ORGANIZAÇÃO SÓCIO-FAMILIAR E DESEMPENHO ... - USC
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ILDA BASSO (Org.)<br />
JOSÉ CARLOS RODRIGUES ROCHA (Org.)<br />
MARILEIDE DIAS ESQUEDA (Org.)<br />
II SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO<br />
LINGUAGENS EDUCATIVAS:<br />
PERSPECTIVAS INTERDISCIPLINARES NA ATUALIDADE<br />
BAURU<br />
2008
S6126 Simpósio Internacional de Educação (2. : 2008 : Bauru, SP)<br />
Anais [recurso eletrônico] / 2. Simpósio Internacional de<br />
Educação / Ilda Basso, José Carlos Rodrigues Rocha,<br />
Marileide Dias Esqueda (organizadores). – Bauru, SP :<br />
<strong>USC</strong>, 2008.<br />
Simpósio realizado na <strong>USC</strong>, no mês de junho de 2008,<br />
tendo como tema : Linguagens educativas – perspectivas<br />
interdisciplinares na atualidade.<br />
ISBN 978-85-99532-02-7.<br />
1. Educação – simpósios. 2. Linguagens educativas. I.<br />
Basso, Ilda. II. Rocha, José Carlos Rodrigues. III. Esqueda,<br />
Marileide Dias. VI. Título.<br />
CDD 370
<strong>ORGANIZAÇÃO</strong> <strong>SÓCIO</strong>-<strong>FAMILIAR</strong> E <strong>DESEMPENHO</strong> ESCOLAR DE CRIANÇAS<br />
DO ENSINO FUNDAMENTAL: Um estudo Comparativo<br />
Resumo<br />
Marina Zulian DELÁZARI<br />
Universidade do Sagrado Coração/ <strong>USC</strong> Bauru<br />
Marilene Cabello DI FLORA<br />
Universidade do Sagrado Coração/ <strong>USC</strong> Bauru<br />
Nesta investigação, os autores se propuseram a discutir acerca da família, infância e<br />
aprendizagem na contemporaneidade, tendo como eixo as contribuições de Vygotsky. O<br />
objetivo geral do estudo foi analisar a relação entre a organização sócio-familiar e o<br />
desempenho escolar de crianças do Ensino Fundamental. Os sujeitos da pesquisa foram trinta<br />
crianças deste nível de ensino, com idade entre oito e dez anos, indicadas pelas professoras, as<br />
quais apontaram os casos extremos de sucesso e fracasso escolar. Essas crianças realizaram<br />
um exercício para confirmar a indicação prévia e, em seguida, foram divididas em dois grupos<br />
de quinze crianças cada, sendo que o critério escolhido para a inclusão das crianças nos<br />
grupos foi apresentarem bom ou mau desempenho escolar. As mães das crianças foram<br />
entrevistadas e, mediante suas respostas, foi possível delinear o perfil de organização sóciofamiliar<br />
das mesmas. Mediante o levantamento de categorias e subcategorias de significados<br />
imersas nas respostas das mães, foi possível estabelecer a comparação entre os perfis de<br />
famílias presentes em cada grupo. Um estudo que vise discutir sobre as transformações da<br />
família e suas relações com a educação e o desempenho escolar de crianças certamente<br />
contribuirá para fomentar as discussões sobre as queixas escolares.<br />
Palavras-chave: organização sócio-familiar, desempenho escolar, ensino fundamental.<br />
Abstract<br />
In this research, the authors offered to discuss about the family, childhood and learning in the<br />
present time, having as reference Vygotsky´s contributions. The general objective of the study<br />
was to analyze the relationship between social and familial organization and school<br />
performance of elementary school children. The subjects of the research were thirty school<br />
children, aged between eight and ten years, indicated by the teachers, these children pointed<br />
out extreme cases of success and school failure. These children did an exercise in order to<br />
confirm the preliminary indication, and then they were divided into two groups of fifteen<br />
children each, being that the chosen criterion for the children’s inclusion into the groups was<br />
to present good or poor school performance. The children’s mothers were interviewed and,<br />
through their answers it was possible to draw the social and familial organization profile of<br />
the families. By means of the survey of categories and subcategories of meanings from the<br />
mother’s answers, it was possible to establish a comparison among the profiles the families<br />
that are in each group. A study seeking to discuss the changes of the families and their<br />
relations with education and school performance of children will certainly help to encourage<br />
discussions about school complaints.<br />
Keyword: social and familial organization; school performance; elementary school.
Introdução/ Revisão de Literatura<br />
Discutir sobre a educação e escola na sociedade do conhecimento implica pensá-las,<br />
sobretudo como mecanismos voltados para a construção da cidadania, propiciando o<br />
desenvolvimento cognitivo, afetivo e profissional dos indivíduos. A escola, convocada a<br />
assumir o novo paradigma da sociedade pós-industrial, passa a ter um papel ainda mais<br />
significativo enquanto espaço privilegiado para a formação de novas competências<br />
relacionadas com a construção de novos saberes, tendo em vista a recuperação de valores<br />
relacionados à solidariedade e à ética.<br />
Neste contexto, emerge o problema de crianças que apresentam dificuldades de<br />
aprendizagem as quais, em regra geral, são acompanhadas de déficits em habilidades sociais e<br />
articuladas a problemas de ordem emocional e de comportamento (SANTOS e<br />
MARTURANO, 1999).<br />
Em se tratando do ensino fundamental, sabe-se o quanto o problema de dificuldades<br />
de aprendizagem é significativo no Brasil. O desejo de compreendê-lo e de solucioná-lo<br />
implica adentrar num terreno de alta complexidade em virtude das características<br />
multifatoriais apresentadas pelo fenômeno em questão. Este trabalho de investigação traz as<br />
discussões parciais acerca da família, infância e aprendizagem na contemporaneidade. A<br />
análise foi efetuada sob o ponto de vista sócio-cultural, objetivando realizar uma leitura sob a<br />
óptica da totalidade do fenômeno em estudo, tendo como eixo as contribuições de Vygotsky,<br />
nome obrigatório sobre processos de aprendizagem e, conseqüentemente, sobre sucesso e<br />
fracasso escolar.<br />
As dificuldades e os problemas de aprendizagem apresentados pelas crianças foram,<br />
durante muito tempo, considerados como uma questão de deficiência do aluno em relação a<br />
determinadas habilidades. Medeiros et al. (2000) consideram esta versão ultrapassada e<br />
apontam que o atraso escolar apresentado por crianças só pode ser explicado mediante a<br />
análise da interação de uma série de fatores, cuja articulação determina o nível do rendimento<br />
do aluno frente a situações de aprendizagem. Constataram ainda que crianças com queixas de<br />
dificuldades escolares apresentaram um senso de auto-eficácia mais baixo do que as crianças<br />
com bom desempenho. Na formação deste senso de auto-eficácia, o papel da família e os<br />
comentários ou avaliações dos pais sobre o desempenho dos filhos constituem-se elementos<br />
de grande peso.
Em relação a esta questão, Marturano e Ferreira (2002) em pesquisas realizadas sobre<br />
este tema, constataram a presença de indícios de que o suporte familiar, em regra, se restringe<br />
às questões escolares desconsiderando-se o relacionamento entre a criança e seus familiares.<br />
Defendem a tese de que este suporte deveria cobrir três aspectos relacionados à criança:<br />
suporte para a realização das atividades escolares, suporte ao desenvolvimento e suporte<br />
emocional. Este último aspecto é considerado o mais importante, pois conduziria o aluno a<br />
acreditar que é amado, estimado e valorizado.<br />
Nesta mesma linha de pensamento, Sisto et al. (2001) apontam o aspecto afetivo como<br />
um importante elemento a considerar quando se pretende compreender o processo de<br />
aprendizagem dos indivíduos. A descrença da criança em sua capacidade de aprender pode<br />
estar relacionada à fragilidade do suporte afetivo próprio de sua família, o que resultaria em<br />
fraco desempenho escolar.<br />
Da mesma forma, Marturano e Parreira (1996) compreendem que existe uma relação<br />
entre o baixo rendimento escolar e os problemas emocionais e comportamentais os quais se<br />
condicionam reciprocamente. Reforçam que uma criança, com baixo rendimento escolar,<br />
pode apresentar dificuldades em suas habilidades sociais, as quais, associadas às falhas<br />
educacionais e familiares, podem agravar-se.<br />
As dificuldades de aprendizagem estariam, conforme Fernandes (1991), relacionadas<br />
tanto às causas internas referentes à estrutura familiar individual quanto às causas externas às<br />
mesmas. A autora explica que todo ser humano acha-se transversalizado por uma rede<br />
particular de vínculos e significações em relação ao aprender, conforme seu grupo familiar.<br />
A discussão sobre a relação entre a organização familiar e o desempenho escolar de<br />
crianças ganha um significado novo neste século, quando as certezas e definições acerca da<br />
família se encontram abaladas. Com o advento da pós-modernidade, a família tem buscado<br />
novos arranjos no seu movimento de organização e reorganização.<br />
Sarti (2003) reflete sobre os novos arranjos familiares no século XXI e aponta como<br />
ultrapassada a idéia de núcleo, destacando que a nova configuração familiar se dá em redes de<br />
relações nas quais interagem os sujeitos na busca de recursos materiais e afetivos. As<br />
dificuldades de aprendizagem podem estar centradas nos preconceitos a que estes diferentes<br />
arranjos são vítimas envolvendo suas crianças em fase de desenvolvimento.<br />
Neste contexto, a obra de Vygotsky nos incita a sentir, pensar e agir nos chamados<br />
problemas de aprendizagem sob nova perspectiva: a das relações sociais. Para Vygotsky<br />
(1984), os processos psíquicos superiores só se desenvolvem com a mediação dos muitos<br />
outros com os quais convivemos, implicando, portanto, a atividade social.
Vygotsky chegou à conclusão fundamental de que o desenvolvimento mental humano<br />
tem origem na comunicação verbal entre a criança e o adulto (LURIA e YODOVICH, 1985).<br />
Vygotsky estudou os processos mentais infantis como sendo produto da intercomunicação da<br />
criança com o meio, o que nos leva a perceber a importância do adulto neste processo e,<br />
conseqüentemente, a relevância da família para a aprendizagem da criança.<br />
Não há como se saber de um indivíduo sem que se conheça seu mundo. É preciso<br />
conhecer o mundo social no qual o indivíduo está imerso e do qual é construtor, investigar os<br />
valores sociais, as formas de relação e de produção da sobrevivência de seu mundo, além das<br />
formas de ser e ter de seu tempo para que se possa compreender o que ele sente, pensa e como<br />
age (BOCK et al. 2002).<br />
Ferreira e Marturano (2002) investigaram sobre o comportamento apresentado por<br />
crianças com baixo desempenho escolar e a possível relação com o ambiente familiar.<br />
Constataram que os comportamentos externalizantes das crianças refletem processos de trocas<br />
contínuas entre características da criança nas interações sociais e características dos<br />
cuidadores e seu contexto social, o que legitima a importância sócio-cultural no<br />
desenvolvimento das crianças.<br />
O esvaziamento de sentido, presente no mundo contemporâneo, o clima de<br />
instabilidade instaurado pela pós-modernidade, podem estar interferindo na qualidade da<br />
interação social no interior da família, prejudicando-a no desempenho de seu papel de suporte<br />
às crianças em suas dificuldades escolares.<br />
Diante do exposto, acreditamos que um estudo que vise a discutir sobre as<br />
transformações da família e suas relações com a educação e o desempenho escolar de crianças<br />
certamente contribuirá para fomentar as discussões sobre as queixas escolares.<br />
Para a compreensão das relações apontadas, assumimos, neste trabalho, o<br />
compromisso de discuti-las sob a abordagem sócio-histórica que concebe o homem como um<br />
ser histórico constituído ao longo da humanidade. Esta perspectiva constitui-se num<br />
movimento de crítica às visões naturalizantes, dando ênfase às raízes sócio-históricas dos<br />
fenômenos escolares, analisando-os dialeticamente ao conceber o homem como produto e<br />
produtor das relações sociais (TANAMACHI, 2000).
Objetivos<br />
Objetivo Geral:<br />
Caracterizar a relação entre a organização sócio-familiar e o desempenho escolar de crianças<br />
do ensino fundamental.<br />
Objetivos específicos:<br />
-Delinear o perfil de organização sócio-familiar de crianças com dificuldades de<br />
aprendizagem;<br />
-Identificar o perfil de organização sócio-familiar de crianças que não apresentam<br />
dificuldades de aprendizagem;<br />
- Relacionar os estilos familiares dos dois grupos de crianças apontados.<br />
Procedimentos Metodológicos da Pesquisa<br />
Esta investigação trabalhou com dois grupos de crianças na faixa etária que<br />
compreende o período de oito a dez anos e que freqüentam o ensino fundamental de uma<br />
escola pública no interior do Estado de São Paulo, perfazendo um total de quinze crianças<br />
para cada grupo. O que diferencia destas crianças em sua inserção nos grupos citados é<br />
apresentarem ou não dificuldades de aprendizagem. Foram também interrogadas neste<br />
trabalho as mães dessas crianças no total de trinta. As crianças foram selecionadas mediante a<br />
indicação da professora da turma a que pertencem, acompanhadas de uma justificativa.<br />
As mães das crianças foram convidadas a participar da pesquisa respondendo as<br />
perguntas referentes à organização sócio-familiar e dinâmica interacional familiar. No<br />
momento marcado para a entrevista, foi lido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido<br />
contendo todas as explicações a respeito da investigação, o qual, se aprovado, deveria ser<br />
assinado por elas. As entrevistas duraram em média trinta minutos, foram realizadas em local<br />
próprio escolhido pelas mães e gravadas segundo a sua permissão.<br />
Foi solicitado à professora que, na sua indicação, apontasse os casos extremos de<br />
sucesso e fracasso na aprendizagem. Foram aplicados às crianças exercícios referentes às<br />
disciplinas de português e matemática com vistas a avaliar suas competências e habilidades.<br />
Solicitou-se às professoras das turmas que aplicassem os exercícios tendo em vista a sua<br />
familiaridade com as crianças. Todos os alunos realizaram os exercícios e, posteriormente,<br />
foram selecionados os trabalhos dos alunos indicados pela professora. A pesquisadora<br />
percorreu as turmas até atingir o número de sujeitos necessários para a investigação. Os<br />
exercícios aplicados às crianças tiveram como objetivo reforçar a indicação da professora.
Tomando por base os estudos de Trivinos (1981) sobre a pesquisa qualitativa, optamos<br />
por esse delineamento, pois objetivamos levantar idéias e significados das perfórmances dos<br />
alunos e das representações das mães a respeito do grupo familiar, nos aspectos<br />
organizacionais e interacionais com vistas a melhor entender a sua relação com o<br />
desempenho escolar de crianças.<br />
Relações Familiares e o Desempenho escolar de crianças do Ensino Fundamental<br />
A discussão deste trabalho foi realizada a partir da comparação dos resultados das<br />
entrevistas feitas com as mães das crianças que apresentam bom desempenho escolar em<br />
relação aos resultados das entrevistas feitas com as mães das crianças que apresentam mau<br />
desempenho escolar, por ser o objetivo desta pesquisa estabelecer um estudo comparativo.<br />
Segundo Sarti (2003), entre as relações familiares, é sem dúvida a relação entre pais e<br />
filhos que estabelece o vínculo mais forte, onde as obrigações morais atuam de forma mais<br />
significativa. Por este motivo, torna-se relevante a comparação entre as mães dos dois grupos<br />
de crianças que participaram da pesquisa.<br />
O grupo das crianças que apresentam mau desempenho escolar caracteriza-se pela<br />
presença de mães mais jovens do que as do outro grupo. O nível de escolaridade dessas mães<br />
é inferior ao das mães das crianças que apresentam bom desempenho escolar, sendo que,<br />
dentre as primeiras, há uma mãe semi-analfabeta e nenhuma delas concluiu o ensino médio,<br />
enquanto a maioria das mães do outro grupo tem o ensino médio completo. Em ambos os<br />
grupos, há mais mães que trabalham fora de casa do que mães que não trabalham. Outro<br />
ponto de semelhança entre os grupos deve-se ao fato de a maior parte das mães morarem com<br />
os pais das crianças. Dentre as mães das crianças que apresentam bom desempenho escolar,<br />
há aquelas que têm apenas um filho, enquanto no outro grupo de mães, o número mínimo de<br />
filhos é maior. Todas as mães relataram que tem como função cuidar da casa e dos filhos.<br />
D’Ávila-Bacarji et al (2005) explicam a relevância do suporte parental para o<br />
cumprimento das tarefas desenvolvimentais da meninice. Relatam que o suporte para a<br />
realização escolar se concretiza através do envolvimento direto dos pais com a vida<br />
acadêmica dos filhos. A disposição de tempo e espaço adequado em casa para a realização<br />
dos deveres escolares, a exigência de cumprimento desses deveres, o intercâmbio regular com<br />
o professor e uma rotina de horários para as atividades diárias básicas são, de acordo com os<br />
autores, exemplos dessa modalidade de suporte. Diante deste comentário, é possível perceber<br />
a influência que o ambiente familiar, e os recursos disponíveis neste ambiente, exercem sobre
a aprendizagem da criança. Neste aspecto, baseia-se a importância de apontar diferenças e<br />
semelhanças entre as condições de moradia e recursos materiais que cada um dos grupos<br />
participantes desta pesquisa possui.<br />
De modo geral, as famílias das crianças que apresentam bom desempenho escolar<br />
possuem renda bastante superior à das famílias do outro grupo, equivalendo aproximadamente<br />
a sete salários mínimos, enquanto a renda destes últimos varia entre um e três salários<br />
mínimos. As famílias das crianças com mau desempenho escolar, em sua maioria, não têm<br />
casa própria e não consideram boa a residência que habitam. Em contraponto, as famílias do<br />
outro grupo residem em casa de sua propriedade e as consideram boas. Os dois grupos de<br />
famílias possuem televisão e geladeira em suas casas. Rádio e DVD são itens presentes em<br />
todas as casas das famílias das crianças com bom desempenho e a maioria delas possui, ainda,<br />
carro e computador, enquanto todos estes itens estão presentes em apenas algumas casas de<br />
famílias do outro grupo.<br />
Vygotsky (1984) explica que o aprendizado humano pressupõe uma natureza social<br />
específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas<br />
que as cercam. Diante desta explicação, é possível compreender a importância da ocupação do<br />
tempo livre das crianças e das atividades que elas realizam fora da escola, sendo que, nestes<br />
períodos de tempo, elas estão na companhia de outras pessoas, que não pais e professores, que<br />
também colaboram para o desenvolvimento de seu intelecto.<br />
É notória a diferença existente entre a ocupação do tempo livre das crianças dos dois<br />
grupos. As crianças que apresentam bom desempenho escolar têm o hábito de fazer passeios a<br />
shoppings, praças, casas de parentes e amigos, além de assistir à TV. Realizam atividades<br />
extra-escolares como balé, futebol e natação. As mães afirmaram não sair a passeios sem a<br />
presença dos filhos:<br />
“(...) tudo o que a gente faz a gente faz realmente junto, nós somos bem, bem unidos.”<br />
(D. 48 anos).<br />
As crianças que apresentam mau desempenho escolar ocupam seu tempo livre,<br />
principalmente, assistindo a TV e brincando. Algumas delas freqüentam sítios, rios e parques.<br />
Há, também, aquelas que não passeiam, a não ser quando vão a casas de parentes ou à Igreja.<br />
Uma das mães informa:<br />
“A gente fica por aqui mesmo, não passeamo com as criança, a gente assiste<br />
televisão.” (V. 40 anos).
As únicas atividades extra-escolares das crianças deste grupo são a participação em<br />
cursos religiosos e em projetos assistenciais, o que difere muito das atividades das crianças<br />
pertencentes ao outro grupo.<br />
A desvantagem socioeconômica, que está presente no grupo de crianças com mau<br />
desempenho escolar em relação ao outro grupo, como mencionado anteriormente, tem sido<br />
apontada por Ferreira et al. (2002) como fator de risco ao desenvolvimento, associado a<br />
variáveis como vizinhança de risco, instabilidade familiar e depressão parental, estas últimas<br />
influenciando as práticas educativas. Além disso, Dodge e colaboradores (apud FERREIRA et<br />
al., 2002) verificaram que a relação entre o status sócio-econômico e os problemas de<br />
comportamento da criança é mediada por processos de socialização, em que estão presentes,<br />
entre outras variáveis, uma disciplina punitiva, modelos adultos agressivos e estressores<br />
incidindo sobre a família. Por estes motivos, é importante conhecer as características das<br />
relações familiares, que interferem diretamente no processo de educação das crianças.<br />
As mães das crianças dos dois grupos relataram não ter dificuldades de<br />
relacionamento no interior da família, mas apenas discussões corriqueiras que podem ser<br />
resolvidas através de conversas. Todos os membros das famílias das crianças que apresentam<br />
bom desempenho escolar ajudam a cuidar e a educar as crianças. As mães dessas crianças<br />
afirmaram não ter graves problemas. Elas estimulam as crianças a aprender através da leitura,<br />
de programas educativos da TV ou do computador e por meio de conversas:<br />
“Eu estimulo ela a lê muito, né?, porque ela teve uma professora da primeira série<br />
que sempre trabalhou com leitura, então eu gosto muito que ela leia (...)” (S. 34 anos).<br />
Por outro lado, as mães das crianças que apresentam mau desempenho escolar<br />
disseram ser mais rígidas com seus filhos do que os seus esposos o são. Estimulam as crianças<br />
a estudar somente por meio de conversas esclarecedoras sobre a importância dos estudos:<br />
“É, eu falo com ele que ele tem que estudar, né? que se ele num estudar ele num vai<br />
sê nada na vida.” (L. 44 anos).<br />
Enquanto as mães das crianças com bom desempenho impõem limites aos seus filhos<br />
delegando-lhes responsabilidades, retirando algo que os agrada e controlando seus horários, as<br />
mães do outro grupo de crianças impõem limites somente através de conversas e castigos. A<br />
fala de uma das mães do grupo de crianças com bom desempenho ilustra sua atitude:<br />
“(...) antes o dever, depois o lazer, né? tem limites pra tudo sim, tem horário pra<br />
estudar, horário pra ir pro computador, tem horário pra ir pro jogo (...)” (D. 48 anos).
Essas diferenças verificadas entre as famílias dos dois grupos interferem no processo<br />
de socialização das crianças que, por sua vez interfere na aprendizagem da criança, de acordo<br />
com a teoria de Ferreira et al. (2002).<br />
Outra variável que interfere na aprendizagem da criança é a participação da família<br />
nas atividades escolares da criança. Segundo Santos et al. (1999) o envolvimento adequado<br />
dos pais com a escolaridade dos filhos promove não só o envolvimento dos filhos com esta,<br />
como também um melhor rendimento escolar e bom nível de auto-estima.<br />
De modo geral, as mães dos dois grupos de crianças afirmaram estar cientes em<br />
relação às atividades escolares de seus filhos. Apenas uma das mães das crianças que<br />
apresentam mau desempenho disse não estar ciente em relação a essas atividades. Olhar o<br />
caderno dos filhos, dialogar com eles, participar de reuniões, ir à sala de aula para conversar<br />
com a professora são atitudes tomadas pelas mães dos dois grupos de crianças, porém são<br />
mais mencionadas pelas mães das crianças que apresentam bom desempenho, as quais<br />
relataram ser auxiliadas pelos pais das crianças nesta tarefa. Os deveres das crianças dos dois<br />
grupos são supervisionados por suas mães; entretanto, as crianças com mau desempenho<br />
escolar, segundo suas mães, recebem ajuda de irmãos e parentes próximos para fazer o dever<br />
quando suas mães não podem ou não sabem ajudá-los.<br />
A auto-eficácia é mais uma variável importante que se relaciona à aprendizagem.<br />
Conforme Medeiros et al. (2000), define-se auto-eficácia a crença do indivíduo sobre sua<br />
capacidade de desempenho em atitudes específicas. De acordo com Bandura (apud Medeiros<br />
et al., 2000), as comparações sociais, a avaliação de desempenho dos colegas e a avaliação<br />
que as pessoas recebem dos outros, têm forte influência sobre o desenvolvimento do senso de<br />
auto-eficácia. Portanto, é de grande importância a avaliação que os filhos recebem dos pais.<br />
Diante disso, surge a importância de, neste estudo, comparar o parecer das mães dos dois<br />
grupos de crianças em relação ao desempenho dos filhos na escola e aos motivos dos<br />
diferentes desempenhos de alunos em geral.<br />
Enquanto as mães das crianças que apresentam bom desempenho escolar consideram<br />
seus filhos bons alunos, justificando que eles encaram os estudos com seriedade, são<br />
responsáveis, dedicados, estudiosos e tiram boas notas, as mães do outro grupo de crianças<br />
não consideram seus filhos bons alunos, esclarecendo que apresentam dificuldades de<br />
aprendizagem, são distraídos, não prestam atenção, não sabem ler e escrever. Algumas das<br />
mães das crianças que apresentam mau desempenho escolar mostram-se inconformadas com a<br />
impossibilidade dos filhos repetirem a primeira série do ensino fundamental I, sendo<br />
necessário aguardarem até a segunda série para, se ainda for necessário, serem reprovados. As
mães das crianças de ambos os grupos acreditam que os motivos dos diferentes desempenhos<br />
obtidos por alunos em geral, fraco ou bom desempenho, se devem à falta de incentivo da<br />
família, às facilidades e dificuldades das próprias crianças, além do interesse de cada uma e da<br />
atenção que o professor direciona a elas:<br />
“(...) crianças carentes eu noto que é deixado um pouquinho de lado, ao invés de dá<br />
mais atenção pra essas crianças, eles vão lá no final do ano pegar pra tentar corrigir o que<br />
num fez o ano todinho (...)” (S. 34 anos).<br />
As mães dos alunos com mau desempenho escolar acrescentaram alguns motivos<br />
como o excesso de alunos para um único professor, a presença de alguns professores que não<br />
incentivam e de outros que não são qualificados, como indica a fala de uma delas:<br />
“(...) a professora tinha que miorá um pouco.” (V. 40 anos).<br />
A solução para que os alunos possam melhorar seu desempenho escolar, segundo as<br />
mães das crianças que apresentam bom desempenho, seria proporcionar maior acesso a tudo<br />
que viabilize o desenvolvimento emocional e cognitivo, promover um ensino no qual todos os<br />
alunos tenham o mesmo tratamento; conscientizar os pais sobre a necessidade do incentivo<br />
aos filhos e estabelecer uma união de pais, professores e alunos. As mães das crianças que<br />
apresentam mau desempenho também mencionaram a necessidade de maior participação e<br />
incentivo por parte dos pais. Além disso, direcionaram seu olhar para aspectos importantes<br />
não mencionados pelas outras mães, como a necessidade do governo investir mais em<br />
educação, de valorizar os professores, de haver aulas de reforço logo no início do ano letivo e<br />
da importância de serem abertas salas de aula diferenciadas para os alunos que não<br />
conseguem acompanhar o processo de aprendizagem de sua faixa etária. Uma das reflexões<br />
que mereceu maior atenção, foi a seguinte:<br />
“(...) acho que devia abri uma sala pros que acompanha, devia te uma sala pra eles e<br />
pros que não acompanha devia te alguém só pra eles, pra te outro tipo de ensino pra vê se<br />
eles melhora, se pode acompanhar os outros.” (L. 30 anos).<br />
Diante dessa fala, é possível perceber que há mães cientes das dificuldades que os<br />
filhos enfrentam na escola, sendo capazes até mesmo de sugerir uma solução adequada.<br />
Considerações Finais<br />
Diante da atual situação da educação infantil brasileira, tendo em vista a significativa<br />
incidência de problemas de aprendizagem apresentados pelas crianças em idade escolar, nos
propusemos a realizar um estudo visando a contribuir com a compreensão e possível solução<br />
destes problemas.<br />
Neste trabalho, discutimos acerca das influências das relações sócio-familiares na<br />
aprendizagem das crianças. Investigamos, junto às mães, sobre aspectos pertinentes a essa<br />
inteiração e dinâmica familiar, como: condições de moradia e recursos materiais da família,<br />
ocupação do tempo livre e atividades que a criança realiza, características das relações<br />
familiares e o processo de educação da criança, a participação da família nas atividades<br />
escolares da criança, o parecer das mães em relação ao desempenho dos filhos na escola e aos<br />
motivos dos diferentes desempenhos de alunos em geral.<br />
Algumas mães mostraram-se conscientes sobre a relevância do incentivo e<br />
acompanhamento familiar no que se refere ao bom ou mau desempenho escolar dos filhos;<br />
outras nem tanto. Ainda sim, as mães foram capazes de perceber a ineficiência da educação<br />
infantil brasileira, criticá-la e sugerir soluções para que seus filhos possam receber uma<br />
educação adequada que lhes é de direito.<br />
No decorrer desse processo e diante dos resultados, que ainda são parciais, mostrou-se<br />
clara a importância e contribuição das relações familiares e sociais para a aprendizagem da<br />
criança. O resultado das entrevistas com as mães direcionou-se a favor da literatura aqui<br />
apresentada, reforçando e comprovando a teoria sobre a qual nos baseamos.<br />
Referências<br />
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao<br />
estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2002.<br />
LURIA, A. R.; YODOVICH, F. I. Linguagem e desenvolvimento intelectual na criança.<br />
Tradução de José Cláudio de Almeida Abreu. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.<br />
D´AVILA-BACARJI, K. M. G.; MARTURANO, E. M.; ELIAS, L. C. dos S. Suporte<br />
parental: um estudo sobre crianças com queixa escolares. Psicol. estud., Maringá, v. 10, n. 1,<br />
2005. disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-<br />
73722005000100013&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 21 Abr 2007. Pré-publicação.<br />
FERREIRA, M. de C. T.; MARTURANO, E. M. Ambiente familiar e os problemas do<br />
comportamento apresentados por crianças com baixo desempenho escolar. Psicol. Reflex.<br />
Crit., Porto Alegre, v. 15, n. 1, 2002. Disponível em:<br />
. Acesso em: 21 Abr 2007. Pré-publicação.<br />
FERNANDES, A. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da<br />
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