A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE RURAL NA LÓGICA ... - cchla
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A <strong>PARTICIPAÇÃO</strong> <strong>DA</strong> COMUNI<strong>DA</strong>DE <strong>RURAL</strong> <strong>NA</strong> <strong>LÓGICA</strong><br />
DESENVOLVIMENTISTA DO ESTADO MOÇAMBICANO: do tipo ideal<br />
weberiano à realidade empírica do neo-patrimonilismo.<br />
André Camanguira Nguiraze, UFRN<br />
RESUMO: Este trabalho é uma reflexão sobre o dilema de desenvolvimento do mundo<br />
rurais, em Moçambique, de prática de participação visando o desenvolvimento local.<br />
Assim sendo, o artigo propõe efetuar uma reflexão sobre a maneira de construir a<br />
metodologia real da participação cidadã e não apenas formalmente participativa. Deste<br />
modo, este processo constrói um patrimônio sociocultural respaldado na tradição, do<br />
espaço simbólico, cognitivo e que possibilite apontar alternativa inovadora,<br />
desencadeando processo de construção de cidadania. Por se tratar de uma pesquisa de<br />
caráter mais qualitativa, mas que usou dados quantitativos foram utilizados para coleta<br />
dos dados, entrevistas semi-estruturadas, questionários com perguntas abertas e<br />
fechadas, observações direta e análise documentais.<br />
Palavra - chave:<br />
Participação, comunidade rural, desenvolvimento local, Estado Moçambicano.
Contexto de emergência do nacionalismo como instrumento de emancipação social<br />
Logo pós Segunda Guerra Mundial passou-se a desenvolver-se em África,<br />
movimentos de tendências nacionalista, lançados por gerações de jovens com formação<br />
intelectual 1 . Tal ocorria nas então colônias inglesas e francesas quando, em reunião<br />
internacional, se realizou a Conferência de Bandung, de 18-24 de Abril de 1955, onde<br />
os 48 países presentes consideraram o colonialismo como um mal que devia pôr termo<br />
imediatamente. Entretanto, já antes, a Carta das Nações Unidas (1945), ao contrário do<br />
Pacto da Sociedade das Nações, deixou de legitimar o poder colonial e tornara-se um<br />
autêntico manifesto anticolonialista (Bernardo, 2003, p. 17).<br />
No entanto, tudo isto ganho notoriedade pela forma expedita e tentacular da<br />
administração colonial portuguesa. Apesar do movimento descolonizador que decorria<br />
por toda a África, até Abril de 1961, Portugal ainda mantinha a escravatura em<br />
Moçambique, como reconhece Bernardo:<br />
Cheguei à Nova Frexo (atual província de Niassa) integrando uma<br />
companhia de caçadores especiais, ainda tive ocasião de ver grupos<br />
de naturais, ligados por correntes a serem conduzidos por cipaios da<br />
administração local, embora alterada a tradicional política africana no<br />
campo de trabalho, sujeitando os trabalhadores AP regime comum da<br />
lei civil do Decreto – Lei nº 43.049 de 30 de junho de 1960.<br />
chegavam reforços militares metropolitanos (ibid. 18).<br />
Portanto, a opressão e a humilhação à população local constituíram fator<br />
impulsionador da descolonização, aliada a uma particularidade de base política forte à<br />
expansão do comunismo. É neste contexto, que a visão colonial interpretava que a<br />
máxima de Lenine consistia em “contornar, isolar e arruinar a Europa, pela perda de<br />
África”, ou seja:<br />
dividir a África branca da África negra, por meio de uma penetração<br />
profunda em direção ao golfo da Guiné, a fim de as conquistar em<br />
separado, conjugando, para tanto, esta ação de isolamento com duas<br />
outras penetrações igualmente profundas: uma, a norte, em direção ao<br />
Atlântico, segundo o eixo Cairo-Tripoli-Tunis-Argel-Rabat, e outra,<br />
a leste, em direção a Moçambique, segundo eixo Cairo-Cartum-Adis<br />
Abeba-Nairobi-Beira, esta em ligação com estabelecimento de duas<br />
grandes bases – no Congo Belga e na União Sul Africana – para, com<br />
mais facilidade, poder dominar a influência do Ocidente, fortemente<br />
consolidada na África Negra (BER<strong>NA</strong>RDO, 2003, p.19).<br />
1 Destacam-se: Kwamme Kruman (Costa do Ouro)- Foi Vice-Presidente da União dos Estudantes do<br />
Oeste Africano; Julius Nyerere (Tanganhica); Kefensesenneth Kaund (Rodesia do Norte), Hasting Band<br />
(Niassalândia), Houphoeut Boigny (Costa de Marfim) e Leopold Senghor (Senegal).
Pela definição de fronteiras estabelecidas na Conferência de Berlim em 1885, as<br />
independências dos novos países africanos foram proclamados no quadro das fronteiras<br />
traçadas pelos países colonizadores, sendo divididas as etnias e as tribos e,<br />
efetivamente, não consagravam no interior da cada Estado, qualquer identidade étnica<br />
ou nacional. Foi assim que em Moçambique se configurava uma estrutura cultura de<br />
capital tribal pulverizada, onde os povos macondes, os ajuas, os nyanjas e os acheus se<br />
encontravam em Moçambique em asilio em territórios dos países vizinhos,<br />
respectivamente, atuais Tanzânia, Malaui e Zâmbia. Deste modo, surgiram os<br />
movimentos de imigrados moçambicanos entre os quais, a MANU (Mozambique<br />
African Nacional Union), fundada na Tanzânia em 1960, a UDE<strong>NA</strong>MO (União<br />
Democrática Nacional de Moçambique) em Bulawayo (Rodesia), por Adelino Gwambe<br />
e a U<strong>NA</strong>MI (União Africana de Moçambique Independente), fundada em 1961,<br />
(Niassalândia). (Mazula, 1995, p. 103; Goméz, 1999, p. 1000-1; Bernardo, 2003, p. 21).<br />
Neste sonho da “Geração de 60” 2 , em 1962, liderado por Eduardo Chivambo<br />
Mondlane, “arquiteto de unidade nacional” (Goméz, 1999, p. 103), já professor<br />
universitário nos EUA 3 e quadro sênior das Nações Unidas, compareceu em Dar-es-<br />
Salam, colocando o interesse superior acima da fragmentação étnica divisional, fazendo<br />
nascer à unidade nacional, ou seja, fez saber que a unidade política é fundamental para a<br />
grandeza de uma nação, isto é, como o, “espírito de corpo para o sentido de pertença”<br />
(Ngoenha, 2000, p. 28).<br />
Nesta perspectiva, surgiu o interesse público, cujo objetivo era o de juntar estas<br />
organizações políticas numa frente comum para a libertação de Moçambique. Assim,<br />
desde Junho, os contactos e trabalhos só tiveram frutos em Setembro pela fusão dos três<br />
movimentos nacionalistas, altura em que foi convocado e realizado o Iº Congresso 4 da<br />
FRELIMO definido como movimento de libertação nacionalista, em 23 a 28 de<br />
Setembro de 1962 em Dar-es-Salam. O objetivo consistiu na definição do inimigo, “o<br />
2 Entende-se por “Geração 60” o grupo de jovens destemidos, opositores do poderio bélico do<br />
colonialismo português que com coragem e determinação traçaram e conduziram a luta armada como<br />
causa do povo moçambicano à determinação. Também é chamada por geração do 25 de Setembro, em<br />
referência ao dia 25 de Setembro de 1964, dia do inicio da luta armada.<br />
3 Segundo Bernardo (2003, p. 79) Eduardo Chivambo Mondlane foi “Doutor em Sociologia e Professor<br />
Catedrático da Syracuse Universty de Nova York, de 1957-1961, esposo da americana naturalizada<br />
moçambicana, Janet Era Johson.<br />
4 O congresso elegeu Eduardo Mondlane para presidente, Urias Simango como vice e vários secretários<br />
onde Marcelino dos Santos ficou como encarregado da área dos negócios estrangeiros, que já manifestava<br />
movimentações anti-coloniais desde os anos 50, tendo sido eleito secretário da Conferência das<br />
Organizações Nacionalistas das Coloniais Portuguesas [CONCP], em Abril de 1961 em Casablanca, que<br />
veio a ser um elemento preponderante na ligação da FRELIMO aos soviéticos [BER<strong>NA</strong>RDO, 2003, p.<br />
80].
sistema colonial fascista” e como objetivo estratégico, “pôr fim à exploração do homem<br />
pelo homem, pela liquidação das relações capitalistas e imperialistas no país”, uma<br />
terminologia de tipo Marxista (Mazula, 1995, p. 103; Bernardo, 2003, p. 22 e 80).<br />
Deste modo, foi desencadeado a luta armada em setembro de 1964 em vários<br />
frentes, nas províncias de Cabo Delgado, Niassa e seguindo-se a Zambezia em Outubro,<br />
a partir do Malaui. Depois do IIº Congresso realizada no Niassa, entre 20 a 25 de Julho<br />
de 1968, ascendeu Samora Moisés Machel, quando o fundador da FRELIMO morreu<br />
vitima de assassinato por via de uma bomba armadilhada em 3 de Fevereiro de 1969,<br />
(ibid.:85-7).<br />
No entanto, no IIº Congresso, para além da alteração funcional da estrutura 5 da<br />
FRELIMO, definiu-se, igualmente, a criação de comitês provinciais, como órgãos de<br />
poder que centralizassem as decisões à escala provincial, subordinando todas as<br />
atividades civis à direção da luta armada (Bernardo, 2003, p. 96).<br />
Perante, os resultados da guerra, desde cedo começaram a surgir as “zonas de<br />
libertação”, referem-se a “territórios com grande implementação social e política dos<br />
guerrilheiros da Frelimo e onde a administração portuguesa tinha deixado de exercer<br />
funções devido à guerra” (MOSCA, 2002, p. 113). No entanto, exigiria da FRELIMO<br />
uma necessidade de preservar um projeto de mudança social, embutido de valores e de<br />
espírito nacionalista.<br />
Deste modo, a educação das massas popular visava a promoção de processos<br />
coletivos de aprendizado, entre 1964 e 1974 era a missão prioritária, e uma “condição<br />
política-ideologica básica” para o sucesso da luta. A PNUD (2000b, p. 33) vê a<br />
mudança na política educativa como uma oportunidade da FRELIMO no período de<br />
1962 – 1974 se legitimar perante os moçambicanos e, simultaneamente, colocar a<br />
educação como uma das condições fundamentais para a construção e desenvolvimento<br />
da nação moçambicana. Juntamente com o modelo político de Estado-Nação, o<br />
movimento de libertação adotada a escola “moderna”, como projeto que assenta<br />
fundamentalmente, na racionalidade cientifica da modernidade que se apresenta como<br />
único conhecimento válido, desqualificando todos os outros saberes.<br />
5 Um mecanismo apresentado em Abril de 1968, três meses antes do Congresso, apresentava o atual<br />
presidente da FRELIMO e da Republica (2004-2014), Armando Emilio Guebuza, como chefe do<br />
Departamento de Educação e Cultura (DEC). (Bernardo, 2003, p. 97).
Assim, como primeiro passo, foi fundado em 1963, em Dar-Es-Salam, o<br />
Instituto de Moçambique (escola secundária), para acolher crianças moçambicanas em<br />
idade escolar que se encontravam refugiados e ainda concebiam-se bolsas de estudo<br />
para institutos estrangeiros. Internamente, o Departamento de Educação e Cultura<br />
(DEC), promovia e apoiava as exigências do funcionamento educacional da população,<br />
onde a “nova escola” devia: i); permitir a apropriação duma “nova maneira de pensar e<br />
agir” tendente à promoção de um desenvolvimento caracterizado pela melhoria das<br />
condições de vida e capaz de lhe conferir um papel dirigente na sociedade e na<br />
economia; ii); criar um sistema de educação diferente da educação colonial e<br />
tradicional, rejeitando ao mesmo tempo, a burocratização da educação ou seja, a<br />
“educação formal acadêmica como modo legitimo da educação”. (Mazula, 1995, p.<br />
109; PNUD, 2000, p. 35).<br />
Eis o que diz o Professor Doutor Brazão Mazula, sobre o papel de educação no<br />
período da luta armada, no esforço de organização e de criação de novas instituições<br />
para que seja promovida a participação na escala territorial:<br />
a escola configurou-se como: 1) centro de formação da FRELIMO,<br />
para a libertação e emancipação, 2) centro de combate às concepções<br />
e hábitos da cultura tradicional, a que aprisionavam a iniciativa e a<br />
criatividade pugnando por novo tipo de relacionamento entre jovens e<br />
velhos, homens e mulheres e por uma visão do mundo, 3) centro de<br />
difusão de conhecimento científicos, mesmo que elementares, para<br />
introdução de novos métodos de trabalhos, com vista ao aumento da<br />
produção e à satisfação das necessidades crescentes da luta, 4)<br />
centro de formação de combatentes para as exigências da luta, 5) de<br />
formação de produtores, militares e dirigentes, numa permanente<br />
ligação entre trabalho manual e intelectual (p. 109).<br />
Porém, com a evolução da guerra de libertação de 1960 a 1970 a luta armada<br />
transformou-se em revolução democrática popular e foi definido como objetivo central<br />
do sistema educativo a “Formação do Homem Novo”. Na primeira constituição da<br />
Republica, de 1978, pouco tempo depois da independência nacional, no seu artigo 4º,<br />
explica-se que a constituição de um Estado moderno ou novo exige a “eliminação das<br />
estruturas de opressão e exploração coloniais e tradicionais e da mentalidade que lhe<br />
está subjacente”.<br />
Era uma aposta na formação de um cidadão com uma mentalidade, capaz de<br />
resolver os problemas imediatos colocados pela luta revolucionária a sociedade<br />
Moçambique. Por ventura “o homem era sujeito e objeto do trabalho educativo, que se<br />
inseria no trabalho humanizante nas zonas libertadas” (Mozula, 1995, 110).
Em simultâneo agia-se coletivamente contra atitudes de autoritarismo e de<br />
prepotência colonial, pois, precisamente, a população participava em todas as iniciativas<br />
com a vista à defesa dos princípios de “uma escola nova, mais democrática e mais<br />
autônoma”. Portanto, percebe-se que, “para além da ação da luta armada levada a cabo<br />
pela FRELIMO que se deu a consciência da opressão perpetrada pela colonização ao<br />
povo moçambicano que, para além das torturas, a participação popular na escola serviu<br />
ao regime colonial que privava a população moçambicana dos direitos sociais” (Goméz,<br />
1999, 117).<br />
Nas zonas liberdades usou-se a educação como instrumentos de consenso e<br />
união do povo, pelas seguintes razões: para combater o inimigo, o colonialismo<br />
português; e para fazer à desconfiança sobre as divergências internas existentes dentro<br />
da FRELIMO à medida que as responsabilidades sociais se iam avolumando de modo a<br />
obter o apoio da população local, dado que a escola era tida como “a base para o povo<br />
tomar o poder” (Mazula, 1995, p.117). Althusser (1974, p. 59), constatando a revolução<br />
francesa, reconhece que a substituição de um antigo aparelho repressivo de Estado pelo<br />
novo, passa pela ruptura o que culmina com o transporte de estruturas pelo reforço e<br />
pela criação de novos aparelhos ideológicos de Estado.<br />
Neste contexto, tratou-se de construir e integrar em torno do ethos cultural de<br />
trabalho de base popular, da educação popular que se pretendia a transformação das<br />
estruturas sociais, sociais econômicas e políticas do país, sua recomposição fora dos<br />
supostos da ordem vigente do colonialismo português, buscava-se criar a oportunidade<br />
de construção de uma sociedade mais justa e mais humana. Além disso, fortemente<br />
influídos pelo nacionalismo, e a valorização da cultura autenticamente nacional, a<br />
cultura do povo moçambicano.<br />
Ainda nas zonas libertadas, a perspectiva Educação popular da Frelimo,<br />
entretanto, caracterizou-se pelo “realismo”; eles buscavam métodos pedagógicos<br />
adequados à preparação do povo para a participação política. Esses métodos<br />
combinavam a alfabetização e educação de base de diversas formas de atuação sobre a<br />
comunidade em geral, considerando como fundamental a preservação e difusão da<br />
cultura popular e a conscientização da população em relação às condições<br />
socioeconômica e política do território sob a sua jurisdição. A novidade no cenário das<br />
ações coletivas bem sucedidas nas zonas libertadas foi que elas passaram a moldar<br />
canais de participação institucional com a criação de Grupos Dinamizadores (GDs),<br />
chefes de produção, de células, comitês, em fim, as organizações de massas.
Lembra que durante o governo de transição 6 , a Frelimo estimulou a formação de<br />
„grupos dinamizadores‟ (GDs) em todo o país 7 , incorporando as experiências das zonas<br />
libertadas. Tais organismo sociais eram chefiados por um secretário, que passaram a<br />
desempenhar vastas gama de funções, que parcialmente se sobrepunham às até então<br />
desempenhadas pelas Autoridades tradicionais: assuntos sociais, questões jurídicas,<br />
policiamento, segurança, administração e gestão.<br />
A construção social do Estado -Nação<br />
O Estado reflete a ruptura com as características mais destacadas da sociedade<br />
medieval, fortemente vinculadas ao pequeno grupo social – a família, corporação,<br />
convento, vila etc, como eixo principal de toda a dinâmica econômica, social, política e<br />
cultural. Ou seja, a partir da idade moderna os modos de estruturação dos grupos<br />
humanos passaram por uma profunda transformação. Frente à idéia de comunidade<br />
surge com força a idéia de sociedade como uma nova forma de organização.<br />
Segundo Braud (1997, p. 17), a sociologia weberiana constitui um dos universos<br />
mais importantes de conceitualização do Estado. Com efeito, partindo de pressupostos<br />
teóricos que sublinham lógicas de interação, Weber apresenta uma concepção de Estado<br />
que vai marcar profundamente a reflexão em ciências sociais em geral e,<br />
particularmente em ciência política.<br />
Na Economia e Sociedade, nas linhas dedicadas à questão de grupo político e<br />
grupo hierocrático, Weber (1971) afirma que “entendemos por Estado uma „empresa‟ de<br />
caráter institucional [politischer Anstaltsbertrieb] quando e enquanto a sua direção<br />
administrativa reivindicava com sucesso, na aplicação dos regulamentos, o monopólio<br />
da violência física legitima”. É preciso, no entanto, sublinhar que na concepção<br />
weberiana, a mobilização da violência legitima intervém não como um fim em si<br />
mesmo, mas como um meio que visa garantir a execução das normas jurídicas em vigor<br />
num determinado território. O uso de violência legitima pelo Estado é um meio<br />
necessário, mas não suficiente para fazer valer as normas jurídicas.<br />
6 O Governo de Transição funcionou entre Setembro de 1974 (altura em que foi assinado o acordo de<br />
Lusaka sobre a independência de Moçambique) e Junho de 1975.<br />
7 Nos primeiros de anos os GDs consistiam em grupos de oito a dez pessoas, escolhidas por votações de<br />
braços no ar, em reuniões públicas de bairro urbanos, locais de trabalho ou comunidades rurais, em todo o<br />
país [Chichava, 1999]. Todos os acusados de colaboração com regime colonial foram, em principio,<br />
excluídos do processo.
De fato, a dominação do Estado num determinado espaço, apóia-se igualmente<br />
em outros meios como, por exemplo, o processo de socialização através do qual os<br />
cidadãos adquirem modelos de comportamento que permitem o consentimento. Com<br />
efeito, para chegar a inculcar atitude, comportamento, a adesão às normas jurídicas nos<br />
cidadãos, há um processo de socialização que conta com importante participação do<br />
próprio Estado. Existe, assim, no dizer de Braud (1977 apud FORQUILHA, 2008, p.<br />
74), um trabalho do simbólico que desempenha um papel importante no reforço da<br />
legitimação da dominação do Estado. Por simbólico entende-se aqui um sistema de<br />
signos (ou mensagens) que condensa conotações fortes nos planos cognitivo e<br />
emocional (BRAUD, 1996, p. 76-108). A interiorização deste sistema de signos cria<br />
sentimentos de pertença a uma comunidade de destino único, cuja a direção política é<br />
fortemente representada pelo Estado. Para Forquilha (2008) ela cria crença no Estado.<br />
Esta dinâmica remete-nos, grosso modo, para processo de “desmoronamento da<br />
sociedade feudal, à crise do poder senhorial e ao reforço do centro dinástico” (Badie &<br />
Hermet, 2001, p. 27), na Europa Ocidental na época de Renascimento.<br />
Relativamente aos contextos africanos, desenvolveu-se nos anos 1980 toda uma<br />
literatura que Hyden (2000, p.5-32) chamou de teoria de crise do Estado. Com efeito,<br />
após o entusiasmo do período imediatamente a seguir às independências, onde o Estado<br />
era suposto desempenhar um papel de motor do desenvolvimento, assistiu-se à<br />
emergência de sinais de crise do Estado em África, não só do ponto de vista da<br />
regulação política como também no que se refere ao desenho e implementação de<br />
políticas públicas. Estudos de autores, tais como Hyden (1980), sobre a Tanzânia,<br />
Migdal (1988), sobre as relações Estado/sociedade nos países do sul, ou ainda Rothchild<br />
& Chazan (1988) sobre as relações Estado/Sociedade em contextos em África. Esta<br />
idéia é retomada nas análises de Olowu & Wunsch (1990) ou ainda de Chabal & Dalloz<br />
(1999), que falam da instrumentalização da desordem pelas elites africanas.<br />
Um dos traços mais visíveis da crise do Estado em África, particularmente nos<br />
anos 1980, repousa nos mecanismos do seu funcionamento, levando mesmo alguns<br />
autores a qualifiá-lo de neo-patrionalismo, para sublinhar a ausência distinção entre o<br />
público e o privado, como denominador comum de um conjunto de práticas, “a saber, a<br />
corrupção, quer ela seja puramente econômico ou ligada a uma troca social, ou ainda o<br />
clientelismo [...], o nepotismo, o tribalismo, o prebendalismo ...” (Médard 1990, 1991,<br />
p. 323-353).
Sistematizando e empregue por Eisenstadt (1973 apud FORQUINHA, 2008, p.<br />
75) nos anos 1970 para designar os sistemas políticos dos países em vias de<br />
desenvolvimento, conceito de neo-patrimonialismo tem as suas origens na categoria<br />
weberiana de patrimonialismo, que “descreve dum direito pessoal absoluto” (Badie &<br />
Hermet 2001). O conceito de neo-patrinomialismo “pretende [assim] descrever um<br />
sistema político essencialmente estruturado à volta da pessoa do príncipe, que tende a<br />
reproduzir um modelo de dominação personalizada, essencialmente orientado para a<br />
proteção da elite no poder e que procura limitar, ao máximo, o acesso da periferia aos<br />
recursos detidos do centro. jogo desta elite consiste, então, em assegurar o monopólio<br />
da representação e a controlar em seu proveito o processo de modernização econômica<br />
(Badie & Hermer, 2001).<br />
No que diz respeito ao caso especifico dos estudos africanos, Médard (1990;<br />
1991) foi, sem dúvida, um dos autores que mais se notabilizaram no uso do conceito de<br />
neo-patrimonialismo para análise dos fenômenos associados ao processo de<br />
institucionalização do Estado em Africano. Não obstante as criticas feitas ao conceito<br />
por autores como R. Theobald, R. Joseph e B. Badie, Médard (1990) considera que “ o<br />
tipo ideal do patrimonialismo tem a vantagem de permitir assumir diversas práticas<br />
[nepotismo, o clanismo, o tribalismo, o regionalismo, o clientelismo... a patronagem, o<br />
prebendalismo, a corrupção, a predação, o faccionalismo , etc.,] que, aliás, algumas<br />
delas, têm uma base comum na confusão entre o público e o privado”.<br />
De acordo com Médard (1990) a coabitação de traços burocráticos com<br />
elementos de caráter predominantemente patrimonial, nos mecanismos do<br />
funcionamento do Estado, dá origem ao que Médard (1990) chamou neo-<br />
patrinomialista. O conceito de neo-patrimonialista permite assim capturar o caráter<br />
hibrido da natureza e do funcionamento do Estado em contextos africanos. A este<br />
respeito, (Ibid, p. 24) afirma que “[...] o Estado neo-patrimonialista é uma fachada em<br />
relação ao que ele pretende ser, mas não apenas uma fachada, pois as posições de<br />
autoridade nele existentes permitem extrair e distribuir recursos. Estas posições de<br />
autoridade denotam um mínimo de institucionalização do poder, pois elas existem<br />
independentemente da pessoa de seus titulares[...]”.<br />
Dessa forma, o Estado em África é como promotor do desenvolvimento e<br />
especificamente do desenvolvimento rural disporá de mecanismo essencial extra-<br />
economicos para implantar as políticas e os programas de desenvolvimento. É, sem<br />
dúvida, ao nível das práticas do desenvolvimento rural que melhor se poderá captar o
papel do Estado na problemática global do desenvolvimento, assim como o nível das<br />
estratégicas do desenvolvimento, assim como nível das estratégicas dos<br />
“desenvolvidos” irá permitir captar, com eficácia, o grau de resistência ou de<br />
adaptabilidade mostrado pelas comunidades rurais face ao Estado. A sociedade civil<br />
nestes países e nas condições históricas atuais, como afirma G. Balandier (1971) contém<br />
sempre “uma dimensão ambígua e problemática”.<br />
No que se refere a Moçambique, o processo de implementação da nova ordem<br />
política no período imediatamente a seguir a independência foi caracterizado por uma<br />
forte dinâmica centralizadora do poder em todos os domínios. De acordo com Forquilha<br />
(2008) na origem deste fenômeno havia, entre outros, dois fatores importantes: o<br />
próprio projeto político da Frelimo que deixava pouco espaço para manifestação das<br />
diferenças e sublinhava sobremaneira o ideal da unidade nacional, a luta contra o<br />
“tribalismo”, o “regionalismo”, e tudo aquilo que se parecesse com tendência<br />
centrifugas. E mais adiante afirma “a forte centralização da administração pública,<br />
aliada à exigüidade de recursos materiais, financeiros e humanos e à acentuação da<br />
guerra civil, tornou o Estado distante dos cidadãos” (p.76).<br />
Como partido único, a Frelimo tinha-se proposto como principal missão<br />
construir o Estado nação, conceber uma nova sociedade e um modelo de<br />
desenvolvimento do país em que o Estado era o agente principal, assim como integrar<br />
os diferentes grupos sociais no seu projeto político. O novo regime político adotado<br />
começa a desempenhar um papel hegemônico em todas as esferas da vida: centraliza a<br />
atividade política e econômica e coloca-se como único interveniente em todas as esferas<br />
da vida social limitando a margem de iniciativa e liberdade individual, considerada,<br />
desde então conquistada (Biza, 2008, p. 52).<br />
A experiência dos mecanismos da participação cidadã<br />
Moçambique viu-se, politicamente livre, contudo, dependente de apoio<br />
financeiro e de mão-de-obra especializada estrangeira, sobretudo oriunda dos países do<br />
bloco soviético, então socialistas. Moçambique sofreu perdas e reduziu o quadro de<br />
trabalhadores experientes e qualificados. Os países socialistas aparentavam estar num<br />
período de esplendor. Na região, a luta de libertação do Zimbábue e da Namíbia<br />
aumentou de intensidade e incrementou-se a crise interna de apartheid sul-africano.
Porém, a tal soberania popular não garantia a igualdade política, uma vez que,<br />
para existir em sua plenitude, supõe igualdade distributiva e a transformação da<br />
consciência em ação solidária para a existência de um Estado eficiente, no qual a<br />
sociedade confie, assim de uma razoável performance econômica, que possa viabilizar<br />
as demandas da sociedade organizada, como sugere (ANDRADE, 2006, p.14). a<br />
participação supõe: mobilização, discussão e resultados. Sem resultados, é improvável a<br />
manutenção de qualquer padrão de participação.<br />
Antonio Muchanga ex-deputado da 4ª legislatura da Assembléia da República,<br />
entrevistado por autor em Maputo no dia 28 de Julho de 2010, narrou um episódio<br />
marcante dessa época “[...] foi assim que o primeiro presidente mobilizara jovens<br />
estudantes e trabalhadores em algumas áreas. [...] aí não havia escolha, quem fora<br />
orientado para um determinado curso ou trabalho tinha que cumprir. [...] qualquer um<br />
devia ser nomeado para trabalho em qualquer canto do país, sem nenhuma negociação.<br />
[...] Este ficou conhecido pela geração de „8 de Março‟ – geração de produção”.<br />
É neste âmbito que euforia popular acreditava-se que o poder era um projeto<br />
político coletivo que iria transformar a sociedade moçambicana de baixo para cima.<br />
Francisco (2003, p. 156) considera que a visão do futuro para Moçambique “assentava<br />
em dois pressupostos centrais: eliminar as forças econômico-sociais que favoreciam as<br />
minorias, para evitar que estas concentrassem a riqueza, e instituir um planejamento<br />
central administrativo forte. Estes foram os pressupostos que permitiria a “participação<br />
popular” na recuperação econômica implementado entre 1975-1984”.<br />
Ainda no mesmo período, a participação das comunidades rurais foi<br />
caracterizada por um grande movimento das cooperativas agrícolas, aldeias comunais e<br />
por diversas iniciativas de desenvolvimento rural que preconizavam formas coletivas de<br />
produção e vivencia comunitária. No entanto, as estratégias visando a participação eram<br />
definidos centralmente, com uma imposição das metodologias de participação<br />
comunitária sem ter em conta, tanto as práticas existentes localmente, quanto as suas<br />
lógicas de funcionamento, seus universos culturais distintos e seus saberes múltiplos.<br />
De acordo com Salim Valá citado por Maússe afirma que a participação dos atores<br />
sociais no espaço rural a este período do Estado desenvolvimentista,<br />
[...] numa primeira fase do processo de socialização, a participação do<br />
campesinato à política preconizada pela FRELIMO foi positiva e ativa,<br />
imbuído de um forte voluntarismo nacionalista que existia por todo o país,<br />
mas sendo posteriormente condicionado pelas tradições locais e imperativos<br />
econômicos que impediram o campesinato nacional de responder aos
projetos do desenvolvimento do Governo da forma e com a velocidade que<br />
esta tinha esperado (VALÀ, 2004, p. 48).<br />
A relação entre o discurso da participação popular que defendia o problema de<br />
desenvolvimento dos diferentes períodos e as medidas da efetividade social para a sua<br />
solução era muitas das vezes o formalismo ideológico. Daí que criou-se a possibilidade<br />
de construção de formas de coesão e politização popular na rede de convivência<br />
comunitário sem existir a práxis. Para isso, a expressão “Poder Popular”, bastante<br />
usada pela Frelimo, sintetizou o fenômeno da participação sem envolvimento no<br />
cotidiano concreto: O depoimento de Gonçavel 8 descreve o funcionamento células<br />
locais na participação popular,<br />
[...] nesse ambiente de massas, o secretário da célula local era a peça central<br />
por onde gravita todo o processo de tomada de decisões. Os secretários e os<br />
demais membros da celular também exerciam um papel de controle sobre<br />
até que ponto os responsáveis administrativos, estavam em sintonia com a<br />
política e os objetivos do partido no seu local de trabalho. Este sistema de<br />
participação na tomada de decisões era extensiva até para as forças armadas,<br />
onde o lema era de que „os nossos oficiais têm que ser vermelhos por<br />
dentro‟ „vermelho‟, bom, quando a Frelimo ainda iludia-se de ser vermelha.<br />
[Entrevista do autor em 31/ 05/ 2010].<br />
A desmotivação na participação dos camponeses nos trabalhos coletivos para<br />
impulsionar o desenvolvimento almejado pela Frelimo deveu-se, por um lado, pela fraca<br />
capacidade das estruturas dos Grupos Dinamizadores (doravante GDs) de estimularem o<br />
trabalho coletivo, que seriam motivados pela incorporação mais efetiva de práticas<br />
participativas às atividades do setor público. E por outro lado, a promoção do<br />
desenvolvimento através de unidades socioterritoriais não emergia da própria<br />
população-alvo, pretendendo reduzir as necessidades do local, partindo do estimulo às<br />
suas potencialidades através da implementação de propostas participativas e o<br />
estabelecimento de parcerias. A adicionar a estes problemas, estava a questão da<br />
planificação, conforme em entrevista a Muthemba José Mateus Muthemba, realizada em<br />
20. 12. 1996, Helena Mahumane, afirmando que “Tínhamos muitas reuniões o tempo<br />
todo, e ás vezes íamos todos para a reunião do grupo dinamizador [...] que duravam o<br />
dia inteiro e ninguém ficava a trabalhar [...].<br />
Há um componente em todo esse contexto, porém, que deve ser sempre<br />
considerado como fundamental para que o desenvolvimento com cidadania seja bem-<br />
sucedido neste contexto: é da participação das comunidades rurais que supõe uma<br />
relação em que os atores, usando recursos disponíveis nos espaços públicos, fazem valer<br />
8 Gonçavel Fernando – membro do partido que presenciou os primeiros anos da independência.
seus interesses, aspirações e valores, construindo suas identidades, afirmando-se como<br />
sujeitos de direitos e obrigações.<br />
A comunidade rural pelo viés da participação cidadã: Novo paradigma de<br />
relacionamento<br />
Em face de abertura sócio-política ocorrida, com aprovação da Constituição da<br />
Republica de 1990, em Moçambique, estabelece-se expressamente a participação dos<br />
cidadãos na resolução dos problemas das comunidades rurais, através dos “órgãos<br />
representativos e executivos”, por um lado e por outro lado, inicia o processo de<br />
descentralização política, através da criação de novas entidades jurídicas com territórios<br />
e população, as Autarquias e/ou Municípios, considerados de Órgãos de Poder Local e<br />
por outro, através da descentralização administrativa, a qual passa-se a atribuir<br />
competências aos Distritos, que constituem os Órgãos Locais do Estado e a outros<br />
órgãos hierarquicamente subordinados, tornando-os em mera extensão e mecanismos<br />
administrativo visando aproximar a prestação de serviços dos seus beneficiários.<br />
Neste contexto, inicia-se com introdução de formas institucionalizada de<br />
participação da comunidade nos espaços rurais, no processo de planificação a nível<br />
distrital, tendo como base os instrumentos legais para 9 o efeito.<br />
Assim, com aprovação da Lei sobre os Órgãos Locais do Estado em 2003 e o<br />
seu enquadramento em 2005, os governos locais passam a ser mais descentralizados e<br />
ganham uma relativa autonomia, em particular no que se refere ao processo de<br />
planificação e de decisão, porém sob participação da comunidade, apenas ao nível da<br />
consulta.<br />
No entanto, vários ensaios de experiências participativas são introduzidas,<br />
através de diferentes programas e projetos com objetivos de dotar de capacidades aos<br />
mediadores externos e as comunidades rurais. Contudo, nota-se o papel ativo dos<br />
mediadores locais na criação da “Comunidade” como uma unidade política frente a<br />
instâncias externas, sejam elas estatais ou não, como ONGs, Igrejas. Por exemplo, a<br />
“Comunidade” é assim entendida, como uma unidade política relevante na relação com<br />
estes agentes externos capazes de proporcionar bens públicos, como escola, furo de<br />
água e posto de saúde, além de outros serviços de interesse coletivo. Assim, é também a<br />
9 Constituição da republica Decreto 1572000, Lei 8/2003 e Decreto 11/2005.
ase para a formulação de demanda e espaço público legitimado para os investimentos<br />
dos serviços distritais, e corresponde a um grupo de lealdades primordiais,<br />
preferencialmente com reconhecimento oficial, pelo registro da criação de associações<br />
em Cartório. Não obstante, “Comunidade equivale à unidade associativa, base de gestão<br />
de ações políticas” (NEVES, 2006, p. 13).<br />
Deste modo, depreende-se que a conquista da voz política própria e de uma<br />
capacidade de articulação dos interesses dos diferentes grupos é um desafio para as<br />
associações das comunidades rurais moçambicana, o que recoloca mais uma vez, sob<br />
outro ângulo, a questão de construção de mecanismos políticos realmente participativos<br />
na interlocução entre as comunidades, o Estado e outros agentes externos. A novidade<br />
de processo do cenário de descentralização assim chamado “Distrito pólo de panificação<br />
e desenvolvimento”, em Moçambique devam ser entendidas como lutas culturais sobre<br />
o significado das nações recebidas de “cidadania”, “direitos humanos” “fórum”<br />
“conselhos consultivos”:<br />
a falta da mobilização local, do trabalho de educação popular pode acabar<br />
comprometendo a própria busca de uma política cultural mais equitativa.<br />
[...] Na ausência de práticas de trabalho comunitário e social, a cidadania<br />
pode ficar sem a base social e política amplamente que lhe permitiria<br />
pressionar com mais eficácia graças a muitos direitos ganhos recentemente e<br />
para ser adquiridos com engajamento em espaços político-institucionais em<br />
escala municipal, estadual, federal e global (PEREIRA, 2008, p. 136).<br />
Deste modo, a resistências por parte de alguns setores de poder publico em<br />
desenvolver os princípios participativos, procurando politizar as mais diversas formas<br />
de participação da comunidade local, como forma de exercer um controle político sobre<br />
as comunidades. Tanto que, o termo comunidade carrega em si a fantasia da unidade, da<br />
uniformidade, da ilusão, da perspectiva dos elementos serem profunda e absolutamente<br />
solidário, cooperativos e coesos. A contestação, a critica, a mudança de qualquer valor<br />
acarretaria um imenso sofrimento no seio do grupo. “Viver o mito é viver sem revolta”<br />
(ENRIQUEZ, 1994, p. 57).<br />
No entanto, subentende-se que a participação da comunidade se efetua quando a<br />
instituição e seus agentes se colocam diante do demandante como objeto de satisfação:<br />
“eu sou a resposta à necessidade gerada por tua carência”. Portanto, “não existem<br />
carentes, o que existe é uma subjetividade de sujeitos cariciados” (PEREIRA, 2008, p.<br />
150). O discurso estatal cuida de prover o pobre e transmitir através de propagandas<br />
subliminares que o Estado é bom, que os cidadãos são iguais frente à lei e que o Estado
assegurará a satisfação das necessidades básicas e de todo cidadão e a realização de seus<br />
desejos.<br />
O progressivo processo de tomada de consciência implica em sair dos padrões<br />
de conformidade, nos quais um subjacente acordo com a realidade (que está posta)<br />
implica em uma uniformidade de comportamento (MONTEIRO, 2004, p. 48). Nas<br />
comunidades rurais moçambicanas, esta conformidade revela uma aceitação de<br />
marginalização social como um desígnio divino, mas que através de uma análise mais<br />
profunda, significa a incorporação de uma série de influência ideológica que têm por<br />
objetivo estagnar desenvolvimento e mobilização. Mas, “a tomada de consciência,<br />
advinda da atividade dos membros de um grupo, sua interação e os sentimentos mútuos<br />
que estabelecem, de certa forma, provoca uma ruptura neste ciclo permanente de<br />
conformismo, que não deixa espaço para qualquer atuação ou reflexão”<br />
(DIMENSTEIN, 2008, p. 49).<br />
É importante destacar os fatores de mobilização tendente a centrar-se em<br />
questões simbólicos e culturais que estão associados a sentimentos a um grupo social<br />
diferenciando onde seus membros podem sentir-se fortes, e com orientações<br />
subculturais que desafiam o sistema de valores prevalecente na sociedade. “o que as<br />
pessoas demandam de forma coletiva é o direito de realizar sua própria identidade: a<br />
possibilidade de dispor da sua criatividade pessoal, sua vida afetiva e sua existência<br />
biológica” (LARAÑA 1994, p. 17, apud MELUCCI, 1990).<br />
Diante de tudo isso, sugerimos uma outra concepção para a comunidade rural<br />
moçambicana: a comunidade dos sujeitos, para uma concepção recíproca e dialética,<br />
dando forma aos sujeitos, e os seus membros formando a sociedade a partir de suas<br />
ações na vida, enquanto estratégicas, tácticas e redes de entrelaçamentos de<br />
objetividades e subjetividades grupais e de sujeitos. Deste modo, a torná-los não apenas<br />
“meros” agentes de consulta e auscultação dos Órgãos Locais do Estado e outros<br />
agentes externos, mas também como ator da sua opção, com um papel relevante no<br />
processo de tomada de decisões e controle das políticas públicas.<br />
Na prática é necessário atribuir a vida social da comunidade rural uma<br />
emancipação aos programas sociais, na visão de PEDRINI et al (2007, p. 199) “devem<br />
criar as condições necessárias para que os seus usuários satisfaçam as necessidade<br />
humanas básicas, sendo capazes de decidirem sobre o modo de viver e de conviver<br />
socialmente com autonomia.”
Considerações Gerais<br />
Conforme descrito neste texto, temos o conceito de comunidade pelo viés de<br />
participação, da política e das relações de poder: inicialmente tomemos a nação de<br />
comunidade como grupo coeso, forte e unificador, sem conflitos e com uma história de<br />
comum-unidade. Nesta perspectiva tradicional, é dada ênfase à complexidade vertical<br />
por oposição a uma perspectiva histórica-adjecente. Deseja-se encontrar uma totalidade<br />
já feita, uma fusão dos membros do grupo na tentativa de evitar a dispersão para<br />
proporcionar bens públicos, ou seja, o discurso mobilizador de participação dirigidos as<br />
comunidades rurais moçambicana ressalta as vantagens da concentração sobre a<br />
dispersão nos aspectos da educação, da saúde do abastecimento de água, da<br />
proximidade das redes comerciais, entre outros. Porém, “não há incentivo ao<br />
desenvolvimento da noção de direitos; o que se vê é o estabelecimento de atitudes<br />
passivas e a elas uma expressiva falta de perspectiva” (DIMENSTEIN, 2008, p. 75).<br />
Os ingredientes para que tudo isso possa funcionar se encontram na participação<br />
de todos cidadãos, sem nenhum status especial; na combinação de democracia direta e<br />
representativa cuja dinâmica institucional deverá ser os próprios participantes definirem<br />
as regras internas; relação dialógica entre a sociedade política (Estado) e a sociedade<br />
civil. A luta pelos direitos sociais coloca-se como uma mediação capaz de provar a<br />
transformação estrutural da sociedade. Como afirma Bobbio et al (1998, p. 401), “ os<br />
direitos sociais representam direitos de participação no poder político e na distribuição<br />
da riqueza social produzida”. Na trama de relações estão imbricadas as políticas<br />
públicas, entre as quais particularmente as políticas sociais.
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