitar. sem preocupacito com a eficiencia e os resultados perseguidos.<br />

Cabe aquí um paréntese para exemplificar melhor essa situacao e mostrar<br />

como ela ainda domina o modelo administrativo brasileiro. Há na 5a Vara da Fazenda<br />

Pública da comarca de Natal/RN processo em que Carlos José Pereira da Silva<br />

aciunu o listado do Rio Grande do Norte para que esse pague os proventos de sua<br />

aposentadoria de acordó com o cargo em que passou para a inatividade. Apesar<br />

de o ¡ild do ¡iposcnlmloriíi lor sido ro¡ili/.iiilo cori'etiimciiU1 c de ler cnqiiiuli'mlo o<br />

servidor no cargo em que devena se aposentar, alguin erro interno quando da<br />

elaborac3o da folha de pagamento fez com que o aposentado recebesse proventos<br />

com base no cargo inferior. Apesar de buscar corrigir o problema administrativamente<br />

1 Na verdade, o que se busca i a compalibilizavílo de fins de micresse público com os meios empresariais de aliñó<br />

los Nesso sentido, a amafio privada lem liinilcs estrenos c que serao determinados pelas normas reguladoras do<br />

mercado Assnn, a vida privada c encoberla de unía hnhnm,ih¡hiJc anlcs nao vista, enquamo que atuacáo do Estado,<br />

se ames era inv\iiit.ttHHil - dedicada á producto direla de bens e servicos -. agora passa a ser prtnii" do l)ecrelo*lei 2UO/67 estipuln couui principios luiulamenlais das alividades da Adminislravao o<br />

planeiauíenli), n t'uurdciiiieAu, a (lescentrali/iiv'ild, dclegacao de competencia c o controle<br />

-6 RKVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN


'■' IOKMA IX) I-:STAIX). AÜÉNCIAS RI-XiUl.AIXIRAS I: DHSKNVOLVIMKNTO<br />

e de ter o Estado reconhecido (inclusive na própria contestacao da acüo) o seu<br />

erro e o direito do autor, há mais de 1 ano e meio que, através de autorizacñes,<br />

homologacdes, controles, pareceres etc que o processo administrativo se arrasta,<br />

demonstrando a incapacidade da burocracia de corrigir, eficientemente, um simples<br />

erro de folha de pagamento7.<br />

Para fugirdesse quadro, pretende-se, hoje, urna Administracáo voltada<br />

para resultados, sendo que para isso terá maior flcxibilidade na utilizacSo de meios<br />

e incentivos pelo alcance dos mesmos. Havcrá maior autonomía burocrática, de<br />

modo que nüo haverá tanta vinculacüo em termos de competencia, recursos<br />

humanos e financeiros (ver art. 37, § 8o da Constiluicüo Federal). Os controles nüo<br />

serüo previos, mas tlnalisticos e se elaborará responsabilizado em razüo da<br />

eficiencia c nüo de respeito a formas. O bom administrador nüo será o bom seguidor<br />

de procedimentos, mas o bom garante. Assim, tlcxibilidade, autonomía e<br />

responsabilizacáo serüo elementos indicadores de urna Administracüo Gerencial.<br />

Ñas palavras de LU1Z CARLOS BRESSER PEREIRA.que participou da reforma<br />

do lisiado brasileiro na década de 90, enquanto ministro da Administracüo Federal<br />

e da Reforma do Estado (in PEREIRA. 2001, p. 28):<br />

Algumas características básicas defmem a adminis<br />

tracáo píiblica gerencial. E orientada para o<br />

cidadao e para a obtencao de resultados: pressupde<br />

que os políticos e os funcionarios públicos sao<br />

merecedores de grau limitado de con/tanca; como<br />

estrategia, sérvese da descentralizando e do<br />

incentivo a criatividade e á inovacao; e utiliza o<br />

contrato de gestan como instrumento de con/role<br />

dos gestores públicos.<br />

No que toca á legitimidade do proceder administrativo, propugna-se<br />

pela reformulac,üo, mesmo, do principio democrático, passando a énfase para a<br />

participado direta do administrado em detrimento do clássico sistema de<br />

representatividade, que a cada dia mostra-se insuficiente para as necessidades<br />

' O número do processo c 001.02.02409I-I. iratando-sc de rilo ordinario. O curioso da estória c que qtiando da<br />

conlcslacao o l-slado apenas dedn/ preliminar proccssual (no mcrilo ele rccoiihece o dircilo do amor), no sentido<br />

de que nao la\xn.< intcressc cm demandar cm juizo. posto que a Admmislracio reconhecia o direilo do anlor Assim.<br />

secundo es.se entcmlimeiilo. podería o postulante esperar, qiiein sabe, mai* uns dez anos, para ver seu diicilo ¡Hendido<br />

REVISTA JURÍDICA IN VI-RUIS n. <strong>15</strong> UIRN 27


AI.1XANDRI c;ON


A KI-.I-ORMA IX) ISTADO. AGINCIAS RI.(.UI.AIX)KAS 1. DKSbNVOl.VIMENTO<br />

Em temios de reforma administrativa, o fenómeno das agencias inova<br />

no direito brasileiro em dois aspectos fundamentáis: a) tratam-se de autarquías<br />

com funches normativas, independencia finanecira (com receitas próprias),<br />

independencia decisoria (nao há, em regra. o chamado recurso hierárquico para o<br />

Ministerio competente) e independencia política (mandato para os seus diretores,<br />

sem a possibilidade de dem¡ss3o adnuliini), quebrando a histórica vinculacüo do<br />

direito brasileiro ao modelo francés da unidade administrativa, em que as ¡nstituiedes<br />

estüo dispostas em hierarquia, tendo o presidente da república como chefe; b)<br />

introduz-se na regulacüo das atividades dos particulares a ¡déia de participacüo<br />

popular, visando maior eficiencia do direito elaborado, por contar com a colaboracáo<br />

efetiva. em termos de informacao e opiniüo, dos sujeitos regulados.<br />

Passa, portanto, a Administradlo Pública a ser responsavel pela<br />

conduc3o de determinados setores a objetivos económicos e sociais de interesse<br />

público, assumindo a especia I iznc.¡ío. a técnica e a eficiencia regulatória como<br />

valores u servirem de criterios de suu atuncik). li inlcrcssantc perceber, c isso iS<br />

pouco enfatizado quando dos debates a respeito, que as agencias reguladoras<br />

nflo silo (ou pelo menos n3o devem ser) apenas mais urna forma de burocracia, mas<br />

rcprcsenluin uní instrumento para o dcsenvolviinento económico.<br />

Desenvolvimento económico, conforme atesta CALIXTO SALOMÁO<br />

Fl LHO (2002, p. 32), "...antes que um valor de crescimento ou mesmo um grupo de<br />

instituícóes que possibilitem determinado resultado, é um processo de<br />

autoconhecimento da sociedade". de modo que nüo bastaría o aumento da<br />

produfáo de bens e servicos. o aumento da produtividade da nacáo, para se<br />

atingir o desenvolvimento, mas também permitir um ambiente económico de modo<br />

que, sendo possivel o acesso do maior número possível de cidadaos aos bens e<br />

servicos (democracia económica), possam os mesmos opinar e participar da<br />

resolucao dos problemas, escolha de valores e de modelos económicos a serem<br />

perseguidos.<br />

Assim, para se atingir esses dois objetivos, democracia económica e<br />

transmiss3o de informacóes sobre as preferencias económicas dos participantes<br />

do mercado, é preciso que a regulac3o seja orientada por tres principios<br />

fundamentáis: o redistríbutivo (em que se obrigaria que as empresas atuantes no<br />

mercado universalizassem os seus servicos, fazendo quem pode pagar por quem<br />

n3o pode ou impondo a utilizacao de parte do lucro nesse processo); o da quebra<br />

de polos de concentracao económica (permitindo a difusaodo poderío económico<br />

através da protejo á concorréncia); e, finalmente, o da cooperac3o, através do<br />

qual o poder público usaría de seus instrumentos para que os próprios agentes do<br />

RIZVISTA JURÍDICA IN VERIiIS n. <strong>15</strong> UKRN 29


ALI-XANDRI- tiONCALVES FKA/.ÁO<br />

mercado pudessem se ajudar na resolucSo de suas ¡mperfeicóes e no atendimento<br />

das necessidades reciprocas.<br />

As agencias reguladoras caberia realizar esse papel. Através de sua<br />

competencia normativa e fiscal¡zadora, criaría obr¡ga


A KI-IOKMA IXI I SIAIXI. A(,l NUAS KI.CUJI.AIXÍKAS I: DHStNVOLVIMKN IO<br />

administrativo brasileiro'". Mostra-se ¡issim, um despreparo do novo governo ao<br />

tratar a questáo das agencias, reduzindo a discussáo sobre as mesmas a urna briga<br />

de quem deve ter mais poder na esfera federal, sem se enfocar sobre que sistema<br />

atendería aos atuais objetivos da oiganizacilo política estatal contemporánea.<br />

Espera-se que o presente texto tenha contribuido para urna discussüo mais<br />

aprofundada do assunlo.<br />

6. Referencias bibliográficas<br />

BECK, Ulrich. O que é globalizacdo, equívocos do globalhmo e resposlas ¿i<br />

globalizacdo. Trad. André Carone. Sao Paulo: Paze Térra, 1999.<br />

BOFF, Leonardo. Tempo de transcendencia (o ser humano como um projeto<br />

infinito). Rio de Janeiro: Sextante, 2000.<br />

CARDOSO, Fernando Henrique. Reforma do Estado. <strong>In</strong>: Reforma do Estado e<br />

Administracao Pública Gerencial, orgs. Luiz Carlos Bresser Pereira e Peter Spink,<br />

Rio de Janeiro: Editora FG V, 2001. p. <strong>15</strong>-20.<br />

DI PlETRO. Maria Sylv ia. Parcerias na Administracao Pública. 4a ed. S3o Paulo:<br />

Atlas. 2002.<br />

FARI A, José Eduardo. O Direito na economía glohalizada. S3o Paulo: Malheiros<br />

Editores, 2000.<br />

JUSTEN FILHO, Marcal. O Direito das Agencias Reguladoras <strong>In</strong>dependentes,<br />

Sao Paulo: Dialctica. 2002.<br />

MOREIRA NETO. Diogode Figueiredo. MutucñesdeDireitoAdministrativo.!'<br />

ed. Süo Paulo: Renovar. 2001.<br />

'" I in ic|x>n;ii!cni na Rc\ M;i Veja. ctlivAo de 11 de mai\'o de 200.V venficii-se que "desde a posse de l.ula. as agencias<br />

se lonuiiain ;iU


Al.I XANDKI U)N(,AI VI S IK\/,\l><br />

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. //»; Reforma do Estado e Adm'misiracao Pública<br />

Gerencia/, orgs. Luiz Carlos Bresser Pereira e Peter Spink. Rio de Janeiro: Editora<br />

FGV,200l.p.2l-38.<br />

SALOMÁO FILHO, Calixto. Regula9aoe Desenvolvimento. <strong>In</strong>: Regulacao e De-<br />

semalvimenio, coord. Calixto Salomüo Filho, Süo Paulo: Malheiros Editores,2002.<br />

p. 29-63.<br />

RliVISTA JURÍDICA IN VERRIS n. <strong>15</strong>- UFRN


IX)U:(.ALAORF.AL:I)IKF.ITOSHUIV1ANOSF.II)EINTIDADEBRASILF:IRA<br />

Fláviü Iknrique Rodrigues Carneiro<br />

Académico do 8.° periodo do curso de Direito da UFRN<br />

Bolsista do Programa de «ocurso I <strong>In</strong>munos du Agencia Nacional do Petróleo<br />

I. <strong>In</strong>troducto<br />

/. <strong>In</strong>lrodticao; 2. (Jlobuli'iicao, NeoLiberulismo e<br />

o.\ Üircilos Humanas; i. Os Direilos Humanos como<br />

universais; 4. Os Direilus Humanos no Brasil; 5. A<br />

Idenlidade e os Direilos Humanos; 6. Considera-<br />

coes Fináis; 7. Referencias Bibliográficas.<br />

0 noticiario da ¡mprensa brasileira, sobretudo nos últimos anos, mostra<br />

que a garantía aos Direitos Humanos, o respeito á Coisa Pública e á honestidade<br />

administrativa dos governantes, atravessam urna profunda crise que afeta o país<br />

como um todo. Parece que criou-se no Brasil urna forte corrente naqual os direitos<br />

só tém valor se estiverem no plano particular. Há urna completa desvalorizado do<br />

plano público na vida nacional.<br />

Pode-se perceber o desenvolvimento de urna moral cínica nacional,<br />

criada a partir de vínculos que envolvem todas as carnadas sociais. Na verdade os<br />

padróes de honestidade só tém validade dentro do restrito grupo familiar. Nesse<br />

sentido há um grande elo que une o político que desvia fundos para pagamento de<br />

precatórios, o ladrüo que furta. o motorista que nao respe¡ta o limite de velocidade<br />

estabelecido ñas estradas ou nao respeita os sinais de tránsito, o cidadüo que com<br />

o argumento da "pressa" fura as filas.<br />

Ue forma idéntica nos indignamos com a miseria. Contudo, ao andar<br />

pelas mas do centro de S3o Paulo, Rio de Janeiro, Recife e mesmo da pequeña<br />

Natal, encontramos iniseráveis queja perderam qualqucr sentido da palavra vida.<br />

Ao levantar essa problemática algumas questdes surgem:<br />

1. Coinoo Brasil pode ser signatario da Declaracüodos Direitos do Homemseaté<br />

hoje continuamos u dcsrespeitá-la?<br />

2. Será que a noeflo de Direitos do Homem ainda existe? Haveria na sociedade urna<br />

crise paradigmática tüo profunda que a própria idéia de Direito encontra-se em<br />

crise?<br />

3. Que passos a sociedade tem dado para reverter o quadro caótico no que se<br />

refere aos Direitos Humanos?<br />

RTVISTA JURÍDICA IN VRKIJIS n. <strong>15</strong>-UFRN


11 AVIO III-NKK.UII KODKKilll S I ARNI IKO<br />

4. Por que mesmo vivenciando urna sociedade alardeada pelo poder como<br />

democrática, ná"o conhecemos a di lerenda entre política assistencialista e política<br />

assistencial?<br />

5. O que fazercom a Policía que n3o se percebe como instrumento para a lei. mas<br />

simeomoaprópria lei?<br />

6. Por que as "minorías" aínda nao conseguem o respeito ás suas liberdades?<br />

Todas essas questóes nos inconiodam e se desejássemos respondé-las<br />

separadamente teñamos material suficiente para escrevermos diversos artigos.<br />

Para que se tenha urna vís3o geral desse tema o texto foi dividido em quatro partes.<br />

No prímeiro item díscute-se a globalizacño, o neoliberalismo e os Direitos<br />

Humanos. No segundo tópico do trabalho sao discutidos os Direitos Humanos<br />

como processo universal. Na terceira parte do texto discute-seos Direítos Humanos<br />

no Brasil. A quarta parte do trabalho discutirá a identidade nacional e os Díreítos<br />

Humanos.<br />

2. AGIobalizacilo,o Neoliberalísmoeos Direitos Humanos<br />

A globalizacjio da sociedade é apreseniada como um processo ¡nevítável<br />

dos acontecímentos. O pensamento neoliberal afirma com toda convicio a<br />

inevitabílidade dos acontecímentos e dizem que na"o lia outra alternativa.<br />

De onde vem essa convicio de que sao inevitáveis os acontecimentos?<br />

E provável que esta seguranza esteja na primazía absoluta do capital, do seu<br />

caráter invencível, desde que o desenvolvimento da racionalidade económica<br />

confundiu-se com o desenvolvimento da racíonalidade tecno-cientifica.<br />

Estamos atravessando urna fase de mudancas no paradigma tecnológico<br />

e duas dessas mudancas chamam a atenedo. A primeira diz respeito ás atividades<br />

de pesquisa e desenvolvimento: No atual momento histórico as industrias estilo<br />

promovendo grandes alteracdes ñas tomadas de decisñes sobre investimentos em<br />

pesquisa. As decisOes de investir em pesquisa nSo se base ¡a m mais ñas taxas de<br />

retorno, trata-se de investir para buscar sobreviver no competitivo mercado. Por<br />

outro lado, o padrüo de competícáo também está mudando; até pouco tempo atrás,<br />

o competidor costumava ser urna outra empresa do mesmo setor industrial, mas<br />

agora, em muitos casos, o competidor é de um setor industrial diferente, o que faz<br />

com que se passe de competidores visíveis para inimigos invisiveis. A segunda<br />

grande transformacao refere-se aos padrSes de inovacáo. Na vis3o convencional,<br />

a inovacáo técnica se realiza através da ruptura das fronteíras de tecnologías<br />

existentes. Contudo, o que ocorre hoje, em muitos casos, é a fusño de diversos<br />

RRVISTA JURÍDICA IN VliRBIS n. <strong>15</strong>- Uf'RN


IMI I I (.Al Al) Kl Al. DIKI IIDS HUMANOS I 11)1 N IIDADI- UKASII I.IKA<br />

tipos de tecnologías, muito mais do que as rupturas tecnológicas. A fusao é muilo<br />

mais do que a soma e a combinacño de tecnologías diferentes, porque ¡mplementa<br />

urna ¡iritmiMica cm que um mais um ó igual a tres.<br />

O principio da competitividade obriga a racionalidade económica a atre-<br />

lar-se a tradicional tecno-científica e a subordinar as decisóes de investimento á<br />

dinámica da inovacao. É como se a sobrevivencia no mercado dependesse mais de<br />

sua capacidade de invencao e substituido de produtos. do que da extensa<br />

exploracSo comercial dos mesmos, cujo ciclo de vida é cada vez mais curto.<br />

Tudo se passa, entáo, como se estívéssemos vivenciando um período<br />

de ondas de revolucao que emergem dentro do capitalismo, Ihe dáo novo alentó e<br />

vao Ihe abrindo novas perspectivas. É a revolucao eletrónica, seguida de outras<br />

revolucñes - revolucao das comunicares, revolucao dos novos materiais. e<br />

revolucao biotecnológica.<br />

O progresso da ciencia e da tecnología caminha em sentido oposto ao<br />

do progresso da moral¡dade da conduta humana, já que o processo fortalece um<br />

modo de ser pré-reflexivo, nao-racional e nao-espiritual, e nem por isso instintivo.<br />

Contudo, a melhor maneira de entender o que se passa verifica-se no<br />

campo da reproduc3o humana. A ¡ntencáo de seres humanos de ter um filho que<br />

nao podem ou n3o querem té-Ios pelas vias biológicas "convencionais", pode ser<br />

fácilmente atingida nos dias de hoje, grabas aos avances tecno-científicos da<br />

chamada "reproducSo assistida". Se na década de 60 a luta consistía em garantir o<br />

sexo sem procriacüo; a década de 80 trouxe á tona urna ¡nversao da luta: a procriacáo<br />

sem sexo. As opc5es de ampliacüo da reprodu93o humana crescem de forma<br />

espantosa. Procriar sem sexo tornou-se um fato para a human idade: s3o as<br />

¡nsemínacócs artificiáis; süo possibilidades de clonagem humana; s3o os bebés de<br />

proveta; s3o os bancos de esperma; s3o as barrigas de aluguel; s3o as<br />

comercializacóes de ovos e embrides.<br />

Todas essas ¡novacóes geram urna forte crise no conceíto de homem e,<br />

consequentemente, na própria noc3o de Direito do Homem. Quando lemos nos<br />

jomáis noticias do tipo: casal gay deseja construir um novo tipo de familia; senhoras<br />

de ¡dade avancada desejam ser mñes; clientes japoneses querem contratar barrigas<br />

de aluguel no exterior - porque a atividade é ¡legal no seu país; ficamos surpresos.<br />

Na verdade isso indica que estamos vendo na realidade as nocñes do Direito n3o<br />

contemplando tantas ¡novacSes.<br />

A Declaracao á sociedade dos Direítos Humanos de 1948, postulava o<br />

reconhecimento de um direíto consensual para todos. Naquele momento o conceito<br />

de Direito cstava limitado á nocao de reconhecimento universal. Aparentemente a<br />

i| iRJniCA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UI-KN 35


I'LAVIO HENRIQUli RODRIGUES CARNKIRO<br />

Declaracao ao estabelecer o sistema dos Direitos Humanos teria resolvido o confuto<br />

entre o individualismo indomado e o Direito.<br />

Contudo, atualmente desapareceu o equilibrio entre o individualismo e<br />

o Direito. Isso porque, o sujeito humano aumentou sua potencia, através das<br />

inovacoes científicas, a ponto de nao mais considerar os limites e as fronteiras.<br />

Nesse sentido, uní novo conceito de Direito precisa serdiscutido e operacionalizado.<br />

2.1. A Pós-Modernidade<br />

A negacao da nocao de Direito tem sido urna das posicñes defendidas<br />

pelos teóricos da pós-modernidadc. Mas o que significa a pós-inodemidade? Que<br />

relacoes ela provoca? Como caracterizar esse novo momento histórico e seus<br />

teóricos?<br />

Tentando definir esse momento afirma García:<br />

Os acontecimenios se prccipitaram e as nossas ca<br />

tegorías se tornaram pobres para entendé-los.<br />

Queda do muro de Berlim, fracasso do socialismo<br />

real, AIDS, neonazismo, intolerancia étnica,<br />

implosao dos grandes sistemas, dos modelos, dos<br />

blocos. Fragmentacao a que se deu o nome vago de<br />

pós-moderno. Nome vago que anuncia algo quefoi<br />

idtrapassado, que estamos em outro momento, nao<br />

sabemos exatamente qual e o que isto significa<br />

(García,] 994, p.58).<br />

Para caracterizar, mais detalhadamente, o momento de crise das certezas<br />

absolutas, Santos, através de urna retrospectiva histórica, demonstra as raízes<br />

desta problemática. Segundo o autor, a década de 1980 caracterizou-se pelo<br />

aprofundamento da crise do Estado-Providencia - já detectada na década anterior<br />

- nos países centráis (Santos, 1994, p.68).<br />

É incontestável a afirmacá"o de que o desmantelamento do Estado-Pro-<br />

vidéncia agravou ainda mais as desigualdades sociais em todo mundo. Entretanto,<br />

o que mais chama atencSo neste quadro de discrepancias sociais é a situac.20 dos<br />

países do chamado Terceiro Mundo, que foram sem dúvida alguma os mais<br />

prejudicados.<br />

O que provocou urna crise mais agucada nos países periféricos foi o<br />

endividamento externo desses países e a desvalorizacSo de seus produtos no<br />

36 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


IX) 1.1 ÜAI. AO REAL DIREITOS HUMANOS 1. IDINT1DAOE BRASILKIRA<br />

mercado internacional.<br />

A dificuldadee a riqueza de analisaresse momento histórico é notável.<br />

A plural¡dade de interpretacóes para os acontecimentos atuais garantem uní rico<br />

material de leitura. Contudo, ao mcsmo tempo, as diversas ¡nterpretacóes discutem<br />

os temas com paradigmas bastante diferenciados, o que dificulta a busca da<br />

objetividade dos acontecimentos.<br />

Buscando analisar o atual contexto, encontram-se algumas<br />

interpretares que privilegiam o Neoliberalismo e a Globalizacao como centro de<br />

suas análiscs. Para essas védenles a análisc da década de 1980 é bastante positiva,<br />

lsso porque, durante esses anos ocorreu a reabilitacáo dos movimentos sociais e<br />

da democracia. Reforcando tal ponto de vista os teóricos dessa vertente<br />

interpretativa apontam o fim do Apartheid.o fim do confuto leste/oeste e o<br />

abrandamento da corrida nuclear, como exemplos de que vivemos um mundo mais<br />

justo, democrático e solidario.<br />

As ¡nterpretacóes que enaltecem o neoliberalismo e a globalízacSo ar-<br />

gumentam e fundamentam a execuc^o de políticas económicas voltadas para o<br />

desenvolvimento de urna política internacional com base na ¡ntegrac3o regional.<br />

Dessa forma, explica-se a ¡ntensificacao das práticas transnacionais,<br />

pautadas pela ¡nternacionaüzacáo da economía. A conseqüéncia ¡mediata de tais<br />

políticas foi a marginalizacüo do Estado Nacional e a perda de sua autonomía e de<br />

sua capacidade de regulacüo social.<br />

2.2.0 Outro Lado da Globalizacao<br />

Contudo, percebe-se que, de forma contraditória, o Estado Nacional<br />

continua ocupando as costumeiras funcSes, tanto para regulamentar como para<br />

desregulamentar. Tal atitude do Estado nacional levanta urna questao: O Estado<br />

Nacional é urna unidade em extincüo? As evidencias nos encaminham a responder<br />

negativamente essa questño, na medida em que o que temos visto é a atuapüo do<br />

Estado Nacional privilegiando os interesses do capital internacional.<br />

Ao analisar com cuidado a ¡ntensificacao da interdependencia<br />

transnacional, é possível perceber que as relacóes sociais apenas aparentam sínais<br />

de superacüo do territorio nacional. Alguns estudos apressados chegaram a afirmar<br />

que ludo se encaminhava para que fossem ultrapassadas as fronteiras do nacional.<br />

Nesse sentido, esses estudos chegaram a afirmar que os costumes, a língua e a<br />

ideología nüo teriam mais um lugar específico, tudo pertenceria a um mundo<br />

desterritorializado. Contudo, em contraposicüo á essa interpretado o que temos<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> UFRN 37


II.AVIO IIINRIQUi: KOI)KI(ilJi:S(.AKNi:iRC)<br />

visto c o surgimento do resgale das identidades regionais e locáis.<br />

Hoje, cada vez mais, as pessoas buscam referenciais que a liguem com<br />

o lugar em que vivem. Isso porque, o mundo global retirou as referencias mais<br />

próximas e todos passaram a sentir a necessidade de se perceberem como sujeitos.<br />

Essa discussáo sobre a presenca do Estado no mundo globalizado e a<br />

busca das identidades afeta diretamente a nocao de Direito. Isso porque, algumas<br />

questSes afloram com muita veeméncia: O Direito é um conjunto de regras<br />

vinculadas ao espa9O nacional? Existe um padrSo consensual que possa definir o<br />

que é Direito ou cada grupo tem sua própria definicilo? Diante deste quadro duas<br />

grandes posicoes se apresentam: para alguns pensadores a sociedade atravessa<br />

urna plena crise de modelos, que afeta o próprio conceito de Direito, apontando<br />

para a perspectiva de que seja desenliado um novo criterio do que se constitui um<br />

Direito. Para outros, a luta consiste em descobrir formas de preservar os Direitos<br />

conquistados históricamente.<br />

3. Os Direitos Humanos como Universais<br />

Segundo Bobbio (1992), a protecao dos Direitos Humanos torna-sc um<br />

problema central nos días atuais. Para o autor a base dessa preservaca"o está na<br />

Declaracüo Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10 de dezembro de<br />

1948, na Assembléia Geral das Na?Ses Unidas. Por essa declarac.ao fo¡ decidido<br />

que os países signatarios a adotariam "como ideal a ser atingido por todos os<br />

povos e todas as nacoes".<br />

O estabelecimento dessa declaracáo é um marco na universalizaca"o dos<br />

direitos, na medida em que passou a existir um sistema de valores considerados<br />

humanamente fundados e reconhecidos por diferentes povos, e que é denominado<br />

por Bobbio de "consenso da validade". Em outras palavras, o que o pensador<br />

italiano deixa claro é que foram descobertos valores subjetivamente escolhidos e<br />

históricamente aceitos como consensuáis, pelo universo dos homens.<br />

Bobbio afirma que a Declarac3o de 1948 apresenta ao mesmo tempo um<br />

caráter universal e positivo. O caráter universal está presente quando o documento<br />

objetiva atingir os "cidadaos do mundo" como um todo, e n3o apenas os habitantes<br />

de urna fronteira nacional específica. O aspecto positivo está no fato dos direitos<br />

deixarem de ser apenas proclamados e passarem a ser protegidos contra qualquer<br />

violacílo.<br />

Dessa forma, está evidente que existe urna luta histórica pela defesa<br />

dos Dircitos Humanos. Luta essa que possui um processo anterior á etapa de<br />

Rl-VISTA JURÍDICA IN V1ÍRBIS n. <strong>15</strong>-UFRN


IXH.HIAI AOKIAI IMKRTOS HUMANOS I IDI NTIDADK BRASII.EIKA<br />

consol iducño. Didaticamente podemos apresentardois momentos que antecederam<br />

a consol iducüo dos Direitos: num primciro momento os Direitos Humanos eram<br />

concebidos, exclusivamente, enquanto direitos naturais do homem e. portanto, a<br />

única alternativa paru v ¡sualizá-lo era o chamado direito de resistencia. Num segundo<br />

momento, as Constituicóes dos Estados-NacOes passaram a reconhecer a protec3o<br />

jurídica de alguns desses direitos. Nessa nova etapa o direito natural de resistencia<br />

transformou-se em direito positivo de promover urna acáo judicial.<br />

Entretanto, necessário se faz destacar que so a partir da Declarado<br />

Universal dos Direitos do Homem é que a humanidade passou a partilhar alguns<br />

valores comuns e a crer na universalidade dos valores históricamente legítimos.<br />

A Declarado Universal dos Direitos do Homem é um documento<br />

redigido a partir de um consenso histórico entre homens de diferentes panes do<br />

planeta. Ela significa, certamente, um ponto de partida em relacao ao processo de<br />

protecüo global dos direilos do homem.<br />

O momento histórico e político que vivemos hoje possui diferenciacoes<br />

substanciáis em relacüo ao contexto que possibilitou a assinatura da Declaracáo<br />

dos Dircilos do Homem. Alualmente qualro grandes características emolduram o<br />

cenário no planeta: Um acelerado nivel de desenvolvimento das tecnologias e das<br />

técnicas; urna translbrmacüo das condicocs económicas e sociais favorecendo<br />

para o aumento das disparidades entre pobres e ricos; urna ampliado dos<br />

conhecimentos e a intensificado dos meios de comúnicacáo. Esse novo cenário<br />

provoca novas mudancas na organizado da vida humana e ñas relacSes sociais,<br />

favorecendo para o nascimento de novas necessidades e, portanto, para novas<br />

demandas de liberdade e de poderes, ocasionando a necessidade de um novo<br />

consenso que regule as novas relacñes.<br />

Desde a assinatura da Declarado ficou patente para a humanidade que<br />

a protecflo dos direitos do homem está ligada ao desenvolvimento global da<br />

civilizaciio. Da inesma forma passou-se a compreender que nao se pode entender<br />

a questdo dos Direitos Humanos abstraindo dois dos problemas da nossa<br />

contemporaneidade : a guerra e a miseria.<br />

4. Os Direitos Humanos no Brasil<br />

Marilena Chaui talando sobre a sociedade oras i le ira, afirma:<br />

REVISTA .11IRÍDICA IN Y'KRHIS n. <strong>15</strong> - UFRN<br />

O Brasil é urna sacieJaJe autoritaria, na medida em<br />

que nao consegue, alé o limiar Jo sécalo XXI,<br />

concreiizur sequer os principios (velhos de tres


I I.ÁVIO III'.NKKJMI. KODKICUCS l'ARNI-.IKO<br />

sécalos) do liberalismo e do republicanismo,<br />

/ndislincao entre o público e o privado,<br />

incapacidade para tolerar o principio formal e<br />

absintio da igualdade peranle u leí, combate da<br />

clusse dominante as idéias gerais comidas na<br />

Declaracao dos Direilos do Homeni e do Cidadao,<br />

repressao asformas de lula e de organizando saciáis<br />

e populares, discriminando racial, sexual e de<br />

classes. a sociedade brasileira sob a aparencia de<br />

fluidez (pois as categorías sociológicas, válidas<br />

para a descrigao das sociedades européias e norte<br />

americana, nao parecen! alcancar a realidade social<br />

brasileira), estrutura-se de modoJanemente hiercír-<br />

c/uico, e, neta, nao sú o Estado aparece como funda<br />

dor do práprio social, mas as rehenes saciáis se<br />

efeluam sob a forma da tutela e da favor (¡amáis da<br />

direito) e a legal¡dade se constituí como circulo<br />

fatal do arbitrio (dos dominantes) a Iransgressáo<br />

(dos dominados), e, desta, aa arbitrio (dos<br />

dominantes) (Chaui, 1996, p.47).<br />

Ao desenvolver tais afirmativas a autora deixa nítida a nossa "tradicao"<br />

de desrespeito aos Direitos Humanos. Para Chaui essa "tradieño" n3o pode ser<br />

explicada, como afirmavam, freqUentemente, estudiosos da veia culturalista, pela<br />

origem ibérica da colonizado. Tais estudiosos diziam que o Brasil era um país que<br />

desrespeitava os direitos do homem, poique a populacilo trazia "no sen sangue"<br />

as práticas das populac.óes da Península Ibérica (Portugal e lispanha).<br />

A filósofa, adota a crítica aos cultura listas apoiada na interpretado de<br />

Roberto Schwartz. Foi Schwartz quem primeiro deixou bastante claro as peculiari<br />

dades da nossa sociedade. Entre essas particularidades pode ser citado o fato de<br />

o Brasil ter vivido, durante o Imperio um liberalismo político, instalado sobre urna<br />

economía escravista. O liberalismo brasileiro, ao contrario do F.uropeu. mío defendía<br />

as liberdades plenas, pois continuava convivendo com a escravidao para favorecer<br />

as élites agrarias.<br />

Assim. sño históricos os traeos do autoritarismo no Brasil. Nesse sentido.<br />

n3o se pode dizer que as mazelas autoritarias, ainda vigentes nos nossos dias, süo<br />

puros reflexos de 1964. O que se pode dizer é que o autoritarismo foi apenas<br />

■•" RKVISTA JURÍDICA IN VI-RUIS n. <strong>15</strong> UTRN


IX) I K.Al AdKI.AI IMKMIDS HUMANOS I 11)1 NTIDADfc HRASII.EIRA<br />

reforcadocom a instauracüo do regime militar.<br />

O nosso momento histórico é marcado pelo paradoxo desenvolvimenio<br />

económico/miseria social e exige a compreensdo dos novos direitos que emergem.<br />

Para tanto optamos por discutir esscs novos direitos a partir de situacfles concretas<br />

da sociedade brasileiru, selecionadas de artigos publicados pelo jornal Folha de<br />

S3o Paulo. e pelas revistas Veja, Isloé. e Época, ñas quais se evidencia a insuficiencia<br />

de um concuilo jurídico para delimilur oque éou nilo um direito humano.<br />

4.1. Em nlacSoá policía<br />

Lm marco de 1997, urna acüo da Policia Militar Paulista na cidade de<br />

Diadema fe/ surgir urna serie de discussfles sobre a policia e os Direitos Humanos.<br />

Essas discussoes alingiram os jomáis, as revistas, o debate universitario, e<br />

seminarios envolvendo a sociedade civil.<br />

l.m artigo publicado no jornal lolha de Süo Paulo (Tendencias/Debates,<br />

caderno I, p. 03,03 de julho de 1997), o professor Paulo Sergio Pinheiro. comenta<br />

a situadlo da Policia Militar em lodo o Brasil. Da análise do autor se observa os<br />

seguintes dados:<br />

(a) a disparidade entre a remuneraca"o paga a Soldados, Cabos e Sargentos e a<br />

remuneraciio de Oficiáis, Coronéis e Delegados;<br />

(b) em muitos estados brasileiros as Policías Militares atuam como forcas de ocu-<br />

pacáo ou milicias auxiliares de jaguncos, e<br />

(c) as Policías Civil e Militar, em todos os estados, n3o cooperam entre si e muitas<br />

vezes se atrope I am.<br />

Analisando a mesma questáo, num artigo publicado pelo mesmo jornal,<br />

o professor Rubem A Ivés afirma:<br />

RFVISTA JURÍDICA IN VEKBIS n. <strong>15</strong> UFRN<br />

.SV o Estado nao díspuser de instrumentos de<br />

violencia pura impar a leí, ele acaba se<br />

transformando num motivo de chacota - como é o<br />

caso do Brasil. Quem lem medo do Estado? A<br />

psicología dos envolvidos nos precatórios é a mesma<br />

psicología dos policiais de Diadema. (...) A policía<br />

se estabelece. assim. como urna ¡nstituicao com as<br />

Características do sagrado: a sensaedo de poder,<br />

concedida pelo uso das armas; o prazer sádico de<br />

infligir sofrimento lis pessoas; a arrogancia de ndo<br />

haver ncnhiimo instancia superior a que prestar


I I.ÁVIO IIINRiyill RODRIGUI S CARNHRO<br />

Diante disso questiona-se:<br />

1. Que cultura de policía existe no Brasil?<br />

conins; o sentímento de onipolencia. concedida<br />

pela certeza da impunidade. (...) Policía nao é le¡.<br />

Ela nao é a continuacao do Estado. O lugar<br />

institucional da policía é o mesnio lugar das<br />

ferramentas: o Estado precisa de ferramentas para<br />

coleta de lixo, ferramentas para promover a saúde.<br />

jerramentas para a educacúo dos individuos.<br />

Precisa, lamhém, de ferramentas para comer a<br />

violencia (Alves, 1997, Caderno I. p. 03).<br />

2. Como pode ser estimulada a criacao de órg3os da sociedade civil para controlar<br />

a ac3o policial?<br />

3. N3o deveria haver punícSes para acóes ¡rresponsáveis como a dos governadores<br />

que deram aumento para os oficiáis deixando de lado os soldados, cabos e<br />

sargentos?<br />

4. Que proposta temos para a reestruturacao da Polícia brasileira?<br />

5. Como a Polícia pode llcar limitada á sua funcáo de cumprir a lei e nao se conside<br />

rar a própría leí?<br />

6. Como alterar a psicología de ¡mpunidade que "comanda" o imaginario brasileiro?<br />

4.2. Corrupciloeo Dircito (crido do Contribu inte<br />

Situaca~o I:<br />

Em materia publicada no día I9demaíode I999.arevista Veja denuncia<br />

que Ministros c ouiros a I los funcionarios do governo federal, cnlrc cíes: José<br />

Serra, Pedro Malan e Raúl Jungmann, foram descansar e se divertir com a familia<br />

em fins de semana usando - de grac.a - avióes da FAB c lanzando despesas na<br />

conta de Brasilia (Brasil, <strong>Revista</strong> Veja, I9demaiode 1999, p.44-9).<br />

Situac3o2:<br />

O senador Luis Esteváo, cassado por corrupcao e quebra do decoro<br />

parlamentar, no dia 28 de junho de 2000, tinha como suplente o empresario do setor<br />

de transportes coletivos. Valmir Amaral. Talvez a casa estivesse trocando seis por<br />

meia dúzia, pois Amaral estava sendo investigado por sonegacáo fiscal em suas<br />

empresas e respondía a um processo por violencia contra uní de seus funcionarios.<br />

H- Rl-VISTA JURÍDICA IN VKRIÍIS n. <strong>15</strong> UFRN


IX) MiCAI. AO RI-AI. DIRKITOS HUMANOS F. IDKNTIDADH RRASILUIRA<br />

SituacSo3:<br />

Em Janeiro de 1999, logo depois da desvalorizacao do real frente ao<br />

dólar, o Banco Central, em urna operacao "pouco convencional" sal vou da falencia<br />

o banco Marka, do banqueiro Salvatore Cacciola e o banco FonteCindam, do<br />

banqueiro Luís Antonio Goncalves. Essa ajuda foi autorizada pelo ent§o presidente<br />

da ¡nstituicüo, Francisco Lopes, e provocou um prejuízo de mais de 1,5 bilhóes de<br />

reais aos cofres públicos, somente com essas duas operafoes. Cacciola foi preso<br />

e, apesar do Ministerio Público ter pedido a sua condenacáo, Lopes e toda a sua<br />

diretoriacontinuam em liberdade(Rocha, <strong>Revista</strong> IstoÉ, 28 dejunhode2000, p.30-<br />

2).<br />

Situacao4:<br />

No final de maio de 2000, tres ministros do Supremo Tribunal Federal e<br />

outros doze do Superior Tribunal de Justica viajaran! a Nova York e Toronto para<br />

participar de um seminario sobre os "Aspectos Jurídicos das TelecomunicacOes".<br />

Toda a viajem foi paga por duas grandes empresas do setor de telecomunicacSes<br />

- a Nortel e a Ericsson. Esta possui dois processos no STF e os relatores Néri da<br />

Silveira e Sydney Sanches participaram da comitiva. Esta atitude fere o artigo 9o,<br />

inciso I °, da lei de improbidade, que proíbe o funcionario público de auferir vantagens<br />

de empresa que pode, com sua funcSo, prejudicar ou beneficiar (Miranda, <strong>Revista</strong><br />

IstoÉ, I4dejunhode2000, p.110).<br />

Diante desses outros casos, indagamos:<br />

1. Como podemos pagar livremente nossos impostos se sabemos que o nosso<br />

dinheiro está sendo alvo de corrupcao?<br />

2. Porque a populado só tem seus direitos de cidadania lembrados quando é para<br />

servir aos interesses do Estado?<br />

4.3.0DireitodoOutro<br />

O caso dos jovens adolescentes que queimaram o indio, em Brasilia,<br />

chocou a opiniao pública. Entretanto a ent3o deputada Marta Suplicy demostra<br />

que essa a?3o n2o pode ser entendida como ato ¡solado e maldoso de jovens<br />

adolescentes. Sobre o episodio comenta a ex-deputada:<br />

Precisamos compreender as raides que levaram<br />

rapaies que comem bem, lém convivio familiar e<br />

freqüenlam escolas a se porlarem com a sc/vagcrhi<br />

demónstrenla ao incendiar o indio palaxó, como<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UlrRN 43


I I.AVIO llliNRIOIJi: KODlilCHJKS CARNKIKO<br />

'br'mccitleira' do grupo.<br />

O caso tem algumas similaridades com o ocorrido<br />

na mesma semana nos BÚA, onde dois adolescentes,<br />

de 18 a 17 anos, mataram dois en/regadores de pina<br />

'para sentir a emoQao de matar urna pessoa',<br />

comentou um deles. (Supücy, 1997, Caderno 1, p. 03).<br />

O texto da ex-deputada estabelece um vínculo entre diversos casos que<br />

parecem ¡solados para a sociedade. Na verdade o que é demonstrado é que a<br />

televisao, com sua programacüo violenta, e a sociedade de consumo, que valoriza<br />

o lugar ocupado pelas pessoas, e nSo o Ser Humano, estao intimamente ligados a<br />

essa situacao. O que fica evidente é que esses casos criam um ruptura com os<br />

direitos básicos da cidadania. Observando as declaracoes dos adolescentes que<br />

queimaram o indio em Brasilia, após o atentado, nos lembra Kowarick, a af¡rmac.üo<br />

dos rapazes: '"pensávamos tratar-se de um mendigo".<br />

Dessa análise podemos questionar:<br />

1. A sociedade nao precisa, urgentemente, redefinir a educado no tocante aos<br />

direitos humanos e valores éticos?<br />

2. Nao precisaría estabelecer urna análise mais criteriosa dos programas televisivos?<br />

3. Nao haveria necessidade de urna forte campanha pela valorizado e respeíto ao<br />

diferente?<br />

4. Nao seria necessário urna formacao humana para todos de modo a generalizar<br />

urna cultura de que o ser humano nao é brinquedo e, que todos tém o mesmo valor<br />

e os mesmos direitos?<br />

4.4.0 judiciário e a defesa<br />

O júri popular que julgou, em agosto de 1999, os tres oficiáis,<br />

responsáveis pela morte de 19 trabalhadores participantes do movimento "Sem-<br />

terra", em Eldorado dos Carajás, absolveu os réus, justificando para a sua acao a<br />

falta de provas. A decisao até poderia ser acatada nao fosse o vasto material que<br />

evidencia a culpa dos envolvidos no caso. <strong>In</strong>clua-se ai, um vídeo que exibe os<br />

quatro primeiros minutos do confronto (Traumann, <strong>Revista</strong> Veja, 25 de agosto de<br />

1999,p.48-9).<br />

A esse respcito a Anistia <strong>In</strong>ternacional, na época ¡mediatamente<br />

posterior ao julgamento, divulgou um comunicado denunciando o que considerava<br />

mais um exemplo da "complacencia das autoridades brasileiras com a violacao dos<br />

44 RHVISTA JURÍDICA IN VI-UBIS n. <strong>15</strong> UI-'RN


DO LIXiAL AC) RP.AI.: OIRIITOS HUMANOS K IDIiNTIDADU BRASILERA<br />

dircilos humanos no país".<br />

lim abril de 2000, o Tribunal de Justina do Para anulou ojulgamento que<br />

inocentou os tres oficiáis responsáveis pela morte de dezenove agricultores "sem-<br />

terra'" em Eldorado dos Carajás. Contudo, esse mesmo Tribunal teve problemas<br />

para encontrar magistrados dispostos a assumir o segundo julgamento, na medida<br />

em que 13 dos <strong>15</strong> juízes crimináis de Belém se recusaran! á missáo (Pinto, <strong>Revista</strong><br />

Época, 17 de abril de 2000, p.43).<br />

Diante disso, questiona-se:<br />

1. A sociedade brasilcira perdeu a credibilidade no Judiciário. Que propostas efetivas<br />

de mudancas desse poder podem ser operacionalizadas?<br />

2. Como a sociedade pode controlar externamente o poder "supremo" dos juizes?<br />

3. Que punic.6es efetivas há para os juizes que usam seu poder sem a observadlo<br />

da lei?<br />

4. Que tipo de educacüo a populacho brasileira tem para participar de júri popular<br />

e decidir sobre a vida de outras pessoas sem a utilizado apenas de mecanismos<br />

emocionáis?<br />

4.5. A justica é urna Questáo deClasse<br />

Grajew:<br />

A partir dessas questSes somos obrigados a refletir junto com Oded<br />

A constituicao garante que "todos sao ¡guais peranle<br />

a lei", mas nossasprisoes sao verdadeiros depósitos<br />

de seres humanos, repletas de pessoas pobres. Rico<br />

nao vai para a cadeia no Brasil (Grajew, 1997:<br />

Caderno 1, p. 03).<br />

O ex-presidente Collor. Sergio Naya, Nicolau dos Santos Neto, Francisco<br />

Lopes, e tantos outros continuam gozando de boa vida.<br />

Contudo, nao podemos aderir ao ceticismo e estimular urna visáo que a<br />

Constituicao e as instituicSes de nada valem. Temos que moralizar nossas instancias<br />

de poder antes que sejam banalizados completamente de nossa sociedade os<br />

comportamentos contrarios aos valores humanos.<br />

Questao:<br />

1. Como poderemos superar a constatacao de que a Justina nao é para todos?<br />

REVISTA JURÍDICA 1N VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


5. A Identidade e os Dircitos Humanos<br />

FI.ÁVIO IILNRiyUl: ROI)RIC¡Ui:S C'AKNI-IKÜ<br />

Ao falar da identidade nacional brasileira algumas imagens ¡mediata<br />

mente se apresentam. Essas imagens constróem urna idéia de que o povo brasileiro<br />

possui inúmeros elementos de ¡dentidade, entre os quais, ao nivel da ilustracao,<br />

pode-se citar: a paixüo pelo esporte; os hábitos alimentares; o espirito alegre e<br />

festivo; a forma de abordar as temáticas sexuais; o desejo de interferir no final das<br />

novelas televisivas; a forma hospitaleira de lidar com os visitantes; a mancira<br />

gentil de se portar com as outras pessoas. <strong>In</strong>úmeros outros hábitos e<br />

comportamentos poderiam ser citados. Contudo, entende-se que o detalhamento<br />

de alguns desses tópicos já será suficiente para discutir o conceito de ¡dentidade<br />

no Brasil e perceber o que diferencia o povo brasileiro dos outros povos.<br />

No que diz respeito á paixSo pelos esportes a imagem mais forte da<br />

¡dentidade brasileira é a representacao das manifestaedes de delirios coletivos por<br />

ocasiao dos jogos brasileiros na copa do mundo de futebol. Nessa ocasiao as<br />

pessoas nao conseguem se dedicar a outra atividade que n3o seja assistiraojogo.<br />

O País para. Contudo n3o é só o futebol que estabelece o vinculo da ¡dentidade<br />

brasileira com o esporte. Na verdade o brasileiro apresenta um talento para eleger<br />

heróis esportivos, entre os quais os jogadores de futebol fazem parte, mas n3o s3o<br />

exclusivos. Veja-se por exemplo os casos dos pilotos de "Fórmula 1", inicialmente<br />

o ídolo nacional era Emerson Fittipaldi, depois passou a ser Nelson Piquet, e o<br />

auge do caro esporte automobilístico veio com Ayrton Senna.<br />

O mais recente caso de herói nacional é o tenista Gustavo Kuerten - já<br />

popularizado no "coracáo" brasileiro como o "garoto Guga". Apesar da maioria do<br />

país nunca ter tido acesso se quer a urna raquete de tenis, todos passam a idolatrar<br />

o novo herói.<br />

O espirito alegre e festivo do brasileiro é exaltado como elemento peculiar.<br />

A maior demonstrac,üo desse espirito está no carnaval. Essa é a festa maior, as<br />

pessoas se encobrem de um sentido permissivo das coisas e durante este período<br />

tudo pode acontecer. Acabam-se as censuras e "todo pecado será abolido na<br />

quarta-feira de cinzas". O carnaval apresenta-se como o profano legitimado pelo<br />

sagrado.<br />

Somos seres cordiais e hospitaleiros, essa é a nossa marca. Contudo.<br />

esta característica n3o resiste á forma pela qual agimos com os mais pobres e<br />

menos poderosos.<br />

A nossa cordial¡dade verdadeira está exposta no cotidiano: sito grades<br />

e guantas ñas edificaedes comerciáis e residenciáis; sño vidros de carros fechados;<br />

46 REVISTA JURÍDICA IN VHRBISn. <strong>15</strong>-UFRN


IX) I I C.Al Ad Kl Al DIKi-IIOS HUMANOS I 11)1 N IIIMDI-. URASII.IIRA<br />

sao sobrcssaltos dianic de qualquer abordagem ñas rúas de nossas cidades.<br />

l;ntretanto. o que parece fascinar mais ainda o brasileiro é a capacidade<br />

de disculir Illosotlas de vida com unía desenvoltura incomum. Assim, a toda hora<br />

procura explicacoes para justificar: a legitima inexistencia de rigidez nos<br />

compromisos; a possibilidade de arranjar ludo com unía boa conversa e; a busca<br />

"legal" de burlar urna fiscal ¡zaca"o, querenquanto fiscal, querenquanto fiscalizado.<br />

É a "leí de Gerson", é o "jeitinho brasileiro".<br />

alguns pontos:<br />

Essas interpretares sobre a identidade nacional requerque imaginemos<br />

I. Autores como Sergio Buarque de Holanda já demonstraran! que nao existe<br />

urna identidade nacional padrSo. Sabemos, hoje, que as identidades culturáis<br />

nao süo rígidas, ncm muito menos imutáveis. Sao resultados sempre<br />

transitorios e fugazes de processos de identificacáo. Logo na"o podemos ter<br />

urna característica para o brasileiro, mas analisar o momento histórico<br />

vivenciado e a partir da i estabelecer urna análise.<br />

2 Sabemos, também. Que as identificaedes, além de plurais, s3o dominadas pela<br />

obsessüo de dil'erenca e pela hierarquia das distincóes. Quem pergunta pela<br />

sua identidade questiona as referencias hegemónicas mas, ao fazé-lo, coloca<br />

se nu posicSo de outro e, simultáneamente, numa situacSo de carencia e de<br />

subordinac.30.<br />

3. A preocupacáo com a identidade nao é, obviamente, nova. Podemos dizer até<br />

que a modernidade nasce déla e com ela. O primeiro nome moderno da<br />

identidade é a subjetividade. Ao procurar estabelecer um conceito de<br />

¡dentidade. devemos perceber o processo de tensSo que ocorre, no instante<br />

de sua formacSo. entre a subjetividade individual e a subjetividade coletiva.<br />

Postas essas considerares fica claro que falar da identidade brasileira<br />

requer que tenhumos claras as condiefles históricas vivenciadas pelo país, ultra-<br />

passando a ¡déia que a midia nos transmite de que somos um povo unido em<br />

funeño de algumas questOes que nos tornam fortes e decididos. N3o podemos<br />

viver a procurar pontos soltos para nos firmar enquanto povo. Isso implica um<br />

repensar das nossas atitudes individuáis e coletivas, um repensar do mundo hoje,<br />

um repensar da forma como vivenciamos os direitos.<br />

6. Consideracfles Fináis<br />

Após discutir essas idéias. está muito claro para nos a necessidade de<br />

repensar nossa condueño socialmente estabelecida. Isso nüo é válido apenas para<br />

REVISTA JURÍDICA IN VHRlilS n. <strong>15</strong> - UFKN 47


II AVIO III NKK.MII KDDKU.III S C'AKNI IKO<br />

;i soeicdacle brasileira. Somos loriados a perceberquo miin nuindo globali/ado os<br />

problemas humanos tambán se tornam universais. I lélio Bicudo numa lúcida rellexáo<br />

sobre a questño nos afirma:<br />

.•/ Declarando Universal Jos Üireitos Jo llomem Je<br />

194H. como se lem afirma Jo. fui o marco inicial Je<br />

uní movimento que prosterne alé lio/e, justamente<br />

na linha Je suu protecdo além Jas fronteiras Jos<br />

EslaJosf...)<br />

Punco e pouco, foi-se superan Jo o entenJimenlo Je<br />

que a prolecao Jos Jireilos humanos se esgota na<br />

otilando Jos EstaJos(...)<br />

Na venlaJe, na apreciando Jo Jesenvolvimento his<br />

tórico Ja protecdo internacional Jos Jireitos<br />

humanos, verificase a gradual superando Je<br />

barreiras, na compreensdo Je que a protecdo Jos<br />

Jireitos básicos Ja pessoa humana nao se esgotam<br />

na atuaedo Jo Estado, na pretensa e Jemonstrável<br />

"competencia nacional exclusiva" (Bicudo, 1997,<br />

Caderno l,p.03).<br />

Contudo, ¡ruernamente, temos que cuidar de questóes que nos<br />

interessam. Isso porque no Brasil<br />

Nao há consolidando Jos direitos civis na sua<br />

concrelude mais elementar, que é a integridadefísica<br />

Jas pessoas. Entre 1948 e 1991, mais Je 4.000<br />

transeúntes foram morios pela Policía Militar em<br />

Sdo Paulo. Isso para nao Jalar Je inlimiJuanes,<br />

exlorsdes, espancamentos ou torturas, que em boa<br />

meJiJa nao entram ñas eslalislicas oficiáis, pois o<br />

meJo passou a fazer parte Jo cotiJiano Je nossas<br />

cidaJes. Ha lambém os furtos, assaltos, seqüestros e<br />

assassinalos praticados por jovens e adultos, cuja<br />

Jlmensdo constituí fenómeno inédito na historia Ja<br />

Jelinquéncia no Brasil (Kowarick, 1997, Caderno I,<br />

p.03).<br />

Podemos, entüo, vislumbrar os dois lados da questao. Temos que lutar<br />

4S REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


IX) I IXiAI. AO RLAL DIRlilTOS HUMANOS i; IIJI NIIÜADli HRASILtIKA<br />

pela preservacao dos Direitos Universais, mas temos lambém que garantir direitos<br />

internos. Se como afirmam os pós-modernos, há urna crise no próprio conceito de<br />

Direito; existem Direitos legítimos que precisam ser garantidos e n3o podem esperar<br />

icdefinicCies coneeituais, que precisam, obviamente, serení (citas em lunciio de<br />

novos parámetros.<br />

É necessário repensar o país, o mundo e os valores humanos. Assim será<br />

possível construir valores identitários reais e vinculados as necessidades históricas.<br />

7. Referencias Bibliográficas<br />

7.1 Livros:<br />

BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos, Rio de Janeiro, Campus, 1992.<br />

CHAUI, Marilena. Raízes Teológicas do Populismo no Brasil; 1N; DAGNINO,<br />

Evelina (org). Anos 90: Política e Sociedadc no Brasil, Süo Paulo, Brasiliense,<br />

1994.<br />

. Conformismo e Resistencia, Sao Paulo, Brasiliense, 1996.<br />

GARCÍA, Pedro. Paradigmas em Crise e a Educado; IN; BRANDÁO, Zaia (org). A<br />

Crise dos Paradigmas e a Educacáo, Sao Paulo, Cortez, 1994.<br />

HOLANDA. Sergio Buarque. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, José Olimpio, 1975.<br />

SANTOS, Boaventura dos. Pela Mao de Alice. S3o Paulo, Cortez, 1994.<br />

7.2 Artigos do Jornal "Folha de Sao Paulo"<br />

ALVES, Rubcm. Quando as Ratoeiras Viram Guiólas. Tendencias/Debates, ca-<br />

derno I, p.03,05 de maio de 1997.<br />

BICUDO, Helio. Direitos Humanos Nüo Tt'in Fronteiras. Tendencias/Debates,<br />

cademo l,p.03, 18 de abril de 1997.<br />

GRAJEW, Oded. CPI dos Direitos Humanos. Tendencias/Debates,cademo 1, p.03,<br />

10 de abril de 1997.<br />

KOWARICK, Lucio. A Exclusáo Social. Tendencias/Debates, caderno 1. p.03,24<br />

dejunhode 1997.<br />

RTVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> UI-RN 40


ll.AVIl) IIKNKIOIIi: K()l)l


I. <strong>In</strong>troducáo<br />

O DAÑO CAUSADO POR ASSKDIO MORAL NO<br />

ÁMBITO DOTRAHALIIO<br />

Chen L¡ Wen<br />

Académica do 9o Periodo do Curso de Direito da UFRN<br />

No primeiro instante, antes de discorrer acerca do tema em epígrafe, é<br />

de bom alvitre tracar algumas linhas conceituais a respeito dos termos a serem<br />

utilizados ao longo do presente artigo. Nessa onentacüo, principia-se por assédio,<br />

o que vem a ser? O referido vocábulo designa a insistencia impertinente ou a<br />

¡mportunacao reiterada junto de alguém, através de quaisquer meios, a finí de<br />

conseguir alguma coisa.<br />

Naturalmente, dentro da accpcüo do seu conceito, o assédio pode ser<br />

encontrado em qualquer meio social: no seio da familia, no grupo de amigos, no<br />

ambiente de trabalho etc. É, inclusive tangente ao último, o direcionamento do<br />

lema proposto, ou mclhor, objet¡va-se, no momento, expor o assédio praticado no<br />

interior das relacóes laboráis, que, por fim, acaba a denegrir físico e<br />

psicológicamente a vitima, ocasionando-lhe um daño.<br />

Neste sentido, o assédio moral no írabalho é tido como:<br />

Qualquer condula abusiva (gcslo, palavra, comportanwn-<br />

lo. al ilude...) que átenle, por sua repeliqao ou sistemaliza-<br />

cao. contra a dignidade ou inlegridade psíquica ou física<br />

de unta pessoa, ameacando seu emprego ou degradando o<br />

clima de trabalho (I lirígoyen. 2002. p. 17).<br />

Perante tal fato, é notoria a ocorréncia de daño. que. por sua vez, se<br />

trata de subtracüo ou diminuicüo de um bem juridico. No caso em análise, refere-se<br />

ao daño de natureza moral, visto que se perquire a ofensa a bem inerente á<br />

personalidade da vitima. Ressalte-se que, á luz da Carta Magna, qualquer violacao<br />

do direito á dignidade esculpido no art. Io, inciso III, constituí um daño moral, cuja<br />

plena reparacüo é assegurada com fulcro no art. 5o, incisos V e X.<br />

N2o obstante a ciencia da gravidade do daño á dignidade humana, além de<br />

outros direitos da personalidade, por parte da Organizado <strong>In</strong>ternacional do<br />

Trabalho (OIT) e por países como os EUA c uns da Europa; no Brasil, aínda se<br />

encontra incipiente a análise, pelos profissionais do Direito, da Psicología e da<br />

Medicina do Trabalho, da violencia moral e psicológica que ocorre ñas relacSes<br />

humanas de trabalho.<br />

Urna pesquisa realizada pela médica do trabalho Margarida Bárrelo, da PUC<br />

Rl: VISTA JURÍDICA IN VI-.RBIS n. <strong>15</strong> UI-RN


CHEN Ll WKN<br />

de Sao Paulo, aponta que 36% da populacao brasileira económicamente ativa, que<br />

está trabalhando, passa por violencia moral. Nos países europeus, segundo a O1T,<br />

esse índice cai para 10% e nos Estados Unidos, para 7%.<br />

Finalmente, a conduta conhecida como assédio moral no país, recebe<br />

diversas denominacóes no mundo: harcélement moral na Franca, mobbing na<br />

Italia, na Alemanha e nos países escandinavos, buHying na Australia e na Gr3-<br />

Bretanha, emotional abuse ou mistreatment nos EUA e murahachibu no Japao.<br />

Outrossim, sua definido pode ser alterada, a depender da ciencia (Me<br />

dicina, Psicología, Direito etc.) que o estuda. <strong>Jurídica</strong>mente, o assédio moral no<br />

trabalho é considerado como "uní abuso emocional no local de trabalho, de forma<br />

maliciosa, n2o-sexual e n3o-racial, com o fim de afastar o empregado das relacóes<br />

profissionais, através de boatos, ¡ntimidacSes, humilhacóes, descrédito e<br />

isolamento" (Schmidt, 2001, p. 143).<br />

2. Configura cao do daño por assédio moral no trabalho<br />

Em materia de identificacüo do daño causado por assédio moral dentro<br />

das rela?oes de trabalho, faz-se necessário determinar a duracüo, os meios e os<br />

efeitos nos quais incorre e para tanto, é oportuno, preliminarmente, atentar para as<br />

seguintes McSes:<br />

So deve ser reputado como daño moral a dor, vexame.<br />

so/rímenlo ou humilhaccio que, fugindo á normalidade,<br />

interflra intensamente no comportamento psicológico do<br />

individuo, causando-lhe qfliedes, angustia e desequilibrio<br />

em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa,<br />

irritacao ou sensibilidade exacerbada estaofora da órbita<br />

do daño moral, porquanto, além de fazerem parte da<br />

normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no tránsito,<br />

entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situafdes<br />

nao sao intensas e duradouras, a ponto de romper o<br />

equilibrio psicológico do individuo. Se assim nao se<br />

entender, acabaremos por banalizar o daño moral,<br />

ensejando acoesjudiciais em busca de indenizacoes pelos<br />

mais triviaisaborrecimentos (Cavalicrí Fílho, 2002. p.89).<br />

Em outras palavras, aplicadas ao estudo em tela, deve-se distinguir<br />

assédio moral do estresse, aborrecimentos, discussdes e agressSes pontuais, más<br />

52 REVISTA JURÍDICA 1N VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


O DAÑO CAUSADO POR ASSÉDIO MORAL NO ÁMHITO DO TRABALMO<br />

condicóes de trabalho, imposicñes profissionais e outras formas de violencia<br />

(física, sexual), bem como se deve utilizar a lógica do razoável para configurá-lo<br />

como um daño ¡material, ou n3o patrimonial, ou simplesmente, moral, o qual é<br />

passívcl de compensacSo através da obrigacüo pecuniaria imposta ao agressor,<br />

sendo esta meramente urna satisfacSo e n3o unía indenizacao.<br />

Seguindo esse norteamento, aditado ao alhures explicitado, podc-se<br />

considerar que o assédio em exame é um abuso de direito do empregador ao<br />

exercer seu poder diretivo. Acerca do assunto, é sabio o ensinamento de Arnaldo<br />

Süssekind:<br />

O quolidiano do contrato de trabalho, com o relaciona-<br />

niento pessoal entre o empregado e o empregador, ou<br />

aqueles a qiiem este delegan o poder de comando, possibi-<br />

lila. sem dúvida. o desrespe ito dos diré ¡tos da personal¡da-<br />

de por parte dos contratantes. De ambas asparles - convem<br />

enfatizar - embora o niais comum seja a violacao da<br />

intimidade, da vida privada, da honra ou da imagem do<br />

trabalhador (Rclmontc. 2001. p. 131).<br />

Destarte, as acOes ou comandos do mesmo, ou de seus prepostos,<br />

sobre os empregados ou subordinados, n3o podem, nem devem ultrapassar os<br />

limites da licitude, conferidos pelas faculdades derivadas do seu poder de direcao,<br />

ainda quando. num vínculo trabalhista. é propicio a ocorréncia de danos moráis,<br />

devido á pessoalidade em relacao ao empregado, além da sucessividade, devendo<br />

o último, também, perante a subordinado jurídica, permanecer á disposicao do<br />

empregador.<br />

Sob outro ángulo, em deducSo contraria ao que foi, outrora, exposto,<br />

ou melhor, quando o empregador agir no excrcício regular de direito, inexistirá o<br />

daño. Conforme diz Sergio Cavalieri Filho: "nao gravitam na órbita do daño moral<br />

aquetas situaedes que, nao obstante desagradáveis, s2o necessários ao regular<br />

exercício de certas atividades" (Cavalieri Filho, 2002, p.90).<br />

A fim de esclarecer tal assertiva, exemplifica-se com urna hipótese de<br />

ociosidade forcada do funcionario. Em razño do seu local de trabalho ser entregue<br />

para reforma, por ordem do seu superior, este foi sendo, paulatinamente, desprovido<br />

dos seus instrumentos de trabalho (computador, telefone, fac-simile, ar<br />

condicionado etc.), tendo sido, ao final, obrigado a se deslocar para outra sala de<br />

menor conforto c dificultando-lhe de por seu servico em dia. Tal fato n3o é assédio<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - Uí-'RN 53


CHIiN Ll WLN<br />

e o transtorno é passageiro. Ademáis, após o término da reforma, possivelmcnte<br />

será beneficiado com a mesma.<br />

A referida situac3o é diferente da ociosidadc forcada do empregado,<br />

devido a intencao de scu chefe em Ihe denegar servicos a todo o momento, para<br />

posteriormente demiti-lo. Ocorre isso quando, por exemplo, o empregador, aos<br />

poucos, vai ao seu funcionario ¡nformacOes essenciais ao bom desenvolvimento<br />

da empresa, de modo que prejudique seus servicos e ainda pensar que nño está a<br />

cumpri-los de forma córrela por incapacidade própria. Assim, configura-se o assédio<br />

moral, a medida que perde a auto-confianza na sua capacidade laborativa e por fim,<br />

vé-se forjado a pedir demiss3o.<br />

Além disso. um fato agravante pode ser verificado no seguinte:<br />

Traíase de um processo destruidor que pode levar a viti-<br />

ma a urna incapacidade até permanente e mesmo á morte:<br />

o chamado bulicidio. A agressao tende a desencadear<br />

ansiedade e a vitima se coloca em atitude defensiva<br />

(hipervigiláncia) por ter a sensacao de ameaca, surgindo.<br />

pois, sentimentos de fracasso, impotencia e baixa aulo-<br />

estima e Iwmilluica'o (domes. 2002. injusmivegaiuli).<br />

O referido autor ainda complementa:<br />

Com aedes negativas desse tipo, sofrem, os trabalhado-<br />

res. urna injustificada agressao á dignidade humana, fi-<br />

candíi o trabalhador(a) desestabHizadu(a),<br />

ridicular¡zado(a),fragilizado(a) e esligmattado(a) e, por<br />

fim, até mesmo responsabilizado pela queda da produtivi-<br />

daile, como falla de qualidadc do produla e 011 mesmo<br />

servico prestado.<br />

A conseqüéncia provocada por esse processo destruidor e<br />

aniquilador do sentimenlo de útil¡dade da pessoa humana<br />

nao serve a ninguém no seio da sociedade. E nefasto a<br />

própria empresa que o pralicou por seusprepostos, como<br />

nefasto é a toda a sociedade nogeral.ficando onerada com<br />

os cusios das despesas previdenciárias decorrentes das<br />

incapacidades geradaspara o trabalho, pelaperda, quer<br />

daproducao da vitima, quer dopróprío emprego que ocorre<br />

na maioria das vezes (Gomes. 2002. in jusnavegandi).<br />

5-4 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN


O 1ANO CAUSADO POR ASSÉDIO MORAL NO ÁMUITO DO TRABALHO<br />

Outrossim, observa-se daño num caso concreto, conforme jurisprudencia<br />

de unía Corte Especializada, a seguir:<br />

Caracterizase a (¡correncia de chino moral, de obrigalória<br />

reparacao. a denegucao, como pena, de servicos ao<br />

trahalhador aínda se sob percepcao salarial. A siluaedo<br />

parasitaria é considerada vexatória, em si mesma,<br />

independente de achincalhos de terceiros. Hipólese em que<br />

cabente indenizacao de cunho reparatório e dissuasório<br />

(TRT <strong>15</strong>a Reg. - REO <strong>15</strong>297/96-3 - Ac. 45.490/98.12.1.99<br />

- Reí. Juiza Mariu Cecilia Alvares Lcite).<br />

A respeito do fato, é válido ressaltar o comentario de Emmanuel Teófilo<br />

Furtado: "deixar o einpregado sem nada fazer, é humilhante e aviltante da dignidade<br />

humana do obreiro, que seria alvo de comentarios de todos os companheiros, por<br />

se encontrar no ambiente da empresa sem nenhuma incumbencia" (apud Lobregat,<br />

2001, p.93).<br />

Noutro caso prático, pela primeira vez, ocorre dec¡s3o de Tribunal Es<br />

pecializado com a especificacao do assédio moral, recentemente em Vitória-ES:<br />

Assédio Moral - Contrato de <strong>In</strong>acao - <strong>In</strong>denizacao por<br />

Daño S toral - A tortura psicológica, destinada a golpear a<br />

auto-estima do empregado, visando forcar sua demissao<br />

ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem<br />

em sobrecarregar o empregado de larefas imitéis, sonegar-<br />

llie informacóes efingir que nao o vé. resultam em assédio<br />

moral, cujo efe ¡lo é o direito á indenizacao por daño moral,<br />

porque ultrapassa o ámbito profissional, eis que minam a<br />

saúde física e mental da vltima e corroí a sua auto-estima.<br />

No caso dos autos, o assédio foi alé ni. porque a empresa<br />

transformou o contrato de atividade em contrato de inacao.<br />

quebrando o caráler sinalagmático do contrato de trabalho,<br />

e por conseqiióncia, descumprindo a sua principal<br />

obrigacSo que é a dejbrnecer Irabalho.fonte de dignidade<br />

doempregado(TRT-17'Regido- RO 13<strong>15</strong>.2000.00.17.00.1<br />

- Ac. 2276/2001 - Reí. Juiza Sania das Dores Dionizio - 20/<br />

08/02. na <strong>Revista</strong> LTr 66- 10/1237).<br />

Contudo, outrora, em exame análogo. Marco Aurelio Mendes de Parias<br />

REVISTA JURÍDICA IN VI-RUIS n. <strong>15</strong>- UI'RN


CIILN Ll WLN<br />

Mello, Ministro do Supremo Tribunal Federal, quando á época era Min. do TST, já<br />

havia se posicionado da seguinte maneira:<br />

A violencia ocorre minuto a minino, enquanto o empregu-<br />

dor, violando nao so o quefoi contralado, mas, também, o<br />

disposto no § 2°, do art. 461 consolidado - preceito<br />

imperativo - colocase na insustenlável posicao de exigir<br />

trabalho de maior valia, considerando o enquadramento<br />

do empregado. e observa contraprestacao inferior, o que<br />

conflita com a natureza onerosa, sinalagmática e<br />

comutaliva do contrato de Irabalho e com os principios de<br />

protecao, da realidade, da razoabilidade e da boa-fé,<br />

norteadores do Direilo do Trabalho. Conscientizem-se os<br />

empregadores de que a busca do lucro nao se sobrepoe.<br />

jurídicamente, á dignidade do trabalhador como pessoa<br />

humana e partícipe da obra que encerra o empreendimenlo<br />

económico (Tribunal Superior do Trabalho, l"T.,Ac. 3.879,<br />

RR 7.642/86,09/11/1987, Reí: Min. Marco Aurelio Mendes<br />

de Farias Mello).<br />

Naturalmente, a materia fomenta repercussSes, de tal modo que, ao lado<br />

do inédito posicionamento jurisprudencial do último ano, tem-se verificado intensas<br />

producoes legislativas visando coibir a prática do assédio moral, quer na área<br />

trabalhista, quer na área criminal, mas principalmente no ámbito administrativo,<br />

isto é, no funcionalismo público municipal que tem tido avancos significativos.<br />

<strong>In</strong>clusive, em Natal, foi aprovada a Lei n° 189, de 03/02/2002, que dispóe sobre<br />

aplicacao de penalidades á prática de assédio moral ñas dependencias da<br />

administracao pública municipal direta, ¡ndireta, autárquica e fundacional, por<br />

servidores públicos municipais nomeados para cargos de confianca.<br />

3. Conelusilo<br />

O assédio moral no trabalho é um risco invisívcl, porém real e concreta<br />

mente realizável, que atinge um número significativo de trabalhadores, provocando<br />

nestes conseqüéncias maléficas a suas saúdes física e psíquica, além de ofender-<br />

Ihes a dignidade e a personalidade. Podendo, aínda, estender a prejuízos sociais e<br />

financeiros, á medida que afetar as relacOes domésticas e reduzir a produtividadc<br />

no labor.<br />

56 REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


O DAÑO CAUSADO I'OR ASSHDIO MOKAI NO ÁMHITO IX) TRAliAl.l IO<br />

Tal fenómeno tem, ainda, sido intensificado e banalizado pelo contexto<br />

moderno do trabalho, ou seja, exigencias de quaüficacao e competitividade do<br />

trabalhador, busca incessante pelos melhores resultados n3o contribuem para<br />

minimizar o mal.<br />

Hodiernamente, o daño causado pelo assedio moral numa relacüo de<br />

trabalho pode ser compensado, visto que a legislaciío nacional vigente dá respaldos<br />

ao Poder Judiciário para que possa apreciar a materia e deferir a indenizacao a que<br />

faz jus o empregado que sofreu com a conduta abusiva, repetida e sistemática do<br />

seu empregador.<br />

Deste modo, o presente artigo espera incitar o desenvolvimento de<br />

estudos vindouros acerca dos problemas advindos desse "psicoterror", de suas<br />

implicacOes jurídicas e das prevencóes para os mesmos, visando o resguardo do<br />

direito dos trabalhadores ao bem-estar no ambiente laboral.<br />

4. Rcfcmicins bibliográficas<br />

Assédio moral no trabalho: chega de humilhacüo! <strong>In</strong>. Assédio Moral no Trabalho:<br />

http://www.assediomoral.org., 07 de abril de 2002.<br />

BELMONTE, Alexandre Agrá. Danos moráis no direito do trabalho: identificacao.<br />

tutela e reparac3o dos danos moráis trabalhistas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.<br />

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. S3o Paulo:<br />

Malheiros Editores, 2002<br />

GOMES, Luiz Flávio. Assédio moral: doenca proflssional que pode levar á ¡ncapa-<br />

cidade permanente e até á morte. <strong>In</strong>. Jusnavegandi: http://vvww.jus.com.br/doutrina,<br />

13deoutubrode2002.<br />

H1RIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violencia perversa no cotidiano. Rio<br />

de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.<br />

Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.<br />

. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral.<br />

LOBREGAT, Marcus Vinícius. Daño moral ñas relacSes individuáis do trabalho.<br />

Sao Paulo: LTr. 2001.<br />

RHVISTA JURÍDICA IN VHRBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 57


CHIiN Ll Wl-N<br />

NASCIMENTO, Amauri Mascare. <strong>In</strong>iciado ao direito do trabalho. Sao Paulo: LTr,<br />

2002.<br />

REZENDE, Deisc Neves Botelho. Assédio moral: n


I. <strong>In</strong>trodujo<br />

A ADOCÁO DA ACÁO AFIRMATIVA PELOORDENAMENTO<br />

JURÍDICO BRASILEIRO<br />

Amanda BarcellosCavalcantc<br />

Académica do 9o periodo do Curso de Direito - UFRN<br />

Confundindo-se na"o raramente com a idéia de just¡9a, em virtude de<br />

estar intrínsecamente ligado a este valor, porquanto se pode introduzira ¡niqüidade<br />

numa determinada sociedade a partir nao só da inobservancia das leis, como também<br />

por meio da alteracao das relacSes por ele reguladas, tem-se o principio da igualdade<br />

como um dos reclamos fundamentáis do homem moderno, em que se inspiraran!<br />

¡números filósofos e políticos desde o aclarar dos tempos.<br />

A despeitodetaisesforcos intelectuais, o principio da ¡gualdade jurídica<br />

remanesce como urna das temáticas de maior complexidade na ciencia jurídica,<br />

apresentando dificuldades desde a sua conceituacao e amplitude até um dos<br />

aspectos mais intrigantes para os estudiosos contemporáneos, qual seja, a sua<br />

plena ¡mplementacüo. Tal acontece em virtude da inadequacáo dos dispositivos<br />

insculpidos nos documentos internacionais e no próprio Texto Magno de 1988<br />

que proclamam a ¡gualdade de todos perantc a lei, e a realidade que abriga urna<br />

sociedade preconceituosa. ainda que voladamente, a qual nega a total fruicüo dos<br />

direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturáis por parte de determinados<br />

grupos sociais, /.ciando assim por unía cidadania delicia, que afronta as bases de<br />

urna democracia social.<br />

Esta, na l¡ca"o de Norberto Bobbio, define-se como sendo "urna sociedade<br />

regulada de tal modo que os individuos que a compOem sflo mais livres e iguais do<br />

que em qualquer outra forma de convivencia" (1997, p.08), definicío esta que p5e<br />

em evidencia os valores em que se fundamenta a democracia: a liberdade e a<br />

igualdade.<br />

Engana-se quem poderia supor ser a liberdade valor superior á ¡gualdade.<br />

Conforme destaca Renata Malta Vilas-Bóas, o amor que o homem dedica a<br />

¡gualdade é maior que aquele destinado á liberdade, posto que seria menos sofrivel<br />

privar um povo de sua I ¡berdade, do que de um tratamento equánime (2003, p.O I).<br />

Um homem submetido á escravidSo, resigna-se a esta condicao, na medida em que<br />

lodos os scus semelhantes também s3o escravos. Por outro lado, a existencia de<br />

grupos sociais excluidos e marginal izados e urna minoría detentora de vantagens e<br />

privilegios geram inconformismo, prejudicando a harmonía e a paz social.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 59


AMANDA UARCELLOS CAVALCANTl:<br />

A importancia do principio ora ventilado reside na sua condicüo de<br />

permear todo o ordenamento jurídico brasileiro, servindo de guia para a escorreila<br />

interpretado de suas normas, erigindo-se como valor supremo, o qual somente se<br />

submele ao principio da dignidade da pessoa humana, do qual é instrumento para<br />

a sua concretizacao.<br />

A salvaguarda do principio da igualdade, como se depreende da análise<br />

do panorama social atual, n3o depende táo somente da igualdade formal (isonomia)<br />

assegurada nos diplomas legáis, advogando-se atualmente por urna igualdade<br />

material (de condicSes socioeconómicas), ou melhor, pela ¡gualdade de<br />

oportunidades, de pontos de partida.<br />

Nesse contexto, visando precipuamente implementar o principio da ¡gual<br />

dade no seio social, surgem as acóes afirmativas (traducSo literal da expressiio<br />

inglesa affirmutive action), também denominadas aefles positivas ou discriminacoes<br />

positivas, as quais se consubstanciam como mecanismos de inclusa o social de<br />

grupos históricamente marginal izados, por meio de desequiparac.aes e tratamentos<br />

jurídicos diferenciados. A desigualdade criada por tal instrumento torna-se hábil<br />

para alcanc.ar a igualdade, na medida em que corrige urna desigualdade anterior,<br />

oriunda do passado histórico ou de concepcSes previas arraigadas no imaginario<br />

coletivo, e entilo, parafraseando Norberto Bobbio, a nova ¡gualdade resultará da<br />

equiparaejio de duas desigualdades (1997, p.32).<br />

O presente traba I ho. visando contribuir para a compreensáo do novo<br />

conteúdo do principio da igualdade, o qual é delineado pela aplicado das acoes<br />

afirmativas, estudará o referido instituto jurídico, apontando suas origens históricas,<br />

definicao, objetivos, dentre outros aspectos, com o escopo de investigar.a<br />

adequacüo de tais medidas ao ordenamento jurídico nacional. Tal intento nao será<br />

atingido com sucesso sem a necessária abordagem da evolucao do principio<br />

susomencionado e dos criterios utilizados para determinar se urna dada<br />

desequiparacao adversa ou n3o esse importante valor adotado pelo constituinte<br />

brasileiro.<br />

2. A evoluc.3o histórica do principio da igualdade<br />

Voltando-se a atencSo para a evolucao histórica do principio da<br />

¡gualdade, constata-se a feic3o dinámica ¡nerente ao mesmo, encontrando-se o<br />

referido valor em constante construyo, afastando qualquer conceptuó que Ihe<br />

atribua feic.ao absoluta e estática, pois aínda que a regra seja a igualdade, sempre<br />

existirSo excec.5es para confinnar aquela. as quais senlo admissiveis des que<br />

60 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


justificadas<br />

A AIXX.ÁO DA Ai, ÁO AFIRMAII VA l'lil.O OKDI NAMIINTO JURÍDICO BRASILERO<br />

independenlemente da fase histórica vivenciada pelo principio em tela,<br />

¡naceitável associá-lo a urna tentativa de neutral¡zacao da diversidade naturalmente<br />

encontrada na sociedade, gerando. por conseguinte, unía homogeneidade artificial<br />

entre os diferentes grupos sociais. Ao revés, o principio da igualdade reconhece a<br />

existencia de desigualdades perceptiveis entre os homens, de condic5es<br />

económicas, de compleicao tísica, de género, entre outras, embora as especificidades<br />

existentes entre os individuos nem sempre tenham sido levadas em considerac^o<br />

para o pleno exercício dos direitos fundamentáis. Sua mutacao liga-se principalmente<br />

á seguinte questáo: ¡gualdade em qué? Nos direitos? Ñas chances conferidas aos<br />

homens para satisfazer suas necessidades? A solucüo para essa indagacao é<br />

determinante para a maior ou menor amplitude do principio da ¡gualdade.<br />

A transformacao do valor estudado em principio jurídico ocorreu a<br />

partir das Declarares de Direitos do século XVIII, decorrentes das experiencias<br />

revolucionarias dos norte-americanos e dos franceses, que se basearam nos ideáis<br />

iluministas e jusnaturalistas vigentes á época.<br />

O ideal de ¡gualdade despontou na Declaracüo de Direitos da Virginia,<br />

de I2dcjunhode 1776, cujo arl. I "aflrmava que todos os homens, em razao de sua<br />

natureza, süo igualmente livres e independentes, possuindo certos direitos ¡natos.<br />

Nesse sentido, a Declaracáo de <strong>In</strong>dependencia dos Estados Unidos da América,<br />

que data do mesmo ano, declarou que todos os homens sao criaturas iguais.<br />

Entretanto, o principio da ¡gualdade disseminou-se com maior<br />

publicidade como norma de primeira grandeza a partir de sua expressa previsao na<br />

Declaracao dos Direitos do Homem e do Cidadao, de 26 de agosto de 1789, a qual<br />

adotou a concepcao de igualdade perante a lei (isonomia), ao formular em seu art.<br />

Io: "os homens nascem e sao livres e iguais em direitos. As distin^Ses sociais so<br />

podem fundamentar-se na utilidade comum".<br />

O conteúdo do principio da ¡gualdade almejado pelos revolucionarios<br />

franceses encontrou limitacoes tratadas pelo próprio contexto social, caracterizado<br />

pela presenta de classes estratificadas, sendo conferidos privilegios e vantagens<br />

aos monarquistas e á aristocracia, em virtude de sua linhagem e posic3o social.<br />

Destarte, o ocaso dos privilegios do Antigo Regime significou a ascensáo do<br />

principio isonómico na sociedade francesa, aplicando-se o mesmo tratamento<br />

jurídico para todos os homens, cuja ascensao social seria determinada únicamente<br />

pelo mérito e talento, e nao mais por criterios oriundos de vantagens previamente<br />

flxadas.<br />

A igualdade material e absoluta entre os individuos nao figurou como<br />

REVISTA JURÍDICA IN V1-KUIS n. <strong>15</strong> UI-KN 6I


AMANDA BARCELLOS CAVAI.CANTI;<br />

um dos objetivos da Revoluto Francesa, como demonstra o dispositivo citado,<br />

que autoriza diferenciacóes com fulcro na utilidade comum. Contudo, remonta a<br />

esse período o duplo objetivo do principio da isonomia apontado pela doutrina<br />

brasileira, em especial por Celso Antonio Bandeira de Mello, qual seja, propiciar<br />

garantía individual contra perseguicSesetolher favoritismos (1998, p.23).<br />

Confirmando a notoriedade alcan9ada pelo principio da ¡gualdade<br />

perante a lei, tem-se a sua adocao pelos textos constitucionais de diversos países,<br />

até que por volta da metade do século XIX, exija-se a sua reformulacao, porquanto<br />

o progresso material da humanidade, proporcionado pelos modelos de Estado<br />

abstencionista e liberal da economía, n3o foí acompanhado por urna justa<br />

distribuicao das riquezas e bem-estar da coletividade.<br />

A conseqüente crise social, evidenciada principalmente pelo movimento<br />

operario em prol de melhores condicSes de trabalho e de vida, culminou na procla-<br />

ma?ao dos direitos económicos e socíais, presentes pioneíramente na Constituicao<br />

Mexicana de 1917 e na Constituicao de Wcimar de 1919.<br />

Substitui-se o liberalismo clássico pelo intervencionismo estatal, rccla-<br />

mando-se do Poder Público a tarefa de reduzir as desigualdades sociais, através da<br />

atuacao direta no setor económico, promovendo-se a justica social.<br />

A necessidade de inclus3o dos grupos socialmente vulneráveis impul-<br />

síonou a elaborac3o do principio da ¡gualdade substancial ou material, em desfavor<br />

da estática e ultrapassada concepc3o da ¡gualdade formal. Embora prevista<br />

legalmente, n3o fora capaz de assegurar ¡guais oportunidades mínimas de existencia<br />

digna e exercício da cidadania, tornando-se a mera proibicao da discriminacao<br />

insuficiente para a efetividade do principio da ¡gualdade jurídica. Requer-se para a<br />

sua observancia no plano fático, a combinacao da vedacáo da discriminacao com<br />

políticas compensatorias que acelerem o processo de igualdade, destacando-se<br />

como medida eficaz a adoc3o da acao afirmativa, que delineia novo conteúdo ao<br />

principio discutido, correlacionando-o ao respeito á diferenca e á diversidade<br />

(Piovesan e outros, 1999, p.86).<br />

3. Requisitos para a admissibilidade de desequiparac5es legáis<br />

Configuram-se as ac5es afirmativas como políticas que visam promover<br />

a inserc3o de grupos socialmente fragilizados nos espacos sociais, através da<br />

aplicac3o de tratamento jurídico diferenciado, que confere beneficios<br />

exclusivamente aos membros desses grupos, visando á obtenc3o de igualdade de<br />

oportunidades.<br />

62 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


A AIXH.AO DA ACÁO Al IRMAI IVA I'I.I.O OKDINAMI NTO JURÍDICO DRASlUilRO<br />

Conseqüentcmcntc, a legitimidade de determinada acilo afirmativa fun-<br />

dar-se-á no estabelecimento de urna diferenciado que nüo ofenda o principio da<br />

igualdadc sendo imprescindível a observancia cumulativa de certos requisitos<br />

para a prescrvac3o do preceito isonómico.<br />

Consoante os ensinamentos de Celso Antonio Bandeira de Mello, o<br />

primeiro aspecto a ser levado em cons¡derac3o é a escolha do elemento adotado<br />

como criterio de desigualado. Poder-se-ia supor. em razao de alguns dispositivos<br />

da Constituicao Federal de 1988, que determinados elementos s3o inidóneos para<br />

servirem como fator de discrimen, violando-se o principio da ¡gualdade quando os<br />

individuos s3o desequiparados em razüo da raca, sexo, cor, idade ou crenca religiosa.<br />

No entanto, qualquer elemento residente ñas pessoas, coisas ou situacóes pode<br />

ser erigido como fator discriminatorio, n3o se infringindo o principio ¡sonómico<br />

quando existe pertinencia lógica entre o discrimen e o conseqUente tratamento<br />

jurídico especial, ou seja, nos casos de desequiparacSes justificadas.<br />

Esses elementos foram elencados pela Carta Magna de 1988, devido á<br />

maior probabilidade, face á conjuntura histórica atual, dos mesmos ensejarem a<br />

criac.30 de desequiparaefles arbitrarias, fortuitas ou injustificadas, sem embargo<br />

de preceitos como o art. 3o, IV, do referido diploma legal, albergarem os demais<br />

fatores, tais como a renda ou a origem familiar (1998, p. 18).<br />

Apcsar da livre escolha do criterio diferencial n3o implicar no<br />

desrespeito ao preceito ¡sonómico, obsta-se a adocao de elemento de elevado<br />

grau de especi fie idade que alcance um único sujeito, determinado ou determinável,<br />

no presente e definitivamente. Por outro lado, n3o se condena o regime especial<br />

que incide sobre um só individuo ou categoría de pessoas, caso se dirija a sujeito<br />

indeterminado ou indeterminável no presente, possibilitando-se a sua aplicacao<br />

futura sobre outros destinatarios.<br />

Releva destacar a inadmissibilidade do tempo ser considerado um fator<br />

de diferenciacao idóneo entre os individuos, em virtude de sua neutralidade, pois<br />

corre igualmente para as pessoas. sendo necessariamente idéntico para todos os<br />

homens. Só pode ser diferencado aquilo que é desigual. Reversamente, permite-se<br />

a adoc3o, como criterio discriminador, dos fatos e acontecimentos que nele<br />

transcorreram e por ele se delimitam (1998, p.32).<br />

Para a preservac3o do preceito constitucional da isonomia, é mister a<br />

existencia de adequaeño racional entre o fator diferencial e a disparidade de<br />

tratamentos jurídicos dispensados, isto é, veda-se a discriminacáo gratuita ou<br />

fortuita.<br />

A título elucidativo, tomem-se alguns exemplos colacionados por Celso<br />

IU-VISTA JURÍDICA IN VL-RRIS n. <strong>15</strong> - UI'RN 63


AMANDA llAKChLLUS CAVAU'ANTI:<br />

Antonio Bandcira de Mello para demonstrar que a ausencia dessa conexüo lógica<br />

autoriza os nüo-abrangidos pelo regime jurídico especial a alegarem a transgressSo<br />

do principio da igualdadc jurídica.<br />

Ocorreria ofensa ao aludido principio na hipótese de leí que vedasse ás<br />

pessoas de determinada raca (branca ou negra, por exemplo) o acesso aos<br />

espetáculos musicais, facultando-o a todos os individuos de outra raca, porquanto<br />

urnas e outras pessoas sao irrefutavelmente desiguais quanto á raca ou quanto á<br />

cor.<br />

Diversamente, n3o haveria censura á conduta de um centro de pesquisas<br />

esportivas que, mediante selecto pública, realizasse testes para investigar se o<br />

biotipo da raca negra (ou da raca branca) exerce influencias na performance atlética<br />

conforme a modalidade de esporte, negando-se assim a participado de candidatos<br />

alheios á raía pesquisada, pois nüo se trata ai de urna norma ou comportamento<br />

baseados numa desequiparac3o injustificada (1993, p.80-81).<br />

Cumpre registrar o caráter nüo absoluto da correlacSo lógica até emito<br />

discutida, a qual se encontra imbuida pelas concepcóes e fatores culturáis da<br />

época, submetendo-se, portanto, ao que ditam o tempo e o espaco.<br />

Por derradeiro, exige-se ainda, ¡n concreto, que a justificativa lógica do<br />

tratamento desigual se coadune com os ¡nteresses constitucionalmente protegidos<br />

ou padróes ético-sociais difundidos neste ordenamento. Se a desequiparacSo n3o<br />

for fundada numa razáo valiosa para o bem público, forzoso concluir por sua<br />

¡ncompatibil idade com o principio da igualdade (1998. p.42).<br />

Diante do exposto, figura-se incorreto o comportamento daqueles que<br />

advogam contrariamente ao emprego das acSes afirmativas, fundados na idéia de<br />

que qualquer desequiparacáo, por si só, ensejaria numa grave violac.30 ao preceito<br />

constitucional isonómico, olv¡dando-se que é próprio do legislador desigualar<br />

situacSes, concedendo tratamentos distintos aos individuos, embora sejam<br />

igualados quanto ao fato de serem pessoas (1993, p.79).<br />

4. Orígem da acáo afirmativa e a experiencia norte-americana<br />

<strong>In</strong>serido no sistema da CoinnionLaw, cujo traco diferenciador reside no<br />

poder atribuido aos juízes de criar o direito a partir de decisdes judiciais ou diplomas<br />

legáis, os Estados Unidos da América, através dos esforcos dos Ministros da<br />

Suprema Corte norte-americana, exibem ao mundo a face construtora do principio<br />

da igualdade jurídica, constantemente formulado a partir dos pronunciamentos<br />

judiciais sobre a constitucionalidade ou nüo dos programas de acoes afirmativas<br />

64 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


A AIXX.ÁO DA A^'ÁO AFIRMATIVA f'LLO ORDUNAMIN IO JURÍDICO BRASILLIKO<br />

empregados nos Estados dessa Federacao.<br />

Tal declaracáo de constitucionalidade deriva da observancia da deno<br />

minada equal protcclion clause, que corresponde ao principio da igualdadc<br />

ventilado pela Décima Quarta Emenda Constitucional, ratificada em 1868, cuja<br />

parte final do primeiro artigo preceitua que"nenhum Estado poderá negara qualqucr<br />

pessoasobsuajur¡sd¡c3oa igual protecaodas leis" (Menezes, 2001, p.60).<br />

O cunho marcadamente político das decisñes da Suprema Corte nessa<br />

materia, ocasionado pela existencia de um compromisso velado entre a atuac3o de<br />

seus Ministros e o plano de govemo do chefe-maior do Poder Executivo, a quem<br />

cabe a composicüo da referida Corte, explica o posicionamento comedido dos<br />

juízcs, cuja feicüo de vanguarda caracterizou-se por concessSes feitas quanto ao<br />

uso de classificacdes discriminatorias, simultáneamente ao reconhecimento da<br />

violacáo da referida cláusula para os nao-beneficiados por determinada política de<br />

¡nclusüo social.<br />

Esse grau de relativo conservadurismo evidencia-se pela recórreme<br />

aceitacüo da constitucionalidade dos programas de acáo afirmativa que<br />

representavam meramente urna compensado por discriminacoes passadas, sendo<br />

legítimo seu emprego, desde que conferissem o mínimo de direitos possível e<br />

somente para as pessoas efetivamente discriminadas (op. cit., p. 141).<br />

A maior amplitude das referidas políticas, em razáo de terem sido criadas<br />

para promover a diversidade social ou neutralizar discriminares estruturais, ou<br />

seja, n3o baseadas num comportamento deliberadamente discriminatorio contra<br />

certo individuo, mas s¡m determinadas porpadroes incutidos no imaginario coletivo<br />

e injusticas prat¡cadas durante séculos, obsta a sua aceitacao incontinenti, a qual<br />

fica submetida ao exame do fator de discrimen por elas adotado.<br />

Caso tais fatores estejam atrelados a raca, etnia ou direitos<br />

constitucionais fundamentáis, tem-se o que a Suprema Corte designa de<br />

classificacao suspeita, a qual quando reconhecida, redunda no padrSo de julgamento<br />

conhecido por exame judicial rigoroso, cuja aplicac3o inicial quase sempre implicava<br />

na declarado de inconstitucionaiidade da norma que trazia em seu bojo os<br />

mencionados elementos discriminatorios, afastando-se tal condenado apenas<br />

quando comprovadamente existisse íntimo vínculo entre a ac3o questionada e um<br />

interesse estatal cogente, como por exemplo, a saúde ou seguranca pública (op.<br />

c//.,p.62).<br />

Assumindo fei?5es residuais, porquanto se aplica aos demais fatores<br />

n3o abarcados pelo criterio de classificacao suspeita, tem-se o padrüo de julgamento<br />

denominado exame mínimo, no qual é despicienda uina perfeita conexao lógica<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 65


AMANDA BARCELLOS CAVALCANTE<br />

entre o discrimen e os objetivos colimados pela leí, existindo mesmo uma presuncáo<br />

em favor da constitucionalidade desta, cabendo o ónus da prova concernente á<br />

violacao do preceito isonómicoaquemalega(op. c/7.,p.63). Excetuam-se as normas<br />

legáis que tomam como elemento de diferenciac3o o sexo dos individuos, bem<br />

como os processos que versam sobre illegitimacy, aos quais incide o nivel<br />

intermediario de exame judicial, que investigará a presenca de interesses relevantes<br />

na regulamentacüo questionada, tais como aqueles determinados pela conveniencia<br />

administrativa (Menczes, 2001, p.65).<br />

Como reflexo do preconceito existente na sociedade norte-americana,<br />

desenvolveu-se no transcorrer do período entre 1896e 1954adoutrina intitulada<br />

separuic bul equal (separados mas iguais), segundo a qual seria permitida a<br />

segregaeflo racial na prestac3o de servicos ou como criterio genérico de tratamento,<br />

"desde que os aludidos tratamentos ou servicos fossem ofertados, dentro de um<br />

inesmi) padrflo. puní todas ¡is rucas" (/>. al., p.7'1).<br />

Apenas em 1954, ao proferir decis3o sobre o caso Brown v. Board of<br />

Edncalion qfTopcka, a Suprema Corte dos Estados Unidos procedeu á revisita da<br />

referida douiriiui, cm proiuinciamenio hislórico de extrema relevancia para o amu-<br />

durecimento do dircito constitucional norte-americano em direcüo ao pleno exercício<br />

dos dircitos fundamentáis. No caso avencado, foram julgados simultáneamente<br />

quatro processos distintos, cujos autores requeriam o acesso á determinada<br />

¡nstituica*o de ensino público, através do afastamento da segregado racial imposta<br />

aos negros pelas leis locáis, em virtude da observancia da equalprotection clause.<br />

Por unanimidade, censurou-se a segregado racial existente no campo educacional,<br />

visto que obstaculizava a ¡gualdade de oportunidades entre os cidadaos,<br />

desdobrando-se tal entendimento para os demais setores, proibindo-se, por<br />

conseguinte, as segregacOes raciais em parques, praias públicas, ónibus, auditorios<br />

municipais e restaurantes de aeroportos (op. cil., p.85).<br />

A sentenca proferida no caso Brown contribuiu para maximizar a tensflo<br />

social provocada pela insatisfacao de grupos sociais vitimados pelos efeitos<br />

maléficos do racismo presente na sociedade norte-americana, sendo insuficiente a<br />

atuacSo da Suprema Corte no sentido de mitigar a conflituosidade decorrente<br />

desta conjuntura. Com o objetivo de solucionar o problema através da uniiio de<br />

esforcos entre as varias esferas do Poder Estatal, o Presidente John F. Kennedy,<br />

em 1961, expediu a Executive Order n° 10.925, criando um órg3o competente para<br />

fiscalizar e reprimir a discriminacao presente no ámbito das relacSes de emprego,<br />

bem como visando assegurar a igualdade de oportunidades ñas relacSes travadas<br />

entre o governo federal e os seus contratantes. Embora com conotacóes limitadas.<br />

K>6 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UI-RN


A AIX)CÁC> DA ACÁO AFIRMATIVA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO<br />

empregou-se pionciramente num texto oficial a expressüo "a?üo afirmativa".<br />

Em 1965, sob o governo do Presidente Lyndon B. Johnson. editou-se a<br />

Execuiivc OrJer n° 11.246, obrigando-se os contratantes com o governo federal a<br />

se abstcr de cometer práticas discriminatorias, promovendo paralelamente a<br />

aplicacáo de medidas efetivas em prol de minorías étnicas e raciais. Sua importancia<br />

residiu no fato de adotar urna concepto aproximada do que se considera<br />

hodiernamente acQo afirmativa, seguindo-se á sua ediciio varios programas<br />

mitigadores das desigualdades sociais, que empregavam condutas positivas para<br />

a correeño de disenminaefies.<br />

A fim de extirpar a discriminacao e o preconceito do plano legislativo,<br />

¡numeras leis foram editadas, sendo decorréncia desse processo o aumento do<br />

número de demandas relativas as aeñes afirmativas. A partir de entáo. novas<br />

doutrinas foram elaboradas, empregando-se novos criterios para o exame da<br />

constitucionalidade do instituto jurídico em tela. Nesse sentido, releva destacar a<br />

presenfa, no meio judicial, da teoria do impacto adverso ou diferenciado, da qual<br />

resultou a l¡93o de que seria legítimo o estabelecimento de a96es positivas, quando<br />

fundadas em desequilibrios comprovados estatisticamente. Ademáis, firmou-se<br />

no seio da Suprema Corte norte-americana o entendimento de que seria possível<br />

sustentar a constitucionalidade de a95es afirmativas que utilizassem como criterio<br />

de discrimen fatores como a ra9a ou etnia, contanto que ele n3o consista no único<br />

criterio para a selecüo, nao importando ainda no estabelecimento de quotas rígidas<br />

e ¡nflexíveis (Menezes, 2001, p. 103).<br />

Paradoxalmente, observando-se as recentes decis5es da Suprema Corte<br />

dos Estados Unidos, assiste-se a um retrocesso quanto á implementa92o do<br />

principio da igualdade por meio das acóes afirmativas, ocasionado pela excessiva<br />

exploracáo política da temática, abrindo-se espa9o para convic9Óes preconceituosas<br />

em detrimento dos direitos de grupos desfavorecidos. Surgem incertezas quanto<br />

ao estabelecimento de urna sociedade justa e fraterna, porquanto se confere<br />

paulatinamente as agdes afirmativas o cunho meramente compensatorio,<br />

penalizando-se somente os responsáveis efetivamente por atos discriminatorios,<br />

sendo ressarcidas únicamente as vítimas rcais, individualmente consideradas (op.<br />

c/7.,p.l4l-142).<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UI'RN 67


AMANDA UAKCI-I.I.OS CAVAI.CANTI:<br />

5. Conceito de acáo afirmativa eseus principáis desdobramentos<br />

A abrangéncia da expressáo "acüo afirmativa" e as diversas conotac,5es<br />

assumidas por ela desde a sua previsiSo cm texto oficial tornam dificultosa a<br />

definicao do instituto jurídico ora comentado, sendo imprescindível recorrer aos<br />

ensinamentos dos estudiosos no assunto.<br />

acoes afirmativas o<br />

Consoante definicao de Joaquim B. Barbosa Gomes, consideram-se<br />

conjunto de políticas públicas e privadas de caráter<br />

compulsorio, facultativo ou voluntario, concebidas<br />

coi» vistas ao combate a discrimine/cao racial, de<br />

género, por deficiencia física e de origem nacional,<br />

bem como para corrigir ou mitigar os efeitos<br />

presentes da discriminaciio praticudu no pausado,<br />

tendo por objetivo a concretizaqao do ideal de<br />

efeliva igualdade de acesso a bens fundamentáis<br />

como a L'ducacilo c o empreño (2001, p. 135).<br />

Ressaltando o caráter inclusivo das referidas medidas, Flávia Piovcsan,<br />

Luciana Piovesan c Priscila Kei Sato enunciam ainda que<br />

estas acoes constituem medidas especiáis e<br />

temporarias que, buscando remediar um passado<br />

discriminatorio, objetivam acelerar o processo de<br />

igualdade, com o alcance da igualdade substantiva<br />

por parte de grupos vulneráveis, como as minorías<br />

étnicas e racíaís, as mulheres, dentre outros grupos<br />

(1999,p.86).<br />

Corroborando com esse entendimento, tem-se a definicao esposada<br />

por Paulo Lucena de Menezes, o qual designa como ac3o afirmativa<br />

o conjunto de estrategias, iniciativas ou políticas<br />

que visam favorecer grupos ou segmentos sociaís<br />

que se encontram em piores condiqoes de<br />

compelicao em qualquer sociedade em razao, na<br />

maior parle das vezes, da prática de discriminacoes<br />

negativas, sejam elas presentes ou passadas (2001,<br />

p.27).<br />

68 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


A ADÍX.ÁO DA AQÁO AFIRMATIVA I'IXO ORDENAMIENTO JURÍDICO 11RASILFIRO<br />

Impende destacar a óptica temporal das acóes afirmativas, as quais<br />

podem ser apreciadas como o terceiro estágio na evolucáo do principio da<br />

igualdade, o qual transitou da concepcüo de isonomia (¡gualdade perante a lei)<br />

para a criminalizaca'o do racismo e demais práticas discriminatorias, culminando no<br />

atual conceito moldado a partir da adocüo dessas discriminacóes positivas.<br />

Afora o fim primordial de concretizar o principio da igualdade de opor<br />

tunidades no plano fático, objetiva-se com o emprego das acdes positivas provocar<br />

mudan?as de ordem cultural, pedagógica e psicológica, que redundarüo na extincüo<br />

de preconceitos presentes no ánimo da coletividade. Outrossim, visam coibir n3o<br />

somente d¡scriminac5es subjetivas, mas também estruturais, que advém de com-<br />

portamentos passados arraigados no seio da sociedade. Ademáis, consubstancia<br />

se num hábil instrumento para alcancar a diversidade social e cultural, promovendo<br />

urna maior representatividade, no sentido de exercício da cidadania participativa,<br />

de grupos anteriormente vulneráveis. Em virtude de propiciar um maior acesso ao<br />

processo educacional e ao trabalho a determinados segmentos da sociedade,<br />

busca-se também com as acOes afirmativas promover o desenvolvimento económico<br />

do país, o qual poderá competir em condicOes de igualdade na órbita internacional.<br />

Por derradeiro, as discriminacSes positivas tém em mira criar personalidades<br />

emblemáticas, isto é, pessoas anteriormente fragilizadas e que ascenderam<br />

socialmente, servindo no presente como modelos para as geracOes mais jovens,<br />

demonstrando a inexistencia de obstáculos ¡ntransponíveis para a realizacao de<br />

seus projetos de vida (Gomes. 2001, p. 136-137).<br />

Faz-se necessário esclarecer alguns equívocos comumente associados<br />

á noc3o de ac5es afirmativas. Tais medidas ná"o consistem em remedios judiciais,<br />

como supOe Fábio Konder Comparato (1993, p.77), provavelmente em razao de<br />

serem objeto de ¡números processos judiciais, como ocorre nos Estados Unidos<br />

da América. Também, incidindo o mesmo autor em novo engaño, nao se deve<br />

afirmar que as referidas acSes correspondem a um direito de minorías, urna vez que<br />

os grupos beneficiados pela ac3o afirmativa, embora n3o ocupem urna posi?ao<br />

dominante na sociedade, muitas vezes representam quantitativamente urna maioria<br />

(tome-se como exemplo o caso das mulheres na sociedade brasileira).<br />

Devido ao escasso conhecimento sobre as acoes afirmativas, justificável<br />

pela incipiente doutrina brasileira na materia em questáo. costuma-se confundir<br />

esse instrumento com o sistema de quotas, o qual é identificado com o<br />

estabelecimcnto de um número fixo ou porcentual de vagas em determinados<br />

setores, em favor dos integrantes de grupos alijados da sociedade brasileira. Limita<br />

se assim sua amplitude, que abarca diversas estrategias e práticas. tais como<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 69


AMANDA BARCULLOS CAVALCANTlí<br />

ofertas de treinamentos específicos ou revisüo de políticas de promocüo de<br />

empregados.<br />

A utilizacño do sistema de quotas, como salienta Joaquim B. Barbosa<br />

Gomes, deve ser nitidamente marginal, sendo aceitável somente ñas hipóteses em<br />

que serüo levados em consideracao criterios ¡nquestionavelmente objetivos, como,<br />

por exemplo, a reserva de vagas em universidades para os alunos egressos das<br />

escolas públicas (2001. p. 147). Elucidativamente, difícilmente admit¡r-se-ia a adocüo<br />

do fator racial como criterio para facilitar o ingresso ñas universidades públicas,<br />

visto que em razáo de nao existirem di fe rencas biológicas capazes de classificar os<br />

individuos em determinada raca, forcoso seria utilizar-se da autodeclaracao,<br />

mecanismo este que geraria iniquidades, pois o cidadílo brasilciro, conforme<br />

demonstram pesquisas oficiáis, nao sabe a que categoría pertence, tendo já sido<br />

auto-atribuidas 135 cores diferentes (Vilas-Bóas, 2003. p.65).<br />

Com o escopo de coíbir o advento de discriminares reversas, agora<br />

em detrimento das maiorias que perdem espacos, em razao de n3o serem beneficiadas<br />

pelas mencionadas políticas, os programas de acilo afirmativa devem fixar sempre<br />

perecntuais mínimos garantidores da inclusño social de grupos marginalizados,<br />

ficando a maior parcela de lugares em escolas, em empregos e outros, á Hvre<br />

disputa da minoría (Rocha. 1996. p.286).<br />

Consoante afirmado porNorberto Bobbio, toda vida social é considerada<br />

como urna grande competiclo por bens escassos (1997, p.31). Tal realidade constituí<br />

num dos principáis faiores que dificulta a aceitacüo pública das ac5es afirmativas,<br />

pois erróneamente se pensa que aqueles n3o beneficiados por essas políticas,<br />

arcariam com os prejuízos decorrentes de sua adoc3o. Olvida-se que os individuos<br />

nao abarcados pelas ac5es positivas já sao detentores de maiores privilegios e<br />

vantagens que o segmento social beneficiado (Vilas-Bóas, 2003, p.32). Ademáis, a<br />

inclusSo social de grupos históricamente discriminados traz beneficios para toda a<br />

eoletividade, através da manutencSo da harmonía e da paz social, antes ameacadas<br />

por condutas anti-sociais praticadas por pessoas que tiveram negado o pleno<br />

exercício da cídadania e conseqüente fruicao dos direítos fundamentáis, sofrendo<br />

assim a violacáo do principio maior da dignidade da pessoa humana.<br />

6. A acao afirmativa na Constituicao Federal de 1988, na legislando<br />

infraconstitucional e no plano jurídico internacional<br />

Como é cedíco, o legislador constituinte conferiu especial atenc3o ao<br />

principio da igualdade, fato demonstrado pela nova topografía deste, que inicia o<br />

70 REVISTA JURÍDICA IN VERÜIS n. <strong>15</strong>-UIRN


A ADOCÁO DA ACÁO AFIRMATIVA I'KLOOROUNAMLNTO JURÍDICO HRASII.HIRO<br />

articulado sobre os direitos e garantías fundamentáis.<br />

Ultrapassando concepcóes meramente valorativas presentes no<br />

Preámbulo do Texto Magno de 1988, er¡g¡u-se a ¡gualdade como principio<br />

fundamental que permeia todo o ordenamento jurídico brasileiro, impondo-se todas<br />

as conseqüéncias advindas de sua considerac3o como norma, como, por exemplo,<br />

a obrigatoriedade de seu cumprimento. Esta resulta precipuamente da previsáo<br />

constitucional que identifica a igualdade com um dos objetivos fundamentáis da<br />

República Federativa do Brasil, a qual enuncia ser dever do Estado reduzir as<br />

desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, livre de quaisquer<br />

preconceitos e formas de discriminacao (art. 3o, 111 e IV). Ademáis, a obrigatoriedade<br />

do preceito isonómico espraia-se pela Iegislac3o infraconstitucional quando a<br />

Constituido Federal de 1988 criminaliza o racismo e pune quaisquer práticas<br />

discriminatorias atentatorias dos direitos e liberdades fundamentáis, consoante<br />

disposto no art. 5o, XL1I e XLI. respectivamente.<br />

A conjunto dos dispositivos constitucionais que albergam o principio<br />

da igualdade indica a intencao do legislador nacional de conferirá maioramplitude<br />

possível ao referido principio, visto que n3o foi suficiente para assegurar a sua<br />

aplicabilidade a literal previs3o da isonomia no capul do art. 5o, sendo necessário<br />

aditará proibicüo da n3o discriminacao a atuacSo positiva do Estado no sentido de<br />

reduzir as desigualdades sociais (Meló, 1998, p.90-91).<br />

Verifica-se que a Magna Carta de 1988 n3o contempla urna disposicao<br />

que permite cxplicilnmentc a prática rolineira e generalizada da ac.no afirmativa.<br />

Preferiu o legislador constituinle implemcntarde forma pontual e de menor alcance<br />

tal política, adotando as aeñes positivas em setores previamente determinados.<br />

Nesse sentido, tem-se o art. 7o, XX, que advoga pela proteeflo especial da inulhcr<br />

no mercado de trabalho, ou ainda o art. 37, VI11, que reserva percenlual de cargos<br />

e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiencia, n3o se olvidando<br />

tambem do art. 170. IX. que admite tralamento favorecido para as empresas de<br />

pequeño porte constituidas sob as leis nacionais e que tenham sua sede e<br />

administracüo no País.<br />

No ámbito da legislacüo ¡nfraconstitucional, o novo conteúdo do<br />

principio jurídico da igualdade, definido pela adoc3o das acóes afirmativas,<br />

encontra-se, por exemplo, na Lei n° 8.666, de 21.06.1993, cujo art. 24, XX, dispensa<br />

a licitacao na contratac3o de assoc¡ac3o de portadores de deficiencia física, desde<br />

que sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, exigindo-se ainda que o<br />

preco contratado seja compatível com o praticado no mercado.<br />

No mesmo sentido de estabelecer desequiparacóes que visam corrigir<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 71


AMANDA IIAIU'I I.I.OS CAVAICANII<br />

desigualdades fínicas anteriores, tém-se a l.ci n°9.100. de 29.09.1995. e a Leí n"<br />

9.504, de 30.09.1997, que llxaram quotas mínimas de candidatas mulheres para as<br />

eleicSes.<br />

lim ra/.flo da adesfio do Brasil ao sistema internacional de protejo de<br />

direitos humanos, cabe mencionar os diplomas relacionados ao tópico estudado e<br />

que foram ratificados pelo País.<br />

Nessc diapasüo, a Conven?2o <strong>In</strong>ternacional sobre a Eliminacao de todas<br />

as formas de Discriminacáo Racial, adotada pela Organizado das Nacdes Unidas<br />

(ONU) em 21.12.1965. e ratificada pelo Brasil em 27.03.1968, prescreve, no art. I °, §<br />

4o, a possibilidade de discriminado positiva mediante a adocáo de<br />

medidas especiáis lomadas com o único objetivo de<br />

assegurar o progresso adequado de cerlos grupos<br />

rociáis ou étnicos ou de individuos que necessitem<br />

da protecoo que possa ser necessária para<br />

proporcionar a tais grupos ou individuos igual gozo<br />

ou exercício de direitos humanos e liberdades<br />

fundamentáis, contanto que tais medidas nao<br />

conduzam, em conseqiiéncia, á manutencao de<br />

direitos separados para diferentes grupos rociáis e<br />

nao prossigam após lerem sido alcancados os seus<br />

objetivos (Piovesan, 2000, p.380).<br />

Com redacáo semelhante, a Convencüo sobre a Eliminacao de todas as<br />

formas de Discriminacao contra a Mulher, adotada pela ONU em 18.12.1979, e<br />

ratificada pelo Brasil em 01.01.1984, prevé em seu art. 4°o emprego de acSes afirma<br />

tivas para acelerar o processo de igualizacao de status entre homens e mulheres<br />

(op. c//.,<br />

7. Conclusoes<br />

As aeñes afirmativas, consideradas como o mais recente estágio na<br />

evolucao do principio da igualdade jurídica, coadunam-se com os valores que se<br />

encontram sob os auspicios do ordenamento jurídico brasileiro, cujas normas<br />

impelem o Estado a minimizar progressivamente as desigualdades sociais, tarefa<br />

que deve ser cumprida nüo em razio do respeito á moral e afeicüo á Justina, mas em<br />

virtude da obrigatoriedade do cumprimento do preceito igualitario.<br />

Declararam-se constitucionalmente as limitaedes da isonomia para a<br />

72 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


A AIXX AO DA AQ'ÁO AFIRMATIVA PELO ORDKNAMLNTO JURÍDICO BRASILliIRO<br />

construcSo de uma sociedade justa e pluralista, sendo somente possível proclamar<br />

o direito á diversidade cultural e social inerentes á coletividade humana através da<br />

adocüo de políticas públicas ou privadas que visem inserir grupos sociais<br />

vulneráveis em espacos oulrora reservados ás maiorias (ou minorias, se<br />

consideradas no sentido quantitativo) detentoras de vantagens e privilegios, em<br />

razüo de nüo terem sofrido discriminaeñes passadas, á maneira do que ocorreu<br />

com os integrantes dos referidos grupos, cessando essas medidas em datas<br />

preestabelecidas ou quando alcancado o objetivo de concretizar a igualdade de<br />

oportunidades no seio da sociedade.<br />

A nüo previsüo expressa de norma que autorize a prática generalizada<br />

da acüo afirmativa nüo implica na inconstitucionalidade do questionado instituto<br />

jurídico, em razao de se constituir numa afronta ao principio da ¡gualdade, por<br />

estabelecer necessariamente tratamentos diferenciados. A constitucionalidade dos<br />

programas de acóes positivas será examinada em cada caso concreto, levando-se<br />

em considerado para a sua declarado a existencia de criterio discriminador<br />

residente ñas pessoas, acontecimentos ou coisas, bem como a conexüo lógica<br />

entre o fator de discrimen e os regimes jurídicos diversos e entre esta relac^o e os<br />

valores protegidos constitucionalmente, exigindo-se ainda que a norma nüo<br />

singularize atual e definitivamente um sujeito determinado ou determinável.<br />

8. Referencias bibliográficas<br />

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28, p. 82-88, juiyset. 1999.<br />

PIOVESAN. Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional <strong>In</strong>ternacional.<br />

Sao Paulo: Max Limonad, 2000.<br />

VI LAS-BOAS, Renata Malta. Acoes afirmativas e o principio da igualdade. Rio de<br />

Janeiro: América <strong>Jurídica</strong>, 2003.<br />

74 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


AUSUCAPIÁONA PERSPECTIVA DONOVOCÓDICOCIVIL<br />

(l.l.l N" 10.406DI-I 10 W:.JAN!;IRODI-2002)<br />

Janine IMedciros Santos<br />

(Oireilo/UI KN 5" período e bolsista da Procuraduría <strong>Jurídica</strong>/UFRN)e<br />

1 INTKODUCÁO<br />

Liirissa Lopes Matos<br />

(Direito/UFRN -6o periodo)<br />

O traco principal deste trabalho é demonstrar o instituto da usucapiao<br />

na dimensáo que Ihe lora atribuida pelo novo Código Civil (CC) Brasileiro. O<br />

contexto em debate é apenas pequeña parte da grande transformacao havida no<br />

ordenamento jurídico patrio, lamentavelmente, nao espelhada com a devida énfase<br />

pela maioria da doutrina especializada, máxime por aqueles que mais festejados<br />

compócm seleto grupo de fonmadores de opiniSo nos meios académicos.<br />

De toda sorte, comidas ñas naturais limitaedes de académicas do curso<br />

de Direito ousamos trilhar urna visáo menos ortodoxa do instituto tendo como<br />

propósito primordial, demonstrá-lo como importante instrumento de forte conteúdo<br />

social e nao somente como um instrumento jurídico á disposicao de interesses<br />

meramente privados, conforme históricamente verificado.<br />

Em suma, nosso propósito é tracar esse novo perfil da usucapiao pro<br />

curando levar á comunidade académica á consciéncia de que o pensamento<br />

dogmático acerca de sua natureza merece ser revisto, para que entdo possamos<br />

estabelecer urna verdadeira conexüo entre a norma e o fato social.<br />

3.CONCEITO<br />

Etimológicamente, a palavra usucapiao' promana do latim composta<br />

pelos termos capto, que sinifica "tomar" e usu, que significa "pelo uso".<br />

Para firmar o conceilo do instilulo doulrinaüores<br />

amigos e modernos recorrem sempre a mesma<br />

origen), ou seja. a deftnicao de Modeslino, no<br />

Digeslo, Livro 41, Til. lll.fr. 3, sendo vejamos com o<br />

leslemunho de Orlando Gomes, em sua obra Direito<br />

' u\il anlcnof loyi.i referencia a esle inhumo tumo sendo do péncto masculino (o usucapían), enirelanio.<br />

a I ei ii '■ '*■'> XI i-inprepiMi »•> ú-iihmiho. a^Mín ci«m> « la/ ■> ihimi Cixiipi Civil<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERMS n. <strong>15</strong> UIRN<br />

75


JANINI MI OlIROS SANIOS I- I AKISSA I OI'IS MAIUS<br />

Reai.s:<br />

Usucapido é. no concedo clássico de Modeslino. o<br />

modo de adquirir a propriedade pela posse<br />

continuada durante cerlo lapso de lempo, aun os<br />

requisitos eslabelecidos na leí: usucuapio esl<br />

adieclio dontini per conlinuationem possessionis<br />

Icnipons le^e de/inil. A usucapión é. com efeilo. o<br />

moda de aquisicao da propriedade, por via do qual<br />

opossuidor se tornaproprietário". (Gomes. 1999,<br />

p.163).<br />

Dentre os mais récenles autores o meslre Edilson Pcreira Nobre Júnior,<br />

expóe cm scu artigo intitulado Perfil da Usucapkio Constitucional que: "liste é<br />

considerado, a luz do ordenamento jurídico, como a aquisicao da propriedade ou<br />

de oulro direito real pelo decurso prolongado do tempo, segundo o preenchimento<br />

dos requisitos previstos em lei".<br />

Posicionando o conceito de forma bem completa, porquanto o mitigando<br />

com a jurisprudencia, María Helena Diniz expóe:<br />

ü (a) usucapido é uní modo de aquisiedo da<br />

propriedade e de oulros direitos reais (usufnito, uso.<br />

habilaeao, enfíleme - Rt. 53S.27S. 59


A USLCAPIÁO NA PERSPECTIVA IX) NOVO CÓDIGO CIVIL<br />

exigencias, se converle em dominio, podemos repetir,<br />

embora com a cautela de alterar para a circunstan<br />

cia de que nao é qualquer posse sendo a qualificada:<br />

Usucapido é a aquisicdo do dominio pela posse<br />

prolongada. (Pereira, Caio Mario, p.103)<br />

Destarte, se concluí que a natureza jurídica da usucaptáo requcr, dcntre<br />

oulros, dois elementos que süo básicos: a posse c o lempo. Esses elementos<br />

adicionados a outras variacóes revelam as especies de usucapíño constante no<br />

ordenamento jurídico patrio: o usucapiao extraordinario, o ordinario e o especial,<br />

urbano e rural, que serüo demonstrados de per si.<br />

Por seu turno, n3o se confunde a prescricao com a usucapiüo. Sao<br />

institutos que se diferenciam profundamente, apesar de os mesmos terem como<br />

coiulicilo o decurso do lempo. A prescribo, segundo o Novo Dícioiu'irio Aurelio<br />

é "a perda da acao atribuida a um direito, que fica assim jurídicamente desprotegido,<br />

em conseqüéncia do nüo uso déla durante determinado tempo". Configura-se num<br />

modo de extinguir pretensóes, operando com base na inercia do sujeito de direito<br />

durante um dado espaco temporal, assim, se mostrando como um instituto negativo.<br />

N3o obstante, a usucapiao supóe posse continuada, se configura num instituto<br />

positivo pelo fato de proporcionar a aquisicao de um dominio de uma propriedade<br />

a alguém queja detinha a posse por um certo tempo.<br />

4. REQUISITOS<br />

Parte da doulrina sistematiza o estudo da usucapiao no que concerne<br />

aos seus requisitos a partir de exigencias legáis necessárias para a sua<br />

configuracao2. Estes podem fazer referencia as pessoas a quem ¡nteressa (requisi<br />

tos pessoais), as coisas em que pode recair (requisitos reais) e á forma por que se<br />

constituí (requisitos formáis).<br />

4.1. Requisitos pessoais:<br />

Relaciona-se as exigencias referentes ao possuidorque pretende adquirir<br />

o bem e ao proprietário que, assim, o perde. Toda pessoa física capaz de exercer<br />

•' Orlando Gome-. Serpa 1 »pes. Mana I lelciia Diniz. dcntre oulros<br />

Rl-VISTA JURÍDICA !N VI-RBIS n. <strong>15</strong> - UI'RN 77


JANINI; MI:l)i:iKUS SANTOS li 1.AK1SSA 1-ül'liS MATOS<br />

pessoalmente os atos da vida civil e as pessoas jurídicas de direito privado e do<br />

direito público interno podem usucapir. As pessoas tísicas civilmente ¡ncapazes<br />

tém esta faculdade desde que acompanhadas por seus representantes legáis e<br />

esteja configurado que estes apreenderam a coisa n3o para si, mas em nome da-<br />

quelas. Quanto as pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras e as jurídicas nacionais<br />

há algumas restricoes previstas em lei (Decretos-leis n.°s: 494 e 924 e lei n° 5.709).<br />

Assim, temos como forma desses requisitos: a capacidade do adquirente.<br />

qualidade para adquirir o dominio pela usucapiao e o animas domini (a ¡ntencüo<br />

de ser dono). Conforme a doutrina, n3o pode usucapir quem obteve a posse<br />

injustamente, viciada de violencia, clandestinamente, ou quem passou a té-la de<br />

má-fé1. O marido e mulher também n3o podem adquirir bem um do outro por<br />

usucapiao. A mesma proib¡c3o ocorre entre ascendentes e descendentes, entre<br />

incapazes e seus representantes. Do mesmo modo existem situacSes jurídicas que<br />

impossibilitam a aquisicSo por usucapiao de determinados bens, como é o caso do<br />

condómino em relacao ao bem comum.<br />

Orlando Gomes afirma que:<br />

4.2. Requisitos reais:<br />

Quanto áquele que sofre os efeitos da usucapido,<br />

nao há exigencia relativamente a capacidade. Basta<br />

que seja proprietúrio da coisa suscetivel de ser<br />

usucapida. Aínda que nao tenha capacidade defalo,<br />

pode sofrer os efeitos da posse continuada de outrem,<br />

poís compete a quem o representa impedi-la. Cerlos<br />

proprietários nao podem, porem, perder a<br />

propriedade por usucapiao. Neste caso se encontram<br />

pessoas jurídicas de direíto publico, cujos bens sao<br />

imprescritíveis (Gomes, 1999, p.¡65).<br />

Nem todos os bens podem ser usucapidos, tais como os bens dominicais<br />

bem como os demais bens públicos. Alguns porque s3o considerados<br />

imprescritíveis, por exemplo, os que estao fora do comercio; outros, por<br />

1 Orlando Comes traz em stu obra Direitus Reais esla eoloencáo. rehallando que nao lia aceitacáo gcral<br />

78 REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UKRN


A USliCAPIÁC) NA PliRSI'LCTIVA IX) NOVO CÓDIGO CIVIL<br />

circunstancias legáis, mesmo que dentro do comercio. O Decreto n° 22.785. de 31<br />

de maio de 1993, no seu art. 2°já afirmava a impossibilidade prescricional de bens<br />

públicos.<br />

Quanto aos ¡movéis públicos, o texto constitucional deixa evidente a<br />

¡mpossibilidade da usucapiao, restando indiferente o local onde eles se situam,<br />

seja na área urbana ou rural. Como exemplo, segué a seguinte jurisprudencia:<br />

Reintegrando de Pus.se - Área Verde - As áreas<br />

verdes que complementan o loteamento sao bens<br />

de uso comum dopovo, pertencentes ao Estado, ¡n<br />

casu ao Distrito Federal, e sobre elas o particular<br />

nao exerce posse, por ser tratar de bens<br />

inalienáveis (art. 67, CC) e insuscetiveis de<br />

usucapiao (art. 183, § 3o e art. 191, ambos da<br />

Conslituicao Federal de 1988).(t)df- 2a T. - AC n°<br />

23.256-Reí. Des.VasquezCruxém, Diario da Justica,<br />

SecaoIL lOfev. 1993)<br />

Contudo, há urna ressalva quanto as térras devolutas4. Juristas como<br />

Celso Ribeiro Bastos e Tupinambá do Nascimento alegam que elas s3o passíveis<br />

da usucapiao, em raz3o de serem mantidas á título de direito privado, nao sendo<br />

pública stricto sensu.<br />

Enfim, somente os direitos reais que recaem em coisas prescritíveis<br />

podem ser adquiridos pela usucapiao, tais como: a propriedade, as servidñes, a<br />

enfiteuse, o usufruto, o uso e a habitacao.<br />

4.3. Requisitos formáis:<br />

Variam de acordó com o prazo fixado por le¡ para a posse. Contudo, há<br />

ncccssidadc do lempo c da posse, além da comprovai;üo, em algumas especies de<br />

aquisicüo, do justo titulo e da boa-fé. <strong>In</strong>existe a usucapiao sem a posse, a qual<br />

deve ser exercida com animus domini. Excluem-se, assim, aqueles que exercem<br />

temporariamente a posse direta, por torca de obrigac3o ou direito, como o<br />

' C) Novo Dicionáno Aurelio assini as deline: "aquclas que, lulo sendo pióprias iicm aplicadas ao uso público, nao<br />

se incorporaron* no dominio privado".<br />

RF.VISTA JURÍDICA IN VF.RBIS n. <strong>15</strong> UFRN 70


JANINl- MI-DUIKUS SANIOS I: I.AUISSA LOI'liS MATOS<br />

usufrutuário, o locatario e o credor pignoraticio.<br />

Como requisito formal, a doutrina aínda estabelece que a posse deve ser<br />

mansa e pacifica, ¡sto é, exercida sem oposicao por parte do proprietário, visando<br />

caracterizar a conduta omissiva do proprietário em relaciio ao seu imóvel. Para se<br />

configurar a oposicao, no sentido jurídico, nao bastam os atos meramente<br />

emulativos, é necessária a presenca de urna oposic.ao seria, tempestiva e exercida<br />

na área judicializada.<br />

Ademáis, a posse deve ser continua. Observa-se, aínda, que cada moda-<br />

lidade da usucapiáo apresenta um prazo específico para a aquisicao da propriedade,<br />

os quais serao discriminados no decorrer da discussao.<br />

5. ESPECIES<br />

5.1 Aquisicao por usucapiSo de bens imóveis<br />

- a extraordinaria;<br />

- a ordinaria; e<br />

A doutrina e a legislacao brasileiras distinguen! tres especies:<br />

- a especial ou constitucional, que se divide em: pro labore (rural) e pro morare<br />

(urbana).<br />

5.1.1. Usucapiiío extraordinaria<br />

Nosso Código Civil dispóe em seu artigo 1.238, verbis:<br />

Aquele que, por quinze anos, sem interrupcao, nem<br />

oposicao, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe<br />

a propriedade, independenlemente de titulo e boa-<br />

fé; podendo requerer ao juiz que assirn o declare<br />

por sentenca, a qual servirá de título para o registro<br />

no Cartório de Registro de Imóveis.<br />

Parágrafo único. O prazo estabelecido ueste artigo<br />

reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver<br />

estabelecido no imóvel a sita moradia habitual, ou<br />

nele realizado obras ou servicos de caráter<br />

produtivo.<br />

SO RF.VISTA JURÍDICA IN VI-RBIS n. <strong>15</strong> UFRN


A USUCAIMAONA 1'LRSI'tCTIVA IX) NOVO CÓDIGO CIVIL<br />

Assim, tem-se como requisito específico da usucapido extraordinaria: a<br />

posse de <strong>15</strong> (quinze) anos, que pode reduzir-se a 10 (dez) anos se o possuidor<br />

houver eslabelecido no imóvel a sua morad ¡a habitual ou nelc realizado obras ou<br />

scrvicos de caráter produtivo. Prescinde de comprovacüo do justo titulo e da boa-<br />

fé: há urna presunc3oji/rá et de jure.<br />

5.1.2. Usucapido ordinaria<br />

Consagrada em nossa legislacáo no art. 1.242, que dispóe:<br />

Adquire tambént a propriedade do ¡móvel aquele<br />

que, continua e incontest adámenle, com justo titulo<br />

e boa-fé, o possuir por dez anos.<br />

Parágrafo ímico. Será de cinco anos o prazo previsto<br />

neste artigo se o ¡móvel houver sido adquirido, one<br />

rosamente, com base no registro constante do<br />

respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde<br />

que os possuidores nele liverem eslabelecido a sua<br />

moradia, ou realizados investimentos de interesse<br />

social e económico.<br />

Logo, o lapso temporal para a aquisicño da posse do imóvel corresponde<br />

a 10 (dez) anos, salvo a hipótese prevista no parágrafo único, em que prazo poderá<br />

ser diminuido para 5 (cinco) anos. Diferente do tipo extraordinario, a usucapiSo<br />

ordinaria exige a comprovacao do justo titulo e da boa-fé. Deve, entño, o usucapiente<br />

provar a posse.<br />

O artigo n°2.029 das Disposicoes Transitorias preceitua que:<br />

Até dais anos após a entrada em vigor deste Código,<br />

os prazos estabelecidos no parágrafo único do art.<br />

1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serao<br />

acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo<br />

transcorrido na vigencia do anterior, Lei rí' 3.071,<br />

de I" de Janeiro de 1916.<br />

Os parágrafos ácima mencionados referem-se as hipóteses de reducSo<br />

do prazo em razáo do possuidor ter estabclecido no imóvel a sua morada habitual.<br />

RF. VISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 8I


JANINli MliDHIKOS SANTOS E LARISSA LOI'tS MATOS<br />

ou nele realizado obras ou servidos de caráter produlivo (Goncalves, 2002, p. 95-<br />

96).<br />

Complementado o entendimento do artigo retrocitado, seu posterior de<br />

termina, verbis: "Art. 2.030. O acréscimo de que trata o artigo antecedente, será<br />

feito nos casos a que se refere o § 4o do art. 1.228".<br />

O Código Civil de 1916 trazia a redacSo' sobre as especies da usucapiao<br />

extraordinaria e ordinaria em seus arts. 550 e 551, respectivamente. A Leí n° 10.406/<br />

02. entretanto, alterou o texto destes dispositivos no atinente ao prazo<br />

prescricional, mas preservou a exigencia de sentenca declaratoria do juiz para a<br />

transcricao no registro de lmóveis.<br />

Outra modificacao consistiu na inexistencia, no novo dispositivo legal,<br />

da referencia a presentes e ausentes contidas no art. 551. Entendia-se por presentes<br />

as pessoas residentes no mesmo municipio e ausentes as pessoas residentes em<br />

municipios diversos.<br />

5.1.3. Usucapiao rural (pro labore)<br />

saber:<br />

Versa o artigo n° 1.239, do atual Código Civil, verbis:<br />

Aquele que, nao sendo proprielário de imóvel rural<br />

ou urbano, possua como sita, por cinco anos<br />

ininlerruplos, sem oposicao, área de ierra em zona<br />

rural nao superior a cinqüenta heclares, lornando-<br />

a proilutiva por seu Irabalho ou de sua familia,<br />

tendo nela sua moradia, adquirir-lhc-á a proprie-<br />

dade.<br />

Adendo ao dispositivo ácima declara a Const¡tu¡c3o Federal (CF), a<br />

d;ida pela Leí n"2.437. de 07 de mareo de 1955<br />

Arl. 191 - Aquele que, nao sendo proprietário de<br />

imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco<br />

anos ininlerruptos, sem oposicao, área de Ierra, em<br />

zona rural, nao superior a cinqüenta néctares,<br />

82 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN


A USUtAI'lAO NA PKRSPI-CTIVA DO NOVO CÓDIGO CIVIL<br />

Ressalta-se que:<br />

tonuindo-a produtiva por sen trubalho ou de sua<br />

familia, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a<br />

propriedade.<br />

A funcao social é cumprida quando a propriedade<br />

rural alende, simultáneamente, segundo criterios e<br />

graus de exigencia estabelecidos em lei. aos<br />

seguinles requisitos: aproveitamento racional e<br />

adequado; a utilizacao adequada dos recursos na-<br />

turais disponiveis e preservacao do meio ambiente;<br />

obsun'úncia das disposicoes que regulam as rela-<br />

coes de trabalho; exploracao que favoreca o bem-<br />

eslar dos proprielarios e dos irabalhadores. (CF,<br />

art. 186).<br />

Isto implica no que chamamos de dcsenvolvimento sustentavel; um<br />

máximo de aproveitamento da térra, dos recursos naturais e da máo-de-obra<br />

disponivel com o mínimo de prejuizo e dispendio para o meio ambiente e de desgaste<br />

para o ser humano, de modo a comprometer a sua saúde. Deve, pois, haver um<br />

equilibrio entre a Torca física humana e a forca da natureza.<br />

Determina a legislacüo que a posse deverá ser exercida por 5 (cinco)<br />

anos ininleiTuplos e com o animas domini. Nilo pudendo ser, a pessoas que<br />

pretendem usucapir, proprietário nem rural e nem urbano.<br />

5.1.4. Usucapido urbana (pro morare).<br />

Aiendcndo aos reclamos da Política Urbana, o Código Civil c a Consti-<br />

tuicao, enunciam em seus respectivos dispositivos:<br />

Art. 1.241). Aquele que possuii; como sua, área ur<br />

bana de até duzentos e cinqüenta metros quadra-<br />

dos, por cinco anos ininterruptaniente e sem oposi-<br />

cao, utilizando-a para sua moradia ou de sua fami<br />

lia, adquirir-lhe-á o dominio, desde que nao seja<br />

proprietário de oulro imóvel urbano ou rural.<br />

§ lv O titulo de dominio c a concesscio de uso serao<br />

conferidos ao homem ou a mulhei; ou a ambos, inde-<br />

REVISTA JURÍDICA IN VF.RRIS n. <strong>15</strong> - UFRN 83


JANINE MEDEIROS SANTOS K LAR1SSA I.OPUS MATOS<br />

penden/emente do esleído civil.<br />

§ 2'1 O clireilo previsto no parágrafo antecedente<br />

nao será recunhecido ao inesnio possuidor muís de<br />

unía vez.<br />

Arl. /íS'i. Ac/uele que possuir como sua área urbana<br />

de até duzentos e cinqüenla metros quadrados, por<br />

cinco anos, ininterruptamente e sem oposicao,<br />

utilizando-a para sua moradia ou de sita familia,<br />

adquirir-lhe-á o dominio, desde que nao seja<br />

proprietário de outro imóvel urbano ou rural.<br />

§ ¡" - O título de dominio e a concessao de uso<br />

serao conferidos ao homem ou á mulher, ou a ambos,<br />

independentemenle do estado civil.<br />

§ 2o - Esse direito nao será reconhecido ao mesmo<br />

possuidor mais de urna vez.<br />

Ao se analisar detalhadamente os requisitos desta modalidade da<br />

usucapido, constatamos: a) posse direta e pessoal, em nome próprio do usucapiente,<br />

e sem a intervencao de terceiros; excluem-se, assim, os meros detentores, os<br />

possuidores em nome alheio (caseiros, comodatarios, empregados etc.), bem como<br />

todos aqueles que se encontrem em relacüo de dependencia para com o proprietário;<br />

b) Área n3o superior a 250m2, em área urbana. Nesse sentido, manifestou-se o<br />

TJRS, verbis: "Usucapiao especial. É ¡nvocável o usucapido especial, previsto no<br />

arl. 183 daCFde I988,c|iiandoaárea Ibr superior a 250m2"(TJRS- 3» Cámara Civil<br />

- AC n° 589.067.792 - Reí. Dr. Jorge A. Perrone de 01 iveira, decisSo: 23-11 -1989); c)<br />

utilizacao do bem, pelo possuidor, "parasua moradia ou de sua familia". Ressalva-<br />

se que o vocabulo "moradia" é empregado 110 sentido de domicilio, habitacüo;<br />

afastando, assim, as posses esporádicas ou eventuais, típicas das casas de veraneio,<br />

ou mesmo aquelas destinadas á fins comerciáis, salvo se o usucapiente residir no<br />

mesmo local onde desenvolve suas alividades mei'canlis, lais como um bar, um<br />

mercadinho, urna oficina etc., figuras bastantes comuns; d) posse justa, escoimada<br />

de vicios decorrentes da violencia, clandestinidade ou precariedade, conforme<br />

dispóe o art. 1.200 da atual legislacüo civil. Note-se que a boa-fé é presumida,<br />

independe de comprova?ao"(CC, art. 1.201); e) impedimento do possuidor em ser<br />

proprietário de outro bem imóvel, seja este urbano ou rural, ainda que em local<br />

8-1 RI-VISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


A IJ.NUCAI'IÁO NA PERSPECTIVA IX) NOVO CÓDIGO CI Vil.<br />

diferente, seja outro Estado, país etc;<br />

Fazem-se necessários alguns comentarios a respeito desta nova modalidade<br />

da usucapido. Primeiro é importante frisar que o Supremo Tribunal Federal<br />

mío considera, para os tlns previstos no art. 183, o lempo de posse anterior á<br />

promulgacüo da Carta de 1988. mas sim que o tenno inicial da fluencia do prazo de<br />

cinco anos dá-se com a entrada em vigor da Constituicüo Federal, a partir de 5-10-<br />

1988. Por se tratar de instituto novo, somente a posse constatada após o advento<br />

dessa nova ordem constitucional pode ser considerada para efeito do quinquenio<br />

previsto no dispositivo sob enfoque. Por sua vez, esta decisüo contradiz o enun<br />

ciado da Súmula 445, do próprio STF, a saber: "A Lei n° 2.437. de 7-3-55, que reduz<br />

prazo prescricional é aplicável as prescricoes em curso na data de sua vigencia (1 -<br />

1-56), salvo quanto aos processos entilo pendentes".<br />

Contrariando o entendimento ácima, há a versüo do Tribunal de Justica<br />

de Sño Paulo, ¡n fine: "Usucapiüo. Área Urbana. Modalidade instituida pelo art.<br />

183 da nova CF. Dispositivo legal que dispensa regulamentacüo. Aplicacüo ¡mediata,<br />

nüo sendo necessário aguardar o decurso de cinco anos após a promulgacao da<br />

nova Carta"(TJSP - RT 549/58).<br />

Quanto ao limite máximo de área usucapiável, este foi fixado pelo legis<br />

lador constitucional em 250 metros quadrados, deixando sem soluc3o algumas<br />

questdes que, por bem, deveriam ter sido norteadas quando se disciplinou a<br />

usucapiao urbana, tais como as posses localizadas em lotes urbanos indivisiveis<br />

por lei, cuja extensao supere os 250 rrr. Nestes casos, a ausencia de regulamentacao<br />

legal permite que se utilize o enunciado do art. 4o da Lei de <strong>In</strong>troduc3o do Código<br />

Civil, aplicando-se á usucapiao pro morare, por ana logia a Lei n. 6.969/81, referente<br />

á usucapiao rural.<br />

Ademáis, o parágrafo § 2o do artigo supracitadoaodispor"Essedireito<br />

n3o será reconhecido ao mesmo possuidor mais de urna vez", deixa dúvida quanto<br />

a que "direito" se está privando. <strong>In</strong>terpretando de forma restrita, levanta-se a<br />

hipótese de vedar o possuidor de adquirir, novamente, um outro imóvel via a<br />

usucapiao especial urbana. Pode-se, ainda, ter urna análisc mais abrangente, na<br />

qual se inipcdc o usucapiente de tornar-sc propriclário de qualqucr nutra modalidade<br />

da usucapiüo. Alias, há, inclusive, urna redundancia ueste artigo e,<br />

conseqüentemente no que tange a usucapiüo pro labore.<br />

Parece-nos, entao, ser a segunda posicüo a mais acertada, naja vista<br />

que um dos requisitos para a concessao de qualquer das formas de usucapiüo<br />

(previstas constitucionalmente) consiste, exatamente, no falo de o possuidor nao<br />

ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. E, se a nossa Lei Maior já previu.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERRIS n. <strong>15</strong> - UFRN 85


JANINI- MEDÜ1R0S SANIOS K I.ARISSA I.OIMiS MATOS<br />

expressamente, essa privacao, nao teria sentido ela nao incidir sobre as<br />

modalidades: "extraordinaria'" e "ordinaria", ambas figuras do Código Civil, que foi<br />

omisso quanto a esta limitaciio.<br />

Há um outro ponto a ser debatido atinente a acessio temporis. Ao<br />

contrario do que ocorre ñas formas tradicionais da usucapiao, a transferencia da<br />

posse para efeitos de prescricao aquisitiva em favor de terceiro n3o é admissível<br />

na modalidade especial, em face de sue caráter estritamente pessoal.Contudo, esta<br />

MmitacSo n3o se aplica quanto a sucessio temporis. Como alega Celso Bastos, em<br />

caso de imóvel ocupado por familia, os prazos do antecessor e do sucessor podem<br />

ser somados. Isso na hipótese de parte da familia vir morar, a posterior'!, no ¡móvel<br />

primitivamente ocupado por um ou alguns de seus membros, antes de aberta a<br />

sucess3o.<br />

Por fim, resta frisar que o legislador constituinte trouxe para o seio da<br />

Carta Magna de 1988 a ent3o modalidade rural - usucapiao prolabore- já regula-<br />

mentada pela Lei n° 6.969/81. Assim tambétn fizeram os juristas que se empenharam<br />

na construc3o do novo código.<br />

5.2. Aquisicüü por usucapiao de bens movéis<br />

Referindo-se á usucapiao de bens movéis, a doutrina e a legislacao<br />

brasileira distingue duas especies, cuja legislacao nao trouxe mudancas:<br />

- a extraordinaria; e<br />

- a ordinaria.<br />

5.2.1.Usucapido extraordinaria<br />

Ter-se-á esta modalidade quando da posse ¡ninterrupta e pacífica, pelo<br />

lapso temporal de 5 (cinco) anos, sem haver exigencia de justo título e boa-fé,<br />

consoante dispSe o art. 1261 do Novo Código Civil: "Se a posse da coisa móvel se<br />

prolongar por cinco anos, produzirá usucapiao, ¡ndependente de título ou boa-<br />

fé".<br />

5.2.2. Usucapido ordinaria<br />

Esta especie requer posse ¡ninterrupta e ¡ncontestada pelo período de<br />

3 (tres) anos, exigindo justo título e boa-fé. Reza o art. 1.260, infine: "Aquele que<br />

possuir coisa móvel como sua, continua e incontestadamente, durante tres anos,<br />

com justo titulo e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade".<br />

86 REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


A USUCAI'IÁO NA PliRSI'IC UVA DO NOVO CÓDIGO CIVIL<br />

Por fim, veriflca-se um entrela9amento entre a usucapiao de bens movéis<br />

com a usucapiao de bens ¡movéis, vejamos, por exemplo, o que estabelece o artigo<br />

1.262: "Apl¡ca-se á usucapiao de coisas imóveis o disposto nos arts 1.243 e 1.244."<br />

Existem também leis espacas que disciplinan! o assunto. A Lei n°370/37, modificada<br />

pela Lei n° 2.313/54 e regulamentada pelo Decreto n° 40.395/56, menciona que o<br />

dinheiro e objetos de valor depositados em estabelecimentos comerciáis e bancários<br />

poderlo ser usucapidos, desde que a quantia esteja sem movimento e os objetos<br />

nao houverem sido reclamados pelo período de 30 (trinta) anos, a contar da data<br />

do depósito.<br />

6. Á Guisa de Conclusüo<br />

As mudancas advindas com a inscrcao de novos dilames legáis no<br />

nosso ordenamento jurídico devem sempre acompanhar o desenvolvimento da<br />

sociedade, á fim de nianter a ordem pública. Em nosso país, por exemplo, onde as<br />

desigualdades socio-económicas imperam, quak]iicr iniciativa destinada a mclhorar<br />

as condicSes de vida do povo torna-se bem vinda.<br />

Assim, a usucapiao vem atender as necessidades de quem nao lem<br />

unía propriedade, urbana ou rural, podendo adquirir urna deslas, mediante a posse<br />

prolongada e o preenchimento de certos requisitos exigidos por lei. Desta forma,<br />

este instituto está fundado na consolidacao da propriedade, revestindo de caráter<br />

jurídico urna situacao de fato.<br />

O novo Código Civil ao alterar o lapso temporal da usucapiao buscou<br />

dar urna protecao maior ao possuidor, diminuindo o tempo que antes lhe era dado<br />

para ver reconhecido o direito ao dominio, principalmente se o espaco por ele<br />

ocupado esteve voltado para si ou para sua familia e considerando outros requisitos<br />

que comungam com a necessidade de se fazer valer a func3o social da propriedade,<br />

antes esquecida pelo legislador, mas hoje bem caracterizada no novo dispositivo<br />

legal.<br />

Em relacao á usucapiao especial urbano, sua regulamentacao veio con<br />

tribuir, decisivamente, para assentar grande parcela da populacao, dando-lhe acesso<br />

á moradia, direito este previsto constitucionalmente no Capítulo II - Dos Direito<br />

Sociais, art. 6o, e, conseqüentemente, a urna melhor qualidade de vida.<br />

Isto posto, observamos que a propriedade, antes destinada a sat¡sfac3o<br />

meramente individual, hoje assume um caráter social, ou seja, ñas palavras do<br />

¡lustre Ricardo Aronne, citando José Cretella Jr., menciona: "A propriedade que<br />

anteriormente tinha urna juncao nítidamente individual, hoje se socializa, em<br />

urna transicao a refletir a 'repersonal ¡za(,-ao' e a 'constitucionalizacao' do<br />

RKVISTA JURÍDICA IN VIZRRIS n. <strong>15</strong> - UFRN 87


JANINI-: MÜDEIROS SANTOS C LARISSA LOI'liS MATOS<br />

Direiio Civil". (Ricardo Aronne, 1999. p. 172).<br />

7. Referencias Bibliográficas<br />

ARONNE, Ricardo. Propriedade e dominio: reexamesistemático das nocoes nu<br />

cleares de direitos ruáis. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 172.<br />

BASTOS, Celso Ribeiro. Comentarios a Constituicao do Brasil: promulgada em<br />

5 de outubro de 1988. Sao Paulo: Saraiva, 1988.<br />

DINIZ, María Helena. Curso de direito civil brasileiro. v.4. 17. ed. atual. de<br />

acordó com o novo Código Civil (Leí n°l 0.406, de 10-01 -2002). Sao Paulo: Saraiva,<br />

2002. p. 143.<br />

FERREIRA, Aurelio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurelio da língua<br />

portuguesa. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.<br />

GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio de Janeiro, <strong>Revista</strong> Forense, 1999.<br />

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 11. ed. Sao Paulo: Atlas, 2002. p.<br />

658-662.<br />

NASC1MENTO, Tupinambá Miguel Castro do. A ordem económica efinanceira e<br />

a nova Constituicao. Aide, 1991.<br />

PERE1RA, Caio Mario da Silva. <strong>In</strong>stituicoes do direito civil, vol. 4. 9.ed. Rio de<br />

Janeiro: Forense, 1992.<br />

PEREIRA JR., Edilson Nobre. Perfil do usucapiao constitucional ln<br />

vAvw.jfrn.gov.br/docs/doutrina74.doc, 02 de abril de 2003.<br />

SANTOS, Ulderico Pires dos. Usucapiao constitucional, especial e comum.<br />

Palmape, 1991.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERB1S n. <strong>15</strong>-UFRN


ACÁO DE REINTEGRACÁO DE POSSE PARA RECUPERADO DO BEM<br />

ARRENDADO EM LEASING: ADEQUACÁO DA ACÁO E PRELIMINARES<br />

OPONÍVEIS PELO DEVEDOR<br />

I. Problcinutizacüo.<br />

Haroldo Augusto da Silva Teixeira Duarte<br />

Académico do 7o período do curso de Direito da<br />

UFRN.<br />

SUMARIO: 1. Problematizacao; 2. O contrato de<br />

leasing: suas principáis características; 3. A tutela<br />

jurídica da posse: juizo possessório xjuízo petitorio;<br />

4. Sobre a adequacao da acao de reintegracao de<br />

posse para recuperando do bem arrendado; 5.<br />

Questoes preliminares oponíveís pelo devedor; 5.1<br />

O pagamento antecipado do valor residual (VR);<br />

5.1.1 Como pode ocorrer a cobranca antecipada<br />

do VR; 5.1.2 Possibilidade de descaracterizacao do<br />

contrato de oficio; 5.1.3 A materia da antecipacao<br />

do VR na jurisprudencia do STJ; 5.2 Ausencia de<br />

notificacao previa do arrendatario; 5.2.1 A questao<br />

da necexsidade de notificacao previa no STJ; 6.<br />

Consideracoes jlnais<br />

O presente artigo visa a estudar a acao de<br />

reintegracao de posse na qual se tem por meta, a<br />

recuperaciio do bem arrendado, em cuso de<br />

inadimplemento do arrendatario.<br />

<strong>In</strong>iciamos, como n3o poderia deixar de ser, conceituando o contrato de<br />

leasing, determinando, assim, os seus elementos. Em seguida, deteremo-nos á<br />

tutela jurídica da posse, e á distincüo entre juízo possessório e petitorio.<br />

Só eniSo passaremos a responder, á luz de pesquisa doutrinária,<br />

jurisprudencial e legal, os seguintes problemas: A) É a acSo de reintegracao de<br />

posse meio adequado para tal fim? B) Sendo afirmativa a resposta da questao<br />

anterior, quais s2o os fundamentos dessa admissibilidade? C) Tendo em vista<br />

esses fundamentos, que preliminares passam a ser argülveis pelo devedor? D)<br />

Quais as conseqüéncias da cobranca antecipada do valor residual, e como ela<br />

pode ocorrer? e, por último, E) Quais os efeitos da ausencia de notificacao previa<br />

do devedor?<br />

REVISTA JURÍDICA IN VF.RBIS n. <strong>15</strong> - UFRN<br />

80


HAKOLDO AUGUSTO DA SILVA TEIXEIRA DUARTE<br />

2.0 Contrato de leasing: suas principáis características.<br />

A acirrada concorréncia do mcio empresarial demanda, dos agentes<br />

económicos, urna constante renovac3o do maquinado, mediante a descoberta de<br />

novas formas de se produzir mais, melhore mais barato. Acontece, que nem sempre<br />

se tem á d¡sposic3o capital suficiente para promover a aquisicao de novas<br />

tecnologías. Foi da necessidade de se investir no insumo das empresas, mesmo<br />

havendo escassez de recursos, que se firmou em nosso país o contrato de<br />

arrendamento mercantil (leasing1).<br />

Surgindo das necessidades práticas dos comerciantes, essa especie<br />

contratual consol idou-se em nosso país mesmo com a carencia de regulamentac3o<br />

própria sobre a materia, com a excec3o da Lei 6.099 de 1974, que a regula<br />

preponderantemente sob o prisma tributario, e de resolucóes do Banco Central<br />

(Bacen).<br />

Consiste o leasing financeiro2, ou leasing propiamente dito, na operacáo<br />

trilateral na qual: I - Urna instituicao financeira adquire bem do fornecedor; II -O<br />

uso desse bem é cedido ao arrendatario, que, por ele, passa a pagar aluguéis até<br />

que advenha o termo do negocio e III - Findo o contrato é dada ao arrendatario a<br />

faculdade de renová-lo, devolver a coisa, ou comprá-la mediante o pagamento do<br />

valor residual. Em suma: trata-se de arrendamento por prazo determinado,<br />

transcorrido o qual é dada opeáo de compra ao arrendatario. Logo esse contrato<br />

passou a ser usado mesmo por particulares para a obtencao nao de bens de insumo,<br />

mas de consumo com a intermediado das mesmas institui^ñes fínanceiras3. Eis<br />

porque o estudo desse instituto tem merecido a atencSo nao só dos nossos<br />

comerciaüstas, mas também dos civilistas4,<br />

1 Do inglés lo Icaw. alugar. Trala-se de contrato surgido nos Estados Unidos da América nos idos de 1950. Breve<br />

histórico de comíalo de lea\mg no dircilo nortc-amcrícana pode ser encomiado cm Fábio Kondcr Compáralo<br />

(1967).<br />

-' Há, aínda, o Awi- luuk, o \elf lca.\inne oDiimniy corpaniim cujas principáis características sao estudadas por<br />

Waldirio Bulgarclli (2002, p. 383). Materia que, no enlamo, paisa ao largo da meta dcslc Irabalho.<br />

1 A I «i 7.132 de I'JKA, nllcrniitki n rahieno da 6(W), mili» i/ou « iculi/neAo dti hiiuiiK niesino cmn pcisuus lisian<br />

no papel de arrendatario. O arrendador deverá necessariamcute ser pessoa jurídica consliluida na forma de S.A e<br />

submetida ao controle e fiscalizacao do Banco Central.<br />

4 Silvio de Salvo Venosa (2002. p. 601 c seguinles) e lanibéni Orlando Gomes (1999. p. 461 e scguinles). dcnlrc<br />

nulros. (lcilÍL'iiruiu |>ii|(¡ii!t* u esse coulrulo.<br />

IU-VISTA JURÍDICA IN VLKUIS n. <strong>15</strong>-UKKN


AC'ÁO DE REINTliüRACAO DE POSSE PARA RECUPERA


IIAKOI.DO AUGUSTO L)A SILVA TKIXLIRA UUAKTL-<br />

pretens3o de serení proprietários da coisa. Enquanto que no possessório, os<br />

litigantes visam a repelir, a posse ilegítima, os atos turbativos ou as ameacas<br />

verossímeis da outra parte sob a alegacSo de que a sua posse é a melhor.<br />

A razáo de ser da tutela específica da posse em nosso ordenamento,<br />

por meio das acOes possessórias (ac3o de reintegracño de posse, manutencao e<br />

interdito possessório), reside no afa de dar ao proprietário esbulhado, turbado ou<br />

ameacado na sua posse urna via de defesa na qual n3o precise fazer prova de seu<br />

dominio (prova que de tao complexa, merece da doutrina a adjetivacao de diabólica).<br />

Basta que prove a sua posse, ou seja, o fato de que ele se comporta com relac3o á<br />

coisa como normalmente o faz o proprietário (afflclio dominí).<br />

Entilo, protegendo a posse por mcio dos ¡nterditos, que em determinadas<br />

circunstancias se processam em rito especial - art. 920 e seguintes do Código de<br />

Processo Civil (CPC) -, protege-se, ¡ndiretamente, a propriedade. Daí se verifica<br />

que a pureza de um e outrojuízo é fundamental á preservacSo da finalidade precipua<br />

da existencia dos ¡nterditos: o de conferir ao proprietário meio célere de proteeño<br />

contra atos de usurpacáo. Ora, se for lícito discutir, em sede de ac3o possessória a<br />

propriedade sobre o bem, n3o haveria como o proprietário defender seu direito<br />

sem se deparar com a diabólica probatio.<br />

É claro que, dando á posse essa protccüo, assume-se o risco de salva<br />

guardar nao só a posse de quem tem o dominio sobre a coisa, mas também daquele<br />

que n3o o tem. Mas "esse é o preco que a sociedade paga para contar com um<br />

instrumento rápido e eficaz de protec3o á propriedade" (Rodrigues, 2002, p. 55).<br />

Esses sao os fundamentos nos quais se firma a distincüo entre juízo<br />

petitorio e possessório. Essa separacSo só encontrou moderacao em nosso direito<br />

por um erro histórico' que deu origem á segunda parte do art. 505 do Código Civil<br />

de 1916.<br />

Citamos o dispositivo em sua inteireza:<br />

art. 505. Nao obsta a manutencao, ou reintegrando<br />

' A parle linal do artigo cin leln originou-se do Asscnlo da Casa de Suplicacao de 16 de fcv. de 1786 que. tratando<br />

de dirciio a sucessan. solucionava um caso concreto coiicliiindo com a ullnnacao de que nao se deveria julgnr o<br />

interdito restilutório a favor de quem nao possni, cvidciitctncnlc. direito á propriedade, oriundo da sucessdo, sobre<br />

o bcm. <strong>In</strong>correu a doutrína no equivoco de entender essa regra aplicável ás possessórias em geral atenuando, com<br />

isso, o dispositivo das Ordcnacocs Filipinas que vedava absolutamente a cxcccAo de dominio. Teixeira de Hrcilas<br />

prcstigiotí essa equivocado corrcnlc anolando-a ao arl. 817 da sua Coji&olktacdo. Hncoiuraiido respaldo na doulrina<br />

(lambein era Loólo), eis que a cxivpiiii i/nnnni ¡nyressou no nosso dircito posilÍNV na pane final do art 505 do »«A-.r<br />

de 1916 Unta explanacio sobre esse erro histórico pode ser encontrada em Humberto Theodoro Júnior (1991, p.<br />

161?)<br />

9- Rl-VISTA JURÍDICA IN VI-RUIS n. <strong>15</strong> - UI-RN


A(,'Áo di; ri;inti;c;ka(,-áo de k)ssi; i>ara reoji'eraivAo do iii;m arriendado iím ursino<br />

AI)IQIIA(,Ao DA Al/AO i: I'HI I.IMINARHS OI'ONÍVIÍIS I'II.O DIÍVI-DDK<br />

na posse, a alegacdo de dominio, ou de oulro direito<br />

sobre a coisa. Nao se deve, enlrc/unlojid^ar a posse<br />

em favor daquele a quem evidentemente nao<br />

perteneer o dominio.<br />

Previa, a parte final do artigo, o que a doutrina convencionou denominar<br />

excec3o de dominio, canal através do qual, durante décadas, questSes de dominio<br />

¡nundaram contendas possessórias. Atendendo aos reclames da doutrina*, o le<br />

gislador tratou de nao repeti-la no novo codex (v. art. 1.210, §2").<br />

4. Da adequacüo da acáo de reintegrado de posse para recuperacáo do bem<br />

arrendado.<br />

Com o inadimplemento do arrendatario no contrato de leasing, o que se<br />

verifica é que sua posse. até entao legítima, passará a ilegítima. Nesse momento se<br />

teria por configurado o esbulho possessório autorizador do uso da possessória.<br />

Mas deve-se considerar que nesse contrato, em regra, a instituiejío de leasing ná"o<br />

chega a possuir o bem da vida objeto do negocio'. O que ocorre é urna tradicao<br />

direta do fomecedor ao arrendatario. Ora, quem nunca teve a posse nüo pode, por<br />

obvio, ter a posse protegida por meio dos interditos. Sendo a ¡nstituicüo finanecira<br />

proprietária sem posse antiga sobre a coisa, carecería, em tese, de aca"o possessória<br />

contra o arrendatario já que n3o cabe, em sede de possessória, discussao sobre o<br />

dominio1", que ó tudoquea financeira tem.<br />

A única posse que a financeira detém, in casu, é a indireta, na qual<br />

cncontra a jurisprudencia dominante no país o fundamento para a admissibilidade<br />

do uso da reintegratória para recuperado do bem arrendado. Mas só usando de<br />

grande abstraeño poderíamos conceber a existencia de esbulho contra o possuidor<br />

indireto, vez que inserta no conceito de esbulho esta a no^ao da perda do poder<br />

físico sobre a coisa (corpus) para outrem. Poder que o proprietário possuidor<br />

indireto, que nunca o foi diretamente, nao chegou a exercer. Ademáis, prevé o art.<br />

1.197 do Código Civil apenas a possibilidade do possuidor direto proteger sua<br />

posse contra o indireto, e nao o inverso" .<br />

"CI". nesse sentido Caio Mano (2000, p. 52) e Humberto Tlieodoro Júnior (1991, p 1614).<br />

'' <strong>In</strong>clusive, a possibilidade do negocio ser estipulado direlamenle entre vendedor e arrendatario c cxpressaincntc<br />

prevista no art. 13 da Rcsolucao 2.309 de 1996 do Bacen.<br />

'" E inesmo durante a vigencia da íhí/b» tlninmi cni nosso direito, negava-sc a possibilidade de alegacao de<br />

dominio ao anuir Kr.sa so poderia ser fcila pelo réu. Nesse sentido ha diversos julgados, consullc-sc: RT 671:116.<br />

501;I.IX e 499:122<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN . 93


IIARUUX) AUGUSTO DA SILVA TL1XLIRA DUARTI;<br />

A despeito desses entraves teóricos, há muito já consol¡dou-se a juris<br />

prudencia em aceitar a via possessória na h i pótese estudada, muito embora o que<br />

esteja cm tela seja o jus possidendi (direito á posse) e nüo propriamente o ¡us<br />

pussessionis (direito a ter a posse protegida). Reconhecendo as peculiaridades da<br />

possessória usada para esses fins, a jurisprudencia n3o tem exigido a prova da<br />

posse direta anterior do bem por parte da arrendadora (requisito estabelecido ao<br />

art. 927, inc. I do CPC), para a expedicüo do mandado reintegratório. Para tanto,<br />

basta apenas que se prove: I. Que realmente se traía de contrato de arrendamento<br />

mercantil, da onde deriva a existencia da posse indireta da instituic3o de leasing,<br />

e 11. A mora do arrendatario, a partir do qual se teria por configurado o esbulho.<br />

5. Questóes preliminares oponíveis pelo devedor.<br />

Tendo em vista essas condicSes especiáis á higidez da possessória<br />

usada no contexto em estudo, uso que, a rigor, atenúa o preceito da separacüo<br />

entre juízo petitorio e possessório, posto que traz a esse último questáo referente<br />

ao jus possidendi do autor; tendo em vista (repetimos) cssas especiáis condieñes,<br />

é que passaremos ao estudo das preliminares de carencia de ac2o que passam a ser<br />

oponíveis pelo arrendatario.<br />

5.1 O pagamento antecipado do valor residual (VR).<br />

Como visto, a característica essencial do contrato de arrendamento<br />

mercantil é a possibilidade de, ao seu termo, o arrendatario escolher urna dentre as<br />

seguintes opcóes: I. Adquirir em definitivo o bem mediante o pagamento do valor<br />

residual; II. Prorrogar o contrato, ou III. Devolver o bem. Essa regra está consignada<br />

no art. 5o , alinea "c" da Lei n. 6.099 de 1974, verbis: "art. 5o Os contratos de<br />

arrendamento mercantil contento as seguintes disposieñes: c) opcSo de compra<br />

ou renovacüo do contrato, como faculdade do arrendatario". A conseqüéncia da<br />

inobservancia do estabelecido é colocada, em seguida, no art. 11, § Io da mesma<br />

lei: "A aquisicao pelo arrendatario de bens arrendados em desacordó com as<br />

d¡spos¡9des dessa lei, será considerada operacSo de compra e venda a prestac3o".<br />

Pois bem, trata-se de especie contratual que poderá terminar como<br />

" Rcssallc-se que csse cnlcndiincnto aquí defendido (da inadequacio do inlcrdilo possessorio cm comento, para<br />

rcversao do bem objeto do conlralo de Icasini: em caso de inadiinplemcnlo) c diverso do pacificamente aceito na<br />

jurisprudencia. Razio pela qual, dcvcinos rcconhccé-lo. nao lem esse débale mitro ¡nleresse que nao o teórico-<br />

cicmiíííco. Teñios, entretanto, ao nosso lado o nupsicno de Caio Mano da Silva Pereira que nao confere ao possuidor<br />

nklirclo n


AÍ.ÁO DI 1(1 INII (,KA(,Á DI. I1)SSI; I'AKA Kl.l III'IKA


HAROLLX) AUGUSTO DA SILVA TEIXlilKA RUARTK<br />

impossibilidade jurídica do pedido, com base no art. 267, inc. VI do CPC. Nesse<br />

sentido é que tém decidido os tribunais14.<br />

5.1.1 Como pode ocorrer a cobranca antecipada do VR.<br />

So unía análisc acurada do caso concrclo dirá se está ocorrendo unía<br />

antecipacaodo VR. O instrumento contratual há de ser estudadocom profundidade,<br />

haja vista a sorte de subterfugios utilizados, comumente, para mascarar a verdadeira<br />

natureza do negocio. Um desses meios é a cobranca do VRG.<br />

A rigor, a simples cobranca do VRG, em si, já constituí urna ¡legalídade,<br />

posto que se trata de criacao do Banco Central em ato de completa exorbitancia do<br />

seu misterde regulamentar a lei 6.099 de 1974, que nao prevé tal instituto. Mas, em<br />

atitude benevolente, tém os tribunais aceito a sua cobranca, desde que tenha por<br />

finalidade cobrir eventual prejuizo, decorrente da opc3o do arrendatario de n3o<br />

adquirir o bem<strong>15</strong>. Isso porque há a possibilidade de que, encerrado o contrato e<br />

devolvido o bem á financeira, o valor obtido com a sua alienacüo a terceiro n3o seja<br />

o suficiente para, em conjunto com os aluguéis arrecadados, compor o total do<br />

capital que fora mobilizado pela arrendadora para a sua compra. O que só ocorrerá<br />

se a desvalorizacao do bem, no período da vigencia do contrato, for maior que o<br />

quantum apurado com os aluguéis.<br />

O que implica dizer que da comprovacao do pagamento do VRG na<br />

vigencia do contrato, nao decorrerá automáticamente a transformacao desse em<br />

compra e venda a prestado; é necessário, para tanto, que o valor cobrado em VRG<br />

seja de tal monta que redunde em verdadeira antec¡pac3o do preco da coisa.<br />

Em urna palavra: O VRG tolerado é o que, somado ao valor arrecadado<br />

com os aluguéis, corresponde á desvalorizacao da coisa. Cobranca maíor significa<br />

antecipaciSo do VR, elidindo, pelos motivos anteriormente colocados, o direito de<br />

a


ac/áo ni: ii;rac;áodouüm arri;ndaix> i:m lef-sing<br />

Á DA AC.ÁO i; I'RI.I.IMINARKS OPONiVmS PVA.O DEVIÍDOR<br />

ARRENDAMENTO MERCANTIL -<br />

Descaracterizacao para compra e venda -<br />

Adniissibilidude se o valor residual garantido,<br />

diluido nas prestucOes, nao representan c/uanlia<br />

mínima eslabelecida a titulo de seguranca para o<br />

arrendador - Circunstancia que afasia a<br />

possihilidade de reintegracao de posse do bew ar<br />

rendado. (RT 772:321)<br />

Tem-se decidido, ainda, que resta desnaturado o arrendamento mercantil,<br />

que passa a ser compra e venda a prestacSo, no caso do quantum cobrado, ao<br />

final, a título de valor residual, ser irrisorio16. Isso porque valor residual irrisorio é<br />

o mesmo que valor residual inexistente. De onde se deduz que a opca"o de compra<br />

n3o fora feita verdadeiramente ao final do contrato, mas antecipadamente. Tendo<br />

sido o real VR diluido ao longo das prestacóes.<br />

Mas muitas outras práticas podem constituir indicio de antecipacáo do<br />

VR. As vicissitudes da prática comercial frustram qualquer tentativa de catalogac^o<br />

exaustiva, motivo pelo qual cabe ao advogado dissecar o caso concreto que lhe é<br />

apresentado, para verificar se se trata de contrato de compra e venda travestido de<br />

arrendamento mercantil. Se assim o for, resta-lhe argüi-lo cm sede de preliminares<br />

da contestacao, pugnando pela extincao da acao de reintegracao de posse sem<br />

julgamento de mérito.<br />

5.1.2 Possibilidade de dcscaracterizac.3o do contrato de oficio.<br />

Questiona-se se, recebendo a peticüo inicial e se convencendo, o magis<br />

trado, a partir dos documentos que a instruem, de que houve urna antec¡pac.3o do<br />

VR, se poderia indeferir, de oficio, a exordial com base na carencia de acíio.<br />

Entendemos que a resposta só pode ser a negativa".<br />

Explicamos: É que muito embora a transmutado gere a carencia de ac.5o,<br />

que é materia de ordem pública e, portanto, conhecível ex ojjicio, ela (a<br />

transmutado), em si, n3o pode ser reconhecida sem provocado da parte interessada.<br />

"RTJRGS 21.1:378<br />

'" Tanibein nesse sumido: Thalc Moráis da Cosía (2001)<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 97


I IARüLDÜ AUGUSTO DA SILVA ILIXUIRA DUARTU<br />

A declarado da real natureza de determinado contrato nao constituí materia de<br />

ordem pública. Podem, as partes, exercitando sua liberdade contratual, celebrar o<br />

contrato que quiserem, unindo em um só ato as características que Ihes aprouverem,<br />

sem que daí decorra interesse público na declaracáo da relacüo jurídica criada.<br />

Pode se argumentar que os principios que instruem a política nacional<br />

de protecáo ao consumidor, lancados com a Leí 8.078 de 1990 (Código de defesa do<br />

consumidor-CDC-), autorizariam a realizacáo dessa declaracño de oficio pelo órg3o<br />

julgador, já que déla decorreria urna decisáo favorável ao polo hipossuficiente da<br />

relacSo de consumo (a extinc3o, sem julgamento de mérito, da acáo de reintegracao<br />

de posse). No entanto, é de se ponderar que os interesses do consumidor nüo se<br />

limitam á contenda possessória instalada. No ámbito dessa, n3o há dúvida de que<br />

a extincao do feito sem julgamento do mérito Ihe será mais interessante. Acontece<br />

que da caracterizacüo da compra e venda, decorrerüo outros efeitos como, verbi<br />

gralia, a responsabilidade pelas prestacoes vencidas e vicendas. Ao passo que,<br />

em se tratando de leasing, caberia ao arrendatario apenas o pagamento das prestado<br />

vencidas até o momento da propositura da acflo.<br />

Em suma: o arrendatario n3o só gozará das benesses, mas também arcará<br />

com os ónus advindos daquela declaracSo. Raz3o pela qual só á parte cabera,<br />

pesando pros e contras, decidir da convcniC'iicia de se pleitear declaradlo judicial<br />

que reconheca a existencia do contrato de compra e venda18.<br />

5.1.3 AinatériadaaiitccipacüodoVRiiajurisprudí'iiciadoSTJ.<br />

Diante da copiosa serie de precedentes da 2* sceflo do STJ10,<br />

reconhecendo que a antccipacüo do VR, faz o contrato de arrendamento mercantil<br />

adquirir feicdes de compra e venda a prestacüo, sumulou-se o entendimento no<br />

enunciado de número 263 do Superior Tribunal que passamos a transcrever: "A<br />

cobranca antecipada do valor residual (VRG) descaracteriza o contrato de<br />

arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a prestacao".<br />

Ao se ler essa súmula, n3o se pode perder de vista a sua origem, para a<br />

partir daí compreender seu verdadeiro alcance. Como dito, ela fo¡ elaborada pela<br />

'• Nessc sentido i o jul^ado: Ap. Civ 331.214-3 - 7- Cám. Civ. - TAMG - j. 10 05.2001 - reí Juiz Femando<br />

Braulio - DJ 30.05.2001. Thales Moráis da Costa comenta dctalhadamcntc esse acordao no artigo citado na ñola<br />

¡interior.<br />

'" Alguns desses l'oram citados á nota U. á qual remolemos o Icilor.<br />

REVISTA JURÍDICA INVERUISn. <strong>15</strong>-UFRN


AÍ/ÁO DH REINTEGRADO DE POSSH I'ARA RECUrERA^AO DO BEM ARRENDADO EM LEESING:<br />

ADi:OI)ACAO DA A


IIAROUX) AUCUSTO DA SILVA THIXIiIRA IJUARTIi<br />

picvisño de varios encargos (valor residual, cumissílo de permanencia, juros<br />

moratórios etc), pautados vulgarmente em índices variáveis (tal como a cotac2o do<br />

dólar americano por exemplo); surge justificável dúvida, para o devedor, de qual é<br />

o montante de seu débito. Motivo pelo qual só restaría configurada a mora/esbulho,<br />

a partir do momento em que esse permanecesse inerte após notificacSo previa para<br />

pagamento, que deverá conter "clara especificacüo do quantum debeatur e os<br />

componentes estruturais quali-quantitativos do débito nüo solvido em contrato<br />

de leasing", (RTJRGS 202:383).<br />

Nessa linha de raciocinio, inexistindoanotificacao, a mora seria do credor<br />

(mora accipiendi), o que excluiría a mora solvendí (necessária á caracterizacao do<br />

esbuiho), já que nao é exigível ao arrendatario o pagamento de débito, cujo valor<br />

Ihe é presumivelmente desconhecido, por pressupor, para o seu exato aferimento,<br />

conhecimentos técnicos ¡nalcancáveis ao homem medio.<br />

Outro argumento em prol do acolhimento dessa preliminar é que, em se<br />

ajuizando acáo de reintegraciJo de posse contra o devedor sem antes notificá-lo,<br />

se estaría porsubtrair-lhe a faculdade de exercer a opc3o de compra do bem, que<br />

sendo característica essencial do contrato de leasing, perduraría mesmo que<br />

configurado o inadimplemento. Ora, a opc3o de compra só poderá ser feita mediante<br />

o conhecimento dos encargos decorrentes do n3o pagamento das prestac5es.<br />

A necessidade de previa notificacao, para o uso da possessória, é aínda<br />

mais evidente quando se considera que há a possibilidade (pelo que dispde o art.<br />

920 e seguintes do CPC), de expedicao do mandado reintegratório, sem ouvir a<br />

parte contraria, no caso do esbuiho datar de menos de ano e día. Nessa hipótese,<br />

o arrendatario perderá a posse do bem, sem que Ihe seja dada a oportunidade de<br />

purgar a mora22.<br />

5.2.1 A questáo da necessidade de notificacao previa no STJ.<br />

Há, no entanto, quem entenda que a existencia de cláusula resolutoria<br />

expressa, no instrumento contratual, torne despicienda a notificacüo previa do<br />

devedor, que desde o inadimplemento já estaría constituido em mora. Essa especie<br />

"Cf nesse sentidoo Rcsp. 139305: "Comoa afilo rcinlc^ratória pennile odcfcrinieiilode liininar ¡iKlcpciidcntemcnlc<br />

a ouvjda da pane conmina. nSo lera esta a oporiiinidadc de exercer o sen cintilo [de purgar a mora] se ames disso nao<br />

liver sido notificada do valor do debito, especialmente quando sujeito a reajustes c acréscimos contratados".<br />

100 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


AQÁO DI-: KI-INTHGRA^ÁO DE I'OSSE PARA RECUPERADO DO DEM ARRENDADO EM LliHSING:<br />

ADCQUACÁO DA ACÁO P. PRELIMINARES OPONÍVEIS PELO DEVEDOR<br />

de cláusula dispóem que: mediante o ¡nadimplemento do arrendatario, estaría au<br />

tomáticamente resolvido o negocio, indcpendentemente de notificacao, estando o<br />

arrendador legitimado a reaver a coisa e os aluguéis nao pagos. Nesse sentido é<br />

que vem se posicionando a 3a Turma do STJ2'. Posica"o oposta á reinante na 4a<br />

Turma (cujos precedentes foram citados no item anterior), que entende necessária<br />

a notillcacao mesmo nessa h¡pótese.<br />

Julgamos que o melhor entendimento é o da 4a Turma, e o fazemos pelo<br />

motivo que passamos a aduzir. Sob a égide do CDC24, na"o é possível interpretar tal<br />

cláusula, sem antes considerar algumas ponderacSes: I. Trata-se de cláusula<br />

imposta em contrato de adesao; e 11. Assim o sendo, deve ser observada a regra do<br />

art. 54 § 2" do CDC, que passamos a citar: "Nos contratos de adesao admite-se<br />

cláusula resolutoria, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor,<br />

ressalvando-se o disposto no § 2udo artigo anterior".<br />

De onde se constata que é ¡nadmissível, em contrato de adesao no<br />

ámbito do CDC, cláusula resolutoria se na"o for alternativa, ou seja, se nao trouxer<br />

a possibilidade do consumidor purgar a mora, ¡mpedindo, com isso, a resolucüo<br />

contratual.<br />

Dessa forma, temos que a notificacao previa do arrendatario, n3o só<br />

deve ser feita em respeito á natureza do leasing, como também por observancia as<br />

normas básicas de defesa do consumidor. Nao sendo, por isso, sua ausencia<br />

suprida por cláusula resolutoria expressa.<br />

De qualquer forma, fica aquí registrado o dissenso existente entre a 3a e<br />

4a Turmas do STJ que, esperamos, venha a ser em breve diluido, quando reunida a<br />

SecSo de Direito Privado para pronunciamento definitivo sobre o assunto.<br />

ó.Consideracóes fináis.<br />

Ao final desse estudo, verificamos que o tema do contrato de<br />

arrendamento mercantil, no campo teórico, é fértil em gerar perplexidades das mais<br />

■' O'. Kesp. U.JIK.V l.iiiiU-ni uessa veiicme. l< I 7J: II.» c «Id:<strong>15</strong>.2.<br />

;' Que se aplica nos conlralos de leasing, sendo indiferente o Talo da arrendataria se dedicar á alividade mercantil<br />

Nesse senlido: Resp. 2.<strong>15</strong>200 e RTJRGS 2<strong>15</strong>:384. É claro que essaé urna materia controversa, que nao temos a ambicio<br />

de dissecar em mera nota de rodapé. Especialmente pelo lato das indagacucs referentes so concedo de consumidor,<br />

serení das mais polémicas no ániliilo do Direiln C'onsunierisla. merecí.,ido mn csii.Jo deialludo i|iie n;lo cnconlra<br />

espaeo nesse traballui<br />

RF.VISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN 101


IIAROLIX) AUGUSTO DA SILVA TKIXUIRA DUARTt<br />

diversas, a comecar pela sua natureza híbrida, que congrega diferentes operacóes<br />

(financiamento, aluguel e urna possível compra e venda). Em juízo, n3o poderia ser<br />

diferente, novas possibilidades se abrem haja vista as suas ¡diossincrasias. A<br />

despeito das adversidades encontradas, e com base na lei, jurisprudencia c doutrina<br />

analisadas, reputamo-nos aptos a concluir:<br />

1- A acáo de reintegracao de posse é o meio tido por admissivel para<br />

recuperar o bem arrendado em leasing. Ressalvamos, no entanto, que ao nosso<br />

juízo n3o há tal admissibilidade. posto que o proprietário que nunca teve a posse<br />

direta da res (o que comumente ocorre em se tratando de leasing) nüo tem acüo<br />

possessória contra o possuidor. Ao nosso ver, caberia ao arrendador ajuizar acüo<br />

reivindicatoría, na qual, provando sua propriedade, pediría para ser imitido na<br />

posse.<br />

2- Para processar a ac3o de reintegracáo de posse no contexto em anal ¡se,<br />

os tribunais tém exigido: I. Constatac.3o de que realmente se trata de contrato de<br />

leasing, a partir do qual se teria por existente a posse ¡ndireta da financiadora; e 11.<br />

A mora do arrendatario, que cquivalcria ao csbulho.<br />

3- A parir daí, novas questóes passam a ser argüíveis, em sede de preli<br />

minares, com a mola de fulminar o direílo de aguo da arrendadora, sflo elas: I. O<br />

pagamento antecipado do VR; e II. A ausencia de notifícacao previa.<br />

4- Em se pagando antecipadamente o VR, teríamos que o contrato passaria<br />

a ser de compra c venda. Elidíndo, assím, a posse indíreta da instítuicüo de leasíng.<br />

5- A cobranca antecipada do VR vem sendo, freqüentementc, perpetrada<br />

sob o manto da cobranca do VRG.<br />

6- A ausencia de notifícacüo previa do devedor, por parte do arrendador,<br />

desconstitui a mora solvendi, sem a qual, fenece a pretens3o reintegratória.<br />

7. Referencias<br />

BULGARELLI. Waldirio. Contratos mercantis. Sao Paulo: Atlas, 2001.<br />

COSTA, Thales Moráis da. Descaracterizacüo do contrato de leasing e reintegra-<br />

cao de posse. IN <strong>Revista</strong> de Processo N. 104, p. 240-253, outubro- dezembro 2001.<br />

COMPARATO, Fábio Konder. Contrato de "leasing" IN <strong>Revista</strong> dos Tribunais<br />

vol. 386, p. 7-14, dezembro, 1967.<br />

102 REVISTA JURÍDICA IN VERlilS n. <strong>15</strong> - UFRN


ACA(> IJL Kl INII.GRACÁO IX. TOSSE PARA RUCIIPI RAÍ,'AO DO HtM ARRKNUADO IM Ll£[-.SINCi:<br />

ADIOUACAo DA ACAO K PRELIMINARES OPONÍVEIS PIU.0 [)KVniX)R<br />

GOMES, Orlando. Contratos. Atualizador: Humberto Theodoro Júnior. Rio de Ja<br />

neiro: Forense, 1999.<br />

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil: vol. 3, procedi-<br />

mentos especiáis. Rio de Janeiro: Forense. 1991.<br />

PEREIRA, Caio Mario da Silva. <strong>In</strong>stituyes de direito civil: VoL IV. Rio deJaneiro:<br />

Forense, 2000.<br />

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das coisas. Sao Paulo: Saraiva, 2002.<br />

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: contratos cm especie. S3o Paulo: Atlas,<br />

2002.<br />

REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN 1()3


REGULACÁO,L1VRECONCORRÉNCIAEDEFESADOCONSUMIDORNA<br />

INDUSTRIA DO PETRÓLEO: O PAPEL DA ANP.<br />

Alírio Maciel Lima de Brito<br />

Académico do 7o período do Curso de Direito - UFRN<br />

Bolsista do Programa de Recursos Humanos da ANP para o setor de Petróleo c<br />

Gas Natural (PRH ANP/MCT36 - Direito do Petróleo e Gas)<br />

Ronald Castro de Andrade<br />

Académico do 7o período do Curso de Direito- UFRN<br />

Bolsista do Programa de Recursos Humanos da ANP para o setor de Petróleo e<br />

1. <strong>In</strong>troducto.<br />

Gas Natural (PRH ANP/MCT 36 - Direito do Petróleo e Gas)<br />

"Nunca a industria do petróleo leve como<br />

fundamento qualquer racionalidade; ao contrario,<br />

desenvo/veu-se, leudo como característica principal<br />

a paixao, o desafio, a vitaría, o poder e a derrota".<br />

María D'Assuncüo Menezello<br />

As novas tendencias do mercado no limiardo sóculo XXI demandaran)<br />

urna reformulacüo das políticas nacionais relativas ás atividades da industria do<br />

petróleo, o que se deu no Brasil através da Emenda Constitucional n° 09/1995,<br />

culminando com a aprovac3o da denominada Lei do Petróleo (Lei n° 9.478) dois<br />

anos mais tarde.<br />

Cumpre analisarmos, destarte, os fatos históricos que a precederam, tanto<br />

no ámbito interno como internacional, além da forma e razOes motivadoras desta<br />

reformulacao política, com foco ñas medidas adotadas no sentido de garantir o<br />

respeito ás regras de mercado e, principalmente, a satisfago dos interesses dos<br />

consumidores. Este, que é o fim último da Lei do Petróleo, será anal ¡sudo a partir<br />

das acSes do principal ator surgido com o novo cenário da industria petrolífera<br />

brasileira: a Agencia Nacional do Petróleo (ANP).<br />

2. Concentracáo e industria do petróleo: consideraedes históricas.<br />

A historia da industria do petróleo se confunde, em sua evolucSo,<br />

contradicSes e paradigmas, com a própria historia do capitalismo desde o inicio de<br />

seu ciclo comercial em meados do século XIX. O petróleo é, indubitavelmente, o<br />

bem de maior importancia económica, política e estratégica na sociedade hodierna.<br />

104 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


ALIKIO MARCIIU. LIMA DI; BRITO K RONALD CASTRO DE ANDRADE<br />

sendo mesmo ¡mpcnsável a vida em nossos días sem os inumeráveis produtos<br />

dele provenientes, tanto direta como indiretarnente.<br />

lista essencialidade do petróleo, aliada a forte, quase incrcnte, tendencia<br />

de concentracao da industria petrolífera seja no plano interno ou mundial, pñe o<br />

controle sobre suas atividades como unía das preocupaedes centráis dos Estados<br />

em termos estratégicos e político-económicos.<br />

Com efeito, a experiencia norte-americana com Rockefeller e o truste<br />

Standard Oil em fins do século XIX constituí marco determinante no sentido de<br />

evidenciar a necessidade de controle estatal sobre as atividades petrolíferas. A<br />

Standard Oil, em 1889, controlava mais de 90% da capacidade de refino nos Estados<br />

Unidos. Em 1899, quando o truste foi convertido em urna Holding, a concentrado<br />

do mercado tornou-se ainda mais acentuada, urna vez que a estrutura monopolista<br />

integrada e verticalizada que caracteriza esta modalidade empresarial implicava no<br />

controle das diversas etapas produtivas e da própria infra-estrutura necessária ás<br />

atividades petrolíferas.<br />

Marinho Jr. (1989, p.23-4) aprésenla dados impressionantes sobre a<br />

situacao da Standard Oil no ano de 1907, quando controlava 67 subsidiarias, nove<br />

companhias de refino, cinco companhias de óleo lubrificante e compostos, tres<br />

companhias produtoras, 12 companhias de oleoduto, urna companhia<br />

transportadora de vagóes-tanques, seis companhias distribuidoras de gas e 45<br />

companhias de petróleo no exterior, representando urna flagrante violado do<br />

principio basilar da economía capitalista: a livre-concorréncia.<br />

Esta situacao perdurou até <strong>15</strong> de maio de 1911, quando a Suprema Corte<br />

dos Estados Unidos ordenou, em decisáo histórica, a dissolucao da Standard Oil<br />

of New Jersey, obrigada a dividir entre seus acionistas as participaeñes em trinta e<br />

tres sociedades (Cf. Marinho Jr. apud Menezello. 2000). Esta decisao tornou-se um<br />

marco da intervencao Estatal na economía petrolífera interna. No entanto, a<br />

tendencia concentradora dos atores da industria do petróleo n3o se restringe ao<br />

ámbito interno dos Estados. Ao invés, é no campo internacional que a concentrac.ao<br />

se faz ainda mais avassaladora, causando verdadeiro estardalhaco ñas políticas e<br />

economías internas dos Estados, muitas vezes inermes em func^o da acentuada<br />

dependencia em relaclo aos grandes conglomerados petrolíferos transnacionais.<br />

O marco da ¡nternacionalizacao da industria petrolífera é o Acordó de<br />

Achnacarry, de 1928, ideado por Henri Hendrik Deterding. Com o Acordó de<br />

Achnacarry, as gigantes do petróleo mundial, conhecidas como majors, buscaram<br />

dividir entre si quotas do mercado mundial, mantendo a proporcao que se afigurava<br />

até entño, inclusive abalizando o crescimento de cada qual em func3o do<br />

Rl.VISTA ,'URIDICA IN VERIÍIS n. <strong>15</strong>-UFRN<br />

105


REGULACÁO. LIVRE CONCURRENCIA E DEI ESA DO CONSUMIDOR NA INDUSTRIA DO PETRÓLEO<br />

crescimento da demanda total. Propugnava-se um sistema de competicao limitada,<br />

com precos internacionais estabilizados.<br />

Em seguida, nos trilhos do Acordó de Achnacarry, foi estabelecido o<br />

Acordó de Londres, em 1934, tido como o ajuste constituinte do cartel internacional<br />

das "Sete Irmas", composto pelas seguintes majors: Exxon, Socal (hoje Chevron),<br />

Mobil, Gulf, Texaco, Anglo-persian (hoje BP) e Shell, ás quais se juntou<br />

posteriormente a CFP francesa na partilha do mercado mundial.<br />

Até fins da década de 50 as "sete irmás" reinaram absolutas, sem outra<br />

limitadlo que nao seus próprios designios, ditando precos á sua conveniencia e<br />

pondo em cheque a soberanía interna nos ditos países hospedeiros. Contra tal<br />

situacSo se insurgiriam, entáo, os principáis países produtores, criando a<br />

Organizacao dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). <strong>In</strong>icialmente, fonnavam<br />

a Organizacao: Arabia Saudita, Venezuela, Kuait, Iraque e Ira, aos quais se uniram,<br />

posteriormente, Qatar, <strong>In</strong>donesia, Nigeria, Equador e Gabao.<br />

Á mesma época, a América Latina vivia um acentuado processo de<br />

nacional¡zac3o das atividades petrolíferas, com intervencionismo direto do Estado,<br />

nao apenas no aspecto regulatório e normativo, mas a partir da criacao de empresas<br />

Estatais. Apontam-se tres objetivos determinantes para este processo: i) reduzir a<br />

dependencia do país em relacao ao cartel internacional; ii) possibilitar ao país<br />

desenvolver sua própria industria do petróleo e; i¡¡) assegurar o suprimento de<br />

petróleo em bases confiáveis e menos onerosas (Cf. Marinho Jr., 1989).<br />

É nesse contexto que é aprovada no Brasil a Lei Federal n° 2.004, de 03 de<br />

outubro de 1953. Esta lei, em seu artigo Io, estatui como monopolio da Uniao: "a<br />

pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e outros hidrocarbonetos fluidos e gases<br />

raros, existentes no territorio nacional", "a refinacao do petróleo nacional ou<br />

estrangeiro", "o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de<br />

derivados de petróleo produzidos no País", ¡ncluindo "o transporte, por meio de<br />

condutos, de petróleo bruto e seus derivados, assim como de gases raros de<br />

qualquer origem", definindo também que esse monopolio seria exercido por meio<br />

do Conselho Nacional do Petróleo, criado pelo Decreto n° 395/38, enquanto órg3o<br />

de orientacao e fiscalizacao e pela Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás) e suas<br />

subsidiarias, como órg3os de execucüo.<br />

A Petrobrás, desde sua criacao em 1953 até o advento da Lei 9.478/97 (Lei<br />

do Petróleo), obteve inquestionável sucesso na execucao do monopolio Estatal<br />

do petróleo. Gracas á Petrobrás, o Brasil alcancou a contento os tres objetivos<br />

maiores do processo de nacionalizacao das atividades petrolíferas aludidos<br />

anteriormente.<br />

106 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


AI.ÍKIO MARCII I. LIMA Di; IIKITO I: RONAI.I) CASTRO ül¡ ANDRAUI:<br />

3. Abertura do mercado.<br />

A Emenda Constitucional n° 09/1995 altcrou profundamente a func3o<br />

exercida pelo Estado brasileiro ñas atividades petrolíferas. Até cnta"o, elas eram<br />

desempenhadas pelo Estado por sua conta e risco, sendo vedada por dispos¡c3o<br />

constitucional (art. 177 da CF/1988) a ¡nserc3o de novos atores ñas atividades<br />

relatadas no capítulo anterior. Estas atividades eram desempenhadas pela Petrobrás<br />

de acordó com a lei 2.004 de 1953, detendo, dessa forma, o Estado seu monopolio<br />

absoluto.<br />

Esta transformacao foi motivada por uma tendencia mundial que se<br />

verificou desde o final dos anos 70 e inicio dos anos 80 do século passado em<br />

alguns países, principalmente, na <strong>In</strong>glaterra. Esta modificacao no modo de atuacSo<br />

do F.stado no dominio económico tevc como alicoree a ideología neoliberal, a qual<br />

propugna pelo afastamento do Estado de alguns setores da economía que até<br />

entao eram única e exclusivamente por Ele desempenhadas. No contexto brasileiro<br />

podemos citar como exemplo da utilizacüo dessa ideología a privatizacao dos<br />

setores de energia elétrica e de telefonía, bem como a nova cstruturacSo dada ao<br />

setor do petróleo e gas natural visando, segundo Saúl Suslick (2001, p. 34).<br />

"aumentar a eficiencia e a ampliacüo de suas atividades, além de dar énfasc a<br />

prolecüo dos consumidores e usuarios quanio ao proco e qualidade dos produtos<br />

e a garantía do suprimento de petróleo em todo o territorio nacional".<br />

No caso brasíleiro, o intervencionismo estatal na economía remonta á<br />

década de 50 do século passado e teve como pressuposto a substituido da<br />

iniciativa privada como agente financiador do desenvolvimento de determinados<br />

setores tidos como cssenciais para o Estado (siderurgia; eletricidade; telefonia;<br />

explorado de petróleo). Para alguns, dentre os aspectos negativos do 'modelo<br />

estatal de desenvolvimento', destacam-se: "a ausencia de um mercado competitivo,<br />

a baixa qualidade dos servicos prestados aos consumidores e a falta de recursos<br />

paraamodemizacaodosservicos(Valo¡s, 2000, p. 117)".<br />

Diante dessa conjuntura internacional e do processo de globalizac,&o<br />

económica, e sob o principal argumento da carencia de recursos por parte do<br />

Estado brasileiro para financiar as atividades petrolíferas, já que os riscos inerentes<br />

a ela, principalmente na fase de exploracáo, s3o bastante elevados e sem retomo<br />

garantido, foi enviado ao Congresso Nacional uma proposta de Emenda que resultou<br />

na Emenda Constitucional n° 09/95, que marcou o fim do período de<br />

intervencionismo estatal no setor petrolífero. Esta carencia de recursos poderia<br />

ocasionar um verdadeiro colapso em nosso país, pois a importancia dessa especie<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. I5-UI;KN l07


RIXÍULACÁO, LIVRL CONCURRENCIA E DEKLSA [XICONSUMIDOR NA INDUSTRIA IX) I'KTKÓLEO<br />

energética para a economía é bastante elevada, podendo ocasionar um retomo á<br />

situacao de dependencia de petróleo por parte de nosso país a patamares do<br />

período das duas grandes crises do petróleo.<br />

A Emenda Constitucional n° 09/95 também previu a criacao de um órgüo regulador<br />

para o setor. que foi instituido através da lei 9.478/97, incumbindo-o da func3o de<br />

regular o monopolio da Uniao: A Agencia Nacional do Petróleo. Esta, ao contrario<br />

do modelo estatal anteriormente utilizado, nüo atua diretamente no dominio<br />

económico, isto é, promovendo e capitalizando esse setor, mas como expSe Mello<br />

(2001, p. 452), "apresenta um papel balizador colocando o consumidor e seus<br />

diversos interesses como a raz3o de ser da regulacao...".<br />

4. A funcáo reguladora da ANP e a protccAo dos interesses dos consumidores.<br />

As transformacóes havidas no processo produtivo desde a revolucao<br />

industrial (segunda metade do século XV11I) e principalmente com a revolucao<br />

tecnológica (fenómeno decorrente do grande desenvolvimento técnico alcancado<br />

no pos 2.a Guerra Mundial) ocasionaram urna profunda alteraciJo ñas relacSes<br />

entre consumidor e fornecedor. Até ent3o, a producao que era caracterizada pela<br />

elaboracao artesanal e manual de produtos e restrita ao ámbito familiar ou a um<br />

pequeño grupo de pessoas, passou a ser urna excec3o. As relaeñes de consumo<br />

deixaram de ser pessoais e diretas, fulminando com o relativo equilibrio existente<br />

entre as partes.<br />

Essa nova configuracao do mercado baseada na producüo em massa,<br />

pelo dominio do Crédito, Marketing, e práticas comerciáis abusivas colocou o<br />

consumidor numa situacüo de extrema precariedade frente aos agentes económicos,<br />

requerendo, dessa maneira, urna transformacao ou amenizacáo deste sistema<br />

predatorio.<br />

Diante dessa conjuntura percebeu-se que o consumidor eslava<br />

desassistido e por isso necessitava de unía protec3o legal, pois é utópica a<br />

possibilidade de autocomposicao entre os integrantes das relacOes de consumo<br />

sem a intervencao estatal. Baseado nessa vulnerabilidade do consumidor foi<br />

iniciado um movimento no ámbito internacional com o intuito de reequilibrar as<br />

relacóes entre consumidores e produtores. No ano de 1985 a ONU pela resoluc3o<br />

39/248 baixou norma sobre a protecao do consumidor reconhecendo que os<br />

consumidores se deparam com desequilibrios em termos económicos, níveis<br />

educacionais e poder aquisitivo.<br />

No caso brasileiro a constituido de 1988 elevou a defesa do consumidor<br />

108 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


AI.IRIO MARCII.I. I.IMA \)\ IIKI'IOI: KONAI.IK ASI KO 1)1- ANPKADI:<br />

ao patamar de direito fundamental (art. 5o, XXX11: "o Estado promoverá, na forma da<br />

lei, a defesa do consumidor"), bem como a principio da ordcm económica, além de<br />

prever no artigo 48 do alo das disposicóes constitucionaís transitorias a elaboracüo<br />

de um Código de Defesa do Consumidor (CDC).<br />

Dentro dessa perspectiva inscre-se o papel regulatório e fiscalizatório<br />

desempenhado pela AN P, pois a lei 9.478/97 ao dispor sobre os principios e objetivos<br />

da política energética nacional tracou como um de seus objetivos a protecüo dos<br />

intercsses dos consumidores quanto a piC90, qualidade c oferta dos produtos (art. Io,<br />

inc. 111), bem como ao instituirás atribuicóes da Agencia Nacional do Petróleo, instituiu<br />

a sua funcSo de:<br />

implementar, em xuas esferas de atribuicoes, apolítica<br />

nacional Je petróleo egás natural, coñuda na política<br />

energética nacional, nos termos do Capítulo I desla<br />

Lei, com énfase na garantió do supr¡mentó de derivados<br />

de petróleo em todo o territorio nacional e naprolecüo<br />

dos interesses dos consumidores quanto a preco,<br />

qualidade e quantidade (art. 8a, inc. I).<br />

Nos últimos anos tem ocorrido urna guerra no mercado de revenda de<br />

combustíveis brasileiro, com relac3o aos precos praticados, muitas vezes fruto da má<br />

qualidade dos produtos oferecidos aos consumidores, bem como da sonegacSo de<br />

¡mpostos, ocasionando práticas anticoncorrenciais.<br />

Dentro dessa problemática insere-se o papel fiscalizatório e regulatório da<br />

Agencia Nacional do Petróleo, tendo em vista os interesses dos consumidores,<br />

buscando, dessa maneira, um setor de revenda de combustíveis isento de práticas<br />

anticompetitivas, no qual a concorréncia possa de fato trazer beneficios aos<br />

consumidores. Antes de adentramos na análise das medidas adotadas pelo ANP,<br />

¡remos trabar algumas considerares alusivas sobre o consumidor para a agencia.<br />

Piiineiramenlc, vale salienlarque a industria do petróleo nflo se refere a um<br />

servido público, mas a um produto de importancia estratégica e pública (Cf. Suslick,<br />

2001). Assim, a ANP interfere diretamente no ámbito de urna atividade económica.<br />

O foco de atiiucSo da ANP na defesa do consumidor nflo ocorre de tima<br />

maneira individual, pois ao trocar as regras que visam dar transparencia ao mercado,<br />

a agencia leva em considerado a coletividade de consumidores, que se convencionou<br />

denominar "consumidor-cidadflo" (Cf. Mello, 2001). Se bem que, devido a sua<br />

importancia na atualidadc. podemos afirmar que a quase totalidade da populacho<br />

brasileira consomé, direta ou indiretamente. esse produto leudo em vista que o<br />

REVISTA JURÍDICA IN VI-RUIS n. <strong>15</strong>-Uh'KN l0°


Kl i;ULA(,A(). 1.IVKI-. CUNCORRLNCIA lí ULIISA IX)UJNSUMIIX>R NA INDUSTRIA IX) PtIRÓLtt)<br />

transporte de mercadurías e passageiros utiliza essa especie de combuslível.<br />

Assim, a frente de atuacHo e preocupacflo da ANP nilo eleve se restringir<br />

únicamente aus consumidores atuais. Segundo Mello(2001, p. 453):<br />

a agencia deve uíuar na proiecüo dos interesses<br />

dos futuros consumidores, seja na garantía de<br />

suprimento futuro dos recursos existentes, como no<br />

aproveitamenlo racional dos mesmos, para a<br />

inclusao de novos consumidores ao mercado,<br />

objetivando, dessa maneira, realcar o principio regulatório do ampio acesso dos<br />

consumidores a esse produto.<br />

No ámbito da normatizacáo podemos identificar um acentuado esforco<br />

da ANP com o intuito de trabar as condutas a serem seguidas pelos agentes<br />

económicos em todos os setores da industria petrolífera, atuando de urna maneira<br />

preventiva nesse desiderato.<br />

No entanto, vamos destacar as medidas adotados para a regulacüo do<br />

setor de revenda de combustíveis, já que é neste que o consumidor apresenta urna<br />

relacSo mais direta e de conseqüéncias mais perceptíveis frente aos agentes do<br />

mercado.<br />

Dentre as portadas editadas podemos destacar as seguintes: a n° 116 de<br />

05 de julho de 2000, que regulamenta o exercício da atividade de revenda varejista<br />

de combustivel automotivo e a de n° 248 de 31 de outubro de 2000, a qual estabelece<br />

o regulamento técnico ANP n° 3/2000 que trata do controle de qualidade do<br />

combustivel automotivo líquido adquirido pelo revendedor varejista para<br />

comercia I ¡zac3o.<br />

Estas portarías enumeram urna serie de obrigaeñes aos revenderes<br />

varejistas com o intuito da protecüo dos consumidores e assentadas em principios<br />

basilares da defesa do consumidor, dentre as quais podemos destacar a<br />

transparencia, que é o dever que possui o forncecdor de dar ¡nformacSes claras,<br />

corretas e precisas sobre o produto a ser vendido, além do principio da confianca,<br />

isto é, a credibilidade que o consumidor deposita no produto como instrumento<br />

capaz de a!canc.ar os fins que dele razoavelmente se espera.<br />

Outra grande contribuyo da ANP no campo da defesa do consumidor<br />

deu-se com a criac3o do Centro de Relacóes com o Consumidor da ANP (Portaría<br />

n° 111 de 28 de junho de 2000) que possibílitou um canal direto de contato do<br />

consumidor com a ANP.<br />

No ámbito fiscalizatório, podemos destacar a Lei Federal n° 9.847/99, que<br />

dispóe sobre a fiscal¡zac3o das atividades relativas ao abastecimento nacional de<br />

110 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN


AI.IKIO MARCILl. I.IMA Dl: HKITO t RONAI.I) CASTRO DI ANDRADI:<br />

combustiveis. que é realizado diretamente pela ANP ou mediante convenios por<br />

ela celebrados. Neste aspecto sSo importantes os convenios realizados com<br />

¡nstituicoes de ensino superior, que visam monitorar a qualidade dos combustiveis<br />

comercializados em nosso país, bem como com os Ministerios Públicos para a<br />

¡mplementacao das acóes de natureza civil e penal contra os agentes que estejam<br />

desrespeitando as disposicoes legáis sobre o assunto, pois cabe á ANP apenas a<br />

¡mplementacáo das sanees administrativas.<br />

5. A atu¡ic3o da ANP no fomento da Mvre concurrencia.<br />

A Lei do Petróleo, já em seu artigo Io estabelece a promocüo da livre<br />

concurrencia como um dos objetivos essenciais da Política Energética Nacional.<br />

Como tivemos a oportunidade de evidenciar em nosso capítulo introdutório, a<br />

tendencia concentradora dos atores da industria petrolífera é t3o intensa que até<br />

mesmo parece-lhes intrínseca. A essencialidade económica, política e estratégica<br />

deste bem, entretanto, n3o deixa ao Estado outra opc3o que n3o a de atuar firmemente<br />

no fomento á concorréncia, mesmo sendo este o setor onde a existencia dos<br />

denominados monopolios naturais se mostra mais comum.<br />

No Brasil, apesar da abertura ocasionada pela Lei 9.478/97, é inegável a<br />

existencia ainda hoje. corridos quase seis anos desde sua edicüo, de um monopolio<br />

natural por parte da Petrobrás. Embora n3o haja mais um monopolio legal, abolido<br />

definitivamente com esta lei, há um inolvidável monopolio fático, real, posto que a<br />

Petrobrás é ainda detentora da quase totalidade do arcabou?o ¡nfra-estrutural<br />

necessário as atividades da industria do petróleo. Neste sentido, é de certo modo<br />

um pressuposto fático que os agentes que desejem entrar no mercado brasileiro<br />

firmem parcerias com a Petrobrás.<br />

Esta situac3o nüo consiste numa exceeño feita á Petrobrás. Com efeito, a<br />

Política Energética Nacional dispoe de modo claro que as atividades desta empresa<br />

deverño ser desenvolvidas "em caráter de livre competido com outras empresas,<br />

em funcílo das condicOes de mercado..." (Art. 61, § I °). Nao há situacüo privilegiada<br />

por se tratar de empresa estatal. O que ocorre é que as "condicOes de mercado" a<br />

que se refere este dispositivo demandam do aplicador da lei urna ¡nterpretacáo que<br />

tenha em conta as quase cinco décadas de monopolio legal desta empresa no país.<br />

A cautela parece ser a palavra de ordem aos novos agentes que se insercm no<br />

mercado brasileiro, os quais buscam naturalmente se aliar a esta gigante Estatal,<br />

detentora de profundos conhecimentos sobre as condicóes geológicas e<br />

mercadológicas do país, além de ser detentora de tecnología de ponta, muitas<br />

vezes por ela mesma desenvolvida, como no caso da exploracüo de petróleo em<br />

REVISTA JURÍDICA 1N VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN ' ''


uix;iii.a(.Ao. i.ivri-: concokkhncia i; di;i lsa ix>consumidor na industria ix> pi tkoi.io<br />

aguas profundas e ultraprofundas.<br />

Voltando a atencüo específicamente á atuac3o da Agencia Nacional do<br />

Petróleo no fomento da livre concurrencia, cumpre-nos afirmar que o papel conferido<br />

a este órg3o pela Lei do Petróleo é modesto, mormente se comparado ás<br />

prerrogativas outorgadas a Agencia Nacional de Telecomunicacóes (ANATEL)<br />

pela sua lei criadora, a Lei n° 9.472, de 16 de julho de 1997. De fato, enquanto o<br />

inciso XIX do art. 19 desta Lei confere á ANATEL a competencia para "exercer,<br />

relativamente ás telccomunicacóes, as competencias legáis cm materia de controle,<br />

prevencüo e repressáo das infracóes da ordem económica, ressalvadas as<br />

pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Económica (CADE)" á ANP<br />

cabe lüo somente comunicar os fatos que possam configurar indicio de ¡nfracüo da<br />

ordem económica, ¡mediatamente, ao CADE e á Secretaria de Direito Económico do<br />

Ministerio da Justíca, "para que estes adotem providencias cabiveis, no ámbito da<br />

legislado pertinente" (Lei n° 9.478/97, Art. 10).<br />

Deste modo, cumpre á ANP um papel subsidiario, preventivo e de fomento,<br />

assim como ocorre no tocante á proteeño dos interesses do consumidor, conforme<br />

relatamos no capítulo anterior. Dentre suas principáis acSes positivas, destacamos<br />

a edicüo da Portaría n° 42, de 16 de marco de 1999, que cria o Comité de Política da<br />

Concurrencia, com a finalidade de assessorar a Diretoria-geral da ANP em suas<br />

decisñes no campo do controle, prevencao e repressáo das ¡nfracQes da ordem<br />

económica, bem como da Portaría n° 60, de 05 de abril de 2000, que instituí a<br />

Comiss3o de Defesa da Concorréncia (CDC), com a finalídade de dar cumprimento<br />

ás obrígaedes assumidas pela ANP no Acordó de Cooperacño Técnica, celebrado<br />

com o Conselho Administrativo de Defesa Económica - CADE e a Secretaria de<br />

Direíto Económico - SDE.<br />

6. Conclusdes<br />

Vimos que a historia da industria do petróleo, desde seu surgimento, é<br />

marcada por urna forte tendencia á concentrado das suas atividades em um reduzido<br />

número de agentes económicos. Ao mesmo tempo, observamos a crescente<br />

preocupado por parte dos Estados nacionais em regrar a conduta destes agentes<br />

em plano interno, visando a manutenc3o da ordem económica e a preservac3o de<br />

seus interesses, tendo em vista o caráter estratégico deste recurso natural.<br />

A intervencüo estatal no dominio económico n3o seguiu um padrüo único, mas<br />

sim viveu urna constante varíacao, atrelada aos paradigmas político-económico<br />

dominantes nos distintos períodos históricos. No caso brasileíro, observou-sc a<br />

REVISTA JURÍDICA IN VIÍRBIS n. <strong>15</strong> - UI'RN


Al.iRIO MARCIÜL LIMA Dl{ URITO K RONAI.DCASTRO Dt ANDRADI;<br />

modificacüo do modelo de intervencao máxima do Estado no periodo que se<br />

estendeu do Estado Novo até o Miniar do século XXI, ao modelo de ¡ntervenc3o<br />

indireta, a que corresponde ao denominado Estado regulador, que propiciou a<br />

gradual abertura do mercado interno a novos agentes económicos.<br />

Essa nova concepc3o consiste num meio termo entre os modelos de<br />

Estado Liberal e Estado <strong>In</strong>tervencionista, ou Welfare State, buscando a maximizac3o<br />

do bem-estar social, sem, entretanto, incorrer nos altos riscos provenientes da<br />

abertura desregrada do mercado.<br />

No sentido da busca pelo máximo bem-estar social, instituiu-sc urna Política<br />

Energética Nacional, tendo como fim último a protec^o dos interesses dos<br />

consumidores-cidadaos. Esta tarefa, no ámbito da industria do petróleo, foi<br />

incumbida á Agencia Nacional do Petróleo, através de dispositivo constitucional,<br />

oriundo da Emenda Constitucional n° 09/95.<br />

Através da leí n° 9478/97 foram tracadas as diretrizes básicas do modelo<br />

de atuacao da ANP na regulacSo e fiscalizacüo do mercado atinente á industria<br />

petrolífera. Essas atividades desempenhadas pela agencia buscam efetivar a<br />

harmonizacao dos ¡nteresses dos agentes económicos e dos consumidores, através<br />

de medidas coercitivas reguladoras deste mercado tendenciosamente monopolista.<br />

Nesse sentido foram editadas diversas portarías pela ANP visando urna maior<br />

transparencia ñas condutas dos agentes económicos, bem como convenios com<br />

instituicóesde ensino superior e os Ministerios Públicos Estaduais para um controle<br />

mais efetivo do mercado.<br />

Por fim, evidenciamos o caráter subsidiario das acóes empreendidas pela<br />

ANP em relacüo á esfera de competencia do CADE e da SDE, cabendo-lhe t3o<br />

somente comunicar a estes órg3os possíveis indicios de infracOes á ordem<br />

económica.<br />

7. Referencias Bibliográficas.<br />

AZEVEDO, Fernando Costa de. Defesa do Consumidor e Regulac3o: a participacao<br />

dos consumidores brasileiros no controle da prestac3o de servidos públicos. Porto<br />

Alegre: Livraria do Advogado, 2002.<br />

FERNADES, Armando Wilson Alves. Análise sobre a prestacáo deservidos nos<br />

postos de revenda de combustíveis nos últimos anos. Tese de mestrado. ln:<br />

www.iee.usp.br/biblioteca/producao/200l/Teses/Armando.PDF.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> UI-RN ' l3


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GRAU, Eros Roberto. A ordem económica na Constituicao de 1988. T ed. S3o<br />

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JUSTEN FILHO, Marcal. O Direito das Agencias Reguladoras <strong>In</strong>dependentcs.<br />

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1989.<br />

MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de De lesa do Consumidor: o novo<br />

regime das relacóes contratuais. 4.ed. rev. atual. e ampl. S3o Paulo: <strong>Revista</strong> dos<br />

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in: SUSLICK, Saúl B. (coord.). Regulacao em petróleo e gas natural. Campiñas:<br />

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Atualizado por Alexandre Santos de Arag3o. 2°ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.<br />

SALOMÁO FILHO, Calixto. RegulacSo da atividade económica (principios e<br />

fundamentos jurídicos). S3o Paulo: Malheiros, 2001.<br />

Malheiros, 2002.<br />

S3o Paulo: Malheiros, 2002.<br />

^_(Coord.). Regulado e desenvolvimento. S3o Paulo:<br />

_. Regulacüo e Concorréncia (estudos c pareceres).<br />

114 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


AI.IKIOMAKCIIX I.1MA DI: IMITO I KONA1.I) C'ASTIU) DI- ANDKADI<br />

SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro:<br />

Lumen Júris, 2002.<br />

SUNFELD, Carlos Ar¡. Direito Administrativo Económico. Sao Paulo: Malheiros,<br />

2002.<br />

SUSL1CK, Saúl B. "A dinámica na regulacüo de petróleo e gas natural", in<br />

2001.<br />

(coord.): Regulacao em petróleo e gas natural. Campiñas: Komedi,<br />

VALOIS. Paulo. A EvolucSodo Monopolio Estatal do Petróleo. Rio de Janeiro:<br />

Lumen Juris, 2000.<br />

RF.VISTA JURÍDICA INVF.RBISn. <strong>15</strong>-UFRN


UMA AN ALISE SOBRE O ESTATUTO DO TORCEDOR<br />

DavideOliveim l'itiva liona vides<br />

Académico do 5o Período de Direito - UFRN<br />

INTRODUCÁO<br />

O torcedor brasilciro está acostumado a assistir grandes conquistas<br />

dos esportes nacionais, ganhamos títulos ñas mais diversas categorías e<br />

modalidades, estamos entre os melhores em esportes populares como o futebol, o<br />

vólei e o tenis ou em outros nao tao comuns como o iatismo e o hipismo, no<br />

entanto o Direito nacional c a protecüo daqueles que sao os destinatarios de todos<br />

os eventos esportivos estavam entre os mais atrasados de todo o mundo. Os que<br />

acompanham torneios futebolísticos estño acostumados a ver ao descompasso<br />

entre nossa legislado e a legislacáo estrangeira, aceitam-se os desmandos dos<br />

dirigentes como algo intrínsecamente nosso. algo que é assim porque é c que<br />

pouco se pode fazer para alterar essa sítuacao, tolera-se o descaso com a seguranca,<br />

a saúde e a higiene nos estadios como se fosse isso o normal e excepcional o<br />

respeíto ao torcedor.<br />

N3o há nada de diferente aínda nessa é a situacüo, surge, porém urna<br />

esperarla de que todo esse desrespeito esteja para ter um fim. Essa esperance<br />

traduz-se pela letra da Leí 10.671, de <strong>15</strong> de maío de 2003, o Estatuto do Torcedor<br />

(ET).<br />

A nova leí é formada por doze capítulos, a saber: 1-DISPOSICÓES GE-<br />

RAIS, I I-DA TRANSPARENCIA NA ORGANIZADO, Ill-DOREGULAMENTO<br />

DA COMPETICÁO, 1V-DA SEGURANCA DO TORCEDOR PARTÍCIPE DO EVEN<br />

TO ESPORTIVO, V-DOS INGRESSOS, VI-DO TRANSPORTE, VII-DA<br />

ALIMENTACÁO E DA HIGIENE, VIII-DA RELACÁOCOM A ARBITRAGEM<br />

ESPORTIVA, IX-DA RELACÁOCOM A ENT1DADE DE PRÁTICA DESPORT1VA,<br />

X-DA RELACÁOCOM A JUST1CA DESPORTI VA, XI-DAS PENALIDADES, XII-<br />

D1SPOSICÓES FIN AIS E TRANSITORIAS.<br />

Importante lembrar que apesar de diversos pontos do ET serení tratados<br />

por outras leis, como o caso da Leí n° 9.6<strong>15</strong>/98 (Lei Pelé), o novo estatuto traz unía<br />

visáo completamente diferente pois é a única voltada diretamente para o público<br />

torcedor. É urna especie de aplicacáo do Código de Defesa do Consumidor(CDC)<br />

aplicado ás relac^es existentes entre os organizadores de eventos esportivos e<br />

seus espectadores e busca, a exemplo do CDC, proteger o hiposuficiente. Conceítua<br />

o torcedor como todo aquele que se declare como tal' e equipara a entidade<br />

responsável pela organizacüo da competícao, bem como a entidade de prática<br />

1 16 REVISTA JURÍDICA IN VER13IS n. <strong>15</strong> - UFRN


DAVI |}| ()l IV! IRA I'AIVA UONAVIDI..S<br />

dcsportivn delentom do mando de jogo, no Ibrnecedor nos termos di) CDC. Convém<br />

esclarecer untes de prosseguirmos que, ao contrario do que se possa imaginar, o<br />

conceito dado a "torcedor" pelo Estatuto abrange os adeptos de ¡numeras<br />

modalidades esportivas, diversas do lutebol, aclara-se aínda que essa leí aplica-se<br />

apenas ao desporto profissional, como informa seu art. 43.<br />

Nascido de urna rara iniciativa do Congresso Nacional o ET é fruto de<br />

duas CPl's2 realizadas no ano 2000. Apesar de ná"o levar á punicüo de nenhuma<br />

dos envolvidos, esses inquéritos somados ao histórico de catástrofes ocorridas<br />

dentro de estadios1 criaram um clima de ¡nsatisfacao popular que levou o Senado<br />

a preparar urna nova lei que buscasse proteger o torcedor tanto do descaso a que<br />

é exposto durante as partidas como aos demandes dos chamados "cartolas".<br />

Contribuiu também para o advento da Lei 10.671/03 o crescimento da consciéncia<br />

política da populacSo que nao concedeu um novo mandato para varios dirigentes<br />

da chamada "bancada da bola', entre eles o presidente do Vasco e advogado<br />

Eurico Angelo De Oliveira Miranda, e permitiu que tal lei fosse aprovada por<br />

unanimidade ñas duas casas do Congresso Nacional.<br />

OS PRINCIPÁIS PONTOS DO ESTATUTO<br />

Como já foi dito, o Estatuto do Torcedor traz grandes mudancas para a<br />

legislacáo esportiva nacional, regrando ámbitos tüo diversos como o transporte, a<br />

alimentacáo e a publicidade de regras dos torneios. Para urna análise mais didática<br />

de tais ¡novaeñes, facamos urna divisSo baseada nos seguintes temas: a)<br />

transparencia, b) seguranza, transporte, higiene e alimentacao, c) regulamento, d)<br />

a figura do ouvidor, e) punieñes cabiveis aos organizadores e torcedores.<br />

1 Traz o art 2" do RT a seguinte redacto: "Torcedor é loda pessoa que aprecie, apóic ou se associc a qualquer enlidade<br />

de prálica desponiva do l'ms c acompanlie a prálica de determinada modalidade esportiva. Pnráiirafo único. SaKo<br />

prova eni contrario, presninein-se a anrcciacAo. o apoio ou o ¡icoinpanh.imcnlo de que trata o cnpul dcslc artigo "<br />

; Um no Senado, i|iic hnscava apurar denuncias lenas contra c\-lreinadc>r da Selecto Drasilcirn. c oulra na Cániani.<br />

instaurada para investigar as coritas da Confederacao Brasileira de Kutebol (CBK).<br />

' Nunca é dcmais Icinbrar os aconteciincntos da final do Campeonato Brasileiro de 1992 quando após um tumulto,<br />

as grades de prolccao da ari|uibancada do Maracaná cederam. e centenas de torcedores cairnm ñas cadeiras causando<br />

a morte de quairo pessoas c fcrimcnlos cin niais de cent Uu o ocomdo ein 1995 no estadio do Pacacmbu. quando ao<br />

final da Supereopa Sao l'aulo de Júniores integrantes das toreidas organizadas Mancha Verde e da <strong>In</strong>depcndenlc.<br />

palmcirenses c sao-paulinos respectivamente, digladiaram-sc coin paus c pedras de obres do estadio. Um torcedor do<br />

Sao Paulo nioncu a pauladas Lssc rol macabro poderia se eslender por longas lollias. porcm nos delcnhamos a<br />

rclembrar a final da Copa Joao I iavelangc no ano 3000. quando iium siiperlotado estadio de Sao Januárío a queda de<br />

um alambrado api» um tumulto causón lerimcntos cni dezenas de pessoas<br />

RF.VISTA JURÍDICA IN vr.RRIS n. <strong>15</strong> - UI'RN "7


a) Transparencia<br />

UMA ANÁLISE SOBRE O ESTATUTO DO TORCI:IX>R<br />

Essa é urna questáo de grande importancia para o Estatuto, sendo<br />

inclusive tema de um capítulo inteiro. Trata-se da aplicacáo do Principio da<br />

Publicidade e dodireito á informacao4 ñas rela9óes entre torcedores e organizadores.<br />

Visando a transparencia nessas relacoes o ET obriga as entidades de<br />

administracño do desporto a fazer publicar em sile próprio na ¡nternet, assim como<br />

ñas entradas dos locáis onde se realiza o evento esportivo: o regulamento da<br />

compcticño; as tabelas da competicao. contendo as partidas que senio realizadas,<br />

coni cspccificacüo de sua data, local e horario; o nome e as formas de contato do<br />

Ouvidor da Competicáo; os borderós completos das partidas; a escalo dos<br />

arbitros ¡mediatamente após sua definió'; a relacSo dos nomes dos torcedores<br />

impedidos de comparecer ao local do evento desportivo1'.<br />

Assegura aínda o texto da le¡ que os calendarios das competíc5es devam<br />

ser apresentados 60 días antes de seu inicio e que a renda e o público sejam<br />

divulgados, por meio de sendos de som e imagem instalados no estadio, durante<br />

a realizacílo das partidas.<br />

b) Seguraii9a, Transporte, Higiene e Al¡menta9ao<br />

Outro ponto de grande preocupa?ao do ET e sem dúvida urna das razñes<br />

de sua elabora93o é a preocupa9áo com a seguran9a, de urna forma ampia, da<br />

pessoa que vai a um estadio acompanhar a realiza93o de um evento esportivo.<br />

A entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus<br />

dirigentes devem informar aos órgaos públicos de seguran9a, transporte e higiene<br />

os dados necessários á seguran9a da partida, com urna atencSo especial ao local<br />

do evento; o horario de abertura deste; a expectativa de público e a capacidade do<br />

local, sendo punfvel com a perda do mando de campo por, no mínimo, dois meses,<br />

sem prejuízo das sanQ&es cabiveis, a entidade de prática desportiva detentora do<br />

mando de jogo que n3o respeitar tais determinacSes.<br />

É seu deverainda, disponibilizarum médico, doisenfermeiros-padrüoe<br />

urna ambulancia para cada dez mil presentes ao local do evento7, assim como<br />

1 An 5". XXXIII. da ConsliluMu Federal (CF)<br />

' liscolhidos nlr;i\cs de sorteio aberto ao público, como afirma o art. 38 do b'T.<br />

* Art. 5* c incisos, do tiT<br />

'An 16. lile IV.<br />

I 18 Rl£VISTA JURÍDICA IN VI-RUIS n. <strong>15</strong> - UI-KN


IMVI Dli OUVKIRA FA1VA UÜNAVIDliS<br />

garantir a existencia de servicos de estacionamento e de transporte, ainda que<br />

onerosos. O torcedor tcm direito a instalacSes que garantam a higiene, trata-se<br />

aqui principalmente de banheiros e lanchonetes asseados, o que de tüo raro é<br />

difícil encontrar alguém que tenha visto. Por fim, a nova lei afirma que os alimentos<br />

e bebidas vendidos nos estadios nao poderao ter precos muito ácima dos praticados<br />

no mercado, busca-se assim um certo controle sobre o comercio em tais eventos.<br />

Outro ponto que tem recebido grande destaque na mídia nacional é a<br />

obrigatoriedade da instalacao de urna central de informacóes equipada com um<br />

sistema de monitoramento por imagem, em todos os estadios com capacidade<br />

maior que vinte mil pessoas8. Essa previsSo tem como principal objetivo a<br />

¡dentificacSo de vándalos e outras pessoas que va"o a eventos esportivos com<br />

finalidades outras que nSo a apreciacSo do desporto e é inspirada em legíslacOes<br />

que obtiveram sucesso em outros países na diminuicüo da violencia nos estadios,<br />

como veremos mais adiante. Outra correta "importacáo" feita pelo Estatuto é a<br />

previsüo de que os ingressos seráo numerados e teráo assentos correspondentes'.<br />

c) Regulamento<br />

Ao discorrer sobre o regulamento das competicóes esportivas a Lei<br />

10.671/03 aborda assuntos tüo obvios que um desavisado pensaría tratar-sc apenas<br />

de falta de outras preocupacoes por parte do legislador. Acontece que em nosso<br />

país o obvio é muitas vezes o mais revolucionario que se pode esperar.<br />

Para que se saiba do que estamos falando examinemos a redacáo do<br />

art. I Oda citada lei:<br />

An. 10. É direiio do torcedor que a parti-<br />

cipacao das entidades dcprátka desportiva em com<br />

peticóes organizadas pelas entidades de que traía<br />

o art. 5" seja exclusivamente em virtude de criterio<br />

técnico previamente definido. § 1" Para osfins do<br />

disposto ueste artigo, considerase criterio técnico<br />

■Art 18<br />

" Art 22. I c II Tal medida procura evitar dcnlrc oulras coisas a supcrlolacio Rcsla porém uina dúvida acerca da<br />

pcrmissao da existencia das chamadas ""gerais" nos grandes estadios de luicDul. poste que o {I«desse mesmo artigo<br />

nflniu qiie "O Ji\pt>\in un iiumi II ih'ki .«■ aplica i«» Ak u/« já cm/cn/i'N ptmi a\ ctmipelicile*<br />

i/iii- "¡\nniiiran. Iimiiniklit-M: m-»>i"» Anímism Js/vwihu. itikudí hj«i i»» ¡h- \


UMA ANAUSL SOURIí O HSTATUTO IX) T0UCK1X1R<br />

a habilitucao de entidade de prática desportiva em<br />

razao de colocacao oblida em competicao anterior.<br />

§ 2" Fica vedada a adocíio de quulquer o litro<br />

criterio, especialmente o convite, observado o<br />

disposto no arl. 89 da Lei rt1 9.6<strong>15</strong>, de 24 de marco<br />

de 1998. § 3- Em campeonatos ou lomeios regulares<br />

com mais de urna divisao, será observado o principio<br />

do acesso e do descenso. § 4" Serao desconsideradas<br />

as partidas disputadas pela enlidade de prática<br />

desportiva que nao tenham atendido ao criterio<br />

técnico previamente definido, inclusive para efeilo<br />

de pontuacao na competicao. (grifos nosso)<br />

A necessidade de se colocar tal evidencia expressamente em texto de lei<br />

se dá em raz3o das infames "viradas de mesa" tao comuns em nossos campeonatos<br />

futebolísticos. Espera-se que a forca legal dessa previs3o ajude a por um pouco de<br />

moralidade na organizado dos torneios nacionais, busca também urna maior rigidez<br />

ñas regras das competieses, impedindo que o regulamento seja alterado desde sua<br />

divulgacüo definitiva, salvo hipóteses de elaborado de um novo calendario anual<br />

de eventos.<br />

d) A Figura do Ouvidor<br />

O Estatuto do Torcedor criou a figura do Ouvidor de Competicao, sendo<br />

suas atribuicóes referidas no art.6° da referida lei.<br />

Cabe a este recolher sugestSes, propostas e reclamacSes dos torcedores,<br />

examiná-las e proporá respectiva entidade medidas necessárias ao aperfeicoamento<br />

da competicao e ao beneficio do torcedor, que por sua vez deverá ter ampio acesso<br />

áquele, mediante comunicac^o postal ou mensagem eletrónica, tendo direito de<br />

resposta as suas sugestSes, propostas e reclamacSes num prazo de trinta dias.<br />

Apesar de ser um avanco o surgimento dessa func3o, nao se pode<br />

deixar de criticar o fato de ser remunerada pelas entidades de prática desportiva<br />

participantes da competicao, o que gera urna ¡ndesejável liga?ao entre fiscal e<br />

fiscalizado.<br />

120 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


DAVI DI-I OI.IVF.IRA PAIVA BONAVIUliS<br />

e) Punicóes Cabíveis aos Organizadores e Torcedores.<br />

Um dos temas mais falados na imprensa esportiva, com ¡numeras impro-<br />

priedades, acerca do novo estatuto é a responsabilizacüo objetiva dos dirigentes<br />

e organizadores por danos causados ao torcedor.<br />

O art. 19 do ET traz a seguinte redaeño:<br />

Art. 19. As entidades responsáveis pela<br />

organizacao da compelicao, bem como seus<br />

dirigentes responderá solidariamente com as<br />

entidades de que trata o art. <strong>15</strong> e seus dirigentes,<br />

independentemente da existencia de culpa, pelos<br />

prejuizos causados a torcedor que decorram de<br />

falhas de seguranca nos estadios ou da<br />

inobservancia do disposto neste capitulo, (grifo<br />

nosso)<br />

Ao contrario do que tem se falado nao há urna responsabilizacüo por<br />

tudo o que ocorre no estadio e suas cercanías. Como em toda responsabilizado<br />

objetiva há de existir um nexo causal entre a conduta, ou omissáo, do individuo e<br />

o fato ocorrido10.<br />

Entre as sancóes previstas no Estatuto para as entidades de<br />

administracao do desporto, as ligas ou entidades de prática desportiva estao: a<br />

perda do mando de jogo"; a destituicáo de seus dirigentesi:; a suspensao por<br />

seis meses desses mesmos"; o impedimento de gozar de qualquer beneficio fiscal<br />

em ámbito federal e a suspensao por seis meses dos repasses de recursos públicos<br />

federáis da administracao direta e indireta14.<br />

É fácil perceberquea Ici traz ¡numeras obrigacóes aos organizadores e<br />

"' O ET c assini feliz cm inais nina vez adolar uní principio que norlcía o Código de Dcfesa do Consiiinidor. ira/endo<br />

um pande seguranca para o lorccdor e evilando impunidades lao coinuns cm nosso país.<br />

" No mínimo por seis meses, sem prejuizo das ciernáis sancAcs cabíveis, nos casos de supcrlolacao como se den<br />

no ja referido episodio de dc/embro de 2000. cm Sao Januário (nn. 23)<br />

i: Nos casos de desrespeilo ás rearas de que Iraiain os Capilulos II. IV e V da leí em esludo<br />

11 Casos nao pre\isios na <strong>In</strong>poicsc anlcrior<br />

" Prcvúdcs do art .'7. íucím* I a IV.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l21


UMA ANAUSIi SOURIí O USTATUTO [)() TORCWXiR<br />

entidades envolvidas no desporto nacional. Nao ouvidou porém, o legislador de<br />

estabelecer sancóes para os maus torcedores.<br />

O art. 39, capul e § 1 ° e 2o, rcfercm-se ao mau torcedor da scguinte forma:<br />

Art, 39. O torcedor que promover tumulto,<br />

praticar ou incitar a violencia, ou invadir local<br />

restrilo aos competidores ficará impedido de<br />

comparecer as proximidades, bem como a qualquer<br />

local em que se realize evento esportivo, pelo prazo<br />

de tres meses a um ano, de acordó com a gravidade<br />

da conduta, sem prejuizo das dentáis sane-oes<br />

cabíveis. § /'-' <strong>In</strong>correrá ñas mesmas penas o torcedor<br />

que promover tumulto, praticar ou incitar a<br />

violencia num raio de cinco mil metros ao redor do<br />

local de realizacao do evento esportivo. §2"A veri<br />

fica/pao do mau torcedor deverá ser feita pela sua<br />

condula no evento esportivo ou por Boletins de<br />

Ocorréncias Policiais lavrados. aos competidores<br />

ficará impedido de comparecer as proximidades,<br />

bem como a qualquer local em que se realize evento<br />

esportivo, pelo prazo de tres meses a um ano, de<br />

acordó com a gravidade da condula, sem prejuizo<br />

das dentáis sangoes cabíveis. § I1' <strong>In</strong>correrá ñas<br />

mesmas penas o torcedor que promover tumulto,<br />

praticar ou incitar a violencia num raio de cinco<br />

mil metros ao redor do local de realizacao do evento<br />

esportivo. § 2a A verifica


DAVI Di: OLIVF.IRA I'AIVA BONAVIORS<br />

autoridade, pelo mando do evento esportivo ou por qualquer torcedor participe,<br />

mediante representacao". Estes torcedores poderüo ser impedidos de freqüentar<br />

estadios por um periodo de tres meses a um ano.<br />

LEGISLACÁO COMPARADA<br />

O Estatuto do Torcedor pode gerar urna revolucao nos esportes<br />

brasileiros, poréin nao é nenhuma novidade para o mundo jurídico. Diversos oulros<br />

países já adotam há algum tempo normas de defesa do torcedor que se assemelham<br />

ao novo estatuto. Muitos jogadores brasileiros de nivel internacional já devem<br />

inclusive eslarem habituados com seus principios.<br />

a) Espnnha<br />

Desde de 1993 existe na Espanha urna lei que trata do assunto: o Real<br />

Decreto de 93. Já nesse ano a lei espanhola, atualizada cinco anos após sua cria-<br />

cao, abordava temas que hoje s3o vistos como absurdos por muitos dos dirigen<br />

tes brasileiros.<br />

Previa a existencia de assentos numerados em todos os estadios; a<br />

determinacáo de locáis diferentes para as torcidas rivais; assim como a instalado<br />

de sistemas de seguranca nos estadios, contendo circuitos fechados de TV, sistemas<br />

de som e controle automático de portóes e acessos.<br />

Pontos de maior polémica do ET também s2o tratados na lei espanhola:<br />

a responsabilizacao da organizacao e dirigentes caso as regras nSo sejam cumpridas<br />

corretamente, prevé aínda pena de prisáo de tres a quatro anos para atos de violencia<br />

e vandalismo durante eventos esportivos, multa de 60 mil euros para invasáo de<br />

campo e suspensjío do direito de ir aos estadios.<br />

b) <strong>In</strong>glaterra<br />

País que ;iinda hoje enfrenta problemas com o vandalismo de alguns<br />

torcedores, os chamados "hoolingans", a <strong>In</strong>glaterra vem adotando medidas cada<br />

vez mais duras com relac2o aos seus eventos esportivos, como demonstra o<br />

y>. i r<br />

REVISTA JURÍDICA 1N VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l23


UMA ANAl.lSli SUUKI: O I-ISTAI UTO IX) TOKCHDOR<br />

Foolball Act, lei vigente desde o ano 2000.<br />

Torcedores que se comporten! indevidamente durante tais eventos<br />

podem ser expulsos, considera-se inclusive que mau comportamento incluí atitudes<br />

provocadas por alcoolismo, vandalismo e até mesmo tatuagens ofensivas. A<br />

exemplo do que ocorre na Espanha e se busca efetivar no Brasil, o Foolball Act<br />

impSe a existencia de circuito interno de TV nos estadios e permite que a .Justica<br />

¡mpec_a urna pessoa a comparecer a outros eventos esportivos, no caso da <strong>In</strong>glaterra<br />

por períodos que chegam a dez anos.<br />

Em virtudc do comportamento dos hoolingans cm algumas Copas do<br />

Mundo e outros eventos intcrnacionais, a legislado acertadamente estabelece<br />

que aqueles torcedores impedidos de comparecer aos estadios devem se apresentar<br />

á justica 24 horas antes das partidas, sendo tanta a preocupacüo estes ficam<br />

proibidos de deíxar o país.<br />

c) Argentina<br />

Talvez o país onde a realidade mais se aproxime da brasileira seja a<br />

Argentina. Nossos maiores rivais dentro de campo, os argentinos saíram na nossa<br />

frente quando se trata de Iegislac3o esportiva. A Ley de Seguridad en Espetáculos<br />

Esportivos criou o Comité de Seguranca no Esporte. Tal comité elabora e fiscaliza<br />

a implantac^o normas, coordena atividades dos organismos públicos envolvidos<br />

e estabelece as bases da organizado dos eventos. Os dirigentes dos clubes ficam<br />

responsáveis pela garantía do cumprimento das normas criadas pelo Comité.<br />

S3o previstas puniedes para diversos atos que aqueles que freqüentam<br />

os estadios brasileiros se habituaram a ver: brigas entre torcedores, por exemplo,<br />

s3o punidas com prisáo de um a nove meses; para urna ¡nvas2o de campo cabe<br />

prísáo de um mes a um ano; porte de armas de fogo, armas brancas ou artefatos<br />

explosivos - tres meses a oito anos; etc.<br />

Impoe ainda, como urna constante da protecao ao<br />

torcedor em todo o mundo, a instalacao de circuitos<br />

internos de TV nos estadios, assim como a<br />

implantacáo de mangueiras de incendio, sistema<br />

de áudio, instalacdes sanitarias adequadas e<br />

presenca de organismos de emergencia médica e<br />

protecao civil em cada evento esportivo realizado<br />

pelo país.<br />

124 REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


DAVI DE OI.IVLIRA PAIVA UONAVIDI£S<br />

CONCLUSAO<br />

O advento da Lei 10.671, de <strong>15</strong> de maio de 2003, traz um sopro de espe<br />

ranza para a normalizacüo da situacüo, muitas vezes caótica, do desporto nacional.<br />

Claro, nao se ilude que apenas a entrada em vigor de urna lei tenha o poder de<br />

mudar toda urna estrutura corrompida, o que de fato traz essa esperanca é a<br />

disposicao que se percebe por parte das autoridades públicas de se fazer cumprir<br />

tal lei, sendo significativa sua aprovacao por unanimidade e a rejeicao popular á<br />

ameaca de paralisacao do Campeonato Brasileiro de 2003.<br />

Apesar de questionar muitos pontos do Estatuto alguns dirigentes já<br />

comecam a adotar ¡mposicóes suas, como a instalacáo de cameras nos estadios e<br />

o sorteio dos arbitros. Outros ainda teimam em n3o cumpri-la, considerando-se<br />

ácima da ordem jurídica.<br />

Esperamos contudo que nossas esperancas ná"o sejam mais urna vez<br />

frustradas e que o Estatuto do Torcedor seja sim um diploma eficiente em seus<br />

objetivos de protecSo e moralizaciio do desporto nacional.<br />

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

FLORES, Mariana, Presidente sanciona leis que moralizam o esporte no Brasil, ln<br />

Ministerio dos Esportes: http://www.esporte.gov.br/<br />

noticia detalhe.asp?id noticia=656,25 de maio de 2003.<br />

GIMÉNEZ, Alexandre e GOMES FILHO, Julio, "Revolucao" do futebol coloca<br />

dirigentes em xeque. ln Uol Esporte: http://esporte.uol.com.br/especial/<br />

especial 05a.jhtin, 21 de maio de 2003.<br />

MÉDIC1, Joño Henrique, Estatuto do Torcedor: "Manual de <strong>In</strong>strucao", ln Uol<br />

Esporte: http://esporte.uolxom.br/especial/especial 05b.ihtm. 21 de maio de 2003.<br />

TOLEDO JR., Toledo, Pentacampeao em campo, Brasil leva goleada ñas leis, ln Uol<br />

Esporte: http://esporte.uol.com.br/especial/especial 05c.ihtm. 21 de maio de 2003.<br />

V1EIRA. Carlos, Tragedias e maracutaias estüo com os dias contados com o Esta<br />

tuto do Torcedor, ln Uol Esporte: http://esporte.uol.com.br/especial/<br />

especial 05d.jhtm. 21 de maio de 2003.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERB1S n. <strong>15</strong> - UFRN l25


<strong>In</strong>troducáo<br />

O DIRFJTO DO CONSUMIDOR EOS BANCOS<br />

A Dignidade do Cidadílo verxus o Poder Económico<br />

RubensCartaxo Júnior<br />

Académico do 7o Período do Curso de Direito da UFRN<br />

Objetiva o presente artigo estudar a questño da aplicabilidade do Direito<br />

Consumerista ás relacOes entre os clientes e os bancos, abordando-a sob o prisma<br />

dos principios e objetivos fundamentáis insculpidos na Constituyo Federal de<br />

1998 (CF 1988), confrontando-os com a prática dos bancos no Brasil, ñas quais se<br />

enxerga a express3o máxima do emprego do poder económico, discutindo, por fi.m,<br />

0 que deverá prevalecer nesse embate, se a dignidade humana ou o poderío<br />

económico.<br />

O tema será abordado estudando-se o Direito do Consumidor, seus<br />

primeiros lampejos, scus fundamentos e objetivos, sua razüo de existencia e<br />

aplicabilidade, demonstrando sua constitucionalidade c sen lugar no ordenamento<br />

jurídico patrio. Em seguida, o foco será voltado para a prática das instituiedes<br />

flnanceiras no Brasil, prática esta, abusiva cm varios aspectos, respaldada muitas<br />

vezes em diplomas legáis anacrónicos, produzidos no período em que o País vivia<br />

uní regime de excec.üo, urna legislacüo ¡ncompalivcl com o atual momento democrá<br />

tico e ¡ncompatível com a ConstituicÜo Federal de 1988. Discute-se, posteriormen<br />

te, a aplicabilidade do Direito do Consumidor aos contratos bancários, cotejándo<br />

se opinióes a favor e contrarias á tese, concluindo com a resposta a candente<br />

pergunta: o que deve prevalecer: a dignidade humana ou o poderío dos bancos?<br />

1 -O Direito do Consumidor<br />

1 - Prolegómenos<br />

É de todos sabido que numa relacüo de consumo o consumidor é a<br />

parte mais fraca, tendo em vista o poder económico do fornecedor. Tal realidade é<br />

de tal monta que o próprio ordenamento jurídico nacional o reconhece sem sombra<br />

de dúvidas, conforme a Lei 8.078/90, o Código de Protec3o e Defesa do Consumidor<br />

(CDQ:<br />

Art. 4o A Política Nacional das Relacoes de Consumo<br />

REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


RUULNSCAKIAXOJUNIOR<br />

tem por objetivo o aienüimento das necessidades<br />

Jos consumidores, o respeilo a muí dignidade, saíide<br />

e seguranca, a protecao de seus ¡nleresses<br />

económicos, a melhoria da stia qualidade de vida,<br />

bem como a transparencia e harmonía das relacoes<br />

de consumo, atendidos os seguinles principios:<br />

I - reconhecimento da vulnerabilidad^ do<br />

consumidor no mercado de consumo;<br />

Em vista disso, a fim de atender aos principios da isonomia ou da<br />

vulnerabilidade, da hipossuficiéncia, da transparencia, da boa-fé objetiva, e, em<br />

especial, aos principios do equilibrio e da equivalencia entre as parte contratantes,<br />

elementos básicos para a consccucao da just¡c.a, necessário se faz que o Estado<br />

atue de fonna a proteger o hipossuficiente na relac3o. Um breve estudo na historia<br />

económica revela que essa protec.no é materia recente, sendo fruto de um processo<br />

que se desenvolve desde o sc'culo XIX, ganhando forca principalmente após a II<br />

Guerra Mundial, tendo os Estados Unidos como o principal desenvolvedor da<br />

doutrina de protecüo ao consumidor.<br />

Entre nos a questüo é ainda mais recente, bastando verificar que o CDC<br />

é de setembro de 1990. Entremente, algumas leis esparsas anteriores a 1990 tocaram<br />

em alguns pontos concernentes á defesa do consumidor, mas sem a organicidade<br />

do atual código. É o caso do Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933. a chamada Lei da<br />

Usura, o qual estabelece o limite máximo de juros a ser cobrado nos contratos<br />

como o dobro da taxa legal, definida pelo decreto em 6% ao ano; em 1934 a<br />

Constituido lembrou-se de proteger a economía popular através dos artigos 114 e<br />

1<strong>15</strong>, conforme abaixo:<br />

Art. 1<strong>15</strong> - A ordein económica deve ser organizada<br />

conforme os principios dajustica e as necessidades<br />

da vida nacional, de modo que possibilite a lodos<br />

existencia digna. Dentro desses limites, é garantida<br />

a liberdade económica.<br />

Art. ¡17 - A lei promoverá o fomento da economía<br />

popular, o desenvolvimento do crédito e a<br />

nacionalizacao progressiva dos bancos de depósito.<br />

Igualmente providenciará sobre a nacionalizacao<br />

das empresas de seguros em todas as siius<br />

REVISTA JURÍDICA 1N VERBIS n. <strong>15</strong> - UI-RN l27


O DIREITO IX) C0NSUMIIX1R H OS BANCOS A DIGNIDADU DO CIDADAO X O PODhR ECONÓMICO<br />

modalidades, devendo constituirse em sociedade<br />

brasileira as estrangeiras que actualmente opercim<br />

no pais.<br />

Parágrafo único: E proibida a usura, que será<br />

punida na forma du lei.<br />

Seguindo-se a isso, vieram o Decreto-Leí n° 869, de 18 de novembro de<br />

1938 e o de n° 9.840, de 11 de setembro de 1946, tratando dos crimes contra a<br />

economía popular, e em 1951 a chamada Lei de Economía Popular, até hoje vigente.<br />

Aínda em 1962 é promulgada a Lei 4.137, a Lei de Repressüo ao Abuso do Poder<br />

Económico, a qual de maneira ¡ndireta beneficiava o consumidor, tendo cía também<br />

criado o Conselho Administrativo de Defesa Económica (CADE), o qual faz parte<br />

da estrutura do Ministerio da Justica.<br />

Somente em 1985 foi criado o Conselho Nacional de Defesa do Consu<br />

midor através do Decreto n° 91.469. Este Conselho foi extinto e substituido pela<br />

atual Secretaria de Direito Económico (SDE). O Decreto 2.181, de 20 de marco de<br />

1997 criou o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor- SNDC, o qual é integrado<br />

pelo SDE, "por meio do seu Departamento de Protecáo e Defesa do Consumidor<br />

(DPDC), e demais órgaos federáis, estaduais, do Distrito Federal, municipais e as<br />

entidades civis de defesa do consumidor." (Art. 2o)<br />

Fundamental para a consolidacao do Direito do Consumidor em nosso<br />

ordenamento foi a ¡nserc3o na CF 1988 da determinacao de que o Estado deveria<br />

promover a defesa do consumidor (Art. 5o, XXXI I), elevando-a a principio consti<br />

tucional (Art. 170, V). O legislador constituinte. sabedor das terríveis forcas inte-<br />

ressadas em que o Direito do Consumidor n3o fosse regulamentado, permanecendo<br />

apenas como urna boa intencao, mas de efeito nulo, cuidou de determinar no Art.<br />

48 do Ato das Disposicóes Constitucionais Transitorias (ADCT) que "O Congresso<br />

Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgacáo da Constituicao, elaborará<br />

código de defesa do consumidor." Apesar de n3o ter cumprido o prazo estabelecido,<br />

o Congresso elaborou o CDC, promulgado em 1990, como visto.<br />

A determinacao da criacao do CDC, a previsao da<br />

defesa do consumidor capitaneada pelo Estado e<br />

sua elevacao a principio geral da ordem económica<br />

nacional pela Constituicao indicara a relevancia<br />

do tema para o Pais. Será visto adiante, como a<br />

defesa e a protecdo ao consumidor está embasada<br />

1-8 REVISTA JURÍDICA IN VERB1S n. <strong>15</strong> - UFRN


RUBP.NSCARTAXO JÚNIOR<br />

2- Principios e Objetivos Fundamentáis<br />

em varios oulros principios conslilticionais.<br />

A CF 1988 é principiológica, como bcm disse o Prof. Paulo Lopo Saraiva<br />

em varias de suas aulas no Curso de Direito da Universidade Federal do Rio<br />

Grande do Norte (UFRN), tanto é assim que seu Título I denomina-se Dos Principios<br />

Fundamentáis. Em seu Art. Io, III, a CF 1988 erigiu com um dos fundamentos da<br />

República a dignidade da pessoa humana. Além disso, estabeleceu como objetivos<br />

fundamentáis da República a construcao de urna sociedade livre, justa e solidaria,<br />

a garantía do desenvolvimento nacional e a erradicacao da pobreza e da<br />

marginalizacao, bem como a reducao das desigualdades sociais.<br />

Em seu Art. 5o, o famoso Capítulo que contempla os Direitos e Garantías<br />

<strong>In</strong>dividuáis e Coletivas, o legislador constitucional garante a todos a igualdade<br />

perante a lei, a proibicüo taxativa de o cidadao ser submetido a tratamento desumano<br />

ou degradante, a ¡nvíolabilidade da honra e da imagem, e que o Estado promoverá<br />

adefesa do consumidor. Diz mais em seu § Io: "As normas definidoras dos direitos<br />

e garantías fundamentáis tém aplicaciio ¡mediata." (grifo nosso)<br />

Além desses, há ¡números outros principios disseminados em todo<br />

texto constitucional, como é o caso do já citado Art. 170, que enumera os principios<br />

que regem a ordem económica e financeira. Estes principios norteiam a interpretacao<br />

de todo texto constitucional e dos demais diplomas legáis, quer os recepcíonados<br />

pela nova ordem constitucional, quer os promulgados após a publicacao da CF<br />

1988.<br />

Neste sentido, todo e qualquer diploma legal que esteja em confronto<br />

ou em desacordó com estes principios na Constituicao enumerados, estao em<br />

confronto ou em desacordó com o espirito da Constituicao e s3o, portanto,<br />

¡nconstitucionais se promulgados após o advento da CF 1988, ou revogados se<br />

promulgados anteriormente.<br />

A importancia dos principios constitucionais n3o se resume a este<br />

aspecto negativo, mas tambcm tem um aspecto positivo, de informar materialmente<br />

os atos do poder público, a flm de se alcanzaros objetivos fundamentáis encartados<br />

na CF 1988.<br />

Como visto, os principios constitucionais, secundados pelos objetivos<br />

REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN 129


O DIKF.ITO 1X5 CONSUMIDOR t OS BANCOS A DlüNIDADi; DO CIDADÁO X O PODI:K ECONÓMICO<br />

fundamentáis, constituem a mens legis da Constituicao, devendo sua interpretado<br />

obedecer ao norteamento emanado desses principios. <strong>In</strong>terpretar a Leí ou a<br />

Constituicüo sem levar em conta os principios equivale a Ihes negar validadc e<br />

negar validade a um principio constitucional equivale a violar a própria Constituicao.<br />

3 — Constitucionalidadedo Direito do Consumidor<br />

Como visto ácima, a defesa do consumidor foi colocada em lugar estra<br />

tégico no texto constitucional, posto que o comando de o Estado promové-la<br />

encontra-se no Art. 5°, por todos sabido como cláusula pétrea. Tal localizado<br />

indica com clareza a relevancia com que o legislador constituinte tratou o tema. E<br />

n3o somente ¡sto, mas elevou ele a defesa do consumidor a principio geral da<br />

ordem económica (Art. 170, V CF 1988), atribuindo-lhe o mesmo status conferido<br />

aos principios da propriedade privada, da livre concorréncia, da presunc3o de<br />

inocencia, da soberanía nacional, dentre outros.<br />

Assim vistos, os direitos do consumidor s2o direitos<br />

constitucionalmente assegurados e pela Magna Carta determinados. Em<br />

conseqüéncia, o CDC, embora técnicamente lei ordinaria, tem nítida vocac3o<br />

constitucional, sua ratio esscndi é constitucional, posto que sua elaborac3o visa<br />

a dar eficacia a disposicfies da Constituicao da República.<br />

Cumpre, portanto, na aplicacao c interpretacao das normas cogentes<br />

comidas no CDC ter sempre em mente os principios e os objetivos constitucionais;<br />

ter em mente que a dignidade da pessoa está ácima do patrimonio; ter em mente<br />

que o consumidor, sendo a parte mais fraca na relacao, deve ser protegido, n3o<br />

como forma de privilegio, indevido na estrutura republicana, mas como forma de<br />

estabelecer um equilibrio, a fim de atender ao principio da igualdade.<br />

Pode-se ir mais além e afirmar convictamente que a defesa e a protec3o<br />

do consumidor é urna das maneiras de se alcancar os objetivos fundamentáis<br />

inseridos na Carta Magna de 1988.<br />

11 - O Poderío dos Bancos<br />

Ao analisar as normas que regem a atuacao dos bancos e outras insti-<br />

tuicoes financeiras parece-se estar em país distinto daquele que apresenta como<br />

130 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


RUBHNS CARTAXO JUNIOK<br />

principio fundamental a dignidade humana e como objetivos fundamentáis a<br />

constriicilo de urna sociedade justa e solidaria, a crradicacüo da pobreza e a rcducflo<br />

das desigualdades sociais. Chega a assustar, com será demonstrado, a flagrante<br />

oposicño dessas normas com os principios e objetivos fundamentáis vistos<br />

anteriormente.<br />

O primeiro exemplo encontra-se no Decreto-Lei n°911, de Iode outubro<br />

de 1969. Este diploma estabelece normas de processo sobre alienacito fiduciaria,<br />

dentre outras providencias. De sua leitura verif¡ca-se que o proprietário fiduciario<br />

possui um poder que desequilibra totalmente a relacao jurídica. E ná"o somente<br />

isto, estes poderes atentam contra a própria dignidade da pessoa humana.<br />

O Art. 3o do DL 911/69 estabelece que havendo inadimpléncia do<br />

devedor, o proprietário fiduciario poderá requerer busca e apreens2o do bem, a<br />

qual será concedida liminarmente, ou seja a lei ná"o permite sequer que o juiz<br />

analise a ocorréncia do periculum ¡n mora e ofumo boni iuris, posto que determina<br />

que a I ¡minar seja concedida, numa clara violáceo ao principio do livre<br />

convencimento do juiz.<br />

Vai mais além este artigo. Somente após executada a liminar é que o<br />

devedor será citado para, em tres dias, apresentar contestacao. Até parece piada.<br />

O Código de Processo Civil - CPC estipula o prazo para contestacao no processo<br />

de conhecimento, rito ordinario, em <strong>15</strong> (quinze) dias, no procedimento sumario, em<br />

10 (dias), prazo semelhante assinado para a niaior parte das execucSes a fim de o<br />

devedor apresentar seus embargos. Vé-se, portanto, que o DL 911/69 favorece<br />

tremendamente o credor fiduciario, pois num prazo de tres dias o devedor conseguir<br />

um advogado e este elaborar a contestacá"o n3o é tarefa das mais facéis. É patente,<br />

portanto, o desequilibrio, a favor do banco ou instituicao fiduciaria, da relac3o<br />

jurídica, claro desrespeito ao principio da isonomia.<br />

Mas nao fica somente por ai o favorecimento do credor fiduciario e o<br />

desfavor ao devedor. Na contestacao, a única coisa que pode ser alegada é o<br />

pagamento do débito vencido ou o cumprimento da obrigac^o (Art. 3o, § 2o).<br />

Também está assinado um prazo de 5 (cinco) dias após vencido o prazo para<br />

defesa para que o juiz prolate a sentenca, independente da avaliacao do bem.<br />

Contra esta sentenca cabe apelado, porém somente no efeito devolutivo, que n3o<br />

impedirá a venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente.<br />

Mais além vai o Decreto-Lei, pois determina que. caso o bem alienado<br />

fiduciariamente n3o seja encontrado ou se nao estiver na posse do devedor, "o<br />

REVISTA JURÍDICA INVERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN l31


O DIREITO DOCONSUMIIXIR II OS BANCOS A DIGNIDAD!-: IX1CIDADAO X O IHJDHK I.CONOMICO<br />

crcdor podcrú requcrcra convcrsao do pedido de busca c apreensüo, nos niesmos<br />

autos, em acao de depósito" (Art. 4o). Ou seja, o devedor poderá ser preso por ser<br />

considerado depositario infiel! Se isto n§o é atentar contra a dignidade humana, o<br />

que mais seria? Enviar um cidadao á prisao sem que tenha cometido nenhum crime<br />

ou nao tenha sido pego em flagrante delito e sem que tenha transitado em julgado<br />

sentenca que o declare culpado é atentatorio á dignidade humana, sendo isso<br />

frontalmente contrario á mens legis constitucional.<br />

Seria ingenuidade pensar que este diploma legal nao foi feito de enco-<br />

menda pura atender aos bancos c instituicocs fínaneciras. Nüo bastasse o<br />

desequilibrio natural entre a pessoa l'isica que contrata com o banco, tendo em<br />

vista o poder económico da instituicao, o próprio ordenamentojurídico Ihe conferc<br />

privilegios ¡naceitaveis, tendo em vista o principio da igualdade enlre as partes, o<br />

principio da ampia defesa e do contraditório e a estrutura republicana do País.<br />

Outro cxemplo candente do favorecimento dos bancos c instituicocs<br />

llnancciras pela Icgislacüo infraconstitucional é o Decrcto-Lei 70/66, que regula a<br />

cxecucSo extrajudicial, principalmente no que se refere aos artigos 30, parte final,<br />

31 c 38, os quais cstabcleccm contra o devedor do agente finaneciro:<br />

Vencida e nao paga a divida hipotecaria, no<br />

lodo ou em parle, o credor que houver preferido<br />

execulá-la de acordó com este decrelo-lei,<br />

formalizará ao agente fiduciario a solicilacao da<br />

execucüo da divida, inslruindo-a com os seguinles<br />

documentos<br />

Recebida a solicilacao da execucao da<br />

divida, o agente fiduciario, nos dez días<br />

subseqúentes, promoverá a noliftcaqao do devedor,<br />

por intermedio do Canario de Títulos e Documentos<br />

concedendo-lhe o prazo de vinte días para a<br />

purgacáo da mora<br />

Nao acudindo o devedor a purgacáo do<br />

débito o agente fiduciario estará de pleno direilo<br />

autorizado a publicar editáis e efetuar, no decurso<br />

dos <strong>15</strong> (quinze) días ¡mediatos, o primeiro leilao<br />

público do imóvel.<br />

Vé-se, mais urna vez, um diploma legal preparado de encomenda para os<br />

132 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


RlililiNSCARTAXO JÚNIOR<br />

bancos e instituicóes financeiras, cujo propósito é o de proteger o patrimonio<br />

dessas instituicoes, e isto de forma unilateral, sem a provocacüo ao judiciário e á<br />

revclia de varios principios constitucionais, tais como o principio da jurisdicao, do<br />

devido processo legal e do contraditório, além do principio da inafastabilidade,<br />

exprcsso no Art. 5o, XXXV da CF 1988: "a le¡ nao excluirá da apreciacao do Poder<br />

Judiciário lesüo ou ameaca a direito".<br />

O advogado Eurípedes Brito Cunha, em excelente artigo intitulado Exe-<br />

cucao exlrajudicial. A revogacao constitucional dos artigos 30, 31 e 38 do<br />

Decreto-Lei 70/66 (2000, p. I) descreve sucintamente o procedimento da execucao<br />

extrajudicial:<br />

O credor, ou suposlo credor estabelece,<br />

singularmente, o valor do seu crédito e notifica o<br />

devedor, ou suposto devedor, de que deve saldá-lo<br />

num prazo máximo de até 20 (vinie) días, sob pena<br />

de o imóvel a que está vinculado o débito resultante<br />

do empréstimo hipotecario ser leiloado. Nao há<br />

inlervencao judicial alguma.<br />

Salta aos olhos que o banco neste particular tem o poder de fazcr justica<br />

com as próprias müos, ou seja, ao cidadüo é vetado isto, salvo rarissimas excecóes<br />

como a legítima defesa ou o desforco imediato, tendo em vista que o Estado tomou<br />

para si a atribu¡c3o de jurisdicao - iusdicere - de dizer o direito. Caso o cidadao<br />

faca justica com as próprias m3os, incorre no crime de exercicio arbitrario das<br />

próprias razSes, tipificado nos Art. 346 e 346 do Código Penal - CP. A instituicao<br />

financeira, no entanto, está, estranhamente, autorizada a exercer suas próprias<br />

razfles!<br />

N3o é á toa, portanto, que os bancos e as instituicóes financeiras se<br />

¡nsurjam com todas as suas forcas, que como vimos n3o sao desprezíveis, para<br />

impedir que o CDC seja aplicado aos negocios jurídicos celebrados com seus<br />

clientes, apesar de o código ser extremamente claro no § 2o do Art. 3o ao incluir os<br />

bancos, ¡nstituicñes financeiras e seguradoras no ámbito de sua abrangéncia:<br />

§ 2" Servico é qualquer atividade fornecida no<br />

mercado de consumo, mediante remuneracao,<br />

inclusive as de natureza bancária, financeira, de<br />

crédito e securitária, salvo as decorrentes das<br />

relacoes de caráter trabalhista.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l33


O DIRLITO DO CONSUMIDOR K OS BANCOS A DIGNIDAOU DO CIDADÁO X O PODER ECONÓMICO<br />

£ patente que o legislador quis efelivamente incluir as relacoes dos<br />

bancos com seus clientes dentro da área de prolecdo do CDC, principalmente<br />

porque éjustamente nessas relacoes que afragilidade do consumidor e o poderío<br />

do fornecedor se revelam de forma mais marcante e mais contundente. Um<br />

rapidíssimo exemplo desse terrlvel desequilibrio é o do contrato de mutuo. Quando<br />

o cidadao deposita seu dinheiro no banco, quer seja numa conta de poupanca<br />

quer seja numa conta de invest ¡mentó, este ¡he remunera com juros que varlam<br />

de 0,65% a 1,5%. no máximo 2% ao mes. Entretanto, caso o cliente deseje um<br />

empréstimo, lera que pagarjuros de 9% a <strong>15</strong>% ao mes, na melhor das hlpóteses!<br />

Nao é sem razao que os bancos n3o desejem que o Estado coíba suas<br />

práticas abusivas, pois leriain urna reducSo enorme em seus lucros anuais, que s3o<br />

fabulosos. Assim, desde o primeiro momento questionaram aaplicacáo do CDC ás<br />

suas operacOes, ¡nicialmente com a tese de que o CDC fala de servicos, mas na"o de<br />

operacóes, logo, suas operacóes estariam de fora do ámbito do CDC. A<br />

jurisprudencia na primeira instancia tem rechacado esta tese. O próprio Superior<br />

Tribunal de Justi?a (STJ) n3o acolheu a tese absenteísta dos bancos e<br />

tem entendimento uniformizado sobre a api¡cacao<br />

do Código de Defesa do Consumidor aos contratos<br />

entre o consumidor e o as <strong>In</strong>stituicoes Bancárias e<br />

impoe a boa-fé ás condutas das <strong>In</strong>stituicoes<br />

Financeiras por exemplo, em casos de extravio de<br />

cheque (RESP 238.016-SP e 239.702-RJ), recusa<br />

de exibicao de documentos (RESP 245.660-SE e<br />

207.310-DF), manutencao do nome do devedor em<br />

cadaslro quando a contestacüo judicial da divida<br />

(RESP 255.266-SP, 200.267-RS. 164.542-RS,<br />

262.672-SE.) multa moratoria (RESP 213.825-RS,<br />

235.200-RS, 231.208-PE, e 57.974.) capitalizaqao<br />

dejuros (RESP 235.200-RS, 258.647-RS e 244.076-<br />

MG) cumulacao indevida da comissao de<br />

permanencia 9RESP 287.828-SP, Min. Barros<br />

Monteiro e AGA 296.516-SP, Min. Fútima Nancy<br />

Andrigi), denegaedo da elelcao deforo privilegiado<br />

(RESP 190.860-MG, <strong>15</strong>9.931-SP, 201.195-SP, Min.<br />

Ry Rosado de Aguiar), poupanca (RESP 106.888-<br />

PR, Min. César Asfor Rocha). (Oliveira, 2002. p. 4)<br />

Rl-VISTA JURÍDICA IN VliRUIS n. <strong>15</strong> - UFRN


KUHUNSl'AKIAXOJUNIOK<br />

Também o Tribunal de Justica do Estado do Rio Grande do Norte -<br />

TJRN tem firmado jurisprudencia no sentido de agasalhar os contratos celebrados<br />

entre os bancos e seus clientes no ámbito do direito consumerista.<br />

EMENTA: A cao ordinaria de revistió de cláusulas<br />

conlraiuais. Leasing. <strong>In</strong>cidencia do CDC. I. Nos<br />

contratos de leasing, ein regra, ha a incidencia da<br />

norma consumerista, havendo possibilidade de<br />

revisao de cláusulas ¡idus como abusivas.<br />

Precedentes do STJ. 2. Capitalizacao de juros.<br />

Impossibilidade emface de expressa vedacao legal.<br />

Súmula 121 do STF. 3. Cumulacao de comissao de<br />

permanencia coi» correcao monetaria. Remunera-<br />

coes que Icm por Jim a manutencao do valor real do<br />

capital em caso de inadimplemento. <strong>In</strong>devida a<br />

cumulacao entre estas, devendo ser mantida apenas<br />

a correcao monetaria. Sumida 30 do STJ. 4. Mulla<br />

por inadimplemento ácima do percentual máximo<br />

ditado pelo CDC. Reducao para os índices legáis.<br />

5. Correcao calculada sobre a TR (Taxa<br />

Referencia!). Possibilidade de suhslituicao do índice<br />

pelo IGPMpor melhor refletir a correcao monetaria.<br />

6. Revisao de juros contratuais. Possibilidade em<br />

face da manutencao do equilibrio contratual. 7.<br />

Improvimento do apelo. Manutencao da sentenca<br />

atacada. (TJRN - Apelacao Cível n" 01.001816-6 -<br />

Natal/RN. Ia C. Civ. Reí. Des. Aécio Marinho. 19/<br />

11/2001)<br />

RKVISTA JURÍDICA IN VI-KI1IS n. <strong>15</strong> UI'RN<br />

EMENTA: Civil - Contrato bancário - Nulidade de<br />

cláusulas contratuais - <strong>In</strong>cidencia do CDC. I. As<br />

inslituicoes bancárias estao submetidas as<br />

disposicoes do CDC, havendo possibilidade da<br />

revisao dos contratos de crédito sob a ótica da norma<br />

consumerista. II. Mulla contratual de 2% (dois por<br />

cenlo) sobre o valor da prest aciío em atraso, jixada<br />

de acordó com o art. 52, § I "do CPC, com redacao<br />

dada pela Lei n" 9.298/96. III. Cumulacao de


O DIRII ro DO CONSUMIDOR E OS HANCOS A DIGNIDADF. DO CIDADÁO X O PODER ECONÓMICO<br />

comissdo de permanencia com correcao monetaria.<br />

Remuneracao que lem por Jim a manulencao do<br />

valor real do capital em caso de inadimplemento.<br />

<strong>In</strong>devida a cumulacao entre estas, devendo ser<br />

manuda apenas a correcao monetaria. Sumida 30<br />

do STJ. IK Recurso conhecido e impróvido. (TJRN -<br />

ApelucQo civel n" 00.002431-7 - Natul/RN, Ia C.<br />

CVv. Reí. Des. Manuel dos Santos. 17/02/2003)<br />

Em seu voto proferido na apreciacSo do agravo de instrumento n°<br />

00.002793-6 - Natal/RN, o excelentíssimo senhor desembargados Dr. Amaury Moura<br />

Sobrinho foi incisivo em caracterizar o contrato bancário, no caso concreto de<br />

abertura de conta corrente, como uní contrato acobertado pelo CDC.<br />

Pártanlo, a relacao de consumo está devidamente<br />

configurada, bem como afigura do consumidorfinal,<br />

pois este contrato de abertura de conta corrente,<br />

corresponde a urna preslacao de servico efelivado<br />

pelo Banco, ora agravante, ao cliente agravado,<br />

encontrando esta relacao jurídica guarida no<br />

Código de Defesa do Consumidor.<br />

O insigne prof. Amoldo Wald desenvolveu urna tese afirmando que o<br />

CDC n3o é aplicável aos contratos bancários, á excec3o dos contratos de aluguel<br />

de cofres, pois dentre os produtos referidos no Art. 2o da Leí 8.078/97 n3o se<br />

incluiriam o dinheiro ou o crédito, pois estes nao sao "consumidos" pelo cliente,<br />

mas utilizados para adquirir o produto final desejado (um imóvel, um automóvel,<br />

jóias, fazer urna viagem de ferias, etc.). O argumento parte da defini?3o de que só é<br />

re I aguo de consumo quando o produto c usado pelo cliente como destinatario<br />

final; se ele vai usar o dinheiro para comprar um outro produto, ai sim há urna<br />

relacao de consumo e n3o na anterior (banco - cliente) posto que ela nño está no<br />

final da cadeia económica.<br />

Este argumento, embora inteligente, nüo tem convencido a maioria da<br />

doutrina e da jurisprudencia, conforme dito ácima, principalmente porque, no caso<br />

do banco, seu produto é o dinheiro e o crédito. <strong>In</strong>teressante é notar que no próprío<br />

jarg3o bancário a conta de depósito, a caderneta de poupanca, a abertura de<br />

crédito (cheque especial), as contas de investimento s3o chamados de "produtos".<br />

<strong>In</strong>conformadas com a direcao tomada pela doutrina e pela jurisprudencia,<br />

essas ¡nstituicóes nSo se deram por vencidas e impetraran! junto ao Supremo<br />

136 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


RUHKNSCARTAXO JÚNIOR<br />

Tribunal Federal (STF) a Acao Direta de <strong>In</strong>constitucionalidade (ADIN) n° 2591, a<br />

chamada "ADIN dos bancos"' através da Confederacao Nacional do Sistema<br />

Financeiro (CONSIF), que congrega a Federacüo Nacional das Empresas<br />

Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliarios, a Federacao Nacional dos Bancos,<br />

a Federacao <strong>In</strong>terestadual das <strong>In</strong>stituicdes de Crédito, Financiamento e<br />

<strong>In</strong>vestimentos, e a Federacao Nacional das Empresas de Seguros Privados e<br />

Capitalizado, cujo objetivo principal é que sejam desconsiderados os "servicos<br />

bancários como relacóes de consumo".<br />

A linha-mestra da argumentado desta ADIN é de que o CDC, por ser lei<br />

ordinaria, nao pode regular o funcionamento do sistema flnanceiro nacional, pois<br />

segundo a CF 1988, somente unía lei complementar poderia fazé-lo. Assim sendo,<br />

os negocios bancários firmados com os clientes n3o estariam tutelados pelo CDC.<br />

Mas De Lucen discordavajá desse raciocinio.<br />

A lei ordinaria pode incidir sempre que nao há<br />

reserva constitucional de que sua materia deve ser<br />

tratada por lei complementar. A lei deve ser aplicada<br />

segundo seu sentido razoável. Como entender que o<br />

CDC, lei ordinaria nao se aplica, enquanto outras<br />

leis ordinarias, como a própria lei n" 6.404/76 que<br />

regula as sociedades por acoes (sendo o banco<br />

obrigatoriamente desta especie), ou a lei que<br />

disciplina a materia de imposto sobre a renda,<br />

aplicam-se? Acaso um banco já discordou da inci<br />

dencia da Lei das Sociedades por Acoes?<br />

(Dallagnol, 2002, p. 9)<br />

Outro aspecto importante é que o CDC nao se arvora a regulamentar o<br />

sistema financeiro nacional, mas as relacóes de consumo entre o cliente e o banco.<br />

O CDC, por exemplo, nao determina como deve ser feita urna transferencia eletrónica<br />

através do Sistema Brasileiro de Pagamentos - SBP ou o que deve constar numa<br />

guia de depósito, ou ainda como se fazer saques com a utilizacao de cartóes<br />

magnéticos. Logo, percebe-se que a argumentacao da ADIN deseja evidenciar o<br />

que no CDC n3o está contido.<br />

Cabem aínda duas indagacoes: se os bancos<br />

entendem que nao se Ihes aplicam as disposicoes do<br />

CDC. como podan utilizarse dos cadastros de<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l37


O l)IRI-:iTO IX) CONSUMIDOR i: OS BANCOS A DIÜNlIMDi: 1X1 CIDADÁO X O K1DI.K liCONÓMICO<br />

reslricao ao ere Jilo pura conslranger consumidores.<br />

e que lóm fundamento legal justamente no Código<br />

do Consumidor? Se nao querem sujeitar-se á leí no<br />

que Ihes e desvuntajoso, nao podem déla servi-se<br />

apenas no que Ihes é favorável (Oliveira Júnior,<br />

2002, p. 2)<br />

Atualmente a ADIN 2591 encontra-se com seu julgamento suspenso<br />

devido ao pedido de vista dos autos pelo Ministro Nelson Jobim, tendo dois<br />

ministros já se manifestado: o Relator, Ministro Carlos Velloso, que proferiu voto<br />

no sentido de que n3o ha confuto entre as normas do CDC e as que regulam o<br />

Sistema Financeiro Nacional, devendo o CDC ser aplicado ás atividades bancadas,<br />

excetuando a questa*o dos juros de 12% ao ano, a ser tratada por leí complementar,<br />

conforme decidido na ADIN n°4-7/DF; também votou o Ministro Néry da Silveira,<br />

"que decidiu pela improcedencia da ADIN n° 2591, pois se nao há confuto entre o<br />

Código e o art. 192, da Constituido, nulo há que se falar em inconstitucionalidade."<br />

(Dallagnol,2002,p. 10)<br />

111 - O Que Deve Prevalecer, a Dignidade Humana Ou O Poder Económico?<br />

A resposta a esta questá~o é crucial para o País, na medida em que<br />

curvar-se o ordenamento jurídico ao poder económico dos bancos equivale a<br />

negar o espirito da Constituicao e admitir que em nossa estrutura republicana há<br />

sujeitos de direito mais iguais do que os outros.<br />

Como visto, o legislador constituinte deixou claro que os principios<br />

fundamentáis que norteiam a estruturac3o do País sá"o, dentre outros, a cidadania<br />

e a dignidade da pessoa humana. Também foi claro ao estipular que s3o objetivos<br />

fundamentáis da República a construcSo de urna sociedade livre, justa e solidaria;<br />

o desenvolvimento nacional; a erradicac2o da pobreza e a rcducüo das<br />

desigualdades sociais.<br />

Para alcancar estes fins, varios outros principios foram elencados, tais<br />

como os principios dajurisdicáo, da presuncáo de inocencia, docontraditório e da<br />

ampia defesa, além do principio da defesa do consumidor. Também para atingir<br />

aqueles fins, estruturou a CF 1988 a ordem jurídica, social e económica nacional,<br />

ou seja, tudo deve concorrer para que os objetivos fundamentáis expressos no<br />

Art. 3o sejam alcancados, reputando-se inconstitucional ou revogado tudo o que<br />

138 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


KIJI1I NSCARTAXO JÚNIOR<br />

impedir a consecucao daqueles objetivos.<br />

Em assim sendo, verifica-se que os diplomas legáis citados como exemplo<br />

do inigualável poder dos bancos, Decretos-Leí n°" 91 1/69 e 70/66, estüo rcvogados<br />

em tudo o que contrarié a CF 1988, posto que n2o atendem nem se coadunam,<br />

antes ao contrario, afrontam, a Magna Carta vigente.<br />

<strong>In</strong>icialmente observa-se que esses normativos foram produzidos por<br />

um regime de excecao, através de um mecanismo execrado pela democracia, o<br />

famigerado decreto-leí, express3o do autoritarismo que grassou em nossas térras<br />

da década de 60 á década de 80, cuja promulgado escorou-se nos nüo menos<br />

execráveis Atos <strong>In</strong>stitucionais, expressao máxima daquele autoritarismo.<br />

N3o bastasse sua origem espuria, seu conteúdo, como visto, prima pela<br />

mais desbragada ¡njustica ao conferir todo poder a urna das partes na relajo<br />

jurídica, por sinal a mais forte, como se o forte precisasse de ainda mais forca,<br />

reservando ao cidadáo o papel de grao a ser moido pela estrutura por eles forjada.<br />

O DL 911/69 atenta contra a dignídade humana ao prever a pr¡s3o por<br />

divida, quando estabelece que o credor pode transformar a acño de busca e<br />

apreens3o em ac5o de depósito. Qual a finalidade dísso se nao conferir ao credor<br />

fiduciario um poder coercitivo que ncnhum outro tipo de credor possui, num claro<br />

confronlocom o espirito da CF 1988? ¿inconcebível que o urdcnamcnlo jurídico<br />

permita a transformac,3o unilateral de um contrato de urna natureza em outro. E urna<br />

afronta aos principios da isonomia, da liberdade de contratar e da mutualidade,<br />

pois o devedor nao participa desta decisao, apenas sofre suas conseqüéncias.<br />

Ainda outro ponto é claramente contrario á Constituic^ío e seus principios<br />

no DL 911/69: o procedimento da cobranca da divida inadimplida fere os principios<br />

do contraditório, da ampia defesa e da própria livre convicio do juiz, vez que<br />

determina que o julgador deverá conceder a liminar de busca e apreens3o.<br />

Já o DL 70/66, que trata da execu^áo extrajudicial, confere as instituic,5es<br />

tlnanceíras o poder exercer impunemente suas próprias razSes, indo mais além,<br />

estabelecendo elas próprias o quantum devido pelo outro contratante. Este poder<br />

atenta frontalmente contra o principio da jurisdicáo, do monopolio jurisdicional do<br />

Estado. Atenta também contra o principio do contraditório e da ampia defesa, pois<br />

o devedor é notificado a pagar a quantia que o banco diz que ele deve, sob pena de<br />

perder o imóvel hipotecado.<br />

Ora. a CF 1988 é clara cm afirmar que "ninguém será privado da liberdade<br />

ou de seus bens sem o devido processo legal" (Art. 5o. Ll V). Tomar o bem hipotecado<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l39


O OIKI-ITO IX) CONSUMIDOR \l OS BANCOS: A PIGNIDADL DO CHMDÁO X O I'ODIÍR IX'ONÓMICO<br />

scm a manifestacao judicial é claramente urna violenta afronta á Constituicüo, nüo<br />

somente quanto a este dispositivo, mas também ao inciso XXXV deste artigo, o<br />

qual expressa o principio da inafastabilidade da jurisdicüo.<br />

Vé-se, com clareza, que estes normativos, resquicios do autoritarismo,<br />

sao completamente ¡ncompatíveis com o atual regime democrático que ora vive o<br />

País e francamente afrontosos ao espirito da CF 1988, á intenc3o do legislador<br />

constituinte, aos principios e objetivos fundamentáis constitucionais.<br />

Claro está que as instituicoes financeiras, crediticias, securitárias e ban-<br />

cárias nao querem perder os privilegios a que estSo acostumados de longa data e<br />

estáo lutando com todas as sua forcas para que seja mantido o status quo. O CDC<br />

e sua aplicnc.So as rclacSes bancarias significa a destruicüo dcsses privilegios<br />

descabidos e intoleráveis numa república democrática, e por isso devem lutar<br />

todos os profissionais do Direito, a fim de termos urna sociedade mais justa e mais<br />

equánime.<br />

Ao revés disso, a aplicacao do CDC a todas as relacóes de consumo,<br />

inclusive as bancarias e securitárias, é meio idóneo para alcancar a construc3o de<br />

urna sociedade mais justa, com menos explorado e com maior garantía para a<br />

sociedade. É urna das formas de se proteger a dignidade humana e fazer valer a<br />

boa-fé objetiva nos contratos, perseguindo sempre a consecuc3o da justica.<br />

Quer se analise a questao sob o prisma jurídico, quer se analise sob o<br />

prisma da justica social, a aplicado do CDC aos contratos bancários é nSo so<br />

cabivel como imperativo.<br />

IV- Referencias Bibliográficas<br />

BRASIL. Código Comercial. Obra coletivade autoría da Ed. Saraiva com a colabo<br />

rado de PINTO, Antonio Luiz de Toledo, WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos<br />

e SIQUE1RA, Luiz Eduardo Alves de. 16 ed. Sao Paulo: Saraiva, 2001.<br />

BRASIL. Código Penal. Obra coletiva de autoría da Ed. Saraiva com a colaborado<br />

de PINTO. Antonio Luiz de Toledo. WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos e<br />

CÉSPEDES, Livia. 40 ed. S3o Paulo: Saraiva, 2002.<br />

BRASIL. Código de Protec3o e Defesa do Consumidor. Nova ed. rev., atual. e ampl.<br />

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140 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


RUBI.NSCAR7AXO JÚNIOR<br />

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BRASIL. TJRN. Apelacáocível n"00.002431-7-Natal/RN. IaCámaraCível. Reí.<br />

Des. Manoel dos Santos, 17/02/2003, disponível em . acesso em 17/04/2003.<br />

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13 de dezembro de 2002.<br />

GARMS, Ana María Zauhy. Cláusulas abusivas nos contratos de adesáo á luz do<br />

Código do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, a. l,n. I8,ago. 1997. Disponível<br />

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RHVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> ■ UFRN m


O DIRLIIO IX)CONSUMIDOR U OS BANCOS A IJIGNIDADE DOCIDADÁO X O I>ODI£R IXONOMICO<br />

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a. 6, n. 47, mar. 2002. Disponível em: . Acesso em: 16 de dezembro de 2002.<br />

OLÍ VEIRA, Celso. O STF, o direito do consumidor e os contratos bancários. Jus<br />

Navigandi, Teresina, a. 6, n. 57, jul. 2002. Disponível em: . Acesso em: 13 de dezembro de 2002.<br />

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dor. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: . Acesso em: 16 de dezembro de 2002.<br />

RÉGO, Werson Franco Pereira e RÉGO, Oswaido Luiz Franco. O Código de Defesa<br />

do Consumidor e o Direito Económico. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 55, mar.<br />

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eñes entre clientes e instituicSes bancárias. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 57,<br />

jul. 2002. Disponível em: .<br />

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VON RONDOW, Cristian de Sales. Protecao constitucional do consumidor. Jus<br />

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2002.<br />

142 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UI'RN


ADOCÁO NACIONAL<br />

Renata Veras Rocha<br />

Académica do 9o periodo do Curso de Direito<br />

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN<br />

Bolsista do Programa de Recursos Humanos da Agencia Nacional do Petróleo<br />

l.<strong>In</strong>troducSo<br />

(PRH AN P/MCT 36 - Direito do Petróleo e Gas).<br />

Durante sua evolucao, o instituto da adocáo se apresentou sob as mais<br />

variadas facetas. Suas características, efeitos e demais aspectos adequaram-se as<br />

tendencias e aos costumes de cada época, sofrendo transformacSes que foram<br />

enquadradas pela legislacSo que o disciplinou. Tendo em vista essa amplitude de<br />

conteúdo referente ao assunto, em contraposicSo ao pequeño espaco disponível<br />

em sede de um artigo, o trabalho que ora se inicia pretende abordar principalmente<br />

os aspectos jurídicos vigentes em relacüo á adocao. Outrossim, ressalte-se que se<br />

objetiva comentar os mais relevantes pontos do procedimento quando requerido<br />

por nacionais ou estrangeiros que aqui residem, isto é, a chamada adocSo nacional1.<br />

Quando o requerente pretende levar o adotado para o exterior, configurando-se<br />

adoc3o internacional, há peculiaridades jurídicas que fogem á exigüidade deste<br />

artigo. Delimitado o campo de abrangéncia, imprescindível se faz destacar que o<br />

presente ensaio vislumbra servir nSo somentc aos estudiosos do direito, mas<br />

também aos demais interessados no assunto, fomecendo informacSes a todos os<br />

que valorízam um instituto de tamanha importancia face ás desigualdades sociais<br />

do Brasil. De fato, sabe-sc que o modo pelo qual se comportam os fatores afelivos<br />

durante a fase de desenvolvimento do ser humano representa urna fúñelo vital<br />

para a saúde mental futura desse individuo, e que a familia c o lar mostram-sc<br />

insubstituíveis para a adequada formacüo da sua personalidade. E a adocáo consiste<br />

na resposta mais digna da sociedade ao problema das enancas, jovens e até mesmo<br />

dos adultos sem lar, tudo de acordó com o que será exposto a seguir.<br />

2. Conceito<br />

A alternativa de se inserir alguém numa familia substituía merece con-<br />

sideracSo apenas quando todas as possibilidades de sua manutencSo na familia<br />

' Tanto os nncinnais qtianlo os esliangcinK que reúdem no Rrasil cMio cnquadraJos pelo Iralnmcnio da adorno<br />

iwunul iIcykIo i'i ÍM>tiinn>ii emre ¡niilxis. nmami/mb pelo ni/'»/ ün !ini|»i y 1U1 Cimvintin,A I cik-r.il de I ')KX<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. \5 - UFRN


RENATA VURAS ROCHA<br />

natural sejam descartadas, tratando-se de eficaz providencia em relacao a enancas<br />

e adolescentes cujos direitos fundamentáis encontrem-se ameacados ou<br />

suprimidos. A respeito disso, o ordenamento jurídico brasileiro prevé,<br />

exaustivamente, tres formas de colocacáo da enanca ou adolescente em uma familia<br />

substituta: guarda, tutela c adocüo (art. 28 da lei 8.069/90 - Estatuto da Crianca c<br />

do Adolescente - ECA). A aplicado de quaisquer dessas medidas pode ocorrer<br />

somente de modo excepcional e se devidamente comprovada a sua real necessidade.<br />

No que se refere á guarda e á tutela, conservam divergencias entre si,<br />

mas ambas tém como principal aspecto em comum o fato de serem transitorias. A<br />

guarda "visa prestar assisténcia material, moral c educacional ao menor,<br />

regularizando sua posse de fato" (Diniz, 2000, p.426), podendo inclusive ser deferida<br />

de forma liminar nos procedimentos de tutela e adocao. Enquanto isso, a tutela<br />

representa "uní complexo de direitos e obrigacóes, conferidos por lei, a um terceirp,<br />

para que proteja a pessoa de um menor, que nüo se acha sob o patrio poder [hoje<br />

denominado poder familiar], e administre seus bens" (Op.cit, p.439). A adocao, por<br />

sua vez, é a mais radical e completa das medidas elencadas, tanto que perdura,<br />

¡rrevogavelmente, por toda a vida da pessoa, podendo inclusive ser aplicada n3o<br />

apenas em criancas e adolescentes, mas igualmente em maiores de idade,<br />

obedecendo-se ás disposieñes do Código Civil de 2002 (CC).<br />

A própria palavra "adocSo" traduz sua idéia primordial, qual seja, a<br />

"accitacao" de alguém como filho. <strong>Jurídica</strong>mente falando, pode-sc conccituá-la<br />

como uma modalidade artificial de filiac3o, em que se insere o adotando,<br />

definitivamente, numa familia substituta, n3o resultante de relacao biológica, mas<br />

de uma sentenca judicial. O ato de adocao faz com que uma pessoa passe a gozar<br />

do estado de filho de outra, com os direitos e deveres ¡nerentcs a essa situacSo,<br />

independentemente de vínculo biológico. É seu pressuposto a integracáo do<br />

adotado na nova familia, rompendo-se os vínculos com seus familiares<br />

consanguíneos, salvo os impedimentos matrimoniáis (art.41, capul, ECA e 1.626,<br />

capul, CC).<br />

Uma vez realizada a adocao, será proibida qualquer discriminac3o em<br />

relac3o ás outras formas de filiacao, tendo em vista que a Constituyo Federal de<br />

1988 (CF), no artigo 227, § 6°, afirma que "Os filhos, havidos ou nao da relacao do<br />

casamento, ou por adoc3o, terSo os mesmos direitos e qualificaedes, proibidas<br />

quaisquer designares discriminatorias relativas á filiacao".<br />

144 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>- UFRN


3. Legislacáo Aplicávcl<br />

ADOCAO NACIONAL<br />

No Código Civil de 1916 (CC 1916), a adoc^o era regulada nos artigos<br />

368 a 378, e o norte dado por esse diploma em relac,3o ao instituto pautava-se na<br />

idéia central de prioridade do interesse dos país que n2o pudessem gerar uma<br />

prole. Assim. deixava-se em posi^ao secundaria qualquer preocupado com o<br />

adotado. Atualmente, a disciplina legal do tema em estudo, contrariando essa<br />

tendencia e colocando em primeiro plano a situacáo do individuo a ser adotado,<br />

encontra-se inserida básicamente no Estatuto da Crianca e do Adolescente e no<br />

vigente Código Civil. Existem, porém, alguns questionamentos doutrinários acerca<br />

da relac3o de vigencia entre ambos os diplomas.<br />

Em 1990, quando do advento do ECA, a adoc3o de crianzas e<br />

adolescentes passou a ser regida por esta lei. porém continuaram vigentes os<br />

dispositivos do CC 1916 para adoc3o de maiores de 18 (dezoito) anos, n3o<br />

abrangidos, em regra, pelo ECA. Desse modo, havia dois tratamentos legáis em<br />

relac3o ao instituto, variando de acordó com a idade do adotando, ou seja, quando<br />

fosse maior de 18 (dezoito) seria englobado pelo CC 1916; nos demais casos, pelo<br />

ECA. Importa destacar que embora este se refira, em geral, á adoc3o de pessoas até<br />

18 (dezoito) anos, excepcionalmente incide sobre adotandos de até 21 (vinte c uní)<br />

anos, quando, ao terem completado aquela idade, já estivessem sob guarda ou<br />

tutela do adotante (cf. art.40). Essa disciplina excepcional prevalece ainda hoje.<br />

Prosseguindo, a despeito de terem ambos os diplomas (CC 1916 e ECA)<br />

permanecido em vigor, percebe-se que os principios informadores daquele código<br />

colidiam em muito com os trazidos pelo Estatuto. De fato, ao passo que o CC 1916<br />

priorizava os ¡nteresses dos pais, deixando os do menor em segundo plano, o ECA<br />

consolidou a teoría da protec3o integral, segundo a qual o centro de todas as<br />

atencóes é a crianca ou o adolescente, considerado-o sujeito de direitos. Essa<br />

idéia foi mencionada também pela Convencáo sobre os Direitos da Crianca2, art.<br />

03°: "Todas as agdes relativas ás enancas, levadas a efeito por instituiedes públicas<br />

ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgaos<br />

legislativos, devem considerar, primordialmente, o ¡nteresse maior da cr¡anc.a ".<br />

Ao contrario, a adocáo regida pelo CC 1916, classificada de "simples",<br />

-' Adolada pela Assemblcia Gcral das Nacócs Unidas em 20 de noxcmbro de 1989, subscnla pelo Govemo brasilciro<br />

cm 26 de Janeiro de 1990 c aprovada pelo Senado Federal pormeiodo Decreto Ixgislalivo n. 28, de 14 de Miembro<br />

Je IWO<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN<br />

145


RENATA VERAS R(XIIA<br />

nüo conferia lodos os direitos de filho ao adotado, mas formava um vínculo restrito<br />

a este e seu adotante, podendo ser realizada por escritura pública e n3o extinguindo<br />

os direitos e deveres do adotado com sua familia biológica, salvo o patrio poder<br />

(art. 378 CC 1916). Com a promulgacao da CF, levantaram-se questionamentos<br />

quanto a essa especie adotiva, tendo em vista que a Carta Magna estabeleceu em<br />

seu artigo 227, § 5o que a adocáo deve ser assistida pelo Poder Público, além de<br />

consagrar, no § 6o do mesmo artigo, a igualdade entre as diversas formas de fil ¡acSo.<br />

Essas disposicdes colocavam em cheque a possibilidade de permanencia de urna<br />

adocüo restrita, questao superada com a chegada, em 2002, do atual código civil.<br />

Com a vigencia deste código, revogou-se por completo a disciplina do<br />

CC 1916.0 novel diploma veio inspirado no ECA e nos dispositivos constitucional,<br />

condicionando o deferimento da adocüo á comprovacüo de reais ¡nteresses ao<br />

adotando e o sujeitando sempre á necessidade de procedimento judicial (art. 1.623.<br />

parágrafo único). Nüo ocorreu, com seu advento, revogacüo do Estatuto1, tanto<br />

pela especialidade desta lei, quanto pelo fato de que o CC trouxe disposicSes que<br />

se harmonizan! com as estatutarias, reforjando a nobreza do instituto da ado^üo e<br />

o acatando somente em sua forma plena, ou seja, que confere todos os direitos de<br />

filho ao adotado.<br />

O enfoque da adocüo moderna leva em conta, sobretudo. a pessoa e o<br />

bcm-cstar do adotando, antes dos ¡nteresses dos adotantcs. Ncssc sentido,<br />

percebe-se que. com a vigencia do CC, nüo houvc allcracüo significativa da filosofía<br />

e estrutura do Estatuto, embora haja omissüo daquele quanto a alguns pontos,<br />

como no tocante ao estágio de convivencia e ao cadastro das familias inleressadas<br />

em adotar, que nüo forain abordados em seu texto. Segundo Venosa, "no novo<br />

código, a adocüo de maiores de 18 anos deve seguir essa lei, nada ¡mpedindo que.<br />

se continué a aplicar o ECA, até que seja a materia regulamentada" (2002. p.323). O<br />

pcnsamcnlo desse autor chega á acertada conclus.au de que, com u leilura córrela<br />

do CC, a adocSo de maiores terá a mesma amplitude da disposta pelo Estatuto, até<br />

porque nSo mais se admite qualquer distincüo de categorías de filiacüo (2002,<br />

p.306). Também nesse sentido, o ensinamento de José Luís Alicke e Roberto<br />

Barbosa Alves, a seguir citado:<br />

' I <strong>In</strong> quero considere Icrctn sido revocadas as dispoM^iVs do hC'A referemes á aduyl» nacional Ne»se xmtidu. leía<br />

se o artigo do Alc\ Sandr» Rilx-ir>i (2


4. Naturcza <strong>Jurídica</strong><br />

AIXX.ÁO NACIONAL<br />

Fica evidente, comojáressallado, ofiní da dicotomía<br />

entre as formas de adocao para maiores e menores<br />

de 18 anos. A adocao é, agora, urna só; e o Novo<br />

Código Civil demonstra intencao de dirigirse<br />

tambéin a cr¡ancas a adolescentes (art. 1.621 e<br />

parágrafos, art. 1.623 parágrafo único earl. 1.624).<br />

A unidade conceitual nao evita, cornudo, a<br />

persistencia de algumas peculiaridades do<br />

tralamento da adocao do maior de 18 anos,<br />

conforme se verá odiante. (2002, p.03).<br />

O ordenamento jurídico brasileiro vigente prevé urna serie de determi-<br />

nacñes e restribes em relacao á adoc3o, o que demonstra marcante interesse<br />

público. Afasta-se, definitivamente, a noc3o de contrato que existia em relacSo ao<br />

instituto, tendo em vista que n3o se mostram suficientes as vontades das partes<br />

para que haja a sua concretizaca"o, fazendo-se necessária a obediencia a todos os<br />

requisitos estipulados pela legislado em vigor.<br />

Táo evidente se mostra o ¡nteresse público relevante envolvido no<br />

assunto que o Ministerio Público deve dele participar necessariamente (art. 202<br />

ECA), mesmo nos casos em que se trate de adoc3o de maiores (art. 82, 11, CPC),<br />

pois se refere sempre a urna questSo de estado. Esta posic3o tem sido adotada<br />

pelos diversos tribunais, inclusive expressamente disposta no site do Tribunal de<br />

Justica do Rio Grande do Norte, in verbis: "A adocño de maiores de dezoito (18)<br />

anos dependerá, igualmente, de processo judicial, com a ¡ntervencáo do Ministerio<br />

Público". (Disponível no endereco virtual: http://www.tj.rn.gov.br/destaques/<br />

novo_codigo_adocao.html).<br />

Consolidou-se, portanto, o entendimento segundo o qual a acáo de<br />

adocño é de estado, com caráter constitutivo, através da qual se confere, para<br />

todos os efeitos, a pos¡c.3o de filho ao adotado.<br />

IU-1VISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> UFRN 147


5. Requisitos<br />

5.1. Do adotante<br />

RENATA VERAS ROCHA<br />

O ECA dispóe ser 21 (vinte e um) anos a ¡dade mínima que deve ter o<br />

requerente da adocao (art.42), na"o se referindo á questño da maioridade, motivo<br />

pelo qual n2o se aceita que emancipados intentem o pedido'1. Com o CC, houve<br />

explícita divergencia, pois, segundo este, a ¡dade mínima para adotar passa a ser de<br />

18 (dezoito) anos (art. 1618). Embora o CC nao tenha o cond3o de revogar o ECA,<br />

nesta situacío houve, aparentemente, expressa disposicao em contrario, o que<br />

levou alguns doutrinadores a aflrmarem ter havido a revogacao. A defesa dessa<br />

tendencia é feita tendo-se por base a idéia de que o legislador estatutario havia<br />

fixado o patamar de 21 (vinte e um) anos imbuido na antiga maioridade, que se dava<br />

ao se atingir esta idade. Com a reducao da maioridade para 18 (dezoito) anos, bem<br />

como a expressa disposicao de que para adotar será este o mínimo necessário,<br />

estaría revogada a disposicao do estatuto que se refere aos 21 (vinte e um) anos'.<br />

No entanto, em que pese a autoridade dessa corrente, deve-se ter em<br />

mente que o legislador estatutario n3o fez qualquer alus3o á maioridade, e sim ao<br />

criterio absoluto dos 21 (vinte e um) anos", que deve ser mantido para os<br />

procedimentos de adoc3o de criancas e adolescentes, mesmo após a vigencia do<br />

código civil, lei mais geral, que n3o pode revogar o Estatuto. A propósito, as leis<br />

especiáis se sobrepñem ás gerais, justamente por tratarem específicamente sobre<br />

determinado tema sendo, sendo mais completas. Essa regra está na Lei de<br />

<strong>In</strong>troducto ao Código Civil, preconizando-se a prevaléncia da lei especial sobre a<br />

geral, quando divergentes (art. 2o, § 2o). Assim, a despeito de existir, em geral,<br />

conformidade entre as disposicñes do CC ás do ECA, gerando um só sistema para<br />

adocáo, o requisito da idade para o adotante aínda n3o foi uniformizado, pois<br />

quando foro procedimento de maíores será suficiente os 18 (dezoito) anos exigidos<br />

1 Comentario ao art. 42 do ECA: *"E o requisito é o da idade. nao suprivcl peta cniíincipacdo" (Cury. Silva c Méndez,<br />

2002, p. 146).<br />

* Nesse sentido. Venosa explica: "O novo código civil, loando cni conta a maioridade que assumc. permite que<br />

a pessoa maior de 18 anos possa adotar (an 1618). A idade, que passa a ser dora vacile de 18 anos é, porlanto, requisito<br />

objetivo para o adotanlc". (2002, p 324). Grifo acresecntado<br />

* O Tribunal de Justica do Río Grande do Sul, nos casos de aplicacáo de medida socioeducativas, decidiu pela<br />

manutencao do criterio de idade fixado pelo Estatuto (unte e um anos), nao obstante a maioridade civil ler sido<br />

rebaixada para 18 (dezoilo) anos. "Os magistrados consideran) que o Estatuto da Críanca e do Adolescente (ECA)<br />

de Corma expressa cslabclccc o limite temporal de 21 anos para a aplicado de medidas socioeducaiivds, nao mi/civdo<br />

referencia algumn í> maioridade civil". Disponivcl em hllpV/www cliclciuil.com hr'n-O4042OO3-8.asp.<br />

148 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


ADOCÁO NACIONAL<br />

pelo CC. Nos demais casos, permanece vigente o criterio do ECA, de 21 (vinte e<br />

um) anos.<br />

Nüo há restribo para o estado civil do adotante, podendo ser pessoa<br />

solteira ou casada. No entanto, faz-se mencáo no CC ao fato de que quando a<br />

adocSo for feita por mais de urna pessoa conjuntamente, devem estar casadas ou<br />

em uniao estável, neste caso desde que naja comprovacao da estabilidade (art.<br />

1622, capul). "A regra elimina também qualquer polémica sobre a possibilidade de<br />

adoc3o por casáis homossexuais, porque a uniao estável só é admitida entre homem<br />

e mulher (art. 1.723 do Novo Código Civil)' (Alicke e Alves, 2002, p.05).<br />

No entanto, dccis3o recente do Tribunal de Justica do Rio Grande do<br />

Sul reconheceu a uniao estável entre homossexuais. o que demonstra urna mudanca<br />

de mentalidade por parte de nossosjulgadores7. Em sendo disseminada a ace¡tac3o<br />

jurídica de uniües homossexuais, tal muduiiv'a de visüo pode implicar, em breve, no<br />

incipiente reconhecimento da adoc3o por esses casáis.<br />

Os separados judicialmente ou divorciados podem adotar de forma con<br />

junta, desde que a convivencia com o adotando tenha se iniciado durante a época<br />

em que viviam juntos (art.42, §2°, ECAe 1.622, §2°, CC). Semprequese tratar de<br />

adoc3o requerida por duas pessoas, admite-se que apenas um délas tenha a idade<br />

mínima exigida (art. 42, § 2o, ECA e 1.618, parágrafo único, CC). Outra peculiaridade<br />

do ordenamento patrio é a adocao proposta pelo atual cónjuge ou companheiro da<br />

mulher em relacao ao filho desta. Neste caso, conhecido como adocüo unilateral,<br />

os vínculos familiares do adotado ser3o rompidos apenas com a familia do seu pai<br />

(art. 41, § 1 °, ECA e 1.626, parágrafo único, CC).<br />

Unía inovacáo trazida pelo ECA fo¡ a aceitacáo da adocao postuma,<br />

quando o adotante, "após inequívoca manifestacao de vontade, vier a falecer no<br />

curso do procedimento, antes de prolatada a sentenca" (art. 42, § 5o). A palavra<br />

"procedimento" tem sido interpretada como abrangente de quaisquer dos meios<br />

de colocacáo em familia substituía, e nao apenas no de adocSo, ou seja, importa<br />

saber se o ¡nteressado manifestou, quando vivo, no bojo de guarda, tutela ou<br />

adoc3o, a vontade livre de adotar determinada pessoa.<br />

' De acordó com a ludia de raciocinio esposa pelo voló da Descmbargadora María Bcrentcc Días: ~A existencia de<br />

vinculo amoroso e o que basla para que se reconheca a existencia de urna familia. Essa nova concepcao lem levado<br />

cada vez mais a sociedade a coinner coin todos os tipos de rclacionamenlo, mesmo que nao mais correspondan! ao<br />

modelo lido como oficial" Disponivel no endereco clcirónico htlp://wu\v lj n i¡ov br/sile php/nolicias/<br />

moslrano(¡cia.plip'1assiiiilo' I&c<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UPRN 149


KI-NAIA VIKASIUKIIA<br />

Existe proibicao temporaria para o adotantc tutor ou curador, pois cn-<br />

quanto nao for aprovada a prcslacüo de conlas da sua adminislracilo (1.620 CC e<br />

44 ECA) nSo poderá adotar seu pupilo ou curatelado. A norma existe para evitar<br />

que eventual desvio de recursos realizado se oculte com a adocao, já que nesse<br />

momento passará a ter a administracüo dos bens do adotado.<br />

Sempre visando á similaridade em relacáo á familia biológica, requer-se<br />

urna diferenca de 16 (dezesseis) anos entre adotante e adotado (art 42, §3°, ECA e<br />

art. 1.619 CC). Ademáis, nao se permite a adoc3o por ascendentes e irmaos do<br />

adotando, para evitar mudancas de parentesco que venham a confundir o adotado<br />

e os membros da familia como um todo (art.42, § 1 °, ECA). Essa norma, assim como<br />

quaisquer outras inexistentes no CC, podem ser utilizadas analógicamente para<br />

adocüo de maiorcs, de acordó com o que se explicou no tópico "legislacSo aplicável".<br />

5.2. Do adotando<br />

Com relacSo á pessoa do adotando, desde que tenha mais de 12 (doze)<br />

anos, deverá sempre ser ouvido pelo juiz. Obviamente, ele deverá contar com<br />

aptid§o pessoal para manifestar sua vontade livre e conscientemente, havendo<br />

casos em que tal oitiva se mostrará inviabilizada (caso se trate de pessoa portadora<br />

de grave doenca mental, por exemplo). A opiniao emitida pelo adolescente tem<br />

grande valor, mas n3o vincula a decisáo judicial. Havendo divergencia na decisño,<br />

esta deverá ser ainda mais cuidadosamente fundamentada, a fim de se explicitarem<br />

os motivos pelos quais a ¡ntencüo do adotando n3o será levada em considerado.<br />

No tocante aos maiores de idade, poroutro lado, o livre consentimento mostra-se<br />

vinculante, nao se admitindo adogSo sem que o mesmo esteja presente. Quando o<br />

juiz achar necessário e conveniente, também os menores de 12 (doze) anos poderao<br />

ser ouvidos.<br />

5.3. Procedimento<br />

Conforme já se mencionou anteriormente, só há adocao através de pro-<br />

cesso judicial. Via de regra, no procedimento deverá constar o consentimento dos<br />

genitores do adotando, manifestando expressamente sua aceitacao, que pode ser<br />

revogado até a data da publicacao da sentenca (art. 1.621, § 2o, CC). Admite-se<br />

ausencia do mesmo em relacao ao pai ou mSe que tenha sido destituido do poder<br />

familiar ou quando sejam desconhecidos (art. 45, §1°, ECA). A destituicSo do<br />

poder familiar pode ser decretada previamente ou até na mesma sentenca que a<br />

adocSo. como na decisao a seguir transcrita:<br />

<strong>15</strong>0 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN


A1XX.ÁU NACIONAL<br />

Adocdo - Cumulada cow destituirán do patrio<br />

poder Recurso do Ministerio Público (¡enilor<br />

preso - Siluacao de encerramento nao<br />

suficientemente demonstrada - A prava indica<br />

desinteresse do genitor em relucau a vida dajilha,<br />

de molde a configurar dcscuniprimento injustificado<br />

dos deveres e obrigacoes a que se refere o artigo 22<br />

de Estatuto da Crianca e do Adolescente - Menor<br />

bem cuidada e perfeitamente integrada ao adotante,<br />

com quem convive desde os tres anos de idade (hoje<br />

tem quatorze) e constituí forte vínculo, recebendo<br />

orienlacao e afeto - Consolidando de situacao de<br />

fato — Adocdo que representa reais vantagens para<br />

a adotanda - Recurso nao próvido. (TJSP - Ap<br />

Cível 56.<strong>15</strong>3-0,30-3-200, Reí. Jesús Lofrano).<br />

A seriedade do ato requer sempre a presenca dos adotantes, impedindo-<br />

se adoc3o por procurac3o (art 39 ECA), exigencia que deve ser mantida para a de<br />

maiores. O processo de adocáo deve tramitar, quando houver, na Vara da <strong>In</strong>fSncia<br />

e Juventude (em relacao ás criancas e adolescentes). A de maiores será procedida<br />

ñas Varas de Familia.<br />

Além desses requisitos mencionados até aqui, lembre-se que em todos<br />

os casos o juiz deverá avaliar a organizado e condiedes da familia substituía para<br />

averiguar se é possível a adoeño. Cada situac3o, incluindo-se todos os seus<br />

pormenores, deverá ser analisada de per si, sem quaisquer preconceitos e com o<br />

auxilio da equipe interproflssional. Através dos estudos minuciosos dos psicólogos<br />

e assistentes sociais. perserguir-se-3o os interesses superiores do adotando,<br />

aferindo-se, efetivamente, se a pretensáo em tela se funda em legítimos motivos<br />

(art. 1625 CC e 43 ECA).<br />

6. Estágio de Convivencia<br />

O estágio de convivencia consiste no período em que o adotante deverá<br />

desfrutar da companliia do provávcl filho. É urna fase de experiencia c adaptacüo<br />

do adotando com a familia que substituirá a sua natural. Como se sabe, a adocáo<br />

constituí medida radical, que desliga os vínculos entre o adotado e sua familia<br />

biológica, o que fez com que o legislador, preservando os ¡nteresses da enanca.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN <strong>15</strong>1


i:naia vkraskoc'iia<br />

preconizasse a necessidade dessa etapa de convivencia, muito importante para<br />

ambas as partes envolvidas.<br />

O CC n2o previu absolutamente nada a respeito da necessidade de<br />

estágio de convivencia, o que faz com que, na adocDo de niaiores, fique a ocorréncia<br />

do mesmo sujeito ao livre convencimento do juiz, sendo aconselhável sua<br />

real izacao. O ECA estabeleceu, em geral, a obrigatoriedade do estágio, deixando,<br />

porém. a flxacüo do scu prazo a criterio da dccisüo jurisdicional, que se pautará nos<br />

pormenores da avaliacao feita pela equipe interprollssional (art. 167 ECA).<br />

Excepcionalmente, o legislador estatutario previu a dispensa do estágio<br />

nos casos em que o adulando (¡ver menos de 01 (lunn) ano de idade ou quando já<br />

estiver em companhia do adotante por periodo considerável (ECA, art. 46, § I °). De<br />

fato, neste caso, a convivencia já existe, sendo indiscutivelmente justa a dispensa.<br />

No que aliña a primeira cxcccilo, entretanto, pairam polémicas. De um lado, delende-<br />

se a posicüo legislativa adotada, pois as chances dessa adoc3o dar errado sSo as<br />

mesmas em relacSo á criacao natural, já que as criancas menores de 01 (hum) ano<br />

nüo tcm considerável constituicao de sua personalidade, nüo havendo da parte<br />

délas urna necessidade de adaptado com determinada familia. Por outro ponto de<br />

vista, há argumentos discordando da dispensa, alegando-se a necessidade de<br />

tratamento isonómico entre os adotantes, supostamente ferido pelo dispositivo.<br />

Este pensamento, com a devida venia, mostra-se equivocado, por dar prevaléncia<br />

aos ¡nteresses do adotante.<br />

7. Efcitos da Adocáo<br />

Após o tránsito em julgado, a sentenca fará seus efe ¡tos a partir de<br />

entüo (ex nunc), salvo quando se tratar de adocao/?o.v/ moríem, quando terá forca<br />

retroativa á data do óbito (art. 47, § 6o, ECA). A averbacao no registro civil perfaz<br />

um ato necessário ao aperfeicoamento da adoc3o, sob pena da nova fíliacao nSo<br />

ter eficacia erga omnes. Será, portanto, realizada sua ¡nscricao no Cartório de<br />

Registro Civil, n3o se podendo déla fornecer certidao: somente para autoridade<br />

judiciária os dados poderío ser entregues (art. 47, § 2o, ECA). Nesse sentido,<br />

cancela-se o registro original do adotado, e no novo, no qual n3o constará qualquer<br />

referencia á adocüo, ser3o consignados os nomes dos adotantes e de seus<br />

ascendentes (47, §1°, ECA). Permite-se a modificacao do preñóme a pedido de<br />

adotante (art. 47,5o) ou até mesmo do adotado, quando maior(l .627 CC).<br />

A irrevogabilidade constituí efeito primordial da adoc3o. Apesar disso.<br />

<strong>15</strong>2 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


AIXX/AO NACIONAL<br />

tal medida, como qualquer ato ou negocio jurídico, poderá ser rescindida, quando<br />

presentes as causas de nulidade e anulabilidade processuais. Segundo Artur<br />

Marques da Silva Filho. apesar do ECA n3o contemplar essas hipóteses, "o ato<br />

jurídico, regra geral, para produzir efeitos, n3o deve carregar vicios, valorados pelo<br />

Direito como impeditivos de formacüo ou validade" (1997, p.207). Afora esses<br />

casos, a única forma do adotado sair do seio da sua nova familia é através de outro<br />

procedimento de adoc3o, caso a primeira nao tenha sido bem sucedida. Ñas palavras<br />

de Marcos Bandeira:<br />

A irrevogabilidade da adoqao impede, á evidencia,<br />

o restabelecimento do patrio poder dos genitores<br />

do adotado, impedindo que a crianca ou<br />

adolescente, por morte dos adotantes ou por<br />

qualquer motivo, como arrependimento, por<br />

exemplo, retorne a familia original. Nada impede<br />

que esta crianca já adotada seja de novo adotada<br />

por outra familia, em face da existencia de motivos<br />

que coloquen o menor em situaqao de risco social<br />

ou moral (maus-tratos, abuso sexual, ele) ejustifique<br />

a destitiiicdo da patrio poder. A ¡rrevuguhilidade<br />

do ato nao pode necessariamente tornar a adoqao<br />

um ato inexorável, perfeito e que fique ¡muñe as<br />

fraquezas e intemperies humanas, o que sobrelevaria<br />

em importancia a própria familia natural, com<br />

efeitos manifestamente nocivos aa formacao moral<br />

da crianqa e adolescente (2001, p.52).<br />

O adotado passa a ser herdeiro do adotante e tem direito e dever de<br />

alimentos para com este. Segundo o estatuto, nao somente se igualam os direitos<br />

sucessórios dos adotivos como também se estabelece reciprocidade do direito<br />

hereditario entre o adotado, seus descendentes, o adotante, seus ascendentes,<br />

descendentes e colaterais até 4o (quarto) grau, observada a ordem de vocaejío<br />

hereditaria (art 41, 2o, ECA). Conforme já dito, os impedimentos matrimoniáis<br />

permanecem, tendo em vista sua origem biológica, moral e genética. Assim, a partir<br />

da adocüo, haverú impedimentos matrimoniáis do adotado com ambas as suas<br />

familias, genética e adotante.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN <strong>15</strong>3


8. Licenca-maternidade por adocáo<br />

RHNATA VliRAS ROCHA<br />

Os tribunais superiores geralmente negavam o direito de licenca-mater-<br />

nidade as adotantes, alegando nao ser necessária, fundamentando-se, para ¡sso,<br />

eni diversos argumentos. Mencionava-se, na maioria das vezes, que a crianca<br />

adotada geralmente n3o é mais amamentada, nao se caracterizando a ílnalidade<br />

maior da I ¡cenca; tambem se afirmava que o beneficio citado se dirigía á gestante c<br />

nao ao til tío, nao podendo ser estendida á müe adotiva, o que nao violava a<br />

¡sonomia entre os filhos, de acordó com o seguinte acórdao:<br />

Licenca-maternidade. Nao é possivel equiparar as<br />

situacoes, absolutamente distintas, da müe biológica<br />

e da mae civil. Tal é a raido por que o ordenamento<br />

jurídico estadual distingue o alcance das ¡¡cencas<br />

gestantes e por adocao. O tratamento isonómico a<br />

todos osfilhos, previsto na constituicaofederal, por<br />

ter destinatarios distintos - o direito, aquí, e dos<br />

filhos, lá, dasmdes, n3o pode ser projetado na esfera<br />

de interesses destas. Apelo próvido. (Apelac3o cível<br />

n° 590090767, segunda cámara cível. Tribunal de<br />

Justica do RS, relator: Des. Talai Djalma Selistre,<br />

julgadoem 27/02791).<br />

Apcsar desse pensamento ter sido esposado por milito tempo, grande<br />

parte da doutrina, e até da própria sociedade civil, insurgia-se contra a tendencia<br />

consagrada, afinal n3o apenas a m3e se beneficia da licenca, mas principalmente o<br />

filho, que desfrutará da sua companhia. Nos casos de adoc3o, medida de cuntió<br />

protetivo á crianca e adolescente, t3o necessária quanto na filiac3o natural se<br />

mostra a I ¡cenca, a fím de que haja urna adaptacSo do adotado com sua novu<br />

familia. Tudo eni prol da protecao integral das enancas dos e adolescentes.<br />

Foi pensando nisso que surgiu a lei n°. 10.421, de <strong>15</strong> de abril de 2002,<br />

estendendo á mae adotiva o direito a licenca-matcmidadc c ao salário-maternida-<br />

de, alterando a Consolidado das Leis do Traba I ho, aprovada pelo Decreto-Leí np<br />

5.452. de l°dcmaiode 1943, e a Lei n°. 8.2l3,de24dejulhode 1991. Adisposicao<br />

da lei se refere a adocao de enancas, ou soja, o beneficio aínda nSo se destina á<br />

adocáo de maiores, nem de adolescentes. E mesmo em relaíSoás criancas, o texto<br />

legal contempla o beneficio somente para as que tenham até 08 anos de idade.<br />

<strong>15</strong>4 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


adocáo nacional<br />

Mesmo assim, o diploma já demonstra grande avanco.<br />

9. Possibilidadede <strong>In</strong>vcstigacáo de Paternidade pelo filho udotivo<br />

Em vías práticas, tem sido unía questao tormentosa saber se o filho<br />

adotivo pode ¡ngressar com acSo de investigacio de paternidade. para evidenciar<br />

quem sño seus país biológicos. De fato, nSo há vedacao legal, sendo inevitável<br />

reconhecer-se um sólido interesse moral do adotado para essa ac3o. Além disso,<br />

está, por diversas vezes, demonstrada no ECA e na CF a consagrado do direito á<br />

familia, existindo ainda urna disposic3o expressa no estatuto afirmando que "o<br />

reconhecimento do estado de fil¡ac3o é direito personalíssimo, indisponível e<br />

imprescritível (...)" (art.27). Desse modo, observa-se que todos tém direito a saber<br />

quem s3o seus pais, garantindo-se, prioritariamente, á crianca e ao adolescente, a<br />

convivencia na sua familia natural e sua identidade. Ñas situacSes excepcionais.<br />

quando houver adocilo, ao adotado, com base nesses principios, resguarda-se o<br />

direito de conhecer a identidade de seus pais biológicos. No entanto, urna ac2o de<br />

invcstigacüo de paternidade nessa situaciio n3o poderia Icr o cóndilo de romper a<br />

llliacño estabelecida jurídicamente, nem gerar qualqucr repercussQo patrimonial,<br />

mas únicamente se referindo á seara moral e aos impedimentos matrimoniáis.<br />

Ademáis, vorillen-se c|iie o segredo d:i ndoc.no, manlido por varias<br />

familias, além de ferir o direito do adotado, tem gerado prejuízos á sua personal¡dade,<br />

pois um dia sempre toma conhecimento da verdade, momento em que geralmente<br />

s3o acarretados traumas ou revoltas. Isso gera urna desconfianza na familia e nos<br />

valores da sociedade, sendo de fundamental importancia revelar-se á crianza<br />

adotada sua filiacüo desde cedo, de acordó com seu desenvolvimento psicossocial.<br />

10. Adocao á brasileira<br />

N3o raramente, o adotante obtém o filho registrando diretamente como<br />

sua urna crianca nascida de outra pessoa, muitas vezes com a conivéncia de<br />

profissionais da saúde ou das próprias parturientes, que manifestam o desejo de<br />

dar (ou vender) sua prole. Em muitos casos, mais abomináveis até, há mesmo<br />

pessoas e agencias comerciáis realizando a intermediaci5o, o seqüestro e tudo mais<br />

que diga respeito ao tráfico de criancas, crimes que ferem os mais elementares<br />

direitos da crianza e dos pais biológicos.<br />

A prática de registrar como seu filho de outrem constituí, por si só.<br />

atitude desaconsejada por psicólogos e juízes. trazendo graves conscqücncías<br />

RF.VISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN <strong>15</strong>5


i;nata veras kdcha<br />

para a crianca ou o adolescente. Trata-se da divulgada "adocao á brasileira", crime<br />

de falsidade ideológica, previsto no art. 242 do Código Penal, com pena de reclusüo<br />

de 02 a 06 (dois a seis) anos. Eni geral esta situacüo envolve intermediarios, que<br />

também podem ser punidos, conforme o artigo 237 do ECA. Além disso, os pais<br />

biológicos podem recorrer á Justica a qualquer momento para reaver o filho c o<br />

registro poderá ser cancelado quando da comprova(3o da verdadeira filiacüo.<br />

Muitas vezes os adotantes sup5em, equivocadamente, que a adocáo á<br />

brasileira é benéfica para a crianca, pois através déla eliminam-se a burocracia c os<br />

cuidados da Justica. Essa prática, no entanto, acarreta mais desvantagens que<br />

vantagens para os envolvidos, podendo até ser mais rápida c atender ao desejo<br />

dos pais biológicos, mus nílo leva em coma os direitos e u desenvolvimcnto da<br />

crianca. A adocilo tem que passar pelo crivo judicial, através do qual serño<br />

preservados os ¡nteresses de todos os envolvidos, principalmente o das enancas.<br />

Há casos em que, preservando as situacSes familiares reconhecidas e<br />

consagradas a longo do tempo, o Superior Tribunal de Justíca vem conferindo<br />

direitos a filhos oriundos de adocüo irregular, posi(3o acertada, já que eles nüo<br />

merecem ser novamente prejudicados. Cabe, portanto, para evitar tudo isso, aos<br />

hospitais, cartórios e demais profissionais relacionados, a obrigacáo de preservar<br />

o devido registro legal das enancas, bem como difundir perante a sociedade os<br />

esclarecimentos sobre como se proceder á adocáo de forma correta e legalizada.<br />

ll.Conclusáo<br />

Em síntese, portanto, no que diz respe¡to á legislado que rege a materia<br />

da adocüo nacional, pode-se concluir que está regulamentada pelo ECA e atual<br />

CC, que permanecem convivendo paralelamente, fazendo-se necessária, na<br />

¡nterpretac3o, a harmonizacao, sempre que possível. de seus dispositivos. Por se<br />

tratar de típico microssistema jurídico, dotado de especialidade, o ECA permanece<br />

integrado ao ordenamento jurídico brasileiro, enquanto o CC serve, quanto á<br />

adocSo. como norma meramente complementar. Ademáis, de acordó com as linhas<br />

básicas tracadas nesse artigo, póde-se perceber que, na interpretado das normas<br />

estatutarias, sobretudo quanto ás específicamente voltadas á adocüo, deve sempre<br />

preponderara idéia da proteeño integral da crianca e do adolescente, priorizando-<br />

se a solucüo que proporcione reais vantagens ao adotando. Tudo isso tendo em<br />

vista que a adocüo pressupde a total e definitiva insercSo de alguém em urna nova<br />

familia. Como em todo instituto jurídico, a adoc3o está sujeita fraudes e desvíos de<br />

<strong>15</strong>6 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


ADOCÁO NACIONAL<br />

finalidades, o que n3o retira seu mérito, cabendo ao ordenamento e aos cidadSos<br />

coibir e punir severamente scu mau-uso.<br />

12. Referencias Bibliográficas<br />

ALICKE, José Luís; ALVES, Roberto Barbosa. Reflexóes sobre o instituto da adocao<br />

á luz do novo código civil. <strong>In</strong> Centro de apoio operacional das Promotorias de<br />

Justica da <strong>In</strong>fancia e da Juventude: http://www.mp.sp.gov.br/caoinfancia/<br />

doutrina.htm, 25 de maio de 2002.<br />

BANDEIRA, Marcos. AdocSo na Prática Forense. Ilhéus: Editus. 2001.<br />

CURY, Muñir; SILVA, Antonio Fernando Amaral e; MÉNDEZ, Emilio García. Esta<br />

tuto da Crianca e do Adolescente Comentado: Comentarios Jurídicos e Sociais.<br />

5.ed. rev. e atual. Süo Paulo: Malheiros, 2002.<br />

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Familia. <strong>15</strong>.ed.<br />

S2o Paulo: Saraiva, 2000, v.5.<br />

R1BEIRO, Alex Sandro. A adocSo no novo Código Civil. <strong>In</strong> Jus Navigandi, Teresina,<br />

a. 6. n. 59, out. 2002: http://wwwl jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3302, 10 de<br />

maio de 2003.<br />

SILVA FILHO, Artur Marques da. O regime jurídico da adocüo estatutaria. Sa"o<br />

Paulo: Editora <strong>Revista</strong> dos Tribunais, 1997.<br />

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Familia. 2.ed. Atualizada com o<br />

NCC. Sao Paulo: Atlas, 2002, v. 06.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN <strong>15</strong>7


l.<strong>In</strong>troducño<br />

OSCRIMESNA INTERNET EM FACE DO CÓDIGO<br />

PENAL BRASILEIRO<br />

Bruno BarccIlosCavalcantc<br />

Académico do 5o período do Curso de Direito - UFRN<br />

l.<strong>In</strong>troducao. 2.A <strong>In</strong>ternet. 2.1.Do surgimento á<br />

popularizado. 2.2.Do desvirtuamento. 3.Do crime na<br />

<strong>In</strong>ternet. 3.1 .Conceito. 3.2.Da Iegisla93o. 3.3.Dos de<br />

litos. 3.3.1.Da violacáo de Direitos Autorais sobre<br />

software. 3.3.2.Da cria9a"o e dissemina9ao de virus.<br />

3.4.Dos delinqüentes da rede. 4.Das precau95es ne-<br />

cessárias ao navegar na <strong>In</strong>ternet. 5.Conclus3o. 6.Re-<br />

feréncias Bibliográficas.<br />

O presente artigo tem por objetivo analisar um tema, de certa forma,<br />

pouco explorado pelo Direito, visto sua complexidade, técnica necessária e sua<br />

recentidade, qual seja, os crimes na ¡nternet em face do código penal brasileiro,<br />

<strong>In</strong>icialmente, far-se-á urna breve análise do advento da <strong>In</strong>ternet e sua<br />

atual populariza9ao, bem como do desvirtuamento desse meio de comunica93o e<br />

suas conseqüéncias.<br />

Posteriormente, concentrar-se-3o os esfor9os no estudo da deficiencia<br />

na Iegisla9áo no Direito nacional e na inexistencia de urna Iegisla9áo internacional<br />

aplicável á materia. Ressaltar-se-á ainda o conflito de normas no espa90.<br />

Far-se-á urna análise sobre alguns crimes que s3o habituáis na <strong>In</strong>ternet.<br />

Ao final, será feita urna breve análise sobre os delinqüentes virtuais, e<br />

também acerca das medidas de precavo para se navegar na <strong>In</strong>ternet, concluindo<br />

juntamente com urna tomada de pos¡9áo diante da problemática.<br />

NSo se tem a pretensao de esgotaras possibilidades temáticas da materia,<br />

diante da extensSo que a informa. Busca-se contribuir para fomentar a discuss3o,<br />

na medida em que se procura despertar a curiosidade do estudioso para a discipli<br />

na jurídica do Direito Penal (DP), focal izando-se os crimes na <strong>In</strong>ternet.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VRRUIS n. <strong>15</strong> - UFRN


2.A <strong>In</strong>ternet<br />

2.1. Do surgimentoá popula rizado<br />

BRUNO HARCL1.LOS CAVALCANTK<br />

A <strong>In</strong>ternet que se utiliza, hodiernamente, foi elaborada a partir de um<br />

"esboco" que existiu na década de setenta. Esse esboco era urna rede de comuni-<br />

cac.5es sigilosa projetada pelas forcas armadas norte-americanas, de caráter militar.<br />

A mesma era de urna comunicabilidade instantánea, assim como acontece com os<br />

telefones, e teria de ser resistente a ataques de quaisquer amplitudes, até mesmo<br />

nuclear. Esta experiencia militar foi designada de Advanced Research Projects<br />

Agency Network (ARPAnet). Por interesse das forcas armadas, os militares, ao<br />

completar a ¡nstalacao de urna rede própria, deixaram de utilizar a ARPAnet, que<br />

logo caiu no dominio de civis. Os particulares desenvolverán! o projeto inicial e<br />

formaram urna nova rede, denominando-a de <strong>In</strong>ternet.<br />

No comeco. os acessos árede eram bastante restritos. Mas, com o passar<br />

dos anos, o dominio da técnica e conseqüente barateamento do custo dos equipa-<br />

mentos necessários e incentivos dos Governos, ela aos poucos foi conquistando<br />

diversas carnadas da populacho.<br />

Atualmente, a <strong>In</strong>ternet possui um ¡menso número de usuarios, caracteri<br />

zando um mcio de comunicado de massas. Nela encontra-sc disponiveis urna<br />

infinidade de servicos ao usuario, dentre eles: possibilidade de pesquisas através<br />

do computador; ler jomáis de diversas localidades do mundo; comunicar-se com<br />

pessoas em qualquer parte do mundo, seja através de correio eletrónico, bate-<br />

papo ou mesmo vídeo-conferéncia; diversas formas de comercializar, entre outros.<br />

A <strong>In</strong>ternet é o meio de comunicacao da modernidade.<br />

2.2. Do desvirtuamento<br />

A <strong>In</strong>ternet, em razáo da ¡mensa gama de beneficios que proporciona, é,<br />

¡ncontestavelmente, um marco na d¡v¡s3o da historia da humanidade. Porém tem<br />

também seu lado odioso: é instrumento de crhne.<br />

Constata-se com a massificacao desse meio de comunicado no mundo,<br />

a diversificacao dos usuarios. Eles s3o de diversas racas, religiSes, culturas e<br />

maneiras de pensar. Portanto, há pessoas que ulilizam seu conhecimento na área<br />

da informática, precisamente no que dizrespeito á rede mundial de computadores,<br />

para esse lado funesto.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERHIS n. <strong>15</strong> - UI-RN <strong>15</strong>


OS CRIMES NA INTERNET EM FACE DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO<br />

Destarte, surgem os chamados crimes na <strong>In</strong>ternet. Como lembra María<br />

Helena Junqueira Reís:<br />

A gama de delitos que podem ser perpetrados pela<br />

<strong>In</strong>ternet é quase infinita. A lista incluí o man uso<br />

dos cartdes de crédito, ofensas contra a honra,<br />

apología de crimes, como racismo, ou incentivo 'ao<br />

uso de drogas, ameacas e extorsao, acesso nao<br />

autorizado a arquivos confidenciais, destruicao e<br />

falsificacao de arquivos, programas copiados<br />

ilegalmente e até crime eleitoral (propaganda ngo<br />

autorizada por exemplo), dentre outros. (1996, p.53).<br />

Diante do crescente número de delitos que s3o perpetrados pela <strong>In</strong>ternet,<br />

dá-se o caráter de relevancia da materia. Assim, torna-se necessário o estudo da<br />

mesma na atualidadc.<br />

3.Do criinc na <strong>In</strong>ternet<br />

3.1.Conce¡to<br />

Segundo a conceptuó do Secretario lixeculivo da Associacilo de Direito<br />

e <strong>In</strong>formática do Chile, Claudio Líbano Manzur, os crimes na <strong>In</strong>ternet ou<br />

Cybercrímes s2o:<br />

(...) todas aquellas acciones u omisiones típicas,<br />

antijurídicas y dolosas, trátese de hechos aislados<br />

o de una serie de ellos, cometidos contra personas<br />

naturales o jurídicas, realizadas en uso de un<br />

sistema de tratamiento de la información y<br />

destinadas a producir un perjuicio en la victima a<br />

través de atentados a la sana técnica informática,<br />

lo cual, generalmente, producirá de manera<br />

colateral lesiones a distintos valores jurídicos,<br />

repontándose, muchas veces, un beneficio ¡licito en<br />

el agente, sea o no se carácter patrimonial, actúe<br />

160 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


BRUNO BARCHLLOS CAVALCANTL<br />

con o sin ánimo de lucro, (upad Pinheiro, 2003, p.O I).<br />

De forma sucinta, cybercrimes sao todos os atos ilícitos praticados atra-<br />

vés da <strong>In</strong>ternet que vcnham a causar algum tipo de daño, seja ele patrimonial ou<br />

moral, ao ofendido.<br />

3.2.Da Icgislacáo<br />

Ao analisar a legislacáo brasileira, verifica-se a ausencia de leis específicas<br />

no Código Penal (CP) e a deficiencia ñas suas leis esparsas. Muitos aplicadores do<br />

Direito, usando-se da máxima "nulla paena nulla crimen sine legge", argumentam<br />

que enquanto nao houvcr leis específicas de repress3o aos cybercrimes, nüo será<br />

possivel que exista por parte do Estado urna atuac3o coercitiva eficaz.<br />

Portanto, afirma-se que, no Brasil, nao há legislacáo repressiva para<br />

punir os criminosos da rede por ser a mesma deficiente e incompleta. Porém, já<br />

existe legislacáo desse tipo em outras localidades, tais como na Australia, na<br />

Un¡3o Européia e nos Estados Unidos da América, onde as questóes jurídicas<br />

envolvendo atividades em curso na <strong>In</strong>ternet já chegaram nos Tribunais.<br />

No que diz respeito ao tema, há varios projetos de lei arquivados e<br />

outros em circulacáo no Congresso Nacional.<br />

O Direito brasileiro, o qual tem como fonte principal a lei, n3o consegue<br />

atualizar-se com a mesma velocidade que os avancos tecnológicos. Destarte, mui<br />

tos operadores do Direito utilizam como escusa á nao ¡mputacáo criminosa, o<br />

principio da anterioridade e o principio da reserva legal, contidos no artigo Io do<br />

CP Brasileiro: "Art. Io. Nao há crime sem lei anterior que o defina. Nao há pena sem<br />

previa cominacao legal". Além disso, há a escusa de no DP nao caber a analogía<br />

ñas normas penáis incriminadoras, ¡nterpretando-se de forma restritiva.<br />

Por ser o DP tutelador dos bens jurídicos mais relevantes, como a vida,<br />

a liberdade, o patrimonio, a honra, a sociedade, nao pode ficar á mercé dos<br />

operadores do Direilo, submetendo-sc á falla de interpretacüo das leis c da clabo-<br />

racáo de outras novas.<br />

Portanto, é de extrema necessidade a aprovacüo pelo Congresso Nacio<br />

nal de um projeto de lei adequado para o controle dos delitos perpetrados na<br />

<strong>In</strong>ternet.<br />

Num primeiro momento, teria que se suprir a necessidade de urna<br />

legislacáo nacional específica. Contudo, logo após viria um segundo problema, no<br />

que diz respeito á aplicacito da lei penal no espaco.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l61


OS CRIME.S NA INTh'RNET KM KACb" tX) CÜDICiO 1'bNAl. ÜRASILEIRO<br />

A <strong>In</strong>ternet é urna rede que integra todo o inundo. Destarte, diante da<br />

possibilidade de uní usuario, de qualquer nacionalidadc. estar acessando a <strong>In</strong>ternet<br />

e poder se comunicar com outras pessons em diversas localidades do globo, cons-<br />

tata-se a dificuldade de um operador do Direito aplicar a lei penal, sendo um delito<br />

perpetrado dessa forma. Esse entendimento é corroborado por Ivan Lira de<br />

Carvalho, em artigo intitulado Crimes na <strong>In</strong>ternet. Há como puni-los., no qual<br />

relata que "A 'pedra no caminho' do operador jurídico que trava contato com a<br />

criminalidade da <strong>In</strong>ternet, segundo pensó, diz respeito á aplicaciSo da lei penal no<br />

espaco" (2003, p.01).<br />

Neste diapasüo, diante do obstáculo que é a aplicacao da lei penal no<br />

espaco, cstabelece-se a criacüo de urna legislucflo que regule a <strong>In</strong>ternet no mundo<br />

todo, ou seja, urna norma de caráter internacional.<br />

3.3.I)os delitos<br />

Os delitos cometidos na rede mundial de computadores, segundo Ivan<br />

Lira de Carvalho, em artigo anteriormente mencionado, dividem-se em dois básica<br />

mente: os crimes "velhos", os quais sao os delitos ja conhecidos da sociedade, só<br />

que agora perpetrados na <strong>In</strong>ternet; e os delitos novos, contemporáneos da forma-<br />

cito da rede mundial de computadores.<br />

Evidentemente, diante da limitacáo do presente trabalho, nao será pos-<br />

sível relatar sobre os varios delitos do ciberespaco. Far-se-á, entáo, a exposicáo de<br />

alguns delitos novos, devido ao crescimento de tais fatos delitivos na <strong>In</strong>ternet, e<br />

também, ao relativo desconhecimento por grande parte dos seus usuarios.<br />

3.3.1.Du violacüo de Direitos Autorais sobre software<br />

A violac3o dos direitos autorais sobre software é o delito relacionado a<br />

computadores mais popular na atualidade.<br />

O objeto material desses crimes é o programa de computador, que pela Lei 9.609 de<br />

19.02.1998 é definido como:<br />

Arl. Io. Programa de computador é a expressao de<br />

um conjunto organizado de instrucoes em linguagem<br />

natural ou codificada, comida em suporte físico de<br />

qualquer natureza, de emprego necessário em<br />

máquinas automáticas de tratamento da ¡nformaedo.<br />

162 RP.VISTA JURÍDICA IN VIIRBIS n. <strong>15</strong> - UI-'KN


DRUNO UAKCI-.I.I.OS CAVAI.CAN Mi<br />

dispositivos, instrumentos ou equipamenlos<br />

periféricos, buseudos em técnica digital un análoga,<br />

para fazc-los funcionar de modo e para fins<br />

determinados.<br />

De forma sucinta, programa de computador é um conjunto ordenado de<br />

¡nstrucóes dadas á máquina que faz com que ela realize determinada tarefa.<br />

A violacño de direitos autorais de software está tipificada, em nossa<br />

legislacao, no art. 12 da Lei do software (Lei n° 9.609/98). O dispositivo legal diz<br />

respeito sobre a violacüo dos direitos do autor de programa de computador, abran-<br />

gendo tres formas de delitos distintos, bem conhecidos na informática por pirataria,<br />

warez e crackz.<br />

A pirataria é urna copia de programas de computador em meio físico sem<br />

autorizado do autor. Esse meio físico pode ser disquete, CD-ROM, entre outros. É<br />

importante ressaltar que é ¡rrelevante para caracterizar tal delito o animus lucri<br />

faciendi. Isso fica claro ñas palavras de Túlio Lima Vianna ao delimitar a pirataria:<br />

"O que caracteriza a pirataria é a consubstanciacjio de programa de computador<br />

em meio físico". (2002, p.414).<br />

Segundo um estudo da Price Waterhouse, 68% dos softwarcs em<br />

operacüo no Brasil sño ¡legáis. No Brasil, como causa de índices altos de reprodujo<br />

ilegal de programas de computadora atribuido o alto preco no mercado, em relac3o<br />

á renda media brasileira. A maioria dos softwares tem valor superior a um salario<br />

mínimo. Outro "incentivo" á pirataria é a diminuicao do custo de gravadores de<br />

CD-ROMs, pois qualquer usuario com conhecimentos mínimos de informática<br />

consegue reproduzir programas origináis com esses aparelhos.<br />

Outra forma de se violar os direitos autorais sobre software é conhecida<br />

como warez. Segundo Túlio Lima Vianna, ela caracteriza-se como:"'(».) a prática de<br />

se dispon ibi I izar na <strong>In</strong>ternet, ou por qualquer outro tipo de conexáo entre compu<br />

tadores, programas completos que podem ser copiados do servidor para a outra<br />

máquina", (op. cit., p.414).<br />

A palavra warez originou-se do termo inglés wares (mercadoria). A troca<br />

do S pelo sufixo Z, na giria do submundo da <strong>In</strong>ternet, serve para identificar tudo<br />

que é ¡legal. Portanto, o warez ó urna mercadoria (software) fornecida de forma<br />

¡legal.<br />

Há entre o warez e a pirataria urna diferenca peculiar. Neste há a consubstanciacao<br />

do programa em meio físico, inexistente naquele. No Brasil, aínda é pequeña a<br />

RI-VISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 163


OS C'KIMIiS NA INTI:RNI:T \:M IACH DO CODICIO I'IÍNAI. I1KASI1.LIRO<br />

prática do warez, devido á baixa velocidade de conexüo na <strong>In</strong>ternet brasileira. Mas,<br />

a tecnología está avancando, tendenciando á diminuicao do preco sobre produtos<br />

c servidos de <strong>In</strong>lemel de alia velocidade, que ira viabilizar o JuwnloiuP de<br />

programas muito grandes.<br />

Como na piraturía, o wuraz nüo se caracteriza pelo iinimus lucrifucicinii.<br />

Porém, identifica-se a existencia do animus na minoría dos casos. Destarte, se os<br />

criminosos nao tém a intencáo do lucro, eles disponibilizam os programas como<br />

forma de ir contra as empresas de softwares que abusam dos valores cobrados por<br />

seus direitos autorais. Assím, eles fornecem os programas a urna ínfinidade de<br />

usuarios sem custo algum.<br />

As pessoas que cometem esse delito geralmente utílízam-se de servido<br />

res gratuitos de espaco para homc pages e ali distríbuem os softwares. Nessc<br />

diapasáo, aquele que possuír o endereco e estíver conectado á <strong>In</strong>ternet poderá ter<br />

acesso aos programas sem o pagamento de direitos autorais.<br />

Urna última mane ira de transgredir os direitos autorais dos soñwares é<br />

através dos crackz e key makerz.<br />

Segundo Túlio Lima Vianna, "crackz s3o pequeños programas criados<br />

por crackers2 capazes de transformar programas de demonstrado como<br />

sharewares* e demos* em programas completos" (2002, p.4<strong>15</strong>).<br />

Eles funcionam rompendo as travas de seguranca que limitam o uso do programa.<br />

Dessa maneira, utilizando-se os crackz, os programas deixam de exigiro número de<br />

serie e passam a trabalhar como se tivessem sido registrados. Para Túlio Lima<br />

Vianna, a utilizado de crackz seria: "(...) urna apropr¡ac3o indébita de copias de<br />

1 Transferencia de arquivos entre dois computadores ligadas em rede, na qual uní deles "baixa" de um servidor urna<br />

copia idéntica de um arquivo lá annazenado.<br />

! E o individuo que se utiliza de seus conhecimentos técnicos para "quebrar" lodo c qualquer tipo de barreira de<br />

seguranca Nuina definicao siraplisla poderiamos dizer que é o hacker "do inal". Eles lém por objeto de seus críincs<br />

a quebn do sislenu de seguranca de programas ou o acesso ilícito a informacAes aimazenadas em computadores.<br />

' Sao programas em que o autor fomece urna copia de demonstracAo do programa que funciona normalmente por ceno<br />

período de lempo (em geral 30 dias), depois do qual o programa para de funcionar e passa a requisilar do usuario um<br />

número de sene (señal nuniber) para vollar a funcionar normalmente. Esse número de serie é obtido pelo registro do<br />

software com o conscqücnle pagamento dos direitos aulorais, o que em geral é fcilo pela própria <strong>In</strong>ternet através de<br />

pagamento por cartao de crédito.<br />

' Sao programas de demonstraedu com limilocOcs ilc recursos. Tais liinil.iviVs pndcui variar desde ns mni» c&scnciuis.<br />

como salvar c imprimir, alé algunas que punco acrescentam ao programa. I sses programas, cm sua maiuria, nao podem<br />

ser registrados, devendo ser adquiridos mis lojns. Hntretanlo, ha alguiis que accilam o registro pela liiicnicl,<br />

dcstrnvando o piograma através de um número de serie. Ríes nao postilan limilncno de lempo, podendo ser usados<br />

iihlcliimUiMk'iik' |vlo naturio. \cinpic cem u'curMtx Iiiiii|;h|4>n<br />

164 REVISTA JURÍDICA IN VI-RB1S n. <strong>15</strong>-UFRN


BRUNO BARCELLOS CAVALCANTE<br />

programas que foram cedidas pelo autor a título de demonstracao". (op. cil., p.4<strong>15</strong>).<br />

Os key makerz ou key generatorz süo, literalmente, geradores de chaves,<br />

ou seja, geradores de números seríais. Eles originam números de serie<br />

personalizados iguais aos que seriam cedidos pela empresa do software no<br />

momento do registro do programa. Isso possibilita a qualquer pessoa que deles se<br />

utilizar, obter urna senha que nSo só destrava o programa, mas também registra<br />

como se o registro tivesse sido realmente obtido.<br />

Há diferenca entre os crack: e os key makerz. Os primeiros sao peque-<br />

nos programas que instalados no computador destravam os softwares. Já os outros<br />

s3o programas que fornecem senha para um "registro" do software que irá destravá-<br />

lo.<br />

Os key makerz, após a obtencao da senha e feito o registro, podem ser<br />

apagados do computador. Destarte, nao se terá prova alguma do delito. Isso nao<br />

ocorrc com os crackz que na"o podem ser apagados para o completo funcionamen-<br />

to do programa.<br />

3.3.2. Dii criacilo e disscminacilo de virus<br />

Os virus de computador, análogamente, sao semelhantes aos biológi<br />

cos. Eles foram criados pelo homcm a imagem c scmelhanca dos existentes na<br />

Ciencia Biológica.<br />

Os virus de computador, segundo Túlio Lima Vianna, "sao programas<br />

extremamente pequeños, escritos cm Assembly5, O ou Pascal7, capazes de se<br />

reproduzir através da contaminacá"o de disquetes que, se colocados em outros<br />

computadores, acabam infectando-os também". (2002, p.416-417). Apesar de o<br />

autor apenas mencionar os disquetes, existem outras formas de transmissáo.<br />

Hodiernamente, urna das formas que mais se disseminam virus é através da <strong>In</strong>ternet,<br />

principalmente por e-mails. Através destes é possível infectar, concomitantemente,<br />

ni¡Ihares de computadores.<br />

Os virus süo urna das formas de ameaca mais temida pelos usuarios de<br />

computadores. Há usuarios que temem até mesmo ver seus próprios organismos<br />

infectados por virus de computador, devido a grande semelhanca do modo de agir<br />

dos homónimos biológicos. Porém, sabe-se que é ¡mpossível a ocorréncia de um<br />

* Programa cm linguagens de computador.<br />

'' Programa cm Ijnguagciis de computador.<br />

" l'iogiama cin línguageiis de computador.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN l65


OS CRIMES NA INTERNET EM I-ACE DO CÓDIGO I'ENAI. DRASILEIRO<br />

virus de computador infectar um ser humano.<br />

Todo virus possui um criador que nao é, necessariamente, quem o disse<br />

mina. No Brasil, n3o há qualquer dispositivo que tipifique a conduta da criac3o do<br />

virus. Porém, é necessária a criacao de urna norma que incrimine tal fato, pois esta<br />

acüo constituí crime de perigo concreto.<br />

Túlio Lima Vianna caracteriza a disseminacüo da seguinte maneira: "a<br />

disseminacilo é a difusSo do virus com o intuito de infectar as máquinas com o<br />

programa, causando-lhes assim um daño material, (op. cit., p.418). Como dito ante<br />

riormente, essa contaminacao é feita através de disquetes ou por rede de compu<br />

tadores (<strong>In</strong>ternet).<br />

Apesar da disseminacSo de virus de computadores nüo ter um disposi<br />

tivo que a regule exclusivamente, pode a niesma ser enquadrada no crime de daño,<br />

tipificado no art. 163 do CP brasileiro: "Art. 163. Destruir, inutilizar ou deteriorar<br />

coisa alheia. Pena - detencao, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou mulla".<br />

No caso dos virus de computadores, eles ¡rao destruir, inutilizar ou dete<br />

riorar os dados existentes na máquina. Esses dados, geralmente, tém valor nüo só<br />

pecuniario, como também de utilidade ao usuario. Portanto, o delito na"o deve ficar<br />

impune por nao ter dispositivo exclusivo.<br />

Como a mera criacao do virus n3o pode, pela atual legislacüo brasileira,<br />

ser considerada crime, o sujeito ativo do crime neste caso é apenas o disseminador.<br />

Nao se pode punir a mera contaminacao com o virus. É necessário que<br />

este cause algum daño, para, só assim, o sujeito ativo poder responder pelo preju-<br />

ízo. Isso é considerado pelo fato de que um virus pode infectar um computador e<br />

n3o atacar, ficando apenas em 'estado de latericia". Nesse estado, o virus já está<br />

instalado no computador, sendo que ele precisa que determinado fato ocorra para<br />

sair de tal situacao. Alguns virus, por exemplo, "despertam" se o computador é<br />

ligado num dia de sexta-feira 13, no dia do natal, dia de ano novo, ou se o individuo<br />

executa qualquer tarefa que seja necessária para o despertar do virus. Destarte, o<br />

virus pode estar infectado e n3o manifestar os síntomas no computador.<br />

Apesar da possibilidade de incriminacao da disseminacüo de virus, é<br />

quase impossivel condenar-se atualmente alguém por crime de daño causado por<br />

virus de computador. Há obstáculo na limitacao técnica da pericia que impede a<br />

comprovac3o da materialidade do crime, pois os virus n3o carregam assinatura do<br />

autor, e a <strong>In</strong>ternet, nos presentes d¡as, ainda n3o possuí formas eficazes de combater<br />

o anonimato do usuario. Existem varias lacunas no ramo da informática,<br />

possibilitando o infrator de "esconder-sc por tras do computador".<br />

166 REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


3.4.I)os dclinqüentcs da rede<br />

BRUNO UARl'ULLOS C'AVAl.CANTi:<br />

A comunidadc da <strong>In</strong>ternet é. de certa forma, diversificada em sua cor,<br />

ruca, Hngua, cultura, ele. Assim como deve ocorrer na sociedade real, na qual os<br />

direitos de um individuo va"o até onde comecam os de outrem, o mesmo deve<br />

acontecer na comunidade virtual. Porém, nao é, de fato, o que se observa. Em<br />

ambas as sociedades esse limite nao é respeitado, ocorrendo o excesso. Esse<br />

extremo nüo observado causa transtornos e danos. Sendo eles na informática, as<br />

perdas causadas, quando convertidas em valores pecuniarios, chegam a quantias<br />

astronómicas. Nesse diapasüo, dá-se a importancia de delinearos infratores desses<br />

delitos.<br />

As pessoas que perpetram delitos na <strong>In</strong>ternet sao conhecidas, genérica<br />

mente, como hackers. Segundo Túlio Lima Vianna. a palavra hacker é caracteriza<br />

da como:<br />

(...) um termo de origem inglesa do verbo lo huck<br />

(corlar, cavar) que originalmente signifteava<br />

alguém que fabrica movéis utilizando um machado.<br />

No jargao da informática, pode ser traduzido<br />

libremente por fucador'. E um individuo que se<br />

dedica a explorar os detalhes de sistemas<br />

programareis. Profundo conhecedor de computa<br />

dores, o hacker em geral domina muito bem o uso de<br />

sistemas operacionais como o Lima e o Windows e<br />

programa em linguagens como C e Assembly, entre<br />

outras. A especialidade dos hackers, no entanto,<br />

sao as redes de computadores, em especial, a <strong>In</strong>ternet<br />

(2002,p.407).<br />

Consoante o relatado ácima, percebe-se que esse tipo de criminoso é<br />

razoavelmente letrado, possuindo grande conhecimento técnico na área de<br />

informática e. possivelmente, um relativo conhecimento de mundo.<br />

O perfil dos hackers vai se delineando com o passar dos tempos, e com<br />

as ocorréncias pol¡ciáis. Hodiernamente, o hacker é, na sua grande maioria, jovem<br />

e inteligente; gosta de computadores e informática. Ele possui, no geral, um eleva<br />

do grau de escolaridade, tendo no mínimo o ensino medio completo; quando nüo<br />

o tem é porque se trata de um jovem que nem ¡dade suficiente atingiu para poder<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l67


OS CRIMES NA INTERNET KM HACE DO CÓDIGO PENAL I1RASILEIRO<br />

concluí-lo, como num caso ocorrido nos Estados Unidos, em que um adolescente<br />

com menos de 16 (dezesseis) anos ¡nvadiu os computadores do Pentágono.<br />

Destarte, conclui-se que, ao contrario do criminoso comum, o qual nüo<br />

possui, geralmente, o cnsino fundamental completo, o hacker é em principio unía<br />

pessoa de razoável intelecto. Á medida que a <strong>In</strong>ternet se desenvolve, a classe<br />

desses criminosos cresce, devido á ausencia de lei que regule sobre o certo e o<br />

errado, ou mesmo pelo desconhecimento técnico da informática como ciencia.<br />

•Í.Das precaucóes necessárías ao navegar na <strong>In</strong>ternet<br />

A <strong>In</strong>ternet, como meio de comunicado aínda recente, ná"o apresenta um<br />

nivel de seguranca que garanta urna navegacüo tranquila, sem nenhum transtorno<br />

onde quer que seja.<br />

Aos usuarios da rede mundial de computadores, sejam eles pessoas<br />

físicas ou jurídicas, ao navegar na <strong>In</strong>ternet, devem utilizar-se sempre do bom senso<br />

e da cautela, pois esses süo. no momento, as melhores "armas" contra o crime via<br />

rede. Como o Direito aínda nao protege todos os tipos de condutas lesivas no<br />

campo virtual, entSo, a prevencao é o melhor remedio para os usuarios ao conectar<br />

se á rede.<br />

Ao entrar na <strong>In</strong>ternet o usuario deve tomar certas medidas preventivas.<br />

S3o elas: ter programas de seguranca atualízados (um antivírus e, se possível, um<br />

firewalP)', fazer copias dos arquívos mais importantes contidos em seu computa<br />

dor em disquetes ou CD-ROM (back-up); nSo acreditar em propostas ¡mpossíveis<br />

ou onde haja urna desproporcao entre preco e o bem a ser adquirido; se o usuario<br />

for pessoa jurídica e manusear ¡nformacSes confidenciais em seu estabelecimento,<br />

¡solar, se possível, urna rede interna que na"o se interligue na <strong>In</strong>ternet daquela que<br />

é conectada á <strong>In</strong>ternet, o que evitaría a invas3o da hackers; n3o navegar em sites<br />

de origem duvidosa, nem fazer downloads ou compras nos mesmos. Essas sito<br />

algumas das medidas preventivas que os usuarios devem tomar, sejam eles pessoas<br />

físicas ou jurídicas.<br />

No que diz respeito as autoridades públicas cabe a críacao e ¡mplementacSo<br />

de urna legislacSo aplicável, que preze a seguranca, as penalidades cabíveis e a<br />

* É um programa que bloqueia o seu computador (cnquanlo esliver coneelado á <strong>In</strong>terne!) de conexo» que vocé ou<br />

os programas que vocc utilra 11J0 solicilarcim, quer dizer. Icnlnlívns de mwisoes Impcdc que seu computador seja<br />

invadidi) pot /fw(Ai'/*\.<br />

RUVISTA JUKÍDICA IN VliKIilS ii. <strong>15</strong>- LJI-'KN


BRUNO BARCELLOS CAVA1.CANTF.<br />

prevencao do crime. Em nosso país, nSo há legislacáo repressiva que puna os<br />

delinqüentes da <strong>In</strong>ternet, tendo sido apenas tomadas medidas administrativas<br />

quanto á explorado da rede. Em algumas localidades como Estados Unidos, Uniao<br />

Européia e Australia, já existe legislacao que puna os crimes virtuais. No Brasil,<br />

como já visto, temos apenas projetos de lei. Mesmo sendo criada urna legislacSo<br />

local, discute-se a criacao de um dispositivo jurídico que possa ser usado e aplicado<br />

de forma universal, ou seja, em todo o mundo virtual, um só ordenamento para<br />

todas as localidades.<br />

5.Conclusüo<br />

Como já mencionado anteriormente, é conhecido por seus usuarios os<br />

beneficios proporcionados pela <strong>In</strong>ternet, os quais sao de grande importancia para<br />

a sociedade moderna.<br />

A <strong>In</strong>ternet, originariamente, é composta por urna sociedade livre; nela<br />

n3o há limitacoes ou regras. É, portanto. nesse excesso de liberdade que está o<br />

problema.<br />

A Ciencia da informática nao é capaz de solucionar esse problema sem urna<br />

interdisciplinariedade. Nao há programa de computador perfeito, um software que<br />

dé total seguranca ao usuario quando navegar no ciberespaco. Na <strong>In</strong>ternet, nao se<br />

deve confiar em nenhum meio de seguranca, pois sempre há urna forma de quebrá-<br />

lo.<br />

A solucao para tal problema é regular a vida virtual através de um estudo<br />

interdisciplinar da <strong>In</strong>formática e do Direito. O cientista do Direito precisa dominar<br />

todo o fundamento da ciencia da computacao. Ao dominar as técnicas e conhecer<br />

mais o mundo virtual, ele poderá elaborar normas específicas com bastante efica<br />

cia. Porém, leis nacionais n5o sSo suficientes para solucionar o problema; elas<br />

apenas amenizam. O direito positivo é posto em cheque diante de alguns principi<br />

os de aplicacao das leis penáis, como o da territorialidade.<br />

Conclui-se que há a necessidade do estudo ¡nterdisciplinar do Direito e<br />

da <strong>In</strong>formática para a elaboracao de normas específicas de natureza global, de<br />

caráter internacional. Nesse diapasao, a sociedade virtual, do mesmo modo que a<br />

real, terá direito de fazer tudo que nao for proibido por lei, implicando as transgres-<br />

s5es em punicóes. Portanto, a solucao que o Direito aponta é a elaboracao de<br />

normas de caráter internacional, pois somente dessa forma resolver-se-á o proble<br />

ma da aplicacao da lei penal no espaco.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 169


OS CRIMES NA INTERNET HM KACH IX) CÓDIGO PrNAI. IIKASII.I-IIU)<br />

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VIANNA, Túlio Lima. Dos crimes por computador. <strong>In</strong>: <strong>Revista</strong> dos Tribunais, a. 91,<br />

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REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong>-UFRN 171


1. <strong>In</strong>troducíio<br />

ACOISAJULGADAFRENTEO PRINCIPIO DA<br />

ISONOMIA CONSTITUCIONAL<br />

Leonardo Dantas Nagashiina<br />

Académico do 9o período do curso de Direito - UFRN<br />

Monitor da disciplina Direito Administrativo I<br />

/. <strong>In</strong>troducao - 2. A Coisa Jidgada - 2.1. Conceito<br />

e fundamentos -2.2. A moderna teoría da Coisa<br />

Jidgada <strong>In</strong>constitucional -2.3. A Coisa Julgada<br />

Material e o Principio Constitucional da Isonomia<br />

-2.4. A A cao Rescisória e a Coisa Julgada-3.<br />

Conclusao - 4. Referencias Bibliográficas.<br />

Tudo leva a crer que a ética será a disciplina<br />

cxtudada de nos.su época.<br />

(Jacy de Souza Mendonca)<br />

A Constituic2o da República, quando da sua promulgacao em 1988,<br />

trouxe em seu bojo um rol de direitos fundamentáis elencados em seu artigo 5o,<br />

direitos que de tamanha importancia revestirán! tal dispositivo com a qualidade de<br />

cláusula pétrea, ou seja, de ¡nalterabilidade constitucional, n3o podendo ser modi<br />

ficado por meio de Emenda Constitucional nem por qualquer outro meio legal (art.<br />

60,§4daCF).<br />

Observa-se que esses direitos, a principio, n3o devem ser valorados,<br />

mas a prática mostra que quando do confronto entre mais de um deles, deve o<br />

julgador valer-se do seu juízo de valor e aplicar ao caso concreto (subsunc^io ou<br />

concrecüo da norma) aquilo que para a época se fizer mais "justo". É nesse diapasSo<br />

que injustifas s3o cometidas, vez que conjunturas políticas e económicas, sejam<br />

nacionais ou internacionais, bem como movimentos sociais, podem alterar<br />

sobremaneira o momento do julgado, intervindo, conseqüentemente, no seu<br />

resultado.<br />

O que fazer, entao, quando a coisa julgada produzir efeitos diversos<br />

para sujeitos que ajuizarem acOes individuáis em um niesmo período, baseando-se<br />

nos mesmos direitos e que so ter3o julgamentos diferentes em virtudc de<br />

entendimentos diversos dos julgadores quando da prolacflo da decisüo?<br />

l7- REVISTA JURÍDICA IN VIZRBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


LHONARDü DANTAS NAtiASIIIMA<br />

Pretende-se nesse trabalho vislumbrar as hipóteses legalmente<br />

instituidas a fim de que restem preservados os direitos de urna coletividade com<br />

interesses individuáis semelhantes (e por que nño dizer, idénticos), baseando-se,<br />

para tanto, no principio constitucional da ¡sonomia, presente no art. 5o, capul, da<br />

Const¡tuic3o Federal.<br />

2. ACoisü Julgada1<br />

2. l.Conceitoe fundamento<br />

Há muito entendida, a coisa julgada, como sendo um efeito da sentenca,<br />

"a mais moderna doutrina a conceitua como sendo déla simples qualidade" (Barro<br />

so, 2000, p. 187) e que pode ser entendida como a imutabilidade dos efeitos da<br />

decisáojudicial.<br />

No estudo do Direito Processual, vé-se a coisa julgada sob dois ángulos,<br />

podendo ser ela formal ou material, aquela, parte de urna sentenca terminativa (que<br />

apenas pSe fim ao processo em virtude da carencia de algum requisito que impela<br />

a apreciado do mérito) e esta versando acerca dos efeitos da sentenca de mérito,<br />

legalmente tida como a eficacia, que torna imutável e indiscutível a sentenca, nao<br />

mais sujeila a recurso ordinario ou extraordinario (art. 467 do CPC).<br />

Tratando sobre as decisñes proferidas pelos nossos julgadores, o<br />

Ministro José Augusto Delgado preconiza que<br />

o decisum emitido pelo Poder Judiciário deve<br />

exprimir confianca, prática de lealdade, da boa-fé<br />

e, especialmente, con/iguracao de moralidade ". Mais<br />

odiante afirma que "essa expressao de moralidade<br />

é reflexo dos sonhos democráticos que o povo<br />

deposita no exercicio do poder e na legitimidade<br />

da atividade jurisdicional. (2003, p.02).<br />

1 Nao se piule adcftUar cut bk» complexo tenia son antes cslmlar ¿i «usa jiil|UMla cni m'iis principáis aspectos, inonnciiic<br />

em se tratando do que a doumiia anuí vcm denonunando de coisa julpkla inconslilucional É de se ver. cornudo, que<br />

o présenle esludo abran^era tilo-vhnenie 3 coisa julgada nuicnal c sctis denos, em razio de ser a única que se coaduna<br />

aos flus .it|ui prestados<br />

I-VISTA JUKÍDICA IN VIÍKBISn. <strong>15</strong> HIKN n?t


A COISA JULGADA FRENTK O PRINCÍPIÜ DA ISONOMIA CONSTITUCIONAL<br />

É nesse contexto que se encontra o fundamento do preceito contido no<br />

art. 469 do Código de Processo Civil, ao afirmar que se constituem em coisa julgada<br />

os fundamentos da sentenca, n3o restando abrangidos os motivos, a verdade dos<br />

fatos e a apreciado da questao prejudicial, em face de se buscar, com a sentenca,<br />

o mais completo reflexo da concrecüo da nomia e dos principios éticos de urna<br />

sociedade, cominando, quanto aos efeitos, na chamada seguranca jurídica. Essa é<br />

a razao de Paula Batista preconizar que "a coisa julgada restringir-se-á á parte<br />

dispositiva do julgamento e aos pontos ai decididos e fielmente compreendidos<br />

em relacao aos seus objetivos" (apud Theodoro Júnior, 2001, p.471).<br />

Sámente a sentenca — e nem todas elas - poderá<br />

oferecer este tipo de estabilidade protetora daquilo<br />

que ojuiz hoja declarado como sendo "a lei do caso<br />

concreto ", de tal modo que isto se torne um preceito<br />

inwdiftcável para futuras relacoes jurídicas que se<br />

estabelecerem entre as partes perante as quais a<br />

sentenca tenha sido proferida. (Silva, 2000, p. 484).<br />

O Professor Walter Nunes da Silva Júnior assim dispoe quando trata da<br />

seguranca jurídica ocasionada pela coisa julgada:<br />

Constituí, á semelhanga da prescricao, antes unía<br />

exigencia de ordem política do que propriamente<br />

jurídica, em razao da necessidade de se obter, com o<br />

pronunciamento jurisdicional, a certeza do direito,<br />

no desideralo de conferir aos individuos a<br />

seguranca para o desenvolvimento para as suas<br />

relacoes jurídicas. (2003, p. 03).<br />

Conclui-se, pois, que a razSo da existencia da coisa julgada está na<br />

estabilidade trazida pelos julgados. Estabilidade essa convertida em seguranca, a<br />

qual impede que novas questoes venham a ser revisadas quando efetivamente<br />

niío se puder mais decidir acerca do mérito da causa, scja porque decorrido o prazo<br />

legal n3o tenha sido intentado um recurso, ou, seja porque estejam exauridas as<br />

vias recursais, o que dá ao vencedor da lide a certeza no julgado e nüo mera<br />

expectativa de exercício de um direito judicialmente decidido. Ocorre, entretanto,<br />

REVISTA JURÍDICA 1N VERlilSn. <strong>15</strong>-UF'RN


LHONARDO DANTAS NAUASHIMA<br />

que a coisa julgada pode produzir "inseguranca jurídica" quando a sentenca diferir<br />

em tratamentos ou se fundar em preceitos manifestamente inconstitucionais, como<br />

veremos.<br />

2.2. A moderna teoría da Coisa Julgada <strong>In</strong>constitucional<br />

Defendida por ilustres doutrinadores, dentre eles, o Prof. Humberto<br />

Theodoro Júnior, a teoría da coisa julgada inconstitucional vem ganhando cada<br />

vez mais adeptos, os quais acreditan! ser aquela t3o grave quanto urna lei<br />

inconstitucional.<br />

A Constituicáo, pilar de um sistema jurídico, nao há que tolerar urna sentenca que<br />

afronte seus principios básicos, ainda que esta tenha transitado em julgado; con<br />

siderando-as nulas ou inexistentes, podendo-se, assim, modifica-las a qualquer<br />

tempo.<br />

É bem de se ver que tal teoría tem sofrido críticas ferrenhas no que<br />

tange á modificacao dos julgados. Ora, sabe-se que as sentencas, mesmo<br />

inconstitucionais, esta"o a produzir efeitos e nao há que considera-las inexistentes<br />

no mundo jurídico, muito pelo contrarío. A estabilídade jurídica trazida pela coisa<br />

julgada também irá fazer surtir os seus efeitos.<br />

É nesse ponto que nao se pode modificar urna decisa"o para saciar os<br />

desejos daqueles que se engajam em concretizar os seus ideáis, os quais buscam<br />

sempre um pretexto para ajuizar novas demandas com base em um direito constitu-<br />

cionalmente protegido. Deve-se, portanto, ter calma na aplicaca"o da presente teoría.<br />

Sustentam, ainda, que o Judiciário n3o pode se ocupar de questdes já decididas,<br />

devendo a parte sucumbida aceitar a sentenca em virtude de adotarmos a jurisdicao<br />

como modo de resoluto de conflitos. Nessa atividade, "os órg3os jurisdicionais<br />

atuam para pacificar as pessoas confutantes, eliminando os conflitos e fazendo<br />

cumprir o preceito jurídico pertinente a cada caso que Ihes é apresentado em busca<br />

de solu9ao" (Cintra et al, 1996, p.23).<br />

A cautela quando da aplicacao da teoría da coisa julgada<br />

inconstitucional deve estar sempre presente e a sua relativizacao, mesmo<br />

extemporánea, deve-se cingir a questoes claramente pertinentes quanto ao julga-<br />

mento da lide, nao se aceitando, em conseqüéncia, afrontas aparentes a direitos<br />

-' O professor ! lumbcrto Tlicodoro Júnior na "Jomada Nacional Processual Civil Prof Galeno Lacerda", realizada<br />

em Porto Aleare cni maio do 2001. defcndcu a présenle leona com a palestra intitulada "a coisa julgada<br />

inconMiincional"<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 175


A COISA JULüADA FRI-NTI: ü PRINCIPIO DA ISONOMIA CONSTITUCIONAL<br />

possivelmente lesados. A lesao, aquí, deve ser clara, o que evita o problema da<br />

rediscussáo sucessiva de quest5es efetivamente decididas.<br />

2.3. A Coisa Julgada Material e o Principio Constitucional da Isonomia<br />

Sabe-sc que a coisa julgada material é parte da sentcnca de mérito, que<br />

a torna ¡mutável relativamente aos seus efeitos. Ocorre, entretanto, que algumas<br />

questóes podem restar injustas á medida que n3o podera"o ser rediscutidas em via<br />

judicial ouemqualqueroutraviaextrajudicial.<br />

Nao se trata aqui da aplicaciio dos efeitos da coisa julgada<br />

inconstitucional em face de sentenca manifestamente inconstitucional, a qual foi<br />

¡ntroduzida anteriormente. A sentenca agora tratada fundamenta-se em direitos<br />

dos pleiteantes constitucionalmente assegurados, sendo, portante constitucionais<br />

as decisoes proferidas e que sao motivos de estudo em virtude da afronta ao<br />

principio da isonomia quando da análise dos diversos resultados obtidos em<br />

diferentes acSes ajuizadas, as quais fundamentam-se em direitos semelhantes.<br />

É o caso, no Brasil, das acSes de expurgo inflacionario de Fundo de<br />

Garantía por Tempo de Servico - FGTS - referente aos planos económicos<br />

instituidos no Brasil em Governos anteriores, ñas quais alguns autores de acSes<br />

individuáis pleitearam reajustes nos mais diversos planos, sendo tais valores<br />

concedidos pelos Tribunais Superiores, enquanto outros sujeitos, ajuizando aedes<br />

na mesma época, baseados nos mesmos direitos e com as mesmas prerrogativas<br />

pessoais e funcionáis, n3o o conseguiram em virtude de seus processos serem<br />

distribuidos a jufzes que possuíam conviccSes diferentes sobre os índices de<br />

reajuste, e, quando da apreciaciio dos recursos, seja por mudanca de entendimento<br />

dos Tribunais, seja por alteracOes conjunturais, que conduziram os julgadores a<br />

decidirem de modo diverso, exauriram a via recursal, conseguindo aqueles apenas<br />

alguns dos valores pleiteados.<br />

Chegou-se ao caso de termos, entao, dentro de urna mesma repartic3o<br />

pública, funcionarios com o mesmo tempo de servico e mesmas atribuicóes<br />

funcionáis recebendo da Caixa Económica Federal valores atualizados de Fundo<br />

de Garantía por Tempo de Servio que em muito se diferenciavam. Será que alguns<br />

teriam mais direítos a reclamar que outros, recebendo, em conseqüéncia, mais<br />

reajustes? Como solucionar a afronta ao principio constitucional da isonomia?<br />

É claro o texto constitucional a dispon<br />

176 REVISTA JURÍDICA IN VHRÜIS n. <strong>15</strong> - UFRN


LEONARDO DANTAS NACiASIIIMA<br />

Arl. 5": Todos sao iguais perante a le i, sem distincao<br />

de qualquer naturcza, garantindo-se aos hrasileiros<br />

e aos estrangeiros residentes no país a<br />

¡nviolahilidade do direito a vida, a igualdade, a<br />

seguranga e a propriedade, (...).<br />

Rui Portanova ao tratar do principio da ¡gualdade o define como a "equi-<br />

paracüo de todos que estejam submetidos a unía dada ordem jurídica no que se<br />

refere ao respeito, ao gozo e á fruicao de direitos, assim como á sujeic3o de deveres"<br />

(2001, p. 35). O Direito, como se sabe, é uno, e quando sao iguais os direitos<br />

subjetivos, iguais seráo (pelo menos, deveriam ser) os tratamentos dados a cada<br />

cidadao; tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais.<br />

Ojuizfederal Francisco Barros Días n3o foge a essa linha de pensamento,<br />

baseando-se na doutrina de Prof. José Afonso da Silva, indicando que:<br />

Aofalar deste principio peranle o juiz, afirma José<br />

Afonso da Silva, o seguinte: "o principio da<br />

igualdadejurisdicional ou perante ojuiz (¡presenta<br />

se, paríanlo, sob dais prismas: I) como ¡nlurdicao<br />

aojuiz defazer distincao entre situacdes iguais, ao<br />

aplicar a lei; 2) como interdicao ao legislador de<br />

editar leis que possibilitem tratamento desigual a<br />

situacdes iguais ou tratamento igual a situacoes<br />

designáis por parte da Justica" (2003, p.07).<br />

Assim, resta claro que o principio da igualdade nao fora obedecido no<br />

caso dosjulgamentos das acóes de reajuste monetario do FGTS. É de se perguntar<br />

se o cidadao que teve a infelicidade de ter sua pretensao julgada por magistrados<br />

com diferentes visoes sobre o tema, ficará privado do gozo de um direito expresso<br />

em nossa Constituicao quando já alcancada a sentenca pelos efeitos da coisa<br />

julgada. A resposta há que ser negativa.<br />

Primeiro é de ser perquirido se a sentenca foi proferida mediante alguns<br />

dos ¡tens do art. 485 do Código de Processo Civil, tais a prevaricado, a incompe<br />

tencia do juiz, dolo da parte vencedora para que se obtivesse o resultado<br />

conseguido. Nesses casos, dentro do prazo de dois anos contados do tránsito em<br />

julgado da sentenca, poderá haver revisao por meio de acao rescisória, que será<br />

REVISTA JURÍDICA INVF.RBISn <strong>15</strong> UFRN l77


A COISA JULGADA RtLNTI: O 1'RINCÍPIO DA ISONOMIA CONSTITUCIONAL<br />

vista mais adiante em tópico específico. Porém, n3o estando configurados os<br />

requisitos para a propositura de urna acao rescisória, o sucumbido nao pode ficar<br />

á mercé do ordenamento, restando-lhe a tentativa de revis3o judicial quanto á<br />

parte julgada improcedente na decisSo. Justifica-se tal pensamento porque "na<br />

queda de braco entre a coisa julgada, de um lado, e a legalidade e a isonomia, do<br />

oulro lado, a primeira cede passo ás segundas" (Lima apud Dias, 2003, p.08).<br />

Logo, vislumbra-se urna possibilidade de re-análise ou revisáo do mérito<br />

da causa cm face do dcsrcspcito ao principio da isonomia constitucional c da mío<br />

configurado de coisa julgada quanto a verdade dos tatos (conforme a leitura do<br />

art. 469, II, do CPC), o que dá ao individuo que se viu privado de seus direitos, a<br />

chance de igualar-sc áquele que oblcvc a concrecüo esperada; no caso apresenlado,<br />

o reajuste das contas vinculadas ao FGTS nos índices denegados pelo Judiciário,<br />

salvo se restar indubitável a nao caracterizacao da expurgacáo inflacionaria na<br />

parte sucumbida, por dedsilo do colegiado legilimninenle competente para tanto<br />

(Tribunais da cúpula do Poder Judiciário brasileiro) e devidamente fundamentada,<br />

a qual contenha explícitamente a impossibilidade de aplicaciío de correcto a tais<br />

índices. Rcsuminclo, seria urna adaptadlo da rcvisílo criminal a scara cívcl, sempre<br />

em busca do principio da verdudc real c nQo mais pela verdade aparente, l'ornial ou<br />

processual, como acontece nos moldes do processo civil atual.<br />

Tal possibilidade encontra respaldo ñas palavras do Prof. Paulo Roberto<br />

de Oliveira Lima apud Francisco Barros Dias, que apregoa:<br />

(...) para tanto, nao é necessária qualquer reforma<br />

na nossa Constituicao, depois acrescenta -, (...) é<br />

perfeitamente constitucional a alteracao do instituto<br />

da coisa julgada, aínda que a mudanca implique<br />

restringir-lhe a aplicacao, a criacao de novos<br />

instrumentos de seu controle ou até a sua supressdo,<br />

em algum ou em todos os casos. (2003, p. ¡I).<br />

A teoría aqui esposada busca a reparac3o de um equívoco do Judiciário<br />

por meios aceitos em nosso sistema processual, mas que num futuro nao distante<br />

ainda passará por provaeñes e críticas, quando da sua efetiva implementacüo.<br />

Esse é apenas um exemplo que se pode citar, dentre varios que ocorreram<br />

e que, certamente, ainda ocorrerño no decorrer da historia brasileira, mas que<br />

claramente nao condizem com os objetivos propostos pela República Brasileira,<br />

178 RLVISTA JURÍDICA IN VERB1S n. <strong>15</strong> - UFRN


I.HONARDO DANTAS NAGASIIIMA<br />

nein tampouco, com os seus principios constitucionais.<br />

2.4. A Acilo Rescisória c a Coisa Julgada<br />

A acño rescisória é -'o remedio jurídico que visa reparar a injustica de<br />

urna sentenca transitada em julgada" (Barroso, 2000, p.216). Sua eficacia se dá na<br />

medida em que temos a extincüo da imutabilidade dos efcitos materiais da sentenca<br />

de mérito, trazendo o art. 485 do Código de Processo Civil as possibilidades de<br />

rescisflo.<br />

Art. 485. A sentenca de mérito, transitada em<br />

julgado. pode ser rescindida quando:<br />

I - se verificar que fot dada por prevaricacao, con-<br />

cussao ou corrupcao dojuiz;<br />

II - proferida por juiz impedido ou absolutamente<br />

incompetente;<br />

III - resultar de dolo da parle vencedora em<br />

detrimento da parte vencida, ou de colusüo entre as<br />

partes, aftm defraudar a lei;<br />

IV- ofender a coisajulgada;<br />

V - violar literal disposicao de lei;<br />

VI - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido<br />

apurada em processo criminal ou seja provada na<br />

própria acao rescisória;<br />

VII - depois da sentenca, o autor obtiver documento<br />

novo, cuja existencia ignorava, ou de que nao pode<br />

fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar<br />

pronunciamento favorável;<br />

VIH - houverfundamento para invalidar conftssao,<br />

desistencia ou transacao, em que se baseou a<br />

sentenca;<br />

IX'— fundada em erro de futo, resultante de alos ou<br />

de documentos da causa.<br />

Com a aguo rescisória, cria-se a possibilidade de urna nova discussáo<br />

sobre a causa oriunda de sentenca já transitada em julgado. N3o há que se analisar<br />

aqui todos os pontos ácima transcritos, até mesmo por tratarem de questoes formáis<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l79


A COISA JULÜADA FRENTE O PRINCIPIO DA ISÜNOMIA CONSTITUCIONAL<br />

da sentenca; porém, os incisos Vil e IX merecem algumas reflexóes mais<br />

aprofundadas.<br />

Aplicando a regra da ac2o rescisória ao aludido caso da correcüo dos valores das<br />

contas vinculadas ao FGTS, temos que o julgador, quando da prolacao de sua<br />

decis3o, deveria se fundamentar em pareceres emitidos por especialistas para que<br />

possa a mesma encerrar o assunto, chegando-se á estabilidade garantida. Entre<br />

tanto, se nSo preenchidos tais requisitos, sobrevindo entendimento específico<br />

que verse acerca da possibilidade da correcüo dos índices de FGTS, e dentro do<br />

prazo dos dois anos preconizados pelo art. 495 do CPC, a medida cabívcl para<br />

reparar a injustica seria a ac3o rescisória. Raciocinio idéntico se aplica comprovando-<br />

sc posteriormente que houve incorrccüo parcial ou total dos valores concedidos<br />

anteriormente, os quais tiveram por base entendimentos igualmente incorretos<br />

sobre o caso, ¡nduzindo em erro de falo a materia tratada por parte dos julgadorcs.<br />

Alguns seguidores da tcoria da coisa julgada inconstitucional, como<br />

Francisco Barros Dias, sustentam que dentre os fundamentos para a propositura<br />

da ac3o rescisória deve-se ser acrescentado o da inconstitucionalidade do julgado.<br />

Ncssc diapasüo, sustenta que o prazo decadencial para a propositura da afilo<br />

presente no CPC (art. 495) nüo deve regular a materia, inexistindo prazo para o<br />

ajuizamcnlo da rescisória, sendo, como se percebe, instrumento pcrfcitamcntc<br />

cabívcl para a tutela de inleresscs individuáis cm nosso sistema processual.<br />

Essa é a idéia principal da ac3o rescisória, nos moldes atuais e com a<br />

perspectiva da sua modificacáo, a qual tem grande relevancia no ordenamento<br />

jurídico nacional e que, em virtude dos seus requisitos de admissibilidade (vicios<br />

de anulabilidade da sentenca) nSo fere o dispositivo constitucional da coisa julgada,<br />

tampouco ocorrendo gravames á Constituicao em sua aplicado á<br />

inconstitucionalidade produzida pela sentenca.<br />

3. ConclusSo<br />

A coisa julgada, como fora dito no decorrer do trabalho, tem sofrido<br />

nesses últimos anos questionamentos diversos acerca da sua sustentabilidade no<br />

Brasil. Teorías como a coisa julgada inconstitucional, relativizacáo ou flexibilizacüo<br />

da coisa julgada trouxeram á tona debates que versam sobre a mutabilidade dos<br />

julgados em virtude de serem estes inconstitucionais ou nao retratarem a verdade<br />

como quando na época de sua publicado.<br />

A introducSo dessas teorías no cenário jurídico nacional certamente<br />

180 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


LKONARDO DANTAS NAGASIIIMA<br />

aínda despertará discussóes sobre a efetividade da seguranca jurídica ocasionada<br />

pela coisa julgada e. em especial, dos efeitos da scnlenca de mérito que se balizaran<br />

em inverdades ou que trouxerem em seu bojo unía ¡mensa disparidade de direilos,<br />

relativamente aqueles que os pleiteiam.<br />

1! corto que aínda incipiente é o pensamento sobre as disparidades<br />

ocasionadas pelas sentencas, mas o tempo é capaz de provar que elas n2o devem<br />

perdurar em umasociedade bascada em direitos individuáis e calcada em principios<br />

universais, como c o da isonomia dos cidadüos.<br />

Para tanto, a mudanca de consciéncia dos operadores jurídicos (que se<br />

faz complexa em virtude da comodidade dos julgadores em n3o aceitar a relativizacáo<br />

da coisa julgada), é capaz de, mesmo sem alteracao nos textos legáis, suprir essa<br />

suposta omissSo instrumental; cabendo aos doutrinadores aperfeicoarem essa<br />

teoría, ¡ntroduzindo novos conceítos que, sem ferír a ordem jurídica, sejam capazes<br />

de reparar ¡njusticas ocasionadas por atos dos seus próprios representantes,<br />

mormente, a adocáo de acóes baseadas na ré-análise do mérito, sejam elas acóes<br />

rescisórias ou nüo, e "acóes declaratorias de inexistencia de coisa julgada<br />

inconstitucional" (Días, 2003, p.13) as quais nüo encontram óbices em nosso<br />

Ordenamento Jurídico.<br />

4. Referencias Bibliográficas<br />

BARROSO, Carlos Eduardo Fcrras de Mattos. Teoría Gcral do Processoe Proccsso<br />

de Conhecimento. Serie Sinopse <strong>Jurídica</strong> -11. S3o Paulo: Saraiva, 2000.<br />

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,<br />

Cándido Rangel. Teoría Geral do Processo. 12 ed. S3o Paulo: Malheiros Editores,<br />

19%.<br />

DELGADO, José Augusto Delgado. Efeitos da Coisa Julgada e Principios Cons<br />

titucional. <strong>In</strong>. www.oab-ba.org.br/advogado/artigosedebates/art42.zip, 20 de<br />

abril de 2003.<br />

DÍAS, Francisco Barros. Breve análise sobre a Coisa Julgada <strong>In</strong>constitucional,<br />

ln. www.jfm.gov.br/docs/doutrinal29.doc, 23 de abril de 2003.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN 161


A COISA JUI.ÜADA FRI-NTU O PRINCIPIO DA ISONOMIA CONSTITUCIONAL<br />

PORTANOVA, Rui. Principios do Processo Civil. 4ed. Porto Alegre: Livraria do<br />

Advogado Editora, 2001.<br />

SILVA, Ovidio A. Baptista da. Elementos de Processo Civil. 5ed. S3o Paulo: Sarai-<br />

va,2000.<br />

SILVA JÚNIOR, WalterNunes da. Coisajulgadardireito facultativo ou imperativo.<br />

<strong>In</strong>. www.jfm.gov.br/docs/doutrinal 06.doc, 23 de abril de 2003.<br />

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol.l. 36ed.<br />

Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.<br />

182 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


DIREITO PROBATORIO EOCARATERNÁO ABSOLUTO DO PRINCÍPIO<br />

DA INADMISSIBILIDADE DASPROVASOBTIDASPORMEIOS ILÍCITOS<br />

Ana Claudia Freiré da Costa Bezerra<br />

Académica do 5o período da Universidade Federal do Rio Grande do Norte<br />

1-CONSIDERACÓES INICIÁIS:<br />

Consoanie o artigo 5o, inciso LVI, da Constituicao Federal de 1988 (CF),<br />

■'s3o ¡nadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". Tal preceito<br />

norteia n3o só o sistema jurídico brasileiro, mas também varias outras legislacSes<br />

em todo o mundo.<br />

Ao longo do tempo, a doutrina e a jurisprudencia mundiais conflitaram<br />

a respeito da aceitado ou nao das provas obtidas por meios ilícitos no corpo de<br />

um procedimento judicial. O Brasil, até 1988, era um dos países que admitía deter<br />

minadas provas obtidas por meios ilícitos. Com a promulgacao da Carta de 88,<br />

tornou-se inadmissível tal procedimento, já que o mesmo maculava de<br />

inconstitucionalidade todo processo, fato que espelhava o desrespeito a um outro<br />

preceito consagrado constitucionalmente no artigo 5o, inciso LIV: o do devido<br />

processo legal. Hodiernamente, o entendimento prevalecente é o de que tais provas,<br />

inquinadas de ilegitimidade, nao devem ser acatadas e, caso já constem nos autos<br />

processuais, devem destes ser desentranhadas. Dessa forma, o Supremo Tribunal<br />

Federal (STF) tem decidido no sentido de nao admitir as provas que nascam de<br />

meios ilícitos, seguindo a teoría dos "frutos da árvorc envenenada", criada pela<br />

Suprema Corte Americana.<br />

Partindo do exposto, o presente estudo tem por escopo demonstrar<br />

que, apesar de a CF consagrar o principio da inadmissibilidade das provas obtidas<br />

por meios ilícitos e tal principio imperar na maioria dos sistemas jurídicos mundiais,<br />

este n3o é absoluto. Como bem lembra Ada Pellcgrini Grinover, "os direitos do<br />

homcm mío podcm ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restricao<br />

resultante do principio da convivencia das liberdades" (Grinover, 2001, p. 129).<br />

2- DIREITO Á PROVA;ONUSPROBAND1E VALORACÁO DAS PROVAS:<br />

É ¡nconteste que para as teses advindas das ciencias exatas serem<br />

validadas, suas teorías e fórmulas devem ser passívcis de dcmonstrac.no medíanle<br />

experimentos práticos. Do mesmo modo, na ciencia jurídica estao presentes<br />

elementos que constituem meios de comprovacao de situacóes fáticas, quais sejam,<br />

os elementos probatorios. Desde os períodos mais remotos a provajá era utilizada<br />

como instrumento para a busca da verdade e conseqüente solucao dos conflitos<br />

REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN l83


ANA CLAUDIA l-'RKIRü DA COSTA WJ.liRRA<br />

que desde sempre existirán! nos mais antigos grupos humanos.<br />

Consoante o vocabulario jurídico, prova é todo mcio legal, usado no<br />

processo, capaz de demonstrar a verdade dos fatos alegados em juízo. Tal elemento<br />

tem por escopo influenciar na formacao da convicio do juiz, para o qual se destina.<br />

Em todo processo, as dúvidas que insurgem com rclac3o tanto aos<br />

fatos alegados pela parte que objetiva dada pretensSo, como aqueles argüidos<br />

pela parte da qual se exige urna reparacSo, serao dirimidas na fase de instrucSo<br />

processual, na qual serao apresentadas as provas trazidas pelas partes e, a partir<br />

daí, o julgador estará instrumentalizado para apreciar a situacSo jurídica e<br />

fundamentar a sua decis3o com dados sólidos e seguros. Destarte, consoante<br />

leciona Ada Pellegrini Grinover, "a prova constituí, pois, o instrumento por meio<br />

do qual se forma a conviccao do juiz a respeito da ocorrencia ou inocorréncia dos<br />

fatos controvertidos no processo" (Cintra, 1999, p.347). É elemento instrumental<br />

para que as partes influam no convencimento do magistrado e o meio de que este<br />

se serve para apurar a veracidade dos fatos alegados em juízo. Faz-se mister frisar<br />

que somente os fatos que possam dar lugar á dúvida, que exijam urna comprovacao,<br />

é que constituem objeto de prova. Sendo assim, conforme preceitua o Código de<br />

Processo Civil (CPC) em seu artigo 334, nao dependem de prova os fatos notorios,<br />

os afirmados por unía parte e confessados pela parte contraria, os fatos<br />

incontroversos e os que em cujo favor milita presuncSo lega! de existencia ou de<br />

veracidade. No Processo Penal, contudo, com vistas a interesses indisponíveis,<br />

até mesmo com relacao aos fatos incontroversos, o juiz pode, discricionariamente,<br />

requerer elementos probatorios ex officio.<br />

A finalidade do Direito Processual, portanto, é fixar urna verdade jurídica,<br />

designio este alcancado mediante as provas judiciais.<br />

Consoante está consignado na Carta Magna, o Poder Judiciário nao se<br />

pode absier de apreciar lesao ou ameaca a direito. Desse preceito deprcende-se<br />

que a todos é assegurado o direito de acao, inclusive ao Estado. Registre-se que<br />

conferido o direito de ac, ao, reconhece-se o direito de defesa da parte contra a qual<br />

recai o primeiro. É a corroboracüo do principio do devido processo legal, que<br />

garante "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em<br />

gcral o direito á ampia defesa e ao contrnditório. com os mcios e recursos a ela<br />

¡nerenles" (Cl\ artigo 5", LV). As partes devem ser proporcionadas condicoes para<br />

que ¡nterfiram e influam na formacao da conviccao do juiz e é exatamente por meio<br />

do contraditório que isso se concretiza, já que na dialética do processo as partes<br />

Ibrmularao alegacSes e produzirüo provas com o desiderato de que seja alcancada<br />

a verdade e seja restabelecido o equilibrio, tato que demonstra a íntima ligacSo do<br />

184 REVISTA JURÍDICA INVF.RBISn. <strong>15</strong>-UFRN


OIRlilTO PROBATORIO li O CARÁTER NAO ABSOLUTO DO I'RINCÍPIO DA INADMISSIUILIDADI:<br />

DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITOS<br />

direito á prova com o direito de acáo e defesa. A ampia defesa abarca ¡números<br />

atos que devem ser utilizados na persecuc3o de verdade real e tais atos n3o se<br />

refletem apenas de maneira negativa, ou seja, na resistencia ou oposicao á pretensáo<br />

do autor, mas a ampia defesa enseja também uma participac3o positiva, no sentido<br />

de intervir, influenciar, incidir sobre o andamento do processo, causando efeitos<br />

no seu resultado. Sendo assirn, o direito á prova conferido aos litigantes é<br />

consectario do preceito expresso no artigo 5o, LV da CF. N3o é diferente o<br />

entendimento da nossa jurisprudencia, segundo a qual as partes devem ser<br />

conferidos recursos para oferecimento da materia probatoria:<br />

O respeito ao principio constitucional do<br />

contraditório - que tem, na instrucao probatoria,<br />

um dos momentos mais expressivos de sua<br />

incidencia no processo penal condenatorio - tradui<br />

um dos elementos realizadores do postulado do<br />

devidoprocesso legal (STF - HC - Reí. Min. Celso<br />

deMello-j. 18.2.1992 - RTJ 140/856).<br />

Sendo assim, o contraditório, como reflexo do principio da igualdade,<br />

pressupñe uma paridade entre as partes, as quais participam decisivamente na<br />

fase de ¡nstruc3o processual.<br />

O direito de Í19ÍI0 c defesa possibililn as parles ¡nlcrvircm no clesen-<br />

volvimento e resultado do processo. Tal interferencia é permitida pelo direito que<br />

as partes tém de apresentar elementos probatorios. Vale frisar, todavía, que o<br />

direito á prova possui limitares e, portanto, a rejeieño n um meio de prova nílo<br />

significa a violando da garantía constitucional.<br />

Percebe-se, portanto, que o direito probatorio é corolario do principio<br />

constitucional do contraditório e este, quando violado, implica em cerceamento da<br />

defesa ou da acusacSo. Desta forma, o rumo dos meios de prova deve conduzir-se<br />

sob a ótica do devido processo legal. O fulcro da producüo das provas é ela ser<br />

realizada em contraditório. Tal posicSo é defendida pela doutrina brasileira e<br />

estrangeira. Com relacSo á prova emprestada, esta será acolhida no processo atual<br />

caso seja submetida a novo contraditório. Na hipótese de n§o sujeicao a este,<br />

configurar-se-á prova ilícita. Portanto, a existencia do contraditório é cond¡c3o de<br />

validade da prova.<br />

Com relacüo ao onus probandi, este, a priori, cabe a quem alega o fato.<br />

Porém, há excecOes, ñas quais há urna inversSo do ónus da prova. É importante<br />

ressaltar que o juiz n3o é uma peca inerte no jogo processual. dentro do qual<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN '83


ANA CLAUDIA IRIMRE DA COSTA BKZERRA<br />

somente as partes cabe o direito de requerer e apresentar materia probatoria. O<br />

pretor no curso da inslrucao, ou antes da sentenca, pode determinar, de oficio,<br />

diligencias para dirimir dúvidas. Além disso, cabe ao juiz do processo a apreciacSo<br />

e valorado dos elementos probatorios. Todas as provas trazidas durante a fase<br />

instrutória e as alegacSes feitas pelas partes constituir-se-3o em objeto de análise<br />

do julgador, o qual, com base no principio da motivacao, fundamentará a sua<br />

sentenca a partir das informacOes colhidas na fase probatoria.<br />

A valoracao do material de prova será feita com base no sistema da<br />

persuasSo racional. Faz-se necessário, porém, um retorno no panorama histórico<br />

com o fito de investigar os sistemas de apreciado ou valoracao das provas até se<br />

chegar ao que, modernamente, é adotado por nossa Iegislac3o. O primeiro sistema<br />

é o da livre apreciado ou da convicio íntima, segundo o qual, o juiz, conforme<br />

sua valorac3o pessoal, independentemente do que consta nos autos, tem toda a<br />

liberdade de decis3o e n3o é obrigado a motivar as suas sentencas. Em<br />

contraposi?ao a esse modo de apreciacao probatoria, tem-se o sistema das provas<br />

legáis, no qual a liberdade do juiz é tolhida, já que a lei se encarrega de determinar<br />

as provas a serem admitidas e o valor de cada uma délas. Assim, fica o meritíssimo<br />

vinculado á lei. Por fim, como sempre há uma corrente que tem como esséncia a<br />

medianía, evoluiu-se para o hodierno sistema da persuas3o racional ou do livre<br />

convencimento, o qual encontra-se afastado da inseguranca e do arbitrio judicial,<br />

ensejados pelo primeiro sistema, e possibilita uma liberdade sob medida ao juiz, a<br />

fim de que este se esmere e possua meios para alcancar a verdade, já que no<br />

sistema das provas legáis tal liberdade é bastante restringida. Sendo assim, o juiz<br />

possui liberdade de apreciar e valorar as provas, mas n3o deve olvidar da análise<br />

dos elementos constantes dos autos e de fundamentar as suas decisoes. garantía<br />

esta exigida pela Lei Maior em seu artigo 93, inciso IX.<br />

3-PROVAS ILÍCITAS:<br />

As provas ¡lícitas corresponden! a uma especie das chamadas provas<br />

vedadas. Estas compreendem aquelas e as chamadas provas ilegítimas, as quais<br />

contrariam normas processuais, indo de encontró á lógica e finalidade do processo.<br />

As provas ilícitas s3o aquelas que ferem normas ou principios de direito substancial,<br />

ou seja, s3o inadmissíveis pelo fato de contrariarem direitos que o ordenamento<br />

reconhece aos individuos. A vedac3o, destarte, pode decorrer de uma norma<br />

processual, de uma norma material ou, ainda, de principios gerais do direito.<br />

Além da distincao entre as provas ilícitas e as provas ¡legítimas<br />

RI-VISTA JURÍDICA IN VKRI3IS n. <strong>15</strong> - UPRN


DIRHITO PROHATORIO C O CARÁTER NAO ABSOLUTO DO PRINCIPIO DA ÍNADMISSIUILIDADI!<br />

DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITOS<br />

enfocando o criterio da natureza da norma violada, estabelece-se, outrossim, urna<br />

distincao com relacüo ao momento da transgress3o: a ilegalidade, ñas provas<br />

ilegítimas, consuma-se no momento de sua producSo, isto é, no momento de sua<br />

introduc3o no processo. Já com relacao ás provas ilícitas, a mancha de<br />

inconstitucionalidade se dá no momento da colheita das mesmas, normalmente<br />

anterior á produc3o das provas em jufzo e externamente ao processo. Dessa forma,<br />

percebe-se que em ambos os casos, na violacao de normas processuais e na<br />

violacSo de normas ou principios substanciáis, configura-se a ilegalidade. No<br />

primciro cnso linvem mn ato ilegítimo c no segundo, tim uto ilícito. Portnnio, um¡i<br />

prova será ¡legal quando violar normas legáis ou principios gerais do ordenamento,<br />

de natureza processual ou material. Sendo assim a prova ilícita é<br />

a prova colhuía infringindo-se normas ou principios<br />

colocados pela Constituicao e pelas leis,<br />

freqüenteniente para a protecdo das liherdades<br />

públicas e dos direitos da personalidade e daquela<br />

sua manifeslacdo que é o direito a intimidade<br />

(Grinover,200l,p.l33).<br />

Pode-se considerar, portanto, as provas ilícitas como sendo aquetas<br />

que ferem normas materiais ou principios do direito e aquelas délas decorrentes,<br />

ou seja, as que, conquanto lícitas, resultam de provas ilícitas. S3o as chamadas<br />

provas ilícitas por derivac3o.<br />

É inconteste que, embora o direito a produzir prova esteja albergado na<br />

Leí Magna, n3o significa que seja absoluto e ilimitado. As liberdades dos individuos<br />

n3o podem ser exercidas de modo que venham a causar danos á ordem social e ás<br />

liberdades alheias. Os direitos fundamentáis devem ser assegurados e tutelados<br />

tendo como enfoque o individuo inserido em um contexto social, fato que caracteriza<br />

o Estado Social de Direito, no qual o individuo possui direitos, mas estes n3o sSo<br />

infindos.<br />

O direito probatorio, dessa forma, apesar de constituir urna das prerro<br />

gativas do direito de defesa, também possui restriefies, visto que deve ser balizado<br />

por regras moráis, conforme consigna o artigo 332 do CPC, segundo o qual "sao<br />

admitidos todos os meios legáis e os moralmente legítimos para provara verdade<br />

dos fatos". O rito probatorio deve ser revestido de um valor ético de sorte que<br />

possa se constituir em urna garantía aos individuos.<br />

Assim, apesar de continuar preservado o direito de apresentar provas.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN l87


ANA CLAUDIA KREIRE DA COSTA BEZERRA<br />

o qual enseja liberdade para a producán destas, visto nao haver um rol taxativo de<br />

provas legáis, é imperioso que a atividade probatoria, como toda atividade proces-<br />

sual, esteja voltada para a busca da justica social, com vistas a realizar o bem<br />

comum. Faz-se necessário impor limites á atividade instrutória a fim de que nao<br />

sejam sacrificados valores, cuja relevancia se situé em um ámbito mais ampio que a<br />

esfera individual. É nesse ínterim que se aloca o problema da admissibilidade das<br />

provas ilícitas. Coloca-se em jogo dois interesses igualmente valiosos para a paz<br />

social, que é o fim primacial do direito: a busca, a qualquer preco, da verdade em<br />

defesa da sociedade ou a tutela ás garantías fundamentáis asseguradas<br />

constitucionalmente que, porventura, possam ser violadas em virtude dessa busca<br />

incondicional da verdade.<br />

4- INADM1SSIBILIDADE DAS PROVASOBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS:<br />

Durante algum tempo o tema das provas ilícitas foi relegado a segundo<br />

plano pela doutrina e jurisprudencia. Quando do inicio da apreciacüo de tal temática<br />

pelos juristas, surgiram diversas teorías, as quais basearam-se em criterios diversi<br />

ficados. Entre estas se destacaran! as que partiram dos pressupostos do livre<br />

convencimento do juiz e da "verdade real", fato este que determinava o<br />

entendimento da investigado da verdade, aínda que fundada em meios ilícitos. A<br />

maioría dos juristas pugnava pela sobreposic3o do interesse da coletividade na<br />

busca da verdade com relacüío a urna mera formalidade antijurídica. Muitos defen-<br />

diam que as provas eivadas de ilicitude deveriam ser admitidas tendo em vista um<br />

interesse mais relevante, qual seja, o ¡nteresse público. Segundo tal concepcSo, a<br />

prova ilícita, com vistas á busca da verdade e com base no dogma do livre conven<br />

cimento do juiz, deve ser tida como válida e eficaz, sem prejuízo, todavía, das<br />

sanc.6es cabíveis ao infrator. Dessa forma, consoante as teorias, aínda hoje<br />

existentes, que propalam a admissíbilidade de tais provas no processo, somente as<br />

chamadas provas ilegítimas, ou seja, as que a lei processual proscreve, estariam<br />

inquinadas de vicios.<br />

Embora, em urna fase preambular, algumas teorias tenham lutado pela<br />

admissibilidade das provas ilícitas, quando estas se mostravam demasiadamente<br />

relevantes e pertinentes, sem prejuízo da punicSo do responsável pelo ato ilícito,<br />

houve urna pendencia doutrinária e jurisprudencial para a teoria da inadmissibilidade<br />

das provas ilícitas, pendencia esta confirmada, aquí no Brasil, por algumas deci-<br />

sñes do STF. Posteriormente, configurou-se a consagracüo constitucional de tal<br />

principio. Hoje, como demonstra a tendencia evolutiva, a posicao dominante é pela<br />

188 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


DIRKITO PROBATORIO t O CARÁTER NAO ABSOLUTO DO PRINCIPIO DA 1NADMISSIBILIDADF.<br />

DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITOS<br />

inadmissibilidade das provas ilícitas. Por mais importantes que sejam os fatos por<br />

elas demonstrados, tais provas devem ser banidas do processo, visto que possuem<br />

a marca de inconstitucionalidade, na medida em que contrariam normas ou principios<br />

consignados na Carta Maior. Dessa forma, dados probatorios oriundos de trans-<br />

gressSes ao ordenamento positivo, em regra, s2o inválidos. Tais elementos n3o<br />

possuem valor probante.<br />

Nelson Hungría, embora declarándose favorável<br />

á livre admissao da prova emjuízo como atribulo<br />

do principio do livre convencimento, e<br />

identificando a finalidade do processo penal com<br />

a descoberta da verdade material, entende que a<br />

liberdade na apreciacao dos meios de prova, por<br />

maior que seja, nao é total: o limite é aquele que<br />

garanta a exclusdo dos meios de prova que atentem<br />

contra o pudor público, ou se revelem subversivos<br />

da ordem pública, violentos e atentatorios a<br />

personalidade humana ou á moral pública (Hungría<br />

apud Avolio, 2003, p.76).<br />

Conquanto o principio supramencionado esteja amparado constitucio-<br />

nalmente e seja acolhido na maioria dos ordenamentos comparados, há ainda<br />

pontos que suscitam debates na doutrina e jurisprudencia com relacSo ao seu<br />

caráter nüo absolutorio.<br />

5- O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE:<br />

É indubitável que os direitos n3o podem ser exercidos de modo absolu<br />

to. A liberdade de um individuo só pode ser exercida até onde se inicia a Hberdade<br />

alheia. Sendo assim, do mesmo modo que o direito á prova, em face das garantias<br />

fundamentáis, é restringido pelo principio da inadmissibilidade das provas obti-<br />

das por meios ilícitos ou pelas vedacfles probatorias, o principio da<br />

proporcional idade surge, em varias legislacñes, inclusive na nossa, como elemen<br />

to balizador do principio da inutilizabilidade das provas ilícitas.<br />

A tendencia doutrinária e jurisprudencial acompanhou o sentido de<br />

evolucSo da teoria da admissibilidade para a inadmissibilidade das provas ilícitas.<br />

Embora esta última corresponda á posicño dominante, hodiernamente, na maioria<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN l8°


ANA CLAUDIA FRKIRI- DA COSTA HI:ZRRRA<br />

dos sistemas jurídicos mundiais, surgem ainda debates na doutrina a respeito do<br />

tempero que deve ser dado á utilizacao do preceito da inutilizabilidade das provas<br />

obtidas pormeios ilícitos.<br />

Junto aos sectarios da teoria da admissibilidade no proccsso das pro vas<br />

ilícitas e aos defensores da teoria diametralmente oposta, qual soja, a da<br />

inutilizabilidade processual das provas marcadas pela antijuridicidade, despontam<br />

correntes doutrinárias e jurisprudenciais que hasleiam a bandeira da teoria da<br />

inadmissibilidade das provas ilícitas na atividade processual, temperada pelo<br />

principio da proporcionalidade. Essa última posicSo é a mais acertada, visto que<br />

nada em direito deve ser encarado de forma rígida sem que se ponha em risco<br />

algum bem jurídico que, porventura, possa ter o seu valor mais relevante que o<br />

bem em virtude do qual poderá ser sacrificado.<br />

O equilibrio entre os valores eni jogo deve ser estabelecido de modo a<br />

se alicercar as bases para a efetivacSo de um verdadeiro Estado de Direito. Qual<br />

quer liberdade deve ser desenvolvida dentro dos limites tracados constitucional-<br />

mente.<br />

A idéia de proporcá"o confunde-se com a própria nocáo de direito, é<br />

desta indissociável. É conhecida a definicá"o de Dante, segundo a qual itis est<br />

realis ac personalis homini ad hominem proportio*. A projecao da<br />

proporcionalidade remonta á antiguidade clássica e, modernamente, reflete a con-<br />

cepcao de que devem ser empregados os meios necessários, adequados e exigíveis<br />

para se atingir os fins almejados. Além de ser necessária a existencia de normas<br />

para pautar as condutas humanas em urna sociedade, é imprescindível que se<br />

lance mao de um principio regulativo para se ponderar a utilizacao dos direitos.<br />

Qualquer I¡m¡tacá"o deve ser apropriada. necessária e proporcional. A finalidade do<br />

principio da proporcionalidade nao é destruir, sacrificar os direitos e garantías<br />

consagrados constitucionalmente, mas, ao revés, é assegurar a tutela dessas<br />

liberdades, o seu exercício, condicionando-os ao bem-estarda sociedade como um<br />

todo. Tais garantías so poderao ser reduzidas quando estiverem em confuto com<br />

interesses mais relevantes, quais sejam, aqueles que dizem respeito á esfera coletiva,<br />

e na medida da consecucSo dos designios principáis do Direito, a finí de que se<br />

cumpra a finalidade de interesse público, ou seja, toda essa questao gira em torno<br />

do aspecto teleológico.<br />

1 O Direilo ó a propoiíao real e pessoal de um hnmcm para oiilm liomem.<br />

190 RRVISTA JURÍDICA IN VRRBIS n. <strong>15</strong> UFRN


DIRlilTO PROHATÓRIO F. O CARÁTCR NAO ABSOLUTO IX) I'RINCÍPIO DA 1NADMISSIBILIDADI-:<br />

DAS PROVAS OHTIDAS POR MEIO ILÍCITOS<br />

O principio da proporcionalidade é urna faceta do principio da<br />

razoabilidade e é aplicado nos varios ramos do direito, n3o se limitando ao ámbito<br />

constitucional. Tal preceito abre caminho para excecOes á regra da inadmissibilidade<br />

das provas ilícitas, ou seja, em algumas situacOes as garantías fundamentáis devem<br />

ser feridas tendo em vista um ¡nteresse mais relevante, qual seja, o bem-estar da<br />

comunidade, urna vez que este se constituí no fim precipuo do direito. Portanto,<br />

exige-se dos aplicadores do direito, o respeito ao criterio da proporcionalidade. Tal<br />

criterio pressupOe a existencia de valores postos em conflito e a adequada ponde-<br />

racáo dos mesmos.<br />

A idéia da proporcionalidade está ínsita em varios principios que ¡nformam o<br />

direito processual.<br />

A teoría da proporcionalidade ou da<br />

fazoabilidade, lambém denominada de teoría do<br />

balanceamento ou da preponderancia dos<br />

interexses, consiste, pois, exatamente, mima<br />

construcao doutrináría e jurisprudencial que se<br />

coloca nos sistemas de inadmissibilidade da prova<br />

obtida ¡licitamente, permitindo, em face de urna<br />

vedacao probatoria, que se proceda a urna escolha,<br />

no caso concreto, entre os valores<br />

constitucionalmente relevantes postos em confron-<br />

/o(Avol¡o,2003,p.60).<br />

De observar que nSo se deve reduzir desarrazoadamente um valor em<br />

detrimento de outro. É imperioso que se estabeleca um balanceamento entre os<br />

custos e os beneficios de urna exclusáo probatoria. Faz-se necessárío o exame dos<br />

casos em que a prova ilícita deve ser banida do processo e em quais circunstancias<br />

é preferível que tal prova seja admitida, já que ao se considerar a inadmissibilidade<br />

das provas ilícitas de modo absoluto, poderá se ter como contrapeso um ónus<br />

muito grande.<br />

Um reflexo do acolhimento desse canon na ordem jurídica brasileíra é a<br />

utilizabílidade da prova, conquanto obtida ilegalmente, favorável ao réu. O acata-<br />

mento de tal principio n3o se restringe á doutrina e á jurisprudencia brasileíras, o<br />

direito alemao, dentre outros, também o albergou. A serventía do criterio do<br />

balanceamento dos valores determina a admiss3o de excecOes á inutilizabilidade<br />

das provas obtidas inconstitucionalmente. Tais excecdes s3o reconhecidas quando<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 101


ANA CLAUDIA RKIRK IM COSTA BEZERRA<br />

se trata de realizar exigencias superiores, sejam de caráter público ou privado,<br />

merecedoras de particular tutela. É mister salientar a necessidade de haver equili<br />

brio entre o meio empregado e a finalidade pretendida. Deve-se ter em mente em<br />

que medida vale a pena fazer prevalecer detenninado valor, a despeito dos eventuais<br />

inconvenientes. O aplicador do direito deve perscrutar cada caso, analisar os<br />

valores colidentes e optar pela preponderancia de um deles, solucionando todos á<br />

luz do principio da proporcional idade, deixando-se por ele guiar. Há dados valores<br />

que devem ceder diante de outros de mais elevado status e importancia social.<br />

Estes devem ser cotejados, colacionados, confrontados com aqueles. Existem casos<br />

que haveria urna especie de "estado de necessidade processual", o qual legitima<br />

ria o atenuamento de urna liberdade em detrimento de outra, com vistas a um<br />

interesse deveras importante para ser sacrificado.<br />

O principio da proporcionalidade visa, em face de urna vedacao<br />

probatoria, cotejar ¡nteresses de direito material postos em confronto. Surge como<br />

meio de relativizar o principio da inadmissibilidade das pravas ilícitas. Espelho<br />

disso é a ace¡tac3o, quase que unánime, da prova ilícita pro reo, acatada pela<br />

doutrina e aplicada esporádicamente pela jurisprudencia brasileira, mormente no<br />

processo penal, onde impera o principio do favor reí, ou seja, a aplicacáo do<br />

principio da proporcionalidade sob a ótica do direito de defesa. A doutrina<br />

majoritária entende que a ilegalidade, decorrente da prova ilícita colhida pelo<br />

acusado, é eliminada em virtude das excludentes de antijuridicidade, como a legí<br />

tima defesa. Portanto, as liberdades públicas possuem caráter relativo e, sendo<br />

assim, podem ser sacrificadas quando colidentes com interesses mais relevantes.<br />

Há situac5es em que provas obtidas ilicitamente podem ser consideradas moral-<br />

mente legítimas se as circunstancias do caso justificam a adoc3o de tal medida. A<br />

jurisprudencia tem admitido a prova ilícita com fulcro no principio do equilibrio<br />

entre valores fundamentáis contrastantes. N3o se deve reconhecer valor inque-<br />

brantável á vedacao de tais provas. Os direitos e garantías fundamentáis nao<br />

podem ser exercidos de modo ilimitado. Segundo o criterio da proporcionalidade,<br />

os interesses envolvidos devem ser comparados. Nos pratos da balanca devem<br />

ser sopesados os bens jurídicos colidentes, constitucionalmente garantidos. Dessa<br />

forma, em casos excepcionais a prova ilícita deve ser admitida.<br />

O principio da proporcionalidade, assegurado constitucionalmente, de-<br />

1l)- RKVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


DIRLIIO PROBATORIO t O CARATER NAO ABSOLUTO IX) I'RINCÍPIO DA INADMISSIBILIOADU<br />

DAS PROVAS OBTIDAS IXJR MltlO ILÍCITOS<br />

termina que se tolere o sacrificio a alguns direitos conferidos pela CF, a finí de se<br />

tutelar um bem jurídico de maior valor. É imperioso que tal preceito seja observado<br />

principalmente no processo penal, onde estüo em jogo as liberdades individuáis.<br />

6- CONSIDERARES FINÁIS:<br />

No tocante á utilizacáo da prova ¡licita na atividade processual, é mister<br />

salientarque, conquanto a Carta Maior fale expressamente em ¡nadmissibilidade.<br />

ensejando um entendimento no sentido de nao se admitir tal prova somente no<br />

momento do juizo de admissibilidade2, esta deve ser evitada em todas as fases da<br />

atividade probatoria. É ¡mprescindível urna interpretado abrangente do preceito<br />

constitucional com fulcro na finalidade ínsita em tal norma. É necessário destacar,<br />

portanto, que tanto o processo como a tutela das garantías fundamentáis deve se<br />

orientar por um aspecto teleológico. Ambos sujeitam-se a preceitos e finalidades<br />

éticas. Deve haver urna harmonía, um equilibrio no exercício dos direitos. Segundo<br />

Ada Pellegrini Grinover, "as liberdades públicas nüo se prestam a proteger abusos<br />

nem acobertar violacóes" (Grinover apud Avolio, 2003, p. <strong>15</strong>0).<br />

Em s¡tua?5es extremamente graves, mesmo que se sacrifique um bem<br />

jurídico em prol da preservac2o de um outro de valor ¡ncontestavelmente superior,<br />

a diretriz da proporcionalidade deve ser um guia, no desiderato de se evitarem<br />

danos irreparáveis. Quando estíverem na balanca, contrapostos, o direíto á<br />

intimidade e o direíto á vida; o direito á liberdade e o direito á inviolabilidade das<br />

comunicacñes, dentre outros, a análise deve ser consc¡endosa, levando em conta<br />

as finalidades jurídicas. É nesse sentido que o cánone da proporcionalidade vem<br />

temperar a teoría da ¡nadmissibilidade das provas ¡lícitas.<br />

Em direito, como em todas as ciencias humanas, nada deve ser visto em<br />

termos absolutos, as excecóes sempre ¡nsurgem, caso contrario, se incorreria no<br />

erro de por em risco valores que, de per si, já s3o superiores. Todo jurista, antes de<br />

tudo, deve serum humanista, e nño simplesmente se limitara dizera vontade legal.<br />

Deve inserir todas as situafSes fáticas em um contexto mais abrangente e procurar<br />

atingir o intento precipuo do direito que é a pacificacSo social e a busca pela<br />

Justica. Os aplicadores do direito devem procurar dilucidar os casos postos á sua<br />

: Ñas alindados proccssuaís. no que concerne ás provas. lia qualro mámenlos: 1) a proposicáo das provas (indicado<br />

ou rcqucrinieiHo). 1) a admissao ou nao das provas (o jui/ se inaml'csia sobre sua admissibilidade). J) a producto das<br />

provas (inlroducíko dcslas no processo) e 4) apreciat;ao das provas (valorado ("cita pelo jui¿)<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERB1S n. <strong>15</strong> - UI-RN 193


ANA CLAUDIA FRlilRK DA COSTA UEZI-RRA<br />

apreciacao flindamentando-sc na idéia de proporcionalidade, a fim de que a Justina<br />

se efetive e, conseqüentemente, se concretize o tao almejado Estado Democrático<br />

de Direito, cujas garantías sao inquebrantáveis. É nesse íntenm que se infere a<br />

obrigacao do Estado na luta pelo equilibrio das liberdades públicas e concreto de<br />

todas as garantías constitucionalmente asseguradas aos individuos.<br />

Vale ressaltar que a inadmissibilidade das provas ilícitas aplica-se aos<br />

processos de qualquer natureza, seja civil, criminal, trabalhista, administrativa,<br />

dentre outros. Contudo, em todas essas esferas tal teoría deve ser atenuada pelo<br />

criterio da proporcionalidade, levando-se em conta sempre as peculiaridades<br />

inerentes a cada especie de direito, já que a observancia deste principio constitui-<br />

se em instrumento necessário para a salvaguarda dos valores mais estimados pela<br />

nossa comuna.<br />

7- Referencias Bibliográficas:<br />

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: <strong>In</strong>terceptares telefónicas,<br />

ambientáis e gravacQes clandestinas. 3aed. rev., arnpl. e atual. em face das Leis<br />

9296/1996 e 10.217/2001 e da jurisprudencia. Sao Paulo: Editora <strong>Revista</strong>dos Tribu-<br />

nais,2003.<br />

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,<br />

Cándido Rangel. Teoria Geral do Processo. <strong>15</strong>aed. rev. e atual.. Sao Paulo: Malheiros<br />

Editores, 1999.<br />

DE PAULA, Jónatas Luiz Moreira. Teoria Geral do Processo. SSo Paulo: Editora de<br />

Direito, 1999.<br />

GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO,<br />

Antonio Magalhaes. As Nulidades no Processo Penal. 7°ed. rev. e atual.. SSo<br />

Paulo: Editora <strong>Revista</strong> dos Tribunais, 2001.<br />

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 20aed. rev., mod. e ampl..<br />

Sao Paulo: Saraiva, 1998, v.3.<br />

küVISTA JURÍDICA IN VI:KIüS n. <strong>15</strong> lll-'KN


DAOMISSÁO ADMINISTRATIVA- REQUISITOS E HIPÓTESESDE<br />

CABIMENTO DO CONTROLE JUDICIAL SOBRE AINACÁO.<br />

Leonardo Pereira Martins<br />

Recém-egresso, ex-monitorde Direito Processual Civil e ex-bolsista PIBIC/<br />

CNPq;<br />

Murillo Maitius Máximo<br />

Aluno do 8o período, bolsista PIBIC/CNPq,<br />

Raissa de Queiroz Ríos<br />

Aluna do 8o período, bolsista PIBIC/CNPq, todos do Núcleo de Estudos e<br />

Pesquisas do Departamento de Ciencias <strong>Jurídica</strong>s da Universidade Católica de<br />

<strong>In</strong>troducto<br />

Goiás, orientados pelo professor doutor Nivaldo dos Santos.<br />

A par da diversificacao de condutas administrativas habéis a fazer frente<br />

á multiplicidade de interesses surgidos na contemporaneidade, no que se revela<br />

corriqueira a ¡ncorporacáo de recursos tecnológicos aos procedimentos para<br />

satisfacao de novas necessidades do poder público e dos clientes dos seus<br />

servicos, permanece o ato omissivo como dos mais eflcazes na oportunizacao do<br />

controle extemo da Administracáo, pelas vias judiciais. <strong>In</strong>egável a divida social<br />

brasilcira, de que 6 devedor o Estado, representado por seus administradores, c<br />

credora grande parcela da populacao, a quem, seja por afronta explícita ou<br />

¡nterpretacao indevida dos regramentos, insistentemente se impóe a ¡nacSo dos<br />

aparelhos de Estado.<br />

No contexto, revela-se necessário perquirir a respeito da disciplina jurí<br />

dica e requisitos necessários á configuracüo da omiss3o relevante, impugnável<br />

judicialmente. Nesse ensaio a citada ¡nvestigacüo referencia-se pelo<br />

estabelecimento de semelhancas e dessemelhancas no tratamento dado pelos<br />

direitos penal e administrativo ao ato omissivo e suas implicacdes jurídicas. Apesar<br />

de privilegiar-se a via do mandado de seguranca como apropriada ao controle<br />

judicial da om¡ss3o, o que se faz tao-somente por razóes estatísticas, o tema é<br />

tratado no ámbito do direito material, sendo as conclusSes válidas para qualquer<br />

que seja o veiculo processual manejado.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN I9S


LEONARDO PEREIRA MARTINS. MURILI.O MARTINS MÁXIMO E RAISSA DE QUI-IROZ RÍOS<br />

Da omissüo administrativa que enseja correcüo judicial<br />

O ato administrativo omissivo ou, simplesmente, como preferem alguns,<br />

a omissao atacável pela via judicial, traduz-se num nonfarc qualificado. Na seara<br />

jurídico-criminal a questao da omissao relevante é tratada, enquanto desdobramento<br />

da teoría da causalidade, encampado pelo Código Penal, num dos parágrafos do<br />

artigo 13 deste diploma, assim redigido:<br />

§ 2o A omissao é penalmente relevante quando o<br />

om¡tente devia e podía agir para evitar o resultado.<br />

O dever de agir incumbe a qitem:<br />

a) tenha por leí dever de cuidado, protégelo ou vigi<br />

lancia;<br />

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de<br />

impedir o resultado;<br />

c) com sen comportamento anterior, criou o risco<br />

da ocorréncia do resultado<br />

A transcric3o ácima se justifica em raz3o da intencao de, a partir do<br />

estabelecimento de semelhancas e dessemelhancas no tratamento dado pelos<br />

direitos penal e administrativo ao ato omissivo e suas impIicacQes jurídicas,<br />

estabelecer a disciplina e requisitos necessários á configuracao da omissao que dá<br />

azo ao controle judicial da administracao, seja por habeos data, mandado de<br />

seguranca, individual ou coletivo, acao civil pública, ac3o popular, a9ao direta de<br />

inconstitucionalidade e outras. A escolha, todavia, por certo, n3o é aleatoria,<br />

dependendo das vicissitudes dos quadros fático e jurídico a serem alterados.<br />

Obviamente, nSo é qualquer ¡nac3o da autoridade pública que enseja<br />

conserto e, mesmo dentre as passíveis de correcao, nem todas autorizan! ¡njuncao<br />

do poder judiciário. Há consenso doutrinário em torno da exigibilidade do que se<br />

pode chamar conduta vinculada da administracao. Fala-se aqui de um nao fazer<br />

relativamente a urna conduta positiva instituida por lei ou outra especie normativa.<br />

A atuacao da autoridade, no caso, é vinculada.<br />

149), sao<br />

Atos vinculados ou regrados, segundo Hely Lopes Meirelles(1999, p.<br />

1% REVISTA JURÍDICA IN VRRBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


I)A ( AIINSAU ADMIMNIKAI IVA - Kl (Jl IISI IllSI IIIIM I I SI S 1)1 C AltIMI NIO IX >l (»N I KOLI:<br />

JIIDK'IAI SílllKI A INAI/ÁO<br />

aqueles para os quais a lei eslahelece os requixilos<br />

e condi


I.I-.ONAK1X) I'1-.KI'IIRA MAKIINS. MIIUIU.O MARI INS MÁXIMO I KAINSA DI t.H'l IKO/ KION<br />

possibilidade de se submeterem os atos discricionários a controle" (Figueiredo.<br />

2000, p. I 17). Daí, embora regra geral seja a nao ¡ntromissüo do judiciário nos<br />

negocios da administraeSo, aspecto em que revelad;! a independencia de poderes,<br />

momentos há permissivas do controle judicial das suas omissóes d¡scricionárias.:<br />

Adstrita que é ao principio da legalidade, a administracao n3o age senño<br />

quando expressamente autorizada ou competida por norma cogente. no que diver<br />

sifica sua atuacáo da dos particulares, aos quais é válida a máxima civilista segundo<br />

a qual 'lícito é todo ato n3o defeso em lei'.3 Nessa medida, embora se reconheca a<br />

possibilidade do controle judicial de seus atos discricionários, cingir-se-á a fisca-<br />

lizacao, tal como atualmente disciplinado pela ordem jurídica, com arrimo na maior<br />

parte da doutrina, a excecOes.<br />

Sujeitar-se-á a ingerencia do judiciário á circunstancia de revelar a omis-<br />

s3o desproporcionalidade e/ou desarrazoabilidade, desdobramentos do tratamento<br />

isonómico devido aos administrados. Desse aspecto decorre. da parte de quem<br />

aciona o Estado-juiz e especialmente do órgio investido de competencia para o<br />

caso concreto, necessidade de aval¡ac3o casuística da ¡nacüo para efeito,<br />

respectivamente, do ajuizamento da medida cabível e do seu deferimento.<br />

Antes de identificar as situacOes reputadas habéis ao controle judicial<br />

da discricionariedade administrativa, tem-se por bem o registro de que, embora<br />

ainda minoritaria, é crescente a tendencia de suavizar teorías e postulados clássicos,<br />

subtraindo-lhes caráter axiomático, em favor da instrumentalizacSo e efetividade<br />

das garantías constitucional4. Cássio Scarpinella Bueno (2002, p. 213) identifica,<br />

com arrimo no pensamento de Maria Fernanda dos Santos Macas, expresso na<br />

dissertacao que Ihe conferiu, junto á Universidade de Coimbra, o título de Mestre<br />

em Direito, os seguintes temas como afetos ao supra citado abrandamento: "a<br />

: Cf María Sylvia Zandía Di Pieiro: "Com relicto aos aios discrícionános, o controlo judicial ¿ possitcl mas lera<br />

que respeilar a discricionariedade adminisiraiiva nos linnles em que cía c assegurada á Adiiiinislracao Pública pela<br />

lei " (20O2, p. 209)<br />

' A propósilo de aprofundamemo sobre a quesillo da legalidade administrativa remeic-se u leilor as mdicacoes<br />

bibliográficas sugeridas por Alexandrc de Moiacs 12002, p. 99): "TÁCITO, C'aio O principio de legalidade pomo<br />

c conlraponio. Hernia Je Dirviio AJmitiiMnitivn. Rio de Janeiro: Renovar/IGV. n ° 200. p. I. oul./ile/. 19%.<br />

C'IJM IA. Tliere/inlia l.ueia l;errcini. Principio da I .egalidade e desvio ele poder no Dircilo Ailininistialivo. Iternht<br />


DA ÜMISSAO ADMINISTRATIVA - REQUISITOS E HIPOTEStS DK CABIMENTO DO CONTROLE<br />

JUDICIAL SOBRE A INACÁO<br />

presuncao de legilimidade e de plena operalividade do ato administrativo, a<br />

separacao dos poderes e a atividade revisora dos atos administrativos pelo<br />

Judiciário". Referindo-se a eles concluí: "s3o doutrinas que devem ser revistas de<br />

acordó com os novos valores e consoante as novas realidades das Constítuicoes<br />

mais recentes."<br />

Esse movimento de revisao paradigmática, é também percebido pelo<br />

publicista de língua espanhola José Luis Shaw (2000, p. 20), que o caracteriza nos<br />

seguintes termos:<br />

Na base desle ampio ámbito que abrange a garantía<br />

da tutela jurisdicional está a evoluqao que tem<br />

havido na doutrina e no direito comparado quanto<br />

a forma de conceber o principio de separacao de<br />

poderes, como do mesmo modo no papel tradicional<br />

do Poder Judiciário ou de novos órgaos<br />

jurisdicionais que tem sido criados, aos quais vem-<br />

se reconhecendo ou outorgando poderes de controle<br />

do Poder Legislativo e do Poder Executivo que os<br />

tem situado em um pé de igualdade hierárquica com<br />

estes.<br />

Comohem ass'malu Vuldés, tem-sesuperadoassima<br />

doutrina imperante em muitos direitos que negava<br />

ao Poder Judiciário a faculdade de pronunciarse<br />

sobre a legitimidade dos atos dos outros poderes e<br />

que inclusive o colocavam em situacao de<br />

inferioridade em frente ao Poder Executivo. Esta<br />

evolucao tem determinado como a missao dos órgaos<br />

jurisdicionaisjá nao é somenle a de dirimir conflitos<br />

aplicando as normas legáis e regulamentares, sendo<br />

também a de julgar a legitimidade destas,<br />

defendendo os direitos fundamentáis consagrados<br />

ñas constiluigoes contemporáneas e nos pactos in-<br />

ternacionais; em outras palavras, defendendo a<br />

REVISTA JURÍDICA 1N VERB1S n. <strong>15</strong> - UFRN '"


I.IXÍNARIX) I'HRIÍIRA MARTINS, MURII.I.O MARTINS MÁXIMO [i RAISSA DI- OUKIROZ RÍOS<br />

constituicao contra os excessos dos poderes<br />

Legislativo e Executivo.3<br />

No passo que a doutrina nacional se encontra em relacao aos adiantados<br />

pensamentos alienígenas transcritos identificam-se, relativamente ao controle da<br />

discricionariedade administrativa, entre nos, duas teorías complementares, por<br />

vezes n3o distinguidas. A teoría relativa ao desvio de poder ou desvio defmalidade,<br />

pela qual o judiciário exercerá ampio controle sobre os atos quando usados pelo<br />

administrador para atingir fim diverso daquele estabelecido pela norma de regencia,<br />

e a dos motivos determinantes, segundo a qual resta ao juiz autoridade para verificar<br />

tanto a ocorréncia dos fatos ensejadores dos atos discricionários praticados quanto<br />

a coeréncia da motivacao que os tenha ensejado. Daí ser, em tese, admissível o<br />

direito de acesso á justica em sentido estrito (direito de acao) para atacar omissao<br />

relativa a escolha discricionária do administrador, já que possível o exercício do<br />

controle judicial sobre afwalidade e motivaqao tanto do ato quanto do nao-ato.<br />

Nesse último caso o controle n3o se sujeita, como pode parecer em desavisada<br />

leitura, á fundamentacSo, por parte do administrador, quanto ás razñes da negativa<br />

de ¡mplementacao do ato. Assim por revelar-se pouco usual o procedimento de<br />

justificar a inacao, já que o respectivo documento serve de prova pré-constituída<br />

hábil a lastrear eventual medida judicial, especialmente, impetracao de mandado de<br />

seguranza.<br />

Mais correto que declarar a propriedade da via judicial em estudo para<br />

controle das condutas omissivas vinculadas da administracao é alargar seu<br />

cabimento para fazé-lo adequado ao combate da inacSo quanto a algo devido.<br />

Pode, nessa medida, a sujeicao da autoridade advir diretamente do comando<br />

normativo ou de outras circunstancias em que, embora inexistente a norma de<br />

conduta específica, decorra a obrigacao omitida, por exemplo, de situacSo concreta<br />

implementada em virtude de atividade administrativa anterior.<br />

Nesse passo, a inercia do administrador atacável em juízo guarda seme-<br />

Ihanca com urna das especies de omissSo consideradas pela lei brasileira penalmente<br />

relevantes, encontradas no supra transcrito § 2° do artigo 13 do Código Penal.<br />

Parafraseando a segunda parte do dispositivo e seus incisos, tem-se a omissao<br />

administrativa relevante e corrigível na via em estudo se a autoridade impetrada: a)<br />

sujeita-se, por forca de disposicao normativa cogente (seja legal ou regu I amentar).<br />

' Tradujo IKte do amor.<br />

200 REVISTA JURÍDICA 1N VHRB1S n. <strong>15</strong> - UFRN


DA OMISSÁO ADMINISTRATIVA - REQUISITOS E HIPOTLSES DE CABIMENTO DO CONTROLE<br />

JUDICIAL SOHRi; A INACÁO<br />

á conduta omitida - aquí se cuida de ato vinculado - b) valeu-se da ¡nacSo para<br />

atingir fim diverso daquele estabelecido pela norma de regencia - incidencia da<br />

teoría do desvio de finalidade - ou apresentou incoerentes os motivos e/ou os<br />

fatos ensejadorcs da omissao praticada - incidÍMicia da teoria dos motivos<br />

determinantes- c) detendo poderes para tanto, deixa de evitar Ies3o que decorra de<br />

conduta administrativa anterior, mesmo legitima, potencialmente provocadora de<br />

daño - a impetracao dirigir-se-á, na hipótese, contra omiss3o causadora de Ies3o a<br />

direito subjetivo. Distancia-se a forma de controle em estudo da tutela penal, no<br />

entanto, devido a esta se orientar pela responsabilidade subjetiva, ao passo que,<br />

na scara do direito administrativo dcsinlercssa a volicüo, na medida da<br />

responsabilidade civil objetiva do Estado, aspecto em que se resolve o problema.<br />

Pode ainda, tratando-se de ¡mpetracüo de seguranca, revestir-se esta<br />

de caraler preventivo de lesüo a direito subjetivo e dirigir-se contra oniíssílo. Nesse<br />

caso, a conduta omitida pela administracao decorre de interpretacao reputada<br />

inconstitucional da leí e/ou regulamento pela autoridade impetrada e o pedido<br />

cinge-se á cessacao da omissao, consectario da respectiva tomada de posicao<br />

pela sua inconstitucionalidade, como fundamento da decisüío. Necessário observar<br />

que pedido destinado a obter pronunciamento quanto á inconstitucionalidade de<br />

esperado ato omissivo do agente apontado coator nao se confunde com pedido<br />

de declarado de inconstitucionalidade de lei. Por isso, n3o se cogita da utilizacao<br />

do writ of mandamus, na hipótese, como substitutivo da aciío direta de<br />

inconstitucionalidade. De outro lado, referindo-se a pretensao á declarado de<br />

inconstitucionalidade da própria lei de cuja interpretacao advenha a conduta<br />

negativa do agente público, tem-se por descabido o mandado de seguranca, em<br />

favor da via própria do controle de constitucionalidade concentrado: cabe ac3o<br />

direta de inconstitucionalidade.6<br />

Finalmente, registra-se a possibilidade de impetracao de seguranca<br />

contra omissao fundamentada pela autoridade, caso em que o ato editado a fim de<br />

* "Nao se revelam sindicáveis. pela via juridíco-proccssual do mandado de seguranca, os alos em (ese, assim<br />

considerados aqueles - como as leis ou os seus equivalenies constitucional?; - que dispoem sobre situacóes gerais<br />

e ímpessoals. que Icin alcance genérico e que disciplínam hipólcscs nelcs abslralamenle previstas Síunula 266/STF<br />

Precedentes. - O mandado de seguranca nao se qualifíca como sucedáneo da acáo dircta de inconstitucionalidade.<br />

nao podcndo ser utilizado, em conseqüéncia, como instrumento de controle abslrato da validade constitucional das<br />

Icis c dos alos normativos cm gcral. Precedentes. - Exclusáo de beneficio, com ofensa ao postulado da isonomia:<br />

mecanismos destinados a viabilizar a resolucáo do contlito resultante de situacáo configuradora de omissáo parcial<br />

imputávcl ao Poder Público. Análise das possiveis solucócs jurídicas " (STF - Tribunal Pleno. MS 23809 AgR / DF<br />

Reí. Min. Celso de Mello DJU 06/04/2001. p 071 )<br />

REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN 201


LEONARDO PEREIRA MARTINS, MURILLO MARTINS MÁXIMO E RAISSA DE QUF.IROZ RÍOS<br />

justiflcá-la serve de prova da eventual violacSo de direito e de termo inicial da<br />

decadencia. Válidas, no mais, as consideracSes já expendidas.<br />

Portanto, passível de correcSo pela via judicial, respeitadas as peculia<br />

ridades de cada mecanismo impugnativo (mandado de seguranca, individual ou<br />

coletivo, ac3o popular, babeas data, ac3o civil pública e outros) a omissüo da<br />

autoridade que se ache sujeita, formal ou materialmente, á prática de determinada<br />

conduta estabelecida em lei ou outro ato normativo. Por suposto, os limites do<br />

controle judicial respeitar§o, respectivamente, aos aspectos da expressüo ou do<br />

mérito cujo juízo deriva diretamente da norma cogente e indiretamente de casuísmos<br />

reveladores ou n3o da razoabilidade, relativamente á omissao que se pretenda ver<br />

suprida. Também sujeita á ret¡ficaci5o a omissSo derivada da ocorréncia de indevida<br />

intervenciío da administrado tanto física, no ambiente, quanto jurídica, no<br />

patrimonio dos administrados, cuja eventual e potencial lesividade na"o seja eficaz<br />

e prontamente controlada. Decorre, nesse caso, da própria responsabilidade<br />

objetiva do Estado.<br />

Implicacoes da ¡mpugnacáo de omissiío no prazo decadencial do mandado de<br />

seguranca<br />

517,regrageral,<br />

O prazo decadencial del 20 dias, disciplinado no artigo 18 da Lei 1.533/<br />

opera, emface de sua eficacia preclusiva, aextincao<br />

do direito de impetrar o "writ" constitucional. Nao<br />

gera, contudo, a extincao do próprio direito<br />

subjetivo eventualmente amparávelpelo remedio do<br />

mandado de seguranca ou por qualquer outro meio<br />

ordinario de tutela jurisdicional. Esse direito<br />

subjetivo resta incólume e nao se vé afetado pela<br />

consunwcáo do referido prazo decadencial, cujo<br />

' Sem desprezar abalizadas manifestaedes em contrario, com a maioria, entendemos constitucional o dispositivo<br />

citado.<br />

202 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


DA OMISSÁO ADMINISTRATIVA - REQUISITOS E HII'OTESES OH CABIMENTO DOCONTROLE<br />

JUDICIAL SOBRH A INACÁO<br />

único efeilo jurídico consiste, apenas, eni<br />

inviabilizar a uli/izacao do remedio constitucional<br />

do mandado deseguranca."<br />

Essa leitura, todavía, carece temperamento. Para efeitos de impetrado<br />

contra omissao mais adequado é considerar, sempre que ¡nexista ato administrativo<br />

concreto, inoperante a norma do mencionado artigo 18 da lei 1.533/51. Afinal, um<br />

contrario posicionamento prestigiaría a conduta do administrador desidioso e<br />

subtraíria do cidadao, sem justa causa, vía impugnativa célere e incisiva, de inegável<br />

importancia na correcao de lesSes provocadas pela administracao a direito<br />

subjetivo. Daí porque se posicionaram doutrina e jurisprudencia "no sentido de<br />

que, existindo um ato omissivo por parte da Administracao, poderá este se tornar<br />

continuo, nao se podendo falar, nestes casos, em decadencia da ac3o<br />

mandamental".9<br />

Entretanto, diversa a conclus2o, em se cuidando de omissao<br />

fundamentada pela autoridade, caso em que o ato editado com o fito de justificar a<br />

inac3o serve de termo a quo do prazo decadencia!, descaracterizando a<br />

continuidade da omissao. Na hipótese, esse lapso temporal, se implementado,<br />

haverá ser declarado, mesmo quando desrespeitada frontalmente a lei ou quando<br />

Imalidade, molivacao ou razoabilidade tenham sido maculadas.<br />

Evolucao jurisprudencial quanto á prova da omissSo.<br />

Sem olvidar da importancia da prova para viabilizacao da atividade<br />

cognitiva do juiz, especialmente a prova pré-constituída como supedáneo da<br />

seguranca, é preciso reconhecer, por razoes de natureza elementar, a inexigibilidade<br />

da demonstracao da omissao em si (a chamada prova negativa). <strong>In</strong>daga-se a respeito<br />

de como, entilo, provar, já que se trata de um requisito indispcnsuvcl para obtenerlo<br />

de resultado processual útil, a ocorréncia da omissao e a relevancia desta.<br />

O Superior Tribunal de J ustica e alguns tribunaís estaduais tém decisdes<br />

segundo as quais, a partir de deducao e generalizacüo excessivas, consideran!<br />

carecedor da ac3o de seguranca o impetrante que, com a inicial, naojuntou a prova<br />

■ STF - l*rimdra Turma. RMS 21.162 / DF. Reí. Mi». Celso de Mello. DJU 26/O6/l')


I I DNAKDOI'IUlilUAMAIMINS. MIIKM.I O MAK IINS MÁXIMO I! KAISSA DI ni II ll(()/ II IOS<br />

do ato omitido10. Em assim entendendo, acabavam por inadmitir o controle das<br />

omissñes pela via do remedio heroico. Essa jurisprudencia, todavía, acha-se, como<br />

nao poderia deixar de ser, ultrapassada, em decorréncia da superacSo dialética<br />

daqucle posicionamenlo.<br />

Tem-se, hoje, nos tribunais superiores, duas orientacñes<br />

complementares, quanto ao tema. Para o STJ, "quando se trata de ato omissivo,<br />

nao se tem como exigir do impetrante a demonstracao documental do ato"".<br />

Também a Suprema Corte entende indevida a prova da omissao propriamente dita<br />

(prova negativa), considerando suficiente a demonstracao de que a autoridade<br />

impetrada tem o poder-dever de agir. Nesse sentido, decisao destacada no<br />

<strong>In</strong>formativo STF 143/3:<br />

Tratándose de mandado de seguranza contra ato<br />

omissivo que a autoridade apontada como coatora<br />

deva praticar de oficio, é indevida a exigencia de<br />

prova a respeito da prática da omissao, bastando<br />

apenas para o impetrante a demonstracao de que a<br />

autoridade impetrada tem o poder-dever de agir.<br />

Com esse entendimento, a Turma deu provimento a<br />

recurso ordinario contra acórdao do STJ em<br />

mandado de seguranca para que, afastada a<br />

preliminar acolhida pelo acórdao recorrido - de<br />

que os impetrantes nao juntaram nenhuma prova<br />

da prática do ato omissivo -, prossiga o Tribunal a<br />

quo nojulgamento da acao como entender de direito.<br />

RMS22.032-DF, reí. Min. Moreira A Ivés, 26.3.99.'-'<br />

Fiel á orientac3o ora esposada, decidiu o Tribunal de Justica do Estado<br />

de Goiás, em recente acórdao, fazendo uso concomitante das posicoes do STJ e do<br />

STF:<br />

'" "Nílo se conhece da impetrado, á miiigun da demonstrado de qualqucr alo omissivo ou coinissivo irrogávcl ao<br />

Ministro de Cstado indicado como aiitorídnde coalora." (STJ - Terceirn Sccto. Reí. Min. José Dantas. DJ 0.V06/19%,<br />

p. 19.185). Vidc, tambán, do informativo STF 14.1/3, a segunda parte da Iranscricáo.<br />

"STJ -TerceiraSecSo. MS3609/DF. Reí. Min. AdhemarMaciel. DJU 02/10/1995,p.32.311.<br />

12 Dados transcritos do <strong>In</strong>formativo STF n" 143 (Brasilia. 22 a 26 mar/1999. ()n lim; capturado aos I9/OI/2OO3.|<br />

O destaque nSo integra o tex to original, bndereco clclrónico do documento: hllp;/An«v.stfpovbr/noticias/<br />

infomialivos/anleriores/info 143. asp<br />

204 RRVISTA JURÍDICA 1N VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN


DA OMISSAO ADMINISTRATIVA - KHOUISI IOS I I Ill-OILSIS DI: CABIMI.NTO DOCON I KOI.I.<br />

JUDICIAL SOBRE A INA(, ÁO<br />

Em sede de mandado de seguranza, a demonstracao<br />

pré-consl¡luida e documental dos falos erígese em<br />

condicao da aciio. Cuidándose, lodavia, de<br />

impetracao contra alo omissivo, nao se pode exigir<br />

do impetrante a documentando do ato em si, havendo<br />

que ser ¡nstrumentaliiada a prova por oulros nidos<br />

idóneos, também documentáis, mormenie se<br />

dessumivel dos autos que a auloridade aponlada<br />

coatora delém opoder-dever correspondente á pra-<br />

tica do alo."<br />

E de ver, aínda, que o Estado-administracao, ñas acóes ordinarias, e a<br />

própria autoridade inquinada desidiosa, se se tratar de mandado de seguranca,<br />

podem, respectivamente, na contestac3o ou ¡nformacóes, admitir a omissSo<br />

rechacada, o que faz, salvo ñas hipóteses de fraude processual, cuja soluc3o<br />

clama a incidencia do artigo 129 do Código de Processo Civil, para fins de julgamento<br />

pela procedencia do pedido ou concessao da ordcni, prova bastante14. Ja a ausencia<br />

das informacóes "favorece os argumentos do impetrante em prol de seu pedido<br />

sem, contudo, infirmar a condicao da ac3o mandamental correspondente á prova<br />

"pré-constituída"."<br />

Conclusdes<br />

O estabelecimento da disciplina jurídica e requisitos necessários á con-<br />

figuracao da omissao relevante, seja em relac3o a ato vinculado ou discricionário,<br />

é pressuposto de uma maior utilizac3o da viajudicial como instrumento de controle<br />

da ¡nac3o administrativa. Bem assim, o levantamento dos temperamentos e<br />

restriefles ao controle judicial das omissSes deve levar em conta a<br />

imprescindibilidade de, em cada caso levado ao exame do magistrado, haver<br />

razoabilidade e proporcionalidade entre a acáo em tese devida e seu reverso<br />

11 TJ-GO Quana Cinara Ciwl. APC 61907-5/189. Rcl Dcsora Bealn* Kigueiredo Franco. DJ 17/06/200:?<br />

" Didicr Je, em Iraballio colclivo, coordenado por Bueno, Alvim c Wainbicr (2002. p 373) sinlcliza a quesijo nos<br />

scpiinles icnnos "Apla a pcrai a pro\Fa. é a autoridade coalora fontc desla, sendo as ¡nformafdes o mcio pelo qual<br />

déla (lonle) se relira a prora".<br />

" TJ-GO yiuirta Cámara Cí\cl. DGJ 8487-2/195. Reí Dcsora. Bcaln/ Figiicircdo Franco Acórdao do 03/04/2003<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBISn. <strong>15</strong>-UFRN 205


LEONARDO I'EREIRA MARTINS, MURIIXO MARTINS MÁXIMO 1£ RAISSA DV. QUIilROZ RÍOS<br />

reclamado, sopesando-se para o fim de deferimento da medida qual dos valores<br />

merece prevalecer. A omissao administrativa hábil a sercorrigida na via em estudo<br />

assemelha-se áquela tida por relevante pela lei penal, estabelecendo-se as principáis<br />

distincóes como derivadas das diferentes perspectivas que caracterizam a<br />

responsabilidade em cada urna dessas ramas do direito.<br />

Passível de correcSo pela via em exame a omiss2o da autoridade que se<br />

ache sujeita, formal ou materialmente, á pratica de determinada conduta estabelecida<br />

em lei ou outro ato normativo. Por suposto, os limites do controle judicial respeitarao,<br />

respectivamente, aos aspectos da expressüo ou do mérito cujo juízo deriva<br />

diretamente da norma cogente e indiretamente de casuísmos reveladores ou na"o<br />

da razoabilidade, relativamente á omissao que se pretenda ver suprida. Também<br />

sujeito á retificacao o ato omissivo derivado da ocorréncia de indevida ¡ntervencao<br />

da administracao tanto física, no ambiente, quanto jurídica, no patrimonio dos<br />

administrados, cuja eventual e potencial lesividade nao seja eficaz e prontamente<br />

controlada. Decorre, nesse caso, da própria responsabilidade objetiva do Estado.<br />

A decadencia do direito de impugnar ato omissivo pela via mandamental<br />

n3o é a regra. Ocorrerá, entretanto, desde que a omiss3o tenha sido devidamente<br />

motivada em ato administrativo, validamente expedido e publicado, em que<br />

explicitadas as razSes da ¡nac3o. No caso, a data da publicacíío serve de termo a<br />

quo do prazo a que se refere o artigo 18 da lei de regencia do mandado de seguranca.<br />

A producao da prova é responsável pela viabilizac3o da atividade<br />

cognitiva do juiz e, de conseqüéncia, pelo suprimento, por ordem deste, da omis<br />

sao, revestindo-se a demonstrado pré-constituída e documental dos fatos em<br />

cond¡c3o especial da acao mandamental. Todavia, manejado mandado de seguran<br />

ca para exercitamento de controle judicial da inac3o administrativa, torna-se<br />

inexigível, segundo orientacao do STJ, a documentacao do ato em si, havendo que<br />

ser instrumental izada a prova por outros meios idóneos, também documentáis,<br />

exceto nos casos de omissao fundamentada. Para o Supremo Tribunal Federal,<br />

importa provar que a autoridade apontada coatora detém o poder-dever corres<br />

pondente á pratica do ato negligenciado. A prova pode, aínda, ser produzida pelo<br />

Estado em sede de contestacao e/ou informacóes sendo, entao, adquirida pelo<br />

processo.<br />

206 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


DA OMISSÁO ADMINISTRATIVA - REQUISITOS V. IIII'ÓTKSI-IS Dl£ CABIMENTO DO CONTKOLi:<br />

JUDICIAL SOHRI-: A INACÁO<br />

Referencias bibliográficas<br />

BRASIL. Constituicao Federal,Código Penal,Código de Processo Penal. Org.<br />

Luiz Flávio Gomes. 3.ed. Sa"o Paulo: <strong>Revista</strong> dos Tribunais, 2002.<br />

BRASIL. Constituicao Federal, Código Civil,Código de Processo Civil. Org. Yussef<br />

Sahid Cahali. 4.ed. Süo Paulo: <strong>Revista</strong> dos Tribunais, 2002.<br />

BUENO, Cássio Scarpinela. As novas regras da suspensa^ da liminarem mandado<br />

de seguranca. <strong>In</strong>: ALVIM, Eduardo Amida; BUENO, Cássio Scarpinela; WAMBIER,<br />

Teresa Arruda Alvim. Aspectos polémicos e atuais do mandado de seguranza: 51<br />

anos depois. S3o Paulo: <strong>Revista</strong> dos Tribunais, 2002, p. 188-219.<br />

DIDIER JÚNIOR, Fredie. Naturezajurídica das ¡nformacSes da autoridade coatora<br />

no mandado de seguranca. <strong>In</strong>: ALVIM, Eduardo Arruda; BUENO, Cássio Scarpinela;<br />

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aspectos polémicos e atuais do mandado de<br />

seguranca: 51 anos depois. Sao Paulo: <strong>Revista</strong> dos Tribunais, 2002, p. 367-378.<br />

DI PIETRO,MariaSylviaZanella. Direito Administrativo. 14.ed. Sao Paulo: Atlas,<br />

2002.<br />

FIGUEIREDO, Lucia Valle. Mandado de Seguranca. 3.ed. Sao Paulo: Malheiros,<br />

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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24.ed. Sao Paulo:<br />

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MORAES, Alexandre de. Direito Administrativo Constitucional. Sao Paulo: Atlas,<br />

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SHAW, José Luis. Tutela jurisdiccional efectiva em materia tributaria. <strong>Revista</strong><br />

tributaria e de financas públicas, Sao Paulo, n.° 33, p. 17-57. jul./ago. 2000. [Ed.<br />

<strong>Revista</strong> dos Tribunais]<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 207


LEONARDO PEREIRA MARTINS. MURI1.LO MARTINS MÁXIMO I: RAISSA DE QUEIROZ RÍOS<br />

Sites:<br />

wuw.stf.gov.br<br />

w\v\v.stj .gov.br<br />

www.tj.go.gov.br<br />

208 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS ti. <strong>15</strong> - UFRN


O ESTADO FEDERAL E OS LIMITES AO PODERCONSTITUINTE DOS<br />

I. <strong>In</strong>troducto.<br />

ESTADOS: O PRINCIPIO DA SIM ETRI A.<br />

Rafael César Coelho dos Santos.<br />

Académico do 5o Período do Curso de Direito - UFRN.<br />

O trabalho ora apresentado aborda a questüo da Federac3o dentro da<br />

realidade constitucional brasileira. Cuida, mais precisamente, de evidenciar as es-<br />

truturas da engenhosa construcao normativa que é o Estado Federal, volvendo-<br />

se, primordialmente, para o descobrimento dos mecanismos postos pela<br />

Constituido de 1988 ou déla deconrentes para assegurar a unidade normativa da<br />

Federacño.<br />

Com esse desiderato, este estudo trata dos principios tradicionalmente<br />

apontados pela doutrina como limites ao Poder Constituinte dos Estados, ou seja,<br />

limites á capacidade de auto-organ¡zac.2o dos Estados, consubstanciada na com<br />

petencia de darem-se suas próprias Constituicoes. Dentre todos os principios,<br />

merece especial atencSo o principio da simetría, que, embora abundante na<br />

jurisprudencia do Supremo Tribunal Federal (STF), carece de exame pelos juristas.<br />

Despido de maiorcs pretensoes, este estudo intenta atrair os olhares da doutrina<br />

constitucional para a problemática da Federac3o, sobretudo, lancando luz sobre<br />

aspectos desta que, nao obstante de relevada importancia, demandam anal ¡se<br />

mais detida dos juristas, como é o caso do principio da simetría.<br />

2.0 Estudo Federal: "a unidade díalétíca deduas tendencias contraditórias: a<br />

tendencia á unicidade e a tendencia á diversidade".<br />

O Estado Federal ou Federac3o é forma de Estado, sob ponto de vista<br />

histórico, assaz recente. Nasceu com a Constituicüo dos Estados Unidos da América<br />

de 1787 c baseia-se na untáo de coletividades públicas dotadas de autonomía<br />

político-constitucional, autonomía federativa.(Silva, 2002, p.99). A primeira<br />

Constituido republicana, de 1891, adotou a Federac3o como a forma do Estado<br />

brasilciro, rompendo com o Estado Unitario do Imperio, e tal configuracüo do<br />

modo do exercícío do poder político em funcüo do territorio do Estado tem se<br />

mantído ñas subseqüentes ConstituicÓes brasileiras. Assim quís também o<br />

Constituínte de 1988. Com efeito, a Constituyo Federal (CF), em seu art. Io,<br />

estabelece, in verbis: "A República Federativa do Brasil, formada pela uniao<br />

indissolúvel dos Estados e Municipios1 (...)".N3o bastasse isso, o constituinte de<br />

1988 coloca a forma federativa de Estado no rol das chamadas cláusulas pétreas<br />

RF.VISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 209


RAFAEL CÉSAR COELIIO DOS SANTOS<br />

(art. 60, § 4o), núcleo de principios imutáveis do Diploma Supremo, dando, portanto.<br />

prova de sua enorme importancia dentro sistema constitucional brasileiro.<br />

Conforme dito ácima, a Federacao nSo é sen3o urna configuracao do<br />

modo do poder político em func3o do territorio e, some-se a isso, que se caracteriza<br />

pela difusSo territorial desse poder entre ¡numeras organizacSes governamentais.<br />

A questao da divisao do poder político é deveras a pedra de toque do Estado<br />

Federal e fonte inesgotável de tensóes dentro da estrutura federal. Mais claramente,<br />

o Estado Federal coloca em permanente confronto dois polos de poder: a Uni§o e<br />

os Estados. No nosso país, esse embate se prolonga desde o advento da<br />

Constituido de 1891, que primeiro introduziu o Estado Federal aqui, chegando<br />

aos dias contemporáneos com toda a vivacidade e envergadura que sempre o<br />

caracterizam. Daí, porque imputamos a essa forma de Estado a nota dominante de<br />

"a unidade dialética de duas tendencias contraditórias: a tendencia á unicidade e<br />

a tendencia á diversidade", qualificac^o soberba de García Pelayo (Horta, 1995, p.<br />

346), conforme haja prevaléncia, respectivamente, do Estado central ou dos Estados-<br />

membros - na terminología corrente entre nos, respectivamente: Uni3o e,<br />

simplesmente, Estados.<br />

3. A Federacao, de um ponto de vista jurídico: realidade complexa.<br />

Consoante tivemos dito, a Federacao carrega em si um entrechoque de<br />

poderes: de um lado, a Unuío e, de outro, os Estados. Para os objetivos desse<br />

estudo, concentremo-nos apenas na fe¡c2o jurídica desse embate de forcas; em<br />

outros termos, detenhamo-nos em analisar de que forma o Direito canaliza, limita e<br />

compoe os conflitos naturaís, porquanto inerentes, do modelo de Estado Federal.<br />

Sem embargo, a nossa pesquisa volve-se particularmente para o entendimento da<br />

problemática referida, dentro do quadro do ordenamento jurídico brasileiro, n3o<br />

obstante, muito do que aqui for versado se aplique a outros exemplares de Estado<br />

Federal.<br />

A doutrina mais abalizada a versar sobre sua estrutura, a saber,<br />

n de Kiiul Machado I loria, enxcrga ¡i Fedcracilocomoconslriicflojiírídico-poliliea<br />

complexa, e explica:<br />

1 C) presente trabalho nflo pretende abordar questoes alíñenles á posicáo do Municipio na Consliluicüo Federal<br />

de 1988; prende-se tüo-somenlc a análise de questdes relacionadas ao Estado, como se vera<br />

210 REVISTA JURÍDICA IN VI-RUIS m. <strong>15</strong> UI-RN


O KSTAIX) I I.DERAL E OS LIMITES AO PODER CONSTITUINTE DOS ESTADOS:<br />

O I'RINCiPIO DA SIMETRÍA<br />

A organizacao do Estado Federal é tarefa de<br />

laboriosa engenharia constitucional. E que o<br />

Estado Federal requer duplo-ordenamento,<br />

desencadeando as normas e as regras próprias a<br />

cada um. Refiro-me ao ordenamento da Federacao<br />

ou da Uniao e aos ordenamentos jurídicos dos<br />

Estados-Membros. (Horta, 1995. p. 346).<br />

Com a devida licenca, modificaría em breves traeos a estrutura proposta<br />

pelo autor. Em vez de um duplo-ordenamento, haveria sim urna pluralidade de<br />

ordenamentos no seio do Estado, configurados em doís ámbitos, a saber: (a) os<br />

ordenamentos parciais dos Estados-membros — que senio tantos quantos forem<br />

esses Estados —. cada um com sua Constituic3o Estadual e normas infra-<br />

constitucionais, decorrentes daquela; (b) o ordenamento central, formado pela CF<br />

ou da Uniao e pelas demais normas ¡nfra-constitucionais, que decorrem daquela,<br />

incidindo sobre todo o territorio e populado da Federacao no seu conjunto -<br />

portanto, sobre os próprios ordenamentos parciais, aludidos ácima.<br />

É o que evidencia, com peculiar clarividencia, José Horacio Meirelles<br />

Teixeira, ao desnudar a estrutura da Federacao, vista da perspectiva do individuo<br />

que nela vive:<br />

Caracterizase o Estado Federal, ou a forma<br />

federativa de governo, quando num territorio, e<br />

sobre as mesmas pessoas, simultánea e<br />

harmónicamente, existem dois ordenamentos<br />

jurídicos e se exercem duas categorías de governos<br />

— o central e os regionais —, cujos poderes sao<br />

distribuidos por unía constiluicao rígida. (Teixeira,<br />

1991,p. 621).<br />

Ademáis, conforme alude Meirelles Teixeira, o Estado Federal n3o pode<br />

prescindir de urna Const¡tu¡c3o rígida. "A Constituic3o Federal é o instrumento de<br />

criacao jurídico-positiva do Estado Federal, encerrando a decisao fundamental<br />

sobre a forma do Estado" (Horta, 1995,377), sendo, portanto, a existencia de urna<br />

Constituido rígida o elemento que viabiliza a coexistencia dos Estados e da Uniao<br />

dentro da Federacao. Com efeito, n3o se concebe a Federacao em que os direitos<br />

REVISTA JURÍDICA IN VIÍRBIS n. <strong>15</strong> - UFRN<br />

211


RAFAEL CÉSAR COELHO DOS SANTOS<br />

e prerrogativas dos governos regionais pudessem ser restringidos ou mesmo<br />

suprimidos por Ie¡ ordinaria do poder central. Ou seja: Constituicao rígida e suprema<br />

é elemento indispensável do conceito de Estado Federal (Teixeira, 1991, pp. 621 -<br />

622).<br />

Contudo, cumpre evidenciar que de muito pouco Valeria a própria CF,<br />

dentro da arrojada arquitetura normativa da Federacao, ainda que revestida de<br />

suas qualidades de rigidez e supremacía, se n2o houvesse mecanismos que<br />

garantissem a mantenca de suas dísposic5es quanto á divisSo do poder político -<br />

e normativo, conseqüentemente - entre a Untáo e os Estados. Como aludido<br />

anteriormente, a forma Federal do Estado carrega em si um entrechoque de dois<br />

polos de poder, a Uniao e o Estado, o que constituí urna fonte incessante de<br />

conflitos que, sem tregua, intentam contra a hígidez do "sistema" federativo, ao<br />

acodar os dispositivos constitucionais que sustentam o pacto federativo. No que<br />

toca ao aspecto especificamente jurídico da Federacao, ao Supremo Tribunal Federal<br />

cabe solver as quest6es relacionadas ao equilibrio e a harmonía entre os diversos<br />

ordenamentos parciais e o ordenamento central. Em outras palavras: o Supremo<br />

Tribunal é o intérprete supremo da Constituicao e a ele compete solucionar os<br />

conflitos entre os Estados-membros e o Estado Federal, mediante o controle de<br />

constitucionalidade das leis (Teixeíra, 1991, p.622).<br />

4. A autonomía dos Estados-membros:<br />

A autonomía dos Estados-membros e a reparticao de<br />

competencias2 sño os dois elementos essencíais da idéia de Estado federal. Na<br />

prática, a autonomía manifesta-se sob tres aspectos distintos: (a) auto-organizacao,<br />

que significa a capacidade de elaborar a própria Constituicao, chamada Constituicao<br />

Estadual, medíante o exercício do poder constítuinte estadual; (b) autogoverno,<br />

que se traduz na capacidade de escolha dos agentes públicos que exercerao as<br />

func5es de legislar, julgar e administrar, constitucionalmente referidas; por fim, (c)<br />

auto-administracao, que designa a capacidade de aplicar as leis por órgaos próprios,<br />

bem como prestar os servicos públicos da competencia estadual. (Barroso, 1993,<br />

p.323).<br />

; Nao c preteusSo do presente esludo abordar lodos os aspectos do Eslado federal, nem seria possivel faze-lo em 13o<br />

exiguo espaco. Para conhecer com inaior profundidade outros aspectos atinentes n essa forma de Estado, confronte<br />

a bihliograíin especializada listada ao fun deste trabalho.<br />

212 REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN


l SIAIX) II DI KAI I OS1 IMIII S AOI"OI>rR C'ONSIirilINTI-. 1X)S IMAIX)S<br />

o I'KINC II'KIDA SIMI IKIA<br />

A capacidade de auto-organizando é o primeiro elemento da auto-<br />

nomia esladual. lista consagrado no capul do artigo 25 da CF de 1988, que estabe-<br />

Icce: Os Eslailos oryanttim-se e re^em-se pelas Consliluicñes que adataren!,<br />

observados os principios desleí Conslitiiicao. Ao niesmo tempo, esse dispositivo<br />

assenUí ;i capacidade dos Estados de elaborarem suas Constitu¡96es, organizando<br />

internamente os órgííos supremos de governo local e, igualmente, evidencia que<br />

essa ciipatidade ¡uilo-organi/acao iiilo é ilimitada, posto que encontra balizas na<br />

própria l.ei Magna du FederacSo. Em outros termos: o referido dispositivo exprime<br />

o tato de que o Poder Constituinte Kstadiml. cuja existencia decorre do referido<br />

preceilo du CF, c, por ¡sso, chamado de l'oder Conslituinte üecorrente (Silva, 2002.<br />

p. 591) goza de liberdade relativa, porquanto balizada por principios constantes da<br />

CF. O nunca demasiadamente citado José Afonso da Silva explica que o Poder<br />

Constituidlo dos Lstados, pressuposto da auto-organizado e manifestacüo, eni<br />

última análise. da autonomía, pode ser definido:<br />

como poder próprio dentro de uní circulo truco<br />

por nutro |o Poder Constituinte Originario, fonte da<br />

CF]. pressupoe un niesmo uma zona de<br />

auiodelerniinacüo. que é propriamente autónomo,<br />

e uní conjunto de lim ¡lardes e determinantes<br />

jurídicas extrínsecas, que é o heterónomo. (Silva.<br />

2002. p. 591) (acréscimo inserido).<br />

A doutrina tradicional já desnudou grande parte dos principios<br />

limitadores do l'oder Constituinte dos Estados. Contudo, resta aínda uma gama de<br />

determinantes jurídicas extrínsecas, para utilizar a acertada terminología do grande<br />

José Afonso. cuja exala dellnicüo do sentido demanda o estudo dos juristas. S2o<br />

limites cuja índole lugidia e etérea reclama percuciente observado científica a finí<br />

de descobrir-lhcs os traeos dominantes e, assim, constituir-lhes a fisionomía.<br />

O présenle Irabalho perpassu u temática, já tradicional na doutrina. dos<br />

principios que ¡mpoe restricoes á capacidade de auto-organizacSo dos Estados.<br />

Contudo. vai mais além: debruca-se lambém sobre principio, aínda descuidado<br />

pela doutrina, a que a jurisprudencia do STF (STF) denomina principio da simetría<br />

constitucional.<br />

RIVISIA JURÍDICA IN VCKBIS ji. <strong>15</strong> UI'RN 213


RAÍ Al 1.t tSAK C()i;l.HO IX)S SANIOS<br />

5. Limites ao Poder Constituirle dos Estados.<br />

A pesquisa no texto constitucional é o único meio de se conhecer os<br />

limites impostos pelo Constituinte de 1988 ao poder de auto-organizacao dos<br />

Estados. Com ef'eito, os principios constitucionais que consisten! em determinantes<br />

extrínsecas do Poder Constituinte Estadual est3o dispersos por toda a extensSo<br />

do texto magno, sendo, portanto, sua identificacüo completa tarefa extenuante e<br />

despropositada. Á vista dessa constatado, a doutrina de José Afonso da Silva<br />

classifica esses principios em dois grupos: os principios constitucionais sensiveis;<br />

os principios constitucionais estabelecidos (Silva, 2002, p. 592).<br />

5.1. Os principios constitucionais sensiveis.<br />

Os principios constitucionais sensiveis sao aqueles que est3o<br />

enumerados no art. 34, VI I, da CF. Diz-se deles sensiveis, tanto porque fácilmente<br />

percebidos pelos sentidos, ou seja, s3o claros, evidentes, visíveis e manilestos,<br />

bem como, porque, quando violados, ensejam reacio, no a fim de assegurar sua<br />

observancia. Compreendem principios do mais alto coturno no nosso sistema<br />

constitucional, e que, por isso mesmo, quando desobedecidos, abrem espaco á<br />

atuacjo de seu mecanismo de defesa, qual seja, a ¡nten


O tSTADO FEDIiRAL E OS LIMITES AO PODER CONSTI lUINTIJ DOS ESTADOS:<br />

O PRINCIPIO DA SIMETRÍA<br />

93, 94, 95 e 125; os principios sobre organizac,áo e<br />

competencia do Ministerio Público (Silva, 2002, p.<br />

594-598).<br />

6.0 principio da simetría constitucional.<br />

O exame da jurisprudencia do STF, em sede de ac2o direta de<br />

inconstitucionalidade (ADIN) que verse sobre confuto de normas de Constituido<br />

Estadual em face da CF, revela a aplicacüo diuturna do principio da simetría<br />

constitucional ou, simplesmente, principio da simetría. Embora figura quase<br />

onipresente nos arrazoados das partes e votos dos Ministros, tal principio conserva<br />

se olvidado pela doutrina especializada. Cumpre, pois, investigar-llie a atuacüo<br />

para descobrir qual o seu papel dentro do quadro de límitac.5es ao Poder Constituinte<br />

dos Estados e, em última análise, na configurac.ao mesma da FederacSo brasileira.<br />

Primeiramentc, cabe assinalar que o principio da simetría ó aplicado<br />

tao-somente a casos em que se cotejam Constituicao Estadual e a CF. Consoante<br />

dito ácima, o principio em causa consiste em limite ao Poder Constituinte dos<br />

Estados, tendo, portanto, como fundamento lógico, a noc3o de supremacía da CF,<br />

dentro da estrutura normativa da Federac3o. Assim, o referido principio tem como<br />

ámbito de atuacüo a afericao da compatibilidade da Constituicao Estadual á CF.<br />

Antes de qualquer outro passo, é preciso evidenciar que o principio da<br />

simetria tem como pressuposto a noc.ao de que a forma de organizac^o da Uniao é<br />

o modelo a ser almejado pelo Estado. Deveras, sobre limitar o Poder Constituinte<br />

do Estado, tal principio adstringe o Constituinte estadual ao deverde dar feicao á<br />

organ¡zac3o do Estado similar (ou análoga) áquela da Uniao sempre que a CF n3o<br />

disponha específicamente acerca de certo aspecto da Constituíc.30 Estadual. Veja<br />

se, por exemplo, a ADIN 678-9, em que o STF afirma, por unanimidade, a<br />

"extensibilidade do modelo federal" á organízac.a'o dos Estados:<br />

EMENTA: CONSTITUCIONAL GOVERNADOR<br />

DO ESTADO: AUSENCIA DO TERRITORIO<br />

NACIONAL POR QUALQUER PRAZO: EXIGENCIA<br />

DE AUTORIZACAO DA ASSEMBLÉIA<br />

LEGISLA TI VA: INCONSTITUCIONA LIDA DE.<br />

Constituicüo do Estado do Rio de Janeiro, inc. IV<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 2I5


RAIAUL CESAR COKI.HO DOS SANIOS<br />

do arl. 99; § I"do arl. 143. Constituiciio Federal,<br />

arl. 49, III.<br />

I. - Exlensibilidade do modelo federal—CE.<br />

arl. 49, III — aos Eslados-membros: a autorizacdo<br />

previa da Asseinhléia Legislativa para o<br />

Governador e o Vice-Governador se ausentaren! do<br />

territorio nacional será exigida, se essa ausencia<br />

exceder a quinze dias.<br />

¡I .-Acao direta de inconstitucionalidade<br />

julgadaprocedenle.(ADlU 678-9/RJ. STF. Reí.: Min.<br />

Carlos Velloso. Tribunal Pleno. Decisño: 13/11/2002.<br />

D.J. l9.l2.2002)(Grifonosso).<br />

A análise da jurisprudencia do STF revela ainda que esse principio se<br />

dirige a uma categoría específica de normas constitucionais, nomeadamente, as<br />

normas constitucionais de organizacao, segundo classificacao proposta por Luís<br />

Roberto Barroso. De forma geral, pode-se dizer que tal categoría de normas tem por<br />

objeto organizar o exercício do poder político, ao estabelecer o estatuto da<br />

organizagSo do Estado, partilhar atribuic5es, criar órgSos e disciplinar a aplicado<br />

de outras normas (Barroso, 1993, p.91). Ademáis, o brilhante constitucionalista<br />

refere-se ás normas constitucionais de organizacao como sendo todas aquelas<br />

que, "a despeito de alguma variacao no seu objeto, apresentam um trago típico<br />

comum: sSo dirigidas aos órgSos públicos e pressupostos da apl¡cac3o das demais<br />

normas" (Barroso, 1993, p. 89). É, justamente, sobre o terreno das relacóes entre<br />

normas constitucionais de organizacao da CF, de um lado, e as normas<br />

constitucionais de organizado da Const¡tu¡c3o Estadual, de outro, que incide o<br />

principio da simetría, aferindo a compatibilidades entre urnas e outras. A seguir,<br />

veja-se exemplo de incidencia do principio em tela:<br />

EMENTA: AQÁO DI RETA DE<br />

INCONSTITUCIONALIDADE CONST/TU/CAO DO<br />

ESTADO DO RIOGRANDE DO NORTE. CONCES-<br />

SAO DE VANTAGENS PECUNIARIAS A<br />

SERVIDORES PÚBLICOS. SIMETRÍA. VICIO DE<br />

INICIATIVA.<br />

I. As regras de processo legislativo previstas na<br />

216 REVISTA JURÍDICA INVF.RBIS n. <strong>15</strong>-UFRN


O ESTADO FEDERAL E OS LIMITES AO PODER CONSTITUINTE DOS ESTADOS:<br />

O PRINCÍPIO DA SIMETRÍA<br />

Carla Federal aplicam-se aos Estudos-membros,<br />

inclusive para criar ou revisar as respectivas<br />

Constituicoes. <strong>In</strong>cidencia do principio da simetría<br />

a limitar o Poder Constituíate Estadual decorrente.<br />

2. Compele exclusivamente ao Che/e do Poder Exe-<br />

cutivo a iniciativa de leis, lato sensu, que cu ideni<br />

do regimejurídico e da remuneracao dos servidores<br />

públicos (CF artigoó I, §Io, II, "a " e "c " c/c artigos<br />

2"e25). Precedentes.<br />

<strong>In</strong>constitucionalidade do §4° do artigo 28 da Constituido do Estado<br />

do Rio Grande do Norte.<br />

Acaoprocedente.(ADIN 1.353-O/RN. STF. Reí.: Min.<br />

Mauricio Correa. Tribunal Pleno. Dec¡s3o: 20/03/<br />

2003. D.J. 16.05.2003) (Grifo nosso).<br />

Na mesma ADIN 1.353-0, pode ser percebida outra nota marcante do<br />

principio em causa: o seu caráter subsidiario ou suplementar. Aplica-se, portante<br />

apenas á falta de principio estabelecido ou sensível da CF, que imponha certo<br />

formato á organizacao do Estado-membro. Em outros termos: o principio da simetría<br />

constitucional é invocado apenas quando a CF nao contém dispositivo que defina<br />

qual a organizafao dos Estados; assume, pois, func,3o suplementar em relac3o aos<br />

principios sensíveis e estabelecidos na tarefa de conformar a Constituícao Estadual<br />

ao modelo consubstanciado na CF.<br />

Acerca do caráter suplementar do principio, é bastante elucidativa a<br />

ADIN N. 452-2, de 28 de agosto de 2002, de que foi relator o Ministro Mauricio<br />

Correa. De fato, aquí o STF, por unanimidade de votos, declarou a<br />

inconstitucionalidade de dispositivo da Constituicao do Estado do Mato Grosso<br />

que seguía o modelo de nomeacao do Procurador-Geral da República (art. 128, §1°,<br />

da CF), aplicando-o á nomeac.ao do Procurador-Geral de Justina do Estado, quando<br />

havia dispositivo específico, na CF, a estabelecer a forma de nomeacao deste (art.<br />

128, §3°). Decidiu a Suprema Corte, ent3o, pela nao-apl¡cac3o do principio da<br />

simetría. A saber:<br />

EMENTA: ACAO DIRETA DE<br />

INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUICAO DO<br />

ESTADO DO MATO GROSSO. COMPETENCIA DA<br />

REVISTA JURÍDICA INVERBISn. <strong>15</strong>-UFRN 2I7


7. Consideracóes fináis.<br />

RAFAEL CÉSAR C0ELI10 DOS SANTOS<br />

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA PARAAPROVARA ES-<br />

COLHA DOPROCURADOR-GERAL DE JUSTINA.<br />

INCONSTITUCIONALIDADE<br />

1. A escolha do Procurador-Geral da República<br />

deve ser aprovada pelo Senado


ni NI Al (O I I DI KAI I (IS I IMIII NAO I'ODI.K CONSIII UIN IL IX)S I SIADOS<br />

O l'KINt IIMl) DA SIMIITRIA<br />

ai) Poder Constítuiíue do lisiado, sobretudo. o principio da simetría. Chegava-se.<br />

entüo. ¡id ponió culminante deste trabalho, urna vez que o referido principio pode<br />

ser entendido como bal i/.a máxima á capacidade de aulo-organizacao do F.slado.<br />

vinculando este, vía de regia, ao transplante do modelo da Uníao para sua<br />

Consl¡<strong>In</strong>icuo própria. I. hem verdade que suas feicóes Ibrani tüo-somentedelineadas.<br />

Tao-somcnie delineadas sim. tendo em vista que o presente estudo, em virtude da<br />

brevidaele que reclama. n3o logrou explicitar-lhe toda a fisionomía e revelar-lhe a<br />

compostura. Cornudo, ressaltou seus caracteres mais marcantes, conforme a<br />

utilizacao que Ihe tem sido dada pela jurisprudencia caudalosa do STF, os quais<br />

ser3o novamente evocados para finalizar a o trabalho: (a) aplica-se apenas na<br />

averiguaeflo da adequacüo das normas da CE as normas da CF; (b) tem como<br />

pressuposto a nocüo de que a forma de organizacSo da Uniao constituí modelo<br />

para os l.slados; (c) dírige-se apenas ás normas constitucional de organizado;<br />

(d) subsidiariedade. porquanlo invocado apenas quando da falta de principio<br />

sensível ou estabelecido correlato.<br />

8. Referencias bibliográficas.<br />

1. BARROSO. Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas nor<br />

mas: límites epossibilidades da Constituicáo brasíleira. Río de Janeiro: Renovar.<br />

1993.<br />

2. BONAVIDF.S. Paulo. Ciencia política. 3 a ed. Rio de Janeiro: Forense. 1976.<br />

3. HORTA. Raúl Machado. F.studos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del<br />

Rey. IW5.<br />

4. ROSA. Viarcio I einando I ilias.l'riiicipioscoiislituciomiis na conccpvAusistéiiiicu<br />

do ordena mentó jurídico. <strong>Revista</strong> de direito constitucional e internacional, n. 39, p.<br />

l89-2()X.¡ibril-¡iinlH).2()()2.<br />

5. SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 2 Ia ed. S3o<br />

Paulo: Malheiros. 2002.<br />

6. TEIXlilRA, José I lorácío Meirelles. Curso de direito constitucional. Texto re-<br />

vistocaiuali/iidorHir María (¡arda. Rinde Janeiro: Forense Universitaria. 1991.<br />

RFVIS'I \ JURÍDICA IN Vr.RUISn. <strong>15</strong> UI'RN 2|t)


H (<strong>Revista</strong> <strong>Jurídica</strong> <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong><br />

QUESTIONÁRIO DESTINADO AOS PROFESSORES<br />

PARA AVALIACÁO DOS ARTIGOS<br />

PROFESSOR AVALIADOR:<br />

TÍTULO DO ARTIGO AVALIADO:<br />

INTRODUCAO:<br />

1.1. O plano e o propósito do trabalho foram delineados sucintamen<br />

te?<br />

1.2. Outras observacóes sobre a ¡ntroducáo:<br />

DESENVOLVIMENTO:<br />

1.3. As idéias foram encadeadas de maneira clara, objetiva e coeren-<br />

te?<br />

1.4. Existe alguma especie de raciocinio falacioso?<br />

1.5. Existe algum assunto ou tópico que deveria ter sido melhor explo<br />

rado ou desenvolvido? Alguma sugestáo?<br />

1.6. Existe algum tópico que deve ser acrescentado?<br />

1.7. Existe algum tópico que deve ser suprimido?<br />

1.8. Outras observacóes sobre o desenvolvimento:<br />

CONCLUSÁO:<br />

1.9. As conclusóes e recomendacóes fináis foram decorrentes dos<br />

argumentos e/ou fatos apresentados?<br />

1.10. O trabalho trouxe algo de novo (abordagem, conceitos, etc.) sobre<br />

o assunto?<br />

1.11. Outras observacóes sobre a conclusáo:<br />

OUTRAS OBSERVACOES RELEVANTES SOBRE O ARTIGO:<br />

1.12. O autor selecionou bibliografía adequada? Soube utilizar tais refe<br />

rencias doutrinárias para subsidiar sua argumentacáo?<br />

1.13. O autor se preocupou em ilustrar (se o tema assim o permitir)<br />

seus pontos de vista com jurisprudencia atualizada sobre o as<br />

sunto?<br />

O ARTIGO É MERECEDOR DE PUBLICAQÁO NA REVISTA JURÍDICA "IN<br />

VERBIS"? (sim/náo):<br />

Observacóes adicionáis sobre o artigo:<br />

Nota do artigo:<br />

MEMBRO DO CONSELHO EDITORIAL RESPONSÁVEL PELO ARTIGO<br />

--° RTVISTA JURÍDICA IN VI RUIS n. I 5 UIKN


REGRAS PARA PUBLICACÁO DE ÁRTICOS NA IN VERBIS<br />

Cnnítulo I- DAS DISPOSICÓESCERAIS<br />

Art. 1°. A revista jurídica <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>, de periodicidade semestral e sem ílns lucrativos,<br />

publica artigos referentes á área jurídica. A revista publicada no primeiro semestre<br />

do ano abordará os mais diversificados temas; já no segundo semestre, o periódico<br />

restringir-se-á a um único tema.<br />

Parágrafo único. O tema da revista do segundo semestre será estabelecido de<br />

acordó com os criterios estipulados pela Comissao Editorial e que deverño<br />

exteriorizar, na medida do possível, a participado do alunado na elaborado da<br />

revista. Na delimitacáo do tema buscar-se-á sempre aprofundar ramos jurídicos de<br />

maior necessidade de pesquisa por parte do corpo discente.<br />

Art. 2°. Serüo aceitos somente artigos inéditos, nao implicando remunerac.30,<br />

remessa, devolucSo ou publicac,ao dos trabalhos.<br />

Parágrafo único. A Comissao Editorial afastará o trabalho que souber,<br />

comprovadamente. ter sido publicado ou divulgado, anteriormente á publicado<br />

da <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>, em qualquer local ou através de qualquer mcio.<br />

Art. 3". Na aplicado das regras para publicac.ao de artigos na <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>, a Comissao<br />

Editorial atuará sempre com imparcialidade, independencia e estimulando a<br />

produc3o científica do maior número possível de estudantes.<br />

Art. 4o. A Comissao Editorial é composta por membros do corpo discente da<br />

UFRN. cuja func.3o é a de coordenar o processo seletivo e decidir sobre eventuais<br />

controversias surgidas no interregno deste processo.<br />

Parágrafo único. Os componentes da referida Comissao s3o: Alinne Luise<br />

Cavalcanti da Silva, Bruno Barcellos Cavalcante, Daniel de Oliveira Araújo, Danielly<br />

Cruz Miranda, Fernanda Braga Ramalho, Marcella Régo de Carvalho, Matusalém<br />

Jobson Bezerra Dantas, Max Bruno Alves, Orquimary Jucara Rafael Siqueira e<br />

Paulo Sergio Pereira dos Santos.<br />

Capitulo 11-DAADIV1ISSIBILIDADE IX) ARTIGO<br />

Art. 5°. Os trabalhos, obrigatoriamente redigidos em portugués, sob a forma de<br />

artigocieniillco.com no mínimo 4 (quatro)e no máximo 12 (doze) laudas, dcverüo<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 221


ser entregues á Comissüo Editorial, em 02 (duas) versóes impressas. acompanhadas<br />

de 02 (duas) versOes inseridas em disquetes distintos, gravados em editor de texto<br />

compativel com "Word for Windows", vers3o 6.0 ou superior.<br />

§ Io. Deverño ser obrieatoriamente adotadas as seguintes margens: esquerda e<br />

superior. 3cm; direita e inferior, 2,5cm. O parágrafo devera ser de 1,5cm e o espaco<br />

entre linhas do texto será simples. O lamanho do papel a ser utilizado é o A4. A<br />

fonte será a "Times New Román", e seu tamanho 12 (doze).<br />

§2°. A versüo impressa também será verificada, em confronto com a versüo em<br />

disquete, inclusive quanto aos parámetros numéricos, medidos com régua<br />

milimetrada.<br />

§3°. Na versüo impressa NAO deverá constar o nome do autor. No entanto, este<br />

será exigido ñas versSes em disquete e na parte exterior deste, com a identificacüo<br />

do titulo do trabalho, regra cuja desobediencia implicará em eliminacSo sumaria do<br />

artigo.<br />

Art. 6o. As folhas do trabalho deverSo ser obrigatoriamente numeradas desde o<br />

inicio (primeira página), constando o algarismo arábico do alto da página, á direita.<br />

Art. 7o. Os trabalhos devera"o incluir:<br />

I - título e subtítulo (este, se houver):<br />

II - nome(s) completo(s) do(s) autor(es) (somente ñas versfles em disquete);<br />

I11 - filiacüo científica, que indicará a Universidade, o período ou eventual bolsa ou<br />

monitoria (somente ñas versOes em disquete);<br />

IV - texto propiamente dito com os seguintes cuidados:<br />

a) siglas e abreviacOes, ao aparecerem pela primeira vez no trabalho serflo precedidas<br />

do nome por extenso e depois colocadas entre parénteses; na repeticSo deverá ser<br />

utilizada apenas a sigla sem os parénteses. Ex.:"(...) consoante prega a Lei da AcSo<br />

Civil Pública (LACP), o Ministerio (...), dessa forma, é assim que a LACP diz ser<br />

válida (...)";<br />

b) a chaceo bibliográfica de texto inserido no artigo, se houver, deve seguir o<br />

seguinte excmplo: "Tradicional a classificacao das normas constitucional, dada<br />

•>■}-><br />

REVISTA JURÍDICA IN VIRRIS n. <strong>15</strong>-UFRN


por José Alonso da Silva em relac.au a sua aplicahilidadc cm normas de eficacia<br />

plena, comida e limitada"(Moraes. 2000. p.31)):<br />

c) quando nao ultrapassarem 03 (tres) linhas. as citacoes deverüo ser inseridas no<br />

próprio parágrafo; caso contrario. deverüo ser destacadas, sem a utilizacao de<br />

aspas e em itálico, com fonte Times New Román tamanho 11 e observando-sc o<br />

recuo de 4cm a contar da margem esquerda;<br />

d) Notas de rodapé poderüo ser incluidas, numeradas seguidamente e laucadas ao<br />

pé da página em que estiver o respectivo sinal de chamada. Elas terüo a funcüo de<br />

aprofundar e/ou esclarecer um assunto do texto, jamáis trazendo referencias<br />

bibliográficas. A presentado tamanho IO(dez)de fonte "Times Ncw Román";<br />

e) Referencias a julgados deverüo ser feitas, preferencialmente, utilizando-se das<br />

notas de rodapé. As respectivas ementas ou trechos da decisüo deverüo identificar<br />

perfcitamante a fonte consultada, de acordó as normas técnicas relativas á utilizacío<br />

de referencias jurisprudenciais em artigos científicos.<br />

Arl. 8". No final do texto deverüo constar obrigatoriamcntc as REFERENCIAS<br />

BIBLIOGRÁFICAS, obedecendo-se ao que segué:<br />

I - serüo dispostas na ordem alfabética, de acordó com o sobrenome dos autores;<br />

II - sendo publicacüo avulsa (livro, folheto, tese e afins), respeitar-se-á a seguinte<br />

ordcm: sobrenome do autor, preñóme, titulo da obra, local, editor e data;<br />

III - se publicacüo de periódico, a ordem é a seguinte: sobrenome do autor, preñóme,<br />

título do artigo, nome do periódico, indicacüo do volume. número, páginas inicial<br />

c final, data da edicüo (día. mes e ano);<br />

IV - se for utilizada obra proveniente da <strong>In</strong>ternet, a referencia atenderá o excmplo:<br />

DANTAS. Múcio Vi lar Ribeiro. Parecer acerca da succssüo municipal no municipio<br />

de Encanto. <strong>In</strong>. Jurisnet: httpy/www.truenet.com.br/jurisnet, 02 de agosto de 1998.<br />

A data corresponde ao dia em que a página virtual foi acessada.<br />

Art. 9o. A desobediencia ao preceituado no artigo 5o e/ou 7o, alinea "c", excluirá de<br />

¡mediato o añino do processo seletivo. salvo decisáo em contrario da Comissüo<br />

Editorial, quando o absoluto respeito a tais formalidades inviabilizar a publicacüo<br />

da revista e nflo houver prejuízo para os que subnieterani seus trabalhos ao referido<br />

processo.<br />

revista jurídica in vi-:i


Parágrafo único. Nos demais casos de irregularidades formáis, o artigo participará<br />

do processo seletivo. sendo, poréni, preterido cm relacao aos que estejam totalmente<br />

em conlbrmidade com as presentes regias, configurando-se destarte, no primeiro<br />

criterio de desempate a seraplicado(art. 13).<br />

Caníliilo III -IM) PROCESSO SELETIVO<br />

Art. 10. Os trabadlos para a próxima cdicao da <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong>, que será temática, deveráo<br />

ser apresentados a Comissüo Editorial até 30 (trinta) días após o lancamento do<br />

último número, ressalvando-se exclusivamente á Comissao o direito de ampliar<br />

este prazo. A data-limite para entrega dos artigos e demais informes pertinentes<br />

serao também divulgados na página da <strong>Revista</strong>.<br />

Parágrafo Único: Para o recebimento de artigos de autores de fora do Estado será<br />

considerada a data da postagem do material com o trabalho.<br />

Art. II. Exaurido o prazo anterior, os trabalhos seráo entregues aos professores.<br />

juntamente com o questionário, para avaliacño e definic3o do atendimento ou nao<br />

dos niveis cientílico-jurklicos nccessários íi publicac.no.<br />

§ I". Os autores tcm o direito de consultar os comentarios fcitos pelos professores<br />

sobre o seu irabulho no pra/.o de 60 (sessenta) días a contar da divulgacao do<br />

resultado da selecüo.<br />

§ 2". Caso queira, poderá o professor nüo responder ao questionário, reservándo<br />

se o direito de falar pessoalmente com o aluno.<br />

Art. 12. Os artigos uño publicados nüo serüo utilizados pelos membros da Comissao<br />

para nenhum outro finí. Ao final do processo seletivo, todos os disquetes recebidos<br />

serüo doados para urna escola pública, escolhida pela Comissao Editorial.<br />

Art. 13. Quando houver mais artigos aprovados do que o número máximo a ser<br />

publicado (quatorze artigos para a revista pluritemática e oito para a temática),<br />

utilizar-se-üo, para o desempate, respectivamente, os seguintes criterios:<br />

I - trabalho com assunto semelhante a outro anteriormente já publicado na <strong>In</strong><br />

<strong>Verbis</strong>;<br />

224 REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> UI-RN


II - académico de Direito da UFRN, ressalvada a reserva de urna única vaga para<br />

artigos de alunos de outras universidades;<br />

III - autor(es) que nao tenha(m) publicado no número anterior da revista, salvo o<br />

caso de trabalhos em grupo, em que pelo menos um dos componentes preencha a<br />

condicao descrita neste inciso;<br />

IV - a nota atribuida pelo avaliador, quando de artigos submetidos ao mesmo<br />

professor;<br />

V - análise do questionário de avaliacao e de eventuais ressalvas feitas pelo<br />

avaliador;<br />

VI - artigo escrito por aluno mais próximo da conclusSo do Curso, ainda que em<br />

grupo, hipótese em que prepondera o período do aluno mais avancado.<br />

Parágrafo único. Os artigos que disputarüo a vaga a que se refere o inciso II se<br />

submeterao aos mesmos criterios aplicáveis aos demais, estando inclusive sujeitos<br />

á eliminacao a que se refere o art. 9° deste Regulamento, n3o sendo obrigatória a<br />

publicac3o de artigos de alunos que se encontrem na s¡tuac3o descrita no inciso,<br />

caso em que a <strong>Revista</strong> poderá ser composta exclusivamente por trabalhos de<br />

alunos pertencentes á UFRN.<br />

Art. 14. Caso ocorra a aprovacáo de dois ou mais trabalhos. cuja autoría é a<br />

mesma, ainda que em grupo e com algum(ns) componente(s) distinto(s), apenas<br />

01 (um) deles será publicado, cabendo a escolha ao(s) autores) idéntico(s).<br />

Art. <strong>15</strong>.0 artigo aprovado pelo avaliador, mas n3o publicado, poderá ser submetido<br />

a novo processo seletívo, caso o autor deseje publicá-lo no próximo número da<br />

revista.<br />

Art. 16. A Comiss3o Editorial goza do direito de modificar o número máximo de<br />

artígos a ser publicado, desde que haja condi^oes financeiras para tanto e espaco<br />

físico remanescente na revista.<br />

Capitulo IV - DISPOSICÓES FINÁIS<br />

Art. 17. Os dados e conceitos emitidos nos trabalhos, bem como a exatidao das<br />

fontes e das referencias bibliográficas, s3o de inteira responsabilidade dos autores.<br />

REVISTA JURÍDICA IN VERBIS n. <strong>15</strong> - UFRN 225


Art. 18. No que as normas aqui expostas forem omissas, aplicam-se as adotadas<br />

pela Associac3o Brasileira de Nonnas Técnicas (ABNT).<br />

Art. 19. O presente regulamento deverá ser obedecido a partir da seleciSo para a<br />

revista <strong>In</strong> <strong>Verbis</strong> n° 16, e terá vigencia até que a Comiss3o Editorial divulgue<br />

posteriores alteracSes.<br />

Natal, 26 de agosto de 2003.<br />

A Comissño Editorial<br />

|226 RP.VISTA JURÍDICA IN VF.RRIS n. <strong>15</strong> UFRN

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