roteiro de estudos cap 3.pdf - FALE
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TEORIA PRAGMÁTICA – CURSO 2o SEMESTRE DE 2010<br />
PROFA. MÁRCIA CANÇADO<br />
ROTEIRO DE LEITURA DE: LEVINSON, S. 2007. Pragmática. Tradução: Luís<br />
Carlos Borges e Aníbal Mari. São Paulo: Martins Fontes. (Livro texto)<br />
CAPÍTULO 3 – A IMPLICATURA CONVERSACIONAL<br />
1. Introdução<br />
A noção <strong>de</strong> implicatura é uma das idéias mais importantes da pragmática, segundo<br />
Levinson (2007). Primeiramente, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>monstrar que a origem <strong>de</strong>ssa espécie <strong>de</strong><br />
inferência pragmática se encontra fora da organização da língua, em princípios gerais da<br />
interação cooperativa, entretanto, esses princípios têm um efeito visível em vários pontos<br />
da estrutura da língua.<br />
Um segundo ponto é o fato <strong>de</strong> que a implicatura dá uma explicação até certo ponto<br />
explicita <strong>de</strong> como é possível “dizer mais do que é efetivamente dito”. Veja o exemplo:<br />
(1) A. Você po<strong>de</strong>ria me dizer on<strong>de</strong> fica a estação <strong>de</strong> trem?<br />
B. Bem, eu ouvi um barulho <strong>de</strong> trem vindo dali.<br />
Tudo que uma teoria semântica po<strong>de</strong> dizer a respeito da interpretação semântica <strong>de</strong> um<br />
pequeno texto como esse seria:<br />
(2) A. Você tem a <strong>cap</strong>acida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dizer a localização da estação <strong>de</strong> trem?<br />
B. [partícula que tem uma interpretação pragmática fixa] 1 Eu escutei um barulho<br />
<strong>de</strong> trem vindo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada direção em relação à localização em que eu me<br />
encontro (A aponta uma direção).<br />
É evi<strong>de</strong>nte que o que está sendo comunicado em (1) é muito mais do que a<br />
interpretação semântica dada em (2). Provavelmente, o pequeno diálogo em (1) po<strong>de</strong> ser<br />
interpretado como:<br />
(3) A. Você sabe, e se a resposta for afirmativa, você faria o favor <strong>de</strong> me informar a<br />
localização da estação <strong>de</strong> trem?<br />
1 Lakoff (1973) sugere que a interpretação <strong>de</strong> partículas como well anuncia que o falante tem consciência <strong>de</strong><br />
que é in<strong>cap</strong>az <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r completamente à pergunta <strong>de</strong>stinada a ele (ou seja, que é in<strong>cap</strong>az <strong>de</strong> cumprir as<br />
exigências da Máxima <strong>de</strong> Quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Grice). Po<strong>de</strong>mos assumir o mesmo tipo <strong>de</strong> interpretação para o<br />
português, em relação ao bem.<br />
1
B. Eu não sei direito a localização , mas como eu ouvi um barulho <strong>de</strong> trem vindo<br />
daquela direção, eu imagino que <strong>de</strong>ve ser por ali.<br />
O que esse pequeno diálogo nos mostra é que o que está sendo comunicado em (1) é<br />
muito mais do que uma interpretação semântica po<strong>de</strong>ria nos fornecer. Essa lacuna entre o<br />
que é dito e o que está sendo comunicado efetivamente é preenchida pela noção <strong>de</strong><br />
implicatura.<br />
Um terceiro ponto que a noção <strong>de</strong> implicatura parece nos fornecer explicações tem<br />
relação com simplificações substanciais na estrutura e no contexto das <strong>de</strong>scrições<br />
semânticas. Veja o exemplo:<br />
(4) a. Eu entrei no carro e saí dirigindo.<br />
b.??Eu saí dirigindo e entrei no carro.<br />
(5) a. A Torre Eiffel fica em Paris e a Disneylândia fica nos EUA.<br />
b. A Disneylândia fica nos EUA e a Torre Eiffel fica em Paris.<br />
O sentido <strong>de</strong> e em (4) e (5) parecem ser distintos. Enquanto (4) a leitura mais provável é e<br />
então, em (5), a leitura <strong>de</strong> e é apenas <strong>de</strong> ligação <strong>de</strong> dois enunciados, sem alterar em nada a<br />
inversão dos mesmos. Ou po<strong>de</strong>mos adotar que existem dois sentidos para a palavra e, ou<br />
adotamos que os significados das palavras são vagos e influenciados pelo ambiente em que<br />
estes são colocados. Se adotarmos a primeira posição, percebemos que teremos <strong>de</strong> dar<br />
infinitos sentidos para muitas palavras que parecem bem mais simples e não necessitam <strong>de</strong><br />
tantos <strong>de</strong>sdobramentos <strong>de</strong> sentidos. Veja outro exemplo em (6):<br />
(6) a. A ban<strong>de</strong>ira é branca.<br />
b. A ban<strong>de</strong>ira é branca, vermelha e azul.<br />
O exemplo acima nos coloca no mesmo dilema: ou adotamos que a palavra branca é<br />
ambígua, porque em (6a) parece significar “apenas ou inteiramente branca” e em (6b) só<br />
po<strong>de</strong> significar “ parcialmente branca”. Ou simplesmente adotamos a noção <strong>de</strong> implicatura<br />
como saída para esse conjunto <strong>de</strong> dilemas, pois isso nos permite afirmar que as expressões<br />
das línguas naturais realmente ten<strong>de</strong>m a ter sentidos simples, estáveis e unitários (em<br />
muitos casos), mas que sobre esse núcleo semântico estável há muitas vezes uma camada<br />
pragmática instável, ligada ao contexto, ou seja, um conjunto <strong>de</strong> implicaturas.<br />
2. As Máximas <strong>de</strong> Grice<br />
Grice (1975, 1978) afirma que as implicaturas conversacionais po<strong>de</strong>m ser previstas<br />
por um princípio <strong>de</strong> cooperação entre os falantes:<br />
2
(7) O Princípio Cooperativo<br />
Faça sua contribuição como for exigida, na etapa na qual ela ocorre, pelo fim ou<br />
direção aceitos da troca convencional em que você está envolvido. (Levinson,<br />
2007)<br />
Esse princípio tem regras que explicita o acordo mútuo existente entre os participantes <strong>de</strong><br />
uma conversação. É importante realçar que esse princípio não po<strong>de</strong> ser tomado <strong>de</strong> uma<br />
maneira muito ampla, comparado-o a regras fonológicas, morfológicas, sintáticas, ou<br />
mesmo a princípios morais. Também, não <strong>de</strong>ve ser associado a uma linguagem i<strong>de</strong>al,<br />
utópica, em que todos nos enten<strong>de</strong>mos <strong>de</strong> uma maneira racional e cooperativa. Ao<br />
contrário, <strong>de</strong>vemos assumir que esse princípio é aplicado em um micronível, em situações<br />
<strong>de</strong> comunicação bem específicas. É esse acordo subjacente <strong>de</strong> comunicação linguística que<br />
Grice i<strong>de</strong>ntifica como sendo a cooperação entre falantes e ouvintes. Para o autor, os<br />
participantes <strong>de</strong> uma conversação sempre serão cooperativos no sentido <strong>de</strong> que a sua<br />
contribuição para aquela conversação seja a<strong>de</strong>quada aos objetivos da mesma. Trata-se <strong>de</strong><br />
um princípio bastante simples e que po<strong>de</strong> ser entendido como um princípio <strong>de</strong> economia ou<br />
<strong>de</strong> menor esforço do ato comunicativo. A realização linguística <strong>de</strong>sse princípio é traduzida,<br />
por Grice, em uma série <strong>de</strong> normas ou máximas, i<strong>de</strong>ntificadas pelo autor da seguinte<br />
maneira:<br />
(8) Máximas <strong>de</strong> Grice (adaptado <strong>de</strong> Saeed, 1997: 193)<br />
A) Máxima <strong>de</strong> Qualida<strong>de</strong><br />
Tente fazer da sua contribuição uma verda<strong>de</strong>, ou seja, não diga o que você acredita<br />
que seja falso, ou não diga nada <strong>de</strong> que você não tenha evidências a<strong>de</strong>quadas.<br />
B) Máxima <strong>de</strong> Quantida<strong>de</strong><br />
Faça a sua contribuição tão informativa quanto necessária para o objetivo da<br />
comunicação, nem mais nem menos informativa.<br />
C) Máxima <strong>de</strong> Relevância<br />
Faça que suas contribuições sejam relevantes.<br />
D) Máxima <strong>de</strong> Modo<br />
Seja claro e, especificamente, evite ambigüida<strong>de</strong>s, evite obscurida<strong>de</strong>s, seja breve e<br />
seja or<strong>de</strong>nado.<br />
Essas máximas especificam, <strong>de</strong> uma maneira geral, o que os participantes <strong>de</strong>vem fazer para<br />
conversar <strong>de</strong> maneira maximamente eficiente, racional e cooperativa: eles <strong>de</strong>vem falar com<br />
sincerida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo relevante e claro e, ao mesmo tempo, fornecer informação suficiente.<br />
3
Entretanto, às vezes, alguns <strong>de</strong>sses parâmetros não são respeitados, e o falante po<strong>de</strong> ter<br />
consciência disso ou não. Eles são um tipo <strong>de</strong> guia <strong>de</strong> orientação que servirá como base<br />
para a comunicação. É realmente difícil imaginar a comunicação sem que essas máximas<br />
estejam presentes. Veja, por exemplo, se não respeitássemos a máxima da relevância, os<br />
diálogos seriam uma sucessão <strong>de</strong> falas <strong>de</strong>sconexas, do tipo:<br />
(9) A: Você já almoçou?<br />
B: Realmente eu vendo carros.<br />
Portanto, parece ser verda<strong>de</strong>ira a afirmação <strong>de</strong> que nossa comunicação é regida por<br />
alguns princípios cooperativos, como as máximas <strong>de</strong> Grice. A interpretação <strong>de</strong>ssas<br />
implicaturas segue, em geral, as máximas conversacionais. Esse tipo <strong>de</strong> implicatura que<br />
surge da observação das máximas é chamado por Levinson <strong>de</strong> implicaturas-padrão.<br />
Entretanto, existe outro tipo <strong>de</strong> implicatura que surge exatamente quando o falante<br />
rompe ou infringe <strong>de</strong>liberadamente as máximas, o que Grice chama <strong>de</strong> explorações das<br />
máximas. Em uma conversação, espera-se, por exemplo, que a pessoa com quem<br />
conversamos esteja falando a verda<strong>de</strong>. Não nos baseamos, a priori, na falsida<strong>de</strong> das<br />
sentenças. Entretanto, fica claro que esses princípios cooperativos divergem dos princípios<br />
lingüísticos, no sentido <strong>de</strong> que eles po<strong>de</strong>m ser e são violados freqüentemente: muitas<br />
mentiras são ditas, as conversações são <strong>de</strong>sviadas subitamente do seu curso por respostas<br />
<strong>de</strong>sconexas e quem nunca conversou com alguém que dá muito mais informações do que as<br />
necessárias? O que ocorre é que essas normas po<strong>de</strong>m ser violadas <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>liberada, <strong>de</strong><br />
modo que o falante sabe e reconhece que a máxima foi <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> uma maneira<br />
intencional. E para lidar com esses <strong>de</strong>svios dos princípios cooperativos, o ouvinte tem duas<br />
alternativas. A primeira é alertar seu interlocutor <strong>de</strong> que ele está se <strong>de</strong>sviando do que se<br />
esperaria da cooperação mútua para se efetivar uma comunicação, ou seja, que ele está<br />
<strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cendo às máximas, dizendo: "você é um mentiroso", ou "isso é irrelevante", ou<br />
"você está dando mais informações que as necessárias". Ou o ouvinte po<strong>de</strong> escolher uma<br />
segunda alternativa, que quase sempre é a preferida: supõe que o falante está observando o<br />
princípio cooperativo e, como o está violando, ele quer transmitir alguma informação extra<br />
que está <strong>de</strong> acordo com o princípio; além do mais, o ouvinte supõe que o falante sabe que<br />
ele, ouvinte, po<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r essa informação extra. Vejamos um exemplo do próprio Grice.<br />
Um professor, a quem pediram referências <strong>de</strong> um ex-aluno que se candidatara a um cargo<br />
<strong>de</strong> professor <strong>de</strong> filosofia, respon<strong>de</strong> da seguinte maneira:<br />
(10) "Prezado Senhor, o domínio que Paulo tem da língua portuguesa é excelente, e<br />
ele sempre compareceu regularmente às aulas."<br />
O professor está violando as máximas <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> relevância. Ou seja, o professor<br />
não <strong>de</strong>u as informações necessárias e também forneceu informações que não eram<br />
4
elevantes para a pergunta em questão. A pessoa que recebeu essa carta como resposta<br />
certamente inferiu que, se o professor está violando as máximas do princípio cooperativo,<br />
ele <strong>de</strong>ve estar querendo transmitir alguma informação não explícita na carta: a informação<br />
<strong>de</strong> que Paulo não é a<strong>de</strong>quado para o cargo. Quando o <strong>de</strong>stinatário <strong>de</strong>ssa carta formula essa<br />
implicação, a carta <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> violar o princípio da cooperação, pois é exatamente a<br />
implicatura que está contida na carta que é a verda<strong>de</strong>ira mensagem do professor. Segundo<br />
Kempson (1977: 76): "Essas implicaturas conversacionais são suposições acima do<br />
significado da sentença usada, que o falante conhece e preten<strong>de</strong> que o ouvinte compreenda,<br />
frente a uma violação aparentemente clara do princípio cooperativo, para interpretar a<br />
sentença do falante <strong>de</strong> acordo com esse mesmo princípio". Segundo Levinson (2007), esse<br />
tipo <strong>de</strong> inferência surge para preservar a suposição contrária às indicações superficiais <strong>de</strong><br />
que as máximas estão sendo violadas. A idéia <strong>de</strong> Grice é que nunca nos afastamos <strong>de</strong>ssas<br />
máximas, em pelo menos algum nível.<br />
Como uma observação final, é importante realçar que os falantes comunicam algum<br />
significado através das implicaturas e os interlocutores enten<strong>de</strong>m esses comunicados<br />
através das inferências. Portanto, é a esse significado do que não é dito, que Grice chama <strong>de</strong><br />
implicaturas conversacionais.<br />
3. Implicaturas-padrão<br />
Comecemos por analisar exemplos em que as máximas são seguidas. As inferências<br />
surgem da suposição <strong>de</strong> que alguma máxima específica está sendo observada. Um primeiro<br />
exemplo envolve a máxima <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> (tente fazer da sua contribuição uma verda<strong>de</strong>).<br />
Quando alguém profere os seguintes enunciados, ele está fazendo as seguintes implicaturas<br />
também:<br />
(11) João é engenheiro civil e engenheiro mecânico.<br />
(+> Eu acredito que ele é engenheiro civil e mecânico e tenho<br />
evidências a<strong>de</strong>quadas disso) 2<br />
(12) Você estuda na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras?<br />
(+>: Eu não sei se estuda e quero saber isso)<br />
Em circunstâncias cooperativas, quando alguém afirma algo, implica que acredita nela;<br />
quando alguém pergunta algo, implica que <strong>de</strong>seja sinceramente uma resposta. Por isso,<br />
sentenças do tipo abaixo são consi<strong>de</strong>radas pragmaticamente anômalas, pois contradizem a<br />
máxima da qualida<strong>de</strong>:<br />
2 O símbolo +> significa que “a enunciação da sentença anterior geralmente produzirá a seguinte<br />
implicatura”.<br />
5
(13) João é engenheiro civil e engenheiro mecânico, mas eu não acredito que ele<br />
seja.<br />
Vejamos agora um exemplo envolvendo a máxima <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> (faça a sua<br />
contribuição tão informativa quanto necessária para o objetivo da comunicação):<br />
(14) A: Você fez todos os exercícios pedidos?<br />
B: Eu fiz alguns.<br />
(+> (B) não fez todos os exercícios.)<br />
(15) A: Você foi à festa ontem à noite?<br />
B: Eu tive a intenção.<br />
(+> (B) não foi à festa.)<br />
Veja que, em (14), o falante po<strong>de</strong>ria ter feito todos os exercícios, pois quem fez todos, fez<br />
alguns. Entretanto, observando-se a máxima da quantida<strong>de</strong>, inferimos que (B) não diria eu<br />
fiz alguns, se ele tivesse feito todos os exercícios. O mesmo ocorre em (15). O falante (B)<br />
po<strong>de</strong> ter tido a intenção e <strong>de</strong>pois ter ido efetivamente à festa. Mas se assumirmos haver uma<br />
máxima <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> que rege a comunicação, o falante (B) não passaria a informação<br />
<strong>de</strong>snecessária eu tive a intenção, se ele tivesse realmente ido à festa.<br />
Vejamos agora um exemplo envolvendo a máxima da relevância (faça que suas<br />
contribuições sejam relevantes):<br />
(16) A: Você vai a festa hoje à noite?<br />
B: Puxa! Estou com uma gripe <strong>de</strong> matar.<br />
(+> (B) não vai à festa.)<br />
Para analisar o exemplo em (16), tomamos como ponto <strong>de</strong> partida que (A) acredita<br />
que a informação <strong>de</strong> (B) é relevante para a resposta <strong>de</strong> sua pergunta e po<strong>de</strong> inferir que a<br />
resposta é negativa. Se o falante não acreditar na relevância <strong>de</strong> (B), ele não terá como<br />
associar as duas sentenças em um diálogo coerente. A implicatura apresentada em (16) é<br />
resultado do contexto específico apresentado, e <strong>de</strong> nenhum outro; não existe garantia <strong>de</strong> que<br />
a sentença puxa! estou com uma gripe <strong>de</strong> matar seja interpretada como não em outro<br />
contexto.<br />
Vejamos outro exemplo em que os imperativos são interpretados como relevantes<br />
para a presente interação, e, portanto, como uma solicitação que a ação seja implementada<br />
no momento:<br />
(17) Por favor, passe o sal.<br />
(+> no exato momento da fala)<br />
6
Se não fizermos esse tipo <strong>de</strong> inferência, po<strong>de</strong>ríamos simplesmente esperar um ou dois dias<br />
para passarmos o sal, o que não seria mais relevante para o pedido formulado.<br />
A última máxima a ser exemplificada é a máxima <strong>de</strong> modo (seja claro, evite<br />
ambigüida<strong>de</strong>s, evite obscurida<strong>de</strong>, seja breve e seja or<strong>de</strong>nado). Essa máxima po<strong>de</strong> se refletir<br />
em sentenças em que há muitas informações específicas. Sempre que escolho uma<br />
expressão mais complexa ao invés <strong>de</strong> uma paráfrase mais simples, tenho em mente orientar<br />
meu interlocutor que as passagens daquele processo são importantes e relevantes, sendo<br />
esta a implicatura <strong>de</strong> expressões mais <strong>de</strong>talhadas. Veja os exemplos:<br />
(18) a. Abra a porta.<br />
b. Para abrir a porta, vire a maçaneta duas vezes para a esquerda, dê um<br />
pequeno toque na porta e <strong>de</strong>pois ela abre automaticamente.<br />
Se ao invés <strong>de</strong> (19a), eu uso (19b), é <strong>de</strong>vido a minha intenção <strong>de</strong> comunicar ao meu<br />
interlocutor que a porta não se abre simplesmente; é necessário uma série <strong>de</strong> passagens<br />
importantes. Outro exemplo em que seguimos a máxima <strong>de</strong> modo (seja or<strong>de</strong>nado) é em<br />
sentenças com e:<br />
(19) a. Eu entrei no carro e dirigi.<br />
b. ?? Eu dirigi e entrei no carro.<br />
A máxima <strong>de</strong> modo nos faz inferir <strong>de</strong> que a or<strong>de</strong>m em (19a) é relevante e sentenças como<br />
(19b) são anômalas.<br />
4. Exploração das máximas<br />
O segundo tipo <strong>de</strong> implicaturas, como já mostrado, ocorre quando uma ou outra<br />
máxima <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser seguida e essa atitu<strong>de</strong> é explorada para fins comunicativos. Grice<br />
chama esse tipo <strong>de</strong> implicatura <strong>de</strong> <strong>de</strong>sacatos ou explorações das máximas e po<strong>de</strong>mos<br />
perceber que essas implicaturas dão origem a muitas das tradicionais “figuras <strong>de</strong><br />
linguagem”. Essas inferências baseiam-se na forte suposição do princípio <strong>de</strong> cooperação<br />
comunicativo entre os falantes: mesmo quando alguém se <strong>de</strong>svia <strong>de</strong> uma das máximas, suas<br />
enunciações ainda são interpretadas como cooperativas, se isso for possível, para que o<br />
princípio cooperativo seja preservado. Vejamos alguns exemplos <strong>de</strong>ssas ocorrências,<br />
primeiramente observando a máxima <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>:<br />
(20) A: Será que a Europa terá mais futuro que o Brasil?<br />
B: Que isso! O Brasil, na área social, já é um avanço!<br />
Qualquer participante <strong>de</strong> uma conversação, razoavelmente informado, saberá que a<br />
informação <strong>de</strong> B é completamente falsa,e, portanto, B não está tentando enganar A. Daí, a<br />
7
única maneira <strong>de</strong> mantermos a suposição <strong>de</strong> que B está cooperando com A, é<br />
interpretarmos que B está querendo dizer algo completamente diferente daquilo. Todas as<br />
respostas irônicas são interpretadas com base na infração da máxima <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.<br />
Observação parecida po<strong>de</strong> ser feita a partir <strong>de</strong> construções <strong>de</strong> metáforas. Por<br />
exemplo, se digo (21), há uma violação das restrições selecionais dos itens lexicais<br />
envolvidos, e se estou sendo cooperativo, a única maneira <strong>de</strong> meu interlocutor enten<strong>de</strong>r o<br />
que quero comunicar, é tentar mudas as restrições selecionais dos itens envolvidos, até se<br />
chegar a uma interpretação a<strong>de</strong>quada:<br />
(21) Esse carro bebe gasolina!<br />
Essa po<strong>de</strong> ser uma boa explicação para a compreensão das metáforas. Outra forma <strong>de</strong><br />
infringirmos a máxima <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> é a enunciação <strong>de</strong> falsida<strong>de</strong>s evi<strong>de</strong>ntes:<br />
(22) A: O Brasil é cheio <strong>de</strong> cobras nas ruas, não é?<br />
B: É, assim como os russos comem criancinhas.<br />
B serve para mostrar que a afirmação <strong>de</strong> A está absolutamente incorreta. Também<br />
perguntas retóricas tem a <strong>cap</strong>acida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implicar algo contrário ao que está sendo dito:<br />
(23) O Lula ia ser mo<strong>de</strong>sto?<br />
On<strong>de</strong> a interpretação <strong>de</strong> (23) será que, absolutamente, o Lula não é mo<strong>de</strong>sto.<br />
Vejamos agora como a máxima <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser infringida. Um exemplo<br />
refere-se a tautologias. Tautologias são sentenças que, semanticamente, não trazem<br />
nenhuma informação. Entretanto, elas são usadas nos diálogos, para passarem informações:<br />
(24) Criança é criança.<br />
(25) Se ele faz, ele faz!<br />
Para se preservar o princípio <strong>de</strong> cooperação, alguma informação é retirada <strong>de</strong>sses<br />
enunciados.<br />
A exploração da máxima <strong>de</strong> relevância é um pouco mais difícil <strong>de</strong> encontrar,<br />
segundo observa Grice, pois é difícil construir respostas que precisem ser interpretadas<br />
como irrelevantes. Os exemplos dados são:<br />
(26) A. Eu acho que a Sra. Silva é uma velha tagarela!<br />
B. Está calor aqui, em?<br />
B po<strong>de</strong> está querendo simplesmente <strong>de</strong>sviar o assunto, pois o filho da Sra. Silva po<strong>de</strong> estar<br />
bem atrás <strong>de</strong>la.<br />
8
Para ilustrarmos a exploração da máxima <strong>de</strong> modo, usarei um exemplo bem típico:<br />
(27) a. A orquestra tocou uma peça <strong>de</strong> Bach.<br />
b. A orquestra reproduziu sons que seguiam exatamente a partitura da peça <strong>de</strong><br />
Bach.<br />
Se proferimos (27b), ao invés <strong>de</strong> (27a), infringindo a submáxima <strong>de</strong> modo, seja breve,<br />
estou implicando, na verda<strong>de</strong>, que há uma enorme diferença entre seguir uma partitura e<br />
realmente tocar.<br />
Exercícios:<br />
1. Dizer qual a máxima está sendo infringida e a implicatura <strong>de</strong>corrente do diálogo:<br />
(1) A. Seu cachorro mor<strong>de</strong>?<br />
B. Não.<br />
(E o cachorro mor<strong>de</strong> B; B, indignado, pergunta:)<br />
B. Mas você não falou que seu cachorro não mordia?<br />
A. E não mor<strong>de</strong> mesmo, só que esse não é meu cachorro.<br />
(2) A. Você vai à festa hoje à noite?<br />
B. Meus pais vêm me visitar.<br />
(3) A. Aon<strong>de</strong> você vai com o cachorro?<br />
B. Vou ao V-E-T-E-R-I-N-A-R-I-O<br />
(4) A. Seu chefe ficou maluco?<br />
B. Vamos tomar um café.<br />
(5)A. O que você acha que ela vai fazer?<br />
B. Ela é feita <strong>de</strong> ferro.<br />
(6) A. O que você pensa sobre isso?<br />
B. Guerra é guerra.<br />
(7) A. Os vegetarianos comem hamburgures?<br />
B. E as galinhas têm lábios?<br />
9
(8) A. Ela cantou a ária <strong>de</strong> Bach?<br />
B. Bem, ela fez as mesmas notas que estavam na partitura.<br />
(9) A. Ei, Sally, vamos jogar bolinha <strong>de</strong> gu<strong>de</strong>?<br />
B. Como está indo a sua lição <strong>de</strong> casa, Jony?<br />
(10) A. Você dirige tem muito tempo?<br />
B. Eu aprendi a dirigir e aprendi a andar.<br />
(11) A.Você <strong>de</strong>u o dinheiro para a Maria?<br />
B. Eu estou esperando ela chegar.<br />
(12) A. Você leu o texto para o seminário?<br />
B. Eu pretendo.<br />
5. Marcas <strong>de</strong> precaução<br />
A importância das máximas para a interação cooperativa po<strong>de</strong> ser medida em<br />
português, pelo número <strong>de</strong> expressões que usamos para indicar que o que vamos falar<br />
talvez não esteja totalmente a<strong>de</strong>quado à observação das máximas e que estamos conscientes<br />
disso. Chamaremos a essas expressões <strong>de</strong> marcas <strong>de</strong> precaução.<br />
Por exemplo, para indicar que a máxima da qualida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> não estar sendo<br />
totalmente atendida, usamos notas do tipo:<br />
(28) a. Até on<strong>de</strong> eu saiba, eles são casados.<br />
b. Eu posso estar errado, mas eu vi uma aliança no <strong>de</strong>do <strong>de</strong>les.<br />
c. Eu não tenho certeza, mas parece que houve uma cerimônia <strong>de</strong> casamento.<br />
d. Eu suponho, que ele não po<strong>de</strong> viver sem ela.<br />
O contexto conversacional para os exemplos acima po<strong>de</strong> ser sobre rumores que envolvem<br />
algum casal conhecido dos falantes e, sendo assim, as pessoas são cautelosas para afirmar<br />
coisas que não têm certeza.<br />
Marcas <strong>de</strong> precaução que são usadas para mostrar que os falantes estão conscientes<br />
da máxima <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser exemplificadas nas sentenças abaixo, proferidas por<br />
um falante que narra sua viagem para outra pessoa bem íntima:<br />
(29) a. Como você <strong>de</strong>ve saber, eu tenho horror a insetos.<br />
b. Para encurtar a estória, nós pegamos o barco e <strong>de</strong>scemos o rio.<br />
c. Eu não te amolarei com todos os <strong>de</strong>talhes, mas foi uma viagem excelente.<br />
10
Em relação à máxima <strong>de</strong> relevância, po<strong>de</strong>mos notar que expressões como “ah,<br />
falando nisso...”, “<strong>de</strong> qualquer jeito...” são usadas para ligar enunciados que parecem não<br />
ter relação com o anterior. Po<strong>de</strong>mos perceber, também, nos exemplos extraídos <strong>de</strong> uma<br />
reunião <strong>de</strong> negócios, expressões que funcionam como marcas <strong>de</strong> precaução para máxima <strong>de</strong><br />
relevância:<br />
(30) a. Eu não sei se isso é importante, mas alguns dos arquivos estão sumidos.<br />
b. Po<strong>de</strong> parecer uma questão boba, mas <strong>de</strong> quem é essa letra?<br />
c. Não mudando o assunto, mas isso está relacionado ao orçamento?<br />
A consciência <strong>de</strong> seguir a máxima <strong>de</strong> modo também é seguida pelos falantes e po<strong>de</strong><br />
ser <strong>de</strong>tectada nas expressões a seguir, escutadas após uma batida <strong>de</strong> carros:<br />
(31) a. Isso po<strong>de</strong> ser um pouco confuso, mas eu me lembro <strong>de</strong> estar primeiro no<br />
carro, <strong>de</strong>pois no esfalto.<br />
b. Eu não tenho certeza se isso faz sentido, mas o carro estava com o farol<br />
apagado e logo em seguida ouvi um estrondo.<br />
c. Eu não sei se está totalmente claro, mas eu acho que o outro carro estava<br />
vindo <strong>de</strong> lá, nós freamos e eu <strong>de</strong>smaiei.<br />
Todos os exemplos dados acima são uma boa indicação <strong>de</strong> que os falantes não só<br />
são conscientes das máximas, mas também querem mostrar que eles estão tentando<br />
observá-las. Talvez, possamos concluir que essas formas também indicam a preocupação<br />
dos falantes com que os seus interlocutores os julguem cooperativos no processo da<br />
conversação.<br />
6. Proprieda<strong>de</strong>s das implicaturas<br />
Grice sugere que as implicaturas exibem proprieda<strong>de</strong>s, em boa parte, previsíveis.<br />
Ele aponta cinco proprieda<strong>de</strong>s características. A primeira e, talvez, a mais importante é que<br />
as implicaturas sempre têm uma natureza cancelável, ou seja, se adicionarmos outras<br />
informações, po<strong>de</strong>remos cancelar a implicatura, sem que sejamos contraditórios. A noção<br />
<strong>de</strong> anulibilida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>cisiva na pragmática já que a maioria das inferências consi<strong>de</strong>radas<br />
pragmáticas têm essa proprieda<strong>de</strong>. A diferença entre inferência anulável ou não-anulável é<br />
que na primeira, se acrescentarmos algumas premissas adicionais às premissas originais,<br />
elas po<strong>de</strong>m ser canceladas; na segunda, não há a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cancelamento da<br />
inferência. As inferências não-canceláveis são do tipo <strong>de</strong>dutivo ou lógico. Vejamos um<br />
exemplo:<br />
11
(32) i. Todo homem é mortal.<br />
ii. Sócrates é um homem.<br />
_________________________<br />
iii. Logo, Sócrates é mortal.<br />
Dados os argumentos acima em (32), não é possível <strong>de</strong>rrubarmos o argumento,<br />
simplesmente acrescentando premissas; em qualquer situação, se (i) e (ii) forem<br />
verda<strong>de</strong>iras, (iii) será verda<strong>de</strong>ira.<br />
Em oposição, as inferências indutivas, po<strong>de</strong>m ser anuladas:<br />
(33) i. Desenterrei 1001 cenouras.<br />
ii. Cada uma das 1001 cenouras são laranjas.<br />
_________________________________________<br />
iii. Portanto, todas as cenouras são laranjas.<br />
Imaginemos que agora eu <strong>de</strong>senterre uma cenoura ver<strong>de</strong>. Se acrescentarmos essa premissa<br />
ao argumento em (33), a conclusão (iii) se tornará inválida:<br />
(34) i. Desenterrei 1001 cenouras.<br />
ii. Cada uma das 1001 cenouras são laranjas.<br />
iii. A 1002ª é ver<strong>de</strong>.<br />
_________________________________________<br />
iv. Inválida: Portanto, todas as cenouras são laranjas.<br />
Nesse aspecto da anulibilida<strong>de</strong>, as implicaturas vão se assemelhar às inferência<br />
indutivas, pois elas são facilmente anuláveis. Por exemplo, retomemos o exemplo em (35):<br />
(35) A: Você vai a festa hoje à noite?<br />
B: Puxa! Estou com uma gripe <strong>de</strong> matar.<br />
A: Então você não vai?<br />
B: Não! Eu vou assim mesmo.<br />
Com a informação adicional <strong>de</strong> (B), cancelamos a implicatura inicial <strong>de</strong> que o falante (B)<br />
não iria à festa. Entretanto, não conseguimos anular nenhum tipo <strong>de</strong> acarretamento, como<br />
por exemplo, o fato <strong>de</strong> B estar doente, se acrescentarmos qualquer outro tipo <strong>de</strong><br />
informação:<br />
(36) A.Você vai a festa hoje à noite?<br />
B: Puxa! Estou com uma gripe <strong>de</strong> matar.<br />
B. Mas eu vou assim mesmo.<br />
A: ??Então você não está doente?<br />
12
A segunda proprieda<strong>de</strong> é que as implicaturas (com exceção da máxima <strong>de</strong> modo)<br />
são não-<strong>de</strong>stacáveis. Grice quis dizer com isso que as implicaturas estão ligadas ao<br />
conteúdo semântico do que é dito e não à forma linguística. As implicaturas não po<strong>de</strong>m ser<br />
retiradas <strong>de</strong> um enunciado, se trocarmos as palavras do enunciado por sinônimos. Veja o<br />
exemplo em (37):<br />
(37) O João é muito esperto!<br />
+> O João é ingênuo.<br />
Suponhamos que em um mesmo contexto, em que sabemos que (37) é uma ironia, digamos<br />
algumas das sentenças abaixo:<br />
(38) a. O João é uma raposa!<br />
b. O João é realmente vivo!<br />
c. Ninguém engana o João!<br />
Em (38), a leitura irônica <strong>de</strong> (37) continuará implícita nos enunciados. Ao contrário,<br />
existem outros tipos <strong>de</strong> implícitos pragmáticos, como as pressuposições, por exemplo, que<br />
estão ligadas mais à forma e não ao significado do que é dito, sendo, portanto, <strong>de</strong>stacável.<br />
Com esse tipo <strong>de</strong> inferência, po<strong>de</strong>mos evitar o que está implícito, mantendo o conteúdo<br />
semântico e trocando a forma. Por exemplo, (39) parece implicar pragmaticamente (40),<br />
mas (41), que parece ter o mesmo conteúdo semântico <strong>de</strong> (39), não tem como inferência<br />
(40):<br />
(39) João não conseguiu chegar ao topo.<br />
(40) João tentou chegar ao topo.<br />
(41) João não chegou ao topo.<br />
A terceira proprieda<strong>de</strong> das implicaturas é que elas são calculáveis. Isto é, a partir do<br />
significado literal ou do sentido da enunciação, <strong>de</strong> um lado, e do princípio cooperativo, <strong>de</strong><br />
outro lado, um <strong>de</strong>stinatário é <strong>cap</strong>az <strong>de</strong> fazer a inferência em questão, preservando a<br />
cooperação presumida.<br />
A quarta proprieda<strong>de</strong> é que as implicaturas não são convencionais, isto é, elas não<br />
fazem parte do significado convencional das expressões lingüísticas. As duas proprieda<strong>de</strong>s<br />
da anulibilida<strong>de</strong> e da não-<strong>de</strong>stacabilida<strong>de</strong> já ilustram essa característica. Além disso, já que,<br />
segundo Grice, precisamos conhecer o significado ou sentido literal <strong>de</strong> uma sentença antes<br />
<strong>de</strong> calcular suas implicaturas, as implicaturas não po<strong>de</strong>m fazer parte <strong>de</strong>sse significado.<br />
A quinta e última proprieda<strong>de</strong> tem relação com a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implicaturas.<br />
Um único enunciado po<strong>de</strong> dar origem a mais <strong>de</strong> uma implicatura. Por exemplo:<br />
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(42) A: Esqueci minha caneta lá em cima!<br />
B: Eu pego para você.<br />
C: Puxa! Que pena!<br />
Veja que o falante (B) po<strong>de</strong> ter interpretado que (A) fez um pedido e (C) po<strong>de</strong> ter<br />
interpretado que (A) fez apenas uma constatação.<br />
7. Tipos <strong>de</strong> implicaturas<br />
7.1 Implicaturas conversacionais generalizadas<br />
As implicaturas conversacionais generalizadas são as que surgem sem que seja<br />
necessário nenhum contexto específico ou <strong>roteiro</strong> especial. Veja o exemplo:<br />
(43) A. Eu espero que você tenha trazido o pão e o queijo.<br />
B. Ah! Eu trouxe o pão.<br />
Após A ouvir a resposta <strong>de</strong> B e assumir que B está sendo cooperativo e consciente da<br />
máxima <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>, A <strong>de</strong>ve inferir que B não trouxe o queijo, senão ele diria. Para<br />
chegarmos à implicatura <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> (43) não é necessário nenhum conhecimento<br />
anterior e especial do contexto. Outro exemplo seria:<br />
(44) A. Você convidou o João e a Maria?<br />
B. Eu convi<strong>de</strong>i o João.<br />
O mesmo tipo <strong>de</strong> raciocínio para calcular a implicatura em (43) é usado em (44); não é<br />
necessário nenhum tipo <strong>de</strong> conhecimento específico sobre o contexto do enunciado para<br />
esse cálculo. Po<strong>de</strong>mos representar a estrutura do que foi dito em (43) e (44), como sendo:<br />
(45) A: b & c?<br />
B: b<br />
+> NÃO c<br />
Um exemplo comum em português <strong>de</strong> implicatura generalizada envolve sentenças<br />
com os artigos in<strong>de</strong>finidos um/uma/uns/umas. Veja a sentença:<br />
(46) Eu estava sentado em um jardim um dia. Uma menina olhou para mim.<br />
(47) Eu entrei em uma casa.<br />
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A implicatura em (46) é que o jardim e a menina mencionadas não são do falante. Em (47),<br />
a implicatura é que a casa não é do falante. Se o falante tivesse seguindo a máxima <strong>de</strong><br />
quantida<strong>de</strong> e o jardim e a menina ou a casa fossem <strong>de</strong>le, ele o diria. A representação mais<br />
geral da estrutura é:<br />
(47) um/a X +> X não é do falante<br />
7.2 Implicaturas escalares<br />
Certas informações são sempre comunicadas através <strong>de</strong> uma palavra escolhida que<br />
Express um valor em uma escala <strong>de</strong> valores. Isso é óbvio para expressar a quantida<strong>de</strong>, com<br />
palavras como as do exemplo (48), em que os termos são listados do valor maior para o<br />
menor:<br />
(48) a. < todos, maioria, muitos, alguns, poucos><br />
b. < sempre, frequentemente, às vezes><br />
Quando o falante produz um enunciado, ele seleciona da escala uma palavra que seja a mais<br />
informativa e verda<strong>de</strong>ira (máxima <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong>) para a circunstância <strong>de</strong>scrita,<br />
como no exemplo abaixo:<br />
(49) Eu estou fazendo o Bacharelado em Lingüística e já completei algumas das<br />
disciplinas obrigatórias.<br />
Ao escolher a palavra algumas , o falante po<strong>de</strong> criar uma implicatura como (+> não todas).<br />
Essa é uma das implicaturas possíveis. Mas, a partir das escalas acima, po<strong>de</strong>mos fazer uma<br />
generalização: quando qualquer forma da escala é usada, a negativa <strong>de</strong> todas as formas<br />
mais altas na escala é implicada. Portanto, para o exemplo em (49), temos também as<br />
implicaturas (+> não muitas, +> não maioria). Por exemplo, se o falante continua falando<br />
das disciplinas <strong>de</strong> linguístca e afirma:<br />
(50) Essas disciplinas são interessantes, às vezes.<br />
Ao usar a expressão às vezes, o falante comunica, via implicatura, as formas negativas mais<br />
altas na escala <strong>de</strong> freqüência, em (48b): (+> não frequentemente, +> não sempre).<br />
Existem muitas implicaturas escalares que, à princípio, po<strong>de</strong>m não ser <strong>de</strong>tectadas<br />
imediatamente como parte <strong>de</strong> uma escala. Veja os exemplos:<br />
(51) É possível que eles estejam atrasados.<br />
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(52) Isso <strong>de</strong>ve ser guardado em um lugar fresco.<br />
Em uma escala <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>, (51) gera a implicatura „+> não necessariamente‟, como<br />
um valor mais alto <strong>de</strong>ssa escala. (52) gera a implicatura <strong>de</strong> „+> não tem‟, em uma escala <strong>de</strong><br />
obrigação; e, em uma escala <strong>de</strong> temperatura, (52) gera a implicatura „+> não frio.<br />
Vejamos alguns outros exemplos adaptados do inglês (Horn, 1972) para possíveis<br />
escalas das línguas:<br />
(53) <br />
(54) <br />
(55) <br />
(56) <br />
(57) <br />
(58) <br />
(59) <br />
(60) <br />
(61) <br />
Uma característica interessante das implicaturas escalares é que, quando o falante se<br />
corrige em algum <strong>de</strong>talhe, ele tipicamente cancela uma das implicaturas escalares:<br />
(63) Eu tenho alguns <strong>de</strong>sses livros <strong>de</strong> semântica no gabinete...na verda<strong>de</strong>, eu acho<br />
que a maioria está lá.<br />
Em (62), o falante inicialmente implica „+> não maioria‟, quando ele diz “alguns”; mas<br />
quando ele se corrige, ele afirma que é a maioria. Ainda, quando ele assume que é a<br />
maioria, ele está implicando „+> não todos‟.<br />
7.3 Implicaturas particularizadas<br />
As implicaturas particularizadas, que são a maioria, exigem contextos bem<br />
específicos. Veja que (63) só terá a implicatura proposta, se o contexto específico for o<br />
<strong>de</strong>scrito em (64):<br />
(63) O cachorro está parecendo muito feliz.<br />
+> Talvez o cachorro tenha comido a carne assada.<br />
(64) A. O que aconteceu com a carne assada?<br />
B. O cachorro está parecendo muito feliz.<br />
Portanto, a implicatura em (64) será particularizada.<br />
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A maioria das explorações das máximas é particularizada, no sentido <strong>de</strong> que, por<br />
exemplo, as ironias exigem como pano <strong>de</strong> fundo suposições particularizadas para tornar<br />
sem efeito a interpretação literal. Também as implicaturas que surgem da observância da<br />
máxima da relevância são particularizadas, já que os enunciados são relevantes apenas nos<br />
contextos específicos da enunciação. Entretanto, metáfora como a em (65) ou tautologia<br />
como a em (66) geram um tipo <strong>de</strong> implicaturas <strong>de</strong> uma maneira bem in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do<br />
contexto específico:<br />
(65) O Brasil é um foguete em <strong>de</strong>colagem.<br />
(66) Amigo é amigo.<br />
7.4 Implicaturas convencionais<br />
As implicaturas convencionais são inferências não sujeitas a condições <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>,<br />
não são <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong> princípios pragmáticos mais gerais como as máximas, mas são<br />
simplesmente ligadas por convenção a itens ou expressões lexicais específicos. Um<br />
exemplo <strong>de</strong>ssas implicaturas é a palavra mas. A interpretação <strong>de</strong> qualquer enunciado do<br />
tipo „p mas q‟ será baseada na conjunção <strong>de</strong> p & q mais a implicatura <strong>de</strong> contraste entre a<br />
informação <strong>de</strong> p e a informação <strong>de</strong> q. Veja o exemplo:<br />
(67) A Maria sugeriu preto, mas eu escolhi branco.<br />
p & q (+> p está em contraste com q)<br />
Em (67), o fato <strong>de</strong> a Maria ter sugerido preto é contrastado, via a implicatura convencional<br />
<strong>de</strong> mas, com a minha escolha <strong>de</strong> branco (=q).<br />
Existem outras palavras em português do tipo até , ainda que exibem a implicatura<br />
convencional. Quando até está incluído em algum tipo <strong>de</strong> sentença que <strong>de</strong>screve um<br />
evento, existe uma implicatura do tipo „contrariamente às expectativas‟:<br />
(68) a. Até o João veio a aula hoje.<br />
b. O João até ajudou com os embrulhos.<br />
A implicatura convencional <strong>de</strong> ainda é que se espera que a presente situação seja diferente,<br />
ou talvez, o oposto mais tar<strong>de</strong>:<br />
(69) a. O João não está aqui ainda. (= NÃO p)<br />
b. NÃO p é verda<strong>de</strong> (+> p espera-se ser verda<strong>de</strong> mais tar<strong>de</strong>)<br />
Também é possível tratar os diferentes significados do e como tipos <strong>de</strong> implicatura<br />
convencional em diferentes estruturas. Quando duas afirmações contendo informações<br />
estáticas são ligadas por e , como em (70), a implicatura é simplesmente a adição ou mais.<br />
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Quando duas afirmações contendo informações dinâmicas, relacionada por ações, como em<br />
(71), a implicatura <strong>de</strong> e é , indicando uma sequência:<br />
(70) Ontem, a Maria estava feliz e pronta para o trabalho. (p & q, +> p mais q)<br />
(71) Ela colocou as roupas e saiu. (P & q, +> q after p).<br />
Po<strong>de</strong>-se esperar que as implicaturas convencionais contrastem com as<br />
conversacionais em todas as proprieda<strong>de</strong>s distintivas que <strong>de</strong>stacamos para as segundas. As<br />
implicaturas convencionais não são canceláveis porque não se valem <strong>de</strong> suposições<br />
anuláveis a respeito da natureza do contexto; elas serão <strong>de</strong>stacáveis, pois porque <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m<br />
dos itens lingüísticos específicos usados; elas não serão calculáveis através <strong>de</strong> princípios<br />
pragmáticos ou conhecimento contextual, mas serão dadas por convenção; e, finalmente,<br />
elas terão um significado <strong>de</strong>terminado.<br />
Para concluir, Levinson realça que itens dêiticos do tipo <strong>de</strong> discurso (72) ou social<br />
(73), como os estudados anteriormente, parecem ter implicaturas convencionais como<br />
componente central do significado:<br />
Exercícios<br />
(72) entretanto, além do mais, <strong>de</strong> qualquer jeito, bem, oh, então...<br />
(73) senhor(a), excelência, oi...<br />
1. Descreva as proprieda<strong>de</strong>s típicas das implicaturas.<br />
2. Dê dois exemplos <strong>de</strong> cada tipo <strong>de</strong> implicatura.<br />
3. Dos exercícios feitos anteriormente, diga qual é o tipo da implicatura.<br />
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