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A “guerra de penas”: os impressos políticos e a independência do ...

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8 Tempo<br />

A <strong>“guerra</strong> <strong>de</strong> <strong>penas”</strong>:<br />

<strong>os</strong> impress<strong>os</strong> polític<strong>os</strong><br />

e a in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> Brasil<br />

Lúcia Maria Bast<strong>os</strong> P. Neves *<br />

Entre 1820 e 1822, colocadas na or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> dia pelo Vintismo português, as idéias<br />

liberais adquiriram uma inédita divulgação no Brasil, por meio <strong>de</strong> uma extraordinária<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> jornais e folhet<strong>os</strong>, muit<strong>os</strong> d<strong>os</strong> quais circularam entre <strong>os</strong> <strong>do</strong>is lad<strong>os</strong> <strong>do</strong><br />

Atlântico. 1 N<strong>os</strong> <strong>de</strong>bates que veicularam, é p<strong>os</strong>sível i<strong>de</strong>ntificar uma <strong>de</strong>terminada cultura<br />

política da In<strong>de</strong>pendência, profundamente enraizada nas mitigadas Luzes portuguesas. 2 De<br />

início, ten<strong>do</strong> por tema central o constitucionalismo, essa cultura política caracterizou-se por<br />

uma crítica transoceânica quase unânime a<strong>os</strong> corcundas, ou seja, a<strong>os</strong> partidári<strong>os</strong> <strong>do</strong> Antigo<br />

Regime, mas não questionou a integrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Império luso-brasileiro. No entanto, o ano <strong>de</strong><br />

1822 assistiu ao surgimento <strong>de</strong> contradições no interior <strong>de</strong>ssa ampla frente constitucional.<br />

Diante <strong>de</strong> iniciativas consi<strong>de</strong>radas arbitrárias e <strong>de</strong>spóticas tomadas pel<strong>os</strong> liberais portugueses,<br />

* Professora adjunta <strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna e Contemporânea <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> História da UERJ; Doutora em<br />

História Social pela USP<br />

1. Há um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> trabalh<strong>os</strong> sobre o Vintismo português, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>-se aqui alguns mais recentes:<br />

Nuno G. Monteiro, “L’historiographie <strong>de</strong> la Révolution Libérale au Portugal: perspectives recentes”, in J. Aubin<br />

& Diogo R. Curto, La recherche en histoire du Portugal, Paris, Centres d’Étu<strong>de</strong>s Portugaises/École <strong>de</strong>s Hautes<br />

Étu<strong>de</strong>s en Sciences Sociales/Société Française d´Histoire du Portugal, 1989, pp. 57-65; Telmo d<strong>os</strong> Sant<strong>os</strong><br />

Ver<strong>de</strong>lho, As palavras e as idéias na Revolução Liberal <strong>de</strong> 1820, Coimbra, Instituto Nacional <strong>de</strong> Investigação<br />

Científica, 1981; Miriam Halpern Pereira et al. (coords.), O liberalismo na península ibérica na primeira meta<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> século XIX, Lisboa, Sá da C<strong>os</strong>ta, 1982, 2 v.; Luis Antonio <strong>de</strong> Oliveira Ram<strong>os</strong>, “A revolução <strong>de</strong> 1820 e a<br />

revolução francesa”, Revista <strong>de</strong> história, n. 5, Porto, 1983-1984, pp. 131-42; Maria Cândida Proença, A primeira<br />

Regeneração: o conceito e a experiência nacional, 1820-1823, Lisboa, Livr<strong>os</strong> Horizonte, 1990; Valentim<br />

Alexandre, Os sentid<strong>os</strong> <strong>do</strong> Império: questão nacional e questão colonial na crise <strong>do</strong> Antigo Regime Português ,<br />

Porto, Afrontamento, 1993; Isabel Nobre Vargues, A aprendizagem da cidadania em Portugal (1820-1823),<br />

Coimbra, Minerva, 1997.<br />

2. Para o conceito <strong>de</strong> cultura política, ver Serge Berstein, “La culture politique”, in Jean-Pierre Rioux & Jean<br />

François Sirinelli, Pour une histoire culturelle, Paris, Seuil, 1997, pp. 371-386; Stephen Welch, The concept of<br />

political culture, New York, St. Martin's Press, 1993, pp. 1-13; Keith Michael Baker, “Introduction”, in K. M.<br />

Baker (ed.), The French Revolution and the creation of mo<strong>de</strong>rn political culture, (v. 1: The political culture of<br />

the Old Regime), Oxford, Pergamon Press, 1987, p. XII.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

as elites brasileiras, ainda que divididas por concepções diversas, ten<strong>de</strong>ram a unir-se em torno<br />

<strong>de</strong> um clima <strong>de</strong> crescente anim<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> contra as Cortes, que, por sua vez, interpretavam essas<br />

manifestações igualmente como a expressão <strong>de</strong> uma op<strong>os</strong>ição ao i<strong>de</strong>ário liberal. O<br />

constitucionalismo converteu-se, assim, em separatismo. 3<br />

As notícias <strong>do</strong> movimento liberal português alcançaram o Brasil no final <strong>de</strong> 1820 e,<br />

logo <strong>de</strong>pois, jornais, panflet<strong>os</strong> e folhet<strong>os</strong> começaram a chegar <strong>de</strong> Lisboa e passaram a<br />

imprimir-se no Rio <strong>de</strong> Janeiro e na Bahia, geran<strong>do</strong> um intenso <strong>de</strong>bate também no Pará, no<br />

Maranhão, em Pernambuco e em outr<strong>os</strong> locais <strong>de</strong> menor expressão. A multiplicação d<strong>os</strong><br />

periódic<strong>os</strong> refletia uma preocupação coletiva até então inexistente em relação ao político.<br />

Como indicam as inumeráveis cartas <strong>de</strong> particulares, que <strong>os</strong> redatores divulgavam<br />

semanalmente, <strong>os</strong> artig<strong>os</strong> passaram a ser discutid<strong>os</strong> nas ruas e, sobretu<strong>do</strong>, n<strong>os</strong> nov<strong>os</strong> espaç<strong>os</strong><br />

<strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>, que cafés, aca<strong>de</strong>mias, livrarias e socieda<strong>de</strong>s secretas, como a maçonaria,<br />

tinham passa<strong>do</strong> a constituir. De caráter didático e polêmico, <strong>os</strong> panflet<strong>os</strong> e folhet<strong>os</strong><br />

mantinham-se anônim<strong>os</strong> por causa da censura, mas, escrit<strong>os</strong> sob a forma <strong>de</strong> comentári<strong>os</strong> a<strong>os</strong><br />

fat<strong>os</strong> recentes, ou <strong>de</strong> discussões sobre as gran<strong>de</strong>s questões <strong>do</strong> momento, traduziam em<br />

linguagem acessível <strong>os</strong> temas fundamentais <strong>do</strong> constitucionalismo. Literatura <strong>de</strong> circunstância<br />

por excelência, essas obras cumpriam o papel <strong>de</strong> levar notícias e informações a uma platéia<br />

mais ampla, que <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> vê-las como meras novida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio priva<strong>do</strong> para encará-las<br />

como parte <strong>de</strong> um espaço comum, esboçan<strong>do</strong>-se a formação <strong>de</strong> uma esfera pública <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r,<br />

no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> J. Habermas. 4<br />

O ano <strong>de</strong> 1821 foi a fase áurea <strong>do</strong> periodismo no mun<strong>do</strong> luso-brasileiro, cuja expansão<br />

po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada semelhante àquela a que a França assistiu no perío<strong>do</strong> da Revolução <strong>de</strong><br />

1789, quan<strong>do</strong>, <strong>de</strong> apenas um periódico <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> a<strong>os</strong> assunt<strong>os</strong> culturais, passou-se para mais<br />

<strong>de</strong> 184, somente em Paris. 5 Em Portugal, naquele ano, surgiram cerca <strong>de</strong> 39 nov<strong>os</strong> jornais,<br />

publicad<strong>os</strong> principalmente em Lisboa, Porto e Coimbra, chegan<strong>do</strong>-se a afirmar que à<br />

“intentada regeneração veio unida a praga d<strong>os</strong> periódic<strong>os</strong>”, reduzin<strong>do</strong>-se a gran<strong>de</strong> arte <strong>do</strong><br />

escritor a simplesmente “saber formar bem ou mal, tort<strong>os</strong> ou direit<strong>os</strong>, <strong>os</strong> caracteres <strong>do</strong><br />

alfabeto”. 6 Dentre eles, a um pequeno número <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensores da or<strong>de</strong>m tradicional, como o<br />

Punhal d<strong>os</strong> Corcundas e a Tripa Virada, opunha-se a maioria, como veícul<strong>os</strong> das novas idéias<br />

liberais e constitucionais. Era o caso <strong>do</strong> Gênio Constitucional, <strong>do</strong> Astro da Lusitânia, <strong>do</strong><br />

Campeão português em Lisboa e <strong>do</strong> Minerva Constitucional, entre outr<strong>os</strong>.<br />

No Rio <strong>de</strong> Janeiro, po<strong>de</strong> ser avalia<strong>do</strong> em cerca <strong>de</strong> vinte o número <strong>de</strong> periódic<strong>os</strong> que<br />

saíram à luz entre 1821-1822, cuja multiplicação levou igualmente a observações sobre a<br />

presença <strong>de</strong> uma “praga periodiqueira”. Começavam, em geral, como semanári<strong>os</strong>, mas, com o<br />

sucesso alcança<strong>do</strong>, ampliavam a freqüência, transforman<strong>do</strong>-se algumas vezes em diári<strong>os</strong>, <strong>de</strong><br />

mo<strong>do</strong> a visar uma informação <strong>de</strong> ação mais direta n<strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong>, por meio <strong>de</strong> um<br />

3. Para uma análise mais ampla e <strong>de</strong>talhada <strong>de</strong>sse tema, ver Lúcia Maria Bast<strong>os</strong> P. Neves, Corcundas,<br />

constitucionais e pés-<strong>de</strong>-chumbo: a cultura política da in<strong>de</strong>pendência, 1820-1822, tese <strong>de</strong> <strong>do</strong>utora<strong>do</strong>, USP,<br />

1992.<br />

4. Para o conceito <strong>de</strong> esfera pública <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, cf. Jürgen Habermas, Mudança estrutural na esfera pública, Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984, p. 42. Para essa questão, ver Craigh Calhoum (ed.), Habermas and the<br />

Public Sphere, 5. ed., Massachusetts, MIT Press, 1997; François-Xavier Guerra, Annick Lempérière et al., L<strong>os</strong><br />

espaci<strong>os</strong> públic<strong>os</strong> en iberoamerica: ambigüeda<strong>de</strong>s y problemas, sigl<strong>os</strong> XVIII-XIX , México, Fon<strong>do</strong> <strong>de</strong> Cultura<br />

Económica, 1998, pp. 5-21; Roger Chartier, Espacio público, crítica y <strong>de</strong>sacralización en el siglo XVIII: L<strong>os</strong><br />

origenes culturales <strong>de</strong> la Revolución francesa, Barcelona, Gedisa, 1995, pp. 33-50.<br />

5. Para o periodismo em Portugal, ver J<strong>os</strong>é Tengarrinha, História da imprensa portuguesa , 2. ed., Lisboa,<br />

Caminho, 1989, pp. 123-134; Telmo d<strong>os</strong> Sant<strong>os</strong> Ver<strong>de</strong>lho, As palavras e as idéias ..., op. cit., pp. 14-19. Para <strong>os</strong><br />

periódic<strong>os</strong> franceses, cf. Jeremy D. Popkin, “Journals: the new face of news”, in R. Darnton & D. Roche (ed.),<br />

Revolution in print : the press in France, 1775-1800, Berkeley, Univ. of California Press, 1989, p. 150.<br />

6. Exorcism<strong>os</strong> contra periódic<strong>os</strong> e outr<strong>os</strong> malefíci<strong>os</strong>, Lisboa, Off. da Viúva <strong>de</strong> Lino da Silva Godinho, 1821, p. 8<br />

e 11, respectivamente.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

discurso muito mais i<strong>de</strong>ológico e político <strong>do</strong> que cultural. 7 Embora alguns assumissem uma<br />

p<strong>os</strong>tura sup<strong>os</strong>tamente neutra, <strong>de</strong>stinada a transmitir meras notícias, como o Diário <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro e o Volantim, muit<strong>os</strong> acabavam por transcrever artig<strong>os</strong> publicad<strong>os</strong> em outras regiões,<br />

adquirin<strong>do</strong> também um caráter político.<br />

Constituin<strong>do</strong> uma espécie <strong>de</strong> jornal oficial, havia, naturalmente, a Gazeta <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, o primeiro periódico estampa<strong>do</strong> no Brasil, a partir <strong>de</strong> 1808. Contu<strong>do</strong>, não exerceu<br />

uma influência direta n<strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong> polític<strong>os</strong> <strong>de</strong> 1821-1822, pois não participou das<br />

polêmicas, limitan<strong>do</strong>-se a repetir at<strong>os</strong> oficiais, a copiar trech<strong>os</strong> das folhas européias, quan<strong>do</strong><br />

favoráveis ao governo, e a fazer inumeráveis elogi<strong>os</strong> à família real. Já o Regula<strong>do</strong>r Brasílicoluso<br />

foi consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> a primeira folha ofici<strong>os</strong>a, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> servir ao governo às custas d<strong>os</strong><br />

cofres públic<strong>os</strong>, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a união <strong>do</strong> Brasil com Portugal. 8<br />

Com a prop<strong>os</strong>ta <strong>de</strong> realizar um periodismo <strong>de</strong> cunho mais político, O Espelho passou a<br />

ser publica<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1821, com o principal objetivo <strong>de</strong> discutir a Constituição<br />

que se estava elaboran<strong>do</strong>. Fornecia ao público minuci<strong>os</strong>as informações a respeito das sessões<br />

das Cortes e relatava as notícias saídas nas gazetas portuguesas e baianas e, ainda, no Correio<br />

Brasiliense. Na realida<strong>de</strong>, porém, “seguia sem pestanejar as atitu<strong>de</strong>s <strong>do</strong> governo”, publican<strong>do</strong><br />

apenas a versão oficial d<strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong>, evitan<strong>do</strong> emitir juíz<strong>os</strong> própri<strong>os</strong>, até mesmo em<br />

alguns moment<strong>os</strong> crític<strong>os</strong>, como no Dia <strong>do</strong> Fico, quan<strong>do</strong> se limitou a publicar o expediente<br />

oficial. 9<br />

Em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1821, surgiu A Malagueta, <strong>do</strong> português Luís Augusto May,<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um d<strong>os</strong> gran<strong>de</strong>s polemistas da In<strong>de</strong>pendência, que consistia num único gran<strong>de</strong><br />

artigo <strong>do</strong> redator, e que se manteve, <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>scontínua, até 1832. May <strong>de</strong>clarava não ser<br />

“constitucional por contrato, nem corcunda por inclinação, nem republicano, porque já não há<br />

greg<strong>os</strong>, nem roman<strong>os</strong>” e afirmava ter si<strong>do</strong> educa<strong>do</strong> “à sombra da Magna Carta e <strong>do</strong> Bill d<strong>os</strong><br />

Direit<strong>os</strong> <strong>do</strong> Homem”. 10<br />

De setembro <strong>de</strong> 1821 a outubro <strong>de</strong> 1822, ainda mais conheci<strong>do</strong> e influente foi o<br />

Revérbero Constitucional Fluminense. Escrito por “<strong>do</strong>is brasileir<strong>os</strong> Amig<strong>os</strong> da Nação e da<br />

Pátria”, Joaquim Gonçalves Le<strong>do</strong> e Januário da Cunha Barb<strong>os</strong>a, tinha cunho essencialmente<br />

político e servia <strong>de</strong> porta-voz para uma das principais correntes políticas <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>, que<br />

<strong>de</strong>fendia um liberalismo mais radical, embora nem por isso men<strong>os</strong> mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>. Não obstante, a<br />

sua gran<strong>de</strong> preocupação era a <strong>de</strong> fornecer “algumas idéias que dirijam e instruam o povo<br />

sobre a gran<strong>de</strong> questão que hoje se agita e que se fez o mais caro <strong>de</strong>sejo d<strong>os</strong> Brasileir<strong>os</strong>”, que<br />

entendia como sen<strong>do</strong> uma constituição liberal. 11<br />

Lança<strong>do</strong> em 1822 por iniciativa <strong>do</strong> português João Soares Lisboa, o Correio <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, a<strong>do</strong>tou p<strong>os</strong>turas ainda mais radicais e <strong>de</strong>mocratas. Além <strong>de</strong> um artigo <strong>do</strong> redator, em<br />

geral polêmico, incluía uma gran<strong>de</strong> correspondência, publicava resum<strong>os</strong> d<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> das<br />

Cortes e freqüentemente atacava <strong>os</strong> jornais baian<strong>os</strong> favoráveis ao Congresso português.<br />

Propunha-se também a esclarecer <strong>os</strong> concidadã<strong>os</strong> <strong>do</strong> Brasil e a divulgar todas as “injustiças ou<br />

<strong>de</strong>spotism<strong>os</strong> das autorida<strong>de</strong>s constituídas”, com o objetivo <strong>de</strong> que se coibissem tais abus<strong>os</strong>,<br />

7. C. Rizzini, O livro, o jornal e a tipografia no Brasil: 1500-1822, Rio <strong>de</strong> Janeiro, K<strong>os</strong>m<strong>os</strong>, 1945, pp. 371-372.<br />

Para a concepção d<strong>os</strong> jornais como veícul<strong>os</strong> <strong>de</strong> idéias políticas, ver Roger Chartier & Daniel Roche, “Livres et<br />

presses: véhicules <strong>de</strong>s idées ”, in Seventh International Congress on the Enlightenment: Introductory Papers,<br />

[Budapest, 1987], Oxford, The Voltaire Foundation, 1987, pp. 93-106.<br />

8. Regula<strong>do</strong>r brasílico-luso, n. 1, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 29 jul. 1822. Passou a intitular-se Regula<strong>do</strong>r brasileiro após o<br />

n. 11, <strong>de</strong> 2 out. 1822.<br />

9. Para <strong>os</strong> objetiv<strong>os</strong> <strong>do</strong> jornal, ver Diário <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro: Pr<strong>os</strong>pecto <strong>de</strong> um novo periódico, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 25<br />

set. 1821. Para o episódio <strong>do</strong> Fico, cf. O espelho, n. 16, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 11 jan. 1822.<br />

10. A malagueta, n. 1, Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong>z. 1821.<br />

11. Revérbero Constitucional Fuminense, nº 4, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 18 junho 1822.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

assim como tu<strong>do</strong> quanto fizessem as “mesmas autorida<strong>de</strong>s ou qualquer pessoa a bem <strong>de</strong> n<strong>os</strong>sa<br />

Regeneração ou boa administração da justiça”. 12<br />

De duração mais efêmera, mas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse sob o aspecto político, foram<br />

alguns outr<strong>os</strong>, como o Papagaio, mais mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>, com a prop<strong>os</strong>ta ilustrada, <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> curi<strong>os</strong>a<br />

ressonância contemporânea, <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o direito <strong>do</strong> Brasil <strong>de</strong> aspirar ao “<strong>de</strong>sejo inalienável<br />

<strong>de</strong> ser feliz”; o Constitucional; o Brasil; e o Macaco, que se apresentava, através <strong>de</strong> uma certa<br />

linguagem joc<strong>os</strong>a, como um <strong>de</strong>fensor d<strong>os</strong> “Direit<strong>os</strong> <strong>do</strong> Brasil”, queren<strong>do</strong> “União, União,<br />

União”, mas “nada <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência e servilismo”. 13<br />

Embora men<strong>os</strong> estuda<strong>do</strong>, o periodismo também se m<strong>os</strong>trou relevante nas províncias.<br />

Na Bahia, o segun<strong>do</strong> maior centro irradia<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ssas novida<strong>de</strong>s, a maioria d<strong>os</strong> jornais a<strong>do</strong>tou<br />

uma p<strong>os</strong>tura constitucionalista e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> às Cortes <strong>de</strong> Lisboa, como o Ida<strong>de</strong><br />

d'Ouro, publica<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1811, e o Semanário Cívico, que pretendia instruir <strong>os</strong> cidadã<strong>os</strong>,<br />

recorren<strong>do</strong> a uma das formas mais comuns da época: o catecismo político. Os jornais<br />

menores, como o Analisa<strong>do</strong>r Constitucional, o Espreita<strong>do</strong>r Constitucional e o Abelha<br />

i<strong>de</strong>ntificavam como “<strong>de</strong>ver d<strong>os</strong> bons portugueses pugnarem pela ramificação da sagrada causa<br />

que a<strong>do</strong>tam<strong>os</strong> e união <strong>de</strong> amb<strong>os</strong> <strong>os</strong> hemisféri<strong>os</strong>” e julgavam m<strong>os</strong>trarem-se inimig<strong>os</strong> da nação<br />

<strong>os</strong> que <strong>de</strong>fendiam a falsa <strong>do</strong>utrina <strong>de</strong> que “Portugal quer escravizar e colonizar” o Brasil. 14<br />

Em op<strong>os</strong>ição, havia o Diário Constitucional, <strong>de</strong>pois simplesmente O Constitucional, inicia<strong>do</strong><br />

em ag<strong>os</strong>to <strong>de</strong> 1821 e cuja circulação a censura imp<strong>os</strong>ta pela junta <strong>do</strong> governo local<br />

interrompeu temporariamente em fevereiro <strong>de</strong> 1822.<br />

Em Pernambuco, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1821, surgiram a Aurora Pernambucana, o Segarrega, o<br />

Maribon<strong>do</strong>, o Concilia<strong>do</strong>r Nacional e a Gazeta Pernambucana, entre outr<strong>os</strong>. Mais ao norte, o<br />

Concilia<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Maranhão teve início como uma gazeta manuscrita, divulgada regularmente<br />

por sete meses, mas que, em abril <strong>de</strong> 1821, passou a ser impresso e pr<strong>os</strong>seguiu em ativida<strong>de</strong><br />

até julho <strong>de</strong> 1823, quan<strong>do</strong> da a<strong>de</strong>são da província à causa da In<strong>de</strong>pendência. Defendia a união<br />

<strong>de</strong> Portugal ao Brasil e, em seu primeiro número impresso, <strong>de</strong>clarava:<br />

Os gran<strong>de</strong>s aconteciment<strong>os</strong> polític<strong>os</strong> das Nações, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> algum dia entrar nas páginas da<br />

História, precisam ser minutad<strong>os</strong> por testemunhas contemporâneas e <strong>de</strong>sinteressadas, a fim <strong>de</strong><br />

que a p<strong>os</strong>terida<strong>de</strong> p<strong>os</strong>sa avaliar o mérito ou <strong>de</strong>mérito d<strong>os</strong> seus coopera<strong>do</strong>res; [...] Eis o fim a<br />

que se dirige o trabalho d<strong>os</strong> historia<strong>do</strong>res; porém como estes, ainda mesmo sen<strong>do</strong><br />

contemporâne<strong>os</strong> d<strong>os</strong> fat<strong>os</strong>, não po<strong>de</strong>m presenciá-l<strong>os</strong> em to<strong>do</strong> o território da Nação, cuja<br />

história escrevem, carecem <strong>do</strong>cument<strong>os</strong> mais verídic<strong>os</strong> que <strong>os</strong> <strong>de</strong> uma tradição, quase sempre<br />

suspeita; e eis um d<strong>os</strong> fins d<strong>os</strong> jornais. Outro ainda mais essencial é o <strong>de</strong> servirem <strong>de</strong><br />

media<strong>do</strong>res entre <strong>os</strong> govern<strong>os</strong> e <strong>os</strong> pov<strong>os</strong> [...]. 15<br />

No Pará, Felipe Alberto Patroni passou a editar O Paraense em 1822, que,<br />

<strong>os</strong>tentan<strong>do</strong> por cima <strong>do</strong> título as armas <strong>do</strong> Reino Uni<strong>do</strong>, não apoiava a p<strong>os</strong>tura<br />

separatista da Corte fluminense e propagava <strong>os</strong> i<strong>de</strong>ais liberais <strong>do</strong> Vintismo,<br />

12. Pr<strong>os</strong>pecto para hum novo periodico intitula<strong>do</strong> ‘Correio <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro’, que sahirá tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> dias, excepto<br />

Doming<strong>os</strong> e dias Sant<strong>os</strong>, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imp. Nacional, [1822].<br />

13. O Papagaio, n.1, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 4 maio 1822; O macaco brasileiro , n.1, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1822. Cf. ainda M.<br />

Beatriz Nizza da Silva, Movimento constitucional e separatismo no Brasil: 1821-1823, Lisboa, Livr<strong>os</strong><br />

Horizonte, 1988, pp. 21-22.<br />

14. Para o estu<strong>do</strong> da imprensa baiana, cf. M. Beatriz Nizza da Silva, Movimento constitucional ..., op. cit., pp.<br />

16-18 e, sobretu<strong>do</strong>, da mesma autora, A primeira gazeta da Bahia: Ida<strong>de</strong> d’ouro <strong>do</strong> Brasil, São Paulo, Cultrix,<br />

1978; C. Rizzini. O livro, o jornal ..., op. cit., pp. 411-416. Quanto a<strong>os</strong> jornais <strong>de</strong> menor importância foi p<strong>os</strong>sível<br />

localizá-l<strong>os</strong>, apenas um número <strong>de</strong> cada exemplar, na Biblioteca Municipal <strong>do</strong> Porto. Assim, para a primeira<br />

citação, cf. Espreita<strong>do</strong>r constitucional, n. 2, Bahia, ago. 1822; para a segunda, Abelha, Bahia, n. 58, 14 abr.<br />

1823.<br />

15. Concilia<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Maranhão , n. 1, Maranhão, 15 abr. 1821. Grifo da autora.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa e opon<strong>do</strong>-se ao autoritarismo militar e à<br />

ineficiência burocrático-administrativa. 16<br />

Ao la<strong>do</strong> d<strong>os</strong> jornais, <strong>os</strong> muito men<strong>os</strong> estudad<strong>os</strong> panflet<strong>os</strong> e folhet<strong>os</strong> constituíram uma<br />

outra modalida<strong>de</strong>, não men<strong>os</strong> importante, <strong>de</strong> instrument<strong>os</strong> <strong>de</strong> divulgação da nova cultura<br />

política. 17 Assumiram várias formas. Alguns, <strong>de</strong>nominad<strong>os</strong> <strong>de</strong> “folhet<strong>os</strong> constitucionais” pelo<br />

livreiro Paulo Martim, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, procuravam explicar o vocabulário político liberal,<br />

pois julgavam que a divulgação d<strong>os</strong> impress<strong>os</strong> tinha atribuí<strong>do</strong> “uma significação nova a tod<strong>os</strong><br />

<strong>os</strong> term<strong>os</strong>”, em relação a<strong>os</strong> quais “um dicionário não n<strong>os</strong> serve para nada”, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>-se<br />

observar a conduta d<strong>os</strong> polític<strong>os</strong> para enten<strong>de</strong>r essa “nova linguagem”. 18 Era o caso da<br />

Constituição Explicada, que examinava o pensamento <strong>de</strong> Benjamin Constant; <strong>do</strong><br />

Constitucional Justifica<strong>do</strong>; e <strong>do</strong> Catecismo Constitucional, organiza<strong>do</strong> sob a forma <strong>de</strong><br />

perguntas e resp<strong>os</strong>tas. Outr<strong>os</strong> preferiam a forma <strong>de</strong> diálog<strong>os</strong>, como o Diálogo entre o<br />

Corcunda Abati<strong>do</strong> e o Constitucional Exalta<strong>do</strong> e o Alfaiate Constitucional, uma conversa<br />

entre um alfaiate e seus fregueses, seguin<strong>do</strong> o mo<strong>de</strong>lo clássico <strong>do</strong> Spectator <strong>de</strong> Addison e<br />

Steele. 19 No Diálogo entre a Constituição e o Despotismo, a primeira, vinda <strong>do</strong> sul da Europa,<br />

encontra-se com o “famigera<strong>do</strong> <strong>de</strong>spotismo”, travan<strong>do</strong> um duelo <strong>de</strong> palavras, que termina<br />

com a troca <strong>de</strong> insult<strong>os</strong>, separan<strong>do</strong>-se <strong>os</strong> <strong>do</strong>is interlocutores, “nada satisfeit<strong>os</strong> um <strong>do</strong> outro”,<br />

para dirigir-se aquele, “a gran<strong>de</strong>s jornadas para Laybach, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve assistir ao Congresso d<strong>os</strong><br />

Ministr<strong>os</strong>, e esta [a Constituição] para o Brasil, on<strong>de</strong> era há longo tempo apetecida”. 20<br />

Ainda <strong>de</strong> 1821 são diversas cartas escritas a amig<strong>os</strong> e compadres. Fam<strong>os</strong>as são aquelas<br />

escritas pelo compadre <strong>de</strong> Belém ao redator <strong>do</strong> jornal português Astro da Lusitânia, e pelo<br />

men<strong>os</strong> curi<strong>os</strong>a a Carta que em <strong>de</strong>fesa d<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong> insultad<strong>os</strong> escreve ao sacristão <strong>de</strong><br />

Carari o estudante constitucional, amigo <strong>do</strong> filho <strong>do</strong> compadre <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro. 21 Das<br />

cartas, passou-se a farsas em verso e a dicionári<strong>os</strong>, um d<strong>os</strong> quais <strong>de</strong>finia “política” da seguinte<br />

maneira: “ciência <strong>de</strong> enganar; refinada velhacaria; sistema <strong>de</strong> tramóias, inventa<strong>do</strong> e<br />

propaga<strong>do</strong> na Europa no tempo <strong>de</strong> Luís XIV e leva<strong>do</strong> à perfeição no tempo <strong>de</strong> Napoleão<br />

Bonaparte”. 22<br />

Finalmente, a preocupação <strong>de</strong> atingir um público mais amplo, divulgan<strong>do</strong><br />

ensinament<strong>os</strong> sobre a Constituição, levou ao antigo c<strong>os</strong>tume <strong>de</strong> parodiar orações religi<strong>os</strong>as.<br />

16. Para a imprensa paraense, cf. Geral<strong>do</strong> Mártires Coelho, Anarquistas, <strong>de</strong>magog<strong>os</strong> & dissi<strong>de</strong>ntes. A imprensa<br />

liberal no Pará <strong>de</strong> 1822, Belém, CEJUP, 1993 e C. Rizzini, O livro, o jornal ..., op. cit., p. 417.<br />

17. A edição mais accessível <strong>de</strong> alguns folhet<strong>os</strong> é a <strong>de</strong> Raimun<strong>do</strong> Faoro (int.), O <strong>de</strong>bate político no processo <strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>pendência, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Cultura, 1973. Essas publicações foram estudadas <strong>de</strong><br />

maneira mais sistemática por: J<strong>os</strong>é Honório Rodrigues, A in<strong>de</strong>pendência: revolução e contra -revolução (vol. 1:<br />

A evolução política), Rio <strong>de</strong> Janeiro, Francisco Alves, 1975, pp. 156 -168; Cecília Helena Salles <strong>de</strong> Oliveira, O<br />

disfarce <strong>do</strong> anonimato. O <strong>de</strong>bate político através d<strong>os</strong> folhet<strong>os</strong>: 1820-1822, dissertação <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong>, USP, 1979;<br />

Lúcia Maria Bast<strong>os</strong> P. Neves, “Corcundas e constitucionais: a cultura política no mun<strong>do</strong> luso-brasileiro (1820-<br />

1822)”, in Maria Beatriz N. da Silva (coord.), Cultura portuguesa na terra <strong>de</strong> Santa Cruz, Lisboa, Estampa,<br />

1995, pp. 265-280. Há um projeto em curso, coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong> por J<strong>os</strong>é Murilo <strong>de</strong> Cravalho e contan<strong>do</strong> com a minha<br />

participação e <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r Marcelo Basile, para a publicação, em edição crítica, <strong>de</strong> tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> folhet<strong>os</strong> polític<strong>os</strong><br />

da In<strong>de</strong>pendência.<br />

18. Diário <strong>do</strong> Governo, n. 105, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 12 maio 1823.<br />

19. Maria Lúcia G. Palhares-Burke, The Spectator, o teatro das Luzes. Diálogo e imprensa no século XVIII, São<br />

Paulo, Hucitec, 1995 e P. Gay, The Enlightenment: the science of free<strong>do</strong>m, Nova Iorque, Norton, 1977, pp. 52-<br />

55.<br />

20. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Tip. Nacional, 1821, p. 9.<br />

21. As cartas <strong>do</strong> compadre <strong>de</strong> Belém são atribuídas ao lí<strong>de</strong>r <strong>do</strong> Vintismo português, Manuel Fernan<strong>de</strong>s Tomás;<br />

quanto à carta <strong>do</strong> Estudante Constitucional, sua autoria é atribuída a Evaristo da Veiga, segun<strong>do</strong> Basílio <strong>de</strong><br />

Magalhães, no Jornal <strong>do</strong> Commercio, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 6 jun. 1937.<br />

22. J<strong>os</strong>é Joaquim Lopes <strong>de</strong> Lima, Suplemento ao Dicionário corcundativo ou explicação das frases d<strong>os</strong><br />

corcundas, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imprensa Régia, 1821, p. 7.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

Um exemplo po<strong>de</strong> ser encontra<strong>do</strong> no folheto A regeneração constitucional ou a guerra e<br />

disputa entre <strong>os</strong> Carcundas [sic] e Constitucionais. Para narrar <strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong> da<br />

Revolução <strong>de</strong> 1820, o autor, que se proclama um “europeu constitucional”, <strong>de</strong>screve a disputa<br />

entre <strong>os</strong> <strong>do</strong>is partid<strong>os</strong> op<strong>os</strong>t<strong>os</strong>, que se encerra com o reconhecimento d<strong>os</strong> própri<strong>os</strong> err<strong>os</strong>, por<br />

parte d<strong>os</strong> primeir<strong>os</strong>, e com a imp<strong>os</strong>ição <strong>de</strong> um castigo, por parte d<strong>os</strong> segund<strong>os</strong>. Os corcundas<br />

<strong>de</strong>viam apresentar-se perante o Congresso Nacional e recitar em voz alta e clara várias<br />

orações constitucionais, como a Protestação <strong>de</strong> Fé Constitucional, <strong>os</strong> Mandament<strong>os</strong> da Lei<br />

Constitucional, o Padre N<strong>os</strong>so, a Ave Maria Constitucional e o Cre<strong>do</strong> Constitucional:<br />

Creio no Rei, o Senhor d. João VI, no Congresso Nacional, cria<strong>do</strong>r da Constituição, no Senhor d. Pedro,<br />

Príncipe Leal, primogênito e her<strong>de</strong>iro d<strong>os</strong> tron<strong>os</strong>, o qual foi concebi<strong>do</strong> por obra e graça <strong>de</strong> seus<br />

August<strong>os</strong> Pais, nasceu <strong>de</strong> sua Augusta Mãe, a Rainha d. Carlota Joaquina, pa<strong>de</strong>ceu sob o po<strong>de</strong>r d<strong>os</strong><br />

ministr<strong>os</strong> e valid<strong>os</strong>; em 26 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong>sceu ao Rocio para jurar a Constituição por si e seu Augusto<br />

Pai; em 22 <strong>de</strong> abril foi feito regente para premiar <strong>os</strong> bons, castigar <strong>os</strong> maus, e fazer justiça a<strong>os</strong><br />

corcundas, panç<strong>os</strong> e caranguej<strong>os</strong>. Creio no Congresso Nacional, em a Nação portuguesa, na<br />

comunicação d<strong>os</strong> sábi<strong>os</strong>, na remissão d<strong>os</strong> abus<strong>os</strong>, na ressureição da virtu<strong>de</strong> e da justiça, na conservação<br />

da liberda<strong>de</strong>, segurança e proprieda<strong>de</strong> e na felicida<strong>de</strong> da nação. Amém. 23<br />

Em tod<strong>os</strong> esses gêner<strong>os</strong>, a principal preocupação foi quase sempre a <strong>de</strong> atacar o<br />

governo consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>de</strong>spótico e a <strong>de</strong> expor <strong>os</strong> motiv<strong>os</strong> e princípi<strong>os</strong> <strong>do</strong> constitucionalismo<br />

monárquico, explican<strong>do</strong> e difundin<strong>do</strong> um novo vocabulário político, comum às elites<br />

intelectuais <strong>de</strong> amb<strong>os</strong> <strong>os</strong> lad<strong>os</strong> <strong>do</strong> Atlântico, e que, no Brasil, passou a circular com maior<br />

intensida<strong>de</strong> a partir <strong>do</strong> movimento constitucional <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1821. Essa op<strong>os</strong>ição,<br />

entre o <strong>de</strong>spotismo, enquanto símbolo <strong>de</strong> um passa<strong>do</strong> que se pretendia “regenerar”, e o<br />

liberalismo-constitucionalismo, prop<strong>os</strong>to como imagem <strong>de</strong> um futuro i<strong>de</strong>al a que se almejava,<br />

marcou <strong>de</strong> maneira característica o i<strong>de</strong>ário político <strong>de</strong> 1820 a 1823.<br />

Palavra nega<strong>do</strong>ra da liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>finia -se, em geral, <strong>de</strong>spotismo como “o governo<br />

on<strong>de</strong> o soberano é absoluto e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das leis; po<strong>de</strong>r absoluto, arbitrário, ilimita<strong>do</strong>, que<br />

não tem outras regras senão a vonta<strong>de</strong>, o capricho ou o interesse <strong>do</strong> déspota”. Significava<br />

ainda uma política privada, circunscrita ao círculo restrito da Corte, em que se moviam <strong>os</strong><br />

áulic<strong>os</strong> e <strong>os</strong> ministr<strong>os</strong>, capaz <strong>de</strong> dar à luz o execrável <strong>de</strong>spotismo ministerial, que, ao usurpar<br />

a<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> <strong>os</strong> seus direit<strong>os</strong>, tornava-se o maior flagelo. 24 Tal senti<strong>do</strong>, iam buscá-lo<br />

evi<strong>de</strong>ntemente, e <strong>de</strong> maneira explícita, em Montesquieu, para quem o <strong>de</strong>spotismo constituía<br />

um governo “em que um só, sem lei, nem regra, tu<strong>do</strong> arrasta pela sua vonta<strong>de</strong> e pel<strong>os</strong> seus<br />

caprich<strong>os</strong>”. Embora f<strong>os</strong>se n<strong>os</strong> impéri<strong>os</strong> asiátic<strong>os</strong> que o filósofo localizasse essa forma <strong>de</strong><br />

governo, <strong>os</strong> redatores luso-brasileir<strong>os</strong> não se davam conta <strong>do</strong> <strong>de</strong>slize conceitual, fazen<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spotismo um sinônimo <strong>de</strong> governo absoluto e inspiran<strong>do</strong>-se na moda turca para concluir<br />

que, compara<strong>do</strong> ao mun<strong>do</strong> luso-brasileiro, “nem em Alger, se calcava a<strong>os</strong> pés mais<br />

<strong>de</strong>spoticamente o direito <strong>do</strong> homem o mais sagra<strong>do</strong>”, isto é, o da proprieda<strong>de</strong>. 25<br />

23. Para as paródias das formas religi<strong>os</strong>as como um d<strong>os</strong> gêner<strong>os</strong> da cultura popular, ver P. Burke, Popular<br />

culture in early mo<strong>de</strong>rn Europe, New York, Harper & Row Publishers, 1978, pp.122-123. Para o folheto, ver A<br />

regeneração constitucional ou guerra e disputa entre <strong>os</strong> carcundas e constitucionais, [Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imp.<br />

Régia], 1821, pp. 19-20.<br />

24. O <strong>de</strong>spotismo consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> em suas causas e efeit<strong>os</strong>, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Tip. Régia, 1821, p. 6; para a idéia <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spotismo ministerial, ver O Bem da Or<strong>de</strong>m, n. 5, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1821.<br />

25. A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Montesquieu, extraída <strong>do</strong> Espírito das leis, acha-se em J<strong>os</strong>é da Silva Lisboa, Roteiro brazílico<br />

ou coleção <strong>de</strong> princípi<strong>os</strong> e <strong>do</strong>cument<strong>os</strong> <strong>de</strong> direito político em série <strong>de</strong> númer<strong>os</strong>, parte III, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Tip.<br />

Nacional, 1822, p. 39; cf. J. Starobinski, Montesquieu, Paris, Seuil, 1989, pp. 58-59; para a última citação, cf. O<br />

Alfaiate Constitucional. Diálogo entre o alfaiate e <strong>os</strong> freguezes ... por J<strong>os</strong>é Anastácio Falcão, parte II, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, Tip. Nacional, 1821, p. 14.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

O termo que maior relação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> apresentou com <strong>de</strong>spotismo foi corcunda (ou<br />

carcunda), que servia para referir-se <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>preciativa a tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> que estavam a serviço<br />

<strong>do</strong> Antigo Regime, contrári<strong>os</strong> às idéias constitucionais das Cortes soberanas <strong>de</strong> Lisboa e<br />

favoráveis ao absolutismo. O vocábulo queria dizer, “numa nomenclatura mo<strong>de</strong>rna, o mesmo<br />

que homem anticonstitucional, ou homem satélite <strong>do</strong> <strong>de</strong>spotismo”. Segun<strong>do</strong> o Dicionário<br />

corcundativo, o termo siginificava:<br />

palavra da moda; homem, que afeito e satisfeito com a carga <strong>do</strong> <strong>de</strong>spotismo, se curva como o<br />

dromedário para recebê-la; e trazen<strong>do</strong> esculpi<strong>do</strong> no <strong>do</strong>rso o in<strong>de</strong>lével ferrete <strong>do</strong> servilismo, tem<br />

contraí<strong>do</strong> o hábito <strong>de</strong> não mais erguer a cabeça, recheada das estonteadas idéias <strong>de</strong> uma sórdida<br />

cobiça. 26<br />

No Brasil, o termo continuou a ser emprega<strong>do</strong>, em 1822, para <strong>de</strong>signar <strong>os</strong> que<br />

advogavam idéias anticonstitucionais e uma monarquia em que o soberano dispusesse <strong>do</strong> veto<br />

absoluto. A partir <strong>de</strong> 1823, no entanto, consumada a In<strong>de</strong>pendência, a expressão <strong>de</strong>slocou-se,<br />

passan<strong>do</strong> a caracterizar o português, eleva<strong>do</strong> a típico partidário <strong>do</strong> Antigo Regime, que<br />

conservava o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ainda ver “no Brasil a ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Portugal”. Em 1827, na<br />

correspondência <strong>de</strong> J<strong>os</strong>é Bonifácio afasta<strong>do</strong> <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r, a palavra tinha adquiri<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntificar o círculo lusitano que continuava a apoiar a política cada vez mais impopular <strong>de</strong> d.<br />

Pedro. 27<br />

Se <strong>os</strong> conceit<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>spotismo e corcunda serviram para veicular as críticas ao regime<br />

anterior à Revolução <strong>de</strong> 1820, foram as palavras liberda<strong>de</strong> e constituição que sintetizaram o<br />

novo i<strong>de</strong>ário liberal. Até então, liberda<strong>de</strong> revestira-se <strong>de</strong> um significa<strong>do</strong> mais fil<strong>os</strong>ófico,<br />

registra<strong>do</strong> num dicionário da época – “a faculda<strong>de</strong>, que a alma tem <strong>de</strong> fazer, ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

fazer alguma coisa, como mais quer” – ao qual recorriam ainda alguns folhet<strong>os</strong>, como as<br />

Reflexões fil<strong>os</strong>óficas sobre a liberda<strong>de</strong> e a igualda<strong>de</strong>: “a absoluta faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer tu<strong>do</strong>,<br />

quanto se quer, sem responsabilida<strong>de</strong>, e sem relação a coisa alguma, sem <strong>de</strong>ver, e sem lei”. 28<br />

Doravante, porém, liberda<strong>de</strong> iria adquirir outras dimensões, passan<strong>do</strong> a ser<br />

consi<strong>de</strong>rada a essência da vida <strong>do</strong> homem, não apenas n<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> institucionais e relativ<strong>os</strong><br />

a<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes, mas igualmente n<strong>os</strong> menores at<strong>os</strong> da vida individual e da vida em comum. A<br />

palavra confundiu-se com o próprio movimento revolucionário português <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> ag<strong>os</strong>to <strong>de</strong><br />

1820, que, ao preten<strong>de</strong>r colocar por terra <strong>os</strong> alicerces <strong>do</strong> Antigo Regime, foi visto como “o<br />

triunfo completo da razão, da humanida<strong>de</strong>, da justiça, da honra, da liberda<strong>de</strong> e da diginida<strong>de</strong><br />

portuguesa”. 29 A partir <strong>de</strong>ssa nova percepção, o conceito iria ligar-se cada vez mais à maneira<br />

<strong>de</strong> pensar resultante d<strong>os</strong> quadr<strong>os</strong> mentais da Ilustração, em que a liberda<strong>de</strong> absoluta era<br />

consi<strong>de</strong>rada uma quimera. As bases da Constituição Política da monarquia portuguesa <strong>de</strong><br />

1821 m<strong>os</strong>traram-se bastante específicas nesse senti<strong>do</strong>, <strong>de</strong>finin<strong>do</strong> o conceito, inspira<strong>do</strong> em<br />

Montesquieu, sob seu aspecto jurídico e político: “A liberda<strong>de</strong> consiste na faculda<strong>de</strong> que<br />

compete a cada um <strong>de</strong> fazer tu<strong>do</strong> o que a lei não proíbe. A conservação <strong>de</strong>sta liberda<strong>de</strong><br />

26. A primeira <strong>de</strong>finição encontra-se em Carta <strong>de</strong> André Mame<strong>de</strong> ao seu amigo Braz Barnabé na qual se explica<br />

o que são corcundas, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Tip. Régia, 1821, p. 5; para a segunda, cf. J. Lopes <strong>de</strong> Lima, Diccionario<br />

corcundativo..., op. cit., p. 5. Para o uso da palavra corcunda no vocabulário político e social da época, ver,<br />

ainda, J<strong>os</strong>é Honório Rodrigues, In<strong>de</strong>pendência: revolução ... (vol. 1), op. cit., pp. 54-56.<br />

27. Para o termo corcunda como sinônimo <strong>de</strong> português, ver Sentinela da liberda<strong>de</strong> à beira mar da Praia<br />

Gran<strong>de</strong>, n. 17, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 23 set. 1823 e “Cartas Andradinas”, Anais da Biblioteca Nacional, vol. 14, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, 1890, p. 40.<br />

28. Antonio <strong>de</strong> Morais Silva, Dicionário da língua portuguesa, v. 1, Lisboa, Tip. Lacerdina, 1813, p. 221; e<br />

Reflexões fil<strong>os</strong>óficas sobre a liberda<strong>de</strong> e a igualda<strong>de</strong>, reimpresso no Rio <strong>de</strong> Janeiro, Tip. Real, 1821. p. 2.<br />

29. Génio constitucional, n. 4, Porto, 5 out. 1820.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da exata observância das leis”. 30 Idéia semelhante veiculou-se no Brasil em uma<br />

proclamação a<strong>os</strong> seus habitantes, após o movimento constitucional <strong>de</strong> 1821 no Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

“O dia 26 <strong>de</strong> fevereiro foi o mais brilhante, que tem raia<strong>do</strong> no v<strong>os</strong>so hemisfério, <strong>de</strong>pois que<br />

no dia 24 <strong>de</strong> ag<strong>os</strong>to a Nação portuguesa reclamou <strong>os</strong> seus direit<strong>os</strong>, quebrou <strong>os</strong> ferr<strong>os</strong>, que a<br />

oprimiam, e fez renascer a liberda<strong>de</strong>”. 31 No final <strong>de</strong> 1822, por fim, já no contexto <strong>do</strong><br />

separatismo, associou-se a<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> que o povo <strong>de</strong>via usufruir em relação à antiga<br />

metrópole, julgan<strong>do</strong>-se que “a cabala antibrasílica [...], bem longe <strong>de</strong> conseguir o seu<br />

<strong>de</strong>prava<strong>do</strong> intento, não tem feito mais que acelerar a marcha <strong>de</strong> n<strong>os</strong>sa liberda<strong>de</strong> política e a<br />

glória sem par <strong>do</strong> Gran<strong>de</strong> Defensor <strong>do</strong> Brasil, o Senhor d. Pedro <strong>de</strong> Alcântara”. 32 E, nesse<br />

senti<strong>do</strong>, para ser respeitada e consi<strong>de</strong>rada como um d<strong>os</strong> principais direit<strong>os</strong> individuais <strong>do</strong><br />

cidadão, precisava ser garantida por meio <strong>de</strong> uma Constituição e através <strong>de</strong> medidas e <strong>de</strong><br />

providências governamentais que assegurassem a estabilida<strong>de</strong>, o s<strong>os</strong>sego e a união.<br />

À liberda<strong>de</strong>, associava-se a Constituição, como o instrumento capaz <strong>de</strong> realizar, na<br />

prática, essa aspiração. Símbolo igualmente da Regeneração vintista, a palavra exprimia o<br />

anseio político das elites política e intelectual, tanto <strong>do</strong> Brasil, quanto <strong>de</strong> Portugal. “Cortes e<br />

Constituição” foi o “grito d<strong>os</strong> portugueses” que ecoou por to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> luso e retumbou em<br />

terras brasileiras. 33 Reunia em si tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> atribut<strong>os</strong> exigid<strong>os</strong> para solucionar <strong>os</strong> principais<br />

problemas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> luso-brasileiro e chegava a assumir um po<strong>de</strong>r quase mágico, como nessa<br />

oração <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> graças, por ocasião <strong>do</strong> primeiro aniversário <strong>do</strong> movimento <strong>de</strong> 1820,<br />

proferida por um cônego da Real Capela, no Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Constituição, senhores, é o baluarte da inocência, o prêmio <strong>do</strong> merecimento, a hipoteca da segurança<br />

pública, o fia<strong>do</strong>r da proprieda<strong>de</strong> individual, o sacrário da bem entendida liberda<strong>de</strong>, o refúgio d<strong>os</strong><br />

miseráveis, o brasão <strong>do</strong> sábio, o pergaminho da verda<strong>de</strong>ira nobreza da nação. Constituição é a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>, o apoio <strong>do</strong> trono, a escala da gran<strong>de</strong>za, a melhor herança <strong>do</strong> povo, o nível da perfeita igualda<strong>de</strong><br />

cívica. Constituição é o código universal da socieda<strong>de</strong>, a regra infalível da justiça, o Evangelho político<br />

da Nação, o compêndio <strong>de</strong> todas as obrigações, o manual cotidiano <strong>do</strong> cidadão. 34<br />

A Constituição transformava-se na “mais saudável medicina para curar n<strong>os</strong>sas<br />

graves enfermida<strong>de</strong>s”, 35 <strong>de</strong>finin<strong>do</strong>-se, assim, por seu intermédio, <strong>os</strong> principais valores<br />

daquela nova cultura política: uma monarquia constitucional sustentada pela Igreja;<br />

uma socieda<strong>de</strong> em que se distinguiam <strong>os</strong> homens ilustrad<strong>os</strong>, cujo papel era o <strong>de</strong><br />

orientar a opinião pública; uma liberda<strong>de</strong> e uma igualda<strong>de</strong> restritas ao plano da lei;<br />

uma visão-<strong>de</strong>-mun<strong>do</strong>, por causa <strong>de</strong> uma secularização incompleta, incapaz <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>svincular-se da <strong>do</strong>utrina cristã para constituir-se em i<strong>de</strong>ologia. 36<br />

30. “Bases da Constituição Política da Monarquia Portuguesa” (1821), apud Joel Serrão (int. e notas),<br />

Liberalismo, socialismo, republicanismo. Antologia <strong>de</strong> pensamento político português, 2. ed., Lisboa, Livr<strong>os</strong><br />

Horizonte, 1979, p. 66. Para o conceito <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> em Montesquieu, ver De l’esprit <strong>de</strong>s lois, v. 1, Paris,<br />

Garnier, 1949, p. 162.<br />

31. Proclamação [Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imp . Régia, 1821], f. 1.<br />

32. Gazeta <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, n.142, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 26 nov. 1822.<br />

33. Instruções para a inteligência d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> nas próximas eleições <strong>de</strong> eleitores e <strong>de</strong>putad<strong>os</strong> <strong>de</strong> Cortes,<br />

reimpresso no Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imp. Nacional, 1822, p. 1.<br />

34. Oração <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> graças que na solenida<strong>de</strong> <strong>do</strong> aniversário <strong>do</strong> dia 24 <strong>de</strong> ag<strong>os</strong>to mandada fazer na Real<br />

Capela <strong>de</strong>sta corte por Sua Alteza Real, o Príncipe Regente <strong>do</strong> Brasil, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imp. Régia, 1821, p. 18.<br />

35. Segunda parte <strong>do</strong> novo mestre periodiqueiro ou segun<strong>do</strong> diálogo <strong>de</strong> um sebastianista, um <strong>do</strong>utor e um<br />

ermitão, sobre o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ganhar dinheiro no tempo presente, Lisboa, Imp. <strong>de</strong> Galhar<strong>do</strong>, 1821, p. 20.<br />

36. Para o conceito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia, ver F. Furet & J. Ozouf, “Trois siècles <strong>de</strong> métissage culturel”, Annales,<br />

Économies, Sociétés, Civilisations, v. 32, n. 3, Paris, mai-juin 1977, pp. 488-502.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

Se, inicialmente, <strong>os</strong> jornais e folhet<strong>os</strong> que circularam na América permitiram o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> um diálogo entre as elites brasileira e portuguesa, que não colocou em<br />

questão a integrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Reino Uni<strong>do</strong>, <strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong> em Portugal no final <strong>de</strong> 1821,<br />

ligad<strong>os</strong> às medidas das Cortes portuguesas em relação ao Brasil, trouxeram uma mudança nas<br />

palavras e nas idéias e conduziram a um novo i<strong>de</strong>ário, relaciona<strong>do</strong> a algumas prop<strong>os</strong>tas <strong>de</strong><br />

separatismo. Prop<strong>os</strong>tas, no entanto, que foram formuladas a partir <strong>de</strong> distintas leituras daquela<br />

cultura política, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com experiências também diversas daqueles que constituíam as<br />

elites intelectual e política da antiga colônia.<br />

De um la<strong>do</strong>, situava-se aquela que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> elite coimbrã. 37 Forma<strong>do</strong><br />

por element<strong>os</strong> que tinham freqüenta<strong>do</strong>, em sua maioria, a Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, esse<br />

grupo estava imbuí<strong>do</strong> <strong>do</strong> i<strong>de</strong>al reforma<strong>do</strong>r c<strong>os</strong>mopolita molda<strong>do</strong> pelas pragmáticas, ainda que<br />

mitigadas, Luzes portuguesas. Eram capazes <strong>de</strong> criticar as práticas <strong>do</strong> Antigo Regime e <strong>de</strong><br />

simpatizar com o i<strong>de</strong>ário <strong>de</strong> um liberalismo mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>, que conservava a figura <strong>do</strong> rei como<br />

representante da nação, mas também <strong>de</strong> manifestar a mais completa <strong>de</strong>sconfiança em relação<br />

a qualquer procedimento que lembrasse <strong>os</strong> horrores da Revolução Francesa. Criad<strong>os</strong> no<br />

círculo reformista da chamada Geração <strong>de</strong> 1790, que se formara em torno <strong>de</strong> Rodrigo <strong>de</strong><br />

Souza Coutinho, partilhavam ainda com este influente personagem (1796-1803 e 1807-1812)<br />

da regência <strong>de</strong> d. João (1792-1816), a concepção <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> império luso-brasileiro, ten<strong>do</strong><br />

muit<strong>os</strong> <strong>de</strong> seus membr<strong>os</strong> exerci<strong>do</strong> funções públicas em Portugal e no Brasil, como J<strong>os</strong>é<br />

Bonifácio <strong>de</strong> Andrada e Silva, Hipólito J<strong>os</strong>é da C<strong>os</strong>ta, Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt<br />

e Sá (o fam<strong>os</strong>o Inten<strong>de</strong>nte Câmara), J<strong>os</strong>é da Silva Lisboa, o bispo Azere<strong>do</strong> Coutinho e<br />

outr<strong>os</strong>. 38<br />

Do outro la<strong>do</strong>, colocava-se o grupo a que se po<strong>de</strong>ria chamar, aproveitan<strong>do</strong>-se o<br />

adjetivo utiliza<strong>do</strong> por Hipólito para seu jornal, <strong>de</strong> elite brasiliense. Majoritariamente formada<br />

por indivídu<strong>os</strong> que haviam nasci<strong>do</strong> no Brasil – mas não exclusivamente, como indica o caso<br />

<strong>de</strong> J<strong>os</strong>é Clemente Pereira – comportava, além <strong>de</strong> leig<strong>os</strong>, como Joaquim Gonçalves Le<strong>do</strong> e<br />

Cipriano Barata, um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> padres, como Januário da Cunha Barb<strong>os</strong>a, Diogo Feijó<br />

e J<strong>os</strong>é <strong>de</strong> Alencar. Em geral, <strong>de</strong>sprovid<strong>os</strong> <strong>de</strong> contat<strong>os</strong> diret<strong>os</strong> com o exterior, m<strong>os</strong>travam-se<br />

men<strong>os</strong> <strong>do</strong>utrinad<strong>os</strong> por vias formais e mais abert<strong>os</strong> às idéias <strong>do</strong> pensamento francês, a que<br />

tinham ti<strong>do</strong> acesso por intermédio da leitura, nem sempre disciplinada, d<strong>os</strong> livr<strong>os</strong> proibid<strong>os</strong>,<br />

introduzid<strong>os</strong> sob o capote, para ludibriar a censura. Sentiam-se, por isso, men<strong>os</strong><br />

comprometid<strong>os</strong> com a concepção <strong>do</strong> império luso-brasileiro <strong>de</strong> d. Rodrigo e tendiam a a<strong>do</strong>tar<br />

p<strong>os</strong>turas políticas mais radicais, i<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong> suas maiores obrigações com a pequena pátria<br />

local em que tinham nasci<strong>do</strong> ou com as aspirações mais <strong>de</strong>mocráticas <strong>de</strong> uma tênue camada<br />

média, que a longa permanência da Corte no Rio <strong>de</strong> Janeiro havia <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>. Por<br />

conseguinte, embora men<strong>os</strong> articulad<strong>os</strong> <strong>do</strong> que <strong>os</strong> coimbrã<strong>os</strong>, mais facilmente <strong>do</strong> que estes,<br />

transformaram-se n<strong>os</strong> i<strong>de</strong>ólog<strong>os</strong> <strong>do</strong> separatismo brasileiro. 39<br />

Apesar disso, a idéia separatista no Brasil, consi<strong>de</strong>rada uma medida extrema que se<br />

<strong>de</strong>via evitar, não se <strong>de</strong>svencilhou logo <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r<strong>os</strong>o ímã constituí<strong>do</strong> pela concepção <strong>do</strong><br />

império luso-brasileiro e pela prop<strong>os</strong>ta <strong>de</strong> união que ele pressupunha. Ainda nas vésperas <strong>do</strong><br />

oficial dia 7 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1822, <strong>de</strong>pois da convocação <strong>de</strong> uma assembléia brasílica e d<strong>os</strong><br />

37. R. Barman, Brazil: the forging of a nation (1798-1852), Stanford, University Press, 1988, pp. 76-7, utiliza o<br />

conceito <strong>de</strong> “elite luso-brasileira” para caracterizar esse grupo.<br />

38. Cf. K. Maxwell, “A geração <strong>de</strong> 1790 e a idéia <strong>do</strong> império luso-brasileiro”, in Chocolate, piratas e outr<strong>os</strong><br />

malandr<strong>os</strong>. Ensai<strong>os</strong> tropicais, São Paulo, Paz e Terra, 1999, pp. 157-207 e Maria Odila da S. Dias, “Aspect<strong>os</strong> da<br />

Ilustração no Brasil”, Revista <strong>do</strong> Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro , v. 278, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1968, pp.<br />

105-170.<br />

39. Cf. R. Barman, Brazil: the Forging ..., op. cit., pp. 77-79; J<strong>os</strong>é Murilo <strong>de</strong> Carvalho, A construção da or<strong>de</strong>m:<br />

a elite política imperial, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Campus, 1980, pp. 69-70. Para o conceito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ólog<strong>os</strong>, utilizou-se<br />

Georges Gus<strong>do</strong>rf, La conscience révolutionnaire: les idéologues, Paris, Payot, 1978, pp. 21-38 e 41-50.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

manifest<strong>os</strong> <strong>de</strong> ag<strong>os</strong>to, mesmo jornais mais radicais, como o Revérbero Constitucional<br />

Fluminense, relutavam em assumir o papel <strong>de</strong> arauto da in<strong>de</strong>pendência.<br />

Ainda nenhum brasileiro disse: eu não quero constituição; nenhum exclamou também: separemo-n<strong>os</strong> da<br />

Mãe Pátria; mas o capricho <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>putad<strong>os</strong> nas Cortes <strong>de</strong> Lisboa tem-n<strong>os</strong> gran<strong>de</strong>mente<br />

aproxima<strong>do</strong> <strong>de</strong> um termo, em que <strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong> tod<strong>os</strong> gritarem<strong>os</strong> unânimes: tem<strong>os</strong> pátria, tem<strong>os</strong><br />

constituição, tem<strong>os</strong> rei e bastante <strong>de</strong>no<strong>do</strong> para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rm<strong>os</strong> a n<strong>os</strong>sa liberda<strong>de</strong>, para conservarm<strong>os</strong> as<br />

n<strong>os</strong>sas leis e a n<strong>os</strong>sa política glori<strong>os</strong>a <strong>de</strong> representação nacional. 40<br />

Na realida<strong>de</strong>, ao contrário <strong>do</strong> que a historiografia c<strong>os</strong>tuma sustentar, as Cortes não<br />

foram instaladas com o objetivo específico <strong>de</strong> recolonizar o Brasil, mas sim <strong>de</strong> preservar e<br />

regenerar Portugal, aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> pela coroa em 1807. 41 Inicialmente, temen<strong>do</strong> as represálias<br />

que d. João VI po<strong>de</strong>ria a<strong>do</strong>tar com a ajuda da Santa Aliança, elas preferiram, inclusive,<br />

ignorar a antiga colônia. P<strong>os</strong>teriormente, uma outra perspectiva ganhou corpo, servin<strong>do</strong> para<br />

encobrir o <strong>de</strong>sejo, cada vez mais explícito, <strong>de</strong> recuperar uma hegemonia portuguesa no<br />

interior <strong>do</strong> Império. Essa política integra<strong>do</strong>ra, em que o Reino Uni<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> significar a<br />

união <strong>de</strong> <strong>do</strong>is rein<strong>os</strong> distint<strong>os</strong>, para compreen<strong>de</strong>r uma única entida<strong>de</strong> política, da qual o<br />

Congresso se tornava o símbolo, substituin<strong>do</strong> a figura <strong>do</strong> rei, foi <strong>de</strong>fendida por Manuel<br />

Fernan<strong>de</strong>s Tomás, um d<strong>os</strong> lí<strong>de</strong>res <strong>do</strong> Vintismo português. Segun<strong>do</strong> ele, não havia “distinção<br />

entre o Brasil e Portugal; tu<strong>do</strong> é o mesmo: e estas Cortes nem fazem, nem <strong>de</strong>vem fazer<br />

diferença <strong>de</strong> interesses <strong>de</strong>sta ou daquela província”. E acrescentava: “A soberania é igual para<br />

tod<strong>os</strong>, e para tod<strong>os</strong> são iguais <strong>os</strong> benefíci<strong>os</strong>: pensar <strong>de</strong> outro mo<strong>do</strong> até é in<strong>de</strong>cor<strong>os</strong>o”. 42<br />

Em junho <strong>de</strong> 1821, em carta a seu pai, d. Pedro ainda solicitava a dispensa <strong>do</strong><br />

“emprego” <strong>de</strong> regente <strong>de</strong> que fora investi<strong>do</strong>, reconhecen<strong>do</strong> “o triste e lastimável esta<strong>do</strong>” a que<br />

estava reduzida a província <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, cujas finanças tinham fica<strong>do</strong> dilapidadas <strong>de</strong>pois<br />

que a “se<strong>de</strong> da monarquia [revertera] ao seu primitivo e antiquíssimo berço e todas as<br />

províncias, como <strong>de</strong>viam, a<strong>de</strong>riram à causa nacional”, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>, portanto, <strong>de</strong> contribuir para o<br />

erário. 43 Entretanto, um pouco <strong>de</strong>pois, a prop<strong>os</strong>ta integra<strong>do</strong>ra das Cortes traduziu-se n<strong>os</strong><br />

<strong>de</strong>cret<strong>os</strong> <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> setembro, que referendavam Juntas Provinciais diretamente subordinadas a<br />

Lisboa e exigiam o retorno <strong>do</strong> príncipe a Portugal. A chegada <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>spertou a<br />

insatisfação das elites locais e colocou d. Pedro, que jamais manifestara simpatia pela<br />

pretensão <strong>do</strong> Soberano Congresso <strong>de</strong> colocar-se acima da Coroa, diante <strong>do</strong> mesmo dilema<br />

vivi<strong>do</strong> por seu pai n<strong>os</strong> iníci<strong>os</strong> <strong>de</strong> 1821. Cumpria obe<strong>de</strong>cer à convocação e retornar a Lisboa<br />

ou, rejeitan<strong>do</strong>-a, ousar construir, no Brasil, uma monarquia mais próxima <strong>de</strong> suas concepções<br />

e em sintonia com o mo<strong>de</strong>lo prop<strong>os</strong>to pela elite coimbrã? 44<br />

Nesse momento, <strong>de</strong> fato, não faltaram queixas contra <strong>os</strong> at<strong>os</strong> das Cortes. Na coleção<br />

<strong>de</strong> escrit<strong>os</strong> intitulada Reclamação <strong>do</strong> Brasil, sob o pseudônimo <strong>de</strong> o Fiel da Nação, J<strong>os</strong>é da<br />

40. Revérbero Constitucional Fluminense, n. 15, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 3 set. 1822.<br />

41. Para a visão da historiografia brasileira, ver J<strong>os</strong>é Honório Rodrigues, In<strong>de</strong>pendência: revolução ..., op. cit., v.<br />

1, pp. 76-80, ao qual se opõem: R. Barmam, Brazil: the Forging of ..., op. cit., p. 73ss; M. Valentim Alexandre,<br />

Os sentid<strong>os</strong> <strong>do</strong> Império ..., op. cit., pp. 551-553; Iara Lis C. Souza, Pátria coroada: o Brasil como corpo político<br />

autônomo – 1780-1831, São Paulo, UNESP, 1999; Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Viana Lyra, A utopia <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r<strong>os</strong>o império,<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, Sette Letras, 1994 e Lúcia Maria Bast<strong>os</strong> P. Neves, “O império luso-brasileiro re<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>: o<br />

<strong>de</strong>bate político da in<strong>de</strong>pendência (1820-1822)”, Revista <strong>do</strong> Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 156, n.<br />

387, Rio <strong>de</strong> Janeiro, pp. 297-307, 1995-1996.<br />

42. Diário das Cortes, sessão <strong>de</strong> 14 jun. 1821, p. 1214.<br />

43. Carta <strong>de</strong> d. Pedro a seu pai, in Cybelle Ipanema (text o e notas), D. Pedro I. Proclamações, cartas e artig<strong>os</strong><br />

<strong>de</strong> imprensa, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imprensa Nacional, 1973, pp. 231-235.<br />

44. Para essa questão, ver as expressões <strong>de</strong> d. Pedro em carta a seu pai, in Cybelle Ipanema (texto e notas), D.<br />

Pedro I ..., op. cit., p. 313 e o folheto Le roi et la famille royale <strong>de</strong> Bragance <strong>do</strong>ivent-ils, dans les circonstances<br />

présentes, retourner en Portugal, ou bien rester au Brésil? Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imprensa Régia, 1821.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

Silva Lisboa insistiu que o “direito <strong>de</strong> reclamação, queixa e petição, nunca se negou, ainda em<br />

Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>spótico, quanto mais em monarquia constitucional”, pedin<strong>do</strong> ao príncipe que não<br />

aban<strong>do</strong>nasse a “estância <strong>de</strong> honra que a Providência o colocou” e que emprestasse seu<br />

amparo, com “mão vigor<strong>os</strong>a”, para evitar a queda <strong>do</strong> Império brasílico. Embora houvesse<br />

passa<strong>do</strong> o tempo <strong>de</strong> “engana, menin<strong>os</strong>”, que “<strong>os</strong> arquitet<strong>os</strong> das ruínas” tentavam impor ao<br />

Brasil com expedientes que não visavam senão ao sistema “<strong>de</strong> terror, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezo,<br />

especialmente da capital <strong>de</strong>ste Reino”, continuava propugnan<strong>do</strong> por “uma união <strong>de</strong> tod<strong>os</strong> <strong>os</strong><br />

portugueses <strong>de</strong> amb<strong>os</strong> <strong>os</strong> hemisféri<strong>os</strong>”. 45<br />

Dessa forma, ainda que aponta<strong>do</strong> pela historiografia como ponto <strong>de</strong> partida para a<br />

“revolução da in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> Brasil”, e não obstante as conotações separatistas, a célebre<br />

proclamação <strong>de</strong> d. Pedro em 9 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1822, o Dia <strong>do</strong> Fico, se implicava em<br />

<strong>de</strong>sobediência às Cortes e a seu pai, conservava uma ambigüida<strong>de</strong> fundamental. 46 Para uma<br />

parte das elites, pelo men<strong>os</strong>, não <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> significar uma tentativa <strong>de</strong> preservar o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong><br />

um único império luso-brasileiro e, para o príncipe regente, a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assumir um<br />

papel que o congresso lisboeta negava a d. João. Nem para <strong>os</strong> primeir<strong>os</strong>, nem para d. Pedro,<br />

porém, representava um comprometimento <strong>de</strong>finitivo com a in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> Brasil.<br />

Paralelamente, cartas e artig<strong>os</strong> lusitan<strong>os</strong> que exaltavam a superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Portugal em<br />

relação ao Brasil, acirravam a anim<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> entre as elites d<strong>os</strong> <strong>do</strong>is lad<strong>os</strong> <strong>do</strong> Atlântico. A<br />

campanha foi iniciada, ainda em 1821, por uma Carta <strong>do</strong> compadre <strong>de</strong> Lisboa em resp<strong>os</strong>ta a<br />

outra <strong>do</strong> compadre <strong>de</strong> Belém ou juízo crítico sobre a opinião pública dirigida pelo 'Astro da<br />

Lusitânia'. Apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r alguns princípi<strong>os</strong> liberais, o panfleto, sem assinatura,<br />

concentrava-se em discutir o lugar da se<strong>de</strong> da monarquia, dan<strong>do</strong> preferência a Portugal e<br />

consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que, se isto não ocorresse, este permaneceria como colônia <strong>do</strong> Brasil. Afirmava,<br />

por meio <strong>de</strong> uma comparação física, a superiorida<strong>de</strong> lusitana, reduzin<strong>do</strong> o Brasil a “um<br />

gigante, em verda<strong>de</strong>, mas sem braç<strong>os</strong>, nem pernas; não falan<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu clima ar<strong>de</strong>nte e pouco<br />

sadio, o Brasil está hoje reduzi<strong>do</strong> a umas poucas hordas <strong>de</strong> negrinh<strong>os</strong>, pescad<strong>os</strong> nas c<strong>os</strong>tas da<br />

África”. 47 Em compensação, Portugal era o “Jardim das Hespéri<strong>de</strong>s, <strong>os</strong> Elísi<strong>os</strong>, <strong>de</strong>ste pequeno<br />

mun<strong>do</strong> chama<strong>do</strong> Europa”, que concentrava em si todas as <strong>de</strong>lícias e prazeres da terra. Assim<br />

sen<strong>do</strong>, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria fixar-se o monarca? Na “terra d<strong>os</strong> macac<strong>os</strong>, d<strong>os</strong> pret<strong>os</strong> e das serpentes”<br />

ou no “país <strong>de</strong> gente branca, d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> civilizad<strong>os</strong> e amantes <strong>de</strong> seu soberano”? Indignad<strong>os</strong>,<br />

element<strong>os</strong> das elites luso-brasileiras respon<strong>de</strong>ram com uma série <strong>de</strong> escrit<strong>os</strong>, dan<strong>do</strong> início a<br />

uma guerra “mais <strong>de</strong> pena, que <strong>de</strong> língua ou <strong>de</strong> espada”. 48<br />

Em Portugal, Joaquim J<strong>os</strong>é Pedro Lopes refutou o Compadre <strong>de</strong> Lisboa em tom<br />

sereno, com as Reflexões sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> promover a união d<strong>os</strong> estad<strong>os</strong> <strong>de</strong> que consta<br />

o Reino-Uni<strong>do</strong> <strong>de</strong> Portugal, Brasil e Algarve nas quatro partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, saídas em 1822. 49<br />

No Brasil, <strong>de</strong>signan<strong>do</strong>-se um Portuense Imparcial, o autor <strong>de</strong> um folheto, português <strong>de</strong><br />

nascimento, propôs-se a empreen<strong>de</strong>r o <strong>de</strong>sagravo das ofensas perpetradas por “um gárrulo<br />

mesquinho, um <strong>de</strong>clama<strong>do</strong>r insolente, um verme obscuro, que <strong>de</strong>baixo <strong>do</strong> chocarreiro nome<br />

<strong>de</strong> compadre <strong>de</strong> Lisboa ousou enxovalhar o país”, “men<strong>os</strong>cabar” <strong>os</strong> direit<strong>os</strong> d<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong> e<br />

45. Reclamação <strong>do</strong> Brasil, parte 1, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imprensa Nacional, 1822.<br />

46. Quanto ao Fico como passo inicial para a in<strong>de</strong>pendência, cf. J<strong>os</strong>é Honório Rodrigues, In<strong>de</strong>pendência:<br />

revolução ..., (v. 1). p. 210; Barb<strong>os</strong>a Lima Sobrinho, Pernambuco: da In<strong>de</strong>pendência à Confe<strong>de</strong>ração <strong>do</strong><br />

Equa<strong>do</strong>r, Recife, Conselho Estadual <strong>de</strong> Cultura, 1979, p. 33.<br />

47. Carta <strong>do</strong> compadre <strong>de</strong> Lisboa em resp<strong>os</strong>ta a outra <strong>do</strong> compadre <strong>de</strong> Belém ou juízo crítico sobre a opinião<br />

pública dirigida pelo ‘Astro da Lusitânia’, reimpresso no Rio <strong>de</strong> Janeiro, Tip. Real, 1821, p. 15-16.<br />

48. “Carta <strong>do</strong> Sacristão <strong>de</strong> Tambi ao estudante Constitucional <strong>do</strong> Rio”, in Revérbero Constitucional Fluminense,<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, n. 9, 8 jan. 1822.<br />

49. Cf. Rubens Borba <strong>de</strong> Moraes e Anna Maria <strong>de</strong> Almeida Camargo, Bibliografia da Impressão Régia <strong>do</strong> Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro (1808-1822), São Paulo, USP/K<strong>os</strong>m<strong>os</strong>, 1993, v. 1, pp. 254-255.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

“insultar” a família brasileira. Reduzia o autor da carta a um “filho bastar<strong>do</strong>, ignorante<br />

informa<strong>do</strong>r” <strong>do</strong> que não conhecia, sen<strong>do</strong> sua opinião única e isolada, pois <strong>os</strong> portugueses<br />

<strong>de</strong>fendiam “<strong>os</strong> víncul<strong>os</strong> <strong>de</strong> sangue, <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e <strong>do</strong> interesse” em relação ao Brasil.<br />

Encerrava seu escrito, proclaman<strong>do</strong> a unida<strong>de</strong> e “<strong>os</strong> esforç<strong>os</strong> comuns” para a construção <strong>do</strong><br />

“gran<strong>de</strong> edifício da in<strong>de</strong>pendência legislada”. 50<br />

Em outro folheto, cuja autoria é atribuída ao padre Luís Gonçalves d<strong>os</strong> Sant<strong>os</strong> e que<br />

alcançou duas edições, a primeira ainda em setembro <strong>de</strong> 1821 e a outra em 1822, o autor<br />

respon<strong>de</strong>u investin<strong>do</strong> contra a “produção infame, parto da inveja e <strong>do</strong> ódio, que ataca o n<strong>os</strong>so<br />

país e seus habitantes” e enaltecen<strong>do</strong> as riquezas e o povo <strong>do</strong> Brasil, comp<strong>os</strong>to por branc<strong>os</strong><br />

nobres, colon<strong>os</strong> suíç<strong>os</strong>, índi<strong>os</strong>, pard<strong>os</strong>, negr<strong>os</strong> e crioul<strong>os</strong>. Julgava ainda um absur<strong>do</strong> o <strong>de</strong>sejo<br />

<strong>de</strong> fazer “o Brasil voltar para o antigo esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> colônia, pois transformara-se em um Reino e<br />

“continuará a ser um Reino e um grão-Reino uni<strong>do</strong> ao <strong>de</strong> Portugal, pel<strong>os</strong> laç<strong>os</strong> indissolúveis<br />

<strong>do</strong> sangue, da religião, <strong>de</strong> mútu<strong>os</strong> interesses e, sobretu<strong>do</strong>” – apega<strong>do</strong> que era a uma percepção<br />

característica <strong>do</strong> Antigo Regime – “pela fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao seu rei”. Não lhe ocorria, porém,<br />

qualquer alusão, mesmo que velada, à p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma rutura com Portugal. 51 Em tom<br />

semelhante, uma outra carta “em <strong>de</strong>fesa d<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong> insultad<strong>os</strong>” veio à luz na mesma<br />

época, <strong>de</strong>screven<strong>do</strong> igualmente as riquezas incomensuráveis <strong>do</strong> Brasil e acrescentan<strong>do</strong> que o<br />

“epíteto brasileiro ou mineiro, que vale o mesmo, começou a ser em Portugal o sinônimo <strong>de</strong><br />

abasta<strong>do</strong>”. Por “razões <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>”, o Brasil merecia “<strong>de</strong> toda a Europa muito maior<br />

consi<strong>de</strong>ração política <strong>do</strong> que Portugal jamais tivera” e, por conseguinte, era límpida e clara a<br />

resp<strong>os</strong>ta à questão formulada pelo compadre <strong>de</strong> Lisboa, sen<strong>do</strong> o Reino <strong>do</strong> Brasil o local mais<br />

a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> para a se<strong>de</strong> da monarquia luso-brasileira. E concluía com a afirmação <strong>de</strong> que <strong>os</strong><br />

ataques <strong>de</strong>viam ser <strong>de</strong>sprezad<strong>os</strong>, a fim <strong>de</strong> que pr<strong>os</strong>seguissem tod<strong>os</strong> “sempre unid<strong>os</strong> com<br />

víncul<strong>os</strong> mais estreit<strong>os</strong> ao n<strong>os</strong>so bom Portugal”. 52<br />

Somadas às medidas das Cortes, inspiradas pela perspectiva integra<strong>do</strong>ra, e a<strong>os</strong><br />

interesses própri<strong>os</strong> <strong>de</strong> d. Pedro, essas anim<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>s, que <strong>de</strong>spertavam antigas insatisfações <strong>de</strong><br />

colon<strong>os</strong> em relação à metrópole, contribuíram para carregar cada vez mais a atm<strong>os</strong>fera ao<br />

longo <strong>de</strong> 1822. E conduziram a uma gradual <strong>de</strong>silusão com a prop<strong>os</strong>ta <strong>de</strong> um único império.<br />

Embora <strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong> f<strong>os</strong>sem “indulgentes e gener<strong>os</strong><strong>os</strong>”, “maus irmã<strong>os</strong>” lhes tinham ofendi<strong>do</strong><br />

além d<strong>os</strong> “limites <strong>do</strong> perdão”, percepção esta que tendia a valorizar a atitu<strong>de</strong> rebel<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

príncipe regente <strong>de</strong> permanecer no Brasil, transforman<strong>do</strong>-o em “salva<strong>do</strong>r da Pátria”, no<br />

“liberalíssimo e fi<strong>de</strong>líssimo assertor e vinga<strong>do</strong>r” <strong>do</strong> sistema constitucional, que promovia a<br />

união e tranqüilida<strong>de</strong> da nação portuguesa, ao mesmo tempo que o colocava no centro <strong>de</strong><br />

reunião <strong>de</strong> “todas províncias, que já dão pass<strong>os</strong> com o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> fazerem em roda <strong>do</strong> trono<br />

uma muralha impreterível e inconquistável”. 53<br />

De forma semelhante, em Portugal, uma representação da província <strong>de</strong> São Paulo, que<br />

<strong>de</strong>nunciava o “inaudito <strong>de</strong>spotismo” das Cortes ao promulgar <strong>os</strong> <strong>de</strong>cret<strong>os</strong> <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />

1821, gerou um longo <strong>de</strong>bate na Comissão Especial d<strong>os</strong> Negóci<strong>os</strong> Polític<strong>os</strong> <strong>do</strong> Brasil. Alguns<br />

<strong>de</strong>putad<strong>os</strong> consi<strong>de</strong>ravam que, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o i<strong>de</strong>ário liberal, uma das partes <strong>do</strong> Reino<br />

po<strong>de</strong>ria preferir não aceitar o novo “pacto social”. Entre eles, encontrava-se Manuel<br />

50. Discurso que em <strong>de</strong>sagravo a<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong> ofendid<strong>os</strong> pelo compadre <strong>de</strong> Lisboa na sua carta impolítica<br />

dirigida ao compadre <strong>de</strong> Belém, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imprensa Nacional, 1821, pp. 3 e 4.<br />

51. Justa retribuição dada ao Compadre <strong>de</strong> Lisboa em <strong>de</strong>sagravo a<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong> ofendid<strong>os</strong> por várias asserções<br />

que escreveu em sua carta em resp<strong>os</strong>ta ao Compadre <strong>de</strong> Belém pelo filho <strong>do</strong> Compadre <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro que a<br />

oferece e <strong>de</strong>dica a seus patríci<strong>os</strong>, 2. ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imprensa Nacional, 1822, pp. 51, 52, 54 e 57.<br />

52. Carta que em <strong>de</strong>fesa d<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong> insultad<strong>os</strong> escreve ao sacristão <strong>de</strong> Carari o estudante constitucional,<br />

amigo <strong>do</strong> filho <strong>do</strong> compadre <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imprensa Nacional, 1821, p. 3, 4, 5, 6, 7, 16 e 18.<br />

53. [Por um cidadão], Agra<strong>de</strong>cimento <strong>do</strong> povo ao salva<strong>do</strong>r da pátria, o senhor príncipe regente <strong>do</strong> reino <strong>do</strong><br />

Brasil, Rio <strong>de</strong> Janeiro, [Tip. Nacional], [1822], f. 1. A última citação foi retirada <strong>de</strong> Contra-proclamação feita à<br />

or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> dia da Praia Gran<strong>de</strong>, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imprensa Nacional, 1822, f. 1.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

Fernan<strong>de</strong>s Tomás, o qual argumentava que ou “o Brasil quer estar liga<strong>do</strong> com Portugal, ou<br />

não quer. Se quer, há <strong>de</strong> estar sujeito às leis que as Cortes fizerem; senão, <strong>de</strong>sligue-se”, pois<br />

seria in<strong>de</strong>cor<strong>os</strong>o que o Congresso <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> dicidir nessa matéria por temor <strong>de</strong> uma<br />

separação. Afinal, se ele “não quer unir-se a Portugal, como tem esta<strong>do</strong> sempre, acabem<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />

uma vez com isto: passe o Sr. Brasil muito [bem], que cá nós cuidarem<strong>os</strong> <strong>de</strong> n<strong>os</strong>sa vida”,<br />

frase que ficou vulgarizada na versão “A<strong>de</strong>us, Sr. Brasil”. 54<br />

O Brasil convertia-se no filho ingrato que recusava <strong>os</strong> benefíci<strong>os</strong> da regeneração<br />

política. O Parecer da Comissão Especial d<strong>os</strong> Negóci<strong>os</strong> Polític<strong>os</strong> <strong>do</strong> Brasil, apresenta<strong>do</strong> em<br />

18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1822, apontava nessa mesma direção. Escolhia uma solução <strong>de</strong> compromisso<br />

com a antiga colônia, permitin<strong>do</strong> a permanência <strong>de</strong> d. Pedro no Brasil até que ficasse pronta a<br />

Constituição, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se submetesse às or<strong>de</strong>ns das Cortes e <strong>de</strong> seu pai, mas <strong>do</strong>ravante o<br />

temor diante da rebeldia <strong>do</strong> príncipe só faria crescer. Her<strong>de</strong>iro da coroa, a sua manutenção<br />

<strong>de</strong>finitiva na América passava a constituir uma ameaça à pretendida hegemonia portuguesa no<br />

interior <strong>do</strong> império e ao próprio sistema liberal, pois na eventualida<strong>de</strong> da morte <strong>de</strong> d. João, <strong>os</strong><br />

“áulic<strong>os</strong> <strong>do</strong> Palácio <strong>de</strong> São Cristóvão” po<strong>de</strong>riam convencê-lo a conservar a se<strong>de</strong> da monarquia<br />

na América e a <strong>de</strong>spertar o fantasma <strong>do</strong> <strong>de</strong>spotismo ibérico. 55 Por isso, julgava-se que<br />

o <strong>de</strong>spotismo <strong>de</strong>sterra<strong>do</strong> <strong>de</strong> Portugal, forceja por estabelecer o seu assento no Rio <strong>de</strong> Janeiro: uma<br />

mancebo ambici<strong>os</strong>o e alucina<strong>do</strong>, à testa <strong>de</strong> um punha<strong>do</strong> <strong>de</strong> facci<strong>os</strong><strong>os</strong>, ousa contravir <strong>os</strong> <strong>de</strong>cret<strong>os</strong> das<br />

Cortes, [...]; ousa finalmente insultar a soberania da Nação e, portanto impor um jugo <strong>de</strong> ferro sobre a<br />

cerviz daqueles miseráveis pov<strong>os</strong>. [...] As Cortes <strong>de</strong>vem fazer sustentar <strong>os</strong> seus <strong>de</strong>cret<strong>os</strong>. 56<br />

De fato, na visão da antiga metrópole, ao <strong>de</strong>sacatar as or<strong>de</strong>ns e medidas <strong>do</strong> Soberano<br />

Congresso, d. Pedro transformava-se em um anticonstitucional, com projet<strong>os</strong> <strong>de</strong> fazer reverter<br />

ao Antigo Regime até mesmo Portugal. “A intriga está <strong>de</strong>rramada no Brasil; e brevemente<br />

grassará em Portugal e Espanha, sublevan<strong>do</strong> partid<strong>os</strong> contra a Constituição”, exclamava o<br />

Dita<strong>do</strong>r Brasílico, em um folheto intitula<strong>do</strong> Diálogo crítico d<strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong> polític<strong>os</strong> <strong>do</strong><br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, publica<strong>do</strong> em Portugal. O Dita<strong>do</strong>r, conheci<strong>do</strong> por Mano Zé, gabava-se <strong>de</strong> seus<br />

at<strong>os</strong>, intitulan<strong>do</strong>-se um “herói famigera<strong>do</strong>”, ao estilo napoleônico, em virtu<strong>de</strong> d<strong>os</strong> plan<strong>os</strong> que<br />

acalentava para o futuro <strong>do</strong> Brasil:<br />

Eu sou um homem ambici<strong>os</strong>o e <strong>de</strong>sejo <strong>do</strong>minar <strong>os</strong> outr<strong>os</strong> homens; o sistema constitucional não me<br />

oferece esta ilimitada liberda<strong>de</strong> e por isso tenho jura<strong>do</strong> perdê-lo, ao men<strong>os</strong> no reino <strong>do</strong> Brasil. A<br />

in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong>ste é o primeiro passo que <strong>de</strong>vo dar para conseguir <strong>os</strong> fins a que me proponho, ainda<br />

que exponha o Brasil a ser vítima da anarquia, na qual eu sempre havia <strong>de</strong> figurar como principal<br />

protetor <strong>de</strong>la; mas se consigo fazer <strong>do</strong> Brasil um Império in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, pela reunião d<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong>,<br />

lançarei mão das ré<strong>de</strong>as <strong>do</strong> governo, iludin<strong>do</strong> <strong>os</strong> homens que promovem esta mesma in<strong>de</strong>pendência com<br />

iguais vistas; serei então o maior déspota <strong>de</strong> tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> que têm havi<strong>do</strong> no universo; reduz irei a meus<br />

escrav<strong>os</strong> tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> habitantes <strong>do</strong> Brasil; criarei principad<strong>os</strong> para <strong>os</strong> meus parentes e amig<strong>os</strong>, sem atenção<br />

às distintas qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> outr<strong>os</strong> quaisquer indivídu<strong>os</strong>. 57<br />

Ao longo <strong>de</strong> 1822, em meio a essa autêntica guerra <strong>de</strong> palavras e versões, tornada mais<br />

confusa pelo <strong>de</strong>scompasso das notícias que a lenta comunicação através <strong>do</strong> Atlântico causava,<br />

precipitaram-se <strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong>, converten<strong>do</strong> o constitucionalismo em separatismo. Após o<br />

parcial impasse <strong>do</strong> Conselho <strong>de</strong> Procura<strong>do</strong>res das Províncias, convoca<strong>do</strong> em 16 <strong>de</strong> fevereiro<br />

54. Diário das Cortes, sessão <strong>de</strong> 22 mar. 1822, p. 583.<br />

55. I<strong>de</strong>m, sessão <strong>de</strong> 22 maio 1822, p. 229.<br />

56. I<strong>de</strong>m, sessão <strong>de</strong> 27 jun. 1822, pp. 590-591.<br />

57. Diálogo crítico acerca d<strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong> polític<strong>os</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, entre o dita<strong>do</strong>r brasílico (Bem<br />

conheci<strong>do</strong> por Mano Zé), Mace<strong>do</strong>, Air<strong>os</strong>a e Sancho Pança, reunid<strong>os</strong> no Campo <strong>de</strong> Santana, Lisboa, Imp. <strong>de</strong><br />

João Baptista Moran<strong>do</strong>, 1822, pp. 1, 5, 6.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

numa tentativa <strong>de</strong> articulá-las ao governo <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 30 <strong>de</strong> abril, ressaltan<strong>do</strong> a<br />

incapacida<strong>de</strong> das Cortes para o diálogo, Joaquim Gonçalves Le<strong>do</strong>, lí<strong>de</strong>r <strong>do</strong> grupo brasiliense,<br />

advogou em seu jornal, o Revérbero Constitucional Fluminense, a opção separatista.<br />

Sim, príncipe, rasguem<strong>os</strong> o véu d<strong>os</strong> mistéri<strong>os</strong>, rompa-se a nuvem que encobre o sol, que <strong>de</strong>ve raiar na<br />

esfera <strong>do</strong> Brasil. Eleva, eleva o templo da Liberda<strong>de</strong> brasileira; forme-se nele o livro da lei, que n<strong>os</strong><br />

<strong>de</strong>ve reger, e sobre as bases já por nós juradas, em gran<strong>de</strong> pompa seja conduzi<strong>do</strong> e <strong>de</strong>p<strong>os</strong>ita<strong>do</strong> sobre as<br />

aras <strong>do</strong> Deus <strong>de</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> pais, [...] o Deus d<strong>os</strong> cristã<strong>os</strong>, a Constituição Brasílica, eis <strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> vot<strong>os</strong>, eis<br />

<strong>os</strong> vot<strong>os</strong> <strong>de</strong> tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> bons brasileir<strong>os</strong> ... 58<br />

Seguiu-se a convocação, em 3 <strong>de</strong> junho, <strong>de</strong> uma Assembléia brasílica, a qual pretendia<br />

evitar o esfacelamento <strong>do</strong> país, asseguran<strong>do</strong> um centro comum <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, que conservasse <strong>os</strong><br />

laç<strong>os</strong> <strong>de</strong> união e fraternida<strong>de</strong> entre <strong>os</strong> irmã<strong>os</strong> da nação portuguesa. O próprio <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong><br />

ag<strong>os</strong>to, que proclamava a in<strong>de</strong>pendência política <strong>do</strong> Brasil, juntamente com <strong>os</strong> Manifest<strong>os</strong> <strong>do</strong><br />

mesmo mês, que justificavam as atitu<strong>de</strong>s <strong>do</strong> príncipe regente, reiteravam a importância das<br />

relações <strong>de</strong> comércio e amiza<strong>de</strong> entre <strong>os</strong> <strong>do</strong>is rein<strong>os</strong> para “conservação da união política”,<br />

objetivo que d. Pedro e a elite coimbrã, da qual se aproximara, não tinham <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

perseguir.<br />

Entrementes, já <strong>de</strong>sgastadas a<strong>os</strong> olh<strong>os</strong> d<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong>, as Cortes <strong>de</strong> Lisboa não podiam<br />

abdicar da situação <strong>de</strong> supremo órgão legislativo que lhes atribuía o i<strong>de</strong>ário liberal, nem <strong>do</strong><br />

projeto <strong>de</strong> assegurar a hegemonia <strong>de</strong> Portugal no interior <strong>do</strong> império, respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> com<br />

atitu<strong>de</strong>s intransigentes a cada iniciativa <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro. Para <strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong>, a<br />

or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> retirada <strong>do</strong> Príncipe Regente, a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> um Governa<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Armas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

<strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, em cada província, a criação <strong>de</strong> govern<strong>os</strong> fantasmas e sem força,<br />

constituíd<strong>os</strong> pelas Juntas ligadas diretamente a Lisboa, e o emprego exclusivo <strong>de</strong> europeus,<br />

não só n<strong>os</strong> carg<strong>os</strong> comuns da nação, mas até mesmo n<strong>os</strong> particulares <strong>do</strong> Novo Mun<strong>do</strong>,<br />

<strong>de</strong>monstravam o intento <strong>de</strong> “uma facção arrogante que prevaleceu no Congresso <strong>de</strong> Lisboa”<br />

em atropelar “<strong>os</strong> direit<strong>os</strong> inauferíveis <strong>do</strong> cidadão”, sacrifican<strong>do</strong> a união d<strong>os</strong> <strong>do</strong>is hemisféri<strong>os</strong><br />

ao seu orgulho e ambição. 59 Um realce particular era concedi<strong>do</strong> à questão d<strong>os</strong> empreg<strong>os</strong>, uma<br />

vez que não figurava o nome <strong>de</strong> qualquer “filho <strong>do</strong> Brasil” nas nomeações feitas pelo governo<br />

<strong>de</strong> Portugal e, sobretu<strong>do</strong>, porque a extinção d<strong>os</strong> tribunais superiores no Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

<strong>de</strong>cretada em 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1822, implicava em <strong>de</strong>ixar um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sempregad<strong>os</strong>, provocan<strong>do</strong> um mal-estar geral entre <strong>os</strong> que tinham permaneci<strong>do</strong> na América.<br />

O Revérbero Constitucional Fluminense lembrava que o “motivo principal das revoluções era<br />

a falta <strong>de</strong> empreg<strong>os</strong> para muit<strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong> dign<strong>os</strong> <strong>de</strong>les”, o que fatalmente suce<strong>de</strong>ria caso <strong>os</strong><br />

<strong>de</strong>cret<strong>os</strong> das Cortes f<strong>os</strong>sem p<strong>os</strong>t<strong>os</strong> em vigor. 60 No fun<strong>do</strong>, reencenava-se a situação<br />

experimentada por Portugal em 1820, quan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>sequilíbrio, propicia<strong>do</strong> pela longa<br />

permanência da Corte no Brasil, entre o número <strong>de</strong> p<strong>os</strong>ições disponíveis e a população <strong>de</strong><br />

bacharéis, também levara a manifestações <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontentamento, que se materializaram no<br />

movimento constitucional.<br />

Silvestre Pinheiro Ferreira, na exp<strong>os</strong>ição ao Congresso português sobre o espírito d<strong>os</strong><br />

pov<strong>os</strong> <strong>do</strong> Brasil, e em particular <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, percebeu com clareza o problema.<br />

58. Revérbero Constitucional Fluminense, n. 25, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 30 abr. 1822.<br />

59. O Espelho, n. 88, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 20 set.1822.<br />

60. Revérbero Constitucional Fluminense, n. 9, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 8 jan. 1822. A situação <strong>do</strong> Brasil aproximava-se<br />

daquela <strong>de</strong>scrita por Roger Chartier na Europa <strong>do</strong> século XVII e d<strong>os</strong> iníci<strong>os</strong> <strong>do</strong> século XIX, em “Espace social et<br />

imaginaire social: les intellectuels frustés au XVII e siècle”, Annales, Économies, Sociétés, Civilisations, vol. 37,<br />

n. 2, Paris, pp. 389-400, mars-avr. 1982.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

Os brasileir<strong>os</strong> não receiam voltar à categoria absoluta <strong>de</strong> colônia quanto ao exercício <strong>do</strong> comércio e<br />

indústria. Isso sabem eles, e sabe to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, que é absolutamente imp<strong>os</strong>sível, pois o franco tráfico,<br />

tanto <strong>de</strong> um como <strong>de</strong> outra, não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> já <strong>do</strong> arbítrio <strong>do</strong> governo; foi uma necessária conseqüência da<br />

natureza das coisas e a sua continuação é <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> capricho.<br />

[...]<br />

O <strong>de</strong>scontentamento <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro consiste n<strong>os</strong> clamores <strong>do</strong> sem número <strong>de</strong> empregad<strong>os</strong> que <strong>de</strong><br />

repente se acham esbulhad<strong>os</strong> não só da influência e dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que se achavam <strong>de</strong> p<strong>os</strong>se, mas até <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong> o meio <strong>de</strong> proverem à sua indispensável subsistência. 61<br />

Acrescentava que a essa classe <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontentes, formada em sua maioria pel<strong>os</strong><br />

bacharéis, magistrad<strong>os</strong> e alt<strong>os</strong> funcionári<strong>os</strong>, que compunha o núcleo da elite coimbrã, tinham<br />

a<strong>de</strong>ri<strong>do</strong> <strong>os</strong> portugueses, em especial <strong>os</strong> comerciantes há muito estabelecid<strong>os</strong> no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, que temiam o surgimento <strong>de</strong> um espírito <strong>de</strong> vingança por parte d<strong>os</strong> “brasilienses”, em<br />

relação ao qual somente a presença <strong>de</strong> d. Pedro po<strong>de</strong>ria servir <strong>de</strong> contrapeso. Da mesma<br />

forma, também as tensões sociais entre “branc<strong>os</strong> europeus, branc<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong>, pret<strong>os</strong> e<br />

mulat<strong>os</strong>, uns forr<strong>os</strong>, outr<strong>os</strong> escrav<strong>os</strong>”, e o pavor <strong>de</strong> uma insurreição d<strong>os</strong> cativ<strong>os</strong>, n<strong>os</strong> mol<strong>de</strong>s<br />

da rebelião <strong>do</strong> Haiti <strong>de</strong> 1791, com a qual as facções portuguesas ameaçavam o Brasil se este<br />

viesse a romper <strong>os</strong> laç<strong>os</strong> com Portugal, contribuíram para situar d. Pedro numa p<strong>os</strong>ição<br />

privilegiada, como fia<strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m ameaçada. 62<br />

Na realida<strong>de</strong>, por ocasião <strong>do</strong> 7 <strong>de</strong> setembro, que hoje se comemora como data nacional<br />

<strong>do</strong> Brasil, para a maioria d<strong>os</strong> contemporâne<strong>os</strong>, a separação já estava consumada. Este<br />

episódio, aliás, não teve um significa<strong>do</strong> especial, não sen<strong>do</strong> sequer noticia<strong>do</strong> pela imprensa da<br />

época, exceto por um breve comentário no jornal fluminense O Espelho, data<strong>do</strong> <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong><br />

setembro. 63 Mais significativ<strong>os</strong>, na época, tinham si<strong>do</strong> a Convocação da Assembléia Brasílica<br />

e <strong>os</strong> Manifest<strong>os</strong> <strong>de</strong> ag<strong>os</strong>to. Hipólito da C<strong>os</strong>ta, no Correio Brasiliense, por exemplo,<br />

consi<strong>de</strong>rou que, ten<strong>do</strong> chama<strong>do</strong> a si “um Conselho <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>, comp<strong>os</strong>to <strong>de</strong> pessoas eleitas<br />

pel<strong>os</strong> pov<strong>os</strong>,” d. Pedro havia em seguida convoca<strong>do</strong> “uma Assembléia Constituinte e<br />

Legislativa”, <strong>de</strong>claran<strong>do</strong> finalmente “a in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> Brasil, por um <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong><br />

ag<strong>os</strong>to <strong>de</strong>ste ano”. 64 E, n<strong>os</strong> meses seguintes, a aclamação <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> outubro e a coroação <strong>de</strong> 1º<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro iriam buscar estabelecer, em sentid<strong>os</strong> diferentes, <strong>os</strong> fundament<strong>os</strong> <strong>do</strong> novo<br />

Império.<br />

Nesse intervalo <strong>de</strong> <strong>do</strong>is an<strong>os</strong>, entre o final <strong>de</strong> 1820 e o <strong>de</strong> 1822, a presença d<strong>os</strong> jornais<br />

e folhet<strong>os</strong> na vida cotidiana das principais cida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Brasil, envolven<strong>do</strong> a maior parcela das<br />

elites letradas e alcançan<strong>do</strong>, pelo “falar <strong>de</strong> boca”, até mesmo um público virtual situa<strong>do</strong> nas<br />

fímbrias d<strong>os</strong> grup<strong>os</strong> privilegiad<strong>os</strong>, criou na antiga colônia um ambiente absolutamente<br />

inédito, que prefigurou a formação <strong>de</strong> uma esfera pública <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e no qual se exprimiram<br />

algumas das principais tensões <strong>do</strong> país que nascia. Nesses impress<strong>os</strong>, por outro la<strong>do</strong>,<br />

encontra-se, talvez, a mais rica fonte para i<strong>de</strong>ntificar as idéias, <strong>os</strong> valores e <strong>os</strong> símbol<strong>os</strong> que as<br />

linguagens políticas disponíveis, articuladas pelas Luzes ibéricas e pelo liberalismo vintista,<br />

61. Arquivo Nacional, In<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> Brasil, caixa 740, pac. 1, <strong>do</strong>c. 4, 22 mar. 1822.<br />

62. Para a citação, cf. Arquivo Nacional, In<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> Brasil, caixa 740, pac. 1, <strong>do</strong>c. 4, 22 mar. 1822. Para o<br />

interesse d<strong>os</strong> portugueses enraizad<strong>os</strong> no centro-sul <strong>do</strong> Brasil, ver M. Odila da Silva Dias, “A interiorização da<br />

metrópole, 1808-1853”, in C. G. Mota (org.), 1822: dimensões, São Paulo, Perspectiva, 1972, pp. 102-184. Cf.<br />

ainda Gladys Sabina Ribeiro, A liberda<strong>de</strong> em construção: i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional e conflit<strong>os</strong> antilusitan<strong>os</strong> no<br />

Primeiro Reina<strong>do</strong>, tese <strong>de</strong> <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> apresentada à Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas, 1997. Para as ameaças<br />

portuguesas com rebeliões <strong>de</strong> escrav<strong>os</strong>, ver O Campeão Portuguez em Lisboa ou Amigo <strong>do</strong> povo e <strong>do</strong> rei<br />

Constitucional, vol. 1, nº 6, Lisboa, 11maio 1822.<br />

63. O <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1822 não incluiu o 7 <strong>de</strong> setembro como dia <strong>de</strong> gala, mas sim o 12 <strong>de</strong><br />

outubro e o 1º <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, cf. O. Nogueira (org.), Obra política <strong>de</strong> J<strong>os</strong>é Bonifácio, (v. 1), Brasília, Sena<strong>do</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral, 1973, pp. 115-116. Somente em 5 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1823, por uma resolução da Assembléia Constituinte,<br />

<strong>de</strong>terminou-se que o 7 <strong>de</strong> setembro f<strong>os</strong>se consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> dia <strong>de</strong> festa nacional.<br />

64. Correio Brasiliense, n. 29, Londres, outubro 1822.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

permitiram utilizar, dan<strong>do</strong> origem a uma peculiar cultura política que, por sua vez, iria<br />

presidir à construção da nova nação. 65 Por conseguinte, <strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong> e as atitu<strong>de</strong>s<br />

durante esse perío<strong>do</strong> privilegia<strong>do</strong>, em que palavras até então <strong>de</strong>sconhecidas ingressavam no<br />

dia -a-dia da socieda<strong>de</strong>, transforman<strong>do</strong>-se em “palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m”, como diria Jean Dubois,<br />

não po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rad<strong>os</strong> sem que sejam situad<strong>os</strong> em relação a esses instrument<strong>os</strong> mentais,<br />

como se tentou fazer acima. 66<br />

Dessa perspectiva <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>-se uma outra leitura da In<strong>de</strong>pendência, distinta daquela,<br />

já amplamente discutida e divulgada, que a projeta como o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma consciência<br />

nacional, forjada por po<strong>de</strong>r<strong>os</strong>as forças anônimas. Na realida<strong>de</strong>, d<strong>os</strong> panflet<strong>os</strong> e periódic<strong>os</strong>, não<br />

só estão ausentes, com a p<strong>os</strong>sível exceção peculiar <strong>de</strong> frei Caneca, quaisquer referências a<br />

tradições locais anteriores, como rar<strong>os</strong> foram <strong>os</strong> escrit<strong>os</strong> que mencionaram o restabelecimento<br />

<strong>do</strong> exclusivo econômico como fator que tivesse contribuí<strong>do</strong> para o separatismo brasileiro. O<br />

próprio projeto das Cortes sobre as relações comerciais entre o Brasil e Portugal, que <strong>de</strong>via<br />

conciliar a satisfação d<strong>os</strong> interesses produtiv<strong>os</strong> e comerciais da antiga metrópole com <strong>os</strong> <strong>do</strong><br />

Brasil, e que, sobretu<strong>do</strong>, pretendia fazer <strong>do</strong> Reino Uni<strong>do</strong> um único merca<strong>do</strong>, fortemente<br />

integra<strong>do</strong> e protegi<strong>do</strong> <strong>do</strong> exterior, embora amplamente discuti<strong>do</strong> nas sessões <strong>do</strong> Congresso,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> abril até julho <strong>de</strong> 1822, acabou aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>, sem nunca ter si<strong>do</strong> completamente<br />

aprova<strong>do</strong>. 67<br />

Sob esse ângulo distinto, são <strong>os</strong> fatores polític<strong>os</strong>, enquanto o confronto <strong>de</strong> diferentes<br />

modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apreensão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, no interior <strong>de</strong> uma certa cultura, que comandaram o<br />

processo. No cerne, encontrava-se uma percepção evi<strong>de</strong>ntemente ilustrada da realida<strong>de</strong> que,<br />

ao superar a visão litúrgica <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m imemorial, reconhecia na política um instrumento<br />

<strong>de</strong> ação sobre a socieda<strong>de</strong>, m<strong>os</strong>tran<strong>do</strong>-se capaz <strong>de</strong> formular a concepção <strong>de</strong> um império lusobrasileiro<br />

em op<strong>os</strong>ição a<strong>os</strong> perig<strong>os</strong> anunciad<strong>os</strong> pela in<strong>de</strong>pendência das colônias inglesas da<br />

América e pela Revolução Francesa. Na superfície, transpareciam as insatisfações <strong>de</strong> Portugal<br />

com o aban<strong>do</strong>no a que se viu relega<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1807, a nova dinâmica adquirida pelo Brasil com<br />

a presença da Corte, as contradições <strong>do</strong> sistema escravista e as ambigüida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma Coroa,<br />

que ainda não se convertera em Esta<strong>do</strong>, mas que soubera cercar-se <strong>de</strong> uma pragmática elite <strong>de</strong><br />

talent<strong>os</strong> ilustrad<strong>os</strong>.<br />

Resumi<strong>do</strong> pelas palavras-chave <strong>de</strong>spotismo, liberda<strong>de</strong> e constituição, o Vintismo,<br />

manifestação <strong>de</strong> uma metrópole tornada colônia, colocou em circulação um i<strong>de</strong>ário <strong>de</strong><br />

reformas e <strong>de</strong> mudanças a que não podiam ficar insensíveis tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> estrat<strong>os</strong>, <strong>de</strong> amb<strong>os</strong> <strong>os</strong><br />

lad<strong>os</strong> <strong>do</strong> Atlântico, que tinham si<strong>do</strong> tocad<strong>os</strong> pelas Luzes, no que elas representavam <strong>de</strong><br />

reconhecimento <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> conhecimento como caminho para o progresso humano.<br />

Contu<strong>do</strong>, também arvorou a pretensão <strong>de</strong> reassumir uma hegemonia no interior <strong>do</strong> império,<br />

com que o Brasil, colônia tornada metrópole, não podia consentir. Incompatibilida<strong>de</strong> que se<br />

resolveu, como c<strong>os</strong>tuma ocorrer, por um divórcio. De um la<strong>do</strong>, o Império <strong>do</strong> Brasil; <strong>do</strong> outro,<br />

a construção <strong>de</strong> um império africano. 68<br />

65. Para linguagens políticas, cf. Anthony Pag<strong>de</strong>n (ed.), The Languages of Political Theory in Early-Mo<strong>de</strong>rn<br />

Europe, Cambridge, Cambridge University Press, 1987 e J. G. A. Pocock, Virtue, Commerce and History:<br />

Essays on Political Thought and History, Chiefly in the Eighteenth Century, Cambridge, Cambridge University<br />

Press, 1985.<br />

66. Cf. Le vocabulaire politique et social en France <strong>de</strong> 1869 à 1872, Paris, Larousse, 1962, pp. 4 e 186-187.<br />

67. Para uma análise mais <strong>de</strong>talhada das medidas econômicas, ver V. Alexandre, Os sentid<strong>os</strong> <strong>do</strong> império ... , op.<br />

cit., pp. 628-638.<br />

68. Ver Valentim Alexandre, “A viragem para África”, in F. Bithencourt e K. Chaudhuri (dir.), História da<br />

expansão portuguesa (v. 4), Lisboa, Círculo <strong>de</strong> Leitores, 1998, pp. 61-85 e Lúcia Maria Bast<strong>os</strong> P. Neves ,<br />

“Angola entre Brasil e Portugal (1808-1825)”, Anais da XVI Reunião , Curitiba, Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Pesquisa<br />

Histórica, 1996, pp. 181-5.<br />

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TEMPO 8 A ‘GUERRA DE PENAS’<br />

No vértice <strong>de</strong>sse processo, o <strong>de</strong>stino colocou a personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> d. Pedro.<br />

Inicialmente, regente expolia<strong>do</strong> d<strong>os</strong> po<strong>de</strong>res que lhe tinham si<strong>do</strong> atribuíd<strong>os</strong>, viu-se, em<br />

seguida, diante da crescente insatisfação com as Cortes, vilipendia<strong>do</strong> por um la<strong>do</strong>, como<br />

tirano antiliberal, e alça<strong>do</strong> a <strong>de</strong>fensor da nova or<strong>de</strong>m, pelo outro. Entre as duas p<strong>os</strong>turas, foi<br />

somente a morte que <strong>de</strong>cidiu por ele, embora, entrementes, tenha sabi<strong>do</strong> jogar com ambas,<br />

como convinha à época <strong>de</strong> Byron e Napoleão, não tanto em seu próprio proveito, mas por<br />

incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conceber o alcance das opções com que se <strong>de</strong>frontava.<br />

Contu<strong>do</strong>, aí resi<strong>de</strong> também a perversida<strong>de</strong> <strong>do</strong> momento. Embora o i<strong>de</strong>ário liberal,<br />

abraça<strong>do</strong> com entusiasmo por tant<strong>os</strong>, implicasse na criação <strong>de</strong> normas impessoais escritas, sob<br />

a forma da Lei, liberan<strong>do</strong> <strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong> <strong>de</strong> uma tradição na qual só podiam aspirar a<br />

privilégi<strong>os</strong>, a cautela das elites, embebidas nas mitigadas Luzes mediterrânicas; as hesitações<br />

<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r, que não conseguia substituir as velhas armas da censura e da repressão pela<br />

novida<strong>de</strong> da i<strong>de</strong>ologia; e a cesura fundamental da socieda<strong>de</strong>, profundamente enraizada na<br />

visão-<strong>de</strong>-mun<strong>do</strong> tradicional, que distinguia livres e cativ<strong>os</strong>, inviabilizaram conduzi-lo às suas<br />

últimas conseqüências. O liberalismo, ou melhor, <strong>os</strong> argument<strong>os</strong> <strong>do</strong> liberalismo não <strong>de</strong>ixaram<br />

<strong>de</strong> ser, e permaneceriam, uma ‘guerra <strong>de</strong> penas’, mer<strong>os</strong> artifíci<strong>os</strong> retóric<strong>os</strong>, que, ao criar a<br />

ilusão da política, p<strong>os</strong>sibilitavam, e continuariam p<strong>os</strong>sibilitan<strong>do</strong>, que o mais importante<br />

permanecesse subterrâneo. 69 Frustou-se, assim, aquele esboço <strong>de</strong> uma esfera pública,<br />

emperrou-se a formação <strong>de</strong> uma nação e comprometeu-se a idéia <strong>de</strong> cidadania. Tal é a<br />

perspectiva que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scortinar a partir <strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong> vista privilegia<strong>do</strong>, que são <strong>os</strong><br />

impress<strong>os</strong> polític<strong>os</strong> da época da In<strong>de</strong>pendência.<br />

69. A expressão é <strong>de</strong> F. Furet, Pensar a Revolução Francesa , Lisboa, Edições 70, 1988, p. 60.<br />

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