09.05.2013 Views

As artes e a cultura no fio da navalha

As artes e a cultura no fio da navalha

As artes e a cultura no fio da navalha

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

A transmissão <strong>cultura</strong>l do aparelho<br />

de poder do Estado Novo foi feita, <strong>no</strong>mea<strong>da</strong>mente,<br />

a partir do Secretariado<br />

de Propagan<strong>da</strong> Nacional (SPN), criado<br />

em 1933, a<strong>no</strong> em que se fun<strong>da</strong>m, também,<br />

as Casas do Povo e as Casas dos<br />

Pescadores. Em 1935 foi instituí<strong>da</strong> a<br />

Fun<strong>da</strong>ção Nacional para a Alegria <strong>no</strong><br />

Trabalho (FNAT, mais tarde INATEL),<br />

para a promoção do turismo inter<strong>no</strong> e<br />

ocupação dos tempos livres, e em 1936<br />

a Moci<strong>da</strong>de Portuguesa, para jovens<br />

rapazes (mais tarde será cria<strong>da</strong> para<br />

jovens raparigas). Cobrem-se assim, <strong>no</strong><br />

crescente controlo <strong>da</strong> população pelo<br />

Estado, a “Alta Cultura” e a “Baixa Cultura”,<br />

as várias classes sociais e i<strong>da</strong>des<br />

em modo similar ao que acontecia na<br />

Alemanha nazi e na Itália fascista.<br />

Todo este dispositivo não impediu,<br />

to<strong>da</strong>via, que artistas portugueses em<br />

vários domínios (arquitectura, cinema,<br />

design, literatura, teatro, <strong>da</strong>nça, música,<br />

fotografia, <strong>artes</strong> plásticas) acompanhassem<br />

durante o Estado Novo as correntes<br />

e debates internacionais, e produzissem<br />

obras referenciáveis, algumas <strong>da</strong>s quais<br />

já património português e universal.<br />

Fernando Pessoa, José Régio, Bernardo<br />

Santare<strong>no</strong>, Jorge de Sena, Mário Eloy,<br />

António Pedro, Maria Helena Vieira <strong>da</strong><br />

Silva, Júlio Pomar, Joaquim Rodrigo,<br />

Ângelo de Sousa, Alberto Carneiro, Nadir<br />

Afonso, Fernando Távora, Dacia<strong>no</strong><br />

Costa, Sebastião Rodrigues, Fernando<br />

Lemos, Luís de Freitas Branco, Fernando<br />

Lopes Graça, Zeca Afonso, Ma<strong>no</strong>el<br />

de Oliveira, José Fonseca e Costa, Margari<strong>da</strong><br />

Abreu, entre tantos outros, são<br />

exemplo disso.<br />

A circunstância<br />

portuguesa actual<br />

O suporte público às <strong>artes</strong>, nas últimas<br />

três déca<strong>da</strong>s, foi alargado. Instituições<br />

centenárias, como teatros nacionais<br />

e municipais, receberam obras de beneficiação,<br />

foi cria<strong>da</strong> uma rede nacional de<br />

bibliotecas e de museus, <strong>no</strong>vos equipamentos<br />

<strong>cultura</strong>is de grande, média ou<br />

pequena dimensão nasceram em todo o<br />

país, entre salas de espectáculos, centros<br />

<strong>cultura</strong>is, salas de exposições, museus e<br />

galerias de arte. Artistas e agentes <strong>cultura</strong>is<br />

viram crescer o apoio do Estado.<br />

Aos esforços <strong>da</strong> Administração Central<br />

<strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 70 e 80, acrescentou-se, de<br />

forma significativa, a presença e a ativi<strong>da</strong>de<br />

dos Gover<strong>no</strong>s Regionais dos Açores<br />

e Madeira e <strong>da</strong>s autarquias locais <strong>no</strong>s<br />

a<strong>no</strong>s 90 e na primeira déca<strong>da</strong> do corrente<br />

século. Aliás, o trabalho <strong>da</strong>s autarquias<br />

locais tem sido, em muitos casos, exemplar.<br />

Acresceram ain<strong>da</strong> financiamentos<br />

europeus, tanto <strong>no</strong> âmbito de fundos estruturais<br />

como de programas específicos<br />

para a área <strong>da</strong>s <strong>artes</strong> e audiovisual.<br />

É também nas últimas duas déca<strong>da</strong>s<br />

que uma série de enti<strong>da</strong>des priva<strong>da</strong>s<br />

<strong>da</strong> área empresarial se envolve em<br />

programas <strong>cultura</strong>is na perspectiva<br />

<strong>da</strong> filantropia. A filantropia nas <strong>artes</strong>,<br />

quase inexistente <strong>no</strong> país (o exemplo de<br />

Calouste Gulbenkian ou de alguns outros<br />

filantropos de me<strong>no</strong>r dimensão são<br />

excepções) começa a ganhar dimensão,<br />

não só em Lisboa e Porto mas em diversos<br />

pontos do território nacional – sendo,<br />

to<strong>da</strong>via e ain<strong>da</strong>, de expressão global<br />

diminuta e não substituindo o recuo do<br />

financiamento público <strong>no</strong> suporte à criação<br />

artística independente. Ain<strong>da</strong> sobre<br />

a filantropia, de referir que a chama<strong>da</strong><br />

Lei do Mecenato, nunca foi mais do que<br />

uma forma do Estado se autofinanciar<br />

na área <strong>da</strong> Cultura – realmente, foram<br />

para o Estado a maior parte dos fundos<br />

obtidos de empresas públicas e priva<strong>da</strong>s<br />

para financiamento <strong>da</strong> Cultura.<br />

Gover<strong>no</strong>s de diferentes famílias políticas,<br />

dizendo reconhecer a importância<br />

política <strong>da</strong> Cultura, prometeram na última<br />

déca<strong>da</strong> aproximar o Orçamento de<br />

Estado nesta área <strong>da</strong> meta do 1%, mas<br />

nunca a alcançando e antes se assistindo<br />

ao decréscimo dos orçamentos de<br />

2004 a esta parte. A situação de crise<br />

profun<strong>da</strong> que hoje se vive não permite<br />

qualquer ilusão sobre aumentos de<br />

financiamento, sendo que o sinal geral<br />

de “downsizing” <strong>da</strong> despesa pública <strong>no</strong><br />

país, para o equilíbrio que se percebe necessário<br />

entre receitas e despesas do Estado,<br />

afecta de forma mais significativa<br />

esta área, pela dificul<strong>da</strong>de de auto-sustentabili<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong>s activi<strong>da</strong>des artísticas<br />

e <strong>cultura</strong>is, situação comum e universal<br />

e com respostas diferentes de país para<br />

país. Recomen<strong>da</strong>-se uma reflexão estratégica<br />

sobre o papel <strong>da</strong>s <strong>artes</strong> e <strong>da</strong> cul-<br />

Recomen<strong>da</strong>-se uma<br />

reflexão estratégica<br />

sobre o papel <strong>da</strong>s<br />

<strong>artes</strong> e <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> na<br />

socie<strong>da</strong>de portuguesa<br />

– tanto o Estado como<br />

os agentes privados<br />

devem procurar<br />

soluções que garantam<br />

patamares de acesso e<br />

fruição <strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de<br />

artística e <strong>cultura</strong>l<br />

pelos ci<strong>da</strong>dãos<br />

tura na socie<strong>da</strong>de portuguesa – tanto o<br />

Estado como os agentes privados devem<br />

procurar soluções que garantam patamares<br />

de acesso e fruição <strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de<br />

artística e <strong>cultura</strong>l pelos ci<strong>da</strong>dãos, pois<br />

“suspender” a presença neste domínio é<br />

um desinvestimento com resultados dificilmente<br />

escrutináveis.<br />

Poderes públicos e agentes<br />

<strong>cultura</strong>is <strong>no</strong> quadro do<br />

regime democrático<br />

<strong>As</strong> políticas <strong>cultura</strong>is em Portugal <strong>no</strong><br />

pós-25 de Abril foram constantemente<br />

altera<strong>da</strong>s, num grau de instabili<strong>da</strong>de<br />

que comportou custos económicos, financeiros<br />

e sociais muito elevados. É<br />

comum os responsáveis políticos, independentemente<br />

<strong>da</strong> sua origem ideológica,<br />

fazerem política de terra queima<strong>da</strong>.<br />

Não se aproveita o que de bom se fez,<br />

não se avalia o positivo e o negativo, não<br />

se contabilizam os custos/benefícios de<br />

mu<strong>da</strong>nça de rumo. A ig<strong>no</strong>rância e falta<br />

de rigor leva mesmo muitos responsáveis<br />

públicos a, sucessivamente, “descobrirem<br />

a pólvora”, sem perceberem o<br />

ridículo a que se expõem.<br />

XXI, Ter Opinião 143

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!