Baixe o PDF na Íntegra - Tribuna Virtual do IBCCRIM
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DIRETORIA DA<br />
GESTÃO 2013/2014<br />
DIRETORIA EXECUTIVA<br />
Presidente: Mariângela Gama de Magalhães Gomes<br />
1ª Vice-Presidente: Hele<strong>na</strong> Regi<strong>na</strong> Lobo da Costa<br />
2 o Vice-Presidente: Cristiano Avila Maron<strong>na</strong><br />
1ª Secretária: Heloisa Estellita<br />
2 o Secretário: Pedro Luiz Bueno de Andrade<br />
1 o Tesoureiro: Fábio Tofic Simantob<br />
2 o Tesoureiro: Andre Pires de Andrade Kehdi<br />
Diretora Nacio<strong>na</strong>l das Coorde<strong>na</strong><strong>do</strong>rias Regio<strong>na</strong>is e Estaduais: Eleonora Rangel Nacif<br />
Assessor da Presidência: Rafael Lira<br />
CONSELHO CONSULTIVO<br />
A<strong>na</strong> Lúcia Menezes Vieira<br />
A<strong>na</strong> Sofia Schmidt de Oliveira<br />
Diogo Rudge Malan<br />
Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró<br />
Marta Saad<br />
OUVIDOR<br />
Paulo Sérgio de Oliveira<br />
COORDENADORES-CHEFES<br />
DOS DEPARTAMENTOS<br />
Biblioteca: A<strong>na</strong> Elisa Liberatore S. Bechara<br />
Boletim: Rogério Fer<strong>na</strong>n<strong>do</strong>Taffarello<br />
Comunicação e Marketing: Cristiano Avila Maron<strong>na</strong><br />
Cursos: Paula Lima Hyppolito Oliveira<br />
Estu<strong>do</strong>s e Projetos Legislativos: Leandro Sarce<strong>do</strong><br />
Iniciação Científica: A<strong>na</strong> Caroli<strong>na</strong> Carlos de Oliveira<br />
Mesas de Estu<strong>do</strong>s e Debates: Andrea Cristi<strong>na</strong> D’Angelo<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 2
Monografias: Fer<strong>na</strong>nda Regi<strong>na</strong> Vilares<br />
Núcleo de Pesquisas: Bru<strong>na</strong> Angotti<br />
Relações Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is: Mari<strong>na</strong> Pinhão Coelho Araújo<br />
Revista Brasileira de Ciências Crimi<strong>na</strong>is: Heloisa Estellita<br />
Revista Liberdades: Alexis Couto de Brito<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> <strong>IBCCRIM</strong>: Bruno Salles Pereira Ribeiro<br />
PRESIDENTES DOS GRUPOS DE TRABALHO<br />
Amicus Curiae: Thiago Bottino<br />
Código Pe<strong>na</strong>l: Re<strong>na</strong>to de Mello Jorge Silveira<br />
Cooperação Jurídica Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l: Antenor Madruga<br />
Direito Pe<strong>na</strong>l Econômico: Pierpaolo Cruz Bottini<br />
Habeas Corpus: Pedro Luiz Bueno de Andrade<br />
Justiça e Segurança: Alessandra Teixeira<br />
Política Nacio<strong>na</strong>l de Drogas: Sérgio Salomão Shecaira<br />
Sistema Prisio<strong>na</strong>l: Fer<strong>na</strong>nda Emy Matsuda<br />
PRESIDENTES DAS COMISSÕES ESPECIAIS<br />
19º Seminário Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l: Carlos Alberto Pires Mendes<br />
Cursos com a Universidade de Coimbra: A<strong>na</strong> Lúcia Menezes Vieira<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 3
GESTÃO DA TRIBUNA VIRTUAL <strong>IBCCRIM</strong><br />
Coorde<strong>na</strong><strong>do</strong>r-Chefe<br />
Bruno Salles Pereira Ribeiro<br />
Coorde<strong>na</strong><strong>do</strong>res Adjuntos<br />
Adriano Scalzaretto<br />
Guilherme Suguimori Santos<br />
Matheus Silveira Pupo<br />
Conselho Editorial<br />
Amélia Emy Rebouças Imasaki, Anderson Bezerra Lopes, André Adriano <strong>do</strong> Nascimento Silva,<br />
Antonio Baptista Gonçalves, Átila Macha<strong>do</strong>, Camila Garcia, Carlos Henrique da Silva Ayres,<br />
Christiany Pegorari Conte, Danilo Ticami, Davi Rodney Silva, Diogo Henrique Duarte de Parra,<br />
Eduar<strong>do</strong> Henrique Balbino Pasqua, Érica Akie Hashimoto, Fabia<strong>na</strong> Za<strong>na</strong>tta Via<strong>na</strong>, Fábio Suardi<br />
D’ Elia, Francisco Pereira de Queiroz, Gabriela Prioli Della Ve<strong>do</strong>va, Giancarlo Silku<strong>na</strong>s Vay,<br />
Guilherme Suguimori Santos, Humberto Barrionuevo Fabretti, Ila<strong>na</strong> Martins Luz, Ja<strong>na</strong>i<strong>na</strong> Soares<br />
Gallo, José Carlos Abissamra Filho, Luiz Gustavo Fer<strong>na</strong>ndes, Marcel Figueire<strong>do</strong> Gonçalves,<br />
Marcela Veturini Diorio, Marcelo Feller, Matheus Silveira Pupo, Milene Maurício, Rafael Lira,<br />
Ricar<strong>do</strong> Batista Capelli, Rodrigo Dall’Acqua, Ryan<strong>na</strong> Pala Veras, Thiago Colombo Bertoncello e<br />
Yuri Felix.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 4
APRESENTAÇÃO<br />
O <strong>IBCCRIM</strong> – Instituto Brasileiro de Ciências Crimi<strong>na</strong>is, pauta-se, acima de tu<strong>do</strong>, pela<br />
defesa das liberdades individuais <strong>do</strong>s cidadãos e pela proteção de seus direitos fundamentais.<br />
Seja para abrir os caminhos entre as veredas das ciências, seja para municiar o campo de<br />
batalha da defesa da liberdade, proporcio<strong>na</strong>r meios de difusão <strong>do</strong> pensamento sempre esteve entre<br />
as principais atividades <strong>do</strong> IBCCRM em seus 20 anos de existência. Assim o comprova o Boletim<br />
<strong>do</strong> <strong>IBCCRIM</strong>, a Revista Brasileira de Ciências Crimi<strong>na</strong>is e a Revista Liberdades.<br />
Poder falar e ouvir são pressupostos fundamentais <strong>do</strong> exercício da liberdade. É também<br />
falan<strong>do</strong> e escutan<strong>do</strong> que se desenvolve o processo dialético de lapidação de ideias, maneira pela<br />
qual se constrói a verdadeira e legítima ciência.<br />
Na verdade, uma publicação científica é antes de tu<strong>do</strong> uma tribu<strong>na</strong>, onde o pensamento<br />
humano se amplifica, onde as ideias se libertam e ganham voz, uma voz que não serve às palavras<br />
<strong>do</strong> poder, mas sim ao poder de uma palavra: liberdade.<br />
Inspira<strong>do</strong> por esses ideais surge um novo espaço de intercâmbio de ideias e de fomento <strong>do</strong><br />
pensamento científico adequa<strong>do</strong> à modernidade tecnológica globalizada. Assim é concebi<strong>do</strong> este<br />
periódico: uma Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> <strong>do</strong> <strong>IBCCRIM</strong>.<br />
Uma plataforma globalmente acessível, que tem como objetivo receber e difundir os<br />
conhecimentos das ciências crimi<strong>na</strong>is para além das barreiras territoriais - essa é nossa tribu<strong>na</strong>.<br />
Após 20 anos de incansável defesa das garantias fundamentais, esperamos que nesta<br />
Tribu<strong>na</strong> o vigor científico surja <strong>do</strong> embate de ideias, experiências e pontos de vista plurais e<br />
democráticos, a individualidade ceda lugar ao debate, o autoritarismo e o me<strong>do</strong> se calem e o<br />
pensamento humano amplifique e dê senti<strong>do</strong> ao conceito de liberdade sonha<strong>do</strong> por este instituto.<br />
Seja voz nesta tribu<strong>na</strong>.<br />
Envie seu artigo.<br />
“Participe por acreditar".<br />
Coorde<strong>na</strong>ção da Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> <strong>IBCCRIM</strong>.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 5
SUMÁRIO<br />
• Diretoria da Gestão 2013/2014.................................................. 02<br />
• Gestão da Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> <strong>IBCCRIM</strong>........................................ 04<br />
• Apresentação............................................................................... 05<br />
• Artigos<br />
o A propósito de Filangieri: ¿Ha muerto el Iluminismo pe<strong>na</strong>l?<br />
E. Raúl Zaffaroni..........................................................................07<br />
o Reforma pe<strong>na</strong>l: Codificação ou Consolidação?<br />
René Ariel Dotti............................................................................23<br />
o A reforma pe<strong>na</strong>l: crítica da discipli<strong>na</strong> legal <strong>do</strong> crime<br />
Juarez Cirino <strong>do</strong>s Santos................................................................27<br />
o O crime de enriquecimento ilícito no Projeto de Código Pe<strong>na</strong>l, em<br />
face da presunção de inocência<br />
Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró...........................................50<br />
o O alcance da nulidade decorrente da ausência de motivação da<br />
decisão a respeito da resposta à acusação<br />
Cristiano Avila Maron<strong>na</strong>..............................................................76<br />
• Normas para publicação <strong>na</strong> Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> <strong>IBCCRIM</strong>............. 87<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 6
A propósito de Filangieri: ¿Ha muerto el Iluminismo pe<strong>na</strong>l? (1)<br />
E. Raúl Zaffaroni<br />
Profesor Emérito de la Universidad de Buenos Aires.<br />
Sumário: 1. ¿Iluminismo en el siglo XXI? – 2. ¿El posmodernismo pe<strong>na</strong>l imita a Ferri? –<br />
3. La pregunta previa: ¿Qué fue el Iluminismo pe<strong>na</strong>l? – 4. La <strong>na</strong>turaleza del Iluminismo pe<strong>na</strong>l –<br />
5. El Iluminismo fue un movimiento europeo – 6. ¿Era Filangieri un revolucio<strong>na</strong>rio? –<br />
7. El Iluminismo pe<strong>na</strong>l como momento de u<strong>na</strong> constante – 8. La enseñanza actual del<br />
Iluminismo – 9 ¿Estamos en las puertas de un cambio? – 10. ¿Debemos elegir nuevamente?<br />
1. ¿Iluminismo en el siglo XXI?<br />
La reivindicación del Iluminismo pe<strong>na</strong>l en esta segunda década del siglo XXI no se adecua<br />
a los actuales valores hegemónicos en la materia, <strong>do</strong>mi<strong>na</strong><strong>do</strong>s por el exclusivo interés por los<br />
aspectos considera<strong>do</strong>s técnicos de la <strong>do</strong>gmática jurídica y por los llama<strong>do</strong>s pragmáticos en el ámbito<br />
político y legislativo.<br />
Menos adecuada a este marco contemporáneo resulta aún la reedición argenti<strong>na</strong> de la<br />
traducción castella<strong>na</strong> del primer tomo de la obra de Gaetano Filangieri 2 , única razón que justifica<br />
nuestra osadía con algu<strong>na</strong> referencia al gran ilustra<strong>do</strong> <strong>na</strong>politano en esta sede, pues con motivo de<br />
esa publicación revisitamos, entre otras cosas, la biografía –un tanto novelada- de Ruggiero 3 y las<br />
actas del magnífico semi<strong>na</strong>rio del Castello Giuzzo de 1982 4 .<br />
1 El presente texto corresponde a las notas orde<strong>na</strong>das de nuestra intervención en el semi<strong>na</strong>rio italoargentino<br />
sobre “Valori, attualità e prospettive dell’Illumnismo giuridico”, Dipartimento di Scienze<br />
pe<strong>na</strong>listiche, criminologiche e penitenziari, Università degli Studi di Napoli Federico II, setiembre de<br />
2012. Con to<strong>do</strong> afecto lo dedicamos al colega y amigo Carlos Elbert, con quien compartimos muchos años<br />
de experiencia judicial y académica.<br />
2 Ciencia de la Legislación, con presentación de Sergio Moccia, EDIAR, Buenos Aires, 2012.<br />
3 Gerar<strong>do</strong> Ruggiero, Gaetano Filangieri. Un uomo, u<strong>na</strong> famiglia, un amore nella Napoli del Settecento,<br />
Alfre<strong>do</strong> Guida Ed., Napoli, 1999.<br />
4 Atti del Convegno “Gaetano Filangieri e l’Illuminismo europeo”, tenutosi a Vico Equense dal 14 al 16<br />
Ottobre 1982 e organizzato dall’Istituto Suor Orsola Benincasa, dall’Istituto Italiano per gli Studi<br />
Filosofici e dall’Istituto di Filosofia del Diritto della Facoltà di Giurisprudenza dell’Università di Napoli,<br />
con introducción de Antonio Villani, Guida Ed., Napoli, 1991.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 7
Sin embargo, creemos que ha llega<strong>do</strong> el momento de alzar la vista por sobre los estrechos<br />
límites que nos impone hoy el pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte academicismo y los oligopolios mediáticos -que<br />
marcan la agenda de la política crimi<strong>na</strong>l en to<strong>do</strong> el mun<strong>do</strong>- y tomar consciencia de que este<br />
posmodernismo pe<strong>na</strong>l que declara oficialmente muerto no sólo al Iluminismo, sino incluso al viejo y<br />
buen derecho pe<strong>na</strong>l liberal, en realidad es sólo un momento en un curso histórico que debemos<br />
considerar en su totalidad y no con la visión distorsio<strong>na</strong>da que nos proporcio<strong>na</strong> un puro recorte<br />
transversal del presente.<br />
La pretensión posmoder<strong>na</strong> de sepultar al Iluminismo y su secuela no siempre se expresa<br />
claramente, por cierto, sino que suele presentarse como un tributo a sus protagonistas, pero de<br />
honores póstumos, o sea, reduci<strong>do</strong>s a la condición de predecesores remotos y difuntos, que ya no<br />
tienen <strong>na</strong>da que decirnos. Para quienes ni siquiera alientan razones emotivas para recordarlos, no<br />
pasan de ser u<strong>na</strong> curiosidad, en ocasiones con tinte morboso y siempre con el acostumbra<strong>do</strong> tono<br />
de suficiencia por parte de quien siente que el sólo paso del tiempo le permite ser más sabio.<br />
2. ¿El posmodernismo pe<strong>na</strong>l imita a Ferri?<br />
Cabe observar que <strong>na</strong>da muy diferente tuvo lugar cuan<strong>do</strong> Ferri inventó la famosa escuela<br />
clásica, pretendidamente fundada por Beccaria y acaudillada por Carrara: encerró a to<strong>do</strong>s sus<br />
protagonistas en un panteón académico, arrojó la llave al mar y proclamó que de ese mo<strong>do</strong> abría<br />
la auténtica etapa científica que, por supuesto, era la suya.<br />
Creemos que esa fue la mejor humorada ferria<strong>na</strong> o, al menos, la más exitosa, pues<br />
sobrevive hasta el presente, pese a que es absur<strong>do</strong> pensar que hubo u<strong>na</strong> escuela integrada por<br />
criticistas, hegelianos, kantianos, krausistas, aristotélicos, materialistas, espiritualistas, etc., lo que<br />
se asemejaría más a un parlamento pluripartidista que a u<strong>na</strong> escuela 5 .<br />
Este antecedente de u<strong>na</strong> táctica -que bien podemos llamar de renovación catastrofista, pues<br />
pretende arrasar con to<strong>do</strong> lo anterior- debe alertarnos acerca de las partidas de defunción<br />
ideológicas, que muchas veces se extienden a nombre de quienes gozan de perfecta salud.<br />
5 Esto lo sostenemos desde nuestro Derecho Pe<strong>na</strong>l, Parte General, EDIAR, Buenos Aires, T.II, 1983.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 8
3. La pregunta previa: ¿Qué fue el Iluminismo pe<strong>na</strong>l?<br />
Para eludir las trampas propias de esta táctica, es menester preguntarse ante to<strong>do</strong>, qué fue<br />
el luminismo pe<strong>na</strong>l del siglo XVIII.<br />
Esta cuestión presenta <strong>do</strong>s aspectos: 1) ¿Qué <strong>na</strong>turaleza tuvo, es decir, fue un movimiento<br />
del status quo o bien, debe reconocérsele carácter revolucio<strong>na</strong>rio? 2) En segun<strong>do</strong> lugar, ante las<br />
pretensiones <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>les de los diferentes países por hegemonizarlo, es necesario esclarecer su<br />
extensión: ¿Fue un movimiento propio de algún país en particular o más bien se trató de un<br />
fenómeno continental? ¿Podemos distinguir diferentes intensidades de aportes <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>les? ¿Vale la<br />
pe<strong>na</strong> hacerlo?<br />
Como parte de esta segunda cuestión corresponderá a<strong>na</strong>lizar qué significó la intervención<br />
<strong>na</strong>polita<strong>na</strong> y en particular la de Filangieri.<br />
Ape<strong>na</strong>s después de desbrozar el camino respondien<strong>do</strong> a estos interrogantes, estaremos en<br />
condiciones de evaluar sus perspectivas desde nuestra posición en el tiempo y el espacio.<br />
4. La <strong>na</strong>turaleza del Iluminismo pe<strong>na</strong>l<br />
En cuanto a la primera cuestión, esto es, la referida a la <strong>na</strong>turaleza del Iluminismo,<br />
debemos confesar que en cierta forma sentimos que usurpamos el lugar que corresponde a otro,<br />
pues quien en lengua castella<strong>na</strong>, en el cono sur americano y desde los albores de la segunda mitad<br />
del siglo pasa<strong>do</strong>, nos enseñó a valorar el aporte iluminista, fue Manuel de Rivacoba y Rivacoba,<br />
pe<strong>na</strong>lista español y exilia<strong>do</strong> republicano 6 .<br />
6 Rivacoba (1925-2000) fue profesor en la Universidad Nacio<strong>na</strong>l del Litoral en Santa Fe, Argenti<strong>na</strong>, y<br />
luego en la Universidad de Valparaiso en Chile. Entre sus obras se destaca Krausismo y derecho, Santa Fe,<br />
1968, su estudio sobre el iluminista español: Lardizabal, un pe<strong>na</strong>lista ilustra<strong>do</strong>, Santa Fe, 1964; su trabajo<br />
póstumo, Manuel de Lardizábal o el pensamiento ilustra<strong>do</strong> en derecho pe<strong>na</strong>l, en colaboración con José Luis<br />
Guzmán Dalbora, como Estudio prelimi<strong>na</strong>r al Discurso sobre las pe<strong>na</strong>s, publica<strong>do</strong> en Vitoria/Gasteiz en<br />
2001.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 9
Cuan<strong>do</strong> u<strong>na</strong> cuestión ha si<strong>do</strong> explicada con acierto, lo mejor es remitirse a lo hecho,<br />
evitan<strong>do</strong> replanteos que oscurecerían lo logra<strong>do</strong>, razón por la que en los párrafos que siguen<br />
retomaremos en bue<strong>na</strong> medida las líneas que trazó Rivacoba 7 .<br />
La diferencia entre el pensamiento iluminista y el revolucio<strong>na</strong>rio no puede demarcarse<br />
muy estrictamente, porque pueden seguirse <strong>do</strong>s criterios diferentes y que no siempre coinciden: el<br />
de la actitud política individual y el ideológico.<br />
Sin duda que es posible distinguir muy nítidamente entre <strong>do</strong>s actitudes políticas: (a) la del<br />
déspota ilustra<strong>do</strong>, que se limitaba a proponer un reacomodamiento de las tazas en el armario para<br />
evitar su caída total, es decir, el famoso to<strong>do</strong> para el pueblo, to<strong>do</strong> por el pueblo, pero sin el pueblo, y<br />
(b) la del revolucio<strong>na</strong>rio, que aspiraba a derribar to<strong>do</strong> el armario para rehacerlo con el pueblo.<br />
Gráficamente, corresponden respectivamente a las imágenes de unos señores con peluca<br />
apoltro<strong>na</strong><strong>do</strong>s en sillones de terciopelo y otros como Marat, arengan<strong>do</strong> o asesi<strong>na</strong><strong>do</strong> en la bañera.<br />
Por cierto que fueron varios los iluministas que se espantaron ante la violencia de los<br />
movimientos revolucio<strong>na</strong>rios y acabaron en el polo opuesto, restaura<strong>do</strong>r y reaccio<strong>na</strong>rio.<br />
Pero estas actitudes política perso<strong>na</strong>les no siempre tuvieron un exacto paralelo ideológico,<br />
pues no reconocen límites precisos en este aspecto, da<strong>do</strong> que con frecuencia el pensamiento no era<br />
muy diferente entre unos y otros, ni necesariamente era siempre más conserva<strong>do</strong>r el primero que<br />
el segun<strong>do</strong>. Puede afirmarse que hubo un fon<strong>do</strong> ideológico común que nutrió a quienes<br />
a<strong>do</strong>ptaron u<strong>na</strong> u otra actitud política o, al menos, un camino común que recorrieron ambos,<br />
aunque algunos llegaron más lejos que otros y no necesariamente los más revolucio<strong>na</strong>rios.<br />
Esto obedece a que la deslegitimación del poder absoluto y la invocación del pueblo -o al<br />
menos del público-, inevitablemente marcaba el ocaso del antiguo régimen. En este senti<strong>do</strong> desde<br />
su perspectiva llevaban razón los sectores hegemónicos de la nobleza, del feudalismo y del clero,<br />
7 En particular en La reforma pe<strong>na</strong>l de la Ilustración y Marat o el pensamiento revolucio<strong>na</strong>rio en derecho<br />
pe<strong>na</strong>l, ambos recopila<strong>do</strong>s en Violencia y justicia. Textos escogi<strong>do</strong>s por sus alumnos, Universidad de<br />
Valparaíso, 2012; también su prólogo a Verri, Observaciones sobre la tortura, Buenos Aires, 1977.<br />
.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 10
cuan<strong>do</strong> denunciaban a los iluministas e impetraban su persecución, invocan<strong>do</strong> el peligro que<br />
implicaba para ellos esa nefasta costumbre de pensar.<br />
5. El Iluminismo fue un movimiento europeo<br />
En el curso de la Revolución Industrial comenzó a buscarse la verdad fuera de los <strong>do</strong>gmas<br />
teológicos y sus adyacencias. En casi to<strong>do</strong>s los países hubo quienes tomaron la antorcha de la<br />
razón para avanzar en las tinieblas del oscurantismo que prohibía pensar, sea por la vía deductiva<br />
o por la del empirismo 8 .<br />
De la mano de intelectuales que ocupaban posiciones de poder muy secundarias,<br />
subestima<strong>do</strong>s por los poderosos, comenzó esa búsqueda. Era <strong>na</strong>tural que así fuese, pues otros no<br />
podían hacerlo. El monopolio del saber se amplió a medida que los señores fueron crean<strong>do</strong> las<br />
burocracias que los asistían en la gestión de los diferentes aspectos del sujeto público. El poder que<br />
pretendía regular la vida pública no podía manejarse con el limita<strong>do</strong> círculo de quienes sólo<br />
habían administra<strong>do</strong> la muerte 9 y, por ende, la ampliación de las burocracias generó u<strong>na</strong> clase de<br />
intelectuales segun<strong>do</strong>nes, algunos de los cuales comenzaron a pensar por cuenta propia.<br />
Este proceso no se limitó a ningún país europeo en particular, sino que fue más o menos<br />
contemporáneo en toda Europa. Las tesis iluministas se escribían en lenguas vulgares y se<br />
traducían inmediatamente, debatién<strong>do</strong>se desde los otros países. Los iluministas de toda Europa<br />
discutían y dialogaban entre ellos, se reprochaban por haberse queda<strong>do</strong> atrás en el pensamiento o<br />
por avanzar demasia<strong>do</strong> rápi<strong>do</strong>. En rigor, esta discusión era el motor que los hacía avanzar en<br />
grupo por el túnel oscuro repleto de fantasmas de los viejos <strong>do</strong>gmatismos.<br />
Como era de esperar, en semejante explosión del pensamiento fueron muchos los escritos<br />
y libros, de diversa extensión y <strong>na</strong>turaleza, que entraron en las discusiones del Iluminismo en<br />
construcción y, sin lugar a dudas, la contribución <strong>na</strong>polita<strong>na</strong>, en particular por medio de la obra<br />
de Gaetano Filangieri, fue u<strong>na</strong> de los más mencio<strong>na</strong><strong>do</strong>s.<br />
8 Sobre esto, Ernst Cassirer, Filosofía de la Ilustración, México, 1972.<br />
9 El tema fue claramente expuesto por M. Foucault.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 11
Sólo desde la particular perspectiva filosófica del idealismo actual se puede explicar la<br />
subestimación de la obra de Filangieri por parte de Croce y de Gentile 10 , que en <strong>na</strong>da puede<br />
menguar la prueba objetiva de su trascendencia en el debate de su tiempo, lo que se verifica por el<br />
general interés en traducir la obra de inmediato a las otras lenguas romance europeas. Las<br />
traducciones alema<strong>na</strong>s, las citas de Feuerbach 11 y el empeño de Goethe por visitarlo<br />
perso<strong>na</strong>lmente y dejar testimonio de la impresión que le produjo su trato 12 , son la prueba objetiva<br />
más contundente acerca de la importancia que se le concedió a su obra en el debate iluminista.<br />
No menos elocuente a este respecto es la conocida expresión de Napoleón Bo<strong>na</strong>parte al<br />
calificarlo de maestro de to<strong>do</strong>s nosotros, en ocasión de amparar a sus hijos y a su viuda, exilia<strong>do</strong>s<br />
después de la derrota de la República Partenopea 13 .<br />
Por otra parte, Filangieri no surgió en Nápoles de la <strong>na</strong>da, no fue un brote o flor exótica<br />
ni se hallaba en un desierto intelectual. De algu<strong>na</strong> manera fue la punta de u<strong>na</strong> flecha pensante que<br />
pasó por Gianbattista Vico y Antonio Genovesi.<br />
6. ¿Era Filangieri un revolucio<strong>na</strong>rio?<br />
Más allá de la extinción de su existencia terre<strong>na</strong>, Filangieri se prolongó en los héroes y<br />
mártires de la República unos pocos años después y, entre ellos, en la pluma de Francesco Mario<br />
Pagano 14 .<br />
Uno de los objetivos de nuestro autor fue acabar con el régimen feudal y las potestades de<br />
los señores, lo que le acarreó serios problemas y no pocos enemigos, aunque fueron muchos más<br />
quienes lo miraban con desconfianza. Lógicamente, para eso debía poner en primer lugar el<br />
10 Sobre esto el <strong>do</strong>cumenta<strong>do</strong> trabajo de Paolo Becchi, Aspetti e figure Della recezione di Filangieri in<br />
Germania, en Atti, cit., pág. 214, nota 1.<br />
11 Idem.<br />
12 Idem, pág. 220.<br />
13 Gerar<strong>do</strong> Ruggieri, op. cit., pág. 415.<br />
14 Francisco Mario Pagano, Principios del Código Pe<strong>na</strong>l, con introducción y notas de Sergio Moccia y<br />
revisión de Manuel de Rivacoba y Rivacoba, Ed. Hammurabi, Buenos Aires, 2002; los trabajos de Pagano:<br />
Saggi politici dei principii, progressi e decadenza delle società, Lugano, 1836.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 12
derecho de la igualdad y elevarlo por sobre el resto de los derechos, lo que no deja de ser u<strong>na</strong><br />
particularidad dig<strong>na</strong> de tenerse en cuenta.<br />
Esta posición <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte de la igualdad surge expresamente en el texto de elevación del<br />
proyecto de Constitución republica<strong>na</strong> de 1799, que en este aspecto se permite enmendarle la<br />
pla<strong>na</strong> a la propia constitución francesa. Con transparente claridad puede afirmarse que se trata del<br />
pensamiento esencial de Filangieri acerca de la igualdad como derecho fundamental.<br />
Nos permitimos citarlo in extenso, pues de este mo<strong>do</strong> podrá verificarse que parece sali<strong>do</strong><br />
de la pluma del propio Filangieri: La cosa más egregia que se halla en las constituciones moder<strong>na</strong>s<br />
es la declaración de los derechos del hombre. Falta en las antiguas legislaciones esta base sólida e<br />
inmutable. No nos limitamos a beneficiarnos de la declaración que encabeza la constitución<br />
francesa, sino que además advertimos que la igualdad no es un derecho del hombre, según lo<br />
considera esa declaración, sino la base de to<strong>do</strong>s los derechos y el principio sobre los que éstos se<br />
establecen y fundan. La igualdad es u<strong>na</strong> relación y los derechos son facultades. Son las facultades<br />
de actuar que la ley de la <strong>na</strong>turaleza, esto es, la invariable razón y conocimiento de las relaciones<br />
<strong>na</strong>turaleza, tanto como la ley social positiva, conceden a cada uno. De esa relación de igualdad<br />
<strong>na</strong>tural que existe entre los hombres se deriva la existencia y la igualdad de los derechos cuan<strong>do</strong><br />
los hombres son similares, pero sien<strong>do</strong> iguales entre ellos, tienen las mismas facultades físicas y<br />
morales: cada uno tiene tanta razón para valerse de sus fuerzas <strong>na</strong>turales como su semejante. De<br />
esto se deduce que las facultades <strong>na</strong>turales indefinidas por la <strong>na</strong>turaleza, deben ser definidas por la<br />
razón, debien<strong>do</strong> cada uno valerse de ella para que los otros puedan hacer lo propio. De lo que se<br />
sigue que los derechos son iguales, puesto que tratán<strong>do</strong>se de seres iguales, iguales deben ser las<br />
facultades de actuar. He aquí, por tanto, como de la semejanza e igualdad de la <strong>na</strong>turaleza surgen<br />
to<strong>do</strong>s los derechos del hombre y la igualdad de tales derechos 15 .<br />
Sin duda que pocos resistirán la tentación de preguntarse qué hubiese hecho Filangieri si<br />
la tuberculosis no hubiese acaba<strong>do</strong> con su vida y hubiese llega<strong>do</strong> a los tiempos de la República.<br />
15 Costituzione Napoleta<strong>na</strong> del 1799, Rapporto del Comitato di Legislazione al Governo Provvisorio.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 13
A la luz de su resistencia a participar de la vida cortesa<strong>na</strong> y a su renuncia y alejamiento de<br />
ese medio, para el que parecía desti<strong>na</strong><strong>do</strong> por su pertenencia a u<strong>na</strong> familia noble principesca,<br />
pareciera que su actitud habría si<strong>do</strong> republica<strong>na</strong>. Pero como la historia no se escribe con<br />
potenciales, no podemos responder afirman<strong>do</strong> que la tuberculosis le salvó del destino heroico y<br />
trágico de sus amigos Francesco Mario Pagano y Domenico Cirillo, o del camino de regresión<br />
segui<strong>do</strong> por su primer biógrafo y apologista, Do<strong>na</strong>to Tommasi, que se inclinó ante la restauración<br />
borbónica. Por el beneficio de la duda nos incli<strong>na</strong>mos por lo primero, aunque a veces u<strong>na</strong> muerte<br />
oportu<strong>na</strong> salva la imagen de alguien ante la posteridad.<br />
7. El Iluminismo pe<strong>na</strong>l como momento de u<strong>na</strong> constante<br />
Respondidas las anteriores preguntas, podemos aproximarnos –con la brevedad del caso-<br />
al significa<strong>do</strong> o proyección del Iluminismo pe<strong>na</strong>l en nuestro tiempo.<br />
La historia no es el simple relato de hechos pasa<strong>do</strong>s, sino el de los hechos que siguen<br />
vivien<strong>do</strong> en nosotros, que condicio<strong>na</strong>n nuestro presente, que son parte de nuestras vivencias. En<br />
este senti<strong>do</strong>, el recorda<strong>do</strong> Rivacoba afirmaba que somos hijos del Iluminismo, lo cual es verdad en<br />
el senti<strong>do</strong> de que nuestro derecho pe<strong>na</strong>l de garantías arranca con éste.<br />
Si pretendemos levantar la vista más allá de los límites que nos imponen los mezquinos y<br />
empobreci<strong>do</strong>s tecnicismos normativistas en lo académico y la construcción mediática de la<br />
realidad en lo político crimi<strong>na</strong>l, confrontamos con un panorama más amplio, en el que sin duda<br />
está vivo el Iluminismo pe<strong>na</strong>l, pues no tienen otro origen las resistencias que en esta emergencia<br />
oponemos a la multiplicación de avances autoritarios en nuestro mun<strong>do</strong> contemporáneo. En este<br />
senti<strong>do</strong>, al menos quienes deslegitimamos los atropellos vindicativos y la improvisación legislativa,<br />
podemos suscribir la afirmación de que somos hijos del Iluminismo.<br />
No obstante, nuestra genealogía no se agota en éste. Por muy orgullosos que estemos de<br />
nuestros padres iluministas, no podemos olvidar que somos también nietos de los inquisi<strong>do</strong>res.<br />
El Iluminismo no <strong>na</strong>ció de la <strong>na</strong>da ni para <strong>na</strong>da, sino como contradicción frente al<br />
pensamiento inquisitorial del antiguo régimen. La inquisición no fue un fenómeno exclusivo de la<br />
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iglesia ni del papa<strong>do</strong>, sino anterior y también posterior a éste. Basta hurgar someramente en la<br />
legislación pe<strong>na</strong>l roma<strong>na</strong> para verificar que el procedimiento inquisitorial repuesto en la llamada<br />
recepción era el propio del imperio 16 . Cuan<strong>do</strong> la inquisición roma<strong>na</strong> fue decayen<strong>do</strong> en su quema<br />
de mujeres, continuó en manos de los príncipes, a tal punto que la dura crítica de Friedrich Spee<br />
a esta práctica 17 se dirige contra las combustiones orde<strong>na</strong>das por las autoridades civiles.<br />
Los privilegios feudales y nobles chocaron en el siglo XVIII con las pretensiones de espacio<br />
social de u<strong>na</strong> nueva clase en el marco de la revolución industrial. Los comerciantes, industriales y<br />
banqueros, que aspiraban a participar del poder económico y político hasta entonces nega<strong>do</strong> a los<br />
plebeyos, requerían la limitación del poder punitivo, que era el instrumento del que se valía la<br />
clase hegemónica para sostener sus privilegios.<br />
El Iluminismo pe<strong>na</strong>l fue obra de los nuevos funcio<strong>na</strong>rios, constructores de los dialectos<br />
especializa<strong>do</strong>s de las corporaciones que se distribuían la administración de la vida pública. La<br />
contención del impulso punitivista inquisitorial era u<strong>na</strong> necesidad para la apertura del espacio<br />
social para esta nueva clase en ascenso.<br />
El Iluminismo desembocó en el liberalismo pe<strong>na</strong>l, que sirvió al ascenso de la nueva clase,<br />
pero cuan<strong>do</strong> ésta se asentó en el poder, en el curso del siglo XIX, se vio precisada a defender su<br />
posición hegemónica de las pretensiones de las clases subalter<strong>na</strong>s (movilizadas por a<strong>na</strong>rquistas,<br />
socialistas, sindicalistas, socialdemócratas, etc.) y desechó el discurso liberal, a<strong>do</strong>ptan<strong>do</strong> el<br />
produci<strong>do</strong> por u<strong>na</strong> alianza de la emergente institución policial europea 18 con la corporación<br />
16 V. M. Ortolan, Explication historique des Instituts de l’Empereur Justinien, París, 1863, III, 727; la crítica<br />
de este proceso inqusitorial en Pagano, Principios, cit.<br />
17 Cfr. Friedrich Spee, I processi contro le streghe (Cautio Crimi<strong>na</strong>lis), Roma, 2004.<br />
18 Creemos que el origen de la policía es colonialista, pues u<strong>na</strong> colonia no es más que u<strong>na</strong> ocupación<br />
policial de territorio extranjero, y que luego, con la concentración urba<strong>na</strong>, la institución, <strong>do</strong>tada de un<br />
nuevo rostro, fue trasladada a Europa.<br />
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médica, que dio por resulta<strong>do</strong> el peligrosismo racista del positivismo pe<strong>na</strong>l, cuyo extremo llevó al<br />
derecho pe<strong>na</strong>l totalitario del siglo XX 19 .<br />
La catástrofe de la Segunda Guerra provocó un nuevo impulso de contención del poder<br />
punitivo –o de contrapunitivismo- en la posguerra. A lo largo de la guerra fría hubo u<strong>na</strong><br />
permanente ambivalencia de pulsiones punitivistas y contrapunitivistas y en el actual momento de<br />
la globalización se vive u<strong>na</strong> impresio<strong>na</strong>nte pulsión punitivista y controla<strong>do</strong>ra.<br />
El Iluminismo fue un momento de esta constante lucha de pulsiones punitivistas y<br />
contrapunitivistas, pero no por eso se trata de u<strong>na</strong> etapa cerrada, da<strong>do</strong> que entre el inquisitorio y la<br />
reacción contrapunitiva media u<strong>na</strong> diferencia que no es menor: el punitivismo se legitima siempre<br />
crean<strong>do</strong> un enemigo, satanizan<strong>do</strong> 20 a algún grupo, por lo cual siempre cambia el conteni<strong>do</strong> de su<br />
discurso coyuntural, al compás de la creación de enemigos; en tanto que el discurso de contención<br />
-el contrapunitivo- se va enriquecien<strong>do</strong> ante la necesidad de desplegar nuevas precisiones contra<br />
las novedades autoritarias, pero no cambia radicalmente su conteni<strong>do</strong>, sólo lo aumenta.<br />
En otras palabras, en tanto que el punitivismo vacía y relle<strong>na</strong> siempre su discurso, si bien<br />
mantiene la misma estructura, la resistencia limita<strong>do</strong>ra –o contrapunitivismo- incorpora las<br />
nuevas experiencias, pero mantiene to<strong>do</strong> el conteni<strong>do</strong> anterior. Por consiguiente, el Iluminismo es<br />
parte de este atesoramiento de experiencias limita<strong>do</strong>ras del punitivismo.<br />
8. La enseñanza actual del Iluminismo<br />
En las últimas décadas se observa un marca<strong>do</strong> re<strong>na</strong>cimiento del punitivismo y el<br />
consiguiente retroceso de las contenciones propias de su contrario. El posmodernismo pe<strong>na</strong>l no es<br />
más que un retroceso a momentos premodernos: institutos tales como el testigo de la coro<strong>na</strong>, el<br />
agente provoca<strong>do</strong>r, el espía judicial, la incomunicación de deteni<strong>do</strong>s, etc., son to<strong>do</strong>s viejos<br />
recursos punitivos claramente rechaza<strong>do</strong>s por el Iluminismo y, como herencia de éste, por el<br />
19 Es muy claro el reclamo de uno de sus últimos representantes, Filippo Grispigni, que en polémica con<br />
Mezger, reivindicaba para el positivismo la inspiración del derecho pe<strong>na</strong>l <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lsocialista: Filippo<br />
Grispigni / Edmund Mezger, La reforma pe<strong>na</strong>l <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-socialista, EDIAR, Buenos Aires, 2009.<br />
20 Cabe recordar que Satán en hebreo significa precisamente enemigo.<br />
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derecho pe<strong>na</strong>l de garantías posterior. To<strong>do</strong> ello sin contar con la benevolencia hacia la tortura y la<br />
desfachatez con que se confiesan o admiten los secuestros estatales, las renditions y las extraordi<strong>na</strong>y<br />
renditions o la prisión ilimitada sin proceso y la ampliación de la discrecio<strong>na</strong>lidad policial.<br />
El fantasma del terrorismo en el plano inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, puesto en diferentes cabezas según el<br />
país, y el de la crimi<strong>na</strong>lidad común en lo interior, mostra<strong>do</strong>s como los únicos peligros para la vida<br />
y la integridad del mun<strong>do</strong> actual, absolutiza<strong>do</strong>s por la construcción mediática de la realidad,<br />
suma<strong>do</strong>s a la aparición de las víctimas héroes, a la glorificación de los venga<strong>do</strong>res, muestra cómo la<br />
comunicación masiva en manos de oligopolios mediáticos marca la agenda de la política crimi<strong>na</strong>l<br />
de los últimos años, amedrenta y estigmatiza a quienes rechazan ese discurso, arrinco<strong>na</strong> a los<br />
políticos, impone temor a los jueces y, de este mo<strong>do</strong>, avanza hacia un nuevo inquisitorio sin<br />
tapujos.<br />
En el plano procesal se pervierte el discurso acusatorio mediante u<strong>na</strong> sobredimensión del<br />
ministerio público en detrimento del poder judicial. Si bien el proceso acusatorio en abstracto es<br />
el más liberal, su funcio<strong>na</strong>miento se desequilibra mediante u<strong>na</strong> deformación de la infraestructura<br />
institucio<strong>na</strong>l que debe sustentarlo: se agiganta la figura y el poder del ministerio público, se le<br />
otorga la conducción de la policía en muchos países, en otros cumple también funciones de<br />
ministerio de justicia, sus integrantes saltan a la publicidad junto a víctimas seleccio<strong>na</strong>das para<br />
impulsar venganzas, estimula los sentimientos vindicativos y al mismo tiempo sus integrantes<br />
actúan políticamente o se disponen a eyectarse a esa actividad; se ha llega<strong>do</strong> al extremo de que<br />
uno de sus integrantes logró casi un juicio político al presidente del país más poderoso del mun<strong>do</strong><br />
por u<strong>na</strong> relación sexual de estricta privacidad.<br />
En tanto que se multiplican los tipos pe<strong>na</strong>les alimentan<strong>do</strong> la ilusión de que por este<br />
camino se hace desaparecer milagrosamente to<strong>do</strong> lo nocivo, molesto o desagradable, la <strong>do</strong>ctri<strong>na</strong><br />
pe<strong>na</strong>l no tiene empacho en volver a sostener que la esencia del delito se halla en la violación del<br />
deber y no en la producción de u<strong>na</strong> lesión 21 .<br />
21 En su momento Friedrich Schaffstein, Das Verbrechen als Pflichtverletzung, Berlín, 1935.<br />
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Es obvio que quienes postulamos prudencia y contención del poder punitivo somos<br />
estigmatiza<strong>do</strong>s públicamente y, si bien hoy no nos fusilan como a Pagano o a Cirillo, al menos<br />
resulta claro que molestamos en la corte, como Filangieri.<br />
To<strong>do</strong> esto puede sumir en depresión al pe<strong>na</strong>lista liberal de nuestro tiempo, pero creemos<br />
que eso también sería fruto de u<strong>na</strong> visión limitada y reducida a un corte transversal, que pierde de<br />
vista la dinámica histórica, que muestra otro panorama, aunque no sea muy tranquiliza<strong>do</strong>r.<br />
El curso completo de los vaivenes del punitivismo nos muestra que éste toma impulso<br />
cuan<strong>do</strong> un sector social <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte pretende defender sus privilegios o su hegemonía a cualquier<br />
precio, porque los siente ame<strong>na</strong>za<strong>do</strong>s. Cuanto más arbitrarios son estos privilegios mayor<br />
resistencia provocan y, por consiguiente, mayor es el poder punitivo con que el grupo<br />
hegemónico pretende contenerla.<br />
Esta parece ser u<strong>na</strong> constante histórica. Si pensamos que la inquisición roma<strong>na</strong><br />
centralizaba poder en contra de las sectas disidentes que lo desconocían, que la inquisición<br />
española lo hacía en beneficio del mo<strong>na</strong>rca y contra to<strong>do</strong>s los disidentes o herejes que ame<strong>na</strong>zaban<br />
su poder absoluto, que el antiguo régimen se encarnizaba en la defensa de los intereses del clero y<br />
de la nobleza, que la burguesía racista europea defendía sus derechos a la explotación de las clases<br />
subalter<strong>na</strong>s, etc., vemos que los discursos antipunitivistas siempre fueron peligrosos para estos<br />
poderes privilegia<strong>do</strong>s en sus momentos críticos y, por ende, su aparición siempre fue precedida<br />
por el reforzamiento punitivista, pero como respuesta a la existencia de un movimiento de cambio<br />
hacia el desbaratamiento del poder privilegia<strong>do</strong>, aunque fuera incipiente y no muy bien<br />
estructura<strong>do</strong>.<br />
9 ¿Estamos en las puertas de un cambio?<br />
En este tiempo –como en to<strong>do</strong>s- es difícil oficiar de augur, pero no por ello podemos<br />
negar la lucha que hoy cunde en el seno de este poder planetario globaliza<strong>do</strong>, pues la pregunta de<br />
más ardua respuesta del momento es la siguiente: ¿Quién manda?<br />
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En efecto: votamos a candidatos políticos, los elegimos democráticamente, dicen asumir<br />
las funciones formalmente establecidas en nuestras constituciones, pero no ejercen to<strong>do</strong> ese poder<br />
formal, porque frente a ellos hay corporaciones globalizadas (trans<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>les) que son más fuertes<br />
que muchos esta<strong>do</strong>s y que en los propios grandes esta<strong>do</strong>s disputan poder interno compran<strong>do</strong><br />
voluntades y accio<strong>na</strong>n<strong>do</strong> a través de lobbies.<br />
Filangieri se exaltaba destacan<strong>do</strong> que los príncipes de su tiempo se esmeraban en averiguar<br />
cómo matar más y mejor, esbozan<strong>do</strong> las líneas de lo que luego sería el universal discurso<br />
antibélico. Hoy vemos como la industria bélica condicio<strong>na</strong> políticamente a los gobiernos de<br />
grandes potencias y les obstaculiza la solución de conflictos para degenerar en guerras o<br />
directamente las impulsan entre los indefensos esta<strong>do</strong>s precarios de la más pobre periferia del<br />
poder mundial. Gobiernos de países en grave crisis económica invierten sumas siderales en<br />
armamentos imagi<strong>na</strong>n<strong>do</strong> hipótesis bélicas insensatas o que sólo pueden convertirse en realidad<br />
por su propia voluntad.<br />
Nos hemos insensibiliza<strong>do</strong> ante la noticia de los crímenes de esta<strong>do</strong> masivos, los<br />
pretendi<strong>do</strong>s líderes mundiales han perdi<strong>do</strong> la vergüenza y desfachatadamente confiesan crímenes<br />
aberrantes y los disfrazan como errores de apreciación o pretenden cubrirse con la necesidad<br />
justificante magnifican<strong>do</strong> los peligros y los daños.<br />
Cuan<strong>do</strong> Roosevelt definía las libertades en su tiempo, u<strong>na</strong> fundamental era la libertad del<br />
mie<strong>do</strong>, el vivir sin mie<strong>do</strong>, pero hoy el mun<strong>do</strong> globaliza<strong>do</strong> hace u<strong>na</strong> manipulación descarada y<br />
abierta del mie<strong>do</strong>, ejerce el poder fabrican<strong>do</strong> y potencian<strong>do</strong> mie<strong>do</strong>s. En este momento mundial<br />
no sería arriesga<strong>do</strong> definir a la política como el arte de crear y manipular mie<strong>do</strong>s. Machiavelli sería<br />
un ingenuo consejero de escuela de pequeño pueblo.<br />
Para to<strong>do</strong> esto, las grandes corporaciones cuentan con el oligopolio de la información y de<br />
la comunicación mediática masiva, lo que les permite crear realidades temibles que se concentran<br />
–como dijimos- en el terrorismo y en la delincuencia callejera.<br />
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La confrontación mundial es clarísima: o mandan quienes elegimos o lo hacen las<br />
corporaciones del fi<strong>na</strong>ncierismo, que parece ser u<strong>na</strong> degeneración del capitalismo lo que, en el fon<strong>do</strong><br />
y en el espacio virtual, implica un neofeudalismo.<br />
Este triste panorama no debe obnubilarnos depresivamente e impedirnos ver con claridad<br />
el fenómeno a la luz del curso histórico del vaivén mile<strong>na</strong>rio de punitivismo y contrapunitivismo.<br />
Desde esa perspectiva temporal y aplican<strong>do</strong> la regla que siempre se ha cumpli<strong>do</strong>, el avance del<br />
punitivismo importa un reforzamiento de los privilegios de minorías en riesgo que se van<br />
volvien<strong>do</strong> intolerables.<br />
Siempre los privilegia<strong>do</strong>s, cuan<strong>do</strong> vieron ame<strong>na</strong>zadas sus posiciones, apelaron al<br />
punitivismo. El rebrote brutal de las últimas décadas es un signo de que el fi<strong>na</strong>ncierismo se siente<br />
ame<strong>na</strong>za<strong>do</strong> y, además, aunque lo niegue, sus más inteligentes defensores caen en la cuenta de su<br />
falta de futuro, sólo que lo consideran aún muy lejano, pese a que los acontecimientos se<br />
precipitan por momentos.<br />
El contrapunitivismo y el consiguiente reclamo de u<strong>na</strong> vuelta al derecho pe<strong>na</strong>l liberal y de<br />
garantías es sumamente disfuncio<strong>na</strong>l a las categorías privilegiadas en el mun<strong>do</strong> globaliza<strong>do</strong> y, con<br />
toda razón, al igual que los nobles, los señores feudales y el clero del siglo XVIII, lo consideran un<br />
peligro para sus posiciones.<br />
El esta<strong>do</strong> reduci<strong>do</strong> a su mínima expresión, con la sola consig<strong>na</strong> de garantizar la libertad<br />
contractual irrestricta para las corporaciones y la represión de disidentes y exclui<strong>do</strong>s, adecua<strong>do</strong> a<br />
un modelo de sociedad con un treinta por ciento de inclui<strong>do</strong>s y el resto conteni<strong>do</strong> por el mie<strong>do</strong>,<br />
es un proyecto cada día más inviable frente a los reclamos masivos y a las consecuencias genocidas<br />
del modelo. La inviabilidad de un modelo irrealizable o sin futuro preocupa a las corporaciones y<br />
a sus burócratas y la única solución que tienen a la mano es el brote de punitivismo<br />
crecientemente descara<strong>do</strong>, confeso y premoderno.<br />
To<strong>do</strong> esto nos muestra que estamos en las puertas de un cambio, como siempre ha<br />
sucedi<strong>do</strong> en coyunturas análogas. Sólo que la historia no se repite nunca, porque hay nuevas<br />
circunstancias y en este caso no son tranquiliza<strong>do</strong>ras.<br />
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El potencial técnico de creación de realidad mediática y de información y de destrucción<br />
material y huma<strong>na</strong>, crece en proporción geométrica y pone en manos de los privilegia<strong>do</strong>s medios<br />
de aniquilamiento que pueden llegar a límites jamás conoci<strong>do</strong>s, al tiempo que la explotación<br />
descontrolada de la capa superior y más sensible del planeta, suma<strong>do</strong> al daño ecológico de las<br />
guerras provocadas, puede poner en riesgo la propia supervivencia de la especie huma<strong>na</strong>, lo que<br />
está lejos de ser un alarmismo gratuito, como lo pretenden las corporaciones que siguen<br />
contami<strong>na</strong>n<strong>do</strong> y obstaculizan cualquier medida inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l que detenga o lentifique el proceso.<br />
Estas nuevas circunstancias dificultan enormemente en tiempos presentes la tarea –<br />
siempre difícil y casi siempre fallida- de cualquier pretendi<strong>do</strong> augur. De cualquier mo<strong>do</strong>, lo<br />
objetivo es que nos hallamos ante u<strong>na</strong> confrontación mundial de poderes que en cada región y en<br />
cada país se manifiestan con variables locales, a veces muy insignificantes. No obstante, la<br />
creación mediática hace que cada país tienda a considerar sus dificultades y confrontaciones como<br />
fenómenos locales, cuan<strong>do</strong> en realidad son planetarios.<br />
10. ¿Debemos elegir nuevamente?<br />
Por suerte pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong> u<strong>na</strong> ideología pe<strong>na</strong>l garantista en el ámbito académico, aunque se la<br />
trate de burlar por to<strong>do</strong>s los medios, ofrecien<strong>do</strong> incluso un renova<strong>do</strong> refugio en lo técnico y<br />
apolítico 22 o desplazan<strong>do</strong> el interés académico hacia lo procesal, para pervertir luego el proceso<br />
acusatorio y convertirlo en inquisitorio a través del desequilibrio de la base institucio<strong>na</strong>l, mediante<br />
u<strong>na</strong> sobredimensión del ministerio público.<br />
No cabe duda acerca de que el pe<strong>na</strong>lismo volverá a dividirse, pues no faltarán los<br />
iluministas espanta<strong>do</strong>s ante la irrupción de los pueblos y otros que prefieran apoltro<strong>na</strong>rse en los<br />
2222 Cabe destacar que esta fue la actitud de la mayoría de los pe<strong>na</strong>listas alemanes durante en <strong>na</strong>zismo, lo<br />
que luego reivindicaron celebran<strong>do</strong> que es este mo<strong>do</strong> no habían caí<strong>do</strong> en la politización del derecho pe<strong>na</strong>l,<br />
actitud que sólo le atribuían a la escuela de Kiel, mientras ellos habías puesto to<strong>do</strong> su arse<strong>na</strong>l teórico al<br />
servicio de la más funcio<strong>na</strong>l interpretación de la legislación pe<strong>na</strong>l <strong>na</strong>zista (cfr. Senfft, Richter und Andere<br />
Bürger, 1988; Vormbaum, Einführung in die moderne Strafrechtsgeschichte, 2011; Marxen, Der Kampf gegen<br />
das liberale Strafrecht, 1975).<br />
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sillones de terciopelo, y tampoco faltarán como en el siglo XVIII, quienes se sumen a los pueblos.<br />
Si bien no se reiterará la historia, no por eso dejará de cumplirse la misma regla.<br />
Por cierto que ambas decisiones serán también actitudes perso<strong>na</strong>les. En lo ideológico<br />
pocos son los que legitiman desde la <strong>do</strong>ctri<strong>na</strong> pe<strong>na</strong>l la vuelta descarada al preiluminismo, porque<br />
por fortu<strong>na</strong> el Iluminismo sigue vivo entre nosotros, al menos como fuente de mala conciencia,<br />
pero de to<strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s llegará el momento en que sea menester a<strong>do</strong>ptar algu<strong>na</strong> de la opciones como<br />
actitudes perso<strong>na</strong>les y, nuevamente, esto será difícil, quizá más que en el siglo XVIII, porque<br />
ambas implican serios riesgos.<br />
En efecto, la historia nos enseña que quedarse en el sillón de terciopelo puede acarrear la<br />
guilloti<strong>na</strong>, en tanto que salir a arengar puede termi<strong>na</strong>r en fusilamiento o puñaladas en la bañera.<br />
En nuestro tiempo esto es más complica<strong>do</strong>, porque los antibióticos han hecho curable la<br />
tuberculosis.<br />
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Reforma pe<strong>na</strong>l: Codificação ou Consolidação?<br />
1. Codificação e consolidação<br />
René Ariel Dotti<br />
Professor Titular de Direito Pe<strong>na</strong>l.<br />
Corredator <strong>do</strong>s projetos que se com verteram <strong>na</strong>s leis 7.209 e 7.210 de 1984.<br />
Medalha Mérito Legislativo da Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s.<br />
Advoga<strong>do</strong>.<br />
Conforme a <strong>do</strong>utri<strong>na</strong>, a codificação é uma “reunião coorde<strong>na</strong>da de leis, num único texto<br />
ou corpo, em forma de código, desde que alusivas a determi<strong>na</strong><strong>do</strong> ramo <strong>do</strong> direito ou a relações<br />
segun<strong>do</strong> critério objetivo”. 1 E a consolidação é a “reunião de leis esparsas, num só corpo<br />
legislativo, dispostas numa ordem uniforme”. 2<br />
2. A experiência no direito brasileiro<br />
A primeira codificação no direito brasileiro ocorreu com o Código Crimi<strong>na</strong>l <strong>do</strong> Império<br />
(1830), para revogar a “carnífica tortura” das <strong>do</strong> Livro V das Orde<strong>na</strong>ções Filipi<strong>na</strong>s impostas pelo<br />
reino de Portugal. A Constituição Imperial (24.03.1824) ordenou que se organizasse “o quanto<br />
antes um código civil e crimi<strong>na</strong>l funda<strong>do</strong> <strong>na</strong>s sólidas bases de justiça e equidade” (art. 179, § 18).<br />
Surgiu, então, o Código Crimi<strong>na</strong>l, promulga<strong>do</strong> em 16 de dezembro de 1830. 3<br />
O Código Pe<strong>na</strong>l da primeira República (11.10.1890) resultou <strong>do</strong> projeto elabora<strong>do</strong> pelo<br />
Conselheiro Baptista Pereira e, antes mesmo de sua promulgação, o governo baixou o Decreto<br />
774 (20.09.1890), que: a) aboliu a pe<strong>na</strong> de galés; b) reduziu a trinta anos o prazo da prisão, que<br />
1 DINIZ, Maria Hele<strong>na</strong>. Dicionário Jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 1998, vol. A-C, p. 629.<br />
2 Idem, ibidem, p. 804.<br />
3 Para um levantamento acerca da legislação <strong>do</strong>s perío<strong>do</strong>s colonial e imperial, vide: DOTTI, René Ariel.<br />
Curso de Direito Pe<strong>na</strong>l- Parte Geral, 4ª ed., rev., atual.e ampl.com a colaboração de Alexandre Knopfholz e<br />
Gustavo Britta Scandelari. São Paulo: RT, 2012. p. 264/275.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 23
antes era perpétua; c) computou no tempo de prisão o perío<strong>do</strong> da prisão preventiva; d) instituiu a<br />
prescrição das pe<strong>na</strong>s.<br />
Uma Consolidação das Leis Pe<strong>na</strong>is (14.12.1932) foi realizada pelo Desembarga<strong>do</strong>r<br />
Vicente Piragibe, diante da profusão de leis durante o perío<strong>do</strong> republicano e as tendências para<br />
rever o CP de 1890.<br />
O CP de 1940 surgiu <strong>do</strong>s trabalhos de revisão <strong>do</strong> Anteprojeto Alcântara Macha<strong>do</strong>,<br />
realizada por uma comissão integrada por Nélson Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e<br />
Roberto Lyra, que recebeu a colaboração de Costa e Silva.<br />
Além da reforma da Parte Geral, introduzida pela Lei 7.209/1984, houve anteprojetos de<br />
alteração da Parte Especial em 1984, 1994 e 1999, que não foram converti<strong>do</strong>s em projeto de lei.<br />
3. A orientação <strong>do</strong> Projeto 236/2012<br />
A Comissão de Juristas instituída no âmbito <strong>do</strong> Se<strong>na</strong><strong>do</strong> Federal, responsável pela redação<br />
<strong>do</strong> anteprojeto que se converteu no Projeto de Lei <strong>do</strong> Se<strong>na</strong><strong>do</strong> nº 236/2012, <strong>do</strong> Se<strong>na</strong><strong>do</strong>r José<br />
Sarney, optou por uma codificação de toda a legislação especial, em lugar de uma consolidação.<br />
Nas palavras <strong>do</strong> relator geral <strong>do</strong> anteprojeto, Luiz Carlos <strong>do</strong>s Santos Gonçalves, a Comissão<br />
“aceitou o projeto ambicioso de trazer, para um renova<strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l, toda a legislação<br />
extravagante que, nestes mais de setenta anos de vigência <strong>do</strong> diploma de 1940, foi sen<strong>do</strong> editada<br />
em nosso país. (...) Houve debate se estas leis seriam transformadas em capítulos ou títulos <strong>do</strong><br />
novo Código, pois muitas vezes traziam ‘microssistemas’, nos quais as normas pe<strong>na</strong>is<br />
complementavam ou eram complementadas por disposições cíveis e administrativas. Sem<br />
embargo, as mais de cento e vinte leis com dispositivos pe<strong>na</strong>is fora <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l, provaram<br />
mal, nestes anos. Elas conduziram a desproporcio<strong>na</strong>lidades, com tipos protetivos <strong>do</strong>s mesmos<br />
bens jurídicos, ape<strong>na</strong>s com um ou outro qualificativo, mas pe<strong>na</strong>s díspares”. 4<br />
Segun<strong>do</strong> o méto<strong>do</strong> eleito, “cada crime previsto <strong>na</strong> parte especial <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l atual ou<br />
<strong>na</strong> legislação extravagante foi submeti<strong>do</strong>, portanto, a um triplo escrutínio: i) se permanece<br />
4 Anteprojeto de Código Pe<strong>na</strong>l. Brasília: Se<strong>na</strong><strong>do</strong> Federal, 2012. p. 5.<br />
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necessário e atual; ii) se há figuras assemelhadas previstas noutra sede normativa; iii) se as pe<strong>na</strong>s<br />
indicadas são adequadas à gravidade relativa <strong>do</strong> delito”. 5<br />
4. A crítica <strong>do</strong> IBCCrim à Reforma Pe<strong>na</strong>l<br />
Na edição de outubro de 2012, o editorial <strong>do</strong> Boletim IBCCrim, após observar que a<br />
Parte Geral ignora “complexos aspectos de <strong>do</strong>gmática pe<strong>na</strong>l, o que pode tor<strong>na</strong>r i<strong>na</strong>plicável a nova lei,<br />
caso o anteprojeto seja aprova<strong>do</strong>”, afirma que a Parte Especial “não teve melhor sorte. O que salta aos<br />
olhos é a ideia de verdadeira consolidação das várias leis pe<strong>na</strong>is existentes hoje no País. Essa medida<br />
esquece, contu<strong>do</strong>, que algumas leis especiais se justificam pois não se mostram unicamente como tipos<br />
pe<strong>na</strong>is incrimi<strong>na</strong><strong>do</strong>res, mas, sim, apresentam políticas públicas de prevenção e repressão, quan<strong>do</strong> não de<br />
tratamento de determi<strong>na</strong>da situação. Essas leis vão muito além de incrimi<strong>na</strong>ção, pura e simples. Elas se<br />
justificam pela própria modernidade <strong>do</strong>s dias de hoje, em que há uma superação nítida da simples<br />
noção de codificação”. 6<br />
5. A revolução <strong>do</strong>s microssistemas legais<br />
No meu artigo Proposta para uma nova consolidação das leis pe<strong>na</strong>is, 7 sob o verbete “A crise<br />
das codificações” foi dito que não se poderá mais afirmar, como seria possível no começo <strong>do</strong><br />
século XX, que os códigos (civil, pe<strong>na</strong>l, comercial etc.) caracterizam instrumentos jurídicos de<br />
segurança <strong>do</strong>s cidadãos. Essa é a lúcida conclusão de Lorenzetti, ao afirmar que “a idéia de<br />
orde<strong>na</strong>r a sociedade ficou sem efeito a partir da perda <strong>do</strong> prestígio das visões totaliza<strong>do</strong>ras; o Direito<br />
Civil se apresenta antes como estrutura defensiva <strong>do</strong> cidadão e de coletividades <strong>do</strong> que como ‘ordem<br />
social’. (...) “A explosão <strong>do</strong> Código produziu um fracio<strong>na</strong>mento da ordem jurídica, semelhante ao<br />
sistema planetário. Criaram-se microssistemas jurídicos que, da mesma forma como os planetas, giram<br />
com autonomia própria, sua vida é independente; o Código é como o sol, ilumi<strong>na</strong>-os, colabora com suas<br />
vidas, mas já não pode incidir diretamente sobre eles. Pode-se também referir a famosa imagem<br />
empregada por Wittgenstein aplicada ao Direito, segun<strong>do</strong> a qual, o Código é o centro antigo da<br />
5 SANTOS GONÇALVES, Luis Carlos <strong>do</strong>s. Relatório, Anteprojeto..., cit., p. 5.<br />
6 Os destaques em itálico são meus.<br />
7 RBCCRIM, n. 28, out.-dez. 1999, p. 151 e s.<br />
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cidade, a que se acrescentaram novos subúrbios, com seus próprios centros e características de bairro.<br />
Poucos são os que se visitam uns aos outros; vai-se ao centro de quan<strong>do</strong> em quan<strong>do</strong> para contemplar as<br />
relíquias históricas”. 8<br />
6. A minha proposta de consolidação<br />
Na equivocada orientação legislativa de reunir <strong>na</strong> Parte Especial <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l todas as<br />
leis extravagantes, 9 assim como o fez o Projeto Sarney, abre-se oportunidade para reiteradas<br />
alterações <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l – inclusive quanto às normas de garantia da Parte Geral – <strong>na</strong> medida<br />
em que novas leis forem sen<strong>do</strong> promulgadas para atender aos interesses de um direito pe<strong>na</strong>l de<br />
ocasião. Infelizmente, isso tem si<strong>do</strong> frequente em nossos padrões legiferantes inflacionários.<br />
Daí a minha sugestão no senti<strong>do</strong> de se promover ampla redução da Parte Especial, para<br />
dela constar somente os delitos de especial gravidade, e de se instituir núcleos de leis extravagantes<br />
identificáveis pela <strong>na</strong>tureza <strong>do</strong> bem jurídico ofendi<strong>do</strong> e pelos meios e mo<strong>do</strong>s de execução das<br />
infrações. Segue uma relação parcial meramente exemplificativa: a) Lei <strong>do</strong>s Crimes contra a<br />
Humanidade; b) Lei <strong>do</strong>s Crimes contra o Esta<strong>do</strong> Democrático de Direito; c) Lei <strong>do</strong>s Crimes<br />
contra a Administração Pública; d) Lei <strong>do</strong>s Crimes de Responsabilidade; e) Lei <strong>do</strong>s Crimes<br />
Econômicos e Fi<strong>na</strong>nceiros; f) Lei <strong>do</strong>s Crimes contra o Meio Ambiente e a Qualidade de Vida; g)<br />
Lei <strong>do</strong>s Crimes de Trânsito; h) Lei <strong>do</strong>s Crimes contra o Sistema Previdenciário e de seguros<br />
priva<strong>do</strong>s; i) Lei <strong>do</strong>s Crimes pratica<strong>do</strong>s por Organizações Criminosas; j) Lei <strong>do</strong>s Crimes de<br />
entorpecentes e drogas afins; k) Lei <strong>do</strong>s Crimes contra o Patrimônio Imaterial e a Propriedade<br />
Intelectual; l) Lei <strong>do</strong>s Crimes de Imprensa; m) Lei das Contravenções Pe<strong>na</strong>is. 10<br />
8 LORENZETTI, Ricar<strong>do</strong> Luis. Fundamentos <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong>. Trad. da edição argenti<strong>na</strong> por Vera Maria<br />
Jacob de Fradera. São Paulo: RT, 1998. p. 45 (os destaques em itálico são meus).<br />
9 A reforma <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l português (Dec.-lei 48, de 15.03.1995) não incluiu <strong>na</strong> sua Parte Especial<br />
certos delitos “de carácter mais mutável, melhor enquadráveis em lei especial, segun<strong>do</strong>, aliás, a tradição jurídica<br />
portuguesa e a ideia de que o direito pe<strong>na</strong>l tem uma <strong>na</strong>tureza pragmática” (Item 24 da Exposição de Motivos<br />
da Parte Especial).<br />
10 A justificação teórica e prática para cada um desses núcleos legislativos encontra-se no meu artigo<br />
Proposta para uma nova consolidação das leis pe<strong>na</strong>is, cit., p. 168/174.<br />
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A reforma pe<strong>na</strong>l: crítica da discipli<strong>na</strong> legal <strong>do</strong> crime<br />
I. A ideologia da reforma pe<strong>na</strong>l<br />
Juarez Cirino <strong>do</strong>s Santos<br />
Professor de Direito Pe<strong>na</strong>l da UFPR.<br />
Presidente <strong>do</strong> Instituto de Criminologia e Política Crimi<strong>na</strong>l – ICPC.<br />
Advoga<strong>do</strong>.<br />
Exami<strong>na</strong>r a legislação é verificar a forma de existência da ideologia <strong>na</strong> sociedade, que<br />
institui e garante a estrutura das relações materiais de produção, a base real <strong>do</strong>s sistemas jurídicos<br />
e políticos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. O exame <strong>do</strong> Projeto de Código Pe<strong>na</strong>l (PL 236/2012 <strong>do</strong> Se<strong>na</strong><strong>do</strong> Federal)<br />
mostra uma ideologia conserva<strong>do</strong>ra e repressiva: conserva<strong>do</strong>ra, porque assume os valores<br />
<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntes da formação social capitalista globalizada; repressiva, porque acredita <strong>na</strong> pe<strong>na</strong><br />
crimi<strong>na</strong>l como mecanismo de solução de conflitos em sociedades desiguais. A ideologia<br />
conserva<strong>do</strong>ra e repressiva <strong>do</strong> sistema pe<strong>na</strong>l aparece no estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s princípios fundamentais <strong>do</strong><br />
Direito Pe<strong>na</strong>l, defini<strong>do</strong>s como bases democrático-formais para exercício <strong>do</strong> poder punitivo <strong>na</strong>s<br />
sociedades contemporâneas. 1 As lesões aos princípios fundamentais <strong>do</strong> Direito Pe<strong>na</strong>l não são<br />
pontuais ou isoladas, mas ocorrem em massa, abrangen<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o sistema de crimes e pe<strong>na</strong>s.<br />
1. O princípio da legalidade foi amplamente infringi<strong>do</strong> <strong>na</strong> dimensão de certeza da lei: leis<br />
incertas ou obscuras representam o maior perigo para o princípio da legalidade, porque geram<br />
interpretações judiciais idiossincráticas e impedem o conhecimento da proibição pelo povo.<br />
Alguns exemplos são os crimes cibernéticos, o terrorismo, os crimes contra as fi<strong>na</strong>nças públicas,<br />
contra a ordem econômica e fi<strong>na</strong>nceira etc.<br />
2. O princípio da culpabilidade, que exclui pe<strong>na</strong>s crimi<strong>na</strong>is em fatos realiza<strong>do</strong>s (a) sem<br />
<strong>do</strong>lo ou culpa, (b) ou por sujeitos incapazes de culpabilidade, sem consciência da proibição ou em<br />
situações de inexigibilidade, foi infringi<strong>do</strong> sem nenhum constrangimento. Por exemplo: nos<br />
crimes hedion<strong>do</strong>s, amplia<strong>do</strong>s para 16 tipos básicos; nos crimes qualifica<strong>do</strong>s pelo resulta<strong>do</strong>, resquício<br />
1 Sobre princípios fundamentais, ver CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l – Parte geral.<br />
2. ed. Florianópolis: Editorial Conceito, 2012. p. 11-16.<br />
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de responsabilidade pe<strong>na</strong>l objetiva; <strong>na</strong> reincidência, cuja revitalização irracio<strong>na</strong>l ameaça duplicar a<br />
população carcerária; <strong>na</strong> responsabilidade pe<strong>na</strong>l das pessoas jurídicas, reconhecidas pela<br />
incapacidade de ação e de culpabilidade.<br />
3. O princípio da lesividade, não obstante expressa assunção pelo Projeto (art. 14), foi<br />
viola<strong>do</strong> em inúmeros tipos de injusto destituí<strong>do</strong>s de bem jurídico: a intimidação vexatória (o novo<br />
nome <strong>do</strong> bullying), o falseamento de resulta<strong>do</strong> de competição esportiva, o cambismo e os crimes de<br />
perigo abstrato etc. 2<br />
4. O princípio da proporcio<strong>na</strong>lidade foi lesio<strong>na</strong><strong>do</strong> <strong>na</strong> presença massiva de pe<strong>na</strong>s<br />
i<strong>na</strong>dequadas, desnecessárias ou excessivas em face <strong>do</strong> desvalor da ação ou <strong>do</strong> desvalor <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong><br />
nos crimes em geral, em especial nos crimes hedion<strong>do</strong>s, nos obstáculos da reincidência para<br />
progressão de regimes, <strong>na</strong> reunificação da pe<strong>na</strong> de prisão em 40 anos (em caso de novo crime) etc.<br />
Não obstante, o Projeto tem alguns méritos: (a) a descrimi<strong>na</strong>lização da droga, no aspecto<br />
de posse (ou de cultivo de plantas) para consumo próprio; (b) a descrimi<strong>na</strong>lização <strong>do</strong> aborto, <strong>na</strong>s<br />
hipóteses de risco para vida ou saúde da mãe, de gravidez com violação da dignidade sexual ou<br />
por méto<strong>do</strong>s não consenti<strong>do</strong>s, de feto anencefálico ou com anomalia grave e, fi<strong>na</strong>lmente, por<br />
vontade da gestante, até a 12.ª sema<strong>na</strong> de gestação, verificada ausência de condições psicológicas<br />
para a maternidade; (c) a descrimi<strong>na</strong>lização da eutanásia em pacientes termi<strong>na</strong>is, como ajuda<br />
passiva mediante consentimento da vítima. Mas esses avanços poderiam ser obti<strong>do</strong>s com<br />
alterações específicas da legislação vigente, evitan<strong>do</strong> a imensa bagunça nos conceitos jurídicos, no<br />
sistema de normas e <strong>na</strong> política crimi<strong>na</strong>l, que os Tribu<strong>na</strong>is levarão décadas para assimilar – e<br />
concluir que teria si<strong>do</strong> melhor deixar tu<strong>do</strong> como está.<br />
Em suma: (a) a reforma da parte geral <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l era desnecessária, com exceção de<br />
alguns ajustes <strong>na</strong> discipli<strong>na</strong> <strong>do</strong> erro de proibição e <strong>na</strong>s hipóteses de aplicação de pe<strong>na</strong>s restritivas de<br />
direitos – e mais <strong>na</strong>da; (b) a reforma da parte especial era necessária para incorporar a legislação<br />
esparsa (princípio da codificação) – mas o Projeto perdeu a oportunidade de fazer uma verdadeira<br />
2 Editorial: A reforma pe<strong>na</strong>l. Boletim <strong>IBCCRIM</strong>, n. 239, out. 2012, p. 1: “Há uma evidente perda de<br />
referencial acerca <strong>do</strong> bem jurídico”.<br />
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eforma, mediante humanista e seletiva redução de crimes, extinção de pe<strong>na</strong>s e<br />
desinstitucio<strong>na</strong>lização <strong>do</strong> sistema pe<strong>na</strong>l.<br />
II. A discipli<strong>na</strong> legal <strong>do</strong> crime<br />
O estu<strong>do</strong> da discipli<strong>na</strong> legal <strong>do</strong> crime direcio<strong>na</strong> a investigação para as definições<br />
operacio<strong>na</strong>is <strong>do</strong> conceito de crime como tipo de injusto e culpabilidade, com o objetivo de<br />
descobrir a estrutura <strong>do</strong> fato punível desenhada pelo legisla<strong>do</strong>r no sistema legal. É um trabalho de<br />
interpretação científica da lei pe<strong>na</strong>l, que tem por objeto a linguagem escrita da norma, exami<strong>na</strong>da<br />
<strong>do</strong>s pontos de vista semântico, sintático e pragmático, e por méto<strong>do</strong> a lógica formal, com suas<br />
técnicas literal, sistemática, histórica e teleológica. 3 Em síntese, sem aban<strong>do</strong><strong>na</strong>r as premissas<br />
filosóficas e políticas <strong>do</strong> sistema pe<strong>na</strong>l, é um trabalho de <strong>na</strong>tureza <strong>do</strong>gmática.<br />
1. O conceito de crime<br />
O Projeto define, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> princípio da legalidade (art. 1.º), também o princípio da<br />
culpabilidade (parágrafo único): a legalidade pe<strong>na</strong>l abrange o crime e a pe<strong>na</strong>, mas a culpabilidade se limita<br />
à pe<strong>na</strong> (não há pe<strong>na</strong> sem culpabilidade), sugerin<strong>do</strong> algumas questões:<br />
3 Idem, p. 31-32.<br />
a) se queria indicar que o crime é constituí<strong>do</strong> de injusto e de culpabilidade, deveria<br />
dizer que não há crime sem culpabilidade – e não, simplesmente, que não há pe<strong>na</strong> sem<br />
culpabilidade;<br />
b) se pretendia introduzir os princípios fundamentais <strong>do</strong> Direito Pe<strong>na</strong>l, então perdeu<br />
uma oportunidade histórica – porque poderia dizer: a lei pe<strong>na</strong>l também é regida pelos<br />
princípios da culpabilidade, da lesividade, da proporcio<strong>na</strong>lidade e da humanidade. Além<br />
<strong>do</strong> compromisso democrático, teria um ganho sistêmico: evitaria referências aos<br />
princípios em normas isoladas;<br />
c) se propôs a culpabilidade como pressuposto da pe<strong>na</strong>, segun<strong>do</strong> uma teoria<br />
<strong>do</strong>méstica divulgada por Jesus 4 e seus discípulos, então a crítica é outra: ignora<br />
4 JESUS, Damásio E. Direito pe<strong>na</strong>l – Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1998, 21ª edição, p. 294.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 29
os componentes pessoais e emocio<strong>na</strong>is <strong>do</strong> conceito de culpabilidade 5 – sujeito<br />
capaz de saber e de controlar o que faz (imputabilidade), que sabe realmente o que<br />
faz (conhecimento <strong>do</strong> injusto) e que tem o poder de não fazer o que faz<br />
(exigibilidade) –, esquecen<strong>do</strong> que o conceito de crime cumpre a função político-<br />
crimi<strong>na</strong>l de definir o conjunto <strong>do</strong>s pressupostos da pe<strong>na</strong> (ação, tipicidade,<br />
antijuridicidade, culpabilidade, condições de punibilidade etc.) – e não o<br />
conceito de culpabilidade. 6<br />
1.1. Tipo objetivo: causalidade e imputação<br />
O Projeto propõe uma boa definição de fato criminoso como ação ou omissão (<strong>do</strong>losa ou<br />
culposa) produtora de ofensa a bem jurídico (art. 14). Mas se complica ao assumir a imputação<br />
objetiva, introduzin<strong>do</strong> conceitos ainda em formação ou indetermináveis (parágrafo único, art. 14).<br />
1. A teoria da imputação objetiva é assumida com a distinção entre causação <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong><br />
(“o resulta<strong>do</strong> exigi<strong>do</strong> somente é imputável a quem lhe der causa (...)”) e imputação <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong><br />
(“(...) e se decorrer da criação ou incremento de risco tipicamente relevante, dentro <strong>do</strong> alcance <strong>do</strong><br />
tipo”), como critério limita<strong>do</strong>r da relação de causalidade, outrora fundamento legal exclusivo de<br />
imputação <strong>do</strong> tipo objetivo (parágrafo único, art. 14).<br />
Mas a linguagem da lei é imprecisa: dizer que o resulta<strong>do</strong> é imputável “se decorrer da<br />
criação ou incremento de risco tipicamente relevante, dentro <strong>do</strong> alcance <strong>do</strong> tipo”, cria perplexidades no<br />
aplica<strong>do</strong>r e no desti<strong>na</strong>tário da lei. Por exemplo:<br />
a) o verbo decorrer parece abranger correlações causais não definíveis como<br />
realização <strong>do</strong> risco cria<strong>do</strong> – e a teoria da imputação objetiva exige que o<br />
resulta<strong>do</strong> seja produto <strong>do</strong> risco cria<strong>do</strong> para ser definível como obra <strong>do</strong> autor: a<br />
morte da vítima de acidente de trânsito determi<strong>na</strong>da por grosseiro erro médico<br />
5 Ver CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 151.<br />
6 Ver crítica semelhante em TAVARES, Juarez. O projeto de código pe<strong>na</strong>l. A reforma da parte geral.<br />
Revista da EMERJ, v. 15, n. 60 (Edição especial), Outubro/Novembro/Dezembro – 2012, “Seminário<br />
crítico da reforma pe<strong>na</strong>l”, p. 182.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 30
também decorre da criação <strong>do</strong> risco resultante <strong>do</strong> acidente de trânsito, mas não<br />
é imputável ao autor <strong>do</strong> acidente;<br />
b) o substantivo incremento (de risco), embora comum <strong>na</strong> literatura e<br />
jurisprudência, não possui suficiente clareza semântica: poderia ser substituí<strong>do</strong><br />
por aumento (<strong>do</strong> risco), com vantagem comunicativa;<br />
c) a locução “risco tipicamente relevante” pretende cumprir a função simpática<br />
de limitar a imputação a riscos significativos, mas parece desnecessário: afi<strong>na</strong>l,<br />
risco tipicamente relevante é risco típico, resolvi<strong>do</strong> pela relação de tipicidade; ou,<br />
como diz TAVARES, o risco pode ser juridicamente relevante, mas não<br />
tipicamente relevante. 7<br />
d) o conceito dentro <strong>do</strong> alcance <strong>do</strong> tipo pretende excluir resulta<strong>do</strong>s situa<strong>do</strong>s fora<br />
da área de proteção <strong>do</strong> tipo, mas a categoria compreende uma casuística exclusiva<br />
de resulta<strong>do</strong>s imprudentes – onde é, realmente, importante –, o que<br />
desaconselha seu emprego como critério geral de imputação típica. 8<br />
2. Sobre o conceito de causa (art. 15), a seguinte observação: se o fato criminoso é<br />
configura<strong>do</strong> por ação ou omissão (art. 14), é inexplicável a definição de causa como “conduta” sem<br />
a qual o resulta<strong>do</strong> não teria ocorri<strong>do</strong> (art. 15) – por coerência, a norma deveria dizer: “causa é a<br />
ação ou omissão sem a qual (...)”. 9<br />
7 Idem, p. 173.<br />
8 Nesse senti<strong>do</strong>, GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo no novo Projeto de Código Pe<strong>na</strong>l (Projeto<br />
de Lei n. 236/2012 <strong>do</strong> Se<strong>na</strong><strong>do</strong> Federal). Revista Liberdades, <strong>IBCCRIM</strong>, 2012, p. 42-43, sugere:<br />
substituir risco “tipicamente relevante” por risco “proibi<strong>do</strong>” e excluir a expressão “dentro <strong>do</strong> alcance <strong>do</strong><br />
tipo”; ver, também, TAVARES, Juarez. O projeto de código pe<strong>na</strong>l. A reforma... cit., p. 174, que conclui:<br />
“A referência ao alcance <strong>do</strong> tipo, em virtude de sua imprecisão terminológica, constitui, como está, uma clásula<br />
puramente programática sem utilidade.”<br />
9 Ver GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 43.<br />
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3. O conceito de “fato criminoso”, como defini<strong>do</strong> no art. 14 e seu parágrafo único <strong>do</strong><br />
Projeto, é i<strong>na</strong>plicável. 10<br />
1.2. Tipo subjetivo: <strong>do</strong>lo e culpa<br />
Definir conceitos científicos <strong>na</strong> lei pe<strong>na</strong>l é temerário: estão sob constante crítica e<br />
reformulação <strong>na</strong> ciência e nos tribu<strong>na</strong>is, e a fórmula legal é logo superada pelo avanço da ciência.<br />
Mas inscrever <strong>na</strong> lei conceitos controverti<strong>do</strong>s ou defeituosos é leviandade.<br />
a) Dolo – A definição de <strong>do</strong>lo (art. 18, I) como querer realizar o tipo pe<strong>na</strong>l (<strong>do</strong>lo direto) ou<br />
assumir o risco de realizá-lo (<strong>do</strong>lo eventual) ainda seria tolerável – objeto da vontade <strong>do</strong> agente não<br />
é o tipo pe<strong>na</strong>l, mas o resulta<strong>do</strong> ou fato concreto descrito no tipo –, mas acrescentar as atitudes<br />
alter<strong>na</strong>tivas de consentir ou de aceitar de mo<strong>do</strong> indiferente o resulta<strong>do</strong> (no <strong>do</strong>lo eventual), parece<br />
pilhéria. A discipli<strong>na</strong> legal de <strong>do</strong>lo e erro no Projeto admite as seguintes críticas:<br />
1. Se consentir e aceitar são sinônimos, então um <strong>do</strong>s verbos está sobran<strong>do</strong>,<br />
porque a técnica legislativa exclui sinônimos <strong>na</strong> lei; se não são sinônimos – ou<br />
seja, corresponderiam a atitudes psíquicas distintas –, então qual a diferença<br />
semântica entre ambos?<br />
2. Além disso, a teoria <strong>do</strong> consentimento (originária de Mezger) e a teoria da<br />
indiferença (originária de Engisch) trabalham com critérios funda<strong>do</strong>s <strong>na</strong><br />
vontade, mas não são equivalentes: aquela define <strong>do</strong>lo eventual pela aprovação<br />
<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> típico previsto como possível; esta define <strong>do</strong>lo eventual pela<br />
indiferença <strong>do</strong> autor em face daquele resulta<strong>do</strong> típico. 11 Então, temos: se as<br />
atitudes psíquicas de aprovação e de indiferença são distintas, a definição de<br />
10 Editorial: A reforma pe<strong>na</strong>l. Boletim <strong>IBCCRIM</strong>, n. 239, out. 2012, p. 1: “Ignoraram-se complexos<br />
aspectos de <strong>do</strong>gmática pe<strong>na</strong>l, o que pode vir a tor<strong>na</strong>r i<strong>na</strong>plicável a nova lei, caso o anteprojeto seja aprova<strong>do</strong>”.<br />
11 Assim, também, a crítica contundente de GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 45-46.<br />
No mesmo senti<strong>do</strong>, de mo<strong>do</strong> exaustivo, TAVARES, Juarez. O projeto de código pe<strong>na</strong>l. A reforma... cit.,<br />
p. 179-180. Compare CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito pe<strong>na</strong>l – Parte geral. 5. ed. Florianópolis:<br />
Editorial Conceito, 2012. p. 135-136;<br />
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<strong>do</strong>lo como consentir ou aceitar de mo<strong>do</strong> indiferente o resulta<strong>do</strong> é contraditória ou,<br />
no mínimo, ambígua.<br />
3. Alter<strong>na</strong>tiva razoável, conforme a teoria <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte, poderia ser a seguinte: o<br />
agente quer o fato típico (<strong>do</strong>lo direto) ou consente <strong>na</strong> realização <strong>do</strong> fato típico<br />
representa<strong>do</strong> como possível (<strong>do</strong>lo eventual). 12 Simples e claro.<br />
4. A redução da pe<strong>na</strong> até um sexto no <strong>do</strong>lo eventual (art. 20) é disposição<br />
supérflua, no lugar impróprio e ambígua: (a) supérflua, porque integra as<br />
circunstâncias judiciais <strong>do</strong> sistema trifásico (art. 84); (b) no lugar erra<strong>do</strong>, porque<br />
seria objeto da aplicação da pe<strong>na</strong> – e não da discipli<strong>na</strong> legal <strong>do</strong> fato punível; (c)<br />
ambígua, porque não se sabe se a pe<strong>na</strong> pode ser reduzida de até um sexto (de 12<br />
anos para 2) ou em até um sexto (de 12 anos para 10).<br />
5. O erro de tipo (art. 27) reproduz a regra <strong>do</strong> CP atual, mas aparece sob a<br />
rubrica canhestra de erro de tipo essencial: to<strong>do</strong> erro de tipo é essencial, porque<br />
exclui o <strong>do</strong>lo (se evitável) e exclui também a culpa (se inevitável). 13<br />
6. O erro determi<strong>na</strong><strong>do</strong> por terceiro (art. 27, parágrafo único) é hipótese de<br />
autoria mediata e, portanto, independe de previsão legal. 14 Além disso, a<br />
redação é defeituosa: não se trata de “agente provoca<strong>do</strong>” – aliás, uma expressão<br />
leiga –, mas de autor direto <strong>do</strong> fato.<br />
b) Culpa – Definir culpa (art. 18, II) como realizar o fato típico em razão da inobservância<br />
<strong>do</strong>s deveres de cuida<strong>do</strong> exigíveis <strong>na</strong>s circunstâncias cria alguns problemas: primeiro, a linguagem é<br />
relaxada, porque a teoria fala de lesão <strong>do</strong> dever de cuida<strong>do</strong> (determinável em cada caso concreto), e<br />
não de inobservância <strong>do</strong>s deveres de cuida<strong>do</strong> exigíveis <strong>na</strong>s circunstâncias – que pressupõe prévia<br />
definição de múltiplos deveres; segun<strong>do</strong>, a fórmula parece incluir (a) resulta<strong>do</strong>s típicos anormais,<br />
12 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 71-73.<br />
13 Ver a crítica precisa de LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação e causas de exculpação no novo Projeto<br />
de Código Pe<strong>na</strong>l (Projeto de Lei 236/2012 <strong>do</strong> Se<strong>na</strong><strong>do</strong> Federal). Revista Liberdades, <strong>IBCCRIM</strong>, 2012, p.<br />
67; também CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 75-76.<br />
14 Assim LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 67.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 33
(b) resulta<strong>do</strong>s situa<strong>do</strong>s fora da área de proteção <strong>do</strong> tipo, (c) resulta<strong>do</strong>s igualmente produzíveis em<br />
ações conformes ao dever de cuida<strong>do</strong> e, fi<strong>na</strong>lmente, (d) resulta<strong>do</strong>s típicos imprevisíveis – como<br />
observa, com propriedade, JUAREZ TAVARES 15 . A definição poderia ser: “quan<strong>do</strong> o agente, por<br />
lesão <strong>do</strong> dever de cuida<strong>do</strong>, produz resulta<strong>do</strong> típico previsível”.<br />
A exigência de <strong>do</strong>lo ou culpa para imputação de resulta<strong>do</strong> mais grave (art. 21) é correta,<br />
mas indica incompreensão <strong>do</strong> princípio da culpabilidade (que exclui pe<strong>na</strong>s se não há <strong>do</strong>lo ou<br />
culpa) e está em contraste com a manutenção <strong>do</strong>s delitos qualifica<strong>do</strong>s pelo resulta<strong>do</strong> (em que a pe<strong>na</strong><br />
ultrapassa os limites <strong>do</strong> <strong>do</strong>lo e da culpa) 16 – cuja modalidade mais conhecida é a lesão corporal<br />
seguida de morte (art. 129, 4.º).<br />
1.3. A omissão imprópria<br />
O Projeto faz vistas grossas aos problemas constitucio<strong>na</strong>is da omissão imprópria (art. 17).<br />
A discipli<strong>na</strong> legal da omissão imprópria contém uma inversão conceitual, um defeito de redação e<br />
uma lesão da legalidade pe<strong>na</strong>l:<br />
a) a inversão conceitual (igual ao CP vigente) está <strong>na</strong> ordem <strong>do</strong>s verbos “devia e<br />
podia” agir para evitar o resulta<strong>do</strong> (art. 17, caput): a ordem correta seria podia e<br />
devia agir, porque o poder (de agir) precede, <strong>na</strong>tural e logicamente, o dever de<br />
agir; 17<br />
b) o defeito de redação está no reflexivo “equivaler-se à causação” dessa estranha<br />
cláusula de correspondência (parágrafo único, art. 17), que deveria dizer: a<br />
omissão é punível se corresponder à realização por um fazer (ou: a omissão é<br />
punível se corresponder à realização ativa <strong>do</strong> tipo legal); 18<br />
15 TAVARES, Juarez. O projeto de código pe<strong>na</strong>l. A reforma... cit., p. 181-182.<br />
16 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 99-100.<br />
17 Assim também GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 44; CIRINO DOS SANTOS,<br />
Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 108.<br />
18 GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 44-45; também TAVARES, Juarez. O projeto de<br />
código pe<strong>na</strong>l. A reforma... cit., p. 175<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 34
c) a lesão da legalidade pe<strong>na</strong>l está em definir o dever de garantia (art. 17, alíneas<br />
a, b, c) sem delimitar a extensão da garantia imposta ao garante (igual defeito no<br />
CP vigente): afi<strong>na</strong>l (a) to<strong>do</strong>s os bens jurídicos (impossível), (b) ape<strong>na</strong>s os mais<br />
importantes (quais?), (c) somente a vida e o corpo? 19<br />
A literatura mais avançada reduz a extensão da garantia à proteção da vida e <strong>do</strong> corpo,<br />
quan<strong>do</strong> não declara a inconstitucio<strong>na</strong>lidade da omissão imprópria.<br />
2. As justificações<br />
As justificações, em ordem inversa de importância e sob a rubrica de exclusão <strong>do</strong> fato<br />
criminoso (art. 28, I-IV), apresentam inovações criticáveis.<br />
2.1 A rubrica exclusão <strong>do</strong> fato criminoso (art. 28) é imprópria: o fato criminoso é<br />
constituí<strong>do</strong> de injusto e de culpabilidade e as justificações excluem o injusto – portanto, a<br />
linguagem deveria ser outra: ou exclusão <strong>do</strong> injusto, ou exclusão da ilicitude, ou (melhor ainda)<br />
justificações. Ou seria um ato falho produzi<strong>do</strong> pelo conceito de crime limita<strong>do</strong> ao tipo de injusto,<br />
reduzin<strong>do</strong> a culpabilidade à função menor de pressuposto da pe<strong>na</strong>?<br />
2.2 A discipli<strong>na</strong> legal <strong>do</strong> estrito cumprimento <strong>do</strong> dever legal e <strong>do</strong> exercício regular de direito<br />
(art. 28, I-II) cuja <strong>do</strong>gmática se aprofun<strong>do</strong>u <strong>na</strong> segunda metade <strong>do</strong> século XX, poderia e deveria<br />
conter limitações relativas às agressões contra a vida, o corpo e a sexualidade, excluin<strong>do</strong><br />
homicídios e lesões corporais graves (os famosos autos de resistência policiais), assim como estupros<br />
<strong>na</strong>s relações conjugais. 20<br />
2.3 A definição da legítima defesa (art. 30) mantém o conceito <strong>do</strong> CP vigente, mas deveria<br />
conter um parágrafo sobre limitações ético-sociais, compreenden<strong>do</strong> situações em que a defesa já é<br />
necessária, mas ainda não é permitida: agressões de incapazes (menores, loucos, bêba<strong>do</strong>s etc.), ou<br />
19 Em posição semelhante, TAVARES, Juarez. O projeto de código pe<strong>na</strong>l. A reforma... cit., p. 175-176;<br />
igualmente, CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 104-106; ROXIN. Strafrecht.<br />
Beck, 2003, v. II, 31, IV, n. 32, p. 637.<br />
20 ZILIO, Jacson. Meto<strong>do</strong>logia e orientação <strong>do</strong> anteprojeto de Código Pe<strong>na</strong>l brasileiro. Boletim <strong>IBCCRIM</strong>,<br />
n. 239, out. 2012, p. 8.<br />
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no âmbito da família, que impõem procedimentos prévios de desvio da agressão, defesa sem danos<br />
etc. – um acréscimo de civilização ao instituto. 21<br />
2.4 O esta<strong>do</strong> de necessidade (art. 29, alíneas e parágrafo) é a justificação mais alterada – e<br />
para pior. Em lugar de uma definição compacta (no modelo <strong>do</strong> CP vigente), o Projeto preferiu a<br />
alter<strong>na</strong>tiva cômoda de distribuir os elementos <strong>do</strong> conceito em várias alíneas, mas com defeitos de<br />
linguagem e de conceitos.<br />
2.4.1 É criticável a mudança da locução direito (CP vigente) pelo conceito de bem jurídico<br />
(art. 29, caput) <strong>na</strong> definição <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de necessidade, consideran<strong>do</strong> que a definição de legítima<br />
defesa mantém o significante direito (seu ou de outrem): essa variação de linguagem prejudica a<br />
interpretação. 22<br />
2.4.2 A exigência de exposição <strong>do</strong> bem jurídico à lesão atual ou iminente (art. 29, a)<br />
deforma a <strong>na</strong>tureza <strong>do</strong> instituto: (a) o esta<strong>do</strong> de necessidade se caracteriza pelo perigo atual,<br />
determi<strong>na</strong>nte da necessidade de proteção imediata – e não por lesão atual <strong>do</strong> bem jurídico<br />
protegi<strong>do</strong>, que implicaria sacrifício inútil de bens jurídicos alheios; 23 (b) a lesão iminente ainda não<br />
configura esta<strong>do</strong> de necessidade – embora possa configurar o que a literatura chama de legítima<br />
defesa preventiva.<br />
2.4.3 A exigência de que o perigo não tenha si<strong>do</strong> provoca<strong>do</strong> pelo agente (art. 29, b) reduz o<br />
alcance da justificação: não distingue entre criação <strong>do</strong>losa (que exclui o esta<strong>do</strong> de necessidade) e<br />
criação culposa (que admite o esta<strong>do</strong> de necessidade) <strong>do</strong> perigo, como faz o CP vigente. 24<br />
2.4.4 A exclusão <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de necessidade pelo dever de enfrentar o perigo (art. 29, c)<br />
parece ignorar que situações de certeza ou de probabilidade de morte ou de lesão grave suspendem<br />
21 Ver ZILIO, Jacson. Meto<strong>do</strong>logia e orientação <strong>do</strong> anteprojeto... cit., p. 8; também: LEITE, Alaor. Erro,<br />
causas de justificação… cit., p. 79-80; Nesse senti<strong>do</strong>, CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito<br />
pe<strong>na</strong>l cit., p. 123-125.<br />
22 Ver LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 80 e ss. (inclusive, para as críticas subsequentes).<br />
23 Ver a crítica de LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p., p. 81; no mesmo senti<strong>do</strong>,<br />
TAVARES, Juarez. O projeto de código pe<strong>na</strong>l. A reforma... cit., p. 183-184.<br />
24 TAVARES, Juarez. O projeto de código pe<strong>na</strong>l. A reforma... cit., p. 184; ver, também, CIRINO DOS<br />
SANTOS, Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 128.<br />
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aquele dever jurídico: 25 a hipótese não deveria integrar o conceito de esta<strong>do</strong> de necessidade, mas<br />
constituir um parágrafo isola<strong>do</strong> (como faz o CP vigente).<br />
2.4.5 A avaliação da razoabilidade de sacrifício <strong>do</strong> bem jurídico protegi<strong>do</strong>, fundada <strong>na</strong><br />
<strong>na</strong>tureza ou valor <strong>do</strong>s bens jurídicos em conflito, introduz <strong>na</strong> lei a distinção entre (a) esta<strong>do</strong> de<br />
necessidade justificante, se o sacrifício não é razoável (art. 29, d) e (b) esta<strong>do</strong> de necessidade<br />
exculpante, se o sacrifício é razoável (art. 29, parágrafo único) – com a alter<strong>na</strong>tiva de redução de<br />
pe<strong>na</strong>. Esse critério justifica a proteção de bem jurídico superior e reduz a pe<strong>na</strong> <strong>na</strong> proteção de bem<br />
jurídico inferior, mas não elimi<strong>na</strong> controvérsias <strong>na</strong> hipótese de equivalência de bens jurídicos,<br />
especialmente no conflito vida contra vida, porque os argumentos permanecem: ou exculpação,<br />
porque a vítima não tem o dever de tolerar a ação – ou justificação, porque nenhuma lei pode<br />
anular o instinto de sobrevivência? 26<br />
2.4.6 Enfim, a discipli<strong>na</strong> legal <strong>do</strong> art. 29 e alíneas omite elementos essenciais para<br />
caracterizar o esta<strong>do</strong> de necessidade:<br />
25 Idem, p. 136.<br />
26 Idem, p. 136.<br />
2.4.6.1 Primeiro, retira <strong>do</strong> conceito a locução “<strong>na</strong>s circunstâncias” (prevista no<br />
CP vigente), com os efeitos (a) de cancelar o contexto concreto <strong>do</strong> conflito de<br />
bens jurídicos, (b) de reduzir a avaliação <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de necessidade à <strong>na</strong>tureza e<br />
ao valor <strong>do</strong> bem jurídico protegi<strong>do</strong> (alínea d) e (c) de suprimir os elementos<br />
subjetivos (por exemplo, a vontade da mãe, no aborto) e os elementos objetivos<br />
(a intensidade <strong>do</strong> perigo, a probabilidade da lesão etc.) <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de<br />
necessidade. 27<br />
2.4.6.2 Segun<strong>do</strong>, exclui a ausência de alter<strong>na</strong>tiva da fórmula “inevitável de outro<br />
mo<strong>do</strong>” (prevista no CP atual), indispensável para avaliar a necessidade da<br />
proteção imediata <strong>do</strong> bem jurídico (ainda que contra lesão futura), mediante<br />
ponderação de todas as circunstâncias concretas <strong>do</strong> fato, que afastaria (a) a livre<br />
27 LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 81.<br />
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escolha de meios de proteção (que desconsidera os interesses <strong>do</strong> agredi<strong>do</strong>) e (b)<br />
o próprio esta<strong>do</strong> de necessidade, se disponível ajuda eficaz <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. 28<br />
2.5 O princípio da insignificância, desenvolvi<strong>do</strong> como negação <strong>do</strong> princípio da lesividade,<br />
introduz a seguinte lógica: se o princípio da lesividade exige lesão relevante <strong>do</strong> bem jurídico para<br />
fundamentar a tipicidade pe<strong>na</strong>l, então lesões insignificantes de bens jurídicos são insuficientes<br />
para a tipicidade pe<strong>na</strong>l – limitan<strong>do</strong> o Direito Pe<strong>na</strong>l à proteção (subsidiária) de bens jurídicos<br />
contra lesões graves. A introdução <strong>do</strong> princípio da insignificância é um avanço, mas com um<br />
desvio topográfico e uma distorção político-crimi<strong>na</strong>l:<br />
3. A culpabilidade<br />
2.5.1 O desvio topográfico é a inserção <strong>do</strong> princípio da insignificância como<br />
justificação (art. 28, § 1.º) – e não como exclusão da tipicidade, segun<strong>do</strong> a<br />
literatura. 29<br />
2.5.2 A distorção político-crimi<strong>na</strong>l é representada por exigências cumulativas<br />
excessivas ou indevidas: (a) são excessivas porque esterilizam a aplicação prática<br />
<strong>do</strong> instituto: mínima ofensividade, reduzidíssima reprovabilidade e<br />
inexpressividade da lesão – exige a lei; (b) são indevidas porque a ofensividade e a<br />
reprovabilidade da conduta pertencem ao desvalor da ação, enquanto o princípio<br />
da insignificância é defini<strong>do</strong> pelo desvalor <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> – ou seja, exclusivamente<br />
pela lesão jurídica produzida. 30<br />
A culpabilidade é um juízo de reprovação erigi<strong>do</strong> sobre fundamentos pessoais, intelectuais<br />
e emocio<strong>na</strong>is <strong>do</strong> sujeito, assim estrutura<strong>do</strong>: (a) o sujeito é capaz de saber e de controlar o que faz –<br />
28 Ver a crítica contundente de LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 81-2.<br />
29 Assim ZILIO, Jacson. Meto<strong>do</strong>logia e orientação <strong>do</strong> anteprojeto... cit., p. 8; também: LEITE, Alaor. Erro,<br />
causas de justificação… cit., p. 85; sobre a teoria, CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l<br />
cit., p. 54.<br />
30 JOFFILY, Tiago. O princípio da lesividade <strong>na</strong> reforma pe<strong>na</strong>l. Revista da EMERJ, v. 15, n. 60 (Edição<br />
especial), Outubro/Novembro/Dezembro – 2012, “Seminário crítico da reforma pe<strong>na</strong>l”, p. 47-50, faz<br />
exaustiva critica ao princípio da insignificância no Projeto.<br />
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imputabilidade, excluída ou reduzida em menores de 18 anos e <strong>do</strong>entes mentais; (b) o sujeito<br />
sabe, realmente, o que faz – conhecimento <strong>do</strong> injusto, excluí<strong>do</strong> ou reduzi<strong>do</strong> <strong>na</strong>s situações de erro<br />
de proibição; (c) o sujeito tem o poder de não fazer o que faz – exigibilidade de comportamento<br />
diverso, excluí<strong>do</strong> ou reduzi<strong>do</strong> por conflitos psíquicos entre exigências normativas e emoções<br />
huma<strong>na</strong>s (instintos, impulsos ou afetos) determi<strong>na</strong>das por condições anormais <strong>do</strong> tipo de injusto.<br />
Identifica<strong>do</strong>s os elementos estruturais <strong>do</strong> conceito, a discipli<strong>na</strong> legal deve indicar as<br />
situações excludentes ou redutoras desses elementos estruturais, que excluem ou reduzem o juízo<br />
de reprovação. O Projeto começa bem, definin<strong>do</strong> as hipóteses gerais de exclusão da culpabilidade<br />
(art. 31, I-III): inimputabilidade, erro de proibição inevitável e situações de inexigibilidade – mas<br />
se perde por desinformação científica sobre o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> conceito.<br />
3.1 Imputabilidade – A imputabilidade continua engessada numa fórmula capenga, que<br />
trabalha as dimensões de saber e de controlar o que faz somente em relação aos inimputáveis e<br />
semi-imputáveis por <strong>do</strong>ença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retarda<strong>do</strong> – incluída<br />
a embriaguez completa, fortuita ou de força maior, pelo álcool ou análogos –, defini<strong>do</strong>s pela<br />
incapacidade (total ou parcial) de compreender o ilícito <strong>do</strong> fato e de determi<strong>na</strong>r-se conforme a<br />
compreensão (art. 32, I-II e parágrafo único, I-II). 31 Apesar da controvérsia sobre <strong>do</strong>ença mental<br />
em Psiquiatria, as anormalidades funcio<strong>na</strong>is (psicoses e neuroses) ou constitucio<strong>na</strong>is (oligofrenias)<br />
<strong>do</strong> aparelho psíquico são definidas por categorias psiquiátricas – e não há o que discutir.<br />
Mas, em relação aos imputáveis, a subsistência ou redução <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de imputabilidade<br />
<strong>na</strong>s hipóteses de emoção ou de embriaguez intencio<strong>na</strong>l ou imprudente, pelo álcool ou análogos,<br />
não são exami<strong>na</strong>das <strong>na</strong>s dimensões de saber e de controlar o que faz – uma falha somente<br />
explicável por razões de secular política crimi<strong>na</strong>l troglodita. Por isso, o Projeto também não exclui<br />
a imputabilidade pe<strong>na</strong>l <strong>na</strong>s hipóteses (a) de emoção ou paixão e (b) de embriaguez, voluntária ou<br />
culposa, pelo álcool ou análogos (art. 33, I-II). Não obstante, um mínimo de informação sobre<br />
Psicologia ou Sociologia mostra a irracio<strong>na</strong>lidade dessa posição, como se demonstra.<br />
31 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 158-162.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 39
3.1.1 Emoção – Os impulsos, instintos ou afetos (pathos para os gregos, ou passio para os<br />
romanos – <strong>do</strong>nde, paixão para indicar sentimento ou amor intenso) são emoções, como<br />
excitações psicossomáticas produzidas por reações químico-neurônicas ligadas à sobrevivência<br />
individual, que informam os pensamentos e as decisões da psicologia individual, como forças<br />
motoras primárias pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntemente inconscientes das ações huma<strong>na</strong>s, cuja influência nos atos<br />
psíquicos e sociais <strong>do</strong>s seres humanos é reconhecida em legislações pe<strong>na</strong>is moder<strong>na</strong>s. 32<br />
A dinâmica de formação e manifestação agressiva de emoções ou afetos constitui grave<br />
perturbação psíquica não patológica que, como outras situações extremas de esgotamento ou<br />
fadiga, pode excluir ou reduzir a capacidade de culpabilidade – como admitem outras<br />
legislações. 33 Não é mais possível confundir emoções fundadas no instinto de destruição (as<br />
chamadas emoções fortes de ira ou ódio), com emoções fundadas no instinto de sobrevivência (as<br />
emoções fracas de me<strong>do</strong> ou susto), cujo poder bloquea<strong>do</strong>r ou redutor da capacidade de conhecer e,<br />
especialmente, de controlar o que faz não pode ser desconsidera<strong>do</strong> pelo Direito Pe<strong>na</strong>l. 34 Aliás,<br />
todas as hipóteses de inexigibilidade configuram conflitos psíquicos emocio<strong>na</strong>is que excluem ou<br />
reduzem a dirigibilidade normativa – ou seja, as emoções deixaram de ser irrelevantes para o<br />
Direito Pe<strong>na</strong>l. Nessa linha, o § 33 <strong>do</strong> Strafgesetzbuch alemão, em vez da atitude intolerante de<br />
reprimir as emoções, exime de pe<strong>na</strong> o excesso de legítima defesa determi<strong>na</strong><strong>do</strong> por perturbação,<br />
me<strong>do</strong> ou susto. 35<br />
Se a emoção pode excluir ou reduzir a capacidade de conhecer e, sobretu<strong>do</strong>, de controlar o<br />
que faz, então por que a atitude repressiva <strong>do</strong> Projeto, pela qual a emoção (ou a paixão) não exclui<br />
a imputabilidade pe<strong>na</strong>l? O maior problema dessa rejeição irracio<strong>na</strong>l da emoção é o seu reflexo <strong>na</strong>s<br />
situações concretas de inexigibilidade, todas fundadas em conflitos emocio<strong>na</strong>is <strong>do</strong> ser humano.<br />
32 Idem, p. 162; Instrutivo, FREUD, O ego e o Id, p. 25-83, esp. 80-83; <strong>do</strong> mesmo, Além <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong><br />
prazer, p. 17-85.<br />
33 ROXIN, Claus. Strafrecht, 1997, § 20, p. 761-4; WESSELS/BEULKE. Strafrecht, 1998, p. 117.<br />
34 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 163.<br />
35 § 33 <strong>do</strong> CP alemão dispõe: “Não é punível o autor que exceda os limites da legítima defesa por perturbação,<br />
me<strong>do</strong> ou susto.”<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 40
3.1.2 Embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou análogos – A embriaguez,<br />
intencio<strong>na</strong>l ou imprudente, pelo álcool ou análogos, deve ser exami<strong>na</strong>da no contexto da actio<br />
libera in causa, definida pela dinâmica de duas ações vinculadas: 1) <strong>na</strong> ação anterior, o sujeito se<br />
coloca em esta<strong>do</strong> de autoincapacitação temporária (a) com o propósito de cometer (<strong>do</strong>lo), ou (b)<br />
sen<strong>do</strong> previsível cometer (imprudência) crime determi<strong>na</strong><strong>do</strong>; 2) <strong>na</strong> ação posterior (em esta<strong>do</strong> de<br />
autoincapacitação), o sujeito realiza o crime determi<strong>na</strong><strong>do</strong> (a) com <strong>do</strong>lo, ou (b) com imprudência.<br />
É tu<strong>do</strong> muito simples: fora das hipóteses de <strong>do</strong>lo (representação e vontade de crime<br />
determi<strong>na</strong><strong>do</strong>) e de imprudência (previsibilidade de crime determi<strong>na</strong><strong>do</strong> em ações socialmente<br />
perigosas) da ação anterior, com realização <strong>do</strong>losa ou imprudente desse crime determi<strong>na</strong><strong>do</strong> pela<br />
ação posterior, não existe actio libera in causa e, portanto, não há como imputar o fato por <strong>do</strong>lo ou<br />
por imprudência ao autor.<br />
Então, surge o problema prático: como resolver milhares de fatos violentos anuais, como<br />
homicídios e lesões corporais graves, realiza<strong>do</strong>s em esta<strong>do</strong> de inimputabilidade por embriaguez<br />
(ou seja, de incapacidade de saber e/ou de controlar o que faz), mas indefiníveis como hipóteses de<br />
actio libera in causa (não existe uma ação anterior de <strong>do</strong>lo ou de imprudência em relação a fato<br />
determi<strong>na</strong><strong>do</strong>), sem violentar o princípio da culpabilidade e, portanto, sem quebrar as regras<br />
definidas pelo Esta<strong>do</strong> para aplicação de pe<strong>na</strong>s crimi<strong>na</strong>is?<br />
O Legisla<strong>do</strong>r alemão descobriu uma alter<strong>na</strong>tiva menos drástica, evitan<strong>do</strong> a aplicação de<br />
pe<strong>na</strong>s absurdas a inimputáveis por embriaguez intencio<strong>na</strong>l ou imprudente: criou um tipo de<br />
injusto chama<strong>do</strong> embriaguez ple<strong>na</strong> (§ 323a Vollrausch), aplicável aos crimes cometi<strong>do</strong>s em esta<strong>do</strong><br />
de inimputabilidade por embriaguez intencio<strong>na</strong>l ou imprudente – mas excluí<strong>do</strong>s das hipóteses de<br />
actio libera in causa –, com prisão até cinco anos, ou multa. 36<br />
36 § 323 a Vollrausch – “(1) Wer sich vorsätzlich oder fahrlässig durch alkoholische Getränke oder andere<br />
berauschende Mittel in einen Rausch versetzt, wird mit Freiheitsstrafe bis zu fünf Jahren oder mit Geldstrafe<br />
bestraft, wenn er in diesem Zustand eine rechtswidrige Tat begeht und ihretwegen nicht bestraft werden kann,<br />
weil er infolge des Rausches schuldunfähig war oder weil dies nicht auszuschliessen ist.<br />
(2) Die Strafe darf nicht schwerer sein als die Strafe, die für die im Rausch begangene Tat angedroht ist”.<br />
Tradução livre: (1) Quem coloca-se em embriaguez, de mo<strong>do</strong> intencio<strong>na</strong>l ou imprudente, por bebidas<br />
alcoólicas ou outros meios embriagantes, será puni<strong>do</strong> com pe<strong>na</strong> privativa de liberdade até cinco anos, ou com<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 41
A supressão <strong>do</strong> art. 33, I e II, <strong>do</strong> Projeto e a criação de um tipo de injusto semelhante ao<br />
Vollrausch, representaria grande avanço político-crimi<strong>na</strong>l <strong>do</strong> Sistema de Justiça Crimi<strong>na</strong>l brasileiro<br />
– que pune pessoas transitoriamente incapazes de saber e de controlar o que fazem, violan<strong>do</strong> o<br />
princípio da culpabilidade e o fundamento democrático <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito.<br />
3.2 Conhecimento <strong>do</strong> injusto – O conhecimento <strong>do</strong> injusto, defini<strong>do</strong> pela consciência real da<br />
punibilidade <strong>do</strong> fato (teoria moder<strong>na</strong>), ou da lesão concreta <strong>do</strong> bem jurídico protegi<strong>do</strong> no tipo<br />
(teoria <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte), 37 é excluí<strong>do</strong> ou reduzi<strong>do</strong> em situação de erro de proibição (art. 31, II) –<br />
esta<strong>do</strong> psíquico em que não se configura aquela imagem conceitual –, classifica<strong>do</strong> em uma escala<br />
gradativa de inevitabilidade (art. 35 e § 1.º), por sua vez avaliada conforme condições pessoais de<br />
ter ou atingir esse conhecimento, <strong>na</strong>s circunstâncias (art. 35, § 2.º).<br />
De novo, o Projeto começa bem: eliminou a regra fascista de que o desconhecimento da lei é<br />
inescusável (art. 21 <strong>do</strong> CP vigente) – regra inválida (a) porque incompatível com o princípio da<br />
culpabilidade em matéria de erro de proibição direto, <strong>na</strong> modalidade de desconhecimento da lei e (b)<br />
porque mutila o modelo proposto pela teoria da culpabilidade em qualquer de suas variantes<br />
(estrita ou limitada). 38<br />
3.2.1 Erro de proibição – Admiti<strong>do</strong> que o erro de proibição exclui ou reduz a<br />
culpabilidade – porque exclui ou reduz o conhecimento <strong>do</strong> injusto –, o Projeto poderia ter<br />
introduzi<strong>do</strong> aquisições científicas consensuais da literatura, indican<strong>do</strong> as principais modalidades de<br />
erro de proibição, cuja <strong>na</strong>tureza inevitável ou evitável exclui ou reduz a culpabilidade. Afi<strong>na</strong>l, a lei<br />
não se limita a dizer que a legítima defesa, o esta<strong>do</strong> de necessidade etc. excluem o “fato criminoso”<br />
(rectius, exclui a ilicitude <strong>do</strong> fato), mas define as justificações específicas – logo, por coerência e<br />
razões de política crimi<strong>na</strong>l, deveria definir as principais hipóteses de erro de proibição: (a) erro de<br />
proibição direto sobre a existência, a validade e o significa<strong>do</strong> da lei; (b) erro de proibição indireto<br />
pe<strong>na</strong> pecuniária, quan<strong>do</strong> nesta situação comete um fato antijurídico e não pode ser puni<strong>do</strong> porque, por<br />
consequência da embriaguez, era incapaz de culpabilidade, ou porque isto não era de ser excluí<strong>do</strong>.<br />
(2) A pe<strong>na</strong> não deve ser mais grave <strong>do</strong> que a pe<strong>na</strong> comi<strong>na</strong>da ao fato cometi<strong>do</strong> em embriaguez.<br />
37 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 166-168.<br />
38 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 309-315; também CIRINO DOS SANTOS, Juarez.<br />
Manual de direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 171-174.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 42
sobre a existência de justificação inexistente e sobre os limites jurídicos de justificação existente;<br />
(c) erro de tipo permissivo, como representação errônea de situação justificante. Assim, além de<br />
indicar situações consensuais negativas <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong> injusto, assumiria posição de<br />
vanguarda em face de modelos contemporâneos de legislação pe<strong>na</strong>l.<br />
3.2.2 Erro de tipo permissivo: um retrocesso. Por último, outra recaída lamentável <strong>do</strong><br />
Projeto: a discipli<strong>na</strong> <strong>do</strong> erro de proibição aban<strong>do</strong><strong>na</strong> o critério mais democrático e mais prático da<br />
teoria limitada da culpabilidade (a<strong>do</strong>tada pelo CP atual), que atribui ao erro de tipo permissivo<br />
(suposição de situação de fato que legitimaria a ação, se existente), evitável ou inevitável, o efeito<br />
de excluir o <strong>do</strong>lo – porque as representações <strong>do</strong> autor coincidem com as representações <strong>do</strong><br />
legisla<strong>do</strong>r, com punição por imprudência se existir o tipo legal –, para retor<strong>na</strong>r ao critério<br />
ultrapassa<strong>do</strong> da teoria estrita (ou extrema) da culpabilidade, em que todas as modalidades de erro<br />
de proibição são resolvidas <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong>: o erro inevitável exclui e o erro evitável reduz a<br />
culpabilidade (art. 35, § 3.º). E tu<strong>do</strong> pelo capricho de evitar uma hipótese de “tentativa de crime<br />
culposo”, ou por causa da artificialidade de tratar como culposo um crime <strong>do</strong>loso – como diz<br />
Leite. 39 A alter<strong>na</strong>tiva é reinstituir a norma sobre descrimi<strong>na</strong>ntes putativas <strong>do</strong> CP atual (§ 1.º <strong>do</strong><br />
art. 20).<br />
3.3 Exigibilidade – O conceito de exigibilidade/inexigibilidade se fundamenta <strong>na</strong> situação<br />
de normalidade/anormalidade de realização <strong>do</strong> tipo de injusto, dentro de uma escala polarizada<br />
por circunstâncias normais (com ple<strong>na</strong> exigibilidade) e por circunstâncias anormais (com ple<strong>na</strong><br />
inexigibilidade) de conduta diversa, intermediadas por todas as correlações possíveis de maior ou<br />
de menor exigibilidade: 40 circunstâncias crescentes de anormalidade (<strong>do</strong> tipo de injusto)<br />
determi<strong>na</strong>m a ampliação crescente <strong>do</strong> nível de inexigibilidade, expressas em situações de<br />
exculpação excludentes ou redutoras da dirigibilidade normativa, que fundamenta o moderno<br />
conceito de culpabilidade, <strong>na</strong> dimensão empírica de capacidade de autodireção e <strong>na</strong> dimensão<br />
normativa de autodireção conforme normas. 41<br />
39 LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 72-3.<br />
40 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 177-8.<br />
41 Idem, p. 156-157.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 43
O Projeto retoma o conceito de inexigibilidade numa perspectiva generosa, mas não teve<br />
ousadia para realizá-la: a ideia de excluir a culpabilidade – além <strong>do</strong>s casos pacíficos de coação<br />
moral e de obediência hierárquica – também <strong>na</strong>s “outras hipóteses de inexigibilidade de conduta<br />
diversa” (art. 31, III), tropeçou no me<strong>do</strong> de indicar essas “outras hipóteses de inexigibilidade”, que a<br />
literatura e a jurisprudência conhecem – e os autores <strong>do</strong> projeto não ignoram. Uma simples<br />
indicação exemplificativa (o excesso de legítima defesa, real e putativa, por me<strong>do</strong>, susto ou<br />
perturbação; o fato de consciência; a provocação da situação de legítima defesa – se não há saída<br />
possível; a desobediência civil; o conflito de deveres) – e poderíamos ter um avanço <strong>na</strong> matéria.<br />
4. Concurso de pessoas<br />
4.1 No Projeto, a discipli<strong>na</strong> legal <strong>do</strong> concurso de pessoas chama a atenção por duas<br />
características incomuns:<br />
a) primeiro, a junção <strong>do</strong> velho com o novo – para usar a imagem de GRECO: 42<br />
por um la<strong>do</strong>, to<strong>do</strong>s os dispositivos que discipli<strong>na</strong>m a matéria no CP atual são<br />
manti<strong>do</strong>s; por outro la<strong>do</strong>, a inserção de novos dispositivos reproduz, no to<strong>do</strong> ou<br />
em parte, a discipli<strong>na</strong> legal da matéria – de mo<strong>do</strong> que as mesmas situações são<br />
duplamente reguladas;<br />
b) segun<strong>do</strong>, o hibridismo teórico resultante da integração de todas as teorias: a<br />
teoria unitária, que considera autores to<strong>do</strong>s os que concorrem para o crime (art.<br />
38); a teoria objetivo-formal, que define autor pela realização <strong>do</strong> tipo (art. 38, §<br />
1.º, I, a); a teoria subjetiva, que considera autores quem manda, promove etc. a<br />
realização <strong>do</strong> crime (art. 38, § 1.º, I, b); a teoria <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> fato, que<br />
distingue autores de partícipes pelo controle da realização <strong>do</strong> tipo (art. 38, § 1.º,<br />
I e II). 43<br />
42 Ver GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 50.<br />
43 Exposição de Motivos, p. 227: “Foi mantida a fórmula tradicio<strong>na</strong>l segun<strong>do</strong> a qual ‘quem concorre para o<br />
crime incide <strong>na</strong>s pe<strong>na</strong>s a este comi<strong>na</strong>das, <strong>na</strong> medida de sua culpabilidade’, própria da teoria monista<br />
mitigada (...). Houve a avanço <strong>na</strong>s definições ao se afirmar que autor não é somente aquele que realiza a<br />
conduta típica segun<strong>do</strong> postula<strong>do</strong>s da teoria objetivo-formal, mas também aquele que, de outras formas,<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 44
A dupla discipli<strong>na</strong> da matéria (junção da velha com a nova discipli<strong>na</strong> legal), agravada pelo<br />
hibridismo teórico <strong>na</strong> abordagem <strong>do</strong> tema, explica to<strong>do</strong>s os problemas <strong>do</strong>gmáticos e político-<br />
crimi<strong>na</strong>is <strong>do</strong> concurso de pessoas no Projeto.<br />
4.2 Com todas as limitações, a discipli<strong>na</strong> legal <strong>do</strong> concurso de pessoas no CP vigente, que<br />
trabalha com um (flexibiliza<strong>do</strong>) conceito unitário de autor, é simples:<br />
a) a norma principal (art. 29 <strong>do</strong> CP) determi<strong>na</strong> punição, conforme a<br />
culpabilidade, de to<strong>do</strong>s os sujeitos que “concorrem para o crime”, diferenciáveis<br />
como autores ou partícipes segun<strong>do</strong> teorias moder<strong>na</strong>s;<br />
b) normas complementares permitem (art. 29, § 2.º, <strong>do</strong> CP) limitar a<br />
punibilidade ao fato objeto <strong>do</strong> <strong>do</strong>lo <strong>do</strong> sujeito <strong>na</strong> autoria coletiva, com aumento<br />
da pe<strong>na</strong> desse fato até metade, se previsível o resulta<strong>do</strong> mais grave, bem como<br />
(art. 29, 1.º, <strong>do</strong> CP) reduzir a pe<strong>na</strong> da participação de menor importância no<br />
tipo de injusto.<br />
A teoria unitária <strong>do</strong> CP atual é limitada, mas é coerente: as premissas das conclusões são<br />
conhecidas, admitin<strong>do</strong> crítica lógica; a teoria híbrida <strong>do</strong> Projeto é tu<strong>do</strong>, menos coerente: as<br />
premissas das conclusões são incognoscíveis, inviabilizan<strong>do</strong> a crítica – qualquer conclusão pode ser<br />
justificada a partir de qualquer teoria.<br />
4.3 A superposição de normas com o mesmo objeto permite a seguinte crítica: se o<br />
Projeto a<strong>do</strong>ta o conceito unitário de autor <strong>do</strong> CP vigente, com punição equivalente para to<strong>do</strong>s os<br />
sujeitos que “concorrem para o crime” (art. 38), que podem ser diferencia<strong>do</strong>s entre autores e<br />
partícipes segun<strong>do</strong> os postula<strong>do</strong>s da teoria <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> fato, então a indicação de hipóteses de<br />
autoria e de participação (art. 38, §§ 1.º e 2.º) é casuística, supérflua e tautológica:<br />
a) casuística, porque um critério empírico substitui um critério científico para<br />
distinguir autoria e participação: autores não são defini<strong>do</strong>s pelo <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> fato,<br />
mas por indicações empíricas (art. 38, § 1.º I, a, b, c, d); partícipes não são<br />
possui o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> fato. A proposta acenou para variantes subjetivas, próprias da promoção, organização<br />
(...)” (grifos nossos).<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 45
defini<strong>do</strong>s pela ausência de <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> fato, mas por contribuírem “de qualquer<br />
outro mo<strong>do</strong>” para o crime (art. 38, § 1.º, II, a, b);<br />
b) supérflua, porque se o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> fato define o autor e a ausência de <strong>do</strong>mínio<br />
<strong>do</strong> fato define o partícipe, então todas aquelas hipóteses casuísticas são<br />
definíveis como autoria ou participação por esses critérios – independentemente<br />
da indicação legal;<br />
c) tautológica, porque se incide <strong>na</strong>s pe<strong>na</strong>s “quem, de qualquer mo<strong>do</strong>, concorre<br />
para o crime” (art. 38), então todas aquelas hipóteses específicas – ou outras não<br />
especificadas – já estão contidas <strong>na</strong> definição legal, como autores ou partícipes<br />
sobre os quais incidem pe<strong>na</strong>s.<br />
4.4 A proposta não pode ser outra: supressão <strong>do</strong> § 1.º <strong>do</strong> art. 38, cujo conteú<strong>do</strong> é melhor<br />
definível pela literatura e jurisprudência – economizan<strong>do</strong>, assim, o constrangimento da correção<br />
da linguagem e de outras impropriedades técnicas desse dispositivo inútil, 44 que redefine segun<strong>do</strong><br />
múltiplas teorias o que já está defini<strong>do</strong> pelo art. 38, segun<strong>do</strong> a flexibilizada teoria unitária de<br />
autor. A prática judicial não precisa <strong>do</strong> casuísmo <strong>do</strong> Projeto para distinguir autor e partícipe, ou<br />
para definir as situações de autoria direta, mediata ou coletiva, segun<strong>do</strong> conceitos científicos.<br />
4.5 Além disso, a inserção das causas de aumento no concurso de pessoas (art. 38, § 4.º)<br />
cria outros problemas:<br />
a) primeiro, confunde (a) circunstâncias legais genéricas de agravação da pe<strong>na</strong><br />
(que ampliam o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> tipo de injusto e/ou a reprovação de culpabilidade<br />
<strong>do</strong> autor) com fundamentos legais de atribuição da responsabilidade pe<strong>na</strong>l pelo<br />
fato, como autores e/ou partícipes <strong>do</strong> tipo de injusto;<br />
b) segun<strong>do</strong>, os limites legais abusivos de aumento de pe<strong>na</strong> (de um sexto a <strong>do</strong>is<br />
terços) deformam ou perturbam a valoração judicial de circunstâncias legais<br />
genéricas, fixadas em valores situa<strong>do</strong>s entre um quinto e um sexto da pe<strong>na</strong> base<br />
44 Sobre isso, ver a crítica exaustiva de GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 50-51.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 46
(portanto, em níveis muito inferiores), segun<strong>do</strong> prática judicial consagrada<br />
pelos princípios da proporcio<strong>na</strong>lidade e da culpabilidade.<br />
4.6 Enfim, as normas sobre (a) exclusão da comunicação de circunstância ou condição<br />
pessoal, exceto se elementar <strong>do</strong> tipo (art. 39) e (b) exclusão da punibilidade <strong>do</strong>s atos preparatórios,<br />
em todas as hipóteses (art. 40), são desnecessárias reproduções <strong>do</strong> CP atual – no último caso,<br />
piorada com cansativa indicação de formas de autoria coletiva <strong>do</strong> fato (ajuste, manda<strong>do</strong>,<br />
induzimento, determi<strong>na</strong>ção, instigação e auxílio), que poderiam ser substituídas pelos conceitos<br />
de coautoria e participação, compreensivos daquelas hipóteses. 45<br />
5. Tentativa<br />
A definição de tentativa começa bem, mas ao introduzir o conceito de início de execução<br />
mete os pés pelas mãos.<br />
5.1 Conceito – A definição de tentativa a<strong>do</strong>ta o modelo <strong>do</strong> CP vigente: o fundamento<br />
objetivo <strong>do</strong> início de execução e o elemento negativo da exclusão <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> por circunstâncias<br />
alheias à vontade <strong>do</strong> agente (art. 22, II). Até aqui, nenhuma crítica.<br />
5.2 Início de execução – Todas as críticas para a definição de início de execução (art. 24),<br />
que acopla, como critérios alter<strong>na</strong>tivos, a teoria objetiva formal e uma versão cabocla da teoria<br />
objetiva individual, com lesão da legalidade pe<strong>na</strong>l em prejuízo <strong>do</strong>s acusa<strong>do</strong>s.<br />
5.2.1 A primeira parte <strong>do</strong> artigo a<strong>do</strong>ta a teoria objetiva formal, que define tentativa pelo<br />
início de execução (critério objetivo) da ação típica (critério formal): 46 início de execução pela<br />
realização de uma das condutas constitutivas <strong>do</strong> tipo. Se o artigo termi<strong>na</strong>sse aqui, teríamos um<br />
critério democrático, embora incompleto (as teorias objetivas formal e material não trabalham<br />
com o <strong>do</strong>lo, essencial para definir tentativa).<br />
45 Ver GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 54.<br />
46 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 211-213.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 47
5.2.2 Mas não termi<strong>na</strong> aqui: a segunda parte <strong>do</strong> artigo mostra que o Projeto não sabe o<br />
que faz, porque a<strong>do</strong>ta, como critério alter<strong>na</strong>tivo (?), a versão <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte da teoria objetiva<br />
individual, 47 acrescentan<strong>do</strong>: “(...) ou, segun<strong>do</strong> seu plano delitivo, pratica atos imediatamente<br />
anteriores à realização <strong>do</strong> tipo, que exponham a perigo o bem jurídico protegi<strong>do</strong>.” Ora, a teoria<br />
objetiva individual conjuga a teoria subjetiva da representação <strong>do</strong> fato (ou seja, <strong>do</strong> “plano delitivo”)<br />
com a teoria objetiva material, que antecipa a tentativa para ações imediatamente anteriores ao tipo<br />
legal, produtoras de perigo para o bem jurídico (critério material). 48<br />
A fusão desses critérios tem as seguintes consequências: primeiro, projeta a fase fi<strong>na</strong>l da<br />
tentativa para dentro <strong>do</strong> tipo legal, mediante início de execução de condutas constitutivas <strong>do</strong> tipo,<br />
segun<strong>do</strong> a teoria objetiva formal – até aqui conforme à legalidade pe<strong>na</strong>l; depois, recua a fase inicial<br />
da tentativa para fora <strong>do</strong> tipo legal, incluin<strong>do</strong> ações atípicas mediante a alter<strong>na</strong>tiva: “ou, segun<strong>do</strong><br />
seu plano delitivo, pratica atos imediatamente anteriores à realização <strong>do</strong> tipo”, conforme a teoria<br />
objetiva individual, lesiva da legalidade pe<strong>na</strong>l. Em outras palavras: o Projeto amplia,<br />
retroativamente, o leque da tentativa, antecipan<strong>do</strong> o início de execução para atos imediatamente<br />
anteriores à realização <strong>do</strong> tipo (ações preparatórias), punin<strong>do</strong> ações atípicas. Ou o Projeto não sabe<br />
o que faz, ou quer ampliar a punibilidade, de mo<strong>do</strong> inconstitucio<strong>na</strong>l.<br />
5.2.3 A discipli<strong>na</strong> legal da tentativa deve integrar os elementos objetivos e subjetivos <strong>do</strong><br />
comportamento, <strong>na</strong> linha da versão minoritária da teoria objetiva individual: (a) <strong>na</strong> dimensão<br />
subjetiva, representação <strong>do</strong> fato (como plano <strong>do</strong> autor); (b) <strong>na</strong> dimensão objetiva, substituição da<br />
teoria objetiva material (punibilidade fora <strong>do</strong> tipo) pela teoria objetiva formal (punibilidade<br />
dentro <strong>do</strong> tipo), desse mo<strong>do</strong>: verifica-se o início de execução quan<strong>do</strong> o autor realiza, segun<strong>do</strong> o plano<br />
<strong>do</strong> fato, conduta constitutiva <strong>do</strong> tipo legal. 49 Simples e democrático.<br />
47 O § 22 <strong>do</strong> Strafgesetzbuch alemão, assim define a teoria objetiva individual: “Tenta um fato punível quem,<br />
segun<strong>do</strong> sua representação <strong>do</strong> fato, se posicio<strong>na</strong> imediatamente para realização <strong>do</strong> tipo”.<br />
48 TAVARES, Juarez. O projeto de código pe<strong>na</strong>l. A reforma... cit., p. 188; Compare CIRINO DOS<br />
SANTOS, Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 214-215.<br />
49 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito pe<strong>na</strong>l cit., p. 214-215.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 48
5.3 Desistência e arrependimento – O Projeto aderiu ao princípio da culpabilidade (art. 1.º,<br />
parágrafo único) – logo, é supérfluo o parágrafo único <strong>do</strong> art. 25, que limita a isenção de pe<strong>na</strong> aos<br />
agentes que desistiram ou se arrependeram eficazmente (que, aliás, está conti<strong>do</strong> no caput <strong>do</strong><br />
dispositivo).<br />
5.4 Crime impossível – A manutenção da regra sobre crime impossível (art. 26) merece<br />
aplauso: exige perigo objetivo de lesão <strong>do</strong> bem jurídico, excluin<strong>do</strong> as teorias subjetivas <strong>do</strong><br />
indefinível abalo de confiança (no Direito) ou <strong>do</strong> sentimento de segurança (da população). 50<br />
6. Conclusão<br />
Argumentos científicos e razões de política crimi<strong>na</strong>l parecem aconselhar a rejeição <strong>do</strong><br />
Projeto. A <strong>na</strong>tureza e a extensão <strong>do</strong>s defeitos são maiores <strong>do</strong> que eventuais méritos, tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong> o<br />
Projeto imprestável: é impossível emendar, retificar ou corrigir. 51 O maior problema é a<br />
contami<strong>na</strong>ção <strong>do</strong> sistema pe<strong>na</strong>l por uma ideologia conserva<strong>do</strong>ra, ou a normatização de uma<br />
concepção autoritária de política crimi<strong>na</strong>l, ou a tentativa de garantir com crimes e pe<strong>na</strong>s uma<br />
sociedade desigual e injusta.<br />
50 Idem, p. 218.<br />
51 Editorial: A reforma pe<strong>na</strong>l. Boletim <strong>IBCCRIM</strong>, n. 239, out. 2012, p. 1: “Não se trata de situação de<br />
correção de um ou outro tópico, mas de prejuízo ao conjunto global da obra. A postura <strong>do</strong> <strong>IBCCRIM</strong> é, assim,<br />
contrária à proposta apresentada. Os erros e equívocos nela presentes não permitem correções pontuais, mas,<br />
sim, a necessidade de repúdio à sua aprovação”.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 49
O crime de enriquecimento ilícito no Projeto de Código Pe<strong>na</strong>l, em face<br />
da presunção de inocência<br />
Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró<br />
Livre-Docente, Doutor e Mestre em Direito Processual Pe<strong>na</strong>l pela USP.<br />
Professor Associa<strong>do</strong> de Direito Processual Pe<strong>na</strong>l da Faculdade de Direito da USP.<br />
Advoga<strong>do</strong> Crimi<strong>na</strong>lista.<br />
Sumário: – 1. Introdução – 2. Os exemplos <strong>do</strong> direito estrangeiro – 3. Os crimes de suspeita – 4.<br />
A presunção de inocência e a construção <strong>do</strong>s tipos pe<strong>na</strong>is – 5. A corrupção passiva e a prova da<br />
prática de ato de ofício <strong>na</strong> nova visão <strong>do</strong> Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal – 6. Conclusões.<br />
Introdução<br />
Um <strong>do</strong>s temas que tem gera<strong>do</strong> polêmica no Projeto de Código Pe<strong>na</strong>l é a criação <strong>do</strong> tipo<br />
pe<strong>na</strong>l de enriquecimento ilícito, o que a Comissão de Reforma <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l justifica, <strong>na</strong><br />
Exposição de Motivos, como decorrência da necessidade de dar cumprimento a trata<strong>do</strong>s e<br />
convenções inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is firma<strong>do</strong>s pelo Brasil.<br />
O art. 277 <strong>do</strong> Projeto de Código Pe<strong>na</strong>l tipifica o crime de enriquecimento ilícito:<br />
“Adquirir, vender, emprestar, alugar, receber, ceder, utilizar ou usufruir de maneira não eventual<br />
de bens ou valores móveis ou imóveis, cujo valor seja incompatível com os rendimentos auferi<strong>do</strong>s<br />
pelo funcionário público em razão de seu cargo ou por outro meio lícito”.<br />
A figura pe<strong>na</strong>l proposta será ape<strong>na</strong>da com “prisão, de um a cinco anos, além da perda <strong>do</strong>s<br />
bens, se o fato não constituir elemento de outro crime mais grave”. O parágrafo único <strong>do</strong><br />
dispositivo em análise traz uma causa de aumento de pe<strong>na</strong>: “As pe<strong>na</strong>s serão aumentadas de<br />
metade a <strong>do</strong>is terços se a propriedade ou a posse <strong>do</strong>s bens e valores for atribuída fraudulentamente<br />
a terceiras pessoas”.<br />
Os diplomas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is referi<strong>do</strong>s <strong>na</strong> Exposição de Motivos <strong>do</strong> Projeto de Código<br />
Pe<strong>na</strong>l são a Convenção Interamerica<strong>na</strong> contra a Corrupção e a Convenção das Nações Unidas<br />
contra a Corrupção.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 50
No âmbito regio<strong>na</strong>l, a Convenção Interamerica<strong>na</strong> contra a Corrupção, que integra o<br />
orde<strong>na</strong>mento <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l por força <strong>do</strong> Decreto 4.410, de 07.10.2002, em seu art. IX, dispõe:<br />
“Enriquecimento ilícito. Sem prejuízo de sua Constituição e <strong>do</strong>s princípios fundamentais de seu<br />
orde<strong>na</strong>mento jurídico, os Esta<strong>do</strong>s Partes que ainda não o tenham feito a<strong>do</strong>tarão as medidas necessárias<br />
para tipificar como delito em sua legislação o aumento <strong>do</strong> patrimônio de um funcionário público<br />
que exceda de mo<strong>do</strong> significativo sua renda legítima durante o exercício de suas funções e que não<br />
possa justificar razoavelmente.’’<br />
Por outro la<strong>do</strong>, no plano global, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção,<br />
incorporada pelo Decreto 5.687, de 31.01.2006, prevê, em seu art. 20: “Enriquecimento ilícito.<br />
Com sujeição a sua Constituição e aos princípios fundamentais de seu orde<strong>na</strong>mento jurídico, cada<br />
Esta<strong>do</strong> Parte considerará a possibilidade de a<strong>do</strong>tar as medidas legislativas e de outras ín<strong>do</strong>les que sejam<br />
necessárias para qualificar como delito, quan<strong>do</strong> cometi<strong>do</strong> intencio<strong>na</strong>lmente, o enriquecimento ilícito,<br />
ou seja, o incremento significativo <strong>do</strong> patrimônio de um funcionário público relativo aos seus ingressos<br />
legítimos que não podem ser razoavelmente justifica<strong>do</strong>s por ele”.<br />
Ressalte-se, desde já, que não há em tais previsões determi<strong>na</strong>ções de crimi<strong>na</strong>lização que<br />
imponham obrigação absoluta de tipificação de tais condutas. Aliás, por não serem poucos os<br />
problemas para criação <strong>do</strong> crime de enriquecimento ilícito, as próprias convenções preveem que<br />
tal se dê com sujeição à Constituição e aos princípios fundamentais <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Partes. A<br />
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de forma ainda mais cautelosa, estabeleceu<br />
que cada Esta<strong>do</strong> Parte “considere a possibilidade” de a<strong>do</strong>tar medidas legislativas para qualificar<br />
como delito o enriquecimento ilícito. Por outro la<strong>do</strong>, a Convenção Interamerica<strong>na</strong> contra a<br />
Corrupção, mesmo sen<strong>do</strong> mais enfática, determi<strong>na</strong>n<strong>do</strong> que os Esta<strong>do</strong>s Partes “a<strong>do</strong>tarão as<br />
medidas” para tipificar como delito tal conduta, também faz a ressalva de observância das regras<br />
constitucio<strong>na</strong>is e princípios fundamentais de cada Esta<strong>do</strong> Parte. Assim sen<strong>do</strong>, os Esta<strong>do</strong>s Partes<br />
podem, sem desrespeitar qualquer norma convencio<strong>na</strong>l regio<strong>na</strong>l ou inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, deixar de<br />
tipificar o enriquecimento ilícito, se tal crimi<strong>na</strong>lização for incompatível com princípios maiores de<br />
seus orde<strong>na</strong>mentos jurídicos internos.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 51
Justamente por isso, diante da proposta de novo tipo pe<strong>na</strong>l, pretende-se verificar a sua<br />
compatibilidade ou não com a garantia constitucio<strong>na</strong>l da presunção de inocência, que além de<br />
estar prevista <strong>na</strong> Constituição brasileira (art. 5.º, inc. LVII), também é assegurada <strong>na</strong> Convenção<br />
America<strong>na</strong> de Direitos Humanos (art. 8.2) e no Pacto Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de Direitos Civis e Políticos<br />
(art. 14.2).<br />
2. Os exemplos <strong>do</strong> direito estrangeiro<br />
Sem a pretensão de exaurir o tema, é interessante transcrever os crimes de enriquecimento<br />
ilícito em alguns <strong>do</strong>s países que os tipifica.<br />
A exposição se centrará em países europeus, latino-americanos e <strong>na</strong> legislação chinesa. Da<br />
Europa, serão a<strong>na</strong>lisadas as leis da Itália, Portugal e França. Na América <strong>do</strong> Sul, com regimes mais<br />
próximos ao brasileiro, serão expostos os tipos pe<strong>na</strong>is da Argenti<strong>na</strong>, Chile, Colômbia, El Salva<strong>do</strong>r,<br />
Equa<strong>do</strong>r e Costa Rica. Por fim, serão a<strong>na</strong>lisa<strong>do</strong>s os tipos pe<strong>na</strong>is da Chi<strong>na</strong> e das Regiões<br />
Administrativas Especiais de Hong Kong e de Macau.<br />
Na Itália, a questão foi discutida a partir da Lei 356 de 1992, que no secon<strong>do</strong> comma <strong>do</strong><br />
art. 12-quinquies, <strong>na</strong> discipli<strong>na</strong> da “Transferência fraudulenta e posse injustificada de valores”,<br />
criou a figura pe<strong>na</strong>l punida com pe<strong>na</strong> de <strong>do</strong>is a cinco anos de prisão, além <strong>do</strong> confisco <strong>do</strong>s bens<br />
<strong>do</strong> acusa<strong>do</strong>. Tratava-se de crime próprio, pratica<strong>do</strong> por “aquele que estava sen<strong>do</strong> investiga<strong>do</strong>” por<br />
algum <strong>do</strong>s crimes mencio<strong>na</strong><strong>do</strong>s no próprio tipo, ou que “estava submeti<strong>do</strong> à aplicação de medida de<br />
prevenção pessoal” e, “ainda que por interposta pessoa física ou jurídica, resultem ser titulares ou ter a<br />
disponibilidade, a qualquer título, de dinheiro, bens ou outra utilidade de valor desproporcio<strong>na</strong>l ao<br />
próprio rendimento declara<strong>do</strong> para fins de imposto de renda, ou a própria atividade econômica, e em<br />
relação aos quais não possam justificar a legítima proveniência”. 1<br />
1 O tipo pe<strong>na</strong>l é: “2. Fuori dei casi previsti dal comma 1 e dagli articoli 648, 648-bis e 648-ter del codice<br />
pe<strong>na</strong>le, coloro nei cui confronti sono svolte indagini per uno dei delitti previsti dai predetti articoli o dei delitti<br />
in materia di contrabban<strong>do</strong>, o per delitti commessi avvalen<strong>do</strong>si delle condizioni previste dall’articolo 416-bis<br />
del codice pe<strong>na</strong>le ovvero al fine di agevolare l’attività delle associazioni previste dallo stesso articolo, nonchè per<br />
i delitti di cui agli articoli 416-bis, 629, 630, 644 e 644-bis del codice pe<strong>na</strong>le e agli articoli 73 e 74 del testo<br />
unico delle leggi in materia di discipli<strong>na</strong> degli stupefacenti e sostanze psicotrope, prevenzione, cura e<br />
riabilitazione dei relativi stati di tossicodipendenza, approvato con decreto del Presidente della Repubblica 9<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 52
Todavia, pouco tempo depois <strong>do</strong> início de vigência da lei, a Corte Constitucio<strong>na</strong>l italia<strong>na</strong>,<br />
por meio da Sentença 48, de 9 de fevereiro de 1994, declarou inconstitucio<strong>na</strong>l tal tipo pe<strong>na</strong>l, por<br />
considerar que ele implica uma violação da garantia constitucio<strong>na</strong>l da presunção de inocência. De<br />
se esclarecer, porém, que se considerou haver contrariedade ao art. 27.2 da Constituição italia<strong>na</strong><br />
não em razão de o tipo pe<strong>na</strong>l implicar inversão <strong>do</strong> ônus da prova, mas porque a condição de uma<br />
pessoa estar sen<strong>do</strong> submetida a procedimento pe<strong>na</strong>l não admite que se extraia “suspeita” ou<br />
“presunção” que permita qualificar uma conduta que o legisla<strong>do</strong>r considere criminosa.<br />
Em Portugal, também se passou situação semelhante. O crime de enriquecimento ilícito<br />
foi cria<strong>do</strong> pelo Decreto 37/XII, que acrescentou ao Código Pe<strong>na</strong>l português o art. 335-A<br />
(enriquecimento ilícito) 2 e o art. 386 (enriquecimento ilícito por funcionário público); bem como<br />
inseriu o art. 27-A à Lei 34, de 16.07.1987 (enriquecimento ilícito referente a titular de cargo<br />
político ou alto cargo público). 3 Os três tipos pe<strong>na</strong>is têm estruturas semelhantes, sen<strong>do</strong> que com<br />
ottobre 1990, n. 309 ovvero nei cui confronti si procede per l’applicazione di u<strong>na</strong> misura di prevenzione<br />
perso<strong>na</strong>le, i quali, anche per interposta perso<strong>na</strong> fisica o giuridica, risultano essere titolari o avere la<br />
disponibilità a qualsiasi titolo di de<strong>na</strong>ro, beni o altre utilità di valore sproporzio<strong>na</strong>to al proprio reddito<br />
dichiarato ai fini delle imposte sul reddito, o alla propria attività economica, e dei quali non possano<br />
giustificare la leggittima provenienza, sono puniti con la reclusione da due a quattro anni e il de<strong>na</strong>ro, beni o<br />
altre utilità sono confiscati”.<br />
2 “Art. 335.º-A. Enriquecimento ilícito. 1 – Quem por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva,<br />
adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determi<strong>na</strong>da, incompatível com os seus<br />
rendimentos e bens legítimos é puni<strong>do</strong> com pe<strong>na</strong> de prisão até três anos, se pe<strong>na</strong> mais grave não lhe<br />
couber por força de outra disposição legal. 2 – Para efeitos <strong>do</strong> disposto no número anterior, entende-se<br />
por património to<strong>do</strong> o ativo patrimonial existente no país ou no estrangeiro, incluin<strong>do</strong> o património<br />
imobiliário, de quotas, ações ou partes sociais <strong>do</strong> capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos<br />
sobre barcos, aero<strong>na</strong>ves ou veículos automóveis, carteiras de títulos, contas bancárias, aplicações<br />
fi<strong>na</strong>nceiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas realizadas com a aquisição de bens<br />
ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no estrangeiro. 3 – Para efeitos <strong>do</strong> disposto<br />
no n. 1, entendem-se por rendimentos e bens legítimos to<strong>do</strong>s os rendimentos brutos constantes das<br />
declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros<br />
rendimentos e bens com origem lícita determi<strong>na</strong>da. 4 – Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1<br />
não exceder 100 salários mínimos mensais a conduta não é punível. 5 – Se o valor da incompatibilidade<br />
referida no n. 1 exceder 350 salários mínimos mensais o agente é puni<strong>do</strong> com pe<strong>na</strong> de prisão de um a<br />
cinco anos”.<br />
3 “Art. 27.º-A. Enriquecimento ilícito. 1 – O titular de cargo político ou de alto cargo público que durante<br />
o perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> exercício de funções públicas ou nos três anos seguintes à cessação dessas funções, por si ou<br />
por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita<br />
determi<strong>na</strong>da, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é puni<strong>do</strong> com pe<strong>na</strong> de prisão de 1<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 53
vistas à comparação com o delito projeta<strong>do</strong> da legislação brasileira, se transcreverá ape<strong>na</strong>s o crime<br />
<strong>do</strong> art. 386 <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l:<br />
“Art. 386.º. Enriquecimento ilícito por funcionário<br />
1 – O funcionário que, durante o perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> exercício de funções públicas ou nos três anos<br />
seguintes à cessação dessas funções, por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva,<br />
adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determi<strong>na</strong>da, incompatível com<br />
os seus rendimentos e bens legítimos é puni<strong>do</strong> com pe<strong>na</strong> de prisão de um a cinco anos, se<br />
pe<strong>na</strong> mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.<br />
2 – Para efeitos <strong>do</strong> disposto no número anterior, entende-se por património to<strong>do</strong> o ativo<br />
patrimonial existente no país ou no estrangeiro, incluin<strong>do</strong> o património imobiliário, de<br />
quotas, ações ou partes sociais <strong>do</strong> capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre<br />
barcos, aero<strong>na</strong>ves ou veículos automóveis, carteiras de títulos, contas bancárias, aplicações<br />
fi<strong>na</strong>nceiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas realizadas com a<br />
aquisição de bens ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no<br />
estrangeiro.<br />
3 – Para efeitos <strong>do</strong> disposto no n. 1, entendem-se por rendimentos e bens legítimos to<strong>do</strong>s os<br />
rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas<br />
devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determi<strong>na</strong>da,<br />
desig<strong>na</strong>damente os constantes em declaração de património e rendimentos.<br />
a 5 anos, se pe<strong>na</strong> mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. 2 – Para efeitos <strong>do</strong><br />
disposto no número anterior, entende-se por património to<strong>do</strong> o ativo patrimonial existente no país ou<br />
no estrangeiro, incluin<strong>do</strong> o património imobiliário, de quotas, ações ou partes sociais <strong>do</strong> capital de<br />
sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre barcos, aero<strong>na</strong>ves ou veículos automóveis, carteiras de<br />
títulos, contas bancárias, aplicações fi<strong>na</strong>nceiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas<br />
realizadas com a aquisição de bens ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no<br />
estrangeiro. 3 – Para efeitos <strong>do</strong> disposto no n. 1, entendem-se por rendimentos e bens legítimos to<strong>do</strong>s os<br />
rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem<br />
constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determi<strong>na</strong>da, desig<strong>na</strong>damente os<br />
constantes em declaração de património e rendimentos. 4 – Se o valor da incompatibilidade referida no<br />
n. 1 não exceder 100 salários mínimos mensais a conduta não é punível. 5 – Se o valor da<br />
incompatibilidade referida no n. 1 exceder 350 salários mínimos mensais o agente é puni<strong>do</strong> com pe<strong>na</strong> de<br />
prisão de 1 a 8 anos.”<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 54
4 – Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 não exceder 100 salários mínimos<br />
mensais a conduta não é punível.<br />
5 – Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 exceder 350 salários mínimos mensais<br />
o agente é puni<strong>do</strong> com pe<strong>na</strong> de prisão de um a oito anos.”<br />
Todavia, recentemente, o Tribu<strong>na</strong>l Constitucio<strong>na</strong>l de Portugal, por meio acórdão<br />
179/2012, declarou a inconstitucio<strong>na</strong>lidade <strong>do</strong>s três dispositivos supracita<strong>do</strong>s, por considerá-los<br />
viola<strong>do</strong>res da presunção de inocência, por implicar inversão <strong>do</strong> ônus da prova, quanto ao<br />
elemento <strong>do</strong> crime “sem origem lícita determi<strong>na</strong>da”.<br />
Assim sen<strong>do</strong>, atualmente, entre os países europeus, ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> França há incrimi<strong>na</strong>ção <strong>do</strong><br />
enriquecimento ilícito. O art. 321-6 <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l francês, introduzi<strong>do</strong> pela Lei 2006-64, de<br />
23.01.2006, prevê o crime de “não justificação de rendimentos”:<br />
“Art. 321-6. O fato de não poder justificar os recursos que correspondam ao seu nível de<br />
vida ou não poder justificar a origem de um bem que tem a detenção, enquanto há uma<br />
relação habitual com uma ou mais pessoas ou que se dediquem à comissão crimes ou delitos<br />
puníveis com pe<strong>na</strong> de prisão de pelo menos cinco anos e de proporcio<strong>na</strong>r-lhes um benefício<br />
direto ou indireto, ou que sejam as vítimas destes crimes, é punível com três anos de prisão e<br />
75 000 euros”.<br />
De se ressaltar que, no sistema francês, o delito de “não justificação de rendimentos” não<br />
se insere entre os crimes contra a administração pública, ou como uma modalidade equiparável à<br />
corrupção, mas se encontra <strong>na</strong> seção <strong>do</strong>s crimes “assimila<strong>do</strong>s ou conexos à receptação”.<br />
Além disso, é importante destacar que a regra <strong>do</strong> Code Pé<strong>na</strong>l que incrimi<strong>na</strong> o<br />
enriquecimento ilícito exige que se demonstre um relacio<strong>na</strong>mento entre o agente e outras pessoas<br />
conde<strong>na</strong>das por crimes graves, além de depender da prova de um benefício direto ou indireto para<br />
o agente.<br />
Passan<strong>do</strong> para a legislação asiática, o crime de enriquecimento ilícito é encontran<strong>do</strong> <strong>na</strong><br />
legislação chinesa, seja no próprio código pe<strong>na</strong>l chinês, seja <strong>na</strong> legislação das regiões<br />
administrativas especiais de Hong Kong e de Macau.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 55
O art. 395 <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l da Chi<strong>na</strong>, que integra o capítulo sobre os crimes de<br />
corrupção, prevê:<br />
“Art. 395. Qualquer funcionário <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> cujos bens ou despesas manifestamente excedam<br />
os seus proventos legítimos, se tal diferença for muito grande, pode ser notifica<strong>do</strong> para<br />
explicar a proveniência <strong>do</strong>s bens. Se não conseguir explicar a proveniência legítima, a<br />
parte que exceda os seus legítimos proventos será considerada como ganho ilegal, será<br />
conde<strong>na</strong><strong>do</strong> em pe<strong>na</strong> de prisão não superior a cinco anos ou em detenção crimi<strong>na</strong>l e<br />
recuperada a parte que exceda os legítimos rendimentos”.<br />
O tipo pe<strong>na</strong>l somente crimi<strong>na</strong>liza bens ou despesas que “manifestamente” excedam os<br />
proventos legítimos, reforçan<strong>do</strong>-se ainda tal ideia ao exigir ainda que “se tal diferença for muito<br />
grande”, o funcionário público será notifica<strong>do</strong> a explicar a proveniência <strong>do</strong>s bens. Existe,<br />
portanto, a necessidade de uma prévia notificação <strong>do</strong> funcionário público e, somente se este não<br />
conseguir explicar a proveniência lícita <strong>do</strong>s bens, <strong>na</strong> medida em que excedente aos seus proventos,<br />
haverá o crime.<br />
Há, pois, uma clara inversão <strong>do</strong> ônus da prova, sen<strong>do</strong> elementos <strong>do</strong> crime a notificação <strong>do</strong><br />
funcionário e o insucesso <strong>do</strong> servi<strong>do</strong>r <strong>na</strong> explicação <strong>do</strong> patrimônio manifestamente excedente aos<br />
seus rendimentos.<br />
Com relação à Região Administrativa Especial de Macau, o art. 28 da Lei n.º 11/2003, de<br />
28.07.2003, prevê o crime de “riqueza injustificada”, nos seguintes termos:<br />
“1. Os obriga<strong>do</strong>s à declaração nos termos <strong>do</strong> artigo 1.º que, por si ou por interposta pessoa,<br />
estejam <strong>na</strong> posse de patrimônio ou rendimentos anormalmente superiores aos indica<strong>do</strong>s <strong>na</strong>s<br />
declarações anteriores prestadas e não justifiquem, concretamente, como e quan<strong>do</strong> vieram<br />
à sua posse ou não demonstrem satisfatoriamente a sua origem lícita, são puni<strong>do</strong>s com pe<strong>na</strong><br />
de prisão até três anos e multa até 360 dias.<br />
2. O patrimônio ou rendimentos cuja posse ou origem não haja si<strong>do</strong> justificada nos termos<br />
<strong>do</strong> número anterior, pode, em decisão judicial conde<strong>na</strong>tória, ser apreendi<strong>do</strong> e declara<strong>do</strong><br />
perdi<strong>do</strong> a favor da Região Administrativa Especial de Macau”.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 56
Cabe observar que o tipo pe<strong>na</strong>l de riqueza injustificada traz o elemento normativo<br />
“anormalmente”. Assim, como somente o patrimônio “anormalmente” superior caracteriza crime,<br />
sen<strong>do</strong> de peque<strong>na</strong> monta a superioridade patrimonial <strong>do</strong> funcionário, em relação ao constante <strong>na</strong><br />
declaração, não haverá incidência pe<strong>na</strong>l. 4<br />
Na Região Administrativa Especial de Hong Kong, a Prevention of Bribery Ordi<strong>na</strong>nce, de<br />
1971, dispõe, <strong>na</strong> section 10(1):<br />
“10. (1) Qualquer pessoa que, sen<strong>do</strong> ou ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> nomea<strong>do</strong> funcionário:<br />
(a) mantém um nível de vida superior ao que é compatível com a sua remuneração<br />
funcio<strong>na</strong>l, presente ou passada; ou<br />
(b) está no controle de recursos pecuniários ou bens desproporcio<strong>na</strong>is a sua remuneração<br />
funcio<strong>na</strong>l, presente ou passada, poderá, a menos que dê uma explicação satisfatória para o<br />
tribu<strong>na</strong>l da forma como ele foi capaz de manter um padrão de vida ou como tais recursos<br />
pecuniários ou bens caíram sob seu controle, ser considera<strong>do</strong> culpa<strong>do</strong> de um crime”.<br />
O tipo pe<strong>na</strong>l de Hong Kong, inseri<strong>do</strong> <strong>na</strong> legislação de combate à corrupção, estabelece<br />
duas alter<strong>na</strong>tivas caracteriza<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> crime: o estilo de vida (standard of living) ou a posse de<br />
patrimônio desproporcio<strong>na</strong>l aos rendimentos recebi<strong>do</strong>s pelo funcionário. Prevê, também, que ele<br />
poderá ser chama<strong>do</strong> a justificar a posse de tais bens perante um tribu<strong>na</strong>l, e que se não der uma<br />
explicação satisfatória (satisfactory expla<strong>na</strong>tion) para a corte, estará caracteriza<strong>do</strong> o crime.<br />
Por fim, cabe a<strong>na</strong>lisar as experiências <strong>do</strong>s países sul-americanos.<br />
Na Argenti<strong>na</strong>, a Lei 25.188, de 26 de outubro de 1999, acrescentou ao Código Pe<strong>na</strong>l o<br />
Capítulo IX bis, sobre “enriquecimento ilícito de funcionários e emprega<strong>do</strong>s”, sen<strong>do</strong> o tipo pe<strong>na</strong>l<br />
previsto no art. 268 (2): 5<br />
4 GODINHO, Jorge A. F. Do crime de “riqueza injustificada” (artigo 28.º da Lei n. 11/2003). Boletim da<br />
Faculdade de Direito da Universidade de Macau, ano XI, n. 24, 2007, p. 20.<br />
5 Além disso, o sistema de punição <strong>do</strong> enriquecimento ilícito é completa<strong>do</strong> pelo art. 268(3), que prevê:<br />
“Será reprimi<strong>do</strong> con prisión de quince días a <strong>do</strong>s años e inhabilitación especial perpetua el que, en razón<br />
de su cargo, estuviere obliga<strong>do</strong> por ley a presentar u<strong>na</strong> declaración jurada patrimonial y omitiere<br />
maliciosamente hacerlo”.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 57
“Art. 268.2. Será puni<strong>do</strong> com reclusão ou prisão, de <strong>do</strong>is a seis anos, multa de cinquenta<br />
por cento a cem por cento <strong>do</strong> valor <strong>do</strong> enriquecimento e i<strong>na</strong>bilitação absoluta perpétua,<br />
aquele que, ao ser devidamente requeri<strong>do</strong>, não justifique a procedência de um<br />
enriquecimento patrimonial apreciável seu ou de interposta pessoa para dissimulá-lo,<br />
ocorri<strong>do</strong> após a assunção de um cargo ou emprego público e até <strong>do</strong>is anos depois de ter<br />
cessa<strong>do</strong> seu desempenho.<br />
Entender-se-á que houve enriquecimento não só quan<strong>do</strong> o patrimônio tiver si<strong>do</strong><br />
incrementa<strong>do</strong> com dinheiro, coisa ou bens, mas também quan<strong>do</strong> tiverem si<strong>do</strong> canceladas<br />
dívidas ou extintas obrigações que o afetavam.<br />
A pessoa interposta para dissimular o enriquecimento será punida com a mesma pe<strong>na</strong> que o<br />
autor <strong>do</strong> fato”.<br />
Do tipo pe<strong>na</strong>l argentino se observa a necessidade de que tenha havi<strong>do</strong> uma negativa de<br />
justificação por parte <strong>do</strong> funcionário público quanto ao enriquecimento. Além disso, não é<br />
qualquer acréscimo patrimonial que caracteriza o tipo pe<strong>na</strong>l, que se vale <strong>do</strong> elemento normativo<br />
“apreciável”, para qualificar o enriquecimento ou aumento patrimonial. Assim sen<strong>do</strong>, deve ser um<br />
aumento relevante, significativo, e não qualquer acréscimo ou ampliação de menor importância.<br />
No Chile, o crime de enriquecimento ilícito de funcionários públicos passou a ser previsto<br />
no art. 241-bis <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l, acresci<strong>do</strong> pela Lei 20.088, de 05.01.2006, nos seguintes termos:<br />
“Art. 241 bis. O emprega<strong>do</strong> público que durante o exercício de seu cargo obtenha um<br />
incremento patrimonial relevante e injustifica<strong>do</strong>, será sancio<strong>na</strong><strong>do</strong> com multa equivalente<br />
ao montante <strong>do</strong> incremento patrimonial indevi<strong>do</strong> e com a pe<strong>na</strong> de i<strong>na</strong>bilitação absoluta<br />
temporal para o exercício de cargos e ofícios públicos em seus graus mínimos e máximos”.<br />
O tipo pe<strong>na</strong>l chileno é bastante semelhante ao argentino, exigin<strong>do</strong> que a ampliação<br />
patrimonial seja “relevante” e “injustificada”, o que implica, para sua caracterização, a não<br />
apresentação de justificativa pelo funcionário público.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 58
Relevante destacar, ainda, que o § 2.º <strong>do</strong> art. 241-bis prevê que “A prova <strong>do</strong><br />
enriquecimento injustifica<strong>do</strong> a que se refere este artigo será sempre a cargo <strong>do</strong> Ministério<br />
Público”. 6<br />
Código Pe<strong>na</strong>l:<br />
A legislação colombia<strong>na</strong> também prevê o crime de enriquecimento ilícito no art. 412 <strong>do</strong><br />
“Art. 412. Enriquecimento ilícito. O servi<strong>do</strong>r público que durante sua vinculação com a<br />
administração, ou quem tenha desempenha<strong>do</strong> funções públicas e, nos <strong>do</strong>is anos seguintes a<br />
sua desvinculação, obtenha, para si ou para outrem, incremento patrimonial injustifica<strong>do</strong>,<br />
sempre que a conduta não constitua outro delito, incorrerá em prisão de seis (6) a dez (10)<br />
anos, multa equivalente ao <strong>do</strong>bro <strong>do</strong> valor <strong>do</strong> enriquecimento, sem que supere o equivalente<br />
a cinquenta mil salários mínimos legais mensais vigentes, e i<strong>na</strong>bilitação para o exercício de<br />
direitos e funções públicas de seis (6) a dez (10) anos”.<br />
Em El Salva<strong>do</strong>r, o art. 333 <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l prevê o crime de enriquecimento ilícito nos<br />
seguintes termos:<br />
“Art. 333. O funcionário, autoridade pública ou emprega<strong>do</strong> público, que durante o cargo<br />
ou suas funções obtiver incremento patrimonial não justifica<strong>do</strong> será sancio<strong>na</strong><strong>do</strong> com prisão<br />
de três a dez anos.<br />
Na mesma pe<strong>na</strong> de prisão incorrerá a pessoa interposta que simular o incremento<br />
patrimonial não justifica<strong>do</strong>”.<br />
No Equa<strong>do</strong>r, o Capítulo VIII.1, denomi<strong>na</strong><strong>do</strong> “Enriquecimento Ilícito”, foi acresci<strong>do</strong> ao<br />
Título III <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l, que discipli<strong>na</strong> os “Crimes contra a Administração Pública”, e prevê:<br />
“Art. (296.1). Constitui enriquecimento ilícito o incremento injustifica<strong>do</strong> <strong>do</strong> patrimônio<br />
de uma pessoa, produzi<strong>do</strong> por ocasião ou como consequência <strong>do</strong> desempenho de um cargo ou<br />
função pública, gera<strong>do</strong> por atos não permiti<strong>do</strong>s por lei, e que, em consequência, não seja<br />
resulta<strong>do</strong> de ingressos legalmente percebi<strong>do</strong>s.<br />
6 O que, como se verá <strong>na</strong> sequência, no item 4, não impede que haja inversão <strong>do</strong> ônus da prova, com<br />
violação da presunção de inocência.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 59
Art. (296.2). O enriquecimento ilícito se sancio<strong>na</strong>rá com a pe<strong>na</strong> de um a cinco anos de<br />
prisão e a restituição <strong>do</strong> <strong>do</strong>bro <strong>do</strong> montante <strong>do</strong> enriquecimento ilícito, sempre que não<br />
constitua outro delito”.<br />
Por fim, mencione-se, ainda, a Costa Rica, cujo art. 45 da Lei contra a Corrupção e o<br />
Enriquecimento Ilícito <strong>na</strong> Função Pública (Lei 8.422, de 06.10.2004), prevê:<br />
“Artigo 45. - Enriquecimento ilícito. Será sancio<strong>na</strong><strong>do</strong> com prisão de três a seis anos quem,<br />
aproveitan<strong>do</strong> ilicitamente o exercício da função pública ou a custódia, a exploração, o uso<br />
ou a administração de fun<strong>do</strong>s, serviços ou bens públicos, sob qualquer título ou modalidade<br />
de gestão, por si ou por interposta pessoa, física ou jurídica, aumente seu patrimônio,<br />
adquira bens, goze de direitos, cancele dívidas ou extinga obrigações que afetem seu<br />
patrimônio ou o de pessoas jurídicas, em cujo capital social tenha participação, seja<br />
diretamente ou por intermédio de outras pessoas jurídicas”.<br />
Com vistas à análise <strong>do</strong> tipo pe<strong>na</strong>l brasileiro, o que se pode extrair da comparação com os<br />
crimes de enriquecimento ilícito previstos <strong>na</strong>s legislações supramencio<strong>na</strong>das é que não é elemento<br />
comum a exigência de que o aumento patrimonial seja desproporcio<strong>na</strong>l aos rendimentos <strong>do</strong><br />
funcionário público. Por outro la<strong>do</strong>, em to<strong>do</strong>s os tipos pe<strong>na</strong>is, com exceção <strong>do</strong> enriquecimento<br />
ilícito costa-riquenho, é elemento <strong>do</strong> tipo que o aumento ou incremento patrimonial seja<br />
“injustifica<strong>do</strong>” ou, “não justifica<strong>do</strong>”, ou ainda, que o funcionário público “não justifique a<br />
procedência”. Essa ausência de justificação, embora não explícita no tipo pe<strong>na</strong>l <strong>do</strong> art. 277 <strong>do</strong><br />
Projeto de Código Pe<strong>na</strong>l, acaba sen<strong>do</strong> exigível, ainda que de maneira mais sutil ou disfarçada, ao<br />
se prever que não haja “outro meio lícito”.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, há países que, a despeito de terem ratifica<strong>do</strong> a Convenção das Nações<br />
Unidas contra a Corrupção, não instituíram crimes de enriquecimento ilícito em seus<br />
orde<strong>na</strong>mentos jurídicos, justamente por considerarem que tal figura pe<strong>na</strong>l, <strong>na</strong> forma propug<strong>na</strong>da<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 60
pela Convenção, violaria a presunção de inocência, com é o caso da Finlândia, <strong>do</strong> Reino-Uni<strong>do</strong> e<br />
<strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s-Uni<strong>do</strong>s da América. 7<br />
3. Os crimes de suspeita<br />
A discussão da compatibilidade ou não da incrimi<strong>na</strong>ção <strong>do</strong> enriquecimento ilícito, com a<br />
garantia da presunção de inocência, remete à antiga questão, objeto de intensa polêmica <strong>na</strong><br />
<strong>do</strong>utri<strong>na</strong> italia<strong>na</strong>, sobre os chama<strong>do</strong>s “crimes de mera suspeita”. 8<br />
Sempre lembradas como exemplos de “crimes de suspeita”, são as contravenções pe<strong>na</strong>is<br />
previstas nos arts. 707 9 e 708 10 <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l italiano. Explica Manzini que esses crimes não<br />
são comissivos nem omissivos, “enquanto não constituem um fato nem positivo nem negativo, mas<br />
simplesmente um esta<strong>do</strong> individual, que por isso mesmo não constitui infração de qualquer coman<strong>do</strong><br />
ou vedação pe<strong>na</strong>l, mas que é incrimi<strong>na</strong><strong>do</strong> simplesmente pela suspeita desta”. 11<br />
7 Tais justificativas podem ser encontradas nos textos referentes aos cita<strong>do</strong>s países no item “Mechanism for<br />
the Review of Implementation of the United Nations Convention against Corruption”, disponível em<br />
.<br />
8 MANZINI, Vincenzo. Trattatto di diritto pe<strong>na</strong>le italiano. Totino: Utet, 1950. v. 1, p. 602. Em senti<strong>do</strong><br />
contrário, Delitala Giacomo (Il reato nella teoria generale de reato. Pa<strong>do</strong>va, 1930, p. 139, cita<strong>do</strong> <strong>na</strong><br />
reprodução contida in Giacomo Delitala, Diritto pe<strong>na</strong>le. Raccolta degli scritti. Milano: Giuffrè, 1976, p.<br />
105), afirma que não se trata de “reato di sospetto, ma un sospetto di reato”, o que Manzini (Trattato...<br />
cit., v. 1, p. 603, nota 2) qualificou de “giochetto di parole”.<br />
9 “Art. 707. Possesso ingiustificato di chiavi alterate o di grimaldelli. Chiunque, essen<strong>do</strong> stato condan<strong>na</strong>to<br />
per delitti determi<strong>na</strong>ti da motivi di lucro, o per contravvenzioni concernenti la prevenzione di delitti<br />
contro il patrimonio, o per mendicità, o essen<strong>do</strong> ammonito o sottoposto a u<strong>na</strong> misura di sicurezza<br />
perso<strong>na</strong>le o a cauzione di buo<strong>na</strong> con<strong>do</strong>tta, è colto in possesso di chiavi alterate o contraffatte, ovvero di<br />
chiavi genuine o di strumenti atti ad aprire o a sforzare serrature, dei quali non giustifichi l'attuale<br />
desti<strong>na</strong>zione è punito con l'arresto da sei mesi a due anni.” A Corte Constitucio<strong>na</strong>l italia<strong>na</strong>, <strong>na</strong> Sentença n.<br />
14, de 1971, declarou a ilegitimidade constitucio<strong>na</strong>l <strong>do</strong> art. 707, <strong>na</strong> parte em que exige as condições<br />
pessoais de conde<strong>na</strong><strong>do</strong> por mendicância, de admoesta<strong>do</strong>, de submeti<strong>do</strong> a medida de segurança pessoal ou<br />
caução de boa conduta.<br />
10 “Art. 708. Possesso ingiustificato di valori. Chiunque, trovan<strong>do</strong>si nelle condizioni perso<strong>na</strong>li indicate<br />
nell'articolo precedente, è colto in possesso di de<strong>na</strong>ro o di oggetti di valore, o di altre cose non confacenti<br />
al suo stato, e dei quali non giustifichi la provenienza, è punito con l’arresto da tre mesi a un anno.” A<br />
Corte Constitucio<strong>na</strong>l italia<strong>na</strong>, <strong>na</strong> Sentença n. 110, de 19.07.1968, declarou a ilegitimidade constitucio<strong>na</strong>l<br />
<strong>do</strong> art. 708, <strong>na</strong> parte em que se exige as condições pessoais de conde<strong>na</strong><strong>do</strong> por mendicância, de adverti<strong>do</strong>,<br />
de submeti<strong>do</strong> a medida de segurança pessoal ou caução de boa conduta”.<br />
11 Trattato... cit., v. 1, p. 602.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 61
Não é preciso entrar <strong>na</strong> tormentosa discussão se os chama<strong>do</strong>s crimes de mera suspeita são<br />
ou não “crimes sem ação”, 12 nem se tais delitos são integra<strong>do</strong>s somente pela omissão representada<br />
pela ausência de justificação, ou pela simples posse, presumida ilícita, salvo prova em contrário. 13<br />
A questão não pode ser falaciosamente abordada como se tu<strong>do</strong> não passasse de um mero<br />
problema de direito substancial, a ser resolvi<strong>do</strong> a partir da definição da <strong>na</strong>tureza jurídica da “não<br />
justificação da origem lícita”. Há diversas posições, ora caracterizan<strong>do</strong>-a como elemento negativo<br />
<strong>do</strong> tipo, ora como condição objetiva de punibilidade. Outros, ao contrário, consideram-<strong>na</strong> uma<br />
causa de justificação a afastar o caráter criminoso da conduta. 14<br />
Tu<strong>do</strong> isso pode ter senti<strong>do</strong> no âmbito abstrato da construção de normas que defi<strong>na</strong>m um<br />
crime. Porém, o relevante para efetivação <strong>do</strong> preceito pe<strong>na</strong>l e para possibilitar o exercício <strong>do</strong><br />
direito de defesa <strong>do</strong>s acusa<strong>do</strong>s de carne e osso, é definir qual deverá ser o conteú<strong>do</strong> concreto da<br />
<strong>na</strong>rrativa <strong>do</strong> “fato criminoso com todas as suas circunstâncias” a ser feito <strong>na</strong> denúncia. Superada<br />
essa questão, em um segun<strong>do</strong> momento, o importante é definir se, estan<strong>do</strong> o juiz em dúvida sobre<br />
a justificação prestada quanto à licitude da origem <strong>do</strong>s bens, o resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo deverá ser<br />
absolutório ou conde<strong>na</strong>tório.<br />
Sob essa ótica, no primeiro momento, não há como exigir <strong>do</strong> Ministério Público que<br />
exponha <strong>na</strong> denúncia um rol interminável de possíveis meios lícitos diversos <strong>do</strong>s rendimentos <strong>do</strong><br />
funcionário que não se verificaram no caso concreto. Certamente o acusa<strong>do</strong>r se limitará a<br />
12 Na <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> italia<strong>na</strong>, essa posição recebeu severa crítica de: DELITALA, Il fato... cit., p. 139.<br />
13 Para referências <strong>do</strong>utrinárias, cf.: ILLUMINATI, Giulio. La presunzione d’innocenza dell’imputato.<br />
Bolog<strong>na</strong>: Zanichelli, 1979. p. 142, nota 152.<br />
14 A crítica é feita por Franco Cordero (Il giudizio d’onore. Milano: Giuffrè, 1959. p. 151 e ss.) que propõe<br />
uma “remeditazione di conetti pe<strong>na</strong>listici nello scocio del processo”. E, a<strong>na</strong>lisan<strong>do</strong> o crime de<br />
enriquecimento ilícito, afirma, com razão, Godinho (Do crime de “Riqueza Injustificada”... cit., p. 34):<br />
“Surge pois como extremamente claro que a questão da justificação da origem é uma contraprova, ou seja,<br />
trata-se de ilidir uma presunção e assim afastar a suspeita de corrupção que pesa sobre o argui<strong>do</strong>. A figura<br />
de que se trata é, de mo<strong>do</strong> i<strong>na</strong>rredável, de cariz processual. É falacioso pretender ver no ónus de justificar a<br />
origem uma causa de justificação <strong>do</strong> ‘facto’ ― até porque, conforme se deixou referi<strong>do</strong>, não há sequer<br />
qualquer facto concreto, pratica<strong>do</strong> em certa hora, dia e local, a que a acusação se refira, mas ape<strong>na</strong>s uma<br />
alegação genérica. O que existe é o desfazer de uma suspeita, através de prova em contrário”.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 62
asseverar que o valor <strong>do</strong> patrimônio em posse <strong>do</strong> funcionário é superior ou desproporcio<strong>na</strong>l aos<br />
seus rendimentos, e que – genericamente – também não há “outro meio lícito” que o justifique.<br />
De outro la<strong>do</strong>, e o mais relevante para a análise <strong>do</strong> tema, é a constatação geral da <strong>do</strong>utri<strong>na</strong><br />
de que nos “crimes de suspeita” há uma inversão <strong>do</strong> ônus da prova, bastan<strong>do</strong> para que a acusação<br />
se desincumba de seu ônus probatório de demonstrar a posse e eventuais condições, objetivas ou<br />
subjetivas, que a tor<strong>na</strong>m ilegítima. Isso já seria suficiente para a conde<strong>na</strong>ção, se o acusa<strong>do</strong> não<br />
produzisse a prova liberatória, justifican<strong>do</strong> a posse da coisa. Ou seja, partin<strong>do</strong> de tais premissas, é o<br />
acusa<strong>do</strong> que suporta o risco da ausência de prova sobre os elementos que justificariam a posse<br />
presumida ilegítima pelo legisla<strong>do</strong>r. 15<br />
Exemplo <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s “crimes de suspeita”, previsto no orde<strong>na</strong>mento jurídico brasileiro,<br />
é a contravenção pe<strong>na</strong>l <strong>do</strong> art. 25 da Lei de Contravenções Pe<strong>na</strong>is, denomi<strong>na</strong>da “Posse não<br />
justificada de instrumento de emprego usual <strong>na</strong> prática de furto”, assim definida: “Ter alguém em<br />
seu poder, depois de conde<strong>na</strong><strong>do</strong>, por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada<br />
ou quan<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong> como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos<br />
emprega<strong>do</strong>s usualmente <strong>na</strong> prática de crime de furto, desde que não prove desti<strong>na</strong>ção legítima”<br />
(destaques nossos). 16<br />
15 Cf. bibliografia citada, infra, <strong>na</strong>s notas 17 e 20. De se destacar, porém, que a Corte Constitucio<strong>na</strong>l<br />
Italia<strong>na</strong>, <strong>na</strong> Sentença n. 14, de 1991 e <strong>na</strong> Sentença n. 46, de 1992, considerou que as contravenções<br />
pe<strong>na</strong>is <strong>do</strong>s arts. 707 e 708 <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l italiano, não violam o art. 27, secon<strong>do</strong> comma, da<br />
Constituição italia<strong>na</strong>, por considerar que tais normas incrimi<strong>na</strong><strong>do</strong>ras “não exigem a prova da<br />
legitimidade da desti<strong>na</strong>ção e da proveniência, limitan<strong>do</strong>, ao invés [o acusa<strong>do</strong>], a prestar uma atendível e<br />
circunstanciada explicação, a ser valorada no caso concreto em cada um <strong>do</strong>s tipos, segun<strong>do</strong> o princípio<br />
da liberdade da prova e <strong>do</strong> livre convencimento”.<br />
16 Ressalte-se que o STF, no julgamento <strong>do</strong> RE 583.523, Rel. Min. Gilmar Mendes, reconheceu a<br />
repercussão geral sobre a discussão da constitucio<strong>na</strong>lidade da referida contravenção. Do tema 113 da<br />
repercussão geral consta: “Recurso extraordinário em que se discute, à luz <strong>do</strong>s arts. 3º, IV; e 5º, caput,<br />
LVII, da Constituição Federal, a revogação, ou não, <strong>do</strong> art. 25 da Lei de Contravenções Pe<strong>na</strong>is<br />
(Decreto-lei n. 3.688/41), que prevê punição crimi<strong>na</strong>l a quem tem em seu poder, depois de conde<strong>na</strong><strong>do</strong><br />
por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quan<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong> como vadio<br />
ou mendigo, instrumentos emprega<strong>do</strong>s usualmente <strong>na</strong> prática de crime de furto, desde que não prove a<br />
desti<strong>na</strong>ção legítima, pela Constituição de 1988”. Pelos motivos que serão expostos no item seguinte,<br />
entendemos que há evidente afronta à garantia constitucio<strong>na</strong>l da presunção de inocência, pelo que a<br />
referida contravenção pe<strong>na</strong>l deve ser considerada não recepcio<strong>na</strong>da pela Constituição de 1988.<br />
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Há, em tal dispositivo contravencio<strong>na</strong>l, o que Manoel Pedro Pimentel denomi<strong>na</strong> “critério<br />
de habitualidade presumida”. 17 E, <strong>na</strong> prática, a <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> entende que há uma inversão <strong>do</strong> ônus da<br />
prova quanto ao elemento “desti<strong>na</strong>ção legítima <strong>do</strong>s objetos”, caben<strong>do</strong> ao acusa<strong>do</strong> demonstrar que<br />
se desti<strong>na</strong>vam a fim lícito. 18<br />
To<strong>do</strong>s os problemas gera<strong>do</strong>s com os crimes de suspeita voltaram a ser discuti<strong>do</strong>s,<br />
recentemente, com o surgimento <strong>do</strong> crime de enriquecimento ilícito.<br />
4. A presunção de inocência e a construção <strong>do</strong>s tipos pe<strong>na</strong>is<br />
A Comissão de Reforma <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l, certamente preocupada com as críticas de<br />
inconstitucio<strong>na</strong>lidade <strong>do</strong> crime de enriquecimento ilícito, por violação da presunção de inocência,<br />
em razão da inversão <strong>do</strong> ônus da prova, antecipou-se em justificar que não há no tipo proposto tal<br />
inversão. Fê-lo nos seguintes termos:<br />
“Não cabe ignorar que o amealhamento de patrimônio incompatível com as rendas<br />
lícitas obtidas por servi<strong>do</strong>r público, é indício de que houve a prática de<br />
antecedente crime contra a administração pública. Notadamente a corrupção e o<br />
peculato mostram-se caminhos prováveis para este enriquecimento sem causa. A<br />
riqueza sem causa aparente mostra-se, portanto, indício que permitirá a<br />
instauração de procedimentos formais de investigação, desti<strong>na</strong><strong>do</strong>s à verificar se não<br />
houve aquisição patrimonial lícita. Não há inversão <strong>do</strong> ônus da prova,<br />
17 Contravenções pe<strong>na</strong>is. São Paulo: RT, 1978. p. 90. Por vez, Bento de Faria (Das contravenções pe<strong>na</strong>is. Rio<br />
de Janeiro: Livraria Jacintho, 1942. p. 99) lembra que quem é encontra<strong>do</strong> <strong>na</strong>s condições previstas no art.<br />
25 “tem contra si a presunção da incli<strong>na</strong>ção de delinquir contra o patrimônio”.<br />
18 Segun<strong>do</strong> Bento de Faria (Das contravenções... cit., p. 100), o agente “há de provar o motivo da posse, o<br />
qual deve ser justo, e o uso que fez ou deveria fazer <strong>do</strong> aludi<strong>do</strong> instrumento. (...) Des que a lei exige a prova<br />
da legitimidade <strong>do</strong> destino atual desloca o seu ônus para o agente, consagran<strong>do</strong> assim a presunção da –<br />
ilegitimidade, juris tantum” (destaque no origi<strong>na</strong>l). No mesmo senti<strong>do</strong>: Sady Car<strong>do</strong>so de Gusmão, Das<br />
contravenções pe<strong>na</strong>is. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1942. p. 141. Mais recentemente, Valdir Sznick<br />
(Contravenções pe<strong>na</strong>is. 4. ed. São Paulo: Leud, 1993. p. 129) afirma que, quanto à legítima desti<strong>na</strong>ção<br />
<strong>do</strong>s objetos, “a falta de prova leva à infração. Dada a condição pessoal <strong>do</strong> agente (já infrator), cabe à ele<br />
provar a desti<strong>na</strong>ção legítima (por exemplo, a sua profissão de serralheiro, chaveiro). Assim, incumbe-lhe o<br />
ônus. Não é necessário prove a acusação que o agente, com aqueles apetrechos, vai cometer crime; ele, o<br />
possui<strong>do</strong>r, terá de provar o uso legítimo”.<br />
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incumbin<strong>do</strong> à acusação a demonstração processual da incompatibilidade <strong>do</strong>s bens<br />
com os vencimentos, haveres, recebimentos ou negociações lícitas <strong>do</strong> servi<strong>do</strong>r público.<br />
Não se pode olvidar que o servi<strong>do</strong>r público transita num ambiente no qual a<br />
transparência deve rei<strong>na</strong>r, distinto <strong>do</strong> que ocorre no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s priva<strong>do</strong>s, que não<br />
percebem recursos da sociedade. Daí obrigações como a entrega da declaração de<br />
bens a exame pelo controle interno institucio<strong>na</strong>l e pelo Tribu<strong>na</strong>l de Contas. O crime<br />
de enriquecimento ilícito, especificamente diante da corrupção administrativa, <strong>na</strong><br />
qual corruptor e corrupto guardam interesse recíproco no sigilo <strong>do</strong>s fatos, si<strong>na</strong>liza<br />
política crimi<strong>na</strong>l hábil, buscan<strong>do</strong> consequências e não primórdios (a exemplo da<br />
receptação e da lavagem de dinheiro). É crimi<strong>na</strong>lização secundária, perfeitamente<br />
admitida em nosso direito”.<br />
Não é possível concordar com tal justificativa que, ao contrário, somente reforça e<br />
explicita que o novo crime significa uma resposta, no plano <strong>do</strong> direito material, às dificuldades<br />
processuais enfrentadas <strong>na</strong> investigação e <strong>na</strong> comprovação de casos de corrupção passiva.<br />
Transcrevemos, novamente, o tipo pe<strong>na</strong>l proposto: “Adquirir, vender, emprestar, alugar,<br />
receber, ceder, utilizar ou usufruir de maneira não eventual de bens ou valores móveis ou imóveis,<br />
cujo valor seja incompatível com os rendimentos auferi<strong>do</strong>s pelo funcionário público em razão de<br />
seu cargo ou por outro meio lícito”.<br />
Esse moderno delito, porém, não se afasta das características <strong>do</strong>s antigos “crimes de<br />
suspeita” que, como explica Ferrajoli, são “tipos pe<strong>na</strong>is que não consistem em condutas consideradas<br />
pela lei em si mesmas como lesivas de bens jurídicos”, mas como condutas suficientes, “em<br />
circunstâncias idôneas, juntamente com determi<strong>na</strong>das condições pessoais, a suscitar a suspeita (de<br />
delitos cometi<strong>do</strong>s, mas não prova<strong>do</strong>s)”. 19 Por exemplo, o fato de adquirir, alugar ou utilizar coisas<br />
(condutas suficientes), cujo valor é incompatível com os rendimentos e não justifica<strong>do</strong> por outro<br />
meio lícito (circunstância idônea), sen<strong>do</strong> funcionário público (condição pessoal), gera a suspeita<br />
<strong>do</strong> cometimento prévio de um crime, geralmente de corrupção, que não se conseguiu provar.<br />
19 Diritto e ragione. Teoria del garantismo pe<strong>na</strong>le. Roma-Bari: Laterza, 1998, p. 737.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 65
Como já exposto, nos chama<strong>do</strong>s “crimes de suspeita” há uma clara e inegável inversão <strong>do</strong><br />
ônus da prova, exatamente quanto ao elemento <strong>do</strong> crime, relativo à posse injustificada de coisas,<br />
dinheiro ou valores. 20 Isso porque, será o acusa<strong>do</strong> que terá o ônus de provar a origem lícita de tais<br />
bens ou valores, demonstran<strong>do</strong> uma causa justa que lhe permita estar <strong>na</strong> posse de tais coisas. Isso<br />
porque a figura pe<strong>na</strong>l normalmente traz um elemento negativo da “ausência de justificativa lícita”<br />
ou a “não comprovação da desti<strong>na</strong>ção legítima”, ou outra expressão equivalente.<br />
No art. 277 <strong>do</strong> Projeto de Código Pe<strong>na</strong>l não há elementos semelhantes. O tipo pe<strong>na</strong>l não<br />
exige, expressamente, que o funcionário público justifique a origem lícita da coisa que integra seu<br />
patrimônio, em desproporção com os rendimentos percebi<strong>do</strong>s, como ocorre em vários exemplos<br />
<strong>do</strong> crime congênere <strong>do</strong>s orde<strong>na</strong>mentos estrangeiros. Em razão da não previsão de tal necessidade<br />
de justificação, teria deixa<strong>do</strong> de haver inversão <strong>do</strong> ônus da prova, sen<strong>do</strong>, pois, o tipo compatível<br />
com a presunção de inocência? A resposta negativa impõe. No futuro Código Pe<strong>na</strong>l brasileiro,<br />
para caracterização <strong>do</strong> crime de enriquecimento ilícito, bastará que o funcionário público tenha<br />
ou usufrua, de mo<strong>do</strong> não eventual, de um bem “cujo valor seja incompatível com os rendimentos<br />
auferi<strong>do</strong>s ... em razão de seu cargo ou por outro meio lícito”. Embora o tipo pe<strong>na</strong>l proposto não exija<br />
expressamente uma “justificativa da origem <strong>do</strong> patrimônio”, ao prever que o valor <strong>do</strong> bem seja<br />
incompatível com os “rendimentos auferi<strong>do</strong>s” ou com “outro meio lícito”, chega-se ao mesmo<br />
resulta<strong>do</strong>. O “outro meio lícito”, invariavelmente, deverá ser indica<strong>do</strong> e prova<strong>do</strong> pelo acusa<strong>do</strong>,<br />
“justifican<strong>do</strong>” a origem lícita <strong>do</strong> bem.<br />
20 A<strong>na</strong>lisan<strong>do</strong> as contravenções pe<strong>na</strong>is de posse injustificada de chave adulterada ou de gazua (art. 707) ou<br />
de posse injustificada de valores (art. 708), Francesco Antolisei (Manuale di diritto pe<strong>na</strong>le. Parte speciale.<br />
4. ed. Milano: Giuffrè, 1960. v. 1, p. 311) explica que a lei, inverten<strong>do</strong> o ônus da prova, obriga o agente,<br />
no caso <strong>do</strong> art. 707, a justificar a desti<strong>na</strong>ção da chave adulterada ..., e no <strong>do</strong> art. 708, a justificar a<br />
proveniência <strong>do</strong> dinheiro ou outro objeto não condizente com seu esta<strong>do</strong> e, se por qualquer motivo o<br />
agente não fornece tais justificações, estará caracterizada a infração pe<strong>na</strong>l. Mais enfático, Silvio Ranieri<br />
(Manual de derecho pe<strong>na</strong>l. Parte especial. Bogotá: Temis, 1975. v. 6, p. 366 e 368-369) afirma, em<br />
relação à contravenção <strong>do</strong> art. 707, que a ilegitimidade da desti<strong>na</strong>ção das coisas “se presume”, dada a<br />
qualidade pessoal <strong>do</strong> sujeito, e esta presunção só pode ser afastada ante a prova em contrário que seja<br />
produzida pelo acusa<strong>do</strong>. Da mesma forma, no caso <strong>do</strong> art. 708, assevera que “a presunção de<br />
ilegitimidade da procedência das coisas de que se trata, dada a qualidade pessoal <strong>do</strong> sujeito, pode ser<br />
desvirtuada pela prova contrária de que este consiga apresentar acerca da origem das coisas possuídas, ainda<br />
que não correspondam ao seu esta<strong>do</strong>” (op. cit., p. 368-369).<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 66
O crime de “enriquecimento ilícito” brasileiro traz um tipo pe<strong>na</strong>l mais elabora<strong>do</strong>, que não<br />
escancara a inversão <strong>do</strong> ônus da prova, mas nem por isso deixa de realizá-la, ainda que por meio<br />
de um subterfúgio. Cabe a<strong>na</strong>lisar de forma mais esmiuçada o tipo pe<strong>na</strong>l e seus reflexos <strong>na</strong><br />
atividade probatória.<br />
O primeiro elemento <strong>do</strong> crime a ser considera<strong>do</strong> é uma das ações nucleares <strong>do</strong> tipo<br />
previstas alter<strong>na</strong>tivamente: “adquirir, vender, emprestar, alugar, receber, ceder, utilizar ou usufruir<br />
de maneira não eventual de bens ou valores móveis ou imóveis”. Assim, poderá ter havi<strong>do</strong>, por<br />
exemplo, a aquisição de um helicóptero, ou o aluguel de uma casa de praia. Situações como estas,<br />
muitas vezes, poderão ser comprovadas pela simples juntada de <strong>do</strong>cumentos. Haverá casos, no<br />
entanto, em que essa prova será mais difícil, como, por exemplo, usufruir de forma usual de uma<br />
lancha ou de uma casa de campo, o que poderá demandar prova testemunhal ou mesmo um<br />
conjunto robusto e coerente de indícios.<br />
O segun<strong>do</strong> elemento <strong>do</strong> crime é que os bens móveis ou imóvel tenham si<strong>do</strong> adquiri<strong>do</strong>s,<br />
aluga<strong>do</strong>s etc. por “valor ... incompatível com os rendimentos auferi<strong>do</strong>s pelo funcionário público em<br />
razão de seu cargo”. Por exemplo, tal ocorrerá quan<strong>do</strong> os rendimentos de um funcionário público<br />
não lhe permitirem comprar um helicóptero de milhões de reais ou alugar uma casa de praia<br />
pagan<strong>do</strong> alugueres mensais de mais de uma deze<strong>na</strong> de milhares de reais. Nestes casos, imagi<strong>na</strong>-se<br />
que a prova da incompatibilidade se dará pela simples obtenção da declaração de imposto de<br />
renda <strong>do</strong> funcionário público. Aliás, atualmente, no caso de órgãos públicos que cumpram a Lei<br />
12.527/2011 – Lei <strong>do</strong> acesso à informação –, os rendimentos estarão disponíveis publicamente,<br />
para consulta de qualquer interessa<strong>do</strong>!<br />
O terceiro elemento <strong>do</strong> crime é a inexistência de “outro meio lícito” que poderia justificar a<br />
compra, o aluguel, a fruição ... <strong>do</strong> bem. Exatamente neste último elemento é que se opera a<br />
inversão <strong>do</strong> ônus da prova e, consequentemente, se fulmi<strong>na</strong> a presunção de inocência, como regra<br />
de julgamento , 21 bem como o seu consectário, o direito ao silêncio <strong>do</strong> acusa<strong>do</strong>.<br />
21 José Joaquim Gomes Canotilho e Vidal Moreira (Constituição da República Portuguesa anotada. São<br />
Paulo: RT; Coimbra, PT: Coimbra Ed., 2007. v. 1, p. 518) apontam como elemento <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong><br />
adequa<strong>do</strong> da presunção de inocência a “proibição de inversão <strong>do</strong> ônus da prova em detrimento <strong>do</strong> argui<strong>do</strong>”.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 67
Explica-se: como não há um conjunto delimita<strong>do</strong> de outras fontes ou meios lícitos de<br />
recebimento de valores, são infindáveis as maneiras de se “adquirir, vender, emprestar, alugar,<br />
receber, ceder, utilizar ou usufruir de maneira não eventual de bens ou valores” ten<strong>do</strong> por origem<br />
“outro meio lícito” que não os insuficientes “rendimentos auferi<strong>do</strong>s pelo funcionário público”. O<br />
funcionário público pode ter si<strong>do</strong> premia<strong>do</strong> em uma loteria; ou si<strong>do</strong> contempla<strong>do</strong> em um sorteio<br />
de fi<strong>na</strong>l de ano; se casa<strong>do</strong> com pessoa rica; recebi<strong>do</strong> vultosa herança; si<strong>do</strong> contemplo por <strong>do</strong>ação<br />
de amigo próximo; recebi<strong>do</strong> presentes caros de amante; recebi<strong>do</strong> elevada remuneração por se<br />
prostituir; ganho valores significativos em cartea<strong>do</strong> com amigos etc. Os exemplos poderiam seguir<br />
a depender da criatividade de cada um.<br />
É claro que se tal fonte lícita diversa da remuneração normal for incluída <strong>na</strong> declaração de<br />
rendimentos <strong>do</strong> funcionário público, provavelmente não se cogitará de crime algum. O problema<br />
surgirá quan<strong>do</strong> o servi<strong>do</strong>r omitir tal da<strong>do</strong> de sua declaração de rendas, seja por acreditar<br />
desnecessário declará-lo – por exemplo, um carro de luxo ganho num sorteio <strong>na</strong>talino de shopping<br />
center –, seja por evidente constrangimento – no caso de favores sexuais remunera<strong>do</strong>s –, seja para<br />
não produzir prova contra si mesmo.<br />
Embora a acusação possa demonstrar facilmente a incompatibilidade <strong>do</strong> valor <strong>do</strong> bem<br />
com os rendimentos funcio<strong>na</strong>is, dificilmente saberá se há ou não “outro meio lícito”. E, neste<br />
caso, haven<strong>do</strong> dúvida se existe ou não um <strong>do</strong>s elementos <strong>do</strong> tipo – outro meio lícito – o acusa<strong>do</strong><br />
será conde<strong>na</strong><strong>do</strong> ou absolvi<strong>do</strong>?<br />
Um posicio<strong>na</strong>mento que preserve a presunção de inocência responderá, facilmente e com<br />
segurança: in dubio pro reo! Mas se assim o for, o novel tipo pe<strong>na</strong>l será de uma inutilidade total. 22<br />
Isso porque, sempre será possível se cogitar de uma eventual – entre infindáveis – fonte lícita a<br />
lançar dúvida razoável sobre o espírito <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>r e impor a absolvição. A conde<strong>na</strong>ção será<br />
praticamente impossível!<br />
22 Embora se referin<strong>do</strong> às contravenções pe<strong>na</strong>is <strong>do</strong>s arts. 707 e 708 <strong>do</strong> Código Pe<strong>na</strong>l italiano, mas em passo<br />
igualmente aplicável aos crimes de enriquecimento ilícito ou injustifica<strong>do</strong>, Cordero (Il giudizio d’onore...<br />
cit., p. 159) afirma que a omissão <strong>do</strong> prévio acertamento da legítima proveniência “representa o centro<br />
gravitacio<strong>na</strong>l <strong>do</strong> esquema legal, e não menos que o motivo político que caracteriza a norma”.<br />
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De outro la<strong>do</strong>, quem busca uma maior eficácia da persecução pe<strong>na</strong>l no combate à<br />
corrupção e a outros crimes funcio<strong>na</strong>is se posicio<strong>na</strong>rá no senti<strong>do</strong> de que, se o acusa<strong>do</strong> sequer<br />
invocou qualquer outra fonte lícita, não haverá dúvida sobre sua existência e, neste caso, a<br />
conde<strong>na</strong>ção se imporá.<br />
Essa última postura, além de permitir a conde<strong>na</strong>ção com base <strong>na</strong> dúvida sobre um <strong>do</strong>s<br />
elementos <strong>do</strong> tipo pe<strong>na</strong>l, em flagrante desrespeito à garantia constitucio<strong>na</strong>l da presunção de<br />
inocência, em seu aspecto de regra de julgamento, também estará a impor ao acusa<strong>do</strong> um dever de<br />
colaboração com a descoberta da verdade, o que é incompatível com a garantia constitucio<strong>na</strong>l <strong>do</strong><br />
direito ao silêncio (CR, art. 5.º, inc. LXIII). 23<br />
Certamente se argumentará que não se poderá fazer pesar sobre os ombros da acusação o<br />
ônus da prova de que “não há outro meio lícito” que pudesse justificar tal patrimônio, porque isso<br />
seria exigir-lhe uma probatio diabolica, vez que os fatos negativos não podem ser prova<strong>do</strong>s.<br />
A premissa não será correta. A regra negativa non sunt probanda não pode ser aceita, <strong>na</strong><br />
medida em que basta transformar a afirmação de um fato negativo <strong>na</strong> forma positiva<br />
inversamente correspondente, para que a prova se torne possível. 24 Impossível é produzir prova de<br />
alegações de fatos indetermi<strong>na</strong><strong>do</strong>s, 25 sejam eles positivos ou negativos. 26 Por outro la<strong>do</strong>, é<br />
perfeitamente possível provar o fato negativo determi<strong>na</strong><strong>do</strong>. 27 A comprovação da inocorrência de<br />
23 Lembra Antonio Magalhães Gomes Filho (Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva,<br />
1991. p. 41) que, além <strong>do</strong> in dubio pro reo, uma segunda decorrência da garantia constitucio<strong>na</strong>l da<br />
presunção de inocência, “em relação à matéria probatória, diz respeito à impossibilidade de se obrigar o<br />
acusa<strong>do</strong> a colaborar <strong>na</strong> investigação <strong>do</strong> fatos”. No mesmo senti<strong>do</strong>, <strong>na</strong> <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> portuguesa, cf.: ANDRADE,<br />
Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo pe<strong>na</strong>l. Coimbra: Coimbra Ed., 1992. p. 125.<br />
24 Por exemplo, é possível provar que “não estava no Rio de Janeiro, no dia 10 de fevereiro de 2012, às<br />
20:00 horas”, comprovan<strong>do</strong> que em tal dia e horário, estava <strong>na</strong> cidade de São Paulo.<br />
25 Por exemplo: “não costumo falar alto” (fato negativo indetermi<strong>na</strong><strong>do</strong>), ou “normalmente sou pontual”<br />
(fato positivo indetermi<strong>na</strong><strong>do</strong>).<br />
26 Cf. LESSONA, Carlo. Teoria delle prove nel diritto giudiziario civile italiano – parte generale: confessione e<br />
interrogatorio. Firenze: Fratelli Camelli, 1895. p. 133; SARACENO, Pascoale. La decisione sul fatto incerto<br />
nel processo pe<strong>na</strong>le. Pa<strong>do</strong>va: Cedam, 1940, p. 161.<br />
27 Cf. GIANTURCO, Emanuele. Istituzioni di diritto civile italiano. 4. ed. Firenze: G. Barbera, 1895. p. 189;<br />
LESSONA, Teoria delle... cit., p. 132; BONNIER, Eduar<strong>do</strong>. Trata<strong>do</strong> teórico y práctico de las pruebas en<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 69
um fato negativo determi<strong>na</strong><strong>do</strong> pode ser feita pela prova de fatos positivos contrários ou<br />
incompatíveis. 28<br />
Mas, voltan<strong>do</strong> ao crime de enriquecimento ilícito, no que se refere ao elemento <strong>do</strong> tipo<br />
“outro meio lícito”, elemento negativo indetermi<strong>na</strong><strong>do</strong>. Como pode existir conjunto infindável e<br />
ilimita<strong>do</strong> de possíveis meios lícitos diversos <strong>do</strong>s rendimentos <strong>do</strong>s funcionários públicos, tal<br />
procedimento hipotético de exclusão <strong>do</strong> fato negativo, pela demonstração <strong>do</strong> fato positivo<br />
incompatível, não tem como ser realiza<strong>do</strong>. Não haverá como transformar – porque indetermi<strong>na</strong><strong>do</strong><br />
– a afirmação <strong>do</strong> fato negativo em uma afirmação de fatos positivos incompatíveis e, com isso<br />
demonstrar que não existiu este ou aquele outro meio lícito.<br />
Justamente por isso é que a construção de um tipo pe<strong>na</strong>l que trabalhe com um elemento<br />
indetermi<strong>na</strong><strong>do</strong> – “outro meio lícito” –, que poderá ser conheci<strong>do</strong> ape<strong>na</strong>s pelo acusa<strong>do</strong>, implicará,<br />
inevitavelmente, a inversão <strong>do</strong> ônus da prova. Haven<strong>do</strong> dúvida sobre esse elemento <strong>do</strong> delito, o<br />
acusa<strong>do</strong> não será absolvi<strong>do</strong>, com base no in dubio pro reo. Ao contrário, será conde<strong>na</strong><strong>do</strong>, porque<br />
ao não colaborar com a investigação ou instrução, indican<strong>do</strong> outra fonte lícita, terá feito pesar<br />
sobre si o ônus da prova quanto a existência desse outro meio lícito. Ou seja, a acusação terá<br />
ape<strong>na</strong>s que provar a ocorrência de uma das operações indicadas nos verbos-tipos, que teve por<br />
objeto um bem cujo valor era incompatível com os rendimentos <strong>do</strong> funcionário público. Por<br />
outro la<strong>do</strong>, o acusa<strong>do</strong>r não terá o ônus de provar que inexistiam outras fontes lícitas.<br />
Demonstra<strong>do</strong> pela acusação ape<strong>na</strong>s que a operação envolvia valor “incompatível com os<br />
rendimentos auferi<strong>do</strong>s pelo funcionário em razão de seu cargo”, passará a ser <strong>do</strong> servi<strong>do</strong>r o ônus<br />
de demonstrar que ele tinha “outro meio lícito” que lhe permitiu ter tal bem ou valor em seu<br />
derecho civil y en derecho pe<strong>na</strong>l. Trad. José Vicente y Caravantes. Madrid: Reus. 1928. t. I, p. 48;<br />
CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 3. ed. Napoli: Jovene, 1965. p. 784;<br />
FOSCHINI, Amedeo. Il dubbio sulla prova delle eccezioni nel processo pe<strong>na</strong>le. Archivio Pe<strong>na</strong>le, v. 2, p. I,<br />
1946, p. 201; SABATINI, Guglielmo. Principi di diritto processuale pe<strong>na</strong>le. 3. ed. Catania: Casa del Libro,<br />
1948. v. 1, p. 472. Mais moder<strong>na</strong>mente, cf. TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici. Milano:<br />
Giuffrè, 1992. p. 117. Na <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, cf. SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código De<br />
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1976. v. 4, p. 31.<br />
28 Cf. CASTRO, Francisco Augusto das Neves e. Theoria das provas e sua aplicação aos actos civis. Porto:<br />
Livraria Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de Ernesto Chardron, 1880. p. 39; BONNIER, Trata<strong>do</strong>... cit., p. 48; LESSONA,<br />
Teoria delle... cit., p. 132; SARACENO, La decisione... cit., p. 145; TARUFFO, La prova... cit., p. 117.<br />
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patrimônio. E se não o fizer, será conde<strong>na</strong><strong>do</strong>. Isto significa que, em relação ao elemento <strong>do</strong> crime<br />
“outro meio lícito”, inverte-se o ônus da prova 29 e vigorará o in dubio contra reum! Não será o<br />
acusa<strong>do</strong>r que terá o ônus de demonstrar que a operação desproporcio<strong>na</strong>l aos vencimentos <strong>do</strong><br />
acusa<strong>do</strong> “não tinha outro meio lícito”, mas será o acusa<strong>do</strong> que deverá demonstrar que a operação<br />
“teve outro meio lícito”. Ou seja, mais fácil criar um tipo pe<strong>na</strong>l que inverte o ônus da prova,<br />
exigin<strong>do</strong>-se a prova positiva <strong>do</strong> acusa<strong>do</strong>. 30<br />
Por outro la<strong>do</strong>, ainda que fosse possível superar o óbice da presunção de inocência, e se<br />
admitisse a inversão <strong>do</strong> ônus da prova, caben<strong>do</strong> ao acusa<strong>do</strong> demonstrar a origem lícita <strong>do</strong>s bens,<br />
outro problema surgiria: o acusa<strong>do</strong> se desincumbiria de tal ônus ape<strong>na</strong>s geran<strong>do</strong> dúvida sobre a<br />
licitude ou teria que prová-la ple<strong>na</strong>mente? As duas posições são encontradas <strong>na</strong> <strong>do</strong>utri<strong>na</strong>. Há<br />
quem se contente com uma justificação ou explicação sobre a licitude da origem <strong>do</strong>s bens,<br />
bastan<strong>do</strong> uma prova capaz de gerar dúvida sobre a licitude. 31 Assim, não se exigiria uma “prova<br />
além de qualquer dúvida razoável” da origem lícita <strong>do</strong>s bens, mas uma circunstanciada e<br />
convincente explicação, valorada no caso concreto, a justificar a existência de um patrimônio<br />
desproporcio<strong>na</strong>l com os rendimentos <strong>do</strong> funcionário público. Outros, contu<strong>do</strong>, vão além,<br />
consideran<strong>do</strong> que “o ônus da prova incumbe por inteiro ao acusa<strong>do</strong>; quan<strong>do</strong> o juiz estiver <strong>na</strong> dúvida,<br />
se impõe uma pronúncia conde<strong>na</strong>tória”. 32<br />
29 BECHARA, A<strong>na</strong> Elisa Liberatore S. A crimi<strong>na</strong>lização <strong>do</strong> enriquecimento ilícito de funcionário público.<br />
Lições ao Brasil sobre o perigo de retrocesso <strong>do</strong> direito pe<strong>na</strong>l ao perío<strong>do</strong> pré-iluminista. RBCCRIM, São<br />
Paulo: RT, n. 98, set.-out. 2012, p. 536.<br />
30 Lembre-se que Manzini (Trattato... cit., v. 1, p. 603) em relação à contravenção <strong>do</strong> art. 708 <strong>do</strong> CP<br />
italiano, afirmava que “a origem ou a razão de tal posse não tem importância constitutiva, mas somente<br />
eventualmente descrimi<strong>na</strong>nte”. Desnecessário destacar que, para um inimigo da presunção de inocência,<br />
que a considerava “para<strong>do</strong>xal”, o ônus da prova das descrimi<strong>na</strong>ntes pesava sobre o acusa<strong>do</strong>! Ao mesmo<br />
resulta<strong>do</strong> chega Delitala (Il reato... cit., p. 103), embora consideran<strong>do</strong> que a ausência de justificação da<br />
posse caracteriza “uma causa de licitude (o crime não subsiste, se a posse é justificada), cuja prova está a cargo<br />
<strong>do</strong> acusa<strong>do</strong>”, acrescentan<strong>do</strong>, ainda: “a insubsistência de prova não redunda em benefício, mas em prejuízo <strong>do</strong><br />
acusa<strong>do</strong>, a quem incumbe assim o ônus da prova da legitimidade da posse” (op. cit., p. 103, nota 20).<br />
31 Cf.: SARACENO, La decisione... cit., p. 256-257; CHIAVARIO, Mario. La Convenzione Europea dei Diritti<br />
dell’uomo nel sistema delle fonti normative in materia pe<strong>na</strong>le. Milano: Giuffrè, 1969. p. 386-387.<br />
32 CORDERO, Il giudizio d’onore... cit., p. 162. No mesmo senti<strong>do</strong>, cf. BETTIOL, Giuseppe. Sulle<br />
presunzioni nel diritto e nel processo pe<strong>na</strong>le. Scritti Giuridici. Pa<strong>do</strong>va: Cedam, 1966. t. I, p. 362.<br />
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Em suma, <strong>do</strong> ponto de vista da garantia constitucio<strong>na</strong>l da presunção de inocência, não<br />
parece possível a construção de um tipo pe<strong>na</strong>l que confira, explícita ou implicitamente, ao<br />
acusa<strong>do</strong> o ônus de justificar a origem lícita <strong>do</strong> bem ou valor e provar a sua licitude, o que implica<br />
uma presunção de culpabilidade, 33 com a consequência de que mesmo <strong>na</strong> dúvida sobre um <strong>do</strong>s<br />
elementos <strong>do</strong> tipo, o acusa<strong>do</strong> seja conde<strong>na</strong><strong>do</strong>.<br />
A<strong>na</strong>lisan<strong>do</strong> a questão exclusivamente sob a ótica da presunção de inocência, o problema<br />
deixaria de existir caso a lei se limitasse a proibir a propriedade ou posse de determi<strong>na</strong><strong>do</strong>s bens ou<br />
valores incompatíveis com os rendimentos <strong>do</strong> funcionário público, sem qualquer presunção de<br />
ilicitude. 34 Todavia, sob a ótica da proteção de bens jurídicos, seria muito difícil justificar a<br />
criação de um tipo pe<strong>na</strong>l com tal conteú<strong>do</strong>. 35 Não se trataria de punir alguém por um fato que<br />
praticou (um concreto ato de corrupção), mas pelo que ele é (um funcionário público<br />
desonesto). 36 E, como destaca Figueire<strong>do</strong> Dias, “se há princípio indiscutivelmente aceito em matéria<br />
de <strong>do</strong>gmática jurídico pe<strong>na</strong>l e de construção <strong>do</strong> conceito de crime é o de que to<strong>do</strong> o direito pe<strong>na</strong>l é<br />
direito pe<strong>na</strong>l <strong>do</strong> facto, não direito pe<strong>na</strong>l <strong>do</strong> agente”. 37<br />
5. A corrupção passiva e a prova da prática de ato de ofício <strong>na</strong> nova visão <strong>do</strong><br />
Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal<br />
33 ILLUMINATI, La presunzione d’innocenza... cit., p. 144.<br />
34 No âmbito não crimi<strong>na</strong>l, tal conduta caracteriza ato de improbidade administrativa, que importa<br />
enriquecimento ilícito. Dispõe o art. 9.º, inc. VII, da Lei 8.429/1992: “Art. 9.º Constitui ato de<br />
improbidade administrativa importan<strong>do</strong> enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem<br />
patrimonial indevida em razão <strong>do</strong> exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade <strong>na</strong>s entidades<br />
mencio<strong>na</strong>das no art. 1.º desta lei, e notadamente: (...) VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de<br />
mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer <strong>na</strong>tureza cujo valor seja desproporcio<strong>na</strong>l à<br />
evolução <strong>do</strong> patrimônio ou à renda <strong>do</strong> agente público”. Além disso, no plano administrativo, o art. 13,<br />
caput, da referida lei, prevê: “Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicio<strong>na</strong><strong>do</strong>s à<br />
apresentação de declaração <strong>do</strong>s bens e valores que compõem o seu patrimônio priva<strong>do</strong>, a fim de ser arquivada<br />
no serviço de pessoal competente”.<br />
35 ILLUMINATI, La presunzione d’innocenza... cit., p. 144. Na <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l: BECHARA, A<br />
crimi<strong>na</strong>lização <strong>do</strong> enriquecimento ilícito... cit., p. 536.<br />
36 GODINHO, Do crime de “riqueza injustificada”... cit., p. 28.<br />
37 Direito pe<strong>na</strong>l. Parte geral. Questões fundamentais. A <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> geral <strong>do</strong> crime. Coimbra: Coimbra Ed.,<br />
2004. t. I, p. 221.<br />
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Toda a discussão sobre a necessidade – <strong>do</strong> ponto de vista da tão propalada “eficiência” da<br />
persecução pe<strong>na</strong>l – de se criar um tipo pe<strong>na</strong>l de enriquecimento ilícito, sempre foi a dificuldade<br />
decorrente de se exigir que, no crime de corrupção passiva, o Ministério Público imputasse <strong>na</strong><br />
denúncia, 38 e depois provasse, além de qualquer dúvida razoável, a prática de um ato de ofício e o<br />
seu nexo causal. 39<br />
Todavia, muitas vezes não se conseguia demonstrar tal nexo entre o recebimento ou<br />
solicitação da vantagem indevida e um específico ato de ofício que tivesse si<strong>do</strong> pratica<strong>do</strong>, não se<br />
punin<strong>do</strong>, por corrupção, funcionários públicos que demonstravam “si<strong>na</strong>is exteriores de riqueza”<br />
aparentemente incompatíveis com seus rendimentos.<br />
Nesse contexto, a discussão sobre a necessidade de tipificação <strong>do</strong> crime de enriquecimento<br />
ilícito, como um crime subsidiário da corrupção, tinha senti<strong>do</strong>.<br />
Tal panorama pode ter se altera<strong>do</strong> com o julgamento da Ação Pe<strong>na</strong>l 470/DF, pelo<br />
Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal, no qual se a<strong>do</strong>tou a tese da possibilidade de conde<strong>na</strong>ção de<br />
funcionário público por corrupção passiva independentemente da comprovação <strong>do</strong> ato de ofício.<br />
Ou seja, o que não se conseguiu no plano legislativo – e, se for implementa<strong>do</strong>, será<br />
inconstitucio<strong>na</strong>l –, obteve-se jurisprudencialmente, abrandan<strong>do</strong>-se os rigores <strong>do</strong> que deve conter<br />
uma imputação certa e determi<strong>na</strong>da no crime de corrupção, impedin<strong>do</strong> o exercício da ampla<br />
defesa, que não saberá de que ato de ofício se defender, tu<strong>do</strong> para facilitar a atividade probatória<br />
da acusação <strong>na</strong> luta contra a corrupção.<br />
38 O STF decidiu que: “A denúncia é uma exposição <strong>na</strong>rrativa <strong>do</strong> crime, <strong>na</strong> medida em que deve revelar o fato<br />
com todas as suas circunstâncias. Orientação assentada pelo Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal no senti<strong>do</strong> de que o<br />
crime sob enfoque não está integralmente descrito se não há <strong>na</strong> denúncia a indicação de nexo de causalidade<br />
entre a conduta <strong>do</strong> funcionário e a realização de ato funcio<strong>na</strong>l de sua competência. Caso em que a aludida peça<br />
se ressente de omissão quanto a essa elementar <strong>do</strong> tipo pe<strong>na</strong>l excogita<strong>do</strong>. Acusação rejeitada” (STF, Inq 785/DF,<br />
Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 08.11.1995, m.v.).<br />
39 Cf., por exemplo, o seguinte acórdão <strong>do</strong> STF: “Improcedência da acusação. Relativamente ao primeiro<br />
episódio, em virtude não ape<strong>na</strong>s da inexistência de prova de que a alegada ajuda eleitoral decorreu de solicitação<br />
que tenha si<strong>do</strong> feita direta ou indiretamente, pelo primeiro acusa<strong>do</strong>, mas também por não haver si<strong>do</strong><br />
aponta<strong>do</strong> ato de ofício configura<strong>do</strong>r de transação ou comércio como segun<strong>do</strong>, ao terceiro e ao quarto acusa<strong>do</strong>s”<br />
(STF, APn 307-3-DF, 2.ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 13.12.1994, m.v.).<br />
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Quem pretendia combater a corrupção, crian<strong>do</strong> um novo tipo pe<strong>na</strong>l que violaria a<br />
presunção de inocência, caso o precedente <strong>do</strong> Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal venha a se confirmar,<br />
agora pode combatê-la, mediante uma jurisprudência que impede a ampla defesa. O preço que se<br />
paga pela ineficiência investigatória <strong>do</strong>s atos de corrupção e a supressão de garantias individuas,<br />
pouco importa, se a presunção de inocência ou a ampla defesa.<br />
6. Conclusão<br />
Há diversos orde<strong>na</strong>mentos jurídicos que crimi<strong>na</strong>lizaram o enriquecimento ilícito, <strong>na</strong><br />
maioria deles, como crime funcio<strong>na</strong>l, consistin<strong>do</strong> o delito, em suma, <strong>na</strong> posse ou propriedade de<br />
bens, em valores incompatíveis com os rendimentos recebi<strong>do</strong>s pelo funcionário público, sem que<br />
haja outra justificação legítima para que tal bem integre seu patrimônio.<br />
O Brasil, por força de obrigações inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is assumidas com vistas ao combate à<br />
corrupção, tem a obrigação de verificar a compatibilidade da crimi<strong>na</strong>lização <strong>do</strong> enriquecimento<br />
ilícito, desde que tal crime seja compatível com as garantias da Constituição brasileira e os<br />
princípios fundamentais <strong>do</strong> nosso orde<strong>na</strong>mento jurídico.<br />
O Projeto de Código Pe<strong>na</strong>l prevê, em seu art. 277, o crime de enriquecimento ilícito. O<br />
tipo pe<strong>na</strong>l proposto, contu<strong>do</strong>, é incompatível com a presunção da inocência, <strong>na</strong> medida em que,<br />
com relação a um <strong>do</strong>s seus elementos – a incompatibilidade <strong>do</strong> valor com “outro meio ilícito” –,<br />
acaba por inverter o ônus da prova, fazen<strong>do</strong> pesar sobre o acusa<strong>do</strong> a demonstração da licitude da<br />
fonte pela qual obteve o bem ou valor.<br />
A previsão de um elemento negativo indetermi<strong>na</strong><strong>do</strong> – no caso a inexistência de outro<br />
meio lícito –, viola a garantia constitucio<strong>na</strong>l da presunção de inocência, por criar um tipo pe<strong>na</strong>l<br />
em relação ao qual não será possível fazer recair sobre a acusação o ônus da prova sobre to<strong>do</strong>s os<br />
elementos <strong>do</strong> tipo pe<strong>na</strong>l. Embora seja possível a prova de fatos negativos, é impossível demonstrar<br />
a inocorrência de um fato negativo indetermi<strong>na</strong><strong>do</strong>, isso porque, não sen<strong>do</strong> ele individualizável,<br />
para fins probatórios, não há como convertê-lo em um fato positivo incompatível que,<br />
comprova<strong>do</strong>, afastaria a inexistência <strong>do</strong> elemento negativo <strong>do</strong> tipo.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 74
Não se questio<strong>na</strong> o propósito firme de combate à corrupção, o que é uma exigência de<br />
to<strong>do</strong>s, seja para preservação <strong>do</strong> bom funcio<strong>na</strong>mento da administração pública, seja para a própria<br />
formação <strong>do</strong> senso ético da sociedade.<br />
Há mecanismos de controle não crimi<strong>na</strong>is que podem e devem ser implementa<strong>do</strong>s, seja no<br />
plano administrativo-funcio<strong>na</strong>l, seja no campo de verificação contestante da regularidade <strong>do</strong>s atos<br />
administrativos. Por outro la<strong>do</strong>, técnicas tributárias de controle e imposições de sanções fiscais,<br />
como por exemplo, em relação aos si<strong>na</strong>is exteriores de riquezas, podem ser também um<br />
importante mecanismo de alerta contra funcionários públicos corruptos. Fi<strong>na</strong>lmente, a punição<br />
por improbidade administrativa deverá ser também efetivamente utilizada contra servi<strong>do</strong>res que<br />
enriquecem ilicitamente. Antes de criar novos delitos, é preciso fazer funcio<strong>na</strong>r as soluções não<br />
crimi<strong>na</strong>liza<strong>do</strong>ras.<br />
O que não se pode aceitar é uma cômoda criação <strong>do</strong> tipo pe<strong>na</strong>l de enriquecimento ilícito,<br />
como forma de punir o funcionário público que, a partir de seu patrimônio desproporcio<strong>na</strong>l, se<br />
presume corrupto, até prova em contrário de sua inocência.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 75
O alcance da nulidade decorrente da ausência de motivação da decisão a<br />
respeito da resposta à acusação<br />
Cristiano Avila Maron<strong>na</strong><br />
Mestre e <strong>do</strong>utor em direito pe<strong>na</strong>l pela USP.<br />
Diretor <strong>do</strong> <strong>IBCCRIM</strong>.<br />
Advoga<strong>do</strong>.<br />
Entre as mudanças legislativas promovidas nos últimos anos <strong>na</strong> área <strong>do</strong> processo pe<strong>na</strong>l,<br />
uma das que mais suscitou – e continua a suscitar – polêmicas é a que introduziu inovação<br />
procedimental consistente <strong>na</strong> apresentação, pela defesa, de resposta à acusação, conforme arts. 396<br />
e seguintes <strong>do</strong> Código de Processo Pe<strong>na</strong>l, com a redação determi<strong>na</strong>da pela Lei 11.719/2008.<br />
“O art. 396-A é a complementação da profunda inovação que trazia o anteprojeto<br />
envia<strong>do</strong> ao Congresso. Na previsão origi<strong>na</strong>l, seria aberta a possibilidade de o<br />
acusa<strong>do</strong> apresentar uma defesa escrita para afastar o recebimento da denúncia.<br />
Assim, pode-se dizer que o Projeto pretendia que, após o oferecimento da denúncia e<br />
antes de o juiz decidir pelo seu recebimento, ao acusa<strong>do</strong> fosse aberto prazo para<br />
apresentar as razões que impediriam o desenvolvimento da relação jurídica<br />
processual. Entretanto, não foi esta a opção <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r quan<strong>do</strong> da fi<strong>na</strong>lização <strong>do</strong><br />
Projeto. Esta defesa escrita será o momento para que o acusa<strong>do</strong> apresente as suas<br />
teses defensivas, bem como to<strong>do</strong> o resto que possa contribuir para a sua defesa,<br />
inclusive o rol de suas testemunhas com o respectivo requerimento de intimação,<br />
quan<strong>do</strong> necessário. Pretende ser diferente da defesa prévia <strong>do</strong> antigo sistema, que,<br />
<strong>na</strong> prática, salvo nos casos de manifesta inocência <strong>do</strong> acusa<strong>do</strong>, limitava-se a dizer<br />
que provaria a improcedência da denúncia ofertada ao fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong> procedimento e,<br />
para tal, arrolava as testemunhas que entendia importantes. Em verdade, a única<br />
importância da peça prevista no art. 395 era a de arrolar as testemunhas, sob pe<strong>na</strong><br />
de preclusão, pois, de resto, a sua apresentação ou não pouco acrescentava no<br />
convencimento <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong>. Pela nova sistemática, a defesa escrita será muito<br />
parecida com a contestação <strong>do</strong> processo civil. Não há, contu<strong>do</strong>, a aplicação <strong>do</strong><br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 76
princípio da eventualidade, mas é nesta fase <strong>do</strong> processo que o acusa<strong>do</strong> deverá<br />
apresentar de maneira mais ampla possível a sua defesa escrita. Neste momento,<br />
deverá o acusa<strong>do</strong> juntar os <strong>do</strong>cumentos que comprovem sua inocência e especificar<br />
as provas que pretende produzir, como as periciais, por exemplo” (SANTOS,<br />
Leandro Galluzi <strong>do</strong>s; MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis (Coord.). As<br />
reformas no processo pe<strong>na</strong>l. São Paulo: RT, 2008. p. 324-325).<br />
Conforme destacam Antonio Scarance Fer<strong>na</strong>ndes e Mariângela Lopes, <strong>na</strong> nova sistemática<br />
procedimental, há <strong>do</strong>is momentos distintos para a análise a respeito <strong>do</strong> recebimento da inicial<br />
acusatória (juízos de formulação progressiva): o primeiro antes da resposta <strong>do</strong> réu, no qual o<br />
julga<strong>do</strong>r emite um juízo provisório e prelimi<strong>na</strong>r a respeito da admissibilidade da acusação; o<br />
segun<strong>do</strong> após a resposta <strong>do</strong> acusa<strong>do</strong> (O recebimento da denúncia no novo procedimento. Boletim<br />
<strong>IBCCRIM</strong>, São Paulo, n. 190, set. 2008, p. 2).<br />
A respeito deste último momento, observam os ilustres autores cita<strong>do</strong>s que:<br />
“O outro recebimento pode ocorrer depois de ser facultada ao acusa<strong>do</strong> a<br />
possibilidade de apresentar a sua resposta, <strong>na</strong> qual poderá alegar tu<strong>do</strong> que deseja<br />
em sua defesa e postular a rejeição da acusação ou a sua absolvição sumária. O<br />
juiz pode seguir três caminhos: rejeita a acusação, absolve sumariamente ou recebe a<br />
denúncia ou queixa. (...) Não teria senti<strong>do</strong> abrir oportunidade ao acusa<strong>do</strong> para<br />
a sua resposta, <strong>na</strong> qual pode alegar qualquer matéria em sua defesa, inclusive as<br />
que possibilitam a rejeição da denúncia ou queixa, se o juiz não pudesse mais<br />
rejeitar a acusação” (op. cit. – grifos da reprodução).<br />
Com efeito, o art. 396 <strong>do</strong> Código de Processo Pe<strong>na</strong>l dispõe que o juiz, ao receber a<br />
denúncia ou queixa, orde<strong>na</strong>rá a citação <strong>do</strong> acusa<strong>do</strong> para responder por escrito à acusação.<br />
É o momento para, conforme dispõe o art. 396-A <strong>do</strong> mesmo diploma legal, o acusa<strong>do</strong><br />
arguir prelimi<strong>na</strong>res, oferecer <strong>do</strong>cumentos e justificações, arrolar testemunhas, especificar provas<br />
que pretenda produzir, enfim, ocasião para alegar “tu<strong>do</strong> o que interessa à sua defesa”.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 77
Após a resposta defensiva há um novo juízo de admissibilidade da acusação, que deve ser<br />
feito pelo juiz, <strong>do</strong> qual decorrem três possibilidades: rejeição da denúncia (art. 395 <strong>do</strong> CPP),<br />
absolvição sumária <strong>do</strong> acusa<strong>do</strong> (art. 397 <strong>do</strong> CPP) ou a desig<strong>na</strong>ção de audiência de instrução e<br />
julgamento (art. 399 <strong>do</strong> CPP).<br />
Nas palavras de Amalia Gomes Zapala:<br />
“Há um duplo juízo de admissibilidade da denúncia, resulta<strong>do</strong> de <strong>do</strong>is juízos com<br />
cognições diferentes. Há um juízo de admissibilidade inicial com a possibilidade de<br />
uma rejeição limi<strong>na</strong>r da denúncia ou queixa. Supera<strong>do</strong> o primeiro filtro, oferecida<br />
a resposta à acusação, haverá um novo juízo de viabilidade da denúncia, a fim de<br />
se evitar a continuidade inútil <strong>do</strong> processo. Trata-se de exame mais aprofunda<strong>do</strong>, de<br />
um segun<strong>do</strong> filtro da acusação, dele poden<strong>do</strong> resultar ainda a absolvição <strong>do</strong><br />
acusa<strong>do</strong>, extinguin<strong>do</strong>-se o processo com julgamento <strong>do</strong> mérito” (Apreciação judicial<br />
da resposta à acusação no procedimento <strong>do</strong> júri. Boletim <strong>IBCCRIM</strong>, São Paulo,<br />
ano 17, n. 201, p. 14-15, ago. 2009).<br />
A resposta defensiva só assume sua fi<strong>na</strong>lidade de garantia se leva<strong>do</strong> em consideração pelo<br />
juiz tu<strong>do</strong> o que for alega<strong>do</strong> pelo acusa<strong>do</strong> no interesse de sua defesa, o que exige, por consequência,<br />
que a decisão exarada após a apresentação da resposta seja fundamentada.<br />
Daí a necessidade de motivação, como já bem asseverou a Ministra Maria Thereza de<br />
Assis Moura: “a i<strong>na</strong>uguração da instância, por representar significativo gravame ao status dignitatis,<br />
deve, sim, ser motivada. Tal decorre, mesmo, para que o réu possa compreender o processo mental pelo<br />
qual passou o magistra<strong>do</strong> ao identificar a justa causa para a sujeição <strong>do</strong> acusa<strong>do</strong> à persecutio criminis<br />
in judicio” (STJ – HC 99.247 – Rel. para acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe<br />
17.05.2010).<br />
Nesse senti<strong>do</strong> a <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> de Márcio Orlan<strong>do</strong> Bártoli:<br />
“Abre-se parêntese para reafirmar a necessidade imperiosa de fundamentação dessa<br />
decisão, como estabeleci<strong>do</strong> pelo art. 93, IX da Constituição Federal. Não basta o<br />
modelo standard <strong>do</strong> antigo carimbo padrão, nem o modelo hoje arquiva<strong>do</strong> no<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 78
computa<strong>do</strong>r, sem fundamentação adequada, ambos amplamente utiliza<strong>do</strong>s sob<br />
o fundamento falacioso de impossibilidade de ‘ingresso no mérito da ação pe<strong>na</strong>l<br />
nessa fase inicial <strong>do</strong> processo’, para evitar o exame da correspondência da<br />
denúncia com os elementos conti<strong>do</strong>s no inquérito e assim impedir o excesso e<br />
abuso de acusação, cujo exame é agora obrigatório. (...) Se há possibilidade de o<br />
juiz reapreciar e rejeitar a denúncia, e absolver sumariamente o acusa<strong>do</strong>, a única<br />
conclusão lógica que se extrai é de que deve haver julgamento fundamenta<strong>do</strong><br />
acolhen<strong>do</strong> ou rejeitan<strong>do</strong> a defesa. Se não for proferida decisão nesses termos, por<br />
que motivo o CPP teria aberto a oportunidade de apresentação da resposta <strong>do</strong><br />
acusa<strong>do</strong>? Teria a lei cria<strong>do</strong> uma armadilha para ser antecipada a tese defensiva a<br />
ser desenvolvida no curso <strong>do</strong> processo? A ausência de decisão sobre a resposta<br />
escrita representa ofensa à garantia constitucio<strong>na</strong>l <strong>do</strong> contraditório, porque<br />
tu<strong>do</strong> o que é alega<strong>do</strong> pelas partes deve ser julga<strong>do</strong> pelo juiz” (Recebimento e<br />
rejeição da denúncia, e absolvição sumária. Boletim <strong>IBCCRIM</strong>, São Paulo, ano<br />
17, n. 202, p. 7, set. 2009, grifos da reprodução).<br />
Realmente, seria uma profunda contradição a lei processual permitir ao acusa<strong>do</strong> a<br />
apresentação de resposta escrita, poden<strong>do</strong> alegar tu<strong>do</strong> o que interessar à sua defesa, e não haver<br />
decisão motivada a respeito, postergan<strong>do</strong>-se o exame <strong>do</strong>s argumentos defensivos para a fase da<br />
sentença de mérito.<br />
Na verdade, se o juiz deve justificar a absolvição sumária <strong>do</strong> acusa<strong>do</strong>, a fortiori deve expor<br />
a razão da rejeição <strong>do</strong>s argumentos defensivos, sob pe<strong>na</strong> de nulidade <strong>do</strong> decisum.<br />
A ausência de motivação da decisão que aprecia a resposta defensiva representa violação da<br />
regra constitucio<strong>na</strong>l segun<strong>do</strong> a qual toda decisão judicial deve ser fundamentada, sob pe<strong>na</strong> de<br />
nulidade (art. 93, inciso IX, da CF).<br />
Antônio Magalhães Gomes Filho, ao a<strong>na</strong>lisar o mandamento constitucio<strong>na</strong>l <strong>do</strong> art. 93,<br />
IX, da Carta Política, observa, com precisão, que:<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 79
“Na redação a<strong>do</strong>tada, <strong>do</strong>is pontos fundamentais merecem ser desde logo ressalta<strong>do</strong>s,<br />
(...). O primeiro diz respeito à extensão <strong>do</strong> dever judicial de motivar: ao referir-se a<br />
todas as decisões, o constituinte evidentemente pretendeu incluir nessa exigência<br />
to<strong>do</strong> e qualquer pronunciamento jurisdicio<strong>na</strong>l que contenha uma carga decisória,<br />
mínima que seja, só estan<strong>do</strong> excluí<strong>do</strong>s, portanto, os denomi<strong>na</strong><strong>do</strong>s despachos de<br />
expediente. O segun<strong>do</strong> está relacio<strong>na</strong><strong>do</strong> à previsão da sanção de nulidade no<br />
próprio texto constitucio<strong>na</strong>l: além de constituir uma novidade, tanto no nosso<br />
orde<strong>na</strong>mento como em relação ao direito constitucio<strong>na</strong>l compara<strong>do</strong>, isso revela a<br />
gravidade <strong>do</strong>s vícios de motivação, pois a falta de motivos ou a fundamentação<br />
deficiente ou contraditória mutilam a própria integridade <strong>do</strong> ato judicial” (A<br />
motivação das decisões pe<strong>na</strong>is. São Paulo: RT, 2001. p. 71-72).<br />
Decisões genéricas e carimbáticas, que simplesmente atestam que “as questões apresentadas<br />
pela Defesa são de mérito e serão a<strong>na</strong>lisadas no momento oportuno”, não se coadu<strong>na</strong>m com o preceito<br />
<strong>do</strong> art. 93, IX, da CF, pois carecem da devida motivação que propicia, <strong>na</strong>s palavras de Rogério<br />
Lauria Tucci:<br />
“com as indispensáveis clareza, lógica e precisão, a perfeita compreensão da<br />
abordagem de to<strong>do</strong>s os pontos questio<strong>na</strong><strong>do</strong>s e, conseqüente e precipuamente, a<br />
conclusão atingida” (Direitos e garantias individuais. São Paulo: Saraiva, 1993. p.<br />
262).<br />
Na jurisprudência, apesar de algumas oscilações iniciais, consoli<strong>do</strong>u-se o entendimento de<br />
que a ausência de apreciação motivada das teses articuladas <strong>na</strong> resposta à acusação caracteriza<br />
nulidade.<br />
Sobre a questão <strong>do</strong> alcance decorrente <strong>do</strong> reconhecimento de referida nulidade, há<br />
decisões em senti<strong>do</strong>s diversos, que merecem análise detida.<br />
O Tribu<strong>na</strong>l Regio<strong>na</strong>l Federal da 3ª Região, por exemplo, reconheceu a necessidade de<br />
fundamentação da decisão judicial que a<strong>na</strong>lisa resposta à acusação, sem contu<strong>do</strong> determi<strong>na</strong>r a<br />
anulação <strong>do</strong> feito a partir da ocorrência da nulidade, sob o entendimento de que seria possível<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 80
saná-la a qualquer momento antes da prolação da sentença de mérito, com arrimo no princípio<br />
<strong>do</strong> aproveitamento <strong>do</strong>s atos processuais. Veja-se:<br />
“[...] 3. Se o réu, <strong>na</strong> resposta escrita de que trata o artigo 396-A <strong>do</strong> Código de<br />
Processo Pe<strong>na</strong>l, formula alegações de inépcia da denúncia e de ausência de justa<br />
causa para a ação pe<strong>na</strong>l, deve o juiz apreciá-las, não poden<strong>do</strong> escusar-se a conta de<br />
que, se o fizesse, estaria conceden<strong>do</strong> habeas corpus contra ato próprio. 4. Se o artigo<br />
397 <strong>do</strong> Código de Processo Pe<strong>na</strong>l, em sua redação atual, autoriza o juiz a até<br />
mesmo absolver o réu sem proceder à instrução probatória, com muito mais razão o<br />
dispositivo permite a apreciação de questões processuais capazes, em tese, de levar à<br />
rejeição da denúncia. 5. A decisão de recebimento da denúncia, prevista no artigo<br />
396 <strong>do</strong> Código de Processo Pe<strong>na</strong>l, constitui mero juízo de delibação, é proferida<br />
com base em cognição sumária e tem caráter provisório, não sen<strong>do</strong> sequer razoável<br />
que produza preclusão pro judicato” (2.ª T., HC 0000139-<br />
44.2011.4.03.0000/SP, Rel. Des. Federal Nelton <strong>do</strong>s Santos, m.v., j.<br />
29.03.2011).<br />
No corpo deste acórdão está dito que:<br />
“Em tema de nulidades processuais, um <strong>do</strong>s princípios mais importantes é o <strong>do</strong><br />
aproveitamento <strong>do</strong>s atos, de acor<strong>do</strong> com o qual só restam afeta<strong>do</strong>s pela declaração de<br />
nulidade aqueles cuja preservação seja incompatível com a própria declaração.<br />
Desse mo<strong>do</strong>, cabe ao juiz da causa, ao apreciar as questões suscitadas pela defesa,<br />
exami<strong>na</strong>r se há, dentre os atos posteriores à decisão de f. 530-532 <strong>do</strong>s autos<br />
principais (f. 563-665 destes autos), algum ou alguns que precisem ser repeti<strong>do</strong>s ou<br />
renova<strong>do</strong>s. O caso é, portanto, de afastar-se o óbice aponta<strong>do</strong> pela juíza impetrada e<br />
determi<strong>na</strong>r-se que profira decisão sobre as questões suscitadas <strong>na</strong>s respostas e ainda<br />
não apreciadas. (...) A prolação de tal decisão, todavia, não necessariamente<br />
compromete os atos de instrução e tampouco a realização <strong>do</strong>s interrogatórios,<br />
deven<strong>do</strong> a autoridade impetrada aferir, em concreto e à vista <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong><br />
aproveitamento <strong>do</strong>s atos processuais, a necessidade de renovação ou repetição”.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 81
Em senti<strong>do</strong> oposto, o Tribu<strong>na</strong>l de Justiça de São Paulo, entenden<strong>do</strong> que o acusa<strong>do</strong> tem<br />
direito à apreciação fundamentada das prelimi<strong>na</strong>res e matérias arguidas em sede de resposta à<br />
denúncia, anulou ação pe<strong>na</strong>l desde a ocorrência da nulidade, porquanto o magistra<strong>do</strong> não<br />
explicitou os motivos da rejeição <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> de absolvição sumária. Confira-se:<br />
“Processo pe<strong>na</strong>l. Art. 399. Prosseguimento <strong>do</strong> feito. Fundamentação da decisão.<br />
Necessidade. Defesa que alegou tu<strong>do</strong> o que interessava <strong>na</strong> fase <strong>do</strong> art. 396-A <strong>do</strong><br />
CPP. Direito à apreciação fundamentada das prelimi<strong>na</strong>res e matérias arguidas em<br />
sede de resposta à denúncia. Resposta que exige <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong> decisão complexa e<br />
fundamentada. Decisão que não explicitou os motivos da rejeição <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> de<br />
absolvição sumária. Nulidade. Ordem concedida” (TJSP, 14.ª Câm., HC<br />
990.09.123605-5, rel. Des. Hermann Herschander, v.u., j. 13.08.2009,<br />
ementa não oficial, Boletim <strong>IBCCRIM</strong>, São Paulo, ano 17, n. 203, p. 1, out.,<br />
2009, caderno de jurisprudência).<br />
No corpo <strong>do</strong> v. aresto cita<strong>do</strong> restou consig<strong>na</strong><strong>do</strong> que:<br />
“Não há dúvida de que o direito à resposta prelimi<strong>na</strong>r conferi<strong>do</strong> à Defesa pela<br />
nova sistemática processual tem como consectário i<strong>na</strong>rredável o direito à<br />
apreciação fundamentada das prelimi<strong>na</strong>res e matérias ali argüidas, quaisquer<br />
que sejam. Portanto, a resposta oferecida exigia <strong>do</strong> MM. Juiz decisão complexa<br />
e acuradamente fundamentada. (...) Todavia, a defesa foi rejeitada nos seguintes<br />
termos: ‘Com o novo rito procedimental trazi<strong>do</strong> pela Lei n, 11.719/08, a defesa<br />
escrita passou a ser peça essencial de ataque <strong>do</strong> réu às imputações lhe são feitas <strong>na</strong><br />
peça acusatória. Por meio dela, deve o defensor alegar toda a matéria que venha a<br />
diminuir as pretensões opostas pelo órgão acusatório, visan<strong>do</strong>, com isso, a absolvição<br />
sumária. Ao que noto, as defesas e <strong>do</strong>cumentos de fls. 105/144 não tem esse condão,<br />
razão pela qual enten<strong>do</strong> que não se trata de hipótese de absolvição sumária’. Data<br />
venia, é manifesta a carência de fundamentação <strong>do</strong> aludi<strong>do</strong> despacho. Como<br />
vimos, uma das teses suscitadas pela Defesa dizia respeito exatamente a hipótese<br />
legal de absolvição sumária; entretanto, a decisão se limita a dizer que ‘não se trata<br />
de hipótese de absolvição sumária’, sem explicitar os motivos desse entendimento.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 82
Quanto às prelimi<strong>na</strong>res e ao requerimento defensivo, a dig<strong>na</strong> Autoridade coatora<br />
<strong>na</strong>da diz. Ora, se ao Juiz somente fosse imposta a apreciação de matérias<br />
pertinentes às hipóteses de absolvição sumária, não se compreenderia a razão<br />
pela qual a lei faculta à Defesa, nesse momento, a argüição de prelimi<strong>na</strong>res. (...)<br />
Temos que a solução adequada à hipótese é a anulação <strong>do</strong> feito a partir da<br />
decisão que rejeitou a resposta prelimi<strong>na</strong>r. (...) Assim, caberá ao MM. Juiz<br />
apreciar todas as teses defensivas, <strong>na</strong> forma devida. Não cabe alegar que, já<br />
antes recebida a denúncia pelo MM. Juiz, não lhe caber apreciar a tese de<br />
ausência de justa causa, pois ultrapassada. Desde logo cabe destacar que a<br />
Defesa não fora chamada a manifestar-se antes <strong>do</strong> recebimento da denúncia;<br />
portanto, a resposta prelimi<strong>na</strong>r é o primeiro momento em que a falta de justa<br />
causa pode ser por ela suscitada. A par disso, sen<strong>do</strong> a falta de justa causa<br />
questão cuja relevância permite até mesmo a rejeição de plano da denúncia ou<br />
da queixa, não faz senti<strong>do</strong> impedir que, caso ela venha a ser constatada a<br />
seguir, através de elementos trazi<strong>do</strong>s pela resposta prelimi<strong>na</strong>r, o Magistra<strong>do</strong> a<br />
reconheça e obste o infrutífero prosseguimento <strong>do</strong> feito, através de juízo de<br />
retratação <strong>do</strong> recebimento da denúncia.É por tal razão que, embora não<br />
vislumbremos <strong>na</strong> norma <strong>do</strong> artigo 399 <strong>do</strong> CPP um segun<strong>do</strong> recebimento da<br />
denúncia, consideramos que ela pretende significar a manutenção <strong>do</strong> recebimento<br />
anterior, quan<strong>do</strong> não abala<strong>do</strong> pelas alegações trazidas pela defesa prévia. Em outros<br />
termos: oferecida a denúncia ou queixa, se não vislumbrar desde logo hipótese de<br />
rejeição limi<strong>na</strong>r, o juiz a receberá, determi<strong>na</strong>n<strong>do</strong> a citação. Mais tarde, após a<br />
resposta defensiva, o juiz deverá manter ou retratar o recebimento da denúncia.<br />
Esta última hipótese ocorrerá quan<strong>do</strong> a resposta trouxer elementos, antes não<br />
vislumbra<strong>do</strong>s pelo Juiz, que imponham a rejeição. Basta supor, por exemplo,<br />
hipótese em que a resposta defensiva hospede prelimi<strong>na</strong>r que convença o juiz da<br />
inépcia da exordial, antes não constatada. Ele não estará impedi<strong>do</strong> de reconhecê-la.<br />
Portanto, deve o Magistra<strong>do</strong> nessa fase, para manter o recebimento da<br />
denúncia, rejeitar fundamentadamente eventuais alegações defensivas relativas<br />
às hipóteses de rejeição, previstas no artigo 395 <strong>do</strong> CPP. Anula-se o feito,<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 83
portanto, a partir da decisão que rejeitou a defesa prévia, por carência de<br />
fundamentação” (grifos da reprodução).<br />
No Superior Tribu<strong>na</strong>l de Justiça, recentes julga<strong>do</strong>s vêm agasalhan<strong>do</strong> a tese de que a<br />
nulidade decorrente da ausência de motivação da decisão que aprecia resposta à acusação tem<br />
como efeito a invalidação retroativa de to<strong>do</strong>s os atos processuais pratica<strong>do</strong>s. Nessa direção, os<br />
seguintes precedentes:<br />
“Habeas corpus. Crime contra o Sistema Fi<strong>na</strong>nceiro Nacio<strong>na</strong>l. Evasão de<br />
divisas. Desig<strong>na</strong>ção de audiência de instrução e julgamento antes da<br />
manifestação prevista no artigo 397 <strong>do</strong> código de processo pe<strong>na</strong>l. Ilegalidade.<br />
Ordem concedida.<br />
1. Com o advento da Lei n. 11.719/08, o recebimento da denúncia passou a<br />
tratar-se de ato complexo, a ser exerci<strong>do</strong> em duas fases distintas. Assim, após o<br />
recebimento da denúncia o juiz orde<strong>na</strong>rá a citação <strong>do</strong> acusa<strong>do</strong> para oferecer<br />
resposta à inicial acusatória, deven<strong>do</strong> se manifestar sobre as razões deduzidas <strong>na</strong><br />
resposta à acusação. 2. A inobservância <strong>do</strong> disposto no art. 397 <strong>do</strong> Código de<br />
Processo Pe<strong>na</strong>l contraria o devi<strong>do</strong> processo legal, sen<strong>do</strong> evidente o prejuízo<br />
ocasio<strong>na</strong><strong>do</strong> ao paciente, que não teve as suas razões previamente a<strong>na</strong>lisadas pelo<br />
magistra<strong>do</strong> de origem. 3. ‘Se não fosse necessário exigir que o Magistra<strong>do</strong> apreciasse<br />
as questões relevantes trazidas pela defesa – sejam prelimi<strong>na</strong>res ou questões de<br />
mérito – seria inócua a previsão normativa que assegura o oferecimento de resposta<br />
ao acusa<strong>do</strong>’ (HC 138.089/SC, Rel. Ministro Félix Fischer, DJe 02.03.2010). 4.<br />
Habeas corpus concedi<strong>do</strong> para anular o processo desde a apresentação da resposta à<br />
acusação, determi<strong>na</strong>n<strong>do</strong>-se que o Juízo de primeiro grau a<strong>na</strong>lise as matérias<br />
arguidas pela defesa, nos termos <strong>do</strong> art. 396 e seguintes <strong>do</strong> Código de Processo<br />
Pe<strong>na</strong>l” (STJ, 5.ª T., HC 183.355, Rel. Adilson Macabu, m.v., 03.05.2012).<br />
“Habeas corpus. Processual pe<strong>na</strong>l. Roubo duplamente circunstancia<strong>do</strong>. Recebimento da denúncia.<br />
Ato despi<strong>do</strong> de conteú<strong>do</strong> decisório. Desnecessidade de substancial fundamentação. Nova<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 84
sistemática implementada pela Lei n. 11.719/2008. Resposta à acusação. Imprescindibilidade de<br />
manifestação <strong>do</strong> juiz acerca de seu conteú<strong>do</strong>. Nulidade configurada.<br />
1. De acor<strong>do</strong> com o entendimento jurisprudencial sedimenta<strong>do</strong> nessa Corte de<br />
Justiça e no Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal, o ato judicial que recebe a denúncia, ou<br />
seja, aquele a que se faz referência no art. 396 <strong>do</strong> CPP, por não possuir conteú<strong>do</strong><br />
decisório, prescinde de substancial fundamentação, <strong>na</strong> forma exigida pelo art. 93,<br />
inciso IX, da Constituição da República. 2. A reforma legislativa introduzida pela<br />
Lei 11.719/2008, trouxe como consequência profunda alteração no que antes se<br />
definia como defesa prévia, consistente em manifestação de conteú<strong>do</strong> limita<strong>do</strong> e<br />
reduzi<strong>do</strong>, circunscrita basicamente à apresentação <strong>do</strong> rol de testemunhas <strong>do</strong><br />
acusa<strong>do</strong>. 3. A partir da nova sistemática, tem-se a previsão de uma defesa robusta,<br />
ainda que realizada em sede prelimi<strong>na</strong>r, <strong>na</strong> qual o acusa<strong>do</strong> poderá ‘arguir<br />
prelimi<strong>na</strong>res e alegar tu<strong>do</strong> o que interesse à sua defesa, oferecer <strong>do</strong>cumentos e<br />
justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualifican<strong>do</strong>-as<br />
e requeren<strong>do</strong> sua intimação, quan<strong>do</strong> necessário’. 4. Não haveria razão de ser <strong>na</strong><br />
inovação legislativa se não se esperasse <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong> a apreciação, ainda que<br />
sucinta e superficial, das questões suscitadas pela defesa <strong>na</strong> resposta à acusação. 5.<br />
No caso, o magistra<strong>do</strong> de piso, após recebida a resposta à acusação, em que se<br />
debatiam diversas questões, prelimi<strong>na</strong>res e de mérito, ape<strong>na</strong>s proferiu despacho<br />
determi<strong>na</strong>n<strong>do</strong> a desig<strong>na</strong>ção de audiência, concluin<strong>do</strong>, assim, pelo prosseguimento <strong>do</strong><br />
feito, sem que se manifestasse minimamente sobre as teses defensivas, o que enseja<br />
i<strong>na</strong>rredável nulidade. (...) 7. Ordem concedida para anular o processo de que se<br />
cuida a partir <strong>do</strong> despacho que designou a audiência de instrução e julgamento,<br />
deven<strong>do</strong> o juiz de primeiro grau manifestar-se fundamentadamente acerca da<br />
resposta à acusação, nos termos <strong>do</strong> art. 397 <strong>do</strong> CPP” (STJ, 6.ª T., HC 232.842,<br />
rel. Min. Og Fer<strong>na</strong>ndes, j. 11.09.2012, v.u.).<br />
Por se tratar de questão de ordem pública, que envolve as garantias constitucio<strong>na</strong>is <strong>do</strong><br />
contraditório, ampla defesa e motivação das decisões judiciais, atingin<strong>do</strong> a essência <strong>do</strong> que se pode<br />
chamar de devida marcha procedimental, a nulidade pode (e deve) ser reconhecida a qualquer<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 85
tempo e grau de jurisdição, inclusive após o trânsito em julga<strong>do</strong>, uma vez que a matéria em foco<br />
não se sujeita à preclusão.<br />
O alcance da irregularidade, portanto, não está condicio<strong>na</strong><strong>do</strong> à eventual demonstração<br />
concreta de prejuízo, uma vez que se trata de nulidade absoluta.<br />
Trata-se da única interpretação possível a respeito da sistemática procedimental instituída<br />
pela novel legislação – que em tu<strong>do</strong> se coadu<strong>na</strong> com o processo pe<strong>na</strong>l de estrutura cooperatória<br />
que se realiza por intermédio <strong>do</strong> contraditório como méto<strong>do</strong> de busca da verdade basea<strong>do</strong> <strong>na</strong><br />
contraposição dialética 1 –, no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> efetivo controle judicial da legalidade da acusação e da<br />
concretização da ideia de paridade de armas.<br />
1 GRINOVER, Ada Pellegrini. “Defesa, Contraditório, igualdade e par condicio <strong>na</strong> ótica <strong>do</strong> professo de<br />
estrutura cooperatória” in O processo constitucio<strong>na</strong>l em marcha, São Paulo, Max Limo<strong>na</strong>d, 1985, p. 9).<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 86
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NA<br />
TRIBUNA VIRTUAL <strong>IBCCRIM</strong><br />
1) <strong>IBCCRIM</strong> se reserva ao direito de publicar em seu site ape<strong>na</strong>s os artigos que estejam em<br />
conformidade com os princípios que nortearam sua criação, expressamente especifica<strong>do</strong>s em<br />
seu Estatuto (veja o Estatuto <strong>na</strong> seção "QUEM SOMOS").<br />
2) Os trabalhos deverão ser envia<strong>do</strong>s para o e-mail tribu<strong>na</strong>virtual@ibccrim.org.br, em formato<br />
de processa<strong>do</strong>r de textos (“.<strong>do</strong>c” ou “.<strong>do</strong>cx”).<br />
3) Os trabalhos deverão ter até 25 pági<strong>na</strong>s. Os parágrafos devem ser justifica<strong>do</strong>s. Não devem ser<br />
usa<strong>do</strong>s recuos, deslocamentos, nem espaçamentos antes ou depois. Não se deve utilizar o<br />
tabula<strong>do</strong>r para determi<strong>na</strong>r os parágrafos; o próprio já determi<strong>na</strong>, automaticamente, a sua<br />
abertura. Como fonte, usar a Times New Roman, corpo 12. Os parágrafos devem ter<br />
entrelinha 1,5; as margens superior e inferior 2,5 cm e as laterais 2,5 cm. A formatação <strong>do</strong><br />
tamanho <strong>do</strong> papel deve ser A4.<br />
4) Os trabalhos podem ser escritos em português, espanhol ou inglês. Em qualquer caso, deverão<br />
ser indica<strong>do</strong>s, em português e em inglês, o título <strong>do</strong> trabalho, o resumo e as palavras-chave.<br />
5) Os trabalhos deverão apresentar:<br />
5.1. Título, nome <strong>do</strong> autor (ou autores) e principal atividade exercida;<br />
5.2. Informações referentes à situação acadêmica, títulos, instituições às quais pertença,<br />
ficam a critério <strong>do</strong> autor, deven<strong>do</strong> seguir o seguinte formato:<br />
Iniciar com a titulação acadêmica (da última para a primeira); caso exerça o magistério,<br />
inserir os da<strong>do</strong>s pertinentes, logo após a titulação; em seguida completar as informações<br />
adicio<strong>na</strong>is (associações ou outras instituições de que seja integrante) – máximo de três;<br />
fi<strong>na</strong>lizar com a função ou profissão exercida (que não seja <strong>na</strong> área acadêmica).<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 87
Exemplo:<br />
Pós-<strong>do</strong>utor em Direito Público pela Università Statale di Milano e pela Universidad de<br />
Valencia. Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor em Direito<br />
Processual Civil <strong>na</strong> Faculdade de Direito da USP. Membro <strong>do</strong> IBDP. Juiz Federal em<br />
Londri<strong>na</strong>.<br />
5.3. Os trabalhos deverão ser precedi<strong>do</strong>s por um breve Resumo (10 linhas no máximo) em<br />
português e em outra língua estrangeira, preferencialmente em inglês;<br />
5.4. Palavras-chaves (máximo de 10) em português e em outra língua estrangeira,<br />
preferencialmente em inglês: palavras ou expressões que sintetizam as ideias centrais <strong>do</strong><br />
texto e que possam facilitar posterior pesquisa ao trabalho.<br />
6) Não serão aceitos trabalhos publica<strong>do</strong>s ou pendentes de publicação em outro veículo, seja em<br />
mídia impressa ou digital.<br />
7) As referências bibliográficas deverão ser feitas de acor<strong>do</strong> com a NBR 10520/2002 (Norma<br />
Brasileira da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT).<br />
8) As referências legislativas ou jurisprudenciais devem conter to<strong>do</strong>s os da<strong>do</strong>s necessários para sua<br />
adequada identificação e localização. Em citações de sites de Internet, deve-se indicar<br />
expressamente, entre parênteses, a data de acesso.<br />
9) To<strong>do</strong> destaque que se queira dar ao texto deve ser feito com o uso de itálico ou negrito.<br />
Jamais deve ser usada a sublinha. Citações de textos de outros autores deverão ser feitas entre<br />
aspas ou em itálico.<br />
10) A seleção e análise <strong>do</strong>s trabalhos para publicação é de competência <strong>do</strong> Conselho Editorial da<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> <strong>IBCCRIM</strong>. Os trabalhos recebi<strong>do</strong>s para análise fisicamente não serão<br />
devolvi<strong>do</strong>s.<br />
10.1. Após a verificação <strong>do</strong> atendimento das normas de publicação, o trabalho será<br />
submeti<strong>do</strong> à análise prévia da Coorde<strong>na</strong>ção, para verificação de adequação à linha editorial<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 88
<strong>do</strong> <strong>IBCCRIM</strong>. Após essa avaliação, o artigo terá suprimi<strong>do</strong>s os elementos que permitam a<br />
identificação de seu autor e será remeti<strong>do</strong> à análise de três pareceristas, membros <strong>do</strong><br />
Conselho Editorial da Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> <strong>IBCCRIM</strong>, para avaliação qualitativa de sua forma<br />
e conteú<strong>do</strong>, seguin<strong>do</strong> o sistema <strong>do</strong> duplo blind peer review e atenden<strong>do</strong> os critérios<br />
constantes <strong>do</strong> formulário de parecer.<br />
10.1.1. Os pareceres anônimos ficam à disposição <strong>do</strong>s autores, que serão cientifica<strong>do</strong>s<br />
de eventual rejeição <strong>do</strong>s trabalhos, a fim de que possam adaptar o trabalho ou<br />
justificar a manutenção <strong>do</strong> formato origi<strong>na</strong>l. Em to<strong>do</strong> caso, a decisão fi<strong>na</strong>l sobre a<br />
publicação ou não <strong>do</strong>s artigos em que o autor manteve o formato origi<strong>na</strong>l cabe à<br />
Coorde<strong>na</strong>ção da Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> <strong>IBCCRIM</strong>.<br />
10.1.2. Em casos excepcio<strong>na</strong>is, poder-se-á encaminhar o trabalho a parecerista<br />
estranho ao Conselho Editorial da Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> <strong>IBCCRIM</strong>, desde que a<br />
especificidade <strong>do</strong> tema e o notório conhecimento <strong>do</strong> parecerista <strong>na</strong> área assim o<br />
justifique.<br />
10.2. Independentemente de blind peer review e <strong>do</strong> atendimento ao formato padrão de<br />
publicação, a Coorde<strong>na</strong>ção da Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> <strong>IBCCRIM</strong> poderá excepcio<strong>na</strong>lmente<br />
aceitar trabalhos de autores convida<strong>do</strong>s, sempre que se considerar a contribuição <strong>do</strong> autor<br />
de fundamental importância para o tema.<br />
11) Não serão devi<strong>do</strong>s direitos autorais ou qualquer remuneração, a qualquer título, pela<br />
publicação <strong>do</strong>s trabalhos. Ainda observa-se que o <strong>IBCCRIM</strong> não se responsabiliza pelo<br />
conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s textos publica<strong>do</strong>s, que são de exclusiva responsabilidade de seus autores e não<br />
representam necessariamente as opiniões <strong>do</strong> Instituto.<br />
12) Serão aceitos trabalhos redigi<strong>do</strong>s em língua portuguesa, inglesa e espanhola. Trabalhos<br />
redigi<strong>do</strong>s em outras línguas deverão ser traduzi<strong>do</strong>s para alguma das três línguas aceitas.<br />
Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 89
12.1. Textos escritos em outros idiomas deverão ser remeti<strong>do</strong>s com a respectiva<br />
"chamada" (Headline) em português, pois o sistema de busca <strong>do</strong> site foi desenvolvi<strong>do</strong> para<br />
realizar pesquisas neste idioma.<br />
13) Os trabalhos que não se ativerem a estas normas poderão ser reenvia<strong>do</strong>s para novo processo de<br />
seleção, efetuadas as modificações necessárias. A Tribu<strong>na</strong> <strong>Virtual</strong> <strong>IBCCRIM</strong> não se<br />
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14) Caso os artigos não sejam aprova<strong>do</strong>s, ficam à disposição para publicação em outros órgãos<br />
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Atenciosamente,<br />
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