13.05.2013 Views

Acesse aqui a versão completa

Acesse aqui a versão completa

Acesse aqui a versão completa

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

• Materiais para fabricação de<br />

Equipamentos de Processo<br />

• Estudo sobre as<br />

necessidades de ensaios<br />

mecânicos e tecnológicos<br />

na indústria metalmecânica<br />

da região de<br />

Sertãozinho-SP<br />

• Problemas geradores<br />

de discussões (PDS) no<br />

laboratório de Física para<br />

cursos de Engenharia<br />

• Informática educativa<br />

na zona rural: a<br />

experiência na<br />

Comunidade São Pedro<br />

em Breves-Marajó-PA<br />

• Convivência Grupal X<br />

Qualidade de Vida na<br />

Terceira Idade<br />

• Os avanços e fracassos da<br />

15ª Conferência das Partes<br />

de Copenhague: um estudo<br />

exploratório<br />

• Ensino de Geograa<br />

e desenvolvimento<br />

sustentável: reexões,<br />

limites, desaos,<br />

possibilidades<br />

• O impacto do ambiente de<br />

trabalho e do estilo de vida<br />

na saúde do trabalhador e a<br />

importância de se promover<br />

qualidade de vida nas empresas<br />

• Estraticação Social na teoria<br />

de Max Weber: considerações<br />

em torno do tema<br />

• Interfaces interdisciplinares na<br />

política internacional: breves<br />

considerações teóricas sobre a<br />

crise do realismo e a emergência<br />

de novos conceitos<br />

• Moralização do Suicídio?<br />

• On digraphs and their quotients<br />

ISSN 1984-8625<br />

REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA • ANO IV • N 0 09 • IFSP - CAmPuS SERTãOzINhO • NOVEmBRO / 2012


REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA • ANO IV • N 0 09 • IFSP - CAmPuS SERTãOzINhO • NOVEmBRO / 2012<br />

Corpo Editorial<br />

Editor-chefe<br />

Altamiro Xavier de Souza - IFSP<br />

Editor substituto<br />

Weslei Roberto Cândido - UEM<br />

Conselho Editorial<br />

Altamir Botoso – UNIMAR *<br />

Ana Cristina Troncoso – UFF *<br />

Andréia Ianuskiewtz – IFSP *<br />

Anne Camila Knoll Domenici – IFSP<br />

Antonio Sergio da Silva – UEG *<br />

Antonio Sousa Santos – UFVJM *<br />

Janete Werle de Camargo Liberatori – IFSP *<br />

José Carlos de Souza Kiihl – FATEC *<br />

Mauro Nicola Póvoas – FURG *<br />

Plínio Alexandre dos Santos Caetano – IFSP<br />

Reinaldo Tronto – IFSP *<br />

Rodrigo Silva González – UFV *<br />

Whisner Fraga Mamede – IFSP *<br />

Conselho Consultivo<br />

Alexandre do Nascimento Souza – USP<br />

Álvaro José Camargo Vieira – PUC-SP / FIT<br />

Amanda Ribeiro Vieira – IFSP<br />

Ângela Vilma Santos Bispo – UFRB<br />

Araci Molnar Alonso – USP/EMBRAPA DF<br />

Cristiane Cinat – UNESP<br />

Denise Paranhos Ruys – IFSP<br />

REvISTa CIEnTíFICa ElETRônICa<br />

ISSn 1984-8625<br />

Fundada em 2008<br />

Peridiocidade Semestral<br />

Eliana de Oliveira – FACFITO<br />

Emanuel Carlos Rodrigues – IFSP<br />

Gilvandro de Jesus Almeida Sanches – UFPA<br />

Kjeld Aagaard Jakobsen – USP<br />

Leandro Dias de Oliveira – UFRRJ<br />

Luciana Brito – UENP / UEL<br />

Luiz Carlos Leal Júnior – IFSP<br />

Magno Alves de Oliveira – IFB<br />

Marina P. A. Mello – FACFITO / UNICAIEIRAS<br />

Nadja Maria Gomes Murta – UFVJM / PUC-SP<br />

Paula Tatiana da Silva – UEL<br />

Pedro Cattapan – UFF<br />

Pierre Gonçalves de Oliveira Filho – FAMEC<br />

Ricardo Castro de Oliveira – UFSCAR<br />

Rita de Cassia Bianchi – UNESP<br />

Ronaldo de Oliveira Rodrigues – UFPA<br />

Rosana Cambraia – UFVJM<br />

Tania Regina Montanha Toledo Scorparo – UENP<br />

Vágner Rodrigues de Bessa – UFV<br />

Designer Gráco<br />

Nildo Xavier de Souza<br />

Diretor Geral do IFSP - Campus Sertãozinho<br />

Lacyr João Sverzut<br />

Reitor do IFSP<br />

Arnaldo Augusto Ciquielo Borges<br />

* Membros do Conselho Editorial que atuam conjuntamente no Conselho Consultivo.<br />

http://www.cefetsp.br/edu/sertaozinho/revista/iluminart.html<br />

revistailuminart@ifsp.edu.br / revista.iluminart@gmail.com<br />

https://www.facebook.com/iluminart.iluminart<br />

www.ifsp.edu.br/sertaozinho<br />

Rua Américo Ambrósio, 269 - Jd. Canaã<br />

Sertãozinho - SP - Brasil - Cep: 14169-263<br />

Tel.: +55 (16) 3946-1170<br />

Copyright © Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - Campus Sertãozinho<br />

Para publicação, requer-se que os manuscritos submetidos a esta revista não tenham sido publicados anteriormente e não sejam submetidos ou publicados simultaneamente em outro periódico. Nenhuma parte<br />

desta publicação pode ser reproduzida sem permissão por escrito da detentora do copyright. O conteúdo dos artigos são de responsabilidade, única e exclusiva, dos respectivos autores.


REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA • ANO IV • N 0 09 • IFSP - CAmPuS SERTãOzINhO • NOVEmBRO / 20122<br />

palavras do Editor<br />

O<br />

caráter de multidisciplinaridade da Revista Iluminart<br />

obrigou-nos a buscar prossionais nas mais diversas<br />

áreas do saber, algo muito positivo para aproximação<br />

do IFSP com outras Instituições educacionais, fato<br />

que pode ser comprovado pela formação dos novos Conselhos.<br />

O atendimento pelos Conselhos Editorial e Consultivo<br />

do chamado ao trabalho para analisar e reanalisar artigos,<br />

propor alterações, emitir parecer, indicar outros prossionais<br />

a m de compor a equipe foi muito importante nesta<br />

nova fase da Iluminart.<br />

A qualidade e diversidade de artigos recebidos na chamada<br />

para o número 8, demonstra que o trabalho entregue<br />

em nossas mãos foi bem aceito pela Comunidade Acadêmica,<br />

tornando nossa missão muito agradável. Alguns artigos<br />

foram tão bem avaliados que expressões como “...quando<br />

este artigo for publicado, utilizarei em minhas aulas..., “...<br />

assunto e artigo extremamente relevantes...” fortaleceram a<br />

convicção da equipe editorial quanto à necessidade de empenho<br />

cada vez maior para fortalecer a revista.<br />

A composição da equipe de suporte técnico também foi<br />

renovada e fortalecida com a participação de um publicitário<br />

especializado em projetos grácos, que apresentou novidades<br />

na área de Tecnologias para Internet, modernizando o visual<br />

e tornando-o muito agradável para o leitor que utiliza as<br />

diversas formas de mídia como: tablets, telefones, notebooks,<br />

entre outros. Além disso, houve a entrada de novos colegas<br />

do Campus Sertãozinho, que realizam suas tarefas diárias e<br />

contribuem para que a Iluminart esteja na Internet.<br />

O corpo editorial, formado por anidade pessoal, pro-<br />

ssional e facilidade de contato entre seus membros, foi<br />

peça chave para chegarmos a esta publicação. É uma equipe<br />

leve, companheira e comprometida com o trabalho e a<br />

educação, possibilitando análises e propostas maduras nas<br />

diversas fases de elaboração deste projeto.<br />

Porém, a maior contribuição é sem dúvida nenhuma do<br />

Conselho Consultivo. Aqueles que já participavam da Iluminart<br />

e os novos membros foram de um prossionalismo<br />

contagiante e sinto-me privilegiado por ter sido o contato<br />

direto entre eles e os autores, pois muito aprendi com seus<br />

pareceres. O fato de toda análise ter sido feito “às cegas”, ou<br />

seja, sem que o autor soubesse quem eram seus pareceristas<br />

e nem os pareceristas recebessem qualquer informação sobre<br />

quem eram os autores, valorizou totalmente a pesquisa<br />

desenvolvida e o texto trabalhado em seu conteúdo e forma.<br />

Aos pareceristas da revista foram remetidos mais de 30<br />

artigos de diferentes áreas, cujas análises foram conduzidas<br />

com muito cuidado, pois alguns deles foram enviados aos<br />

autores recheados de sugestões e indicativos sobre aspectos<br />

diversos, desde melhoria na escrita, até discussões sobre o<br />

(continuação do editorial do número 8)<br />

próprio mérito da pesquisa. A participação dos pareceristas,<br />

com elogios e críticas pertinentes, possibilitaram aos<br />

autores melhorar (quando necessário) os artigos e aprender<br />

também durante o processo.<br />

A visão de que este é um trabalho pedagógico, onde<br />

todos aprendem – autores, analistas, editores e leitores –<br />

permitiu este entrelaçamento construtivo que resultou em<br />

dois e não somente um número. Isto mesmo, são dois números<br />

de uma única vez. Por isso, os artigos apresentados<br />

em maior número, como os relacionados à Literatura e Línguas,<br />

foram agrupados no número 8 e os artigos de outras<br />

áreas caram no número 9.<br />

Aos autores que conaram o resultado de seus trabalhos<br />

em nossas mãos, agradecemos e esperamos que seus<br />

esforços sejam compensados, com os textos atingindo o<br />

público-alvo e promovendo as mudanças desejadas. Acreditamos<br />

rmemente que o processo educacional somente<br />

ocorre quando o conhecimento atua na modicação daquele<br />

que passa a conhecer e, através deste conhecimento<br />

é capaz de ampliar a visão sobre o mundo e a humanidade,<br />

tornando-se seguramente um novo indivíduo após o contato<br />

com este algo “novo” a ele.<br />

Não poderia deixar de agradecer a algumas pessoas em<br />

especial. Acredito que deixar de externar sentimentos nobres,<br />

para pessoas tão importantes em nossa vida, é perder<br />

a oportunidade de ser e fazer alguém feliz.<br />

Minha gratidão a Weslei, a meu irmão Nildo (responsável<br />

pelo projeto gráco da revista), a Plínio, à Andréia, a<br />

Kiihl, a Reinaldo Tronto, à Anne, à Cris Cinat, a Altamir<br />

Botoso, a Mauro Póvoas, a Lacyr (diretor de nosso Campus<br />

que se manteve el a seus princípios democráticos após assumir<br />

o cargo de direção, além de ser um grande amigo), à<br />

Ana Cristina, Pierre e Barbosa e tantos outros amigos que<br />

compõem nosso corpo de conselheiros.<br />

Um agradecimento especial ao corpo de servidores<br />

dos IFs, em especial aos do IFSP, que aos poucos ampliam<br />

sua participação na Iluminart, tanto como autores quanto<br />

como conselheiros e, esperamos que cada vez mais, também<br />

atuem como leitores destas páginas trabalhadas por<br />

diversas mãos com muita alegria, carinho e dedicação.<br />

Este trabalho é fruto da esperança que a educação de<br />

qualidade seja cada vez mais valorizada e perseguida por<br />

toda comunidade acadêmica e, principalmente, pela grande<br />

comunidade global.<br />

Altamiro Xavier de Souza<br />

Editor Chefe<br />

Docente do IFSP – Campus Sertãozinho<br />

altamirox@gmail.con


REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA • ANO IV • N 0 09 • IFSP - CAmPuS SERTãOzINhO • NOVEmBRO / 2012<br />

Editorial<br />

“O diverso não é o caótico nem o estéril, signica o esforço do espírito humano em direção a uma relação transversal, sem transcendência<br />

universalista. O Diverso tem a necessidade da presença dos povos, não mais como objeto a sublimar, mas como projeto a pôr em relação.”<br />

Desde seu primeiro número a Revista Iluminart foi marcada pela<br />

diversidade de temas que divulgou. Nasceu com uma proposta<br />

interdisciplinar que integrasse os mais diversos pensamentos,<br />

estudos e pesquisas produzidas pelas várias universidades espalhadas<br />

pelo Brasil.<br />

Pesquisadores dispersos ao longo do país, ilhados em suas áreas de<br />

estudos atenderam aos chamados de submissão da revista e transformaram<br />

a Iluminart no ponto de encontro dos mais diferentes estudiosos.<br />

Pelo múltiplo se construiu a unidade da presente publicação.<br />

Após sete números publicados, percebe-se que a revista ainda tem<br />

fôlego para outros sete vezes sete. Toda esta capacidade de inovação se<br />

plasma num moderno projeto de arte e sua repaginação total em termos<br />

de leitura e circulação na rede mundial de computadores, e também na<br />

composição do novo corpo Editorial e Conselho Consultivo, fatos que<br />

demonstram compromentimento do editor-chefe com esta fase da Iluminart<br />

que agora se inaugura.<br />

Os artigos do presente número fazem jus ao seu novo padrão de<br />

leitura e visualidade. A revista saiu de sua velha e cômoda estaticidade<br />

acadêmica – herança de seu antigo editor – para a dinamicidade que<br />

exige o atual contexto tecnológico. Toda a equipe deve esse avanço ao<br />

designer gráco Nildo Xavier de Souza, que com certeza surpreendeu a<br />

todos com seu projeto inovador para a Iluminart. A ele nossos sinceros<br />

agradecimentos e reconhecimento por tanta competência.<br />

Na rota dessa tecnologia o artigo que abre o número nove da revista<br />

é dedicado ao estudo de como a otimização de processos e o aumento da<br />

conabilidade desses equipamentos inuenciam na competitividade das<br />

empresas. Assim, Edilson Rosa Barbosa de Jesus faz um levantamento<br />

bibliográco sobre o assunto, revendo como esse tema foi tratado nos<br />

últimos anos.<br />

Na sequência Rafael Arroyo Lavez e Marília Guimarães Pinheiro<br />

propõem um estudo sobre os ensaios mecânicos e tecnológicos e como<br />

eles podem ser importantes para as indústrias de metal-mecânicas de<br />

Sertãozinho, propondo melhorias nos laboratórios do IFSP para atender<br />

essa demanda local. Desta maneira, os pesquisadores mostram o quanto<br />

o trabalho dos docentes do Instituto está imbuído em estudar e melhorar<br />

o contexto em que atua a escola técnica, atendendo às necessidades de<br />

seu público imediato.<br />

O artigo dos docentes Vágner Ricardo de Araújo Pereira e Jurandyr<br />

C. N. Lacerda Neto discute a importância dos laboratórios de física na<br />

formação dos alunos dos cursos de engenharia e como o trabalho nesses<br />

locais podem contextualizar os problemas que o discente pode enfrentar<br />

no mundo real. O estudo aponta caminhos para essa prática nos laboratórios<br />

e atende às exigências das DCNs (Diretrizes Curriculares Nacionais)<br />

na formação de um engenheiro, que compreenda melhor o mundo<br />

do trabalho em que deverá atuar como transformador da sociedade.<br />

Outra proposta de estudo sobre o papel das tecnologias na formação<br />

dos discentes vem dos professores Ronaldo de Oliveira Rodrigues<br />

e Claudenildo da Silva Ladislau, que levam os leitores da Iluminart a<br />

conhecer a realidade da comunidade de São Pedro em Breves-Marajó<br />

– PA e como os computadores contribuem na formação dos alunos das<br />

escolas da zona rural.<br />

Com o artigo de Mirian Damaris Benaglia o leitor poderá reetir<br />

sobre a importância do ambiente de trabalho e o impacto deste na saúde<br />

do trabalhador, conhecendo uma proposta de prevenção do processo de<br />

“trabalho-doença”, de forma a proporcionar aos colaboradores das empresas<br />

uma qualidade de vida melhor e mais saudável, o que, consequentemente,<br />

os levará a desenvolver melhor suas atividades laborais.<br />

O diverso é uma das faces da identidade desta revista desde seu<br />

início; de forma que se transita do ambiente de ensino/aprendizagem,<br />

Edouard Glissanti<br />

passando-se pelo impacto do ambiente de trabalho na vida dos trabalhadores<br />

até chegar à pesquisa realizada com pessoas da terceira idade<br />

comandada por Karoline Davantel Genaro, sob a orientação de Maria<br />

Dvanil D’Ávila Calobrizi, que discute a importância da convivência grupal<br />

para pessoas nessa faixa etária, bem como das atividades realizadas<br />

com as mesmas para o desenvolvimento de uma qualidade de vida que<br />

lhes proporcione “uma prazerosa interação social”.<br />

Marcelo Rodrigues Lemes com seu artigo sobre Weber permite aos<br />

leitores conhecerem a “sociologia compreensiva” e tem como foco as<br />

questões de estraticação social, para tanto estuda conceitos como castas,<br />

estamento, classe e partido, a m de compreender melhor a formação<br />

das sociedades.<br />

O artigo de Leonardo Queiroz Leite desloca os leitores de vez para<br />

o campo da política internacional, debatendo questões sobre a segurança<br />

internacional e como ela está estreitamente associada às estratégias<br />

políticas que põem em evidência os problemas ambientais globais, conciliando<br />

segurança, meio ambiente, desenvolvimento econômico e interesses<br />

políticos.<br />

Continua-se, em seguida, no campo da política e da diplomacia,<br />

com os pesquisadores Geraldo José Ferraresi de Araújo e César Machado<br />

Carvalho, os quais discutem a questão da 15ª Conferências das Partes<br />

de Copenhague na Dinamarca seus avanços e retrocessos em relação às<br />

questões climáticas e políticas.<br />

Sobre desenvolvimento sustentável tem-se o artigo dos pesquisadores<br />

Leandro Dias de Oliveira, Felipe de Souza Ramão e Marcos Vinicius<br />

N. de Melo, discutindo como o discurso do desenvolvimento sustentável<br />

virou a receita infalível para salvar o mundo, atraindo seguidores que<br />

aceitaram incontestes a fórmula mágica para construir um futuro melhor<br />

por meio de atitudes menos agressivas ao meio ambiente.<br />

O presente número da Iluminart ainda apresenta entre seus trabalhos<br />

o polêmico artigo do professor Pedro Cattapan que toca num tema<br />

espinhoso como o suicídio e sua possível moralização, questionando<br />

como a rede de controle de antidepressivos pode ser uma armadilha dessa<br />

sociedade que abjeta o suicídio como opção, demonizando-o, muitas<br />

vezes, como forma até mesmo de ignorar o direito que o suicida tem de<br />

optar pela vida ou não.<br />

Por m, encerramos esta edição com um artigo sobre os dígrafos e<br />

seus quocientes, dos matemáticos José Carlos Kiihl, livre docente aposentado<br />

da UNICAMP, doutor em Matemática pela Universidade de<br />

Chicago, e Alexandre C. Gonçalves, professor da USP de Ribeirão Preto<br />

e doutor pela Universidade do Texas. Material que deixo para os leitores<br />

especializados comentarem por razões óbvias de minhas limitações<br />

literárias.<br />

Todos os artigos são excelentes, talvez <strong>aqui</strong> não se tenha a dimensão<br />

dos mesmos, mas isso se deve à (de)formação na área de Letras, desse,<br />

que é um dos editores da Iluminart. Então, ca o convite a todos os possíveis<br />

leitores de enfrentar estes temas com a disposição de conhecer um<br />

mundo variado e amplo que desliza da tecnologia para as estratégias de<br />

ensino/aprendizagem; da política para as ciências sociais.<br />

Portanto, só resta embarcar nessa viagem e estar disposto a ser um<br />

inquilino rápido dessas ideias em transição, mobiliando a casa de acordo<br />

com seus interesses. Boa leitura!<br />

Weslei Roberto Cândido<br />

Editor Substituto<br />

Docente da UEM – Universidade Estadual de Maringá<br />

weslei79@gmail.com


REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA • ANO • ANO IV IV • N• N0 09 • IFSP - Campus Sertãozinho • OuTuBRO / 2012<br />

0 09 • IFSP - CAmPuS SERTãOzINhO • NOVEmBRO / 2012<br />

sumário<br />

matEriais para fabriCação dE EquipamEntos dE proCEsso ...........................................................<br />

Edilson Rosa Barbosa de Jesus<br />

Estudo sobrE as nECEssidadEs dE Ensaios mECâniCos E tECnológiCos<br />

........................................................ 29<br />

Rafael Arroyo Lavez / Marília Guimarães Pinheiro<br />

<br />

........................................................................................................................ 43<br />

Vágner Ricardo de Araújo Pereira / Jurandyr C. N. Lacerda Neto<br />

<br />

............................................................................................................... 55<br />

Ronaldo de Oliveira Rodrigues / Claudenildo da Silva Ladislau<br />

<br />

E a importânCia dE sE promovEr qualidadE dE vida nas EmprEsas .......................................... 73<br />

Mirian Damaris Benaglia<br />

........................................................<br />

Karoline Davantel Genaro / Maria Dvanil D´Ávila Calobrizi<br />

<br />

Em torno do tEma ........................................................................................................................................... 111<br />

Marcelo Rodrigues Lemos<br />

<br />

.............................. 129<br />

Leonardo Queiroz Leite<br />

<br />

.............................................................................................................................. 143<br />

Geraldo José Ferraresi de Araújo / César Machado Carvalho<br />

<br />

................................................................................................................................ 165<br />

Leandro Dias de Oliveira / Felipe de Souza Ramão / Marcos Vinicius N. de Melo<br />

............................................................................................................................<br />

Pedro Cattapan<br />

............................................................................................................<br />

José Carlos S. Kiihl / Alexandre C. Gonçalves<br />

07<br />

91<br />

181<br />

195


M e c â n i c a<br />

MATERIAIS PARA FABRICAÇÃO DE<br />

EQUIPAMENTOS DE PROCESSO<br />

EDIlSON ROSA BARBOSA DE JESUS<br />

<br />

<br />

Paulo (IPEN – USP), Mestre em Engenharia de Mate-


MATERIAIS PARA FABRICAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROCESSO<br />

Edilson Rosa Barbosa de Jesus<br />

RESUMO: A demanda pela otimização de processos e a necessidade do aumento da<br />

confiabilidade dos equipamentos de processo vêm merecendo atenção especial ao longo dos<br />

últimos anos, por conta da necessidade de aumento da competitividade das empresas e da<br />

diminuição dos custos com paradas das plantas para manutenção e troca de equipamentos. Na<br />

medida em que se deseja que os equipamentos operem com maior eficiência e por tempos mais<br />

prolongados, torna-se necessário que os materiais que os compõem possam suportar condições<br />

cada vez mais severas de trabalho; condições essas, consideradas críticas para materiais comuns<br />

(ditos convencionais). Tais condições de trabalho podem incluir, por exemplo, temperaturas e<br />

pressões elevadas e ambientes agressivos (corrosivos e/ou abrasivos) entre outros. Neste<br />

contexto, o presente trabalho objetiva apresentar uma revisão bibliográfica acerca dos materiais<br />

existentes e disponíveis para aplicações na construção de equipamentos de processo, além dos<br />

novos desenvolvimentos, suas principais características e particularidades.<br />

PALAVRAS-CHAVES: equipamentos de processo; materiais; corrosão, aço carbono, aço inox,<br />

duplex.<br />

MATERIALS FOR PROCESS EQUIPMENTS FABRICATION<br />

ABSTRACT: The demand for process optimization and the need to increase the reliability of process<br />

equipments have been deserving special attention over the past years because of the need to<br />

increase the competitiveness of enterprises, mainly by costs reduction with plant shutdowns for<br />

maintenance and equipment replacement. It is desired that the equipments operate with higher<br />

efficiency and for longer time. Then, the materials used need to work in severe conditions that are<br />

considered critical for common materials (so-called conventional materials). The severe work<br />

conditions may include, for example, elevated temperatures and pressures and aggressive<br />

environments (corrosive and / or abrasive) among others. In this context, this study presents a<br />

review about existing and available materials for equipment process applications (construction), the<br />

new developments, their main characteristics and peculiarities.<br />

KEYWORDS: process equipments; materials; corrosion; carbon steel; stainless steel; duplex<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(|((9


!<br />

!<br />

EDILSON ROSA BARBOSA DE JESUS!<br />

! !<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

Denominam-se equipamentos de processo os equipamentos estáticos em indústrias de<br />

processamento, que são as indústrias nas quais materiais sólidos ou fluidos sofrem<br />

transformações físicas e/ou químicas ou as que se dedicam à armazenagem, manuseio ou<br />

distribuição de fluidos. Dentre essas indústrias citam-se as refinarias de petróleo e suas<br />

precursoras (prospecção e extração de petróleo), as indústrias químicas e petroquímicas, grande<br />

parte das indústrias alimentícias e farmacêuticas, a parte térmica das centrais termoelétricas e os<br />

terminais de armazenagem e distribuição de produtos de petróleo, entre outras (TELLES, 1979).<br />

Equipamentos estáticos tais como colunas de destilação, vasos de pressão, caldeiras,<br />

trocadores de calor, fornos, tanques e tubulações industriais, constituem não só a parte mais<br />

importante da maioria das indústrias de processamento, como também, são geralmente os itens de<br />

maior tamanho, peso e custo nessas indústrias (Fig. 1).<br />

(a)<br />

(c)<br />

Figura 1- Equipamentos de processo. (a) forno cilíndrico; (b) coluna de destilação; (c) trocadores<br />

de calor; (d) vaso de pressão. (JESUS e BISCUOLA, 2011)<br />

Nas indústrias de processamento, algumas condições específicas fazem com que seja<br />

necessário um grau de confiabilidade mais apurado para os equipamentos, em comparação com o<br />

que normalmente é exigido para os equipamentos dos demais ramos industriais. Dentre estas<br />

condições citam-se:<br />

• regime contínuo de operação, o que submete os equipamentos a condições severas de<br />

trabalho;<br />

10 | Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012<br />

(b)<br />

(d)


!<br />

!<br />

MATERIAIS PARA FABRICAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROCESSO<br />

! !<br />

• equipamentos interligados entre si, com potencial risco de paralisação de toda a planta por<br />

conta da ocorrência de uma falha individual (de um único equipamento);<br />

• operação em condições de grande risco, que envolvam fluidos inflamáveis, tóxicos,<br />

explosivos, corrosivos, etc.<br />

A adequada seleção dos materiais a serem utilizados na construção destes equipamentos tem<br />

papel fundamental na garantia da confiabilidade dos mesmos quando em operação, daí, a importância<br />

de se conhecer não apenas as condições a que o equipamento estará sujeito quando em serviço, mas<br />

também o comportamento de cada material em tais condições; de modo que ao final do processo de<br />

seleção, a opção seja pelo material que possa propiciar a confiabilidade desejada, com os níveis de<br />

eficiência e segurança esperados e evidentemente com uma relação custo/benefício satisfatória.<br />

2. CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DE MATERIAIS<br />

Os fatores que devem ser considerados na seleção de materiais para a construção de um<br />

equipamento, envolvem os cuidados com a segurança; o conhecimento das condições e ambiente<br />

de trabalho do equipamento; localização da planta industrial; as condições e variáveis envolvidas no<br />

processo de industrialização do produto; disponibilidade e prazo de entrega; as características e<br />

propriedades químicas, físicas e mecânicas dos materiais disponíveis; facilidade operacional em<br />

atividades de inspeção e manutenção e também a viabilidade econômica da sua utilização.<br />

Guias técnicos que descrevem as propriedades e comportamento de diversos tipos de liga<br />

são freqüentemente utilizados e necessários à seleção, entretanto, o comportamento dos<br />

materiais submetidos a condições e ambientes diversos é bastante complexo.<br />

Tal comportamento, nem sempre pode ser <strong>completa</strong>mente previsto somente através de<br />

testes em laboratório, tendo em vista a grande quantidade de variáveis envolvidas. Neste caso, a<br />

experiência em serviço (operação real) terá papel fundamental no julgamento definitivo do<br />

desempenho da liga na aplicação para a qual a mesma tenha sido selecionada ou desenvolvida<br />

(DOE/GO-102004-1974, 2004) e neste sentido as empresas utilizam recursos de monitoramento<br />

periódico dos mesmos para detecção e prevenção de eventuais danos que possam produzir<br />

resultados indesejados, sobretudo no que se refere à segurança. A seguir são listados diversos<br />

fatores que devem ser considerados na seleção de materiais:<br />

2.1. TEMPERATURA DE OPERAÇÃO<br />

A temperatura de operação é freqüentemente o primeiro e em muitos casos o único fator<br />

levado em conta na seleção da liga (DOE/GO-102004-1974, 2004). Relativo a este fator, diversos<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((11


!<br />

!<br />

EDILSON ROSA BARBOSA DE JESUS!<br />

! !<br />

outros sub-fatores devem ser observados, os quais estão intimamente relacionados com a<br />

resposta comportamental do material submetido à ação física do calor.<br />

Resistência mecânica - Via de regra, a resistência mecânica da liga é inversamente<br />

proporcional à temperatura de operação do equipamento, ou seja, na medida em que a<br />

temperatura aumenta, diminui a capacidade da liga resistir a esforços mecânicos. Deve-se<br />

verificar também se o equipamento irá operar em condições de fluência, onde ocorre a<br />

deformação do material ao longo do tempo, mesmo que submetido a esforços com valores abaixo<br />

do seu limite de escoamento. Este fenômeno se torna mais proeminente com o aumento de<br />

tensões e temperaturas. Outro fenômeno que deve ser verificado é a falha por fadiga, pois se<br />

admite que 90% das rupturas das peças em serviço é atribuído a este fenômeno (CHIAVERINI,<br />

1986). Novamente, este fenômeno ocorre sob tensões inferiores à resistência do material, em<br />

equipamentos expostos a esforços cíclicos.<br />

Temperatura de oxidação - A temperatura de oxidação da liga também deve ser<br />

considerada, uma vez que a oxidação produz perda de material com conseqüente diminuição da<br />

espessura de parede do equipamento e da sua capacidade projetada de resistir a esforços. Esta<br />

avaliação deve ser realizada sempre em relação às condições atmosféricas a que o equipamento<br />

é exposto.<br />

Estabilidade térmica - Normalmente a baixas temperaturas e mesmo em temperatura<br />

ambiente os materiais têm sua resistência ao impacto e ductilidade reduzidas, enquanto que em<br />

temperaturas mais elevadas tendem a ser mais maleáveis. Entretanto, muitas ligas compostas por<br />

cromo e molibdênio após longo tempo de exposição a temperaturas mais elevadas apresentam<br />

sua ductilidade diminuída em um processo conhecido como fragilização (do inglês:<br />

“embrittlement”) (DOE/GO-102004-1974, 2004). Nestas condições, é necessário, portanto, que se<br />

esteja atento ao fator da estabilidade térmica da liga para a faixa de temperatura na qual a mesma<br />

será aplicada, sob o risco de que a liga possa ter sua resistência a esforços dinâmicos diminuída.<br />

Expansão térmica – Mesmo com os avanços na área de projeto que consideram a<br />

utilização de juntas de expansão e detalhes construtivos com peças móveis, como meios de<br />

controle e atenuação dos efeitos de dilatação e contração térmica dos materiais; o relatório do<br />

Departamento de Energia Americano (DOE/GO-102004-1974, 2004), aponta que a maior causa<br />

de distorções e aparecimento de trincas em equipamentos que trabalham a altas temperaturas é<br />

devida a falhas na escolha da liga com adequada expansão térmica ou conjunto de ligas com<br />

expansão térmica diferenciais. O relatório alerta quanto aos cuidados que devem ser tomados em<br />

relação a esta questão, explicando que variações de temperatura da ordem de apenas 110 °C,<br />

são suficientes para causar deformações nos materiais além do seu limite de escoamento.<br />

12 | Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012


!<br />

!<br />

MATERIAIS PARA FABRICAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROCESSO<br />

! !<br />

2.2. RESISTÊNCIA À CORROSÃO<br />

A corrosão é particularmente um assunto a ser criteriosamente considerado, já que<br />

apresenta custos bastante elevados (cerca de 3 % a 4 % do PIB em cada país), custos estes<br />

associados com os reparos necessários e horas ociosas dos equipamentos (SBARAI, 2010). A<br />

corrosão pode causar uma extensa gama de problemas dependendo do tipo de aplicação e das<br />

condições para as quais o equipamento foi projetado. Como exemplos citam-se (ATLAS, 2003):<br />

• perfurações em tanques e tubulações tendo como conseqüência o vazamento do fluido<br />

armazenado ou transportado;<br />

• como no caso da oxidação, a corrosão pode também levar à perda de resistência<br />

mecânica do equipamento através da perda de espessura dos componentes sujeitos a<br />

esforços;<br />

• alteração da aparência do equipamento, devido à degradação do acabamento<br />

superficial;<br />

• formação de resíduos e fuligem que podem provocar o aumento da pressão no interior<br />

de tubulações, bloquear sistemas de passagem ou contaminar o fluido circulante ou<br />

armazenado.<br />

Em equipamentos de processo, a corrosão pode se apresentar de formas variadas. De<br />

acordo com Henriques, 2008, os processos corrosivos se dividem em básicos e sinérgicos. Os<br />

processos básicos seriam aqueles em que ocorre uma interação direta entre o elemento corrosivo<br />

e o material, enquanto que nos processos sinérgicos tal interação geralmente envolve outros<br />

elementos, os quais em conjunto contribuem para a ocorrência do fenômeno.<br />

Henriques (2008), considera como sendo processos corrosivos básicos, aqueles<br />

provocados por cloretos e oxigênio; pelo H2S; pelo CO2 e por bactérias, enquanto que no grupo<br />

dos processos corrosivos sinérgicos enumera o processo de interação corrosão-fadiga; corrosãoerosão;<br />

corrosão sob tensão e fragilização pelo hidrogênio. Resumidamente, Henriques (2008),<br />

apresenta dados acerca da fonte (origem), efeitos e meios de controle de cada um dos processos<br />

corrosivos mencionados anteriormente, tendo apontado quase que por unanimidade o uso de<br />

metalurgia especial (entenda-se seleção adequada do material) como meio de atenuação para a<br />

grande maioria dos processos corrosivos enumerados.<br />

Corrosão por cloretos e oxigênio (fig. 2) – o processo é deflagrado pela simples exposição ao<br />

ambiente, sendo potencializado pela presença de névoa salina (ambiente marinho). Em materiais a base<br />

de cromo, que é o caso por exemplo dos aços inoxidáveis, a corrosão pode ocorrer interna e/ou<br />

externamente ao equipamento, basicamente através da ruptura pelo Cl - , do filme de óxido de cromo<br />

passivo existente na superfície do material; sendo auxiliado também em alguns casos pela presença de<br />

depósitos (orgânicos e inorgânicos), gerando pites ou alvéolos que comprometem a espessura do metal<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((13


!<br />

!<br />

EDILSON ROSA BARBOSA DE JESUS!<br />

! !<br />

e conseqüentemente a capacidade do mesmo resistir a esforços. Um caso particular deste tipo de<br />

corrosão é a chamada corrosão por “frestas” que ocorre justamente em regiões com frestas (aberturas),<br />

nas quais o meio corrosivo pode entrar e permanecer em condições estagnadas. A fresta pode ser<br />

oriunda de um detalhe de projeto, uma falha na execução da soldagem ou formação de depósito na<br />

superfície do material (ancoramento de sujeira, produtos contaminantes e incrustações diversas). De um<br />

modo geral os meios que contêm cloretos são particularmente perigosos na corrosão por frestas.<br />

Possíveis formas de controle deste tipo de corrosão incluem o uso de metalurgia especial, pintura<br />

externa, cuidados em detalhes de projeto e revestimento interno.<br />

14 | Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012<br />

(a) (b)<br />

Figura 2 - (a) Corrosão típica provocada por cloreto; oxigênio; (b) Corrosão por frestas<br />

(HENRIQUES, 2008)<br />

Corrosão pelo H2S (fig. 3) – ocorre basicamente pela presença ou geração do gás sulfídrico<br />

H2S por causa do fluido circulante ou do meio ambiente em que o equipamento se encontra em<br />

operação. Este gás é cada vez mais presente na indústria do petróleo, obrigando a utilização de<br />

materiais chamados "comuns ou convencionais" (aço carbono) com alguns requisitos especiais,<br />

como: controle de Carbono Equivalente (CE), controle de S e controle de P. Este tipo de corrosão<br />

pode se apresentar de maneira uniforme ou localizada. Possíveis formas de abrandamento da ação<br />

do H2S podem incluir o uso de sequestrante de H2S e uso de metalurgia especial.<br />

(a)<br />

Figura 3 - Corrosão típica provocada por H2S: (a) Corrosão por H2S em água de formação<br />

(MAINIER e ROCHA, 2003); (b) corrosão/abertura na solda de ligação entre partes de circulação<br />

de fluidos de trocador de calor da unidade de recuperação de enxofre da REGAP (GUIMARÃES,<br />

2006 - adaptação).<br />

(b)


!<br />

!<br />

MATERIAIS PARA FABRICAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROCESSO<br />

! !<br />

Corrosão sob tensão (fig. 4) – típico de ocorrência em materiais que estejam operando em<br />

meio corrosivo H2S, e que cumulativamente apresentem altas tensões residuais (geralmente<br />

devidas ao processo de fabricação do equipamento) e susceptibilidade ao ataque corrosivo. Nestas<br />

condições, o resultado geralmente é o aparecimento de trincas induzidas pelo hidrogênio. Possíveis<br />

formas de mitigação deste tipo de ataque podem incluir o controle de dureza do material,<br />

tratamentos adequados de alívio de tensões (quando aplicável) e uso de metalurgia especial.<br />

Figura 4 – Falha típica provocada pelo fenômeno de corrosão sob tensão (HENRIQUES, 2008)<br />

Corrosão por CO2 (fig. 5) – é um processo complexo que ocorre basicamente com a<br />

presença de gás carbônico (CO2) no fluido circulante. A complexidade do processo está<br />

relacionada com o grande número de variáveis envolvidas tais como temperatura, pressão de<br />

CO2, velocidade, tipo de fluxo, teor de acetato e teor de bicarbonato entre outras. A presença de<br />

componentes e variáveis diversas leva a ocorrência de reações eletroquímicas complexas, que<br />

resultam em corrosão localizada. Possíveis formas de controle deste tipo de corrosão podem<br />

incluir o uso de inibidor de corrosão e o uso de metalurgia especial.<br />

Figura 5 - Corrosão típica provocada pela presença de CO2 (HENRIQUES, 2008)<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((15


!<br />

!<br />

EDILSON ROSA BARBOSA DE JESUS!<br />

! !<br />

Interação corrosão–fadiga – neste caso, considerando ligas a base de Cr por exemplo,<br />

tensões cíclicas atuantes no material movimentam as discordâncias existentes na estrutura<br />

cristalina do mesmo, as quais atingem a superfície e cisalham a camada passiva de óxido (neste<br />

caso óxido de Cr), que serve de barreira de proteção contra o ataque do elemento corrosivo. Uma<br />

possível forma de amenização neste caso é a utilização de ligas altamente resistentes a corrosão.<br />

Interação corrosão-erosão (fig. 6) – é um processo basicamente mecânico geralmente<br />

associado com altas velocidades do fluido no interior do equipamento e/ou a presença de elementos<br />

abrasivos no mesmo. O uso de materiais e revestimentos resistentes à abrasão apresenta-se como<br />

a melhor opção para controle do problema.<br />

Figura 6 – Deterioração típica provocada por corrosão-erosão (HENRIQUES, 2008)<br />

Cavitação (fig. 7) – Segundo o ASM Metals Handbook (2002), o processo de cavitação é<br />

definido como a formação e colapso de bolhas de vapor ou gás em uma fase líquida. Em geral, esta<br />

se origina em razão de um fenômeno que provoca a diminuição da pressão em uma região do<br />

líquido.<br />

A cavitação é um processo muito danoso que ocorre em processos contendo uma fase<br />

líquida, na qual bolhas de tamanho microscópico são geradas e crescem devido às ondas<br />

alternadas de pressão positiva e negativa. As bolhas sujeitas às condições descritas acima crescem<br />

até atingir um tamanho crítico, e no momento logo após a implosão as bolhas concentram uma<br />

grande quantidade de energia. As implosões destas bolhas ocorrem em regiões nas quais a<br />

pressão volta a aumentar. Quando estas implosões ocorrem próximas de superfícies, as bolhas se<br />

transformam em jatos com um décimo do tamanho inicial da bolha e as velocidades podem atingir<br />

400 km/h. Com a combinação da pressão, velocidade e temperatura no interior destas bolhas, as<br />

mesmas removem material da superfície.<br />

16 | Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012


!<br />

!<br />

MATERIAIS PARA FABRICAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROCESSO<br />

! !<br />

Figura 7 – Arredondamento em face de flange provocada por cavitação<br />

(JESUS e BISCUOLA, 2011).<br />

Fragilização por hidrogênio (fig.8) – hidrogênio livre oriundo do processo de fabricação e<br />

soldagem, de sistemas de proteção catódica e/ou ambientes com H2S e suas espécies dissociadas,<br />

se acomoda e interage com discordâncias, contornos de grão e defeitos na estrutura cristalina do<br />

material. Uma vez instalado nestas regiões, o hidrogênio passa a exercer pressão, sobretudo, em<br />

condições de trabalho a temperaturas elevadas, culminando no aparecimento de trincas o que<br />

caracteriza a chamada “fragilização por hidrogênio”. A minimização deste efeito pode ser obtida por<br />

exemplo através do bloqueio do ingresso do hidrogênio pela aplicação de pintura, controle do<br />

potencial da proteção catódica (quando aplicável) e cuidados na soldagem, o que inclui além dos<br />

cuidados durante o processo em si, também os cuidados com a <strong>aqui</strong>sição e a disposição adequada<br />

dos consumíveis de soldagem.<br />

Figura 8 - Falha típica de fragilização por hidrogênio (HENRIQUES, 2008)<br />

2.3. PROPRIEDADES DOS MATERIAIS<br />

Sentido do Fluxo<br />

Este item relaciona basicamente as propriedades que devem ser conhecidas e consideradas<br />

sempre que se desejar especificar um material para determinada aplicação. Este quesito encontrase<br />

intimamente relacionado aos aspectos tratados anteriormente (itens 2.1 e 2.2), sendo necessário,<br />

portanto, que no primeiro caso (temperatura de operação) se conheça a variação de cada<br />

propriedade em toda a faixa de temperatura previsível de utilização do material e no segundo caso<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((17


!<br />

!<br />

EDILSON ROSA BARBOSA DE JESUS!<br />

! !<br />

(resistência à corrosão), que se conheça com profundidade o fluído circulante e o ambiente de<br />

trabalho, suas relações com o material e suas possíveis influências nas propriedades.<br />

• Propriedades físicas: peso específico, ponto de fusão, condutividade térmica, coeficiente<br />

de dilatação e temperatura de oxidação entre outras.<br />

• Propriedades mecânicas: limites de resistência e de escoamento, alongamento, resistência<br />

à fluência e fadiga, tenacidade, dureza e módulo de elasticidade entre outras.<br />

Os níveis de tensão atuantes no material é um fator que requer desempenho e eficiência<br />

das propriedades mecânicas do mesmo. Os materiais devem resistir às solicitações impostas, as<br />

quais nem sempre se limitam, por exemplo, às cargas de pressão, mas também a uma série de<br />

outras cargas advindas da ação do peso próprio, vento, reações de dilatação térmica, sobrecargas<br />

externas e esforços de montagem entre outros.<br />

A natureza dos esforços também deve ser considerada (tração, compressão, flexão,<br />

esforços estáticos ou dinâmicos, choques, vibrações e esforços cíclicos, entre outros). Materiais<br />

muito frágeis, por exemplo, não podem ser utilizados em situações onde predominam cargas<br />

dinâmicas, choques e pancadas; materiais dúcteis por sua vez absorvem melhor as situações<br />

relacionadas anteriormente deformando-se localmente; por outro lado, existindo in<strong>versão</strong> cíclica<br />

das tensões aplicadas, tais deformações não podem ser toleradas, devido à possibilidade de<br />

surgimento de trincas por fadiga.<br />

2.4. FLUIDOS DE CONTATO/CIRCULANTE E AMBIENTE DE TRABALHO<br />

Com relação aos fluídos de contato/circulantes, diversos fatores importantes devem ser<br />

conhecidos, dentre os quais se mencionam: Natureza e concentração do fluído,<br />

impurezas/contaminantes existentes ou possíveis de existir; existência ou não de gases<br />

dissolvidos ou sólidos em suspensão, temperatura, acidez (pH), velocidade relativa em relação ao<br />

material do equipamento, faixas possíveis de variação de cada item mencionado anteriormente,<br />

valores de trabalho e seus máximos e mínimos; entre outros (TELLES, 1979).<br />

2.5. CUSTO DO MATERIAL<br />

Evidentemente, no meio industrial o custo do material é o fator para o qual na grande<br />

maioria das vezes maior atenção é dispensada, uma vez que qualquer tipo de investimento só é<br />

18 | Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012


!<br />

!<br />

MATERIAIS PARA FABRICAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROCESSO<br />

! !<br />

viabilizado quando pelo menos um mínimo de retorno financeiro pode ser visualizado, quer seja a<br />

curto, médio ou a longo prazo (JESUS e BISCUOLA, 2011).<br />

Para cada aplicação prática podem existir vários materiais possíveis de serem utilizados e<br />

o melhor neste caso será o que se apresentar mais economicamente viável, desde que<br />

obviamente alguns outros critérios também sejam rigorosamente observados, como é o caso da<br />

segurança. Para a verificação da viabilidade econômica, deve-se avaliar não somente o custo<br />

direto do material, mas também uma série de outros fatores, como por exemplo, os custos de<br />

fabricação do equipamento com este material, tempo de vida, custo de paralisação e de reposição<br />

do equipamento, entre outros (TELLES, 1979).<br />

O custo direto do material é fortemente influenciado pelo custo unitário de cada um de<br />

seus componentes. Charles e Augusto (2008), citam como exemplo o preço do níquel entre 2006<br />

e 2007 que chegou a alcançar o valor de 50 US$/t, o que à época elevou drasticamente o custo<br />

dos materiais que utilizavam grande quantidade deste elemento em sua composição. Outra<br />

situação é apresentada também por Vigliano (2010), que estabelece uma relação entre o custo do<br />

aço cromo molibdênio e o aço carbono comum, sendo que o primeiro chega a ter um custo até<br />

40% maior em relação a este último.<br />

O custo por quilo de um aço inoxidável 304, por exemplo, é cerca de 3,7 vezes superior ao<br />

de um aço liga 1 ¼ Cr – ½ Mo, entretanto, a construção de um equipamento em aço inox 304<br />

pode resultar em um menor custo por conta da facilitação do processo de soldagem e dispensa de<br />

tratamento térmico de alívio de tensões por exemplo (TELLES, 1979). Ainda, para certos<br />

ambientes agressivos o inox pode apresentar maior vida útil se comparado com um aço liga.<br />

2.6. SEGURANÇA<br />

Quando o risco potencial do equipamento ou do local onde o mesmo se encontra for<br />

grande, ou quando o equipamento for essencial ao funcionamento de uma instalação importante,<br />

há necessidade do emprego de materiais que ofereçam o máximo de segurança, de modo a evitar<br />

a ocorrência de acidentes que possam resultar em perdas de vida e/ou danos ao meio ambiente.<br />

São exemplos de elevado potencial de risco os equipamentos que trabalham com fluidos<br />

inflamáveis, tóxicos, explosivos, ou em temperaturas e pressões muito altas (TELLES, 1979).<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((19


!<br />

!<br />

EDILSON ROSA BARBOSA DE JESUS!<br />

! !<br />

3. MATERIAIS PARA CONSTRUÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROCESSO<br />

Existe uma vasta gama de materiais que podem ser usados para a construção de<br />

equipamentos de processo, os quais podem ser divididos basicamente em 3 grandes grupos:<br />

metais ferrosos, metais não ferrosos e materiais não metálicos. Neste trabalho tratamos mais<br />

especificamente acerca dos avanços e desenvolvimentos feitos sobre os metais ferrosos e alguns<br />

não ferrosos, com o objetivo de aprimorar suas propriedades objetivando melhor desempenho e<br />

maior vida útil dos equipamentos.<br />

Resumidamente, os materiais com maior frequencia de uso podem ser elencados<br />

conforme segue, os quais serão melhor detalhados na sequência:<br />

• Aço carbono<br />

• Aço liga<br />

• Aços inoxidáveis e suas ligas<br />

• Niquel e suas ligas<br />

3.1. AÇO CARBONO<br />

Na linha de aços para construção de equipamentos de processo, pode-se definir<br />

metalurgicamente “aço-carbono” como sendo ligas de ferro e carbono contendo em sua<br />

composição uma quantidade máxima de carbono de até 0,35%. Além do ferro e carbono esses<br />

aços contêm sempre alguma quantidade de manganês, enxofre e fósforo e alguns podem<br />

apresentar ainda pequenas adições de silício, alumínio e cobre.<br />

Embora aos poucos a situação esteja mudando como será visto ao longo deste trabalho,<br />

de todos os materiais disponíveis o aço carbono ainda continua sendo o material mais<br />

empregado, restando para os demais materiais aplicações mais restritas onde não é possível a<br />

utilização de aço carbono. O motivo de tal preferência se deve ao fato de que além de ser um<br />

material de boa soldabilidade, é de fácil obtenção e pode ser encontrado em várias dimensões e<br />

formatos.<br />

Existem diversos tipos de aço carbono que podem ser distinguidos basicamente pelas<br />

suas características e aplicabilidade, são eles (TELLES, 1979):<br />

• aços de baixo carbono (até 0,20 % C, até 0,90% Mn, até 0,1% Si em alguns aços);<br />

• aços de médio carbono para temperaturas elevadas (até 0,35 % C, até 1% Mn, até 0,1% Si<br />

em alguns aços);<br />

• aços para baixa temperatura (aprox. 0,23% C, até 1,2% Mn, acalmado em Al ou Si);<br />

20 | Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012


!<br />

!<br />

MATERIAIS PARA FABRICAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROCESSO<br />

! !<br />

• aços de qualidade estrutural, destinados primordialmente à construção de estruturas<br />

metálicas;<br />

• aços carbono de alta resistência.<br />

A tabela 1 exemplifica algumas especificações de aço carbono para diversas aplicações<br />

conforme designação ASTM.<br />

Formas de<br />

apresentação<br />

Tabela 1 – Diversos tipos de aço carbono conforme designação ASTM<br />

(TELLES, 1979 – adaptação)<br />

Aços de baixo<br />

carbono<br />

Aços de médio<br />

carbono<br />

(não<br />

acalmados)<br />

Aços de médio carbono<br />

acalmados<br />

(para temperaturas<br />

elevadas)<br />

Aços de médio<br />

carbono acalmados<br />

(baixas temperaturas)<br />

Aços de<br />

qualidade<br />

estrutural<br />

Chapas grossas A-285 Gr A A-285 Gr B,C A-515 Gr 60, 70 A-516 Gr 60, 70 A-283 Gr C<br />

Tubos condução<br />

(sem costura)<br />

A-106 Gr A (com<br />

Si)<br />

- A-106 Gr B, C - -<br />

Tubos para<br />

permutadores<br />

A-179 (sem<br />

costura)<br />

A-214 (com<br />

costura)<br />

- - A-334 Gr 6 -<br />

Tubos para<br />

caldeiras<br />

A-178 -<br />

A-210<br />

A-192<br />

- -<br />

Peças forjadas - A-181 A-105 A-350 Gr LF1 -<br />

3.2. AÇO LIGA<br />

Recebem a denominação de aço liga todos os aços que possuem qualquer quantidade de<br />

outros elementos além daqueles que normalmente fazem parte da composição química dos aços<br />

carbono (TELLES, 1979). Os aços liga são classificados em aços de baixa liga, aços de média liga<br />

e aços de alta liga de acordo a porcentagem de elementos de liga presentes em sua composição.<br />

Aços liga são materiais caros aplicados geralmente em serviços de alta e baixa temperatura, alta<br />

corrosão e segurança entre outros.<br />

Os aços inoxidáveis são casos particulares de aços de alta liga contendo altas quantidades<br />

de cromo, o que lhes confere a característica peculiar de não oxidar quando em exposição<br />

prolongada em atmosfera normal, isto, devido à formação de uma fina camada passiva de óxido<br />

de cromo na superfície do material, que impede a associação do oxigênio presente na atmosfera<br />

com o ferro presente na composição da liga. Estes materiais serão tratados com mais detalhe no<br />

próximo item.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((21


!<br />

!<br />

EDILSON ROSA BARBOSA DE JESUS!<br />

! !<br />

Distinguem-se basicamente quatro grupos de aços liga: o aço liga molibdênio, o aço liga<br />

cromo molibdênio, o aço liga níquel e o aço liga de alta resistência. Os aço liga molibdênio e<br />

cromo molibdênio são mais adequados para serviços a altas temperaturas, serviços com<br />

hidrogênio e corrosivos; enquanto que os aços liga níquel são indicados para trabalhos a baixas<br />

temperaturas. Já os aços liga de alta resistência são muito específicos e não são apropriados para<br />

trabalho em baixas e elevadas temperaturas, mas tão somente em situações onde seja requerido<br />

altos valores de limite de resistência mecânica.<br />

A tabela 2 exemplifica algumas especificações de aço liga para diversas aplicações<br />

conforme designação ASTM.<br />

Classe de<br />

material<br />

Aço liga<br />

½ Mo<br />

Aço liga<br />

2 ¼ Cr – ½<br />

Mo<br />

Aço liga<br />

9 Cr – 1 Mo<br />

Aço liga<br />

9 Ni<br />

Tabela 2 – Diversos tipos de aço liga conforme designação ASTM<br />

(TELLES, 1979 – adaptação)<br />

Chapas<br />

A-204 Gr<br />

A,B<br />

Tubos para<br />

condução (sem<br />

costura)<br />

22 | Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012<br />

Formas de apresentação<br />

Tubos para<br />

caldeiras<br />

Tubos para<br />

permutadores<br />

Peças forjadas Acessórios para<br />

tubulação<br />

A-335 Gr P1 A-209 Gr T1 - A-182 Gr F1 A-234 Gr WP 1<br />

A-387 Gr 22 A-335 Gr P22 A-213-Gr T22 A-199 Gr T22 A-182 Gr F22 A-234 Gr WP 22<br />

- A-335 Gr P9 A-213 Gr T9 A-199 Gr T9 A-182 Gr F9 A-234 Gr WP 9<br />

A-353 A-333 Gr 8 - A-334 Gr 8 - A-420 Gr WPL 8<br />

3.3. AÇO INOXIDÁVEL<br />

Denomina-se genericamente aço inoxidável os aços que não se oxidam mesmo em<br />

exposição prolongada a atmosfera normal (TELLES, 1979). Os tipos convencionais de aço inox,<br />

mais antigos, costumam ser classificados em três grandes grupos de acordo com a estrutura<br />

metalúrgica predominante em temperatura ambiente. Nestas condições, subdividem-se<br />

basicamente em austeníticos, ferríticos e martensíticos; sendo os primeiros conhecidos como os<br />

da série 300 e os dois últimos da série 400 conforme designação AISI.<br />

Os desenvolvimentos na área de materiais para aplicação em equipamentos de processo<br />

têm ocorrido de forma bastante acentuada nos últimos anos principalmente no campo dos aços<br />

inoxidáveis. O contínuo trabalho de pesquisa e desenvolvimento tem possibilitado o surgimento de<br />

uma série de ligas variantes do aço inoxidavel, ligas estas especialmente voltadas para aplicações<br />

em ambientes altamente corrosivos.


!<br />

!<br />

MATERIAIS PARA FABRICAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROCESSO<br />

! !<br />

Alguns exemplos destes tipos de desenvolvimento podem ser mencionados, como é o<br />

caso por exemplo do inox superaustenítico e do inox alto Ni (Incoloy), que se enquadram na<br />

família de ligas conhecidas como LRCs-Ligas Resistentes à Corrosão em inglês CRAs “Corrosion<br />

Resistant Alloys” (BARBOSA, 2009).<br />

Um caso particular das LRCs é o denominado aço inoxidável “duplex”, cujo<br />

desenvolvimento mais acentuado iniciou-se basicamente a partir da sua segunda geração por<br />

volta dos anos de 1970 (DAVIDSON e REDMOND, 1990), (MANTEL et ali., 2008). O termo<br />

“duplex” se origina de uma liga cuja estrutura é típica de partes igualmente balanceadas de ferrita<br />

e austenita (Alvarez-Armas, 2008).<br />

Aços inoxidáveis duplex oferecem diversas vantagens sobre os aços inoxidáveis<br />

austeníticos comuns: são altamente resistentes a corrosão sob tensão, têm excelente resistência<br />

a corrosão por “pitting” e frestas, apresenta cerca do dobro da resistência e têm apenas cerca da<br />

metade da quantidade de níquel dos austeníticos comuns, portanto, são menos sensíveis às<br />

variações do preço do Ni (DAVIDSON e REDMOND, 1990).<br />

Do original “duplex”, originaram-se também outras variantes como por exemplo o<br />

Superduplex, hyper-duplex (SOUZA et ali., 2008) e lean duplex (ALVAREZ-ARMAS, 2008) entre<br />

outras, cada uma delas desenvolvida para aplicações bem específicas.<br />

O desenvolvimento de novos materiais para aplicações em equipamentos de processo é<br />

devido em parte pelo declínio da produção de hidrocarbonetos “onshore”, enquanto que ocorre um<br />

crescente aumento da necessidade de exploração e prospecção em campos remotos “offshore”<br />

ditos de águas profundas.<br />

As principais solicitações presentes nos atuais ambientes produtivos e nas novas áreas a<br />

serem exploradas (campos de pré-sal) exigem dos materiais uma combinação bem estabelecida<br />

de resistência a corrosão e resistência mecânica, proteção contra CO2, cloretos, H2S e formação<br />

de condensados; daí a importância das LRCs (BARBOSA, 2009).<br />

Após vários anos de testes de campo, análises de falhas e extensivos programas de<br />

avaliação, esses materiais alcançaram um alto nível de confiabilidade e o emprego de aços<br />

inoxidáveis duplex e ligas a base de níquel em condições de alta criticidade no golfo do México,<br />

Estados Unidos e Mar do Norte, consolidaram definitivamente estes materiais como uma solução<br />

que veio para ficar (BARBOSA, 2009).<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((23


!<br />

!<br />

EDILSON ROSA BARBOSA DE JESUS!<br />

! !<br />

A tabela 3 apresenta as principais famílias de LRC´s frequentemente aplicadas em locais<br />

de prospecção de hidrocarbonetos, começando pelo grupo dos aços inoxidáveis 13Cr; passando<br />

pelo grupo dos duplex e superduplex com resistência mecânica superior em relação ao grupo<br />

anterior e utilização em limitadas condições de H2S; na sequência aparece o grupo dos<br />

inoxidáveis de alto Ni, Cr e Mo para aplicação em crescentes temperaturas de operação e<br />

agressividade corrosiva, com destaque para as ligas 904 e 825; por fim, nas condições mais<br />

severas do poço surge o grupo das ligas de alto teor de Ni.<br />

A figura 9 mostra a relação estabelecida entre as diversas famílias de LRCs em termos de<br />

pressões parciais de CO2 e H2S. O aumento da corrosividade causada pelos teores crescentes de<br />

CO2 e H2S aliada à agressividade salina nos remete às LRC´s do quadrante superior direito.<br />

Tabela 3 – Famílias de LRCs e suas principais ligas. A<br />

resistência mecânica é indicada com valores típicos e o valor<br />

de PREN = %Cr+3,3%Mo+16%N, indicativo da resistência a<br />

corrosão por pites (BARBOSA, 2009 - adaptação).<br />

3.4. NIQUEL E SUAS LIGAS<br />

24 | Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012<br />

Figura 9 – Mapa de pressões parciais de<br />

CO2 e H2S e a adequabilidade de aplicação<br />

das LRCs (BARBOSA, 2009).<br />

São metais que apresentam simultaneamente excepcional resistência à corrosão e boas<br />

propriedades mecânicas e de resistência às temperaturas altas e baixas, o que os enquadra no<br />

topo da família das LRCs quando o assunto é resistência a corrosão (vide tabela 3 e figura 9).<br />

Algumas variações desta liga para aplicações diferenciadas lhe custou denominações diversas<br />

(marcas registradas) por seus fabricantes como por exemplo, “Monel, Inconel e Incoloy” de<br />

propriedade da “International Nickel Corp.” e os “Hastelloys” de propriedade da “Union Carbide”<br />

(TELLES, 1979).


!<br />

!<br />

MATERIAIS PARA FABRICAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROCESSO<br />

! !<br />

4. CONSIDERAÇÕES QUANTO AO PROCESSAMENTO DOS MATERIAIS<br />

O desempenho satisfatório da liga quando em serviço é sem dúvida o fator mais<br />

importante que deve ser levado em consideração durante o desenvolvimento de um novo<br />

material, entretanto, há de se considerar também a necessidade de avaliar a sua<br />

“trabalhabilidade”, no sentido de que seja possível ser processada com facilidade ao longo de<br />

todas as etapas de fabricação do equipamento, através da utilização dos métodos convencionais<br />

existentes, objetivando evidentemente acima de tudo, garantir a manutenção das propriedades da<br />

liga, afastando o risco de que o equipamento não responda satisfatóriamente ao desempenho<br />

esperado quando em serviço (JESUS e BISCUOLA, 2011).<br />

No caso, por exemplo, dos aços liga Cr-Mo contendo até 2% e mais de 2 ½% Cr , Telles<br />

(1979), faz referência a situações em que para equipamentos de grande porte e trabalhos a alta<br />

temperatura, prefere-se substituir o aço liga pelo aço carbono, revestido-o internamente com<br />

refratário devido a dificuldade de soldagem dos aços ligados.<br />

Tavares et ali. (2006), chamam a atenção para os prejuízos na tenacidade e resistência à<br />

corrosão de ligas duplex, devido a alterações microestruturais importantes nesses materiais<br />

provocadas pelo processo de fabricação por conformação a quente e soldagem. Smith e Cunha<br />

(2009), destacam a importância de se trabalhar com materiais resistentes em ambientes agressivos<br />

e também alertam para que se tenha atenção especial em relação ao processo de soldagem.<br />

Uma outra situação também frequentemente enfrentada pelos fabricantes de<br />

equipamentos diz respeito ao uso de chapas cladeadas por explosão, as quais geralmente sofrem<br />

forte encruamento provocado pelo processo de explosão, sendo necessário principalmente nos<br />

casos de chapas mais finas, que as mesmas sejam submetidas a tratamentos térmicos<br />

adequados antes de serem utilizadas na construção dos equipamentos, sob o risco de<br />

aparecimento de trincas durante operações de conformação por prensagem ou calandragem e<br />

também na soldagem (JESUS e BISCUOLA, 2011).<br />

5. CONCLUSÕES<br />

A demanda por equipamentos que alcancem melhor desempenho e eficiência, maior vida útil e<br />

menores custos com manutenção tem colaborado para que novos desenvolvimentos sejam<br />

constantes na área de materiais. A evolução dos materiais para fabricação de equipamentos de<br />

processo pode ser notada pela grande quantidade de tipos e variações existentes; que vão desde o<br />

simples aço carbono o qual ainda hoje é largamente utilizado em aplicações com menores exigências<br />

(de corrosividade por exemplo), até alcançar as chamadas LRCs, que são ligas de alta tecnologia<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((25


!<br />

!<br />

EDILSON ROSA BARBOSA DE JESUS!<br />

! !<br />

concebidas em muitos casos para condições de trabalho muito específicas. Entretanto, é essencial<br />

que se esteja preocupado não só com a necessidade de desenvolvimento de materiais que atendam<br />

as condições críticas de trabalho dos equipamentos quando em serviço, como também e<br />

principalmente, com a trabalhabilidade destas ligas no sentido de que sejam possíveis de serem<br />

processadas por meio de métodos convencionais existentes; objetivando a redução de custos e,<br />

sobretudo a manutenção das propriedades do material ao longo de todo o processo produtivo, de<br />

modo a garantir que o equipamento responda satisfatoriamente ao desempenho esperado de projeto.<br />

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

ALVAREZ-ARMAS, I., 2008, Duplex Stainless Steels: Brief History and Some Recent Alloys,<br />

Recent Patents on Mechanical Engineering, 2008, Vol. 1, No1, pp. 51-57.<br />

ASM, 2002, Failure Analysis and Prevention Volume 11.<br />

ATLAS, S. M., 2003, Technical Handbook of Stainless Steel, publicação do departamento de<br />

serviços técnicos da ATLAS Specialty Metals. Disponível em: http://www.ATLASmetals.com.au.<br />

Acesso em: 05 de setembro de 2011.<br />

BARBOSA, C. A.,2009, Revestimento de poços. O desafio da exploração em águas profundas e a<br />

contribuição da LRCs-Ligas Resistentes a Corrosão, Inox 31, Núcleo Inox, Janeiro/Abril 2009, pp. 19-21<br />

CHARLES, J., FARIA, R. A., Aços Inoxidáveis Duplex e aplicações em óleo e gás: Uma revisão<br />

incluindo a nova oferta da Arcelormittal, anais do IX Seminário Brasileiro do Aço Inoxidável. Disponível em<br />

. Acesso em: 05 de<br />

setembro de 2011.<br />

CHIAVERINI, Vicente, 1986, Tecnologia Mecânica: Estrututa e Propriedades das Ligas Metálicas<br />

Volume I, Ed. McGraw-Hill, São Paulo, Brasil.<br />

DAVIDSON, R. M., REDMOND, J. D, 1990, Practical guide to using duplex stainless steel,<br />

NIDI Technical Series N° 10044, Nickel Development Institute, pp.1-6.<br />

DOE/GO-102004-1974, 2004, Materials Selection Considerations for Thermal Process Equipment,<br />

Documento do Programa de Tecnologias Industriais emitido pelo Departamento de Energia Americano<br />

(DOE), 8 pág. Disponível em: < http://www.osti.gov/bridge/purl.cover.jsp?purl=/15011683-XaZ157/native/>.<br />

Acesso em: 5 de setembro de 2011.<br />

GUIMARÃES, E. M., 2006, Causas e formas de corrosão na unidade de recuperação de<br />

enxofre da refinaria Gabriel Passos (REGAP/PETROBRÁS), Dissertação de Mestrado, 2006,<br />

160 pag.<br />

26 | Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012


!<br />

!<br />

MATERIAIS PARA FABRICAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROCESSO<br />

! !<br />

HENRIQUES, C.C.D., 2008, Desafios na seleção de materiais na indústria do petróleo,<br />

Palestra apresentada no IX Seminário Brasileiro do Aço Inoxidável. Disponível em:<br />

. Acesso em: 5 de setembro de 2011.<br />

JESUS, E. R. B., BISCUOLA, V. B, 2011, O estado da arte dos materiais para aplicação na<br />

fabricação de equipamentos de processo, Anais do II Congresso Científico da Semana<br />

Nacional de Ciência e Tecnologia no IFSP (Concistec 2011), Bragança Paulista, 17-21 out/2011.<br />

MAINIER, F. B., ROCHA, A. A., 2003, H2S: Novas rotas de remoção química e recuperação de<br />

enxofre, Anais do 2° Congresso Brasileiro de P & D em Petróleo e Gás, Rio de Janeiro, 15-18<br />

junho. Disponível em: . Acesso em: 5 de<br />

setembro de 2011.<br />

MANTEL,M., CHAUVEAU, E., VIANA, A. S., PEULTIER, J. JACQUES, S., 2008, Desenvolvimento de<br />

uma nova linha de aços inoxidáveis duplex ou como o nitrogênio pode reduzir o teor de níquel,<br />

melhorando simultaneamente a resistência à corrosão e propriedades mecânicas dos aços<br />

inoxidáveis, anais do IX Seminário Brasileiro do Aço Inoxidável. Disponível em:<br />

. Acesso em: 5 de<br />

setembro de 2011.<br />

SBARAI, C., 2010, Tratamento de Superfície – Uma Visão Atual e Dinâmica do Setor, Corrosão<br />

& Proteção, Março/Abril 2010, PP. 9-24.<br />

SMITH, L., CUNHA, C., 2009, À prova de corrosão, Inox 31, Núcleo Inox, Jan./Abril 2009, pp. 8-10<br />

SOUZA, A., PEREA, E., SIGNORELLI, R., 2008, SAF 2707 HD® (UNS S32707)-Um aço inoxidável<br />

hiper-duplex para ambientes severos contendo cloretos, anais do IX Seminário Brasileiro do Aço<br />

Inoxidável. Disponível em: . Acesso em: 5 de setembro de 2011.<br />

TAVARES, S. S.M., CASTRO, J. L. G., CÔRTE, R. R. A., SOUZA, V. M., PARDAL, J. M., 2006,<br />

Detecção de pequenos teores de fase sigma e avaliação dos seus efeitos na resistência à<br />

corrosão do aço inoxidável duplex UNS S31803, Engevista, Vol. 8, n.2, dezembro2006, pp. 77-82.<br />

TELLES, P.C.S., 1979, Materiais para equipamentos de processo, Ed. Interciência, Rio de<br />

Janeiro, 2° edição, 230 pág.,<br />

VIGLIANO, R., 2010, Otimismo com mercado novo, Energia hoje. Disponível em:<br />

. Acesso em: 5 de setembro de 2011.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((27


M e c â n i c a<br />

eSTuDo SoBRe aS neCeSSIDaDeS De enSaIoS<br />

MeCÂnICoS e TeCnolÓGICoS na InDÚSTRIa<br />

MeTal-MeCÂnICa Da ReGIão De SeRTãozInho-SP<br />

Rafael aRRoyo lavez<br />

Graduando no curso Superior de Tecnologia<br />

em fabricação Mecânica no Campus<br />

<br />

Paulo (IfSP).<br />

Contato: rafael.lavez@gmail.com<br />

MaRílIa GuIMaRãeS PInheIRo<br />

Doutora em Medicina (Clínica Médica) pela<br />

faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (fMRP)<br />

da universidade de São Paulo (uSP), Mestre em<br />

Ciência da Computação (uSP) e engenheira de<br />

Produção (uSP). Docente do Campus Sertãozinho<br />

<br />

Coordenadora do Curso Superior de Tecnologia<br />

em Gestão em Recursos humanos.<br />

Contato: mariliapinheiro@gmail.com


!<br />

ESTUDO SOBRE AS NECESSIDADES DE ENSAIOS MECÂNICOS E<br />

TECNOLÓGICOS NA INDÚSTRIA METAL-MECÂNICA DA REGIÃO DE<br />

SERTÃOZINHO-SP<br />

Rafael Arroyo Lavez<br />

Marília Guimarães Pinheiro<br />

RESUMO: A melhoria das atividades industriais depende em grande parte da disponibilidade e<br />

qualidade dos ensaios mecânicos e tecnológicos. Eles são fundamentais para o controle de<br />

qualidade da produção e para a investigação e caracterização dos materiais empregados. Este<br />

estudo visa realizar pesquisa qualitativa para levantar a necessidade de volume, qualidade e<br />

variedade de ensaios, assim como de equipamentos e ferramentas, para atender às demandas da<br />

indústria metal-mecânica de Sertãozinho-SP. Este estudo possibilita definir as ações necessárias<br />

à adequação das instalações dos laboratórios do Instituto Federal de São Paulo IFSP, Campus<br />

Sertãozinho e a formação de seu pessoal técnico.<br />

PALAVRAS-CHAVE: ensaios, qualidade, indústria metal-mecânica.<br />

A STUDY ON THE NEEDS OF METALWORKING INDUSTRY TESTS AT<br />

SERTÃOZINHO-SP<br />

ABSTRACT: The improvement of industrial activities depends largely on the availability and<br />

quality of mechanical and technological tests. These tests are essential for production process<br />

control or for research and characterization of materials used in it. This study aims to research the<br />

needs of number, quality and variety of tests, as well as necessary equipment and tools, from a<br />

sample of industries of the mechanical and metallurgical Sertãozinho-SP, Brazil.<br />

KEYWORDS: tests, quality, mechanical industry.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Os ensaios mecânicos e tecnológicos são utilizados para a determinação das propriedades<br />

dos materiais. Eles visam não apenas medir suas propriedades, mas também obter dados<br />

comparativos entre eles, estabelecer a influência das condições de fabricação nestes materiais e<br />

determinar a adequação do material para o emprego desejado (CHIAVERINI, 1986). Para que o<br />

resultado de um ensaio possa refletir, com a máxima fidelidade, o comportamento e propriedades<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!|!!31!


!<br />

!<br />

RAFAEL ARROYO LAVEZ | MARÍLIA GUIMARÃES PINHEIRO<br />

! !<br />

de um material, é preciso que sejam observadas normas, especificações e padronizações<br />

tomadas como referências em sua execução (CHIAVERINI, 1986).<br />

A realização de ensaios pressupõe ambiente, equipamentos e ferramentas que possam<br />

promover as condições aceitáveis para sua efetivação. Normalmente, os ensaios mecânicos e<br />

tecnológicos são realizados em laboratórios especializados. A melhoria e o desenvolvimento dos<br />

produtos da indústria mecânica e metalúrgica dependem significativamente da disponibilidade e<br />

qualidade dos ensaios mecânicos e tecnológicos e, portanto, da disponibilidade de bons<br />

laboratórios de ensaios. Há uma enorme variedade de tipos de máquinas para os diferentes<br />

ensaios e é progressiva a modernização destes equipamentos (SOUZA, 1982).<br />

Neste estudo, propõe-se delinear um panorama da estrutura e das necessidades de ensaios<br />

da indústria metal-mecânica de Sertãozinho-SP. Os objetivos gerais são: levantar a necessidades<br />

de ensaios mecânicos e tecnológicos em uma amostra de empresas de Sertãozinho; mapear a<br />

situação atual dos ensaios disponíveis e daqueles necessários para o aprimoramento da indústria<br />

local; identificar e detalhar instalações atuais do Instituto Federal de São Paulo IFSP Campus<br />

Sertãozinho; identificar e detalhar instalações adequadas para atender a possíveis demandas locais<br />

e, identificar prioridades dos conteúdos para formação de técnicos e tecnólogos.<br />

Para o levantamento foi feita pesquisa de campo realizada por meio de questionários<br />

enviados às empresas escolhidas. O questionário enviado contém itens sobre os ensaios<br />

realizados pela a empresa, seus meios de realização, eventuais vantagens e empecilhos<br />

encontrados, disponibilidade dos ensaios, frequências e demandas reprimidas. O questionário foi<br />

formulado a partir de uma pré-relação dos ensaios mecânicos e tecnológicos associados à<br />

indústria metal/mecânica e ratificados através de levantamento em prestadores de serviços na<br />

área – empresas de consultoria e de serviços de inspeções técnicas, análises e ensaios.<br />

Para definição das ações necessárias para o projeto do laboratório ideal à formação dos<br />

técnicos e tecnólogos do IFSP Campus Sertãozinho, foi realizado levantamento dos equipamentos<br />

e ensaios disponíveis atualmente nas instalações do Campus e a confecção de um catálogo local.<br />

Através de observação e entrevistas com técnicos e professores, foram catalogados todos os<br />

equipamentos disponíveis, assim como os ensaios passíveis de execução. Professores e técnicos<br />

do Campus foram entrevistados sobre o uso dos equipamentos feito por eles, e suas percepções<br />

das necessidades locais que foram também registradas. A metodologia será apoiada nos<br />

preceitos e recursos oferecidos especialmente pela pesquisa qualitativa (STRAUSS; GODOI;<br />

VEIRA, 2006).<br />

32$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012$


! ESTUDO SOBRE AS NECESSIDADES DE ENSAIOS MECÂNICOS E TECNOLÓGICOS NA INDÚSTRIA !<br />

! METAL-MECÂNICA DA REGIÃO DE SERTÃOZINHO-SP<br />

!<br />

RESULTADOS OBTIDOS<br />

Os resultados obtidos foram divididos em dois blocos: 1) Levantamento dos ensaios mais<br />

freqüentemente na região e 2) Levantamento dos ensaios realizados no IFSP Campus<br />

Sertãozinho. Estão detalhados na sequência.<br />

1. LEVANTAMENTO DOS ENSAIOS MAIS FREQÜENTEMENTE NA REGIÃO:<br />

Foi realizada visita técnica a uma das mais importantes empresas de prestação de serviços<br />

na área, localizada no município de Sertãozinho – SP. O objetivo da visita foi identificar os ensaios<br />

realizados pela empresa, o perfil do profissional que ela busca e possui em seus laboratórios,<br />

seus equipamentos, treinamentos e qualificações promovidos.<br />

A empresa em questão foi fundada em 1989 visando suprir as necessidades do setor<br />

sucroalcooleiro. Hoje é uma das líderes neste setor na região. Expandiu seu mercado e atende<br />

hoje a outros setores da indústria, como papel e celulose, siderurgia e mineração, automobilístico,<br />

alimentação, cítrico, bebidas e agroindustrial. É certificada pela ISO 9001-2000, BUQI UKAS e<br />

acreditada pelo INMETRO.<br />

Os principais ensaios utilizados pela empresa são: Controle Dimensional; Ensaio Visual;<br />

Líquido Penetrante; Partícula Magnética e Ultrassom.<br />

O profissional empregado/formado pela empresa deve ser capaz identificar, relacionar,<br />

desenvolver métodos e estabelecer quais ensaios são necessários para atender a demanda do<br />

cliente. A empresa investe em um profissional capaz de apontar soluções, com perfil de consultor,<br />

e não simplesmente vender um serviço; é preciso desenvolver uma visão crítica e holística que<br />

venha sanar as dúvidas do cliente. O profissional deve ser capaz de elaborar relatórios técnicos<br />

com base nas informações obtidas através do resultado dos ensaios, executar planos de falha<br />

(FEMEIA/FEMEC), ter um conhecimento aprofundado em metalurgia da solda, ser capaz de<br />

interpretar desenhos técnicos, ter sólida bagagem em NR-13 Plantas Integradas de vasos de<br />

pressão.<br />

O Laboratório de ensaios da empresa está dividido em quatro segmentos, que são:<br />

Análises químicas - possui um espectrômetro de Fluorescência de Raio-X, forno de indução e<br />

combustão direta; Ensaios mecânicos - realizados ensaios de tração, impacto, dureza,<br />

microdureza, dobramento, achatamento, expansão de tubos, fadiga, tenacidade à fratura e outros;<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!|!!33!


!<br />

!<br />

RAFAEL ARROYO LAVEZ | MARÍLIA GUIMARÃES PINHEIRO<br />

! !<br />

Análise metalográfica - está equipado com recursos tecnológicos de pesquisa e<br />

desenvolvimento como microscópios óticos, estereoscópios e microdurômetro; Análise de falhas<br />

- laboratório que tem ativa participação das inspeções e análises realizadas, utiliza todos os<br />

recursos tecnológicos e profissionais para atender os mais diversos tipos de análise de falhas em<br />

equipamentos e componentes.<br />

A empresa possui programa de qualificação de empregados e de treinamento e certificação<br />

para a comunidade.<br />

Para o levantamento dos ensaios realizados pelas indústrias da região, foi elaborada lista<br />

das indústrias da área no município e elaborado/enviado um questionário tratando os seguintes<br />

pontos:<br />

• investimentos realizados/pretendidos em tecnologia;<br />

• certificação de conformidade pretendida/alcançada;<br />

• certificação de sistema de gestão pretendida/alcançada;<br />

• tipos de instituições procuradas para serviços de certificação;<br />

• importância e grau de utilização dos Serviços de Ensaios e Análises;<br />

• grau de importância e o grau atual dos Serviços de Normalização e Regulamentação<br />

Técnica, e quais as instituições procuradas para tanto;<br />

• serviços de metrologia utilizados e quais instituições procuradas para sua realização;<br />

• serviços de informação tecnológica utilizados e quais instituições procuradas para sua<br />

realização;<br />

• principais dificuldades enfrentadas na contratação de serviços;<br />

• investimento em formação de recursos humanos; e<br />

• instituições procuradas para formação de recursos humanos.<br />

Foi criada uma base de dados com endereço eletrônico e contato das empresas a serem<br />

pesquisadas e também foi criado um contato eletrônico do IFSP Campus Sertãozinho para o<br />

envio/recebimento dos questionários destinados às empresas selecionadas. Detalhe deste<br />

questionário pode ser visto na Figura 1.<br />

Foram realizadas várias tentativas para obtenção do maior número possível de<br />

questionários respondidos. Na primeira tentativa foi feita sensibilização da empresa através de<br />

ligações telefônicas, realizadas em setembro de 2010, para esclarecimentos e pedido de resposta<br />

à pesquisa. Outra tentativa foi o reenvio dos questionários após 15 dias, seguida de ligação<br />

telefônica para cada empresa.<br />

34$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012$


! ESTUDO SOBRE AS NECESSIDADES DE ENSAIOS MECÂNICOS E TECNOLÓGICOS NA INDÚSTRIA !<br />

! METAL-MECÂNICA DA REGIÃO DE SERTÃOZINHO-SP<br />

!<br />

Finalmente, com objetivo de obter maior número de respostas, foram feitas mais duas<br />

tentativas, ligações e envios de questionários. Foram obtidos seis questionários respondidos no<br />

total, cerca de 5% do total. Foram mapeados os dados obtidos para cada uma das questões.<br />

Exemplos deste mapeamento podem ser vistos nos Gráfico 1 e 2.<br />

2. LEVANTAMENTO DOS ENSAIOS REALIZADOS NO IFSP CAMPUS<br />

SERTÃOZINHO<br />

Os laboratórios do IFSP possuem equipamentos tradicionais e alguns de ponta. Contam<br />

com os seguintes equipamentos:<br />

• para Ensaios não destrutivos END –<br />

o Reagentes para aplicação do LP (Líquido penetrante),<br />

o Ultrassons, e<br />

o Aparelho de Partícula Magnética e Aparelho de raio-X.<br />

• para Ensaios destrutivos ED –<br />

o aparelho de tração,<br />

o Aparelho de dureza (OBS: com leitura HB – dureza Brinell e HC – Dureza Shore);<br />

e<br />

o Metalografia - Microscópios óticos, Projetor de perfil, Micrômetros e Paquímetro.<br />

Foi elaborado um catálogo contendo dados de todos os equipamentos citados. Este<br />

catálogo poderá dar suporte e conhecimento aos alunos sobre existência, características e<br />

emprego geral destes equipamentos. Páginas do catálogo produzido neste levantamento são<br />

ilustradas nas Figuras 2 e 3.<br />

Foi realizada uma pesquisa com os professores das disciplinas de Ensaios Físicos e<br />

Mecânicos e Ensaios Não Destrutivos. Constatou-se a ausência de um equipamento de medição<br />

da capacidade de absorção de impacto do material – ensaio de charpy. Foi levantado que o<br />

Instituto tem problemas de instalações físicas, ou seja, não possui espaço físico ideal para alguns<br />

equipamentos.<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!|!!35!


!<br />

!<br />

RAFAEL ARROYO LAVEZ | MARÍLIA GUIMARÃES PINHEIRO<br />

! !<br />

Esta pesquisa mostrou que existe a impressão satisfatória do corpo discente em relação<br />

aos docentes, no que se refere ao conteúdo teórico das disciplinas, mas o mesmo não ocorre com<br />

as instalações práticas. Uma sugestão apresentada é a contratação de técnicos de laboratório,<br />

para todos os períodos, que pudessem dar suporte aos alunos e professores nas aulas práticas,<br />

tanto de usinagem quanto de ensaios destrutivos e não destrutivos.<br />

CONCLUSÃO<br />

Segundo os dados da pesquisa, Sertãozinho-SP conta com uma empresa prestadora de<br />

serviços na área de ensaios que disponibiliza a maioria dos ensaios realizados na região: ensaios<br />

químicos, ensaios destrutivos e ensaios não destrutivos. Estes são os ensaios mais utilizados nas<br />

indústrias do setor metal-mecânico. Esta empresa, que possui um quadro de funcionários<br />

qualificados e treinados para a realização de seus serviços, atesta a dificuldade de contratação de<br />

profissionais especializados na região. É freqüente buscar profissionais em outros estados.<br />

Com base na entrevista com os profissionais desta empresa e nas entrevistas com<br />

professores do IFSP Campus Sertãozinho e nos questionários respondidos pelas empresas do<br />

setor metal-mecânico de Sertãozinho-SP e região, conclui-se que o Instituto possui um laboratório<br />

de ensaios e de metalografia com algumas carências. Embora possua equipamentos de ponta e<br />

de boa qualidade, sente-se necessidade de equipamentos adequados para ensaio charpy. As<br />

instalações físicas dos laboratórios também não são as ideais.<br />

Apesar destes problemas, segundo as entrevistas, o Instituto está fornecendo um curso<br />

com extrema qualidade e cumprindo com todos os objetivos das ementas das disciplinas no que<br />

se refere aos ensaios destrutivos e não destrutivos, formando profissionais capazes de atender as<br />

necessidade das empresas de Sertãozinho-SP e região. O corpo docente tem expectativas de<br />

melhorias em curto prazo das instalações e equipamentos dos laboratórios de mecânica.<br />

O catálogo produzido por este trabalho mostrou-se um importante documento para apoio<br />

aos profissionais em seu trabalho nos laboratórios do IFSP Campus Sertãozinho e para o projeto<br />

de sua melhoria.<br />

36$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012$


! ESTUDO SOBRE AS NECESSIDADES DE ENSAIOS MECÂNICOS E TECNOLÓGICOS NA INDÚSTRIA !<br />

! METAL-MECÂNICA DA REGIÃO DE SERTÃOZINHO-SP<br />

!<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

CHIAVERINI, V.; Tecnologia Mecânica. Pearson, Vol.1, 2ª. Edição, São Paulo, 1986.<br />

SOUZA, S A; Ensaios Mecânicos de Materiais Metálicos, Fundamentos Teóricos e Práticos.<br />

Edgard Blucher, 2ª. Edição, São Paulo, 1982.<br />

LIBONI, R B; TONETO-JR, R; A Indústria de Equipamentos para o Setor Sucroalcooleiron.<br />

Em: 1º Workshop do Observatório do Setor Sucroalcooleiro SBIE2004,<br />

acesso em<br />

18/set/2009.<br />

STRAUSS, A; CORBIN, J; Pesquisa Qualitativa, Técnicas e Procedimentos Para o<br />

Desenvolvimento de Teoria Fundamentada. Artmed, 2ª. Edição, Porto Alegre, 2008.<br />

GODOI, C K; BANDEIRA-DE-MELLO, R; SILVA, A B; Pesquisa Qualitativa em Estudos<br />

Organizacionais. Saraiva, São Paulo, 2006.<br />

VIEIRA, M M F; ZOUAIN, D M; Pesquisa Qualitativa em Administração. FGV, São Paulo, 2006.<br />

GRÁFICOS E FIGURAS<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!|!!37!


!<br />

!<br />

RAFAEL ARROYO LAVEZ | MARÍLIA GUIMARÃES PINHEIRO<br />

! !<br />

38$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012$


! ESTUDO SOBRE AS NECESSIDADES DE ENSAIOS MECÂNICOS E TECNOLÓGICOS NA INDÚSTRIA !<br />

! METAL-MECÂNICA DA REGIÃO DE SERTÃOZINHO-SP<br />

!<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!|!!39!


!<br />

!<br />

RAFAEL ARROYO LAVEZ | MARÍLIA GUIMARÃES PINHEIRO<br />

! !<br />

Figura 1 Detalhe do questionário da pesquisa de campo enviado às empresas da região de<br />

Sertãozinho-SP.<br />

Figura 2 Catálogo Laboratório IFSP Campus Sertãozinho (detalhe).<br />

40$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012$


! ESTUDO SOBRE AS NECESSIDADES DE ENSAIOS MECÂNICOS E TECNOLÓGICOS NA INDÚSTRIA !<br />

! METAL-MECÂNICA DA REGIÃO DE SERTÃOZINHO-SP<br />

!<br />

Figura 3 Catálogo Laboratório Ensaios IFSP Campus Sertãozinho (detalhe 2).<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!|!!41!


E n s i n o<br />

<br />

<br />

<br />

Vágner rICardo de araúJo PereIra<br />

Mestre em educação pela universidade Fe-<br />

<br />

sitário<br />

da Fundação educacional de Barretos<br />

(unIFeB).<br />

Contato: vagnerap2@uol.com.br<br />

Jurandyr C. n. LaCerda neto<br />

doutor em educação pela universidade estadual<br />

de Campinas (unICaMP), Mestre em educação<br />

(unICaMP), Licenciado e Bacharel em<br />

Física (unICaMP). docente no Campus arara-<br />

<br />

Contato: jurandyrl@gmail.com


!<br />

PROBLEMAS GERADORES DE DISCUSSÕES (PGDS) NO LABORATÓRIO<br />

DE FÍSICA PARA CURSOS DE ENGENHARIA<br />

Vágner Ricardo de Araújo Pereira<br />

Jurandyr C. N. Lacerda Neto<br />

RESUMO: O laboratório de Física tem um papel importante na formação do aluno de engenharia.<br />

Além de criar um ambiente propício às discussões sobre os conceitos científicos, suas<br />

construções e o desenvolvimento de habilidades a partir da experimentação, ele também poderia<br />

ser utilizado para aproximar o ambiente acadêmico de problemas reais presentes na sociedade.<br />

Nesse sentido, os Problemas Geradores de Discussões (PGDs) veem ao encontro das Diretrizes<br />

Curriculares Nacionais para os cursos de engenharia (DCNs) propondo uma metodologia que<br />

gera discussões acerca do impacto social, político, ambiental e econômico, presentes no contexto<br />

do problema. Neste artigo, procuramos indicar caminhos para a inserção dessa metodologia no<br />

laboratório de Física, visando contribuir para a aprendizagem do futuro engenheiro, conforme os<br />

anseios da sociedade atual.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Problemas geradores de discussões, laboratório de Física, ensino de<br />

Engenharia.<br />

DISCUSSION GENERATORS PROBLEMS (DGP) IN THE PHYSICS LAB<br />

TO ENGINEERING COURSES<br />

ABSTRACT: The physics lab has an important role in the formation of the engineering student. In<br />

addition to creating an enabling environment for discussions about the scientific concepts, their<br />

construction and development of skills from the experiments, the lab could be used to approximate<br />

the academic environment with real problems in society. Thereby, the discussion generator<br />

problems (DGP) in conformity with the National Curriculum Guidelines for engineering courses<br />

(NCG) propose a methodology which raises questions on the social, political, environmental and<br />

economic situation present in the present context. We tried to indicate ways for the insertion of this<br />

methodology in the physics lab, to contribute to the learning of the future engineer, as it is desired<br />

by today's society.<br />

KEYWORDS: Discussion generator problems, Physics lab, Engineering teaching.<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Out/2012!|!!45!


!<br />

!<br />

VÁGNER RICARDO DE ARAÚJO PEREIRA | JURANDYR C. N. LACERDA NETO<br />

! !<br />

INTRODUÇÃO<br />

A sociedade atual aponta para novas habilidades e competências que o engenheiro deve<br />

possuir em sua atuação profissional comparadas com as estabelecidas em décadas anteriores,<br />

principalmente com relação à constante atualização do profissional, à criatividade e à iniciativa na<br />

busca de soluções para novos problemas, conforme consta da proposta para a modernização da<br />

educação em engenharia no Brasil, Inova Engenharia (SENAI-IEL, 2006).<br />

A sociedade moderna, fortemente influenciada pelo desenvolvimento da Ciência e da<br />

Tecnologia, impõe profundas transformações às atividades escolares. Essa sociedade cada vez<br />

mais informatizada e interconectada requer aprendizagens com maior nível de autonomia,<br />

flexibilidade e autorregulação, devendo estar presentes nos materiais instrucionais as metas<br />

educacionais que preparem os futuros cidadãos para enfrentarem as implicações sociais e éticas<br />

que o impacto tecnológico envolve e capacite-os para a tomada de decisões fundamentadas e<br />

responsáveis (CABOT, 2012).<br />

As diretrizes curriculares nacionais (DCNs) para os cursos de engenharia (BRASIL, 2002),<br />

propõem algumas habilidades e competências que os alunos devem adquirir em sua formação<br />

profissional, dentre elas estão a capacidade de avaliar o impacto das atividades da engenharia no<br />

contexto social e ambiental, compreender e aplicar a ética e a responsabilidade profissionais. Tais<br />

habilidades e competências podem ser consideradas inovadoras se comparadas com as diretrizes<br />

anteriores com forte ênfase nos aspectos técnicos, também importantes, mas não únicos.<br />

Sousa (2006) destaca a elitização do ensino de engenharia em décadas passadas,<br />

classificado-o como genérico, teórico e dogmático, comprometido com a reprodução capitalista.<br />

Hoje esse ensino pode variar desde pretender formar um profissional operacional, mediante um<br />

ensino pragmático, fragmentado e sem oferecer base científica eficaz, até formar um profissional<br />

atualizado, crítico, contestador do modelo atual de desenvolvimento com imensas desigualdades<br />

sociais.<br />

Carletto (2009), baseada nos resultados obtidos em um estudo desenvolvido em cursos de<br />

engenharia, afirma que eles podem tornar-se protagonistas do aprendizado da avaliação de impacto<br />

tecnológico, ocupando-se em selecionar situações significativas para o aluno, relativas à sua<br />

realidade, no caso, os projetos de seus protótipos tecnológicos, oriundos do processo de inovação<br />

tecnológica. Viabiliza-se por meio da problematização e do diálogo com a realidade, a busca e a<br />

identificação de visões de mundo que norteiam aquela problemática, a identificação de<br />

contradições, que em conexão com diferentes áreas do saber, poderão ser trabalhadas a favor de<br />

soluções envolvendo questões técnico-científicas, éticas, sociais, históricas, culturais e ambientais.<br />

Ainda conclui que “o momento atual requisita uma renovação pedagógica a fim de formar o<br />

46$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Out/2012!$


! PROBLEMAS GERADORES DE DISCUSSÕES (PGDS) NO LABORATÓRIO !<br />

! DE FÍSICA PARA CURSOS DE ENGENHARIA<br />

!<br />

profissional cidadão para atender às necessidades de seu tempo e contribuir realmente para um<br />

mundo mais equilibrado e equitativo”.<br />

Nos últimos anos, vários autores têm apontado para a necessidade de se prestar mais<br />

atenção ao ensino sobre tecnologia na formação científica do aluno, como afirma Acevedo Díaz,<br />

et al (2005). O movimento CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) propõe uma alfabetização<br />

científica e tecnológica para todas as pessoas. Assim, é cada vez mais importante relacionar o<br />

conhecimento científico com os desenvolvimentos tecnológicos e inovações. Desta forma, as<br />

concepções dos professores sobre os significados de tecnologia e sua relação com a ciência<br />

podem criar certas dificuldades.<br />

Oliveira (2009) realizou uma pesquisa com o objetivo de estabelecer estratégias de ensino<br />

e aprendizagem de Física em um curso de Engenharia. Ele afirma que a falta de motivação por<br />

parte dos alunos, especificamente em cursos de Engenharia, vem do fato de que a Física é<br />

tratada como uma disciplina propedêutica e o consequente insucesso escolar é um problema que<br />

os professores de Física e os pesquisadores enfrentam atualmente. O ensino superior ainda é<br />

muito centrado na figura do professor, sendo o seu principal papel o de transmitir conhecimento e,<br />

com isso, os níveis de interação professor-aluno são baixos.<br />

Cruz e Silva (2009) afirmam que os resultados obtidos no ensino de Física são<br />

preocupantes, pois os alunos veem apresentando características bem definidas, ou seja, são<br />

acadêmicos que possuem conhecimento através de fórmulas, não questionam sobre sua validade,<br />

não apresentam interesse pelo aprendizado e, geralmente, querem obter rapidamente um diploma<br />

universitário.<br />

Disciplinas específicas das áreas de ciências humanas e sociais normalmente são<br />

consideradas, pelos alunos de cursos de ciências exatas e tecnologia, de pouca importância para<br />

a sua formação. Dessa forma, integrar temas daquelas áreas em disciplinas específicas dos<br />

cursos de engenharia, como por exemplo, em Física, pode gerar resultados mais produtivos em<br />

termos da formação desses profissionais, tornando-os mais aptos a considerarem aspectos<br />

sociais e humanos em suas tomadas de decisão, desenvolvendo o hábito de discutir e criticar<br />

assuntos muitas vezes polêmicos na sociedade.<br />

Cremos que podemos avançar em relação aos dois problemas citados acima introduzindo,<br />

no laboratório de Física, alguns Problemas Geradores de Discussões (PGDs), como parte<br />

integrante das práticas já existentes em cada instituição de ensino.<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Out/2012!|!!47!


!<br />

!<br />

VÁGNER RICARDO DE ARAÚJO PEREIRA | JURANDYR C. N. LACERDA NETO<br />

! !<br />

OS PROBLEMAS GERADORES DE DISCUSSÕES (PGDS)<br />

A metodologia dos Problemas Geradores de Discussões (PGDs) foi proposta por Machado<br />

(2009), em sua dissertação de mestrado, que analisou os efeitos dessa metodologia no processo<br />

de formação do aluno de engenharia, através do ensino de Física. Ele apresentou, em seu<br />

trabalho, três PGDs, O custo da mão de obra na produção do pão, Aparelho de ginástica e Esteira<br />

transportadora, que foram utilizados na coleta de dados entre alunos de engenharia de uma<br />

instituição pública de ensino. Na construção dessa metodologia foram considerados três aspectos,<br />

as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de engenharia (DCNs), as aplicações<br />

educacionais do movimento CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) e o ensino baseado na<br />

resolução de problemas.<br />

Machado (op. cit.) elaborou um manual para a construção e aplicação de PGDs na<br />

disciplina de Física em cursos de engenharia, com o objetivo de maximizar sua eficácia. A seguir,<br />

apresentamos, resumidamente, algumas ideias:<br />

• É importante que o professor exija do aluno, durante o desenvolvimento de todas as<br />

atividades, uma postura muito próxima do que o aluno teria em um ambiente profissional.<br />

• A atividade proposta aos alunos deve sempre estar baseada em um problema real e do<br />

cotidiano profissional dos mesmos, ao mesmo tempo em que deve estar relacionada à<br />

conhecimentos previamente desenvolvidos pela disciplina em que foi inserida, podendo, ou<br />

não, ser parte do processo de avaliação do aluno durante o curso.<br />

• Como parte dos ideais dessa metodologia, as atividades devem ser estruturadas com o<br />

intuito de despertar no aluno o pensamento crítico a respeito de um problema real em suas<br />

várias esferas: social, ambiental, tecnológica, ética, etc.; além de exigir do mesmo a<br />

utilização prática de conceitos científicos para a resolução do problema, que vão além da<br />

aplicação de fórmulas e conceitos memorizados.<br />

• As atividades devem ser propostas aos alunos sempre sem um guia ou procedimento<br />

padrão para a realização da mesma, cabendo a estes toda a estruturação do raciocínio<br />

necessário para se chegar à resposta desejada.<br />

• Os trabalhos devem ser feitos em grupos para que, durante o desenvolvimento do mesmo,<br />

haja um processo de aprendizagem coletiva frente aos embates de ideias e conceitos que<br />

cada um dos alunos possui. Deve-se tomar certo cuidado para que estes grupos não se<br />

tornem pequenos demais, frustrando as discussões e sobrecarregando seus integrantes,<br />

nem grandes demais para gerar elementos ociosos dentro do grupo. Em cada caso, o<br />

professor deve ter consciência das atividades propostas para prever quantos integrantes<br />

cada grupo deverá possuir.<br />

48$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Out/2012!$


! PROBLEMAS GERADORES DE DISCUSSÕES (PGDS) NO LABORATÓRIO !<br />

! DE FÍSICA PARA CURSOS DE ENGENHARIA<br />

!<br />

• Durante o desenvolvimento do PGD deve haver um espaço de tempo reservado para que<br />

os alunos elaborem seus pré-relatórios descrevendo todas as ações tomadas por seu<br />

grupo frente ao problema. Para o encerramento do processo também deve ser exigido um<br />

Relatório Final individual para que cada aluno expresse as dificuldades encontradas<br />

durante as atividades e as respectivas estratégias para a solução dos problemas. Sugerese<br />

que no Relatório Final seja exigido que o aluno registre sua opinião de como as<br />

discussões e atividades práticas modificaram ou fortaleceram os conhecimentos científicos<br />

que os mesmos possuíam, ajudando o professor a avaliar a eficácia da atividade aplicada.<br />

• O professor deve ser elemento passivo em muitos momentos do trabalho deixando os<br />

alunos, mesmo que tomando caminhos equivocados, estruturarem raciocínios próprios<br />

para tentarem chegar à resposta. O professor só deve se pronunciar no momento de<br />

discussão no grande grupo, no qual ele deve guiar a discussão e fazer os esclarecimentos<br />

necessários.<br />

PROPOSTA PARA A UTILIZAÇÃO DE PGDS NO LABORATÓRIO DE FÍSICA<br />

Na maioria das vezes, as instituições de nível superior, contam com um conjunto de<br />

experimentos elaborados para o ensino de Física destinado aos cursos de Engenharia, em função<br />

dos equipamentos disponíveis para tal finalidade.<br />

A utilização de tais experimentos pode seguir diversas metodologias, desde as mais<br />

tradicionais, em que o aluno desenvolve a prática como uma “receita de bolo”, sem muita<br />

liberdade para tomar decisões, cujo objetivo é o de verificar um fenômeno físico, até métodos não<br />

diretivos, em que o objetivo é descobrir um fenômeno, sendo para isso necessário o domínio do<br />

método científico, muitas vezes tido como objetivo principal no laboratório didático. A avaliação do<br />

melhor método não nos parece muito simples, diante da realidade de cada instituição.<br />

Alves Filho (2000), analisando historicamente a forma com que o laboratório didático de<br />

Física foi, e talvez ainda seja, utilizado no processo de ensino chegou a algumas conclusões,<br />

dentre elas, a de que o laboratório didático para ser elemento importante do processo de ensino e<br />

aprendizagem de ciências, particularmente da Física, deve ser alvo de uma metodologia diferente<br />

daquela que o introduziu no processo de ensino com o objetivo exclusivo de apresentar o método<br />

experimental.<br />

De acordo com o autor, devemos buscar uma função real para o laboratório didático e para<br />

suas atividades experimentais no processo de ensino-aprendizagem e não mais deixá-lo como<br />

apêndice do processo como ocorre atualmente.<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Out/2012!|!!49!


!<br />

!<br />

VÁGNER RICARDO DE ARAÚJO PEREIRA | JURANDYR C. N. LACERDA NETO<br />

! !<br />

A utilização dos PGDs no laboratório didático de Física vem no sentido de rever os<br />

conceitos presentes em algumas práticas, criando momentos de discussões em um ambiente com<br />

menor número de alunos, propiciando melhores condições para suas manifestações. E ainda,<br />

mostrando que tais conceitos podem ser utilizados para resolver problemas do cotidiano e<br />

também relacionar com aspectos sociais, políticos, ambientais etc., indicando que a Ciência não é<br />

neutra e está relacionada com os interesses da sociedade.<br />

O quadro 1, a seguir, apresenta um PGD que elaboramos para ser utilizado após<br />

experimentos que tratam de movimento retilíneo. Ele foi inspirado nos trabalhos de Machado<br />

(2009), ou seja, foi construído com a mesma estrutura proposta originalmente, entretanto,<br />

abordando outro tema. Como se pode observar, ele é constituído de três partes, uma que trata<br />

dos conceitos científicos, chamada de formação profissional, a que apresenta o problema gerador<br />

e a etapa que sugere discussões sobre o impacto ambiental, ético, político e econômico do<br />

projeto, chamada de formação para a cidadania.<br />

Formação<br />

profissional<br />

Problema<br />

gerador<br />

Atividade 1:<br />

1.1. O que é aceleração?<br />

1.2. Como é possível determinar a aceleração de um corpo no laboratório? Descreva um<br />

plano de atividades experimentais supondo a aceleração constante.<br />

1.3. Conhecendo o gráfico da velocidade em função do tempo de movimento de um<br />

veículo, como é possível determinar o seu deslocamento?<br />

Atividade 2:<br />

A figura 1 mostra a imagem de um trem bala semelhante ao que será utilizado no trajeto<br />

Campinas – Rio de Janeiro. Sua velocidade máxima é cerca de 300 km/h.<br />

50$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Out/2012!$<br />

Figura 1. Imagem de um trem-bala.<br />

2.1. Faça um gráfico da velocidade do trem em função do tempo, considerando que sua<br />

aceleração (ou desaceleração) é de 1,5 m/s 2 e que ele fique parado 2 min. em cada<br />

estação no percurso Campinas – Rio de Janeiro, de acordo com a figura 2, mostrada a<br />

seguir. Considere apenas as estações planejadas (indicadas pelas setas). Despreze as<br />

estações de Viracopos, de Guarulhos e a do Galeão. Suponha que a velocidade máxima<br />

seja de 288 km/h.


! PROBLEMAS GERADORES DE DISCUSSÕES (PGDS) NO LABORATÓRIO !<br />

! DE FÍSICA PARA CURSOS DE ENGENHARIA<br />

!<br />

Formação<br />

para a<br />

cidadania<br />

Figura 2. Trajeto proposto para o trem-bala brasileiro.<br />

2.2. Proponha a ampliação de uma linha de Campinas até Barretos, com uma estação em<br />

São Carlos. Qual seria o tempo dessa viagem? Mostre em um gráfico de velocidade em<br />

função do tempo.<br />

Atividade 3:<br />

3.1. Cite três fatores positivos para a implantação do projeto do trem-bala brasileiro.<br />

3.2. Cite três fatores negativos para a implantação do projeto do trem-bala brasileiro.<br />

3.3. O grupo é a favor da implantação do trem-bala brasileiro? Justifique em termos de<br />

custos, benefícios e o seu impacto ambiental.<br />

3.4. Proponha uma forma de transporte alternativo ao trem-bala, no referido trajeto<br />

proposto pelo governo, compare em termos de custos, benefícios e o seu impacto<br />

ambiental.<br />

3.5. O grupo substituiria o investimento que será gasto no projeto do trem-bala brasileiro<br />

por outro grande projeto? Justifique.<br />

Quadro 1. PGD – Trem-bala Brasileiro. Autoria: Prof. Vágner Ricardo A. Pereira.<br />

O PGD, Trem Bala Brasileiro, apresentado neste artigo, foi elaborado com o objetivo de<br />

proporcionar reflexões acerca de conceitos discutidos nas aulas de Física I, e suas relações com<br />

situações do cotidiano, além de levar aos alunos do curso de Engenharia Civil, de uma instituição<br />

particular do interior do Estado de São Paulo, o conhecimento desse projeto.<br />

A escolha desse problema levou em consideração a área de interesse do aluno<br />

procurando motivá-lo para a resolução do mesmo, além de criar um ambiente propício para<br />

discussões com aspectos do movimento CTS, ou seja, considerando-se o impacto ambiental,<br />

social, político, econômico do projeto.<br />

A apresentação desse problema em sala de aula, em caráter exploratório, enfrentou<br />

algumas dificuldades. A turma possuía um elevado número de alunos, cerca de oitenta,<br />

prejudicando a participação de todos nas discussões, principalmente aqueles mais tímidos. Alguns<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Out/2012!|!!51!


!<br />

!<br />

VÁGNER RICARDO DE ARAÚJO PEREIRA | JURANDYR C. N. LACERDA NETO<br />

! !<br />

alunos não participaram de todas as etapas, divididas em três, denominadas: formação<br />

profissional, problema gerador e formação para a cidadania, conforme estabelecido por Machado<br />

(op. cit.) e citado anteriormente. O pequeno número de aulas semanais, duas, o compromisso<br />

com o cumprimento do programa da disciplina, a falta de experiência em resolver problemas com<br />

esse tipo de estrutura, o baixo envolvimento de alguns alunos em uma atividade cuja influência<br />

em sua nota seria baixa, também foram percebidos pelo professor.<br />

Considerando esses aspectos, propusemos a utilização de PGDs no laboratório de Física,<br />

pois o número de alunos é menor, cerca de 30, estão normalmente divididos em grupos, criando<br />

um ambiente propício às discussões, resolvendo, assim, alguns problemas observados.<br />

Uma segunda aplicação foi realizada, ainda em caráter exploratório, em uma turma do<br />

curso de Engenharia de Alimentos, da mesma instituição de ensino, uma turma menor, cerca de<br />

30 alunos, no laboratório. Nesse caso, o ambiente estava adequado às discussões, entretanto, o<br />

tema não tinha muita relação com o curso. Desta forma, houve uma preocupação por parte do<br />

professor em explicar o motivo da aplicação de tal PGD, motivando-os para a sua resolução, pois,<br />

como afirmam Cardoso e Bzuneck (2004), a motivação no ensino superior é claramente<br />

influenciada por contextos específicos, enquanto percebidos pelos alunos, sendo que<br />

determinadas ações do professor para socializar os acadêmicos são muito importantes tanto para<br />

a motivação quanto em relação às estratégias de aprendizagem.<br />

Guimarães e Boruchovith (2004), baseados em diversos autores, também afirmam que a<br />

motivação intrínseca do aluno não é resultado de treinamento, mas pode ser influenciada<br />

principalmente pelas ações do professor, ou seja, o nível de envolvimento do estudante é<br />

influenciado, dentre outros fatores, pelo contexto instrucional.<br />

Após o desenvolvimento de atividades práticas que tratavam de movimento retilíneo, foi<br />

realizada uma discussão acerca das novas habilidades e competências que o engenheiro desse<br />

século deve dominar, visando uma boa formação profissional, conforme constam das Diretrizes<br />

Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de engenharia no Brasil. Com essa discussão,<br />

pode-se notar o envolvimento, por parte dos alunos, na execução das tarefas propostas, cabendo<br />

uma pesquisa detalhada a ser realizada considerando a motivação do aluno na resolução de<br />

determinados problemas, em certos conteúdos específicos, em função de sua área de interesse<br />

relacionada com o curso escolhido.<br />

Com essa metodologia, <strong>aqui</strong> adaptada para a realidade de uma instituição privada do<br />

interior do Estado de São Paulo, busca-se contribuir para a melhoria da situação de<br />

ensino/aprendizagem em Ciência que encontramos atualmente em cursos de engenharia e,<br />

arriscamos dizer, em vários outros também, ou seja, um ensino fortemente centrado na figura do<br />

professor, o pequeno interesse demonstrado pelos alunos às ciências exatas e naturais, o<br />

52$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Out/2012!$


! PROBLEMAS GERADORES DE DISCUSSÕES (PGDS) NO LABORATÓRIO !<br />

! DE FÍSICA PARA CURSOS DE ENGENHARIA<br />

!<br />

fracasso escolar de um grande número de alunos, a alta taxa de evasão em cursos de<br />

engenharia, dentre outros, conforme constam em pesquisas da área.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Os problemas geradores de discussões (PGDs) poderiam acrescentar novas ideias às<br />

metodologias utilizadas no laboratório didático, trazendo-as para mais perto dos objetivos traçados<br />

pelas diretrizes curriculares, levando em conta aspectos sociais, políticos, éticos, ambientais etc.,<br />

em sua elaboração, mostrando ao aluno a capacidade que o conhecimento científico tem em<br />

resolver problemas reais e, ainda, que tal conhecimento não é algo neutro ou descontextualizado,<br />

como pode parecer na simples resolução de exercícios propostos em aula.<br />

O laboratório talvez seja o ambiente mais adequado para a sua implantação, pois os<br />

alunos naturalmente estão divididos em equipes, em um número menor do que na sala de aula<br />

convencional, facilitando, assim, a orientação das discussões por parte do professor.<br />

Concluímos que vários outros PGDs podem ser elaborados e integrados de acordo com a<br />

realidade de cada instituição, tanto em termos do programa curricular das disciplinas quanto em<br />

relação aos equipamentos disponíveis no laboratório.<br />

A utilização dos PGDs no laboratório de Física abre perspectivas de pesquisa em temas<br />

como, por exemplo, sua influência no desempenho dos alunos nas disciplinas de Física em cursos<br />

de engenharia, a visão dos professores de Física sobre sua aplicabilidade, a visão do aluno sobre<br />

os PGDs, a relação entre o PGD e determinado curso de engenharia etc. Apresentamos <strong>aqui</strong><br />

algumas ideias que podem ser ampliadas com discussões entre os professores preocupados com<br />

a melhoria do ensino em cursos de engenharia e pesquisas futuras.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

ACEVEDO DÍAZ, J. A., VASQUEZ ALONSO, A., MANASSERO MAS, M. A. e ACEVEDO<br />

ROMERO, P. Aplicación de una nueva metodologia para evaluar las creencias del<br />

profesorado sobre la tecnologia y sus relaciones con la ciência. Educación Química. Vol. 16,<br />

n. 3. Julho, 2005.<br />

ALVES FILHO, JOSÉ DE PINHO. Regras da transposição didática aplicadas ao laboratório<br />

didático. Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 17, n. 2, ago. 2000.<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Out/2012!|!!53!


!<br />

!<br />

VÁGNER RICARDO DE ARAÚJO PEREIRA | JURANDYR C. N. LACERDA NETO<br />

! !<br />

BRASIL. CNE/CES 11, de 11 de março de 2002, que institui as Diretrizes Curriculares<br />

Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia. Brasília: Ministério da Educação, 2002.<br />

Disponível em . Acesso em<br />

18/08/2011.<br />

CABOT, ESPERANZA. A. Una alternativa didáctica para el perfeccionamento del processo<br />

de Enseñanza-Aprendizaje de las Ciencias. Revista Iberoamericana de Educacion. No. 58, pp.<br />

81-97. 2012. Disponível em: . Acesso em 24/04/2012.<br />

CARDOSO, L. R. e BZUNECK, J. A. Motivação no Ensino Superior: Metas de Realizações e<br />

Estratégias de Aprendizagem. Psicologia Escolar e Educacional, vol. 8, n. 2, p. 145 – 155. 2004.<br />

CARLETTO, MÁRCIA R. Avaliação de impacto tecnológico: Alternativas e desafios para a<br />

educação crítica em Engenharia. Tese de doutorado. UFSC. Florianópolis. 294p. 2009.<br />

CRUZ, G. K. e SILVA, S. L. R. Reflexões para a composição de uma metodologia para o<br />

Ensino de Física. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia. Vol. 2, n. 1. Jan./Abr. 2009.<br />

GUIMARÃES, S. E. R. e BORUCHOVITCH, E. O Estilo Motivacional do Professor e a<br />

Motivação Intrínseca dos Estudantes: Uma Perspectiva da Teoria da Autodeterminação.<br />

Psicologia: Reflexão e Crítica. Vol. 17, n. 2, pp. 143 – 150. 2004.<br />

MACHADO, V. Problemas geradores de discussões, uma metodologia para o ensino de<br />

Física em cursos de engenharia. Trabalho desenvolvido no Mestrado Profissional em Ensino de<br />

Ciência e Tecnologia. UTFPR. Ponta Grossa. 2009.<br />

OLIVEIRA, P. J. C. Ensino da Física num Curso Superior de Engenharia. Na Procura de<br />

Estratégias Promotoras de uma Aprendizagem Activa. Tese de Doutorado. Universidade de<br />

Aveiro. Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa. 2009<br />

SENAI-IEL. Inova Engenharia: Proposta para a modernização da Educação em Engenharia<br />

no Brasil. Instituto Euvaldo Lodi. 2006.<br />

SOUSA, A. C. G. Os avanços e retrocessos na discussão das diretrizes curriculares e os<br />

desafios atuais. Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia – COBENGE. p.<br />

4.57 – 4.67. 2006.<br />

54$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Out/2012!$


E n s i n o<br />

inFoRMÁTiCa eduCaTiva na Zona RuRal:<br />

a eXPeRiÊnCia na CoMunidade sÃo PedRo eM<br />

BReves-MaRaJÓ-Pa<br />

Claudenildo da silva ladislau<br />

graduado em Pedagogia pela universidade<br />

Federal do Pará (uFPa). Professor de infor-<br />

<br />

Contato: nildo_breves@hotmail.com<br />

Ronaldo de oliveiRa RodRigues<br />

Mestre em Ciências da Comunicação pela universidade<br />

Federal do Pará (uFPa). Professor assistente<br />

da Faculdade de educação e Ciências<br />

Humanas, Campus do Marajó-Breves da universidade<br />

Federal do Pará (uFPa).<br />

Contato: rrodrigues@ufpa.br


INFORMÁTICA EDUCATIVA NA ZONA RURAL: A EXPERIÊNCIA NA<br />

COMUNIDADE SÃO PEDRO EM BREVES-MARAJÓ-PA 1<br />

Ronaldo de Oliveira Rodrigues<br />

Claudenildo da Silva Ladislau<br />

RESUMO: O presente estudo trata do tema Informática na aprendizagem, considerando o uso do<br />

computador em escolas da zona rural. A escola São Pedro, localizada na zona rural do município<br />

de Breves-PA, foi contemplada, no ano de 2010, com equipamentos de informática e é o foco<br />

desta pesquisa, que leva em consideração a percepção de professores e membros da<br />

comunidade acerca dos usos que estão sendo feitos em relação à sala de informática.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Informática na aprendizagem; Computador; Zona rural; Escola.<br />

COMPUTER EDUCATION IN RURAL AREA: THE EXPERIENCE IN THE<br />

COMMUNITY OF SÃO PEDRO IN BREVES-MARAJÓ-PARÁ<br />

ABSTRACT: The present study deals with the topic of computer education, considering the use of<br />

computers in rural schools. São Pedro School, located in the rural city of Breves-PA, was awarded,<br />

in 2010, with computer equipments and it is the focus of this research, which takes into account the<br />

perception of teachers and community members about the uses that are being made in relation to<br />

the computer classroom.<br />

KEYWORDS: Computer education; Computers; Rural area; School.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A informática no processo de aprendizagem é um tema que vem ganhando grande<br />

notoriedade. À medida que o computador foi se popularizando e fazendo parte da vida das<br />

pessoas, sua utilização no campo pedagógico passou a ser discutida de tal modo que parece ter<br />

se tornado consenso entre autores e pesquisadores da área que a escola, seja na zona urbana ou<br />

1 Texto elaborado com base na pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso de Claudenildo da Silva<br />

Ladislau, intitulada Informática na Aprendizagem Escolar: um estudo sobre o Pacote Educacional Gcompris<br />

em uma escola rural do município de Breves-PA, sob orientação do Professor Ronaldo de Oliveira<br />

Rodrigues. O trabalho atendeu aos requisitos normativos do Curso de Pedagogia da Faculdade de<br />

Educação e Ciências Humanas-Campus Universitário do Marajó/Breves da Universidade Federal do Pará.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((57(


!<br />

!<br />

RONALDO DE OLIVEIRA RODRIGUES | CLAUDENILDO DA SILVA LADISLAU<br />

! !<br />

na zona rural, precisa estar preparada para lidar com o desafio de incorporar esse recurso ao<br />

processo de ensino-aprendizagem dos alunos.<br />

A política de abrangência à zona rural por parte do Programa Nacional de Informática na<br />

Educação (PROINFO), que hoje é vinculado à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,<br />

Diversidade e Inclusão (SECADI) do Ministério da Educação/Brasil (MEC), está estabelecendo<br />

uma nova dinâmica ao processo ensino-aprendizagem nas escolas rurais.<br />

A escola São Pedro faz parte dessa realidade. A mesma foi contemplada no ano de 2010 para<br />

ser equipada com um laboratório de informática 2 composto por uma CPU 3 e cinco terminais<br />

(monitores), além de uma impressora. O início das atividades ocorreu no segundo semestre de 2011.<br />

Vale lembrar que dos 80 laboratórios contemplados no ano de 2010 para a zona rural do<br />

município de Breves, 23 estão instalados, porém, até maio de 2012, apenas dois estavam<br />

funcionando, um na escola Wilson Mainardi e outro na escola São Pedro. Além da recente<br />

chegada do computador nas escolas da zona rural, a experiência profissional, dos autores desta<br />

pesquisa, em relação ao tema (ambos já exerceram a função de professor de informática<br />

educativa) contribuiu para o interesse nesse estudo.<br />

A necessidade de debate sobre o tema, assim como a de conhecimento sobre as<br />

estratégias e metodologias adotadas com o intuito de conhecer como se deu o início da<br />

implantação dessa proposta na zona rural e as possíveis alternativas de mudanças visando<br />

colaborar para a melhor realização do processo foram questões que balizaram essa pesquisa.<br />

Os questionamentos norteadores foram: como a informática vem sendo inserida no<br />

processo de aprendizagem dos alunos da escola São Pedro? O que tem mudado no cotidiano da<br />

escola a partir da chegada dos equipamentos de informática? Para aproximação da realidade<br />

foram realizadas entrevistas estruturadas com três professores, coordenação pedagógica e<br />

também com a representante dos moradores da comunidade, além dos líderes comunitários, que<br />

são dois (um no campo religioso e outro que trata de assuntos gerais da comunidade). Ressaltase<br />

que os colaboradores da pesquisa serão identificados com as letras iniciais de seu nome.<br />

1. A COMUNIDADE SÃO PEDRO<br />

Inaugurada em 12 de junho de 1974, a comunidade São Pedro, considerada uma<br />

comunidade tradicional 4 , com acesso pela PA-159, vicinal 3, está situada às margens do Rio<br />

2 Neste trabalho Laboratório de Informática e Sala de Informática são usados no mesmo sentido.<br />

3 Unidade Central de Processamentos, popularmente conhecida como gabinete.<br />

4 O Decreto nº 6.040 de 07 de fevereiro de 2007 (BRASIL), que institui a Política Nacional de<br />

Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), dispõe em seu Artigo 3º,<br />

Inciso I, que são considerados Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e<br />

que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam<br />

58$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($


!<br />

!<br />

INFORMÁTICA EDUCATIVA NA ZONA RURAL: A EXPERIÊNCIA NA COMUNIDADE SÃO PEDRO EM BREVES-MARAJÓ-PA<br />

! !<br />

Pararijós e fica 20 km do centro da cidade de Breves-PA. Considerando esta referência, em<br />

média, o tempo de acesso ao local é de 30 minutos pela estrada ou três horas via marítima, em<br />

que a distância pode chegar a 100 km ou mais, segundo estimativas dos próprios moradores.<br />

Por terra ou pelas águas essa distância parece dobrar, dado que por terra, no verão, há<br />

um volume muito denso de areia que se concentra na maior parte do trajeto; no inverno, o acesso<br />

fica ainda mais complicado em função das poças e pequenos lagos que se formam, bem como a<br />

maior parte do trajeto torna-se bastante escorregadia.<br />

Pelas águas, seja verão, seja inverno, a dificuldade é que em alguns trechos do rio<br />

somente embarcações bem pequenas pode passar. Acrescenta-se ainda a forte correnteza das<br />

marés.<br />

Para as pessoas da cidade a comunidade funciona como um balneário e é apenas um<br />

local de di<strong>versão</strong>. Já para os moradores do local há uma distinção que precisa ser feita, como no<br />

depoimento do líder religioso da comunidade:<br />

Muitas pessoas da cidade ainda não se deram conta de que esse espaço é o local<br />

de vivência de outras pessoas. A abertura da estrada foi muito bom, inclusive para<br />

nós, mas de alguma maneira nos tirou a privacidade. Agora muitos moradores<br />

d<strong>aqui</strong> já começaram a fazer cercados em volta de suas casas. Era uma coisa que<br />

antes era impensável e agora é aceitável porque muitas vezes quando vem outras<br />

pessoas da cidade que a gente não conhece, geralmente tem gente d<strong>aqui</strong><br />

viajando [...] e aí fica difícil né (BFC, 32 anos).<br />

A abertura da estrada que dá acesso à comunidade, bem como a chegada da energia<br />

elétrica se deu na transição do final da década de 1990 para o início do ano 2000, por iniciativa da<br />

prefeitura.<br />

Em relação à educação, a escola Municipal<br />

de Educação Infantil e Fundamental São Pedro,<br />

fundada no dia 29 de Junho de 1985, funcionou<br />

durante muito tempo em um prédio de madeira com<br />

apenas duas salas. Foi reinaugurada no dia 29 de<br />

Junho de 2010 (25 anos depois) quando foi<br />

contemplada com a construção de um novo prédio<br />

(em alvenaria) e com novas instalações. Agora conta<br />

com quatro salas de aula, uma copa, dois<br />

banheiros para alunos e um para professores,<br />

Imagem 1 – Escola São Pedro<br />

Fonte: Acervo dos pesquisadores<br />

territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e<br />

econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((59(


!<br />

!<br />

RONALDO DE OLIVEIRA RODRIGUES | CLAUDENILDO DA SILVA LADISLAU<br />

! !<br />

uma sala de informática, uma biblioteca, uma secretaria e um alojamento para professores (que<br />

fica ao lado da escola). Em 2011 atendeu 146 alunos regularmente matriculados.<br />

A escola São Pedro funciona nos períodos matutino, vespertino e noturno atendendo<br />

Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Tem o quadro de<br />

funcionários fixos composto por três professores de Ensino Fundamental, dois serventes; um<br />

zelador; um Professor de Informática e uma coordenadora pedagógica.<br />

Segundo a professora ALC, coordenadora da escola e que também exerce função<br />

administrativa, devido a não existência de cargo de diretor(a), a escola possui alguns projetos<br />

importantes como o projeto de leitura, plantão pedagógico, projeto integração família na escola e<br />

o projeto cidadania.<br />

Por meio dessas parcerias, além do apoio de profissionais da área da saúde e de técnicos<br />

em educação do município, a escola vem tentando mudar a concepção de educação que durante<br />

muito tempo prevaleceu na comunidade (a de que não havia razões suficientes para se passar<br />

anos na escola). Esses profissionais realizam palestras com as famílias, com o objetivo de<br />

sensibilizá-las quanto à importância que a educação tem para a vida das pessoas. Atualmente,<br />

por exemplo, já não se vê na comunidade os pais levarem seus filhos para trabalhar, pois o foco<br />

passou a serem os estudos, isso se deu graças à mudança de concepção das famílias com<br />

relação à educação, o que já vem ocorrendo na comunidade há alguns anos.<br />

Por se tratar de uma escola polo 5 , a nova escola São Pedro atende não só alunos que<br />

residem na própria comunidade, mas também alunos que moram às margens do rio Pararijós e<br />

em comunidades vizinhas. As crianças são transportadas em barcos de madeira de pequeno e<br />

médio porte alugados pela Prefeitura Municipal de Breves; a capacidade de lotação desses<br />

barcos varia de 30 a 70 passageiros.<br />

Os barcos são de propriedade de moradores da comunidade local e vizinhas que recebem<br />

um valor mensal em dinheiro de R$ 500,00 (quinhentos reais) referente ao aluguel do mesmo.<br />

Vale ressaltar que a mão de obra do tripulante não é remunerada, pois por se tratar do dono do<br />

barco esta pessoa tem a responsabilidade de realizar o transporte dos alunos.<br />

Embora a escola tenha sido contemplada com uma nova estrutura física, com mais salas<br />

de aula, ainda não foi possível eliminar algo que é bastante comum das escolas do campo, as<br />

classes multisseriadas, que atendem alunos de anos/séries diferentes em uma única turma. Já<br />

que a organização das aulas na sala de informática respeita a formação das turmas de sala de<br />

aula, então o atendimento também se dá de maneira multisseriada.<br />

5<br />

Escola Polo é uma escola que apresenta estrutura física (geralmente em alvenaria) e organizacional para<br />

atender alunos de várias comunidades.<br />

60$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($


!<br />

!<br />

INFORMÁTICA EDUCATIVA NA ZONA RURAL: A EXPERIÊNCIA NA COMUNIDADE SÃO PEDRO EM BREVES-MARAJÓ-PA<br />

! !<br />

2. A SALA DE INFORMÁTICA NA ESCOLA SÃO PEDRO<br />

A recente chegada do computador na escola São Pedro, que ocorreu em 2010, é motivo<br />

de grande expectativa entre os moradores da comunidade, ribeirinhos e comunidades vizinhas,<br />

principalmente no que diz respeito ao acesso à rede mundial de computadores (Internet), fato que<br />

ainda não é possível. Contudo, segundo informações da Coordenação de Informática Educativa –<br />

Breves (COINFE) a escola já foi inserida no programa Gesac 6 e aguarda a instalação de uma<br />

antena de internet via satélite.<br />

As aulas de informática iniciaram-se no mês de Setembro de 2011 e atende todos os<br />

alunos regularmente matriculados na Educação Infantil e Fundamental I. Perguntada sobre a<br />

concepção da comunidade a respeito do uso do computador na escola, a representante dos<br />

moradores responde:<br />

É muito importante [...] foi até eu numa reunião que reivindiquei para a diretora<br />

[coordenadora] o uso do computador, porque nós já tínhamos esse equipamento.<br />

Há mais de um ano já estava na escola, mas não estava funcionando por motivo<br />

de forças maiores. Falei que a gente queria que a informática funcionasse porque<br />

ajudaria muito os alunos, pois também fui aluna dessa escola. Conclui a 8ª série<br />

em fevereiro de 2011 e a gente sentia muita dificuldade para fazer uma pesquisa.<br />

A informática está aí, mas ninguém d<strong>aqui</strong> tem acesso à internet, que é o mais<br />

importante, porque quando a gente vai fazer um trabalho de escola a gente sente<br />

muita dificuldade em encontrar um material para ajudar a fazer o trabalho. Então,<br />

com a chegada da informática tudo melhora pra gente. Hoje eu já tenho um filho e<br />

uma filha que já estão estudando informática e eles chegam em casa numa<br />

expectativa muito grande dizendo: – olha mamãe eu fiz isso no computador e eu<br />

gostei muito. Isso pra mim é muito bom (MBS, 45 anos).<br />

O depoimento desta moradora aponta para duas situações. Primeiramente trata do<br />

descaso, por parte dos órgãos competentes (Prefeitura Municipal, Secretaria de Educação e<br />

Coinfe), com relação à utilização do computador nessa escola, pois apesar do recurso já estar<br />

presente, precisou-se de um tempo de um ano para que pudesse vir a funcionar. A segunda<br />

situação, decorrente da primeira, relaciona-se ao fato de que a demora na utilização do<br />

equipamento gerou uma expectativa ainda maior em relação ao uso da sala de informática. Essa<br />

demora na utilização apenas contribuiu para reforçar o imaginário de que o uso do computador é<br />

de tamanha grandeza que não pode ser operado por qualquer pessoa, e em outras situações ou<br />

localidades isso poderia despertar certo medo em operá-lo, o que não foi o caso em São Pedro.<br />

6 Coordenado pelo Ministério das Comunicações por meio do Departamento de Infraestrutura para Inclusão<br />

Digital, o Programa Gesac oferece conexão de internet via satélite e terrestre à telecentros, com o objetivo<br />

de promover a inclusão digital em todo o território brasileiro. O Programa é direcionado, prioritariamente,<br />

para comunidades em estado de vulnerabilidade social, em todos os estados brasileiros, privilegiando as<br />

cidades do interior, sem telefonia fixa e de difícil acesso. Por meio dele, é disponibilizada a infraestrutura<br />

fundamental para a expansão de uma rede. (Disponível em http://www.gesac.gov.br/, acesso em<br />

11/02/2012)<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((61(


!<br />

!<br />

RONALDO DE OLIVEIRA RODRIGUES | CLAUDENILDO DA SILVA LADISLAU<br />

! !<br />

Mesmo que a Internet ainda não seja uma realidade na escola São Pedro percebe-se, no<br />

depoimento da representante dos moradores, preocupação com relação ao uso adequado dos<br />

recursos existentes nesse recurso:<br />

62$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($<br />

Tem uns que dizem que atrapalha, sim ela pode atrapalhar, mas se você não<br />

souber usar. Porque lá 7 , está o bom, o ruim e o pior, mas tudo de melhor também<br />

tem lá, e eu como mãe eu tenho que orientar meus filhos dizendo: você vai lá pra<br />

internet e vai fazer isso e isso, que seja certo e que seja bom pra você (MBS, 45<br />

anos).<br />

A sala de informática conta apenas com um professor. Devido a isso não é possível<br />

atender todos os alunos matriculados. Quanto à estrutura, a sala de Informática tem a dimensão<br />

de 25 m 2 e não possui ventilação e/ou climatização adequada, o que dificulta ainda mais os<br />

trabalhos nesse ambiente.<br />

No segundo semestre de 2011 quando foi inaugurada, a sala de informática funcionou<br />

quase que somente no período matutino, com exceção de uma turma que era atendida no período<br />

vespertino, perfazendo um total de 70 alunos atendidos.<br />

É importante lembrar que a instalação de computadores e a preparação para o início das<br />

aulas não contou com o apoio da Coinfe, tomando o professor de Informática juntamente com a<br />

coordenação da própria escola a responsabilidade por viabilizarem as condições mínimas para o<br />

início das aulas nesse importante espaço de aprendizagem.<br />

Os alunos têm aula de informática apenas uma vez por semana, em um período de 45<br />

minutos. O baixo número de discentes atendidos na sala de informática se dá não apenas pelo<br />

fato de a escola possuir apenas um professor lotado nesse ambiente, mas também pelo número<br />

reduzido de computadores. Como já explicado, o laboratório de informática é equipado com<br />

apenas uma CPU e cinco terminais (destes, um é destinado ao servidor).<br />

De acordo com a política de composição dos laboratórios de informática, o Proinfo define<br />

essa quantidade como o padrão para laboratórios da zona rural. Para que esse acervo pudesse<br />

ser ampliado deveria haver uma mudança nessa política. Outra alternativa seria a contemplação<br />

da escola São Pedro com mais um projeto do Proinfo, o que aumentaria o acervo da sala de<br />

informática para duas CPUs e dez terminais, quantidade esta que, mesmo com espaço reduzido,<br />

a sala de informática suportaria, embora ainda não seria o ideal para atendimento dos alunos.<br />

Nesse sentido se afirma que a iniciativa de levar informática educativa à zona rural é<br />

bastante interessante, contudo a quantidade de computadores é insuficiente para atender a<br />

demanda de uma escola que possui, por exemplo, variados níveis de ensino, como é o caso da<br />

7 A moradora refere-se à Internet.


!<br />

!<br />

INFORMÁTICA EDUCATIVA NA ZONA RURAL: A EXPERIÊNCIA NA COMUNIDADE SÃO PEDRO EM BREVES-MARAJÓ-PA<br />

! !<br />

escola São Pedro, além de que o ideal era que os alunos usufruíssem por bem mais tempo além<br />

dos 45 minutos destinados por semana.<br />

Deve-se lembrar a necessidade de<br />

Perceber o laboratório de informática como uma sala de aula, que precisa de um<br />

professor que oriente e um contexto de aprendizagem para que esta seja<br />

significativa, onde acontecem todas as relações e intermediações possíveis que<br />

um ambiente de aprendizagem tem, é um importante passo no processo de<br />

utilização da informática na educação (CARNEIRO, 2002, p. 113).<br />

Vale considerar que quando as observações foram iniciadas a sala de informática da<br />

escola pesquisada possuía apenas uma CPU e três terminais devido ao roubo de dois monitores 8 ,<br />

fato que reduzia ainda mais o número de alunos atendidos. Após reivindicações feitas por um<br />

destes pesquisadores e pela coordenadora da escola junto à Coinfe, dois monitores (terminais)<br />

foram cedidos em modalidade de empréstimo para a escola, tornando possível o atendimento de<br />

cinco crianças por horário.<br />

As turmas da escola São Pedro possuem em média 25 (vinte e cinco) alunos. Devido a<br />

isso e ao baixo número de computadores, só é possível atender uma turma por dia e em cinco<br />

horários de aula, uma vez por semana. Vale ressaltar que a escola não optou por atender dois<br />

alunos por máquina por entender que é mais oportuno aos alunos o contato diretamente com o<br />

computador, ou seja a relação um aluno para um computador é a ideal para efeito de<br />

aprendizagem.<br />

Imagem 2 - Sala de Informática c/ 3 terminais (dois Imagem 3- Sala de Informática c/ 5 terminais(um<br />

Alunos) por máquina. aluno por máquina).<br />

Fonte: Acervo pessoal Fonte: Acervo pessoal<br />

8 Informação fornecida por funcionários da escola.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((63(


!<br />

!<br />

RONALDO DE OLIVEIRA RODRIGUES | CLAUDENILDO DA SILVA LADISLAU<br />

! !<br />

O sistema operacional utilizado nos computadores é o Linux Educacional 3.0,<br />

acompanhado de uma série de softwares, jogos e atividades educativas. Dentre estas destaca-se<br />

o Pacote Educacional Gcompris.<br />

Por se tratar de um recurso novo na escola, as primeiras aulas de informática deram<br />

ênfase à introdução a informática, através de joguinhos que permitem aos alunos manipularem<br />

alguns recursos fundamentais do computador como o mouse e o teclado. Ao término das<br />

atividades de introdução à informática, o professor passou a dar ênfase em atividades de língua<br />

portuguesa (do Pacote Gcompris).<br />

Além dos cinco terminais, a sala de informática dispõe de uma impressora, que passa a<br />

maior parte do tempo sem funcionar, por falta de recurso financeiro para a compra de cartuchos<br />

de tinta. Esse equipamento é utilizado para a impressão de documentos escolares e bilhetes<br />

destinados aos pais de alunos com avisos sobre reuniões e eventos da escola.<br />

A ausência de mais recursos tecnológicos na sala de informática como data-show e a<br />

própria internet, são alguns fatores que impossibilitam que esse ambiente seja explorado por<br />

outros profissionais da escola, ficando restrita sua utilização apenas ao professor de informática.<br />

Além disso, a própria preparação dos demais professores, bem como moradores da comunidade,<br />

em geral, precisa ser trabalhada e já está previsto no organograma do professor de informática.<br />

64$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($<br />

Para o ano de 2013 é bem provável a gente abrir duas turmas; uma sendo só para<br />

os funcionários da escola São Pedro e outra só para a comunidade São Pedro; é o<br />

chamado curso básico, pelo menos para eles conhecerem algumas ferramentas e<br />

aplicativos do computador (Prof. A).<br />

A proposta é interessante, principalmente por considerar que o computador<br />

[...] é um dos elementos inovadores que podem auxiliar a construção coletiva dos<br />

conhecimentos envolvidos nos projetos, por se tratar de uma máquina com<br />

múltiplas funções e tratar as informações como um elemento integrado no<br />

processo ensino-aprendizagem (TAJRA, 2007, p. 12).<br />

Vale ressaltar que o computador como um fim em si mesmo não fará uma revolução no<br />

ensino e tampouco o simples fato de equipar as escolas com máquinas e softwares educativos<br />

será uma garantia de melhoria no processo de aprendizagem. Um aspecto importante e que pode<br />

contribuir significativamente para o uso do potencial pedagógico das tecnologias na escola diz<br />

respeito à formação dos profissionais que nela atuam.<br />

Sem uma formação docente adequada, o computador passa a causar expectativas<br />

totalmente opostos aos que deveria, como desconfiança, a<strong>versão</strong>, espanto e, em muitos casos,<br />

medo:


!<br />

!<br />

INFORMÁTICA EDUCATIVA NA ZONA RURAL: A EXPERIÊNCIA NA COMUNIDADE SÃO PEDRO EM BREVES-MARAJÓ-PA<br />

! !<br />

A sensação de fazer algo errado e estragar o computador é muito forte. Na maior<br />

parte das vezes os erros que cometemos podem ser resolvidos sem maiores<br />

problemas, e, com alguma informação, percebemos que muitas vezes o problema<br />

não está nos erros do usuário, mas na configuração da máquina ou do programa<br />

[...] (CARNEIRO, 2002, p. 56).<br />

Para que o profissional em educação não tenha esse tipo de reação diante do computador,<br />

ou outro tipo de tecnologia, é preciso que ele esteja não só habilitado para operá-los, mas<br />

principalmente que possa refletir sobre sua importância e os reais benefícios que o recurso pode<br />

vir a oferecer.<br />

Com o intuito de conhecer um pouco mais sobre o processo desenvolvido na escola em<br />

relação à informática educativa foram feitas outras perguntas aos professores. Perguntou-se ao<br />

Prof. A (que atua na sala de informática) se este possui algum tipo de formação específica e se tal<br />

formação havia ocorrido durante seu curso de graduação.<br />

O professor respondeu que recebeu uma formação específica oferecida pela Coinfe com<br />

carga horária de 100 horas para atuar no laboratório de informática e que além da referida<br />

formação, encontra-se cursando através do Plano Nacional de Formação de Professores<br />

(PARFOR), um curso superior de informática. Já o Prof. B respondeu que possuía um curso<br />

básico em informática e que tal formação se deu através de um curso particular.<br />

O Prof. C ao ser questionado sobre sua formação em informática, respondeu<br />

Eu tenho curso básico, infelizmente não tive um tempo maior para fazer um curso<br />

mais abrangente, mas pretendo fazer porque é necessário a gente poder lidar com<br />

esse assunto, pois, como você vai passar para seus alunos algo que você não<br />

domina? Você tem também que se aperfeiçoar com eles e para eles (Prof. C).<br />

É importante perceber que, embora a informática educativa seja uma novidade na escola<br />

e, consequentemente, na comunidade São Pedro, os professores que lá atuam possuem apenas<br />

um curso básico, e reconhecem que a formação que possuem não os habilita para trabalharem<br />

adequadamente com esta temática junto a seus alunos. Ao mesmo tempo, a presença da sala de<br />

informática na escola São Pedro também deve ser vista como uma oportunidade para que estes<br />

professores possam adquirir tal formação, pois como assinala Libâneo (2006):<br />

[...] Atualmente, o desenvolvimento profissional não se restringe mais ao mero<br />

treinamento. A ideia é que a própria escola é lugar de formação profissional, por<br />

ser, sobretudo, nela, no contexto de trabalho, que os professores e demais<br />

funcionários podem reconstruir suas práticas, o que resulta em mudanças<br />

pessoais e profissionais (LIBÂNEO, 2006, p. 375).<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((65(


!<br />

!<br />

RONALDO DE OLIVEIRA RODRIGUES | CLAUDENILDO DA SILVA LADISLAU<br />

! !<br />

Nesse sentido, compreende-se que a formação continuada, pode ocorrer em várias<br />

situações, considerando elementos como observação, seja pelo diálogo ou pelo acompanhamento<br />

de uma situação até então desconhecida. E no caso dos recursos de informática é ainda mais<br />

necessário o contato cotidiano com os mesmos.<br />

Perguntou-se ao Prof. A como havia ocorrido sua formação para trabalhar com a<br />

Informática Educativa. Ele responde: “– Nessa formação, aprendi como trabalhar com os alunos<br />

usando o computador e seus aplicativos. Aprendi também a planejar minhas aulas e a fazer<br />

projetos semanais e mensais”. Em seguida ele respondeu se essa formação seria suficiente para<br />

atuar no laboratório de informática: “– A minha formação na área da informática não é suficiente<br />

para atender todos os alunos, pois alguns são especiais ou possuem alguma deficiência”.<br />

Considerando esta resposta entende-se que em uma formação onde não se prepara os<br />

profissionais de forma adequada para trabalharem com pessoas comuns, naturalmente esses<br />

mesmos profissionais terão dificuldades para adequar-se à política de inclusão.<br />

Quanto ao tempo de docência na escola São Pedro, os dois professores da sala de aula<br />

(Prof. B e Prof. C), estão trabalhando há apenas um ano na escola, sendo esta a primeira<br />

experiência de ambos em sala de aula. Já o professor de informática (Prof. A) atua há 11 anos na<br />

educação, sendo três anos como professor de informática.<br />

Foi questionado ao Prof. B sobre o acompanhamento a seus alunos durante as aulas de<br />

informática: “– Sim. Acompanho nos dias que as aulas ocorrem”. É importante lembrar que a<br />

participação, a ida do professor até a sala de informática para o acompanhamento da aula dos<br />

alunos pode ser entendida de diversas formas. Pode ser com o propósito de auxiliar o professor<br />

de informática no desenvolvimento de sua aula; enriquecer seu conhecimento sobre a informática;<br />

acompanhar o desenvolvimento de seu aluno ou ainda, conhecer os recursos existentes no<br />

computador para que no futuro estes recursos possam ser utilizados como auxílio nas suas aulas,<br />

pois “a incorporação das novas tecnologias de comunicação e informação nos ambientes<br />

educacionais provoca um processo de mudança contínuo, não permitindo mais uma parada, visto<br />

que as mudanças ocorrem cada vez mais rapidamente [...]” (TAJRA, 2007, p. 127).<br />

Na questão seguinte perguntou-se ao Prof. B se ele conhece todos ou parte dos recursos<br />

didático-pedagógicos existentes nos computadores da sala de informática, a resposta foi “– Não.<br />

Preciso aproveitar melhor as aulas com os alunos”; o que permite a compreensão de que a sua<br />

ida ao laboratório pode não estar relacionada ao fato de buscar conhecer os recursos para sua<br />

utilização em sala de aula.<br />

Outra questão é a recente chegada desse recurso na escola, o que remete ao pensamento<br />

de Tajra quando afirma que “todo [novo] processo de aprendizagem é doloroso, e somente após<br />

um certo tempo nos sentimos mais seguros e conseguimos atingir mais uma etapa no nosso<br />

66$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($


!<br />

!<br />

INFORMÁTICA EDUCATIVA NA ZONA RURAL: A EXPERIÊNCIA NA COMUNIDADE SÃO PEDRO EM BREVES-MARAJÓ-PA<br />

! !<br />

desenvolvimento pessoal e profissional” (TAJRA, 2007, p. 127). Em relação a isso o Prof. C<br />

considera que “– Devido esses recursos serem novos na escola, ainda não estão sendo utilizados<br />

pelos professores”.<br />

Os depoimentos relatados até agora trazem a ideia de que o computador enquanto recurso<br />

pedagógico ainda não foi apresentado aos professores da escola São Pedro, o que contrasta com<br />

o depoimento do professor de informática, que ao ser questionado nesse sentido afirma:<br />

Já mostrei para os professores o que nós temos de recurso no computador, o que<br />

nós iremos trabalhar com os alunos, e que as aulas não são uma perda de tempo<br />

para eles, não vou tirar cinco alunos da sala de aula para que cheguem <strong>aqui</strong> e eu<br />

vá colocar joguinhos para distraí-los, não é isso. São atividades que irão ajudar a<br />

melhorar a leitura, são atividades de matemática, jogos que poderão ajudar na<br />

coordenação motora do aluno. Os professores ficaram bem interessados na<br />

proposta de trabalho do laboratório e passaram a ajudar no trabalho com os<br />

alunos (Prof. A).<br />

A resposta permite uma breve análise sobre os depoimentos referentes ao<br />

acompanhamento do Prof. B nas aulas de informática. Percebe-se que a ida ao laboratório por<br />

parte deste professor, se dá muito mais por curiosidade; o que classifica-se como um<br />

acompanhamento sem objetivos pré-estabelecidos. Embora possa se reconhecer que a chegada<br />

recente do computador na escola poderia justificar muitos dos depoimentos, a presença da<br />

informática na escola precisa ser mais valorizada, deve tornar-se parte integrante no ensino dos<br />

alunos. As aulas de informática são ou devem ser tão importantes quanto as outras aulas.<br />

Perguntou-se também se os professores consideram o computador importante no<br />

processo de ensino-aprendizagem. “– Sim, por que os alunos vão aprendendo a se desenvolver<br />

no seu aprendizado usando a tecnologia, no caso o computador” (Prof. A).<br />

“– Sim, porque ajudará os alunos na parte da leitura, coordenação motora, matemática, etc”.<br />

(Profª B). “– Sim, o computador veio auxiliar e motivar os alunos na interação entre si, a fazer com<br />

que eles conheçam um pouco mais do computador e da dinâmica que ele trás para a sala de<br />

aula” (Prof.C).<br />

É importante observar na resposta dos professores as expectativas que eles atribuem à<br />

informática enquanto recurso pedagógico, no entanto, é preciso que se faça uma reflexão a<br />

respeito dos objetivos aos quais as aulas de informática estão sendo ministradas. A Informática<br />

Educativa deve estar a serviço da aprendizagem, seus objetivos devem ser claros e de fácil<br />

compreensão por todos. A escola tem autonomia para decidir de que forma utilizar a informática.<br />

Masetto considera:<br />

É importante não nos esquecermos de que a tecnologia possui um valor relativo:<br />

ela somente terá importância se for adequada para facilitar o alcance dos objetivos<br />

e se for eficiente para tanto. As técnicas não se justificarão por si mesmas, mas<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((67(


!<br />

!<br />

RONALDO DE OLIVEIRA RODRIGUES | CLAUDENILDO DA SILVA LADISLAU<br />

! !<br />

68$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($<br />

pelos objetivos que se pretenda que elas alcancem, que no caso serão de<br />

aprendizagem (MASETTO, 2000, p. 144).<br />

Em relação a existência do novo ambiente na escola, a coordenadora pedagógica diz:<br />

Hoje nós estamos vendo a situação da sala de informática como algo novo, o que<br />

nós vemos dentro da cidade é que as crianças têm um conhecimento muitas<br />

vezes até mais aprofundado do que o do professor, <strong>aqui</strong> não, eles vêm pra<br />

conhecer mesmo, muitas vezes eles vêm perguntar o que é? Como liga? Pra quê<br />

serve? Muitos viam o computador apenas como uma tela de televisão, hoje já<br />

conseguem ligar, desligar, manusear, fazer algumas coisas bem básicas mesmo.<br />

A realidade da zona rural é de um acervo muito pequeno de computadores, ainda<br />

muito precário, pois iniciamos em setembro de 2011. Estamos com pouquíssimos<br />

computadores, as turmas são grandes [...] A escola tem um projeto da sala de<br />

informática, mas ainda não estamos utilizando esse projeto, estamos aguardando<br />

algumas reestruturações na sala de informática, outros recursos estão chegando<br />

agora como a parabólica, a TV (ALC, Coordenadora Pedagógica).<br />

O depoimento da coordenadora retrata a situação atual da sala de informática e mostra<br />

que mesmo com as limitações há uma satisfação no curto trabalho realizado e, ao mesmo tempo,<br />

uma boa perspectiva com relação a um trabalho mais organizado e sistematizado para os<br />

próximos anos.<br />

Perguntados de que forma as aulas de informática estão contribuindo para a aprendizagem<br />

de seus alunos, os professores da sala de aula, assim com o professor de informática, foram<br />

bastante esclarecedores em suas respostas:<br />

Os alunos me perguntam toda hora qual é o dia da aula de informática, têm alunos<br />

que vêm pra escola doente no dia de informática só para não perder, portanto,<br />

acredito que as aulas de informática estão contribuindo para a aprendizagem dos<br />

alunos, melhorando a coordenação motora, a leitura, as relações com os colegas,<br />

conhecendo as novas tecnologias, melhorando a frequência na escola (Prof. A).<br />

Os alunos ficam muito agitados quando chega o dia em que acontece a aula de<br />

informática, as aulas ficam mais produtivas, os alunos ficam mais motivados, vale<br />

ressaltar ainda que os alunos melhoraram sua coordenação motora (Prof. B).<br />

A partir do momento que começou as aulas de computação na nossa escola, nós<br />

observamos, não só eu como outros professores que os alunos evoluíram, eles<br />

passaram a gostar mais de certas áreas das disciplinas que eles não gostavam,<br />

porque o computador veio auxiliar, por exemplo, na matemática tem os joguinhos<br />

e pequenos cálculos, tem informações da área de ciências, a parte de leitura de<br />

português (Prof. C).<br />

Mesmo com o pouco tempo em que a sala de informática está em funcionamento na escola<br />

São Pedro, sua contribuição para a aprendizagem dos alunos já é vista de forma bastante positiva<br />

por quem lida no cotidiano da sala de aula. Isso reforça o potencial educativo que a informática pode<br />

oferecer. O curioso é que além de contribuir com a aprendizagem, a informática, no contexto em


!<br />

!<br />

INFORMÁTICA EDUCATIVA NA ZONA RURAL: A EXPERIÊNCIA NA COMUNIDADE SÃO PEDRO EM BREVES-MARAJÓ-PA<br />

! !<br />

que se apresenta na escola São Pedro (de total novidade) “seduz” o aluno, fazendo com que este,<br />

segundo depoimento do Prof. A, melhore inclusive sua frequência na escola.<br />

Carneiro (2002, p. 52), considera que “[...] as iniciativas educacionais criativas e<br />

comprometidas com o social parecem mais fáceis quando há falta de recursos disponíveis do que<br />

quando temos recursos à nossa disposição”. A afirmação da autora faz refletir sobre a<br />

disponibilidade de recursos na escola, fazendo pensar sobre as seguintes questões: quando a<br />

sala de informática da escola São Pedro possuir uma quantidade de computador que possa<br />

atender uma turma inteira as aulas de informática se tornarão mais eficazes? Será que a chegada<br />

da internet na escola São Pedro garantirá uma melhoria na qualidade do ensino? E o<br />

relacionamento entre os alunos da na sala de informática como será delineado? Essas questões,<br />

é claro, só poderão ser respondidas ao longo do tempo com a solidez das práticas de informática<br />

educativa no ambiente pesquisado, porém devem começar a ser pensadas no sentido de evitar<br />

problemáticas de outra ordem no espaço da sala de informática.<br />

Os professores foram perguntados também se a estrutura atual da sala de informática é<br />

satisfatória para o atendimento dos alunos. “– Não, por que o espaço é muito pequeno, não<br />

possui climatização, as mesas não são adequadas para o computador” (Prof .C). “– Não, porque o<br />

espaço da sala é pequeno e não há computadores suficientes para atender a todos os alunos”<br />

(Prof.B).<br />

Na sequência perguntou-se a respeito da importância de uma escola com sala de<br />

informática em uma comunidade rural (como a escola São Pedro).<br />

É muito bom. Essa tecnologia irá somar com a comunidade que passará a ser<br />

incluída no mundo da informática, tanto os alunos durante suas aulas quanto a<br />

comunidade durante o curso básico que pretendemos oferecer a eles, onde<br />

ganharão certificado assim como ocorre em algumas escolas na cidade (Prof. A).<br />

Em relação à opinião dos professores sobre o que deveria melhorar em relação à sala de<br />

informática tem-se: “– Na parte da estrutura física, números de computador, maior apoio da Coinfe<br />

para uma possível viabilização da internet” (Prof. C). “– Deveria haver uma melhora na estrutura<br />

física e nos recursos” (Prof.B).<br />

Nesse sentido afirma-se que a Informática Educativa precisa ser trabalhada em função de<br />

objetivos de aprendizagem, caso contrário seus recursos servirão apenas de entretenimento. Para<br />

que os objetivos atribuídos à sala de informática sejam alcançados, eles devem fazer parte de um<br />

objetivo comum estabelecido coletivamente por todos os membros da escola, e deve haver<br />

cuidadoso planejamento das ações.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((69(


!<br />

!<br />

RONALDO DE OLIVEIRA RODRIGUES | CLAUDENILDO DA SILVA LADISLAU<br />

! !<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Em pouco tempo boa parte das escolas rurais de todo o Brasil deverão estar equipadas<br />

com recursos de informática. Desprezando as condições estruturais a preocupação passa a ser a<br />

preparação dos profissionais que irão atuar nestes espaços bem como a participação dos outros<br />

profissionais do ambiente escolar em regime de colaboração para a potencialização do uso desse<br />

espaço.<br />

Os professores da sala de aula precisam trabalhar em parceria com o profissional que atua<br />

no laboratório de informática. Ambos os profissionais precisam estar capacitados para trabalhar<br />

com a Informática Educativa, pois somente assim passarão a valorizar o computador como<br />

recurso pedagógico. Enquanto isso não ocorre, nota-se certa resistência com relação ao uso<br />

desse recurso.<br />

Um fator que chamou atenção é que embora os professores da sala de aula entrevistados<br />

durante a pesquisa possuam uma formação básica em informática, eles necessitam de uma<br />

formação específica para a utilização dos recursos existentes nos computadores, visando o<br />

compartilhamento das atividades junto aos alunos e colegas professores, contribuindo para que o<br />

ambiente de informática na escola deixe de ser algo de uso exclusivo do professor de informática.<br />

Ao fim da pesquisa percebeu-se que mesmo com as dificuldades enfrentadas, a presença<br />

do computador é motivo de grande entusiasmo entre moradores da comunidade, professores e<br />

alunos. No relato dos professores nota-se que após o início das aulas de informática percebeu-se<br />

um salto qualitativo por parte de seus alunos, seja em relação a frequencia, seja em relação ao<br />

aproveitamento em sala de aula, principalmente em relação à leitura.<br />

Os pais também relataram que passaram a perceber um interesse maior de seus filhos nos<br />

estudos, principalmente nos dias que acontecem as aulas de informática. Portanto, percebe-se<br />

que, mesmo em condições desfavoráveis, a informática pode auxiliar tanto na aprendizagem dos<br />

alunos, quanto na inclusão digital dos demais membros da comunidade escolar.<br />

É preciso não esquecer três pontos essenciais, pensados em função dos resultados<br />

apresentados neste texto: - A Informática Educativa, como um bem coletivo, precisa ser<br />

trabalhada em função de objetivos de aprendizagem, caso contrário seus recursos servirão<br />

apenas de entretenimento; - O acervo que acompanha os computadores do Proinfo precisa ser<br />

atualizado periodicamente, o que não vem ocorrendo com as diversas versões do Linux<br />

Educacional; - Antes que as aulas de informática se tornem previsíveis e monótonas por falta de<br />

recursos existentes no computador, o professor precisa buscar alternativas, como por exemplo,<br />

elaborar atividades em editores de texto, planilha, apresentação e outros.<br />

70$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($


!<br />

!<br />

INFORMÁTICA EDUCATIVA NA ZONA RURAL: A EXPERIÊNCIA NA COMUNIDADE SÃO PEDRO EM BREVES-MARAJÓ-PA<br />

! !<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

BRASIL. Casa Civil do. Decreto nº 6.040 de 07 de fevereiro de 2007: Institui a Política Nacional<br />

de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT). Disponível em<br />

Acesso em 02 set.<br />

2011.<br />

CARNEIRO, Raquel. Informática na Educação. São Paulo: Cortez, 2002.<br />

LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira de; TOSHI, Mirza Seabra. O sistema de<br />

organização e gestão da escola: teoria e prática. In: ______. Educação escolar: políticas,<br />

estrutura e organização. 3. Ed. São Paulo: Cortez, 2006.<br />

MASETTO, Marcos. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: MORAN, José Manuel;<br />

MASETTO, Marcos T.; BEHRENS, Marilda A. Novas tecnologias e mediação pedagógica.<br />

Campinas, SP: Papirus, 2000.<br />

TAJRA, Sanmya Feitosa. Informática na Educação. São Paulo: Érica, 2007.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((71(


T r a b a l h o<br />

O iMPaCTO DO aMBienTe De TraBalHO e DO<br />

esTilO De ViDa na saÚDe DO TraBalHaDOr e a<br />

iMPOrTÂnCia De se PrOMOVer QUaliDaDe De<br />

ViDa nas eMPresas<br />

Mirian DaMaris Benaglia<br />

especialista em administração de recursos Humanos na<br />

Universidade Paulista (UniP) e graduada em Tecnologia<br />

<br />

(FaTeC). Docente do ensino Técnico - área de gestão e negócios,<br />

no Centro estadual de educação Tecnológica "Paula<br />

<br />

Contato: mirian.benaglia@hotmail.com


O IMPACTO DO AMBIENTE DE TRABALHO E DO ESTILO DE VIDA<br />

NA SAÚDE DO TRABALHADOR E A IMPORTÂNCIA DE SE PROMOVER<br />

QUALIDADE DE VIDA NAS EMPRESAS<br />

Mirian Damaris Benaglia<br />

RESUMO: O trabalho é entendido como todo esforço que o homem, no exercício de sua<br />

capacidade física e mental, executa para atingir seus objetivos. Este, em momentos da História<br />

Antiga e Idade Média, esteve associado a algo penoso e fatigante, denotando um conceito<br />

negativo. Entretanto, durante o período do Renascimento, o trabalho passou a ser considerado<br />

como fator de desenvolvimento e equilíbrio da mente humana, no processo de transformação dos<br />

objetos da natureza para satisfazer suas necessidades. Nesse processo de transformação do<br />

meio é preciso ter saúde física e mental, além da espiritual, pois são fatores que somados ao<br />

estilo de vida e ambiente laboral, interferem na saúde do trabalhador. Se o estado de saúde for<br />

precário, o fracasso para conseguir a produtividade máxima será inevitável. Além disso, os custos<br />

diretos e indiretos oneram as empresas. Por isso, ministérios, órgãos estaduais bem como as<br />

universidades e até mesmo as próprias organizações estão procurando identificar de que forma o<br />

ambiente de trabalho e o estilo de vida contribuem com o processo trabalho-doença, no intuito de<br />

criar mecanismos de prevenção e auxílio. Nesse sentido, esta pesquisa buscou em revisão<br />

bibliográfica sobre o tema, utilizando os questionários Perfil do Ambiente e Condições de Trabalho<br />

e Perfil do Estilo de Vida proposto por Nahas (2000), demonstrar a importância e necessidade de<br />

estruturar um ambiente de trabalho, bem como favorecer intervenções que visem modificar o<br />

estilo de vida dos colaboradores através de programas voltados à Promoção da Saúde e<br />

Qualidade de Vida no trabalho, visando à conscientização e orientação dos trabalhadores no trato<br />

de si mesmos; concluindo-se que sem dúvida, ter saúde é a condição fundamental e<br />

imprescindível à capacidade produtiva do homem.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Trabalho, Ambiente de Trabalho, Saúde, Qualidade de Vida.<br />

THE IMPACT OF ENVIRONMENTAL AND LIFESTYLE IN OCCUPATIONAL HEALTH AND<br />

IMPORTANCE OF PROMOTING THE QUALITY OF LIFE IN BUSINESS<br />

ABSTRACT: The work is understood as any effort that man, in the exercise of his physical and<br />

mental capacity, performs to achieve their goals. This, in times of Ancient History and Middle Ages,<br />

was associated with something painful and stressful, denoting a negative concept. However,<br />

during the Renaissance, the work started to be considered as a factor of development and balance<br />

of the human mind, the process of transformation of objects from nature to meet their needs. In the<br />

process of transforming the way you have to have physical and mental health, as well as spiritual<br />

as they are factors which added to lifestyle and work environment, interfere with worker health. If<br />

your health is poor, the failure to achieve maximum productivity is inevitable. Moreover, the direct<br />

and indirect costs burdening businesses. Therefore, ministries, state agencies and universities and<br />

even the organizations themselves are trying to identify how the work environment and lifestyle<br />

contribute to the disease process work-in order to create mechanisms to prevent and aid.<br />

Accordingly, this study sought to review the literature on the topic, using questionnaires Profile<br />

Environment and Working Conditions and Lifestyle Profile proposed by Nahas (2000), demonstrate<br />

the extreme importance and necessity of structuring a work environment, as well how to promote<br />

interventions aimed at modifying the lifestyle of employees through programs aimed at promoting<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((75(


!<br />

!<br />

MIRIAN DAMARIS BENAGLIA<br />

! !<br />

health and quality of life at work, aiming to raise awareness of workers and guidance in dealing<br />

with themselves, concluding that undoubtedly have health is the fundamental and indispensable<br />

condition to the productive capacity of man.<br />

KEYWORDS: Work, Work Environment, Health, Quality of Life.<br />

1. O IMPACTO DO AMBIENTE DE TRABALHO E DO ESTILO DE VIDA NA SAÚDE<br />

DO TRABALHADOR<br />

Durante a Revolução Industrial os modelos de administração, organização e sociedade<br />

passaram por transformações. A economia se baseava fundamentalmente na fabricação de<br />

produtos homogêneos produzidos em linha de montagem, com o controle de tempo e movimentos<br />

e pela produção em série, além da separação entre a execução e o planejamento: onde a<br />

execução baseava-se principalmente na fragmentação das funções (trabalho parcelar) e pela<br />

construção e consolidação do operário-massa; enquanto a gerência se preocupava com o<br />

planejamento do trabalho. (PONTES, 2006)<br />

Nesse novo cenário, o modo de produção em massa transcendeu a fábrica e se espalhou<br />

por todos os outros setores da economia. Após a 2ª Guerra Mundial, as indústrias norteamericanas<br />

que produziam em grande escala (produção em massa) para o consumo, passaram a<br />

dominar o mercado global. A organização dessa maneira de produzir, que se baseava na<br />

hierarquia, padrão e rotina foram essenciais para que os trabalhadores apenas executassem suas<br />

tarefas em uma determinada função, enquanto à gerência tomaria as decisões sobre os<br />

processos de produção.<br />

Porém, o fato de se elevar à produtividade e os lucros, não fizeram com que as condições<br />

de trabalho dos operários melhorassem. O sistema de produção em massa causava diversos<br />

problemas de ordem psicológica e emocional, resultado da alienação e aborrecimento devido ao<br />

tipo de trabalho executado. (PONTES, 2006)<br />

76$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($<br />

[...] A essa realidade, acrescentam-se a perda de importância de determinadas<br />

profissões e setores, flexibilização dos contratos de trabalho, terceirização de<br />

serviços, oferta de trabalho autônomo, postos de trabalho temporário e a perda do<br />

poder de barganha de quem procura emprego”. (LACMAN, 2004, p.26)<br />

Como o trabalho compõe um dos ambientes mais próximos ao homem e cada vez se<br />

trabalha mais, pois “Ainda é preciso fazer mais, com menos recursos”, Maximiano, (2009), a ponto<br />

de uma pessoa dedicar o equivalente a um terço de sua vida ativa no desempenho de alguma


! O IMPACTO DO AMBIENTE DE TRABALHO E DO ESTILO DE VIDA NA SAÚDE !<br />

! DO TRABALHADOR E A IMPORTÂNCIA DE SE PROMOVER QUALIDADE DE VIDA NAS EMPRESAS !<br />

função econômica, o trabalho em si, seu espaço e o modo como está organizado, tende a<br />

interferir diretamente sobre a saúde de quem o executa. (SIVIERI, 1995)<br />

Nesse sentindo, em 2001, o Ministério da Saúde, já alertava que as condições de trabalho<br />

(sejam elas físicas, químicas e biológicas) vinculadas à sua execução e a sua organização<br />

(estruturação, hierarquia, divisão de tarefa, jornada, ritmo, trabalho em turno, intensidade,<br />

monotonia, repetitividade e responsabilidade excessiva) favoreceriam o adoecimento do<br />

trabalhador, bem como o desencadeamento de distúrbios psíquicos.<br />

Somados a este quadro, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2002, disponibilizou<br />

informações gerais sobre saúde, segurança e bem-estar mundial dos trabalhadores; no intuito de<br />

alertar sobre a situação vigente que tem preocupado milhares de profissionais em todo o mundo,<br />

recomendando a redução de riscos, visando à promoção de uma vida mais saudável; pois as<br />

empresas têm enfrentado sérios problemas com o aumento nos custos de assistência médica<br />

relacionados a problemas de saúde decorrentes não só das atividades laborais relacionadas à<br />

globalização, ao uso intensivo da tecnologia e a uma maior competição entre as organizações,<br />

mas também de comportamentos não saudáveis (ou de risco). Só no Brasil, estima-se a perda de<br />

US$ 49 bilhões nos próximos anos por mortes precoces, decorrentes de doenças crônicas não<br />

infecciosas. (OGATA et al., 2012)<br />

Sabe-se que no Brasil, a sinistralidade – despesas médicas, hospitalares e laboratoriais –<br />

tem aumentado sistematicamente acima da inflação. Os gestores por sua vez, têm utilizado<br />

ferramentas na tentativa de controlar essa despesa, como o acompanhamento sistemático dos<br />

pacientes de maior risco e a elaboração de protocolos clínicos. Porém esses procedimentos ainda<br />

não têm sido suficientes para amenizar o problema. É preciso então que as condições, os<br />

espaços, bem como a organização dos processos de trabalho em si sejam analisadas no intuito<br />

de se criar mecanismos de prevenção e auxílio aos trabalhadores e às organizações, buscando<br />

evitar o processo trabalho-doença reduzindo, dessa forma, os riscos à saúde do trabalhador,<br />

como maneira prática de melhorar esses resultados.<br />

Nas palavras de Karasek (1979), caso o trabalhador possua controle sobre seu trabalho,<br />

as exigências, conflitos ou outros estressores podem atuar como simples instigadores da ação,<br />

não levando a problemas de saúde. Mas, a falta de controle, de outra forma, impede que o<br />

trabalhador atue sobre aqueles fatores, e transforme a energia potencial do estresse em energia<br />

de ação e desencadeie o processo de adoecer.<br />

O significado do termo adoecer, aparentemente, não nos traria a menor dificuldade, se<br />

adoecer não fosse visto pelo indivíduo como uma ameaça do destino, pois adoecer é estar<br />

enfermo, imperfeito, não funcionando bem, é estar anormal. Adoecer, portanto, modifica a relação<br />

do paciente com o mundo e consigo mesmo.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((77(


!<br />

!<br />

MIRIAN DAMARIS BENAGLIA<br />

! !<br />

Adoecer tornou-se, então, uma expressão do comprometimento do organismo humano que<br />

surgia devido a causas biológicas (vírus, bactérias), hereditariedade ou causas físicas e químicas<br />

(frio, calor, poluição, intoxicações).<br />

Para atuar sobre processo físico, químico ou biológico, foram desenvolvidos métodos<br />

científicos para melhor atuar junto ao problema. Porém, o mesmo não aconteceu na compreensão<br />

dos agentes psicológicos (emoções e conflitos) e os agentes psicossociais (representados pelo<br />

ambiente socioeconômico e pela organização do trabalho). (LIMONGI; RODRIGUES, 2011)<br />

78$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($<br />

“Para uma pessoa adoecer, é preciso além da existência de elementos nocivos no<br />

ambiente; ser ou estar sensível a ação de agentes do ambiente. Então, há<br />

interação recíproca entre múltiplos fatores envolvidos na causalidade das doenças<br />

– o potencial patogênico do agressor, a susceptibilidade do organismo e o<br />

ambiente na qual está imersa”. (LIMONGI e RODRIGUES, 2011, p.26)<br />

Atualmente, a legislação de vários países reconhece que existe uma relação de agentes<br />

físicos, químicos ou biológicos como produtores de doenças ocupacionais. No entanto, apesar das<br />

inúmeras evidências, ainda não se atingiu o estágio, mesmo nos países mais industrializados, de<br />

que a organização e as relações no trabalho influenciam no processo de adoecimento do<br />

trabalhador. (LIMONGI; RODRIGUES, 2011)<br />

As razões para essas dificuldades estão localizadas em múltiplos aspectos, mas sem<br />

dúvida podemos incluir o saber médico, restrito apenas aos aspectos biológicos, não suficientes<br />

para uma compreensão mais <strong>completa</strong> do processo de adoecer, quando este decorre dos<br />

esforços de adaptação ao estresse, que não podem ser adequadamente constatados e<br />

entendidos sem a utilização de métodos adequados. (LIMONGI; RODRIGUES, 2011)<br />

[...] A forma como os indivíduos de uma dada sociedade se situam em relação à<br />

doença, ou como a percebem, é fundamental na determinação do modo de<br />

enfrentamento desta doença. Os mesmos sintomas ou enfermidades podem ser<br />

interpretados de maneiras <strong>completa</strong>mente diferentes por indivíduos de culturas<br />

diversas ou em contextos diferentes. Assim, a doença está intimamente<br />

relacionada à cultura, e a saúde e a forma de reconhecer e tratar a doença estão<br />

diretamente relacionadas à visão de mundo do sujeito, a qual é influenciada, em<br />

grande parte, por crenças, atitudes e valores culturalmente construídos, que<br />

congregam sistemas referenciais, tanto populares como científicos diferenciados<br />

entre si. (VIEIRA; MARCON, 2008)


! O IMPACTO DO AMBIENTE DE TRABALHO E DO ESTILO DE VIDA NA SAÚDE !<br />

! DO TRABALHADOR E A IMPORTÂNCIA DE SE PROMOVER QUALIDADE DE VIDA NAS EMPRESAS !<br />

Por esta razão, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), convencionou legislação<br />

específica para a melhoria do trabalho com um foco especial direcionado à saúde, higiene,<br />

satisfação e segurança do trabalhador.<br />

[...] Numa perspectiva mais subjetiva, pode-se dizer que ter um ambiente saudável<br />

para se trabalhar é ter um espaço que proporcione qualidade de vida ao trabalhador,<br />

pois a relação que existe entre a qualidade de vida no trabalho e a produtividade<br />

traduz uma latente realidade: a de que empresas deixam de lucrar, gastam em<br />

excesso e têm grande custo social, devido a sua má gestão dos processos nos<br />

quais os trabalhadores estão envolvidos. (GALEANO et al., 2010, on-line)<br />

Para assegurar melhores condições de trabalho e evitar o processo de adoecimento, é<br />

preciso que o ambiente de trabalho ofereça condições adequadas para as atividades laborais.<br />

Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define que um local de trabalho saudável é<br />

aquele em que os “trabalhadores e gestores colaboram em um processo contínuo de melhoria para<br />

proteger e promover a saúde, o bem-estar, a segurança e sustentabilidade do seu local de trabalho.”<br />

Abaixo está a figura que exemplifica o modelo de um ambiente de trabalho saudável.<br />

Fig.01: Modelo do ambiente de trabalho saudável. Fonte: Adaptado de Organização<br />

Mundial da Saúde (2010)<br />

Segundo a Associação Brasileira de Qualidade de Vida - ABQV (2012), a adesão aos<br />

princípios dos ambientes de trabalho saudáveis é essencial, pois evita afastamentos e<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((79(


!<br />

!<br />

MIRIAN DAMARIS BENAGLIA<br />

! !<br />

incapacidades para o trabalho minimizam os custos com saúde e os custos associados com a alta<br />

rotatividade e aumenta a produtividade em longo prazo bem como a qualidade dos produtos e<br />

serviços. O modelo proposto consiste em um processo de melhoria contínua que tem como base<br />

ética e valores, engajamento da alta liderança e envolvimento dos trabalhadores atuando em<br />

quatro dimensões: ambiente físico (minimização dos riscos ocupacionais específicos), ambiente<br />

psicossocial (incluindo organização do trabalho e cultura organizacional), recursos e suporte à<br />

saúde nos locais de trabalho (incluindo programas de prevenção, gerenciamento de doenças e de<br />

retorno ao trabalho após afastamento por doença) e participação da comunidade da organização<br />

(trabalhadores, seus familiares e toda a comunidade impactada pelas operações da empresa).<br />

Nesse sentido, as empresas devem considerar demais fatores como os custos de<br />

prevenção versus os custos resultantes de acidentes, as conseqüências financeiras das violações<br />

jurídicas de leis e normas de segurança e saúde no trabalho e a saúde dos trabalhadores como<br />

importante patrimônio da empresa.<br />

80$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($<br />

[...] Um local de trabalho, seja um escritório ou uma oficina, deve ser sadio e<br />

agradável. O homem precisa encontrar aí condições capazes de lhe proporcionar<br />

um máximo de proteção e, ao mesmo tempo, satisfação no trabalho.<br />

(VERDUSSEN, 1978)<br />

Ocorre, porém, que o mundo do trabalho tem manifestado a existência de uma cultura de<br />

sacrifício da saúde em prol do sucesso profissional. A competitividade entre empresas e a<br />

globalização da economia pioraram a situação, levando à constatação de que o ambiente<br />

profissional, em geral, parece ser desfavorável à mudança de atitude e comportamentos<br />

relacionados com a saúde. (OGATA et al., 2012)<br />

[...] As modificações dos processos de trabalho, ocorridas nas últimas décadas em<br />

nível “macro” (terceirização da economia) e “micro” (automação e informatização) ,<br />

combinadas à urbanização acelerada e à popularização das tecnologias<br />

poupadoras de esforços na vida diária das pessoas, contribuíram,<br />

respectivamente, para a menor demanda energética laboral e para um lazer cada<br />

vez mais passivo. (Mendes; Dias, 1991)<br />

Drucker, (2001) também comenta sobre as mudanças de ordem qualitativa no último<br />

século, como a transformação da força de trabalho, do trabalho essencialmente manual e pouco<br />

qualificado para atividades basicamente sedentárias e intelectuais, começando pelos países<br />

desenvolvidos, estendendo-se de forma progressiva para os emergentes.


! O IMPACTO DO AMBIENTE DE TRABALHO E DO ESTILO DE VIDA NA SAÚDE !<br />

! DO TRABALHADOR E A IMPORTÂNCIA DE SE PROMOVER QUALIDADE DE VIDA NAS EMPRESAS !<br />

A todas essas evoluções e inovações somam-se ainda as alterações no processo e na<br />

organização do trabalho, intensificando o ritmo e ampliando as jornadas, tornando-se assim, uma<br />

ameaça à saúde e ao bem-estar do trabalhador.<br />

[...] Nada é mais precioso na vida que a saúde. Um indivíduo precisa estar bem<br />

para realizar suas tarefas, contribuir com o grupo e com os negócios; pois<br />

indivíduos saudáveis e felizes produzem mais, faltam menos, sofrem menos<br />

acidentes e adquirem menos doenças graves. (OGATA et al., 2012)<br />

Embora possa haver empenho das empresas em gerir a saúde de seus trabalhadores, na<br />

busca por resultados positivos por uma produtividade maior, por incrível que pareça, muitos<br />

colaboradores permanecem num estilo de vida não saudável mesmo sabendo de todos os<br />

prejuízos de uma rotina desequilibrada. (OGATA et al., 2012)<br />

[...] É grande o impacto dos hábitos pessoais e do estilo de vida em nossa saúde.<br />

Sendo assim, as mudanças comportamentais podem ser muito efetivas na área de<br />

prevenção e controle das doenças associadas à inatividade física, alimentação<br />

inadequada e outros hábitos de vida errôneos. (NAHAS, 2003)<br />

Talvez esse quadro seja reforçado por falta de consciência dos malefícios desse<br />

comportamento, não sabendo como mudar ou melhorar os seus hábitos ou mesmo por não<br />

conseguir fazê-lo.<br />

Nesses casos, o principal desafio das empresas que trabalham com programas de<br />

qualidade de vida e promoção da saúde são engajar e incentivar o colaborador a participar dessas<br />

propostas, no intuito de mudar o comportamento e o estilo de vida em relação a sua saúde,<br />

visando reduzir os comportamentos e os fatores que interferem no equilíbrio biopsicossocial, antes<br />

que esse se transforme em doença.<br />

Maria Nieira, Diretora do Departamento de Saúde Pública da Organização Mundial da<br />

Saúde (OMS), afirma que “o sucesso dos negócios depende da saúde dos trabalhadores” e nesse<br />

sentido sabe-se que uma força de trabalho saudável e motivada é fator diferencial dentro de uma<br />

organização. Um indivíduo precisa gozar de saúde para realizar suas tarefas, contribuir com o<br />

grupo e com os negócios da empresa, pois profissionais motivados, saudáveis e felizes produzem<br />

mais, faltam menos ao trabalho, sofrem menos acidentes e adquirem menos doenças graves.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((81(


!<br />

!<br />

MIRIAN DAMARIS BENAGLIA<br />

! !<br />

2. A IMPORTÂNCIA DA PROMOÇÃO DO ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL NAS EMPRESAS<br />

O momento histórico atual, sem dúvida, tem chamado a atenção para a importância de<br />

uma profunda reflexão a respeito das sociedades industriais contemporâneas e os impactos<br />

provocados à saúde do trabalhador. Considerando que o século XX foi marcado pela rapidez e<br />

intensidade nas mudanças sociais e tecnológicas,<br />

82$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($<br />

[...] A globalização, o uso intensivo da tecnologia e a maior competição entre as<br />

empresas exigem que as pessoas tenham o máximo desempenho no trabalho.<br />

(OGATA et al., 2012)<br />

Em resposta às demandas de alto desempenho, “muitos empregados têm trabalhado cada<br />

vez mais, fazendo com que a maioria relate ter algum nível de estresse, o que leva ao crescimento<br />

do número de acidentes, ao adoecimento e à perda da produtividade.” (OGATA et al., 2012)<br />

[...] Mais de 30% das pessoas relatam ter níveis elevados de estresse. Mas, o que<br />

muitos ainda não se atentam, é que o estresse pode afetar seriamente a<br />

produtividade nas empresas. (LIPP, 2004)<br />

Como o estresse tem ligação entre o indivíduo e o meio em que ele está inserido, sua<br />

relação com o ambiente de trabalho é quase que inevitável. Nas últimas décadas, o estresse<br />

relacionado ao trabalho – estresse ocupacional (traduzido dos termos em inglês “job stress” e<br />

“work stress”) tem se transformado num problema altamente custoso e cada vez mais comum<br />

para os empregadores e empregados em todo o mundo. (MARTINS, 2010)<br />

Diante de perspectivas nada promissoras, vinculadas a ausências no trabalho causadas<br />

por condições laborais e estresse, a Organização Mundial da Saúde (OMS), se reuniu com os<br />

ministros da saúde em outubro de 2004, em Tallinn, Copenhagen para discutir a necessidade de<br />

ação em relação ao assunto, pois 50-60% de todos os dias de trabalho perdidos em países da<br />

União Européia estão relacionadas ao estresse x trabalho ou estresse ocupacional. Revelou ainda<br />

que 60% (sessenta por cento) das mortes no mundo são causadas pelo stress no trabalho.<br />

Existem várias razões para que ocorra estresse no ambiente de trabalho:<br />

[...] A intensa responsabilidade com pouca ou nenhuma autoridade, expectativas,<br />

prazos e parcelas impraticáveis, diminuição da empresa, reestruturação ou<br />

mudança de emprego, treinamento inadequado, falta de reconhecimento, tempo<br />

inadequado para realizar as responsabilidades do trabalho, incapacidade de


! O IMPACTO DO AMBIENTE DE TRABALHO E DO ESTILO DE VIDA NA SAÚDE !<br />

! DO TRABALHADOR E A IMPORTÂNCIA DE SE PROMOVER QUALIDADE DE VIDA NAS EMPRESAS !<br />

expressar as preocupações, falta de criatividade e autonomia, muita coisa para fazer<br />

com poucos recursos, falta de descrições claras no trabalho, dificuldades de tráfego<br />

par ir e voltar do trabalho, manter-se em dia com a tecnologia, cuidado inadequado<br />

do filho, pobres condições de trabalho (iluminação, barulho e ventilação), assédio<br />

sexual, discriminação racial e violência no local de trabalho. (SEAWARD, 2009)<br />

Como os níveis de estresse estão “aumentando na maioria dos subgrupos populacionais do<br />

hemisfério ocidental e afetam pessoas de quase todas as idades em quase todos, senão todos, os<br />

países desenvolvidos do mundo” (Nedley, 2009), o processo de adoecimento é quase que irreversível.<br />

[...] Adoecer é uma expressão do comprometimento do organismo humano devido<br />

a causas biológicas (vírus, bactérias), hereditariedade ou causas físicas e<br />

químicas (frio, calor, poluição, intoxicações), agentes psicológicos (emoções e<br />

conflitos) e agentes psicossociais (representados pelo ambiente socioeconômico e<br />

pela organização do trabalho). (LIMONGI; RODRIGUES, 2011)<br />

Nos Estados Unidos gastam-se de 50 a 75 bilhões de dólares por ano em despesas diretas<br />

e indiretas relacionadas a problemas de saúde, de ordem ocupacional. Isto dá uma despesa e 750<br />

dólares por ano por pessoa, que trabalha. (BERNICK, 2010, on-line)<br />

Já no Brasil, a situação não é muito diferente. Segundo informações da ISMA/BR (2012),<br />

cerca de 70% dos brasileiros se afastam do trabalho por estresse e como se tem visto, o custo<br />

humano do estresse é alto, pois o indivíduo pode desenvolver hipertensão, doenças gástricas,<br />

doenças cardiovasculares, doenças mentais (neurose e depressão), cânceres (pela queda da<br />

imunidade), dependências químicas, alterações osteomusculares e envelhecimento precoce.<br />

[...] Os transtornos psíquicos, são hoje, uma das principais causas de<br />

afastamentos no trabalho e de aposentadorias precoces, com forte impacto nas<br />

contas da Previdência, que em 2007, contabilizou 9.000 (nove mil) casos de<br />

afastamentos do trabalho relacionados a doenças da mente - reações ao stress<br />

grave e a depressão. (LANCAM; SZNELMAN, 2004)<br />

Contudo, avaliar a presença do stress nos locais de trabalho, não é uma tarefa simples. A<br />

complexidade do fenômeno tem levado à formulação de uma multiplicidade de conceitos, pois o<br />

estresse associa-se de formas variadas a todos os tipos de trabalho, prejudicando não só a<br />

saúde, mas o desempenho dos trabalhadores. (LIMONGI; RODRIGUES, 2011)<br />

Nesse sentido, os gestores de saúde e os recursos humanos precisarão oferecer<br />

programas de qualidade de vida que proporcionem a melhoria do estado de saúde e bem-estar<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((83(


!<br />

!<br />

MIRIAN DAMARIS BENAGLIA<br />

! !<br />

das pessoas. Isso pressupõe que esses programas tenham abordagens transversais e<br />

intersetoriais, multiprofissionais com ações custo-efetivas e baseadas em evidências científicas;<br />

que conseqüentemente, trarão benefícios evidentes não só para os indivíduos, mas também para<br />

as organizações. (OGATA et al., 2012)<br />

Ainda nas palavras de Ogata et al., (2012), os programas de qualidade de vida e promoção<br />

da saúde, quando bem estruturados, com comunicação, atividades em grupo, avaliações<br />

integradas e ambiente de suporte podem trazer, no prazo de três a cinco anos, um retorno sobre o<br />

investimento entre US$2,15 a US$5,64 para cada dólar investido.<br />

Se for considerado que o máximo desempenho pessoal na empresa, escola e nos<br />

negócios somente é alcançada quando atingimos níveis excelentes de saúde por meio de um<br />

estilo de vida saudável, as organizações, iniciariam os programas de qualidade de vida não mais<br />

sob a preocupação com os custos da assistência médica, absenteísmo, acidentes de trabalho,<br />

afastamentos por doenças e diminuição da produtividade; mas sim pela melhoria no estado de<br />

saúde de bem-estar de seus colaboradores, com evidente retorno não apenas para as<br />

organizações, mas para a sociedade como um todo.<br />

84$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($<br />

[...] Uma abordagem mais eficiente para ter melhores resultados financeiros é a<br />

promoção da saúde do empregado. (OGATA apud GOETZEL et al., 2009)<br />

Mas, para oferecer um programa de qualidade de vida que promova a saúde do<br />

colaborador é preciso, primeiramente, usar instrumentos que revelem os fatores negativos do<br />

ambiente de trabalho e suas respectivas condições, bem como seu estilo da vida, para que as<br />

ações possam ser efetivas pois, o ambiente de trabalho, as condições de trabalho e cada hábito<br />

do dia-a-dia tem grande influência na saúde geral e na qualidade de vida de todos que ali<br />

trabalham.<br />

Isto porque tudo está interligado: os quesitos do ambiente de trabalho (ambiente físico e<br />

social, desenvolvimento e realização pessoal, remuneração, benefícios e relevância do trabalho)<br />

juntamente com a disciplina na alimentação, a atenção aos relacionamentos, o controle do<br />

estresse, a prática de atividades físicas e o comportamento preventivo em questões de saúde e<br />

segurança favorecem ou não a qualidade de vida de vida do trabalhador.<br />

O equilíbrio dos 5 pilares que formam o Pentáculo do Ambiente e Condições de Trabalho<br />

(PACT) e os que formam o Pentáculo do Bem-Estar (PBE), instrumentos que demonstram<br />

graficamente os resultados obtidos através dos questionários do perfil do ambiente e condições do<br />

trabalho e perfil do estilo de vida individual, facilita a visualização dos seguimentos abordados<br />

contribuindo para que o colaborador possa levar uma vida mais saudável dentro e fora da


! O IMPACTO DO AMBIENTE DE TRABALHO E DO ESTILO DE VIDA NA SAÚDE !<br />

! DO TRABALHADOR E A IMPORTÂNCIA DE SE PROMOVER QUALIDADE DE VIDA NAS EMPRESAS !<br />

empresa, pois no final, os instrumentos aferiram o ambiente e as condições de trabalho, bem<br />

como os hábitos pessoais, apontando o que precisa ser mudado. (NAHAS, 2003)<br />

A aplicação do PACT consiste em 15 perguntas fechadas que representam características<br />

ambientais e das condições de trabalho relacionadas ao bem-estar individual. A cada item deve-<br />

se considerar a escala: [0] Ruim, [1] Regular/Sofrível, [2] Bom (Boa), [3] Excelente.<br />

Na transcrição dos dados para a representação pictorial, o participante deverá primeiramente<br />

deixar em branco se foi marcado zero para o item; preencher o centro até o primeiro círculo se marcou [<br />

1 ] ; preencher o centro até o segundo círculo se marcou [ 2 ] e preencher o centro até o terceiro círculo<br />

se marcou [ 3 ]. Ao usar diferentes cores no momento do preenchimento do PACT é possível identificar<br />

quais são as características ambientais e das condições de trabalho relacionadas ao bem-estar<br />

individual, o que facilita a tabulação dos dados. Os procedimentos descritos facilitam a visualização das<br />

informações no PACT e consequentemente orienta quais devem ser as ações promotoras da saúde e<br />

do bem-estar naquele ambiente de trabalho.<br />

A aplicação do PBE também consiste em 15 perguntas fechadas, havendo uma autoavaliação<br />

sobre o estilo de vida do indivíduo, que avalia o conjunto de ações habituais que<br />

refletem suas atitudes e valores, porque as ações têm grande influência na saúde geral e<br />

qualidade de vida da pessoa. Para cada item deve-se considerar a escala: [ 0 ] Absolutamente<br />

não faz parte do seu estilo de vida, [ 1 ] Às vezes corresponde ao seu comportamento, [ 2 ] Quase<br />

sempre verdadeiro no seu comportamento e [ 3 ] A afirmação é sempre verdadeira no seu dia a<br />

dia; faz parte de seu estilo de vida. Os procedimentos descritos facilitam a visualização das<br />

informações no PBE e consequentemente orienta quais devem ser as ações promotoras da saúde<br />

e do bem-estar para cada indivíduo.<br />

Na transcrição dos dados para a representação pictorial, o participante deverá<br />

primeiramente deixar em branco se foi marcado zero para o item; preencher o centro até o<br />

primeiro círculo se marcou [ 1 ] ; preencher o centro até o segundo círculo se marcou [ 2 ] e<br />

preencher o centro até o terceiro círculo se marcou [ 3 ]. Ao usar diferentes cores no momento do<br />

preenchimento do PBE é possível identificar qual é o item mais presente no estilo de vida do<br />

indivíduo avaliado, o que facilita a tabulação dos dados e consequentemente orienta quais devem<br />

ser as mudanças nos hábitos e estilo de vida que precisam ser melhorados, no intuito de adotar<br />

mudanças que promovam o seu bem-estar e saúde. Nesse sentido, quanto mais preenchido<br />

estiver o PBE, melhor.<br />

Ambos os instrumentos, o PACT e PBE foram utilizados para aferir as características<br />

ambientais e das condições de trabalho relacionadas ao bem-estar individual e o nível de<br />

qualidade de vida dos colaboradores da Agência da Previdência Social, na cidade de Jaboticabal,<br />

interior de São Paulo. A amostra foi constituída por 11 colaboradores da área administrativa da<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((85(


!<br />

!<br />

MIRIAN DAMARIS BENAGLIA<br />

! !<br />

Agência Previdência Social, na cidade de Jaboticabal, interior de São Paulo, sendo três homens e<br />

oito mulheres. (BENAGLIA, 2012)<br />

Benaglia (2012), demonstra nas tabelas 01, 02, 03 e 04 como o ambiente, as condições de<br />

trabalho, os hábitos e estilo de vida podem interferir na saúde das pessoas:<br />

Tabela 01: Pentáculo do Ambiente e Condições de Trabalho respondido por homens.<br />

Componentes Índice - Homens Classificação<br />

Ambiente de Trabalho 1,1,1 R,R,R<br />

Ambiente Social 3,2,3 P,P,P<br />

Desenvolvimento e Realização Profissional 1,1,2 R,R,P<br />

Remuneração e Benefícios 0,1,1, N,R,R<br />

Relevância Social do Trabalho 2,2,2 P,P,P<br />

86$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($<br />

Fonte: O Impacto do Stress na Saúde do Trabalhador e a Importância<br />

de se Promover à Qualidade de Vida no Ambiente de Trabalho, (BENAGLIA, 2012)<br />

Tabela 02: Pentáculo do Ambiente e Condições de Trabalho respondido por mulheres.<br />

Componentes Índice - Mulheres Classificação<br />

Ambiente de Trabalho 2,1,2,2,0,1 P,R,P,P,N,R<br />

Ambiente Social 2,2,2,3,2,2 P,P,P,P,P,P<br />

Desenvolvimento e Realização Profissional 1,2,2,3,1,2 R,P,P,P,R,P<br />

Remuneração e Benefícios 1,1,1,2,0,2 R,R,R,P,N,P<br />

Relevância Social do Trabalho 1,2,2,2,3,3 R,P,P,P,P,P<br />

Fonte: O Impacto do Stress na Saúde do Trabalhador e a Importância<br />

de se Promover à Qualidade de Vida no Ambiente de Trabalho, (BENAGLIA, 2012)<br />

Tabela 03: Pentáculo do Bem-Estar respondido por homens.<br />

Componentes Índice - Homens Classificação<br />

Nutrição 1,2,1 R,P,R<br />

Atividade Física 2,1,1 P, R,R<br />

Comportamento Preventivo 1,2,2 R, P,P<br />

Relacionamento Social 2,1,1 P,R,R<br />

Controle do Stress 1,1,2 R,R,P<br />

Fonte: O Impacto do Stress na Saúde do Trabalhador e a Importância de se Promover à<br />

Qualidade de Vida no Ambiente de Trabalho, (BENAGLIA, 2012)


! O IMPACTO DO AMBIENTE DE TRABALHO E DO ESTILO DE VIDA NA SAÚDE !<br />

! DO TRABALHADOR E A IMPORTÂNCIA DE SE PROMOVER QUALIDADE DE VIDA NAS EMPRESAS !<br />

Tabela 04: Pentáculo do Bem-Estar respondido por mulheres.<br />

Componentes Índice - Mulheres Classificação<br />

Nutrição 2,2,1,2,1,2,3,2 P,P,R,P,R,P,P,P<br />

Atividade Física 1,1,1,2,1,1,3,1 R,R,R,P,R,R,P,R<br />

Comportamento Preventivo 3,2,3,2,2,3,3,1 P,P,P,P,P,P,P,R<br />

Relacionamento Social 2,3,2,3,3,2,3,2 P,P,P,P,P,P,P,P<br />

Controle do Stress 2,3,1,2,2,2,3,2 P,P,R,P,P,P,P,P<br />

Fonte: O Impacto do Stress na Saúde do Trabalhador e a Importância de se<br />

Promover à Qualidade de Vida no Ambiente de Trabalho, (BENAGLIA, 2012)<br />

Tabela 05: Referências para os Pentáculos do Ambiente e Condições de Trabalho e do Bem-estar<br />

Índice Classificação<br />

Menos de 1 Índice Negativo<br />

Entre 1 e 1,99 Índice Regular<br />

Entre 2 e 3 Índice Positivo<br />

Fonte: O Impacto do Stress na Saúde do Trabalhador e a Importância de se<br />

Promover à Qualidade de Vida no Ambiente de Trabalho, (BENAGLIA, 2012)<br />

Os resultados na tabulação dos dados no PACT demonstraram que para os homens, os<br />

itens: ambiente de trabalho, desenvolvimento e realização profissional, a remuneração e<br />

benefícios precisam ser melhorados (apresentaram maior índice regular na classificação dos<br />

dados); enquanto que para as mulheres, o que mais pesou foi o ambiente de trabalho e a<br />

remuneração e benefícios, pois foram os que apresentaram maior índice regular na classificação<br />

dos dados. Isso demonstra que ambos pontuaram quase os mesmos itens (ambiente de trabalho,<br />

desenvolvimento e realização profissional e remuneração e benefícios) para o aperfeiçoamento do<br />

ambiente e das condições do seu trabalho.<br />

Já os resultados na tabulação dos dados no PBE demonstram que os homens, em geral,<br />

tem menos cuidado consigo mesmos quando o assunto é saúde; enquanto que para as mulheres,<br />

o problema maior foi a inatividade (ausência de atividade física), embora elas tenham mais<br />

cuidado consigo mesmas e com os demais aspectos relacionados à saúde. Portanto, Benaglia,<br />

(2012) revela que os funcionários da Agência da Previdência Social, na cidade de Jaboticabal, no<br />

interior de São Paulo apresentaram, ao responderem as perguntas do perfil do estilo de vida<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((87(


!<br />

!<br />

MIRIAN DAMARIS BENAGLIA<br />

! !<br />

individual, que os hábitos pessoais para cuidar da saúde são parcialmente positivos em quase<br />

todos os componentes estudados, com ressalva para atividade física e controle do estresse.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O momento histórico atual, sem dúvida, tem apontado para a importância de uma reflexão<br />

profunda a respeito das sociedades industriais contemporâneas e seus impactos sobre a saúde e<br />

a qualidade de vida do trabalhador; ressaltando que a relação entre trabalho, saúde e qualidade<br />

de vida possui dupla dimensão: dentro e fora das plantas industriais.<br />

Considerando a íntima relação entre saúde e trabalho, podemos dizer que o estado de saúde<br />

dos trabalhadores não é independente de sua atividade de trabalho e que trabalhador é toda pessoa<br />

que exerce uma atividade de trabalho, independentemente de estar inserido no mercado formal ou<br />

informal de trabalho, inclusive na forma de trabalho familiar ou doméstico. Como adendo, lembramos<br />

que o mercado informal no Brasil tem crescido acentuadamente nos últimos anos.<br />

Para que o trabalhador possa gozar de saúde é necessário compreender os<br />

condicionantes sociais, econômicos, tecnológicos e organizacionais responsáveis pelas condições<br />

de vida bem como os fatores de riscos ocupacionais – físicos, químicos, biológicos, mecânicos e<br />

aqueles decorrentes da organização laboral – presentes nos processos de trabalho. Assim, as<br />

ações de promoção da saúde e da qualidade de vida do trabalhador têm como foco as mudanças<br />

nos processos de trabalho que contemplem as relações trabalho-saúde em toda a sua<br />

complexidade.<br />

Quando o ambiente e as condições de trabalho, bem como o estilo de vida do indivíduo<br />

estão em desequilíbrio, os problemas de saúde ocupacional aparecem e consequentemente, os<br />

custos de assistência médica para as empresas se elevam; o que acarreta numa maior<br />

preocupação sobre as questões de saúde.<br />

Sabe-se que o nível de qualidade de vida no trabalho tem relação direta com as finanças e<br />

produtividade da empresa, e para tanto ações para a promoção da saúde e da qualidade de vida no<br />

trabalho, orientando os trabalhadores a terem um estilo de vida saudável precisam se integrar à<br />

gestão empresarial com o objetivo de levar informações, aumentar a motivação e oferecer<br />

oportunidades para que aja práticas positivas em saúde, reduzindo os comportamentos e os fatores<br />

que tendem a interferir no equilíbrio do indivíduo, antes que esses se transformem em doença.<br />

Mas, para intervir e agir no ambiente de forma a aplicar uma abordagem humanística, a<br />

organização precisa atuar em função que a possibilite reconhecer os indícios dos desequilíbrios e<br />

não em reação ao sofrimento.<br />

Para tanto, o ciclo de ações voltadas à melhoria das condições de trabalho, qualidade de<br />

vida e promoção da saúde do trabalhador, com o intuito de prevenir o estresse e custos<br />

88$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($


! O IMPACTO DO AMBIENTE DE TRABALHO E DO ESTILO DE VIDA NA SAÚDE !<br />

! DO TRABALHADOR E A IMPORTÂNCIA DE SE PROMOVER QUALIDADE DE VIDA NAS EMPRESAS !<br />

adicionais, tem adquirido status estratégico cada vez maior não só na formulação de políticas de<br />

gestão de pessoas, mas presente nas decisões gerenciais dentro das organizações – harmonizar<br />

condições de trabalho e produtividade com a saúde e bem-estar do trabalhador, investindo em<br />

saúde, desenvolvimento e condições laborais que favoreçam um ambiente de trabalho equilibrado<br />

para uma organização de sucesso.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

Associação Brasileira de Qualidade de Vida, Ambientes de trabalho saudáveis, Disponível em:<br />

http://www.abqv.com.br/artigos/Content.aspx?id=253 / Acesso em 30 abril 2012.<br />

BRASIL, Ministério da Saúde, Departamento de Atenção Básica, Departamento de Ações<br />

Programáticas e Estratégias, Área Técnica de Saúde do Trabalhador. Cadernos de Atenção<br />

Básica. Programa Saúde da Família - 5; Brasília: Ministério da Saúde, 2001.<br />

BENAGLIA. M.D. O Impacto do Stress na Saúde do Trabalhador e a Importância de se<br />

Promover à Qualidade de Vida no Ambiente de Trabalho: (2009-2012).2012. Dissertação<br />

(Especialização Lato Sensu) – Universidade Paulista, São Paulo, 2012<br />

DRUCKER, P., O Homem – O melhor de Peter Drucker. São Paulo: Livraria Nobel, 2001.<br />

KARASEK, R.A. Job demands, job decision latitude and mental strain: implications for job<br />

redesigning. Ciência Administrativa Trimestral, 24, p.285-308, June 1979.<br />

GALEANO, R. et al; A Qualidade de vida no trabalho como fator de influência no<br />

desempenho organizacional. Disponível em: http://<br />

www.ead.fea.usp.br/Semead/11semead/trabalhosPDF/759.pdf / Acesso em 5 abril 2010<br />

LANCMAN, S. SZNELMAN, L. Christopher Dejours.: Da Psicopatologia à Psicodinâmica do<br />

Trabalho. Selma Lancman & Laerte I. Sznelman (organizadores). Rio de Janeiro: Editora<br />

Fiocruz/Brasília: Paralelo 15, 2004. 346 pp.<br />

LIMONGI, A.C.F.; RODRIGUES, A.L.; Stress e Trabalho: uma abordagem psicossomática /<br />

Ana Cristina Limongi-França, Avelino Luiz Rodrigues. - 4ª ed. – 4ª. Reimpr. – São Paulo: Atlas,<br />

2011<br />

LIPP, M. Stress no Brasil: Pesquisas Avançadas. Campinas: Papirus, 2004<br />

MAXIMIANO, A. C. A; Teoria Geral da Administração: Da Revolução Urbana à Revolução<br />

Digital. Antonio César Amaru Maximiano. – 6ªed. – 5.reimpr. - São Paulo: Atlas, 2009. dera<br />

MENDES, R. & DIAS, E.C. Da medicina do trabalho à saúde do trabalhador. Revista de Saúde<br />

Pública, 25 (5), 341-349,1991.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((89(


!<br />

!<br />

MIRIAN DAMARIS BENAGLIA<br />

! !<br />

NAHAS, M. V. O pentáculo do bem-estar - base conceitual para avaliação do estilo de vida<br />

de indivíduos ou grupos. Revista Brasileira de Atividade Física e Saúde. v.5, n.2, 2000.<br />

NAHAS, M.V. Atividade Física, Saúde e Qualidade de Vida: conceitos e sugestões para um<br />

estilo de vida saudável. 3 ed. Londrina: Midiograf, 2003.<br />

NEDLEY, N.; Como sair da depressão: prevenção, tratamento e cura / Neil Nedley: tradução<br />

Carlos G. Michel – Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2009.<br />

OGATA, A. et al., Profissionais saudáveis, empresas produtivas: como promover um estilo<br />

de vida saudável no ambiente de trabalho e criar oportunidades para trabalhadores e<br />

empresas / Alberto Ogata (organizador); Antonio Carlos Bramante...[et.al]. – Rio de Janeiro:<br />

Elsevier:SESI, 2012.<br />

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Healthy workplaces: a model for action. For<br />

employers, workers, policy-makers and practitioners. 2010. Disponível em http://www.who.int/<br />

Acesso em 03 agosto de 2012.<br />

PONTES, S. K.; Produção enxuta e saúde do trabalhador: um estudo de caso. 2006. 136 p.<br />

Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção - CCET-Centro de Ciências Exatas e de<br />

Tecnologia. EP) – Universidade Fel de São Carlos, Programa de Pós-Graduação em Engenharia<br />

de Produção, São Carlos, 2006.<br />

SEAWARD, B. L.; Stress – Aprenda a lidar com as tensões do dia-a-dia e melhore sua<br />

qualidade de vida/ Brian Luke Seaward; tradução Maria da Graça da Silva; revisão técnica Maria<br />

Filomena Fontes Ricco. – São Paulo: Editora Novo Conceito, 2009<br />

SIVIERI, L.H. Saúde no trabalho e mapeamento dos riscos. In:TODESCHINI, R. (Org.). Saúde,<br />

meio ambiente e condições de trabalho: conteúdos básicos para uma ação sindical. São Paulo:<br />

CUT/Fundacentro, 1995. p.75-111.<br />

(VÁRIOS AUTORES, IL.) Programa de Qualificação Profissional da Secretaria do Emprego e<br />

Relação do Trabalho – SERT.Conteúdos Gerais. Caderno do trabalhador, v.6; pg. 19. São<br />

Paulo: Fundação Padre Anchieta, 2010.<br />

VERDUSSEN, R., Ergonomia: a racionalização humanizada do trabalho – Rio de Janeiro:<br />

Livros Técnicos e Científicos, 1978.<br />

VIEIRA, M.C.U.; MARCON, S.S., Significados do processo de adoecer: o que pensam<br />

cuidadoras principais de idosos portadores de câncer; Rev. Esc. Enferm. USP, vol.42, no.4,<br />

São Paulo, Dec. 2008<br />

WORLD HEALTH ORGANIZATION, Regional Offiece for Europe, WHO concerned about absence<br />

from work due to stress-related conditions, Discussions alert health ministers to the need for action<br />

Press release EURO/14/04, Copenhagen, Tallinn, 4 October 2004.<br />

90$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($


S a ú d e<br />

CONVIVÊNCIA GRUPAL X QUALIDADE DE VIDA<br />

NA TERCEIRA IDADE<br />

MARIA DVANIL D´ÁVILA CALObRIzI<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

KAROLINE DAVANTEL GENARO<br />

<br />

<br />

-


CONVIVÊNCIA GRUPAL X QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE<br />

Karoline Davantel Genaro<br />

Maria Dvanil D´Ávila Calobrizi<br />

RESUMO: Este estudo teve como objetivo revelar se a convivência grupal na terceira idade<br />

através da realização de atividades físicas e de lazer favorece uma melhor qualidade de vida. A<br />

pesquisa contou com dez por cento do universo (cinco sujeitos) dos cinquenta participantes do<br />

Programa Eternos Jovens, utilizou o método qualitativo e para a coleta de dados a entrevista,<br />

gravador, telefone, diálogo e observação, através de um formulário com perguntas abertas e<br />

fechadas. Reconhecem que as atividades físicas e de lazer são facilitadores de um<br />

desenvolvimento de convivência e melhoria de qualidade de vida, de forma a proporcionar mais<br />

disposição física para realizar atividades do dia-a-dia e veem em sua prática uma oportunidade de<br />

realizar uma prazerosa interação social e adquirir autonomia.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Convivência Grupal, Terceira Idade, Qualidade de Vida.<br />

GROUP ASSOCIATION X QUALITY OF LIFE IN ELDERLY<br />

ABSTRACT: This research revealed the improvement in quality of life for senior people that had<br />

been introduced to physical activities and leisure in their lives. The study had ten percent of the<br />

universe (five subjects) of the fifty participants of Programa Eternos Jovens, used the qualitative<br />

method and for data collection, interview, recorder, telephone, dialogue and observation, using a<br />

form with opened and closed questions. It was observed that physical activity and leisure are<br />

facilitators of development of living and they can improve quality of life in order to provide a better<br />

physical performance and they are a good opportunity to achieve a pleasurable social interaction<br />

and acquire autonomy.<br />

KEYWORDS: Group living, Seniors or Old age, Quality of Life.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012!!|((93(


!<br />

!<br />

CONVIVÊNCIA GRUPAL X QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE<br />

!<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

No início da década de 60, a questão do envelhecimento não estava em pauta. As poucas<br />

ações sociais propostas para os idosos eram de natureza assistencialista e efetivavam-se através<br />

de instituições asilares. A sociedade não oferecia alternativas de convivência para a participação<br />

do idoso saudável física e mentalmente.<br />

O Programa Eternos Jovens surge em meados de 1997, e conta com usuários a partir dos<br />

50 (cinquenta) anos de idade, cadastrados de forma espontânea, de ambos os sexos, residentes em<br />

Bauru, nas proximidades da Vila Falcão e arredores, sem qualquer discriminação socioeconômica,<br />

étnica, política e religiosa, sendo em sua maioria aposentados, viúvas e pensionistas.<br />

O objetivo geral deste estudo foi revelar se a convivência grupal na terceira idade através<br />

da realização de atividades físicas e de lazer favorece uma melhor qualidade de vida e como<br />

objetivos específicos identificar o perfil dos idosos do grupo Eternos Jovens; ampliar os<br />

conhecimentos teóricos e empíricos acerca da participação dos idosos em atividades físicas e<br />

lazer visando uma melhor qualidade de vida; desvelar as atividades físicas e passeios turísticos<br />

que mais agradam e motivam o grupo Eternos Jovens e identificar as mudanças ocorridas na vida<br />

dos idosos após a convivência grupal e participação ativa nos passeios e atividades físicas.<br />

Os instrumentais utilizados na coleta de dados utilizados foram: entrevista, gravador,<br />

telefone, diálogo e a observação.<br />

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que se deu através de uma análise documental e<br />

empírica, contando com um estudo de dados bibliográficos e envolvendo o aprofundamento<br />

teórico sobre o tema abordado; em livros, revistas científicas, internet e monografias. Efetivou-se<br />

por meio de um formulário com perguntas fechadas e abertas, aplicado pela pesquisadora junto<br />

ao grupo Eternos Jovens. A amostragem foi de 10% (dez por cento), de um universo de 50<br />

(cinquenta) sujeitos, perfazendo 5 (cinco) sujeitos.<br />

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

2.1 ENVELHECIMENTO POPULACIONAL<br />

“Terceira Idade” é uma expressão utilizada para definir o idoso, originada na França, nos<br />

anos 70.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((94(<br />

!


!<br />

!<br />

KAROLINE DAVANTEL GENARO | MARIA DVANIL D´ÁVILA CALOBRIZI<br />

! !<br />

Até 1980, o Brasil era considerado um país jovem. Possuía uma pirâmide populacional<br />

invertida, diferente dos países desenvolvidos. Na pirâmide etária nacional predominava uma<br />

população em idade de crescimento. Havia mais jovens do que adultos com mais de 40 anos.<br />

Nota-se, porém, nos gráficos a seguir, que a partir da década de 80, a forma da pirâmide<br />

mudou. O Brasil agora é um país de meia idade. Em 2000, a base da pirâmide sofreu uma<br />

contração, principalmente na faixa etária dos que tem menos de dez anos, e, inversamente, a<br />

camada da população idosa apresentou sinais de crescimento.<br />

95%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012!!%<br />

FONTE: IBGE - Censo gráfico de 1980 a 2000<br />

Em 2005, a esperança de vida era de 71,9 anos (EXPECTATIVA, 2007). Atualmente,<br />

porém, a expectativa de vida brasileira ao nascer, segundo dados do Instituto Brasileiro de


!<br />

!<br />

CONVIVÊNCIA GRUPAL X QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE<br />

!<br />

Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, é de 73,4 anos, um aumento de 25,4 anos em<br />

comparação à década de 1960 (EXPECTATIVA, 2012). Existem no país mais de 30 mil pessoas<br />

com idade acima de cem anos e temos três vezes mais brasileiros acima de 65 anos do que há<br />

meio século. (MENEZES, 2012). Alguns aspectos estão ligados à melhoria da qualidade de vida<br />

dos indivíduos, redução da mortalidade precoce, diminuição das taxas de fertilidade e natalidade,<br />

evolução na medicina e a prevenção de doenças infectocontagiosas.<br />

Pode-se considerar o aumento da expectativa de vida uma grande conquista da sociedade<br />

moderna, mas também devemos levar em consideração que o fato de viver mais não significa<br />

necessariamente viver bem, não é importante apenas acrescentar anos à vida, mas também<br />

acrescentar vida aos anos.<br />

É preciso dar mais atenção aos estudos sobre o processo de envelhecimento, além de<br />

pensar formas de melhorar a qualidade de vida da terceira idade.<br />

Para que o idoso não seja visto apenas como objeto de cuidado é preciso haver uma<br />

mudança de valores, sobretudo no que se refere à imagem negativa que a sociedade propaga dos<br />

idosos, de fragilidade e dependência, pois segundo relata Silva (2005):<br />

Se a velhice passar a ser encarada como fase normal da vida e não como<br />

marginal, haverá uma mudança significativa em relação ao papel e importância<br />

dos idosos na sociedade brasileira. Contudo, há muitas trilhas a serem<br />

percorridas, sobretudo porque o idoso ainda é forte alvo de preconceitos numa<br />

sociedade marcada pelo consumo.<br />

A população idosa possui como uma de suas maiores necessidades o favorecimento às<br />

oportunidades de serem incluídos nas decisões a respeito da sociedade e de sua vida diária.<br />

2.2 A CONVIVÊNCIA GRUPAL ATRAVÉS DE ATIVIDADES FÍSICAS E DE LAZER E A<br />

QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE<br />

Os grupos de convivência para a população idosa, caracterizam-se como espaços por<br />

excelência, onde as atividades desenvolvidas contribuem para que os idosos exerçam seu papel<br />

de cidadãos, constituindo-se em um local onde eles utilizam suas potencialidades, onde há<br />

sempre alguém que os escute, propiciando a efetivação de laços de amizade e momentos de<br />

lazer. Contribuem ainda para o restabelecimento da autoimagem positiva, uma vez que, em geral,<br />

o contexto familiar não favorece a utilização das potencialidades dos idosos.<br />

Envelhecimento ativo, na definição da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2005, p. 13),<br />

“é o processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((96(<br />

!


!<br />

!<br />

KAROLINE DAVANTEL GENARO | MARIA DVANIL D´ÁVILA CALOBRIZI<br />

! !<br />

objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas”. Em outras<br />

palavras, é manter a autonomia e a independência dos idosos, não só em relação à saúde física,<br />

mas nas questões sociais, econômicas, culturais, espirituais e civis.<br />

Existe uma teoria formulada por Robert Harvighrst, citada por Bazo (1990), a “Teoria da<br />

Atividade” que explica que a qualidade de vida e a sua longevidade se alicerçam sobre três pilares<br />

básicos:<br />

• A maioria das pessoas que envelhece deve manter seus níveis de atividades<br />

sempre que possível constante;<br />

• A quantidade de ocupações está influenciada por estilos de vida e por fatores<br />

socioeconômicos;<br />

• Para um envelhecimento com êxito, deve se conservar os níveis de atividades<br />

nas três esferas: físico, mental e social. (BAZO, 1990, apud CANNONE;<br />

CALOBRIZZI, 2003, p. 170).<br />

Tendo por base esta teoria, entendemos que a qualidade de vida depende muito de manter<br />

corpo e mente ativos.<br />

Visando proporcionar aos idosos uma boa convivência grupal e por consequência uma<br />

melhor qualidade de vida o turismo focado na terceira idade está em ascensão e deve ser visto<br />

como uma atividade benéfica, tanto por proporcionar saúde mental, física ou/e social.<br />

Turismo junge-se a dois radicais: um indo - europeu ter e outro sânscrito Tárati. Ambos<br />

transmitem a ideia de atravessar, passar. Turismo está ligado à ideia de movimento, locomoção,<br />

viagem (CASTRO, 2002, p. 91). Compreende as atividades que as pessoas realizam durante suas<br />

viagens e estadas em lugares diferentes do seu entorno habitual, por um período consecutivo<br />

inferior a um ano, com finalidade de lazer, negócios ou outras (SOUZA, FILHO, SOUZA, 2006,<br />

p.34).<br />

Revelam ainda Souza; Filho; Souza (2006, p.32):<br />

97%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012!!%<br />

O turismo é uma das diferentes formas de lazer que podem ser praticadas. Ele<br />

propicia o atendimento das necessidades humanas de aventura, de descoberta,<br />

de movimento, de apreciação da natureza e a satisfação das ambições estéticas<br />

do homem, perpetuando a tradição, o folclore e as artes no país e fora dele.<br />

Segundo Marta Suplicy (2007, p.A3), a Espanha investe a cada ano 75 milhões de euros<br />

para garantir programas de turismo a mais de um milhão de idosos. Há sete anos, o vizinho Chile<br />

lançou o programa Vacaciones Tercera Edad e Pesquisas do Serviço Nacional de Turismo do Chile<br />

mostram que, em consequência a saúde dos idosos melhorou; o grau de satisfação é de 98,66%.<br />

No Brasil está sendo desenvolvido o Programa “Viaje Mais - Melhor Idade”, pelo Ministério<br />

do Turismo, com o objetivo de promover a inclusão social dos idosos, aposentados e pensionistas<br />

proporcionando-lhes oportunidades de viajar e de usufruir os benefícios da atividade turística.


!<br />

!<br />

CONVIVÊNCIA GRUPAL X QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE<br />

!<br />

Porém, este Programa, para ter sucesso, depende de um trabalho contínuo, permanente e bem<br />

estruturado.<br />

De acordo com dados apresentados por Marta Suplicy, Ministra do Turismo, na Folha de<br />

São Paulo (4 set. 2007, p A3):<br />

O Brasil possui aproximadamente 17 milhões de habitantes com mais de 60 anos<br />

de idade. Desses 17 milhões, cerca de 4 milhões vivem no estado de São Paulo,<br />

maior mercado emissor de viagens para o mercado interno. Segundo estudo<br />

realizado pelo Ministério do Turismo em parceria com a Fipe, desses 4 milhões,<br />

1,6 milhão viajam regularmente. Dos 2,4 milhões que não têm o hábito de viajar,<br />

800 mil não o fazem por falta de estímulo e condições de financiamento.<br />

Os pacotes variam de três a oito dias, a preços promocionais e contam com a facilidade do<br />

crédito consignado para aposentados e pensionistas do INSS, com limite de consignação de até<br />

30% do rendimento líquido da aposentadoria/pensão e juros abaixo de 1% ao mês. (SUPLICY,<br />

2007, p. A3) Já sua comercialização, será é exclusivamente por intermédio de agências<br />

cadastradas e capacitadas por treinamento.<br />

Os recursos de financiamento do Programa partem do Fundo de Amparo ao Trabalhador,<br />

visto que nada mais justo o fazer a pessoas que trabalharam a vida toda e nunca tiveram a<br />

oportunidade de conhecer o Brasil.<br />

No Brasil, na Lei 8842/94, que dispõe sobre a política nacional do idoso, em seu artigo 10,<br />

inciso VII, trata o lazer com a cultura e o esporte:<br />

Art. 10. Na implementação da política nacional do idoso, são competências dos<br />

órgãos e entidades públicos:<br />

VII - na área de cultura, esporte e lazer:<br />

a) garantir ao idoso a participação no processo de produção, reelaboração e<br />

fruição dos bens culturais;<br />

b) propiciar ao idoso o acesso aos locais e eventos culturais, mediante preços<br />

reduzidos, em âmbito nacional;<br />

c) incentivar os movimentos de idosos a desenvolver atividades culturais;<br />

d) valorizar o registro da memória e a transmissão de informações e habilidades<br />

do idoso aos mais jovens, como meio de garantir a continuidade e a identidade<br />

cultural;<br />

e) incentivar e criar programas de lazer, esporte e atividades físicas que<br />

proporcionem a melhoria da qualidade de vida do idoso e estimulem sua<br />

participação na comunidade.<br />

Garante o Ministério do Turismo que: viajar faz bem à saúde, à alma, à economia e à<br />

geração de empregos. (SUPLICY, 2007, p. A3)<br />

Os programas para terceira idade têm mobilizado, sobretudo, o público feminino, em sua<br />

maioria viúvas, que formam grupos muito unidos. O entusiasmo manifestado pelas mulheres na<br />

realização das atividades propostas contrasta com a atitude de reserva e indiferença dos homens<br />

da terceira idade.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((98(<br />

!


!<br />

!<br />

KAROLINE DAVANTEL GENARO | MARIA DVANIL D´ÁVILA CALOBRIZI<br />

! !<br />

As pessoas dessa faixa etária costumam realizar viagens rodoviárias com percurso de até<br />

oitocentos quilômetros do local de residência, preferencialmente viagens curtas, com até cinco<br />

dias de duração (SOUZA; FILHO; SOUZA, 2006; p. 40).<br />

Os que viajam a lazer importam-se mais com o descanso, ficando a escolha do local de<br />

destino como papel secundário. O principal consiste em fazer amizades, afastar-se da rotina e<br />

algumas tensões diárias.<br />

Contudo, embora tenha havido um crescimento substancial na participação dos idosos no<br />

mercado turístico, ainda se está longe do que acontece na Europa e nos Estados Unidos; o que se<br />

explica, em parte pela diferença marcante do poder <strong>aqui</strong>sitivo dos idosos brasileiros.<br />

2.3 SERVIÇOS DEDICADOS NOS PASSEIOS TURÍSTICOS E OS BENEFÍCIOS À<br />

TERCEIRA IDADE<br />

Os idosos são diferentes dos jovens, e essas diferenças devem ser levadas em<br />

consideração por aqueles que lidam com a população idosa em atividades turísticas, a fim de<br />

proporcionar-lhes viagens mais agradáveis.<br />

O SESC/RS promove cursos de capacitação, cabendo destacar o curso “Viajando com<br />

idosos”, com o objetivo de capacitar guias de turismo para o acompanhamento de grupos de<br />

idosos em viagens, estimulando a autonomia e os contatos interpessoais (SESC, 1992, apud<br />

SOUZA, FILHO; SOUZA, 2006, p.85).<br />

Os guias tem que ser hospitaleiros, corteses, pacientes, ter comunicação eficiente e de<br />

fácil entendimento, além de estarem atentos a alguns cuidados como, no caso de uma viagem<br />

longa: a realização de paradas técnicas com espaçamento de no máximo duas horas é<br />

importante. Outro fator importante é que o turista de terceira idade valoriza o horário de chegada,<br />

das refeições, do descanso, e de visitas.<br />

A locomoção desta demanda deve ser observada também pelos profissionais de turismo. É<br />

preciso avaliar as condições da cidade e do hotel, preferindo locais em que existam iluminação<br />

suficiente, elevadores, escadas e banheiros com barras de segurança, pisos antiderrapantes e<br />

box adequado para um banho seguro. Além disso, sempre que necessário, deve oferecer ajuda<br />

para o idoso sair do ônibus e entrar nele em viagens rodoviárias (SOUZA; FILHO; SOUZA, 2006).<br />

Outra atenção que se deve ter é quanto à incontinência urinária (perda involuntária de<br />

urina), um distúrbio frequente em idosos, embora ocorra em apenas 15 a 30% deles. Desta forma,<br />

o transporte de idosos exige maior número de paradas para urinar, pois mesmo que o ônibus<br />

tenha banheiro, o seu uso é mais desconfortável para estes. Além disso, viagens muito longas<br />

99%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012!!%


!<br />

!<br />

CONVIVÊNCIA GRUPAL X QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE<br />

!<br />

podem levar a inchaço nos pés e provocarem outros problemas como a trombose venosa, ou seja,<br />

formação de coágulos de sangue nas veias (SOUZA; FILHO; SOUZA, 2006).<br />

A dieta alimentar é também um aspecto importante que deve ser observado, já que muitas<br />

pessoas desta faixa etária podem apresentar colesterol elevado, gastrite ou diabete, por exemplo.<br />

(SOUZA; FILHO; SOUZA, 2006).<br />

A redução à exposição a situações de risco propicia ao turista de terceira idade bem-estar<br />

psicológico, tranquilizando-o para melhor aproveitar a viagem; e locais e alimentação em bom<br />

estado de limpeza e conservação, além de ser um fator imprescindível à preservação da saúde,<br />

são interpretados como respeito aos idosos (SOUZA; FILHO; SOUZA, 2006).<br />

Hoje muitas agências de turismo, hotéis e pousadas, em todo o país e no exterior, já<br />

oferecem descontos e condições especiais para receber os idosos. São centenas de<br />

estabelecimentos, com serviços para o atendimento direcionado a esse setor específico.<br />

Os grupos de terceira idade buscam, geralmente, um lazer heterogêneo, que inclua<br />

descanso, visitas a pontos turísticos e até mesmo, música e dança. Não gostam muito, porém, de<br />

mudanças frequentes de hotéis e de carregar suas bagagens (SOUZA; FILHO; SOUZA, 2006).<br />

Muitas vezes, a população que se encontra na terceira idade acaba por sofrer um certo<br />

isolamento, levando-a a concentrar-se em coisas passadas, em perdas ocorridas, o que pode<br />

causar a depressão. Na verdade, a população da terceira idade tem vontade de utilizar seus<br />

conhecimentos e experiência em atividades que tenham significância, e não permanecer na<br />

inatividade.<br />

Diante dessas considerações, percebe-se porque os idosos, nas várias situações da vida,<br />

deveriam receber um tratamento especial e diferenciado. Para minimizar este quadro, fica<br />

evidente a importância da promoção de eventos sociais e de lazer para eles, e é nesse contexto<br />

que se inserem os passeios turísticos. (SOUZA; FILHO; SOUZA, 2006)<br />

Esta população reconhece que desenvolver projetos pessoais e participar de projetos de<br />

lazer são uma forma de melhorar a qualidade de vida.<br />

Segundo Souza (2006, p. 37):<br />

Vários são os fatores que levam um indivíduo a realizar uma viagem turística:<br />

motivado por deficiência (por exemplo, fuga de problemas, da rotina, da poluição,<br />

da situação estressante das grandes metrópoles) ou por excesso (por exemplo, ir<br />

para um local onde possa se divertir, fazer cursos, conhecer novos lugares e<br />

culturas, fazer novas amizades, buscar aventuras).<br />

A maioria dos grupos de terceira idade, que efetuam viagens turísticas, são formados por<br />

pessoas que desistiram de sentir culpa, de aborrecer-se com as preocupações dos outros. Ao<br />

viajarem, essas pessoas tem expectativas de quebrar a rotina usando o tempo de uma forma<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((100(<br />

!


!<br />

!<br />

KAROLINE DAVANTEL GENARO | MARIA DVANIL D´ÁVILA CALOBRIZI<br />

! !<br />

muito divertida e saudável: conhecendo novos lugares, pessoas e culturas.<br />

O passeio turístico propicia condições para que o tempo do idoso seja preenchido com<br />

atividades agradáveis nas quais possam desenvolver suas aptidões. Tudo isso contribui para a<br />

melhoria de sua saúde física, social e mental.<br />

2.4 AS ATIVIDADES FÍSICAS COMO MEIO DE QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA<br />

IDADE<br />

“O termo ‘atividade física’, [...] num sentido mais restrito é todo movimento corporal,<br />

produzido por músculos esqueléticos, que provoca um gasto de energia”. (BARBANTI, 2003, apud<br />

ROSA; GERALDO; AVILA, 2005, p. 55)<br />

De acordo com Sova, (1998, p.5):<br />

101%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012!!%<br />

Algumas pessoas imaginam que, à medida que envelhecem, não são mais<br />

capazes de praticar exercícios tão intensamente ou por tanto tempo quanto<br />

praticavam quando eram mais jovens. Não é verdade! De fato, muito do declínio<br />

na capacidade aeróbica, atribuído à idade é causado, na verdade, pela inatividade.<br />

O processo degenerativo do organismo ocorre gradativamente a partir dos 20-22 anos de<br />

idade e se acentua a partir dos 60-65 anos. O declínio ocorre para todos, sem exceção, mas a<br />

velocidade e a inclinação do declínio são diferentes quando são comparados, os indivíduos ativos<br />

com sedentários. (NEGREIROS, 2007, p. 122)<br />

Existe um conceito antigo preconizado por Hipócrates (460-375 a.C.), há quase 2.500<br />

anos: “As partes do corpo que se mantêm ativas envelhecem lentamente e com saúde, enquanto<br />

as inúteis ficam doentes e envelhecem precocemente” (FILHO, 2006, p. 77).<br />

Nesse sentido revela Baccaro (2003, p.105):<br />

Historicamente, o exercício como atividade terapêutica já era usado pelos<br />

chineses, gregos e romanos há cerca de 2000 anos. Umas das razões pela qual<br />

os homens do passado não apresentavam enfermidades cardíacas e nervosas tão<br />

frequentes como as observadas nos homens de hoje, deve-se ao fato de que a<br />

vida era menos sedentária.<br />

Atualmente, os programas de condicionamento físico para idosos estão enfatizando cada<br />

vez mais exercícios como formas de se manter uma boa qualidade de vida. Desta forma, o idoso<br />

deve ter em mente que o corpo nasceu para a ação e desestigmatizar a imagem de que na terceira<br />

idade o mais indicado a fazer é o descanso puro e simples e “vestir a camisa” da inatividade.


!<br />

!<br />

CONVIVÊNCIA GRUPAL X QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE<br />

!<br />

Os exercícios de alongamento são os mais eficientes para melhorar a flexibilidade.<br />

Acompanhado de caminhada, musculação, dança e Tai chi chuan há a significativa melhora na<br />

coordenação motora e equilíbrio, o que contribui para evitar as quedas, que são causa de morte<br />

na terceira idade.<br />

De acordo com Baccaro (2003, p.54), a prática de atividades físicas comuns, como subir<br />

escadas, ou andar, pode contribuir para a prevenção de algumas doenças como: câncer no<br />

pulmão, cólon, mama e próstata, que são os que melhor respondem a atividade física.<br />

A osteoporose, por sua vez, tem como tratamento mais indicado às atividades que<br />

aumentam a massa óssea, como a musculação; aliada a suplementação de cálcio, uma<br />

alimentação saudável e exposição periódica ao sol.<br />

Outra doença de possível surgimento nesta faixa etária é a de Alzheimer, que acarreta<br />

declínio em certas funções intelectuais como memória, orientação no tempo e no espaço,<br />

aprendizado, incapacidade de realizar cálculos simples e dificuldade em realizar as tarefas<br />

cotidianas como tomar banho, vestir-se, recolher o lixo, acondicionar compras e mantimentos na<br />

dispensa e até brincar e cuidar dos netos. Porém, de acordo com Rosenfeld (2002, p.28), as<br />

atividades regulares aumentam o fluxo de sangue dirigido ao cérebro e fornecem os nutrientes<br />

necessários para tornar os tecidos mais resistentes a esta doença.<br />

A prática de atividades físicas resgata características de saúde juvenil para população de<br />

idade avançada. No entanto, todo idoso deve procurar um programa de atividade física de acordo<br />

com suas características e restrições, submetendo-se a uma avaliação médica e, se possível,<br />

acompanhado de um profissional gabaritado.<br />

A atividade física na terceira idade pode trazer vários benefícios, como a melhora da<br />

qualidade e expectativa de vida do idoso, proporcionando melhora na autoestima, sensação de<br />

bem-estar, e, consequentemente beneficiando-o no aspecto social, psicológico, e ainda, no<br />

aspecto físico, pois ajuda na prevenção de doenças que podem levá-lo a incapacidades.<br />

De acordo com a Revista Maringá Ensina:<br />

Pensando nisso, a Prefeitura do Município de Maringá/PR, por meio do Programa<br />

Maringá Saudável, que segue as diretrizes da Organização Mundial da Saúde e da<br />

Organização Pan-Americana da Saúde, e de parcerias com empresas privadas, foi<br />

a pioneira no Brasil a implantar em 2006 as Academias da Terceira Idade – ATIs,<br />

que seguem o modelo adotado em Pequim, na China. Lá as academias foram<br />

implantadas há 10 anos e hoje somam mais de 2,5 milhões de adeptos.<br />

(ACADEMIA, 2007)<br />

Paranavaí on line divulgou em dezembro de 2007:<br />

Desenvolvidas com tecnologia chinesa para estimular a prática de exercícios<br />

físicos, especialmente para os idosos, as Academias da Terceira Idade tem sido<br />

levadas para várias cidades. Por serem adaptados a terceira idade, os<br />

equipamentos não são utilizados para criar massa muscular e sim fortalecer a<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((102(<br />

!


!<br />

!<br />

KAROLINE DAVANTEL GENARO | MARIA DVANIL D´ÁVILA CALOBRIZI<br />

! !<br />

103%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012!!%<br />

musculatura. Um dos aparelhos exercita o joelho, a coluna e o quadríceps,<br />

amenizando problemas de coluna e osteoporose (PRIMEIRA, 2007)<br />

De acordo com o Jornal Pindavale, de Pindamonhangaba (Pinda, 2007):<br />

No estado de São Paulo, em 2007, a Prefeitura de Pindamonhangaba instalou<br />

aparelhos de ginástica voltado para a realização de exercícios leves pelos idosos<br />

(principalmente) e por praticantes de todas as idades, às margens da avenida<br />

Nossa Senhora do Bonsucesso. É o primeiro parque gratuito e ‘ao ar livre’ do<br />

Estado de São Paulo para os idosos e recebeu o nome de "AMI-Academia da<br />

Melhor Idade. Os recursos para a compra de equipamentos do parque são da<br />

secretaria de Saúde e Promoção Social da Prefeitura.<br />

Há caráter prático, de quem utiliza, e simbólico, de conscientizar aqueles que não utilizam<br />

para que passem a utilizar.<br />

“Mesmo em indivíduos muito idosos, é possível provocar adaptações fisiológicas bastante<br />

significativas a ponto de mudar <strong>completa</strong>mente o status da qualidade de vida” (NEGREIROS,<br />

2007, p.126).<br />

Praticar atividade física na terceira idade proporciona, entre outros benefícios, dormir<br />

melhor, maior disposição, fortalecimento dos músculos e dos ossos, além de combater a<br />

obesidade e o isolamento social. O idoso ativo e integrado ao meio estabelece sua autoimagem e<br />

estima.<br />

Assim, evidencia-se uma mudança que extrapola o quadro físico e abrange também o<br />

social e o psicológico.<br />

A atividade física não deve ser considerada como algo extraordinário ou excepcional no<br />

cotidiano do idoso. Pelo contrário, é parte integrante deste dia-a-dia, como se alimentar, dormir, ler<br />

e conversar.<br />

Como exemplo da importância da realização das atividades físicas será evidenciado o<br />

exemplo do Japão que, junto da boa alimentação, os japoneses têm uma rotina de atividade<br />

intensa.<br />

Conforme Pessanha (2007), muitos idosos têm melhoras significativas quando começam a<br />

fazer o Tai Chi Chuan. O exercício melhora a autonomia funcional e fortalece o corpo e os<br />

membros inferiores, o que contribui para evitar as quedas, um dos maiores problemas enfrentados<br />

pelos que já passaram dos 60 anos, como já foi salientado anteriormente. Outro benefício é a<br />

pressão sanguínea que se normaliza, fazendo o coração bater num ritmo mais ameno. Dessa<br />

forma, o idoso é capaz de fazer mais coisas e com menos esforço.<br />

Além disso, há a Rádio Taissô que, de acordo Maciel, Albuquerque e Melzer (2005),<br />

oferece músicas para aquecimento pré-laboral e acontece todas as manhãs, sendo transmitida<br />

pela rádio e praticada, não somente nas fábricas ou ambientes de trabalho no início do


!<br />

!<br />

CONVIVÊNCIA GRUPAL X QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE<br />

!<br />

expediente, mas também nas ruas e residências. Em geral, os movimentos propostos são lentos e<br />

compassados e servem como uma preparação para as atividades diárias em casa ou no trabalho.<br />

Com sua prática pode-se evitar dores nas costas, lombares, pescoço, dores reumáticas,<br />

dores de cabeça, tendinite e mal estar, além de desenvolver o funcionamento do cérebro, por<br />

ativar a circulação sanguínea.<br />

É comum também, no Japão, a existência de plantações de arroz e de chá em plena<br />

cidade, o que acaba por preencher o restante de sua rotina, fazendo com que não se torne uma<br />

pessoa sedentária. Porém, embora haja grande movimentação diária, as academias estão<br />

“forradas” de idosos.<br />

Não é à toa que Yone Minagawa, uma senhora japonesa recebeu o título de “a pessoa<br />

mais velha do mundo”, pelo Guiness (Livro dos records) à data da sua morte em 28 de Janeiro de<br />

2007 aos 114 anos e 24 dias; e o homem mais velho do mundo seja Tomoji Tanabe, de 112 anos,<br />

que ainda vive no Japão (RECORDS, p. 67, 2008).<br />

Os jovens tem uma enorme rotina de esportes, que vai de corrida a beisebol, e agora<br />

também futebol. Durante a vida toda os japoneses tem contato com atividades físicas.<br />

A importância da adoção de um estilo de vida ativo e mais saudável deve ser enfatizada<br />

desde a infância. O jovem sedentário é potencialmente um idoso doente e dependente.<br />

Prevenir é vital, pois, as doenças crônicas não se desenvolvem apenas pelos maus hábitos<br />

alimentares, mas também pelo sedentarismo. O ideal é praticar atividades físicas diariamente.<br />

3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS<br />

O recente aumento da população idosa, vem continuamente despertando a atenção e nos<br />

coloca diante de um enorme desafio: proporcionar garantias efetivas para esta população e que<br />

possam ser traduzidas em um aumento (ou manutenção) da sua qualidade de vida.<br />

Pôde-se perceber que os sujeitos entrevistados são praticamente veteranos no Grupo,<br />

oscilando o tempo de permanência entre 5 (cinco) e 10 (dez) anos e a faixa etária predominante<br />

de 65 (sessenta e cinco) a 72 (setenta e dois) anos.<br />

Observou-se, através da coleta de dados, que 2 (dois) dos sujeitos possuem o primeiro<br />

grau e 3 (três) possuem o segundo grau. Um entrevistado é casado, dois são viúvos e os outros<br />

dois são divorciados.<br />

A renda dos sujeitos entrevistados perpassa entre 1 (um) e 3 (três) salários mínimos. Eles<br />

não são capazes de, financeiramente, realizar por completo seus sonhos materiais; mas ganham<br />

o suficiente para se alimentar, vestir e morar adequadamente.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((104(<br />

!


!<br />

!<br />

KAROLINE DAVANTEL GENARO | MARIA DVANIL D´ÁVILA CALOBRIZI<br />

! !<br />

Dos sujeitos entrevistados, todos são do sexo feminino; dois sujeitos moram sozinhos, um<br />

possui residência com mais um membro, um possui mais dois membros e um outro possui em sua<br />

residência mais três membros familiares.<br />

Pôde-se verificar que todos os idosos entrevistados possuem casa própria, constatando-se<br />

desta forma que os sujeitos não dependem dos filhos ou de outras pessoas para ter um lugar para<br />

morar, isso é um fator muito positivo para a população alvo.<br />

Constatou-se que, dos entrevistados, uma pessoa não praticava atividades físicas na rua,<br />

quando jovem, porém, por ser do lar, praticava atividades físicas na constância dos afazeres<br />

domésticos: Outro não frequentava academia, porém, ao ir trabalhar já exercia atividade física,<br />

pelo fato de ir todos os dias a pé.<br />

Para trabalhar sim. Eu ia a pé.<br />

(sujeito 01, feminino, 68 anos)<br />

Já outros dois sujeitos tiveram uma juventude bem ativa, andando de bicicleta,<br />

caminhando, jogando bets, brincando de “queima” e amarelinha. Um último sujeito entrevistado,<br />

por sua vez, não teve uma juventude ativa, porém, aproveitou para praticar atividades físicas no<br />

tempo em que o Programa Eternos Jovens proporcionava a prática na academia da ITE<br />

(Instituição Toledo de Ensino).<br />

Já, hoje, pôde-se perceber que a maioria pratica somente caminhada, seja por motivo de<br />

saúde ou por a mensalidade de uma academia não ser muito acessível, e uma minoria pratica a<br />

hidroginástica além da caminhada:<br />

105%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012!!%<br />

Pratiquei natação da Prefeitura, que hoje é centro comunitário; e no SESI ginástica<br />

aeróbica, localizada e musculação. Hoje não vou mais, só caminho; por motivo de<br />

saúde.<br />

(sujeito 01, feminino, 68 anos)<br />

Dos entrevistados que praticam regularmente atividade física, disseram perceber melhoras<br />

na saúde, mais disposição física para realizar atividades do dia-a-dia e veem em sua prática uma<br />

oportunidade em fazer amizades diferentes.<br />

Sim, é muito bom pra mim. É bom pra mente, pra saúde, pegar amizades com<br />

pessoas diferentes.<br />

(sujeito 03, feminino, 65 anos)<br />

Ao se questionar sobre qual seria a atividade física proporcionada pelo grupo Eternos<br />

Jovens que mais teriam gostado, foi unânime a aceitação de todos os exercícios oferecidos, à<br />

época em que o programa proporcionava as atividades na academia da ITE (Instituição Toledo de


!<br />

!<br />

CONVIVÊNCIA GRUPAL X QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE<br />

!<br />

Ensino); quando não, o motivo da não participação era por problema de saúde.<br />

Quando fazia na ITE gostava de tudo que tinha na academia.<br />

(sujeito 02, feminino, 72 anos)<br />

Como relata Cardoso (1992, p 9-10), “a prática de atividades físicas, esportivas e<br />

recreativas é fundamental na vida das pessoas, pois além de ser importante como veículo de<br />

educação para a promoção da saúde, constitui uma realização significativa de lazer”.<br />

Um estilo de vida mais ativo permite ao idoso manter ou melhorar as suas capacidades<br />

funcionais, independência e qualidade de vida.<br />

Juntamente com as atividades físicas, outra prática colaboradora com a Qualidade de Vida<br />

é a de Turismo que, como Souza; Filho; Souza (2006, p.32) relatam, é uma das diferentes formas<br />

de lazer que podem ser praticadas e propicia o atendimento das necessidades humanas de<br />

aventura, de descoberta, de movimento, de apreciação da natureza e a satisfação das ambições<br />

estéticas do homem, perpetuando a tradição, o folclore e as artes no país e fora dele.<br />

Quanto a gostarem de viajar, entre os sujeitos houve unanimidade. Porém, a maioria, embora<br />

não todos, responderam que o aspecto financeiro os impedem que viajem mais vezes.<br />

Segundo Souza; Filho; Souza (2006, p. 37), vários são os fatores que levam um indivíduo a<br />

realizar uma viagem turística: motivado por deficiência (por exemplo, fuga de problemas, da rotina,<br />

da poluição, da situação estressante das grandes metrópoles) ou por excesso (por exemplo, ir<br />

para um local onde possa se divertir, fazer cursos, conhecer novos lugares e culturas, fazer novas<br />

amizades, buscar aventuras).<br />

Com o grupo Eternos Jovens, os entrevistados já viajaram para vários locais e se animam<br />

bastante ao lembrar das viagens. Gostaram da di<strong>versão</strong>, das paisagens, do descanso, da<br />

companhia dos colegas, de sair da rotina e da interação do grupo:<br />

Águas de Lindóia, porque as águas são relaxantes; é um lugar gostoso de ficar.<br />

(sujeito 02, feminino, 72 anos)<br />

Ao serem questionados sobre qual seria a viagem dos seus sonhos, pode-se perceber que<br />

são pautadas para uns pelo induzimento das divulgações dos programas de TV, outros pela<br />

curiosidade com relação ao país de sua origem familiar e outros pelo simples fato de viajar e fugir<br />

da rotina. Há, porém, quem não possa viajar como gostaria, pelo fato de cuidar dos netos; o que<br />

se leva a perceber que alguns idosos não possuem sonhos relacionados ao seu bem-estar, seu<br />

objetivo primordial é a família. Companhia do neto ou dos filhos.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((106(<br />

!


!<br />

!<br />

KAROLINE DAVANTEL GENARO | MARIA DVANIL D´ÁVILA CALOBRIZI<br />

! !<br />

107%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012!!%<br />

Portugal, porque acho que por lá faria um passeio gostoso. E Fernando de<br />

Noronha, porque vi na TV e gostei muito.<br />

(sujeito 01, feminino, 68 anos)<br />

Dos sonhos eu não tenho. Meu neto mora comigo e eu não tenho tempo.<br />

(sujeito 02, feminino, 72 anos)<br />

Já com relação ao que seria para eles “Qualidade de Vida”, percebeu-se que está ligada a<br />

“estar“ e “ter condições para estar” em atividade.<br />

Qualidade de vida pra mim é estar bem física e mentalmente. Você estando bem<br />

física e mentalmente, você está bem.<br />

(sujeito 04, feminino, 69 anos)<br />

O que é uma boa qualidade de vida para um, pode não ser para outro. Mas, apesar de<br />

cada um ter um conceito de “qualidade de vida” é certo que pra obtê-la devemos ter saúde, lazer,<br />

educação, entre outros. É notável que para eles “qualidade de vida” está ligada a estar ter<br />

condições para estar em atividade.<br />

Já ao serem questionados sobre se o programa propicia qualidade de vida através da<br />

convivência grupal e a prática de atividades físicas e turísticas ou apenas conhecimento acerca<br />

dos benefícios que estas atividades podem oferecer, constatou-se que hoje em dia o programa<br />

fornece mais o conhecimento acerca dos benefícios da convivência grupal, da prática de<br />

atividades físicas e propicia também a prática de atividades turísticas, embora já tenha<br />

proporcionado também a prática de atividades físicas na época de sua origem e tenha sido bem<br />

aceita pelos integrantes do grupo.<br />

Deu a prática de turismo e ainda dá. Atividade física tinha a prática e agora<br />

apenas o conhecimento dos benefícios.<br />

(sujeito 02, feminino, 72 anos)<br />

Relataram também que houve sim contribuições da convivência grupal na prática de<br />

turismo em suas vidas, como: conhecer novos lugares, fazer novas amizades, alegria, mais<br />

satisfação, contribuição cultural, desinibição e coleção de boas recordações.<br />

Conhecimento de novos lugares, fazer novas amizades e ter boas recordações.<br />

(sujeito 01, feminino, 68 anos )<br />

Com relação a gostarem mais de viajar com o grupo ou com a família, pôde-se perceber que<br />

a maioria opta por viajar com o grupo, pela interação proporcionada nas viagens e a di<strong>versão</strong>, afinal,<br />

por serem da mesma faixa etária possuem muitas vezes necessidades e vontades parecidas. Há,<br />

porém, quem ache que viajar com a família é melhor, por saírem todos juntos; mas, é minoria.


!<br />

!<br />

CONVIVÊNCIA GRUPAL X QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE<br />

!<br />

Viajando com o grupo me divirto mais e viajando com a família mato as saudades.<br />

Prefiro viajar com o grupo porque são todos da mesma idade e mesmos interesses.<br />

(sujeito 01, feminino, 68 anos)<br />

A integração social através do turismo e/ou das atividades físicas faz com que melhore o<br />

humor e aumente a disposição.<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O tema Terceira Idade é atual e está presente no cotidiano de todos devido à questão do<br />

envelhecimento populacional no Brasil e no mundo. Atualmente vive-se mais; sendo assim é<br />

necessário saber viver bem e com qualidade durante estes anos.<br />

Com a pesquisa de campo, ampliou-se os conhecimentos teóricos e empíricos acerca da<br />

convivência grupal e da participação dos idosos em passeios turísticos e atividades físicas, com vistas<br />

a uma melhor qualidade de vida. Procurou-se abordar a contribuição da convivência grupal durante a<br />

prática do turismo e das atividades físicas propiciando uma melhor qualidade de vida na terceira idade.<br />

A hipótese foi confirmada, pois através deste estudo pôde-se verificar a importância da<br />

convivência grupal dos idosos, através das atividades turísticas e físicas como facilitadoras de<br />

melhoria na qualidade de vida, de forma a proporcionar mais disposição física para realizar<br />

atividades do dia-a-dia e veem em sua prática uma oportunidade em fazer amizades diferentes.<br />

Reconhece, esta população, que desenvolver projetos pessoais e participar de atividades<br />

físicas e passeios em grupo é uma forma de melhorar a qualidade de vida e, consequentemente<br />

adquirir autonomia.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

ACADEMIA da Terceira Idade. Revista Maringá Ensina – Secretaria Municipal de Educação de<br />

Maringá, Saúde. Maringá, PR, ed. 6, mai. 2007. Disponível em:<br />

Acesso em: 15 fev. 2008.<br />

BACCARO, Archimedes. O segredo da longevidade: Como rejuvenescer e manter-se sempre<br />

em forma. Petrópolis: BR: Vozes, 2003. 221p.<br />

BRASIL. Política Nacional do Idoso. Presidência da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:<br />

Senado, 1988. Lei n. 8842, 4 de janeiro de 1994. Disponível<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((108(<br />

!


!<br />

!<br />

KAROLINE DAVANTEL GENARO | MARIA DVANIL D´ÁVILA CALOBRIZI<br />

! !<br />

em: Acesso em: 20 mar. 2008.<br />

CANNONE, Aurora; CALOBRIZI, Maria Dvanil D’ Ávila. Idosos: Velhas ideologias x Novos<br />

comportamentos. Construindo o Serviço Social, Bauru, SP, jul-dez, n.12, p. 170, 2003.<br />

CARDOSO, Jubel Raimundo. Atividades físicas para a terceira idade. In: Revista A Terceira<br />

Idade. São Paulo, SP, v.4, n.4, p. 9-10, jun. 1992.<br />

CASTRO, Celso Antonio Pinheiros de. Sociologia Aplicada ao Turismo. São Paulo, SP: Atlas,<br />

2002, 190 p.<br />

EXPECTATIVA de vida aumenta 25 anos em cinco décadas, diz IBGE. Folha de São Paulo. 29<br />

jun. 2012, 12h51, Cotidiano. Disponível em: . Acesso em: 13 jul.<br />

2012.<br />

_____________ de vida do brasileiro atinge 72,3 anos, diz IBGE. UOL. 3 dez. 2007, 10h09,<br />

últimas notícias. Disponível em: <br />

Acesso em: 15 dez. 2007.<br />

FILHO, Jacob Wilson. Atividade física e envelhecimento saudável. XI Congresso Ciências do<br />

Desporto e Educação Física dos países de língua portuguesa. Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São<br />

Paulo: v.20, p.73-77, set. 2006. Disponível em:<br />

Acesso em: 13 jul. 2012.<br />

MACIEL, Heloisa Regina; ALBUQUERQUE, Ana Maria F. Costa; MELZER, Adriana C.;<br />

LEÔNIDAS, Suzete Rodrigues. Quem se Beneficia dos Programas de Ginástica Laboral?<br />

Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, Universidade Federal do Ceará, vol. 8, p. 71-86, 2005.<br />

Disponível em: Acesso em: 20 nov. 2007.<br />

MENEZES, César. Quase 30 mil brasileiros já passaram dos 100 anos de idade, diz IBGE.<br />

Bom Dia Brasil. Segunda-Feira, 02 jul. 2012, 07h53, notícia. Disponível em:<br />

<br />

Acesso em: 13 jul. 2012.<br />

NEGREIROS, Teresa Creusa de Góes Monteiro. Nova velhice: Uma visão multidisciplinar. 2<br />

ed. Rio de Janeiro. BR: Revinter, 2007. 146 p.<br />

PESSANHA, Mariane. Idosos com fôlego de criança. Portal do envelhecimento. São Paulo, SP,<br />

ano 174, n 222, ago. 2007. Disponível em:<br />

Acesso<br />

em: 15 nov. 2007.<br />

109%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012!!%


!<br />

!<br />

CONVIVÊNCIA GRUPAL X QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE<br />

!<br />

PINDA instala 1º parque da 3ª idade do Estado de São Paulo. Pindavale, jornal do esporte.<br />

Pindamonhangaba, SP, a I, n 92, 19 a 25 mai. 2007. Disponível em:<br />

Acesso em: 27 nov. 2007.<br />

PRIMEIRA Academia da Terceira Idade será inaugurada sexta-feira. Paranavaí Online<br />

Paranavaí, PR. 12 dez. 2007, 23h42, notícias, comunidade. Disponível<br />

em: Acesso em: 15 dez. 2007.<br />

RECORDS, Guiness World. Tradução por Ana Carolina Mesquita, Gustavo Mesquita. Rio de<br />

Janeiro: Edipro, 2008. 286 p.<br />

ROSENFELD, Isadore. Viva agora, envelheça depois: maneiras comprovadas de desacelerar<br />

o tempo. São Paulo, BR: UNESP, 2002, 437 p.<br />

ROSA; Geraldo; AVILA, Melina Gomes Bueno de; GERALDO, Marli. Qualidade de vida,<br />

atividade e envelhecimento. In: Revista A Terceira Idade. São Paulo, SP, v.16, n. 32, p. 9-10,<br />

fev. 2005.<br />

SILVA, Marina da Cruz. O processo de envelhecimento no Brasil: desafios e perspectivas.<br />

Antienvelhecimento/Longevidade, Rio de Janeiro, RJ, v 8, n 1, 2005. Disponível em:<br />

Acesso em 15 abr. 2009.<br />

SOUZA Heloísa Maria Rodrigues de; Filho, Wilson Jacob; Souza, Romeu Rodrigues. Turismo e<br />

qualidade de vida na terceira Idade. Barueri, SP: Manole, 2006. 98 p.<br />

SOVA, Ruth. Hidroginástica na Terceira Idade. São Paulo, SP: Manole, 1998. 205 p.<br />

SUPLICY, Marta. Fazer a roda girar. Folha de São Paulo, São Paulo, SP, 4 set. 2007. Caderno<br />

tendências e debates, p. A3.<br />

WORLD, Health Organization. Envelhecimento Ativo: uma política de saúde [Manual].<br />

Tradução por Gontijo, S. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2005.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((110(<br />

!


S o c i o l o g i a<br />

ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL NA TEORIA DE MAX<br />

WEBER: CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO TEMA<br />

MARCELO RODRIguES LEMOS<br />

Mestre em Ciências Sociais pela universidade<br />

Federal de uberlândia (uFu), graduado em<br />

Ciências Sociais (uFu). Professor de sociologia<br />

no Ensino Médio, em Patrocínio-Mg.<br />

Contato: marcelo.lemos@hotmail.com.


ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL NA TEORIA DE MAX WEBER:<br />

CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO TEMA<br />

Marcelo Rodrigues Lemos<br />

RESUMO: O seguinte artigo tece reflexões acerca do método analítico weberiano, a Sociologia<br />

Compreensiva. Para tanto, o foco central abordado diz respeito à Teoria da Estratificação Social,<br />

identificando os conceitos de casta, estamento, classe e partido aos tipos ideais. Por fim,<br />

atualizações no pensamento de Max Weber são efetivadas por meio de autores contemporâneos<br />

como Sedi Hirano e Wright Mills, os quais revisam tais categorias.<br />

PALAVRAS-CHAVE: casta, classe, estamento, estratificação, Weber<br />

SOCIAL STRATIFICATION IN MAX WEBER'S THEORY:<br />

CONSIDERATIONS ON THE SUBJECT<br />

ABSTRACT: This paper reflects on the analytical method of Weber, the Comprehensive<br />

Sociology. For this, the central focus addressed concerns the theory of social stratification,<br />

identifying the concepts of caste, estate, class and party to the ideal types. Finally, updates to the<br />

thought of Max Weber are investigated through contemporary authors such as Sedi Hirano and<br />

Wright Mills, who review those categories.<br />

KEYWORDS: caste, class, estate, stratification, Weber<br />

1. A SOCIOLOGIA COMPREENSIVA: MÉTODO ANALÍTICO WEBERIANO<br />

O alemão Karl Emil Maximilian Weber, mais conhecido como Max Weber (1864 - 1920),<br />

nasceu em uma respeitada família da burguesia têxtil e teve ampla formação acadêmica,<br />

possibilitada pelas poses de seus pais. O pai foi jurista e político pragmático, já a mãe não<br />

hesitava em imprimir no filho a tradição protestante de ver o mundo. Ao passar por estudos sobre<br />

Direito, Economia, Filosofia, História e Teologia, tornou-se, ao lado de Émile Durkheim (1858 -<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((113(


!<br />

!<br />

MARCELO RODRIGUES LEMOS<br />

! !<br />

1917) e Karl Marx (1818 - 1883), um dos “pais fundadores” da Sociologia, tecendo reflexões<br />

significativas sobre a realidade social.<br />

A importância dos debates em torno das Ciências Sociais, implementados na Alemanha<br />

durante a segunda metade do século XIX, influenciaram o pensamento de autores como Dilthey,<br />

Lukács, Marx, Rickert, Simmel, Tönnies, Windelband e, obviamente, Weber. Os pressupostos<br />

colocados em evidência nesse contexto histórico tratavam da definição da especificidade analítica<br />

das Ciências Sociais em relação às Ciências da Natureza, estabelecendo campos de<br />

conhecimento distintos. A preocupação de Weber era com os instrumentos metodológicos de<br />

investigação sociológica. Para tanto, o autor inova com o método de análise conhecido como<br />

Sociologia Compreensiva.<br />

As interpretações totalizantes não fazem parte da agenda de estudos weberianos. Por<br />

considerar a realidade social infinita e em função de limitações científicas de cunho técnico,<br />

Weber se interessa por compreender teoricamente eventos em sua singularidade. Dessa forma,<br />

fragmentos da realidade são colocados em realce por meio da especificidade de um objeto<br />

recortado (SAINT-PIERRE, 1994).<br />

As perspectivas teóricas que evocam a representação do curso real dos eventos são, para<br />

Weber, errôneas. Tentar reproduzir a realidade sem falhas, encontrando as causas autenticas e<br />

verdadeiras do devir não é correto, pois “tais concepções não somente avaliam erradamente a<br />

natureza probabilística da causalidade histórica, senão também se põem em contradição com a<br />

essência da ciência, já que não há conhecimento sem pressuposição” (FREUND, 1987, p.103).<br />

Assim, o objeto da Sociologia weberiana é a interpretação da ação social, entendida como<br />

conduta humana dotada de sentido. Sua Sociologia Compreensiva busca entender, interpretando<br />

o sentido de tal ação, explicando-a causalmente em seus desenvolvimentos e efeitos. Cabe<br />

destacar a figura do agente individual, enquanto entidade portadora de sentido, como responsável<br />

por levar suas motivações às ações sociais, as quais são (típico-idealmente falando) de cunho<br />

afetivo, tradicional, racional conforme fins ou racional conforme valores. Weber (1991) destaca<br />

que quando há o compartilhamento de sentido das ações sociais com a criação de um<br />

comportamento reciprocamente referido, surge a relação social, também passível de análise.<br />

O autor afirma que embora o objeto das Ciências Sociais se encontre dentro da esfera de<br />

valores e em premissas subjetivas, o cientista social não está, por isso, condenado a produzir um<br />

saber puramente valorativo e sem neutralidade. A partir de tal constatação, Weber (1999)<br />

apresenta o problema da objetividade das Ciências Sociais, apontando sua superação por meio<br />

de critérios metodológicos claros.<br />

É possível alcançar conclusões objetivamente válidas no terreno das Ciências Sociais<br />

quando os juízos de valor são identificados e excluídos do discurso científico e quando se cumpre<br />

114$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($


!<br />

!<br />

ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL NA TEORIA DE MAX WEBER: CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO TEMA<br />

! !<br />

a verificação empírica das preposições formuladas. Logo, a posição epistemológica de Weber vai<br />

se delineando por duas condições fundamentais.<br />

A primeira refere-se à distinção entre relação com valores e juízos de valor. Com isso,<br />

entende-se a relação com valores como um instrumento analítico por meio do qual o cientista<br />

realiza a seleção do objeto a ser estudado. A partir da relação com valores recorta-se a realidade,<br />

efetivando-se, também, uma triagem entre os elementos essenciais ou acessórios, definindo a<br />

unidade do problema e destacando o objeto mediante sua significação cultural. Pois o objetivo das<br />

formulações weberianas é “tão somente tornar mais inteligíveis à nossa percepção certos<br />

aspectos, a saber, os que permitem extrair significações históricas nos limites da pesquisa,<br />

definidas pela relação com os valores” (FREUND, 1987, p.103). Já os juízos de valor são<br />

elementos de posição política e moral do cientista, comprometem a neutralidade da análise por se<br />

destacarem enquanto juízos parciais da esfera do “deve ser”.<br />

A segunda posição epistemológica de Weber diz respeito à importância da comprovação<br />

empírica das hipóteses, sendo essencial validar cientificamente o fenômeno estudado por meio do<br />

teste empírico e mediante a explicação causal (WEBER, 1991).<br />

Como apresentado, toda a objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais somente é<br />

alcançada através de recursos metodológicos. O maior recurso garantidor de tal objetividade é a<br />

construção dos tipos ideais, representados por um<br />

[...] quadro do pensamento [que] reúne determinadas relações e acontecimentos<br />

da vida histórica para formar um cosmos não contraditório de relações pensadas.<br />

Pelo seu conteúdo, essa construção reveste-se do caráter de uma utopia, obtida<br />

mediante a acentuação mental de determinados elementos da realidade [...].<br />

Obtém-se um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de um ou vários pontos<br />

de vista, e mediante o encadeamento de grande quantidade de fenômenos<br />

isoladamente dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor<br />

número ou mesmo faltar por completo, e que se ordenam segundo os pontos de<br />

vista unilateralmente acentuados, a fim de se formar um quadro homogêneo de<br />

pensamento. Torna-se impossível encontrar empiricamente na realidade esse<br />

quadro [...]. A atividade historiográfica defronta-se com a tarefa de determinar, em<br />

cada caso particular, a proximidade ou o afastamento entre a realidade e o quadro<br />

ideal (WEBER, 1999, p.105-6).<br />

Dessa forma, o sentido das ações sociais investigado pelo sociólogo é possibilitado pela<br />

construção científica do método tipológico. Como aplicação de toda a problematização<br />

metodológica anterior, este ensaio busca refletir acerca da tipologia weberiana em sua Teoria da<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((115(


!<br />

!<br />

MARCELO RODRIGUES LEMOS<br />

! !<br />

Estratificação Social, bem como apontar a revisão das ideias de Weber feita por autores<br />

contemporâneos que abordam a referida temática.<br />

2. TEORIA DA ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL<br />

Como já apresentado, o sentido levado à atividade social, embora dotado de personalismo,<br />

é orientado pelo comportamento/conduta de outros. Freund (1987, p.90) destaca que a relação<br />

social é “o comportamento de uma pluralidade de indivíduos que, pelo conteúdo significativo de<br />

suas atividades, regulam sua conduta reciprocamente uns pelos outros”. Nesta direção, pode-se<br />

transpor as ponderações de Freund (1987) para as categorias da estratificação social, entendendo<br />

que o sentido levado pelos indivíduos às relações baseadas na estratificação são comuns e<br />

compartilhados, legitimando a hierarquia.<br />

Existem diversas razões para se ingressar em uma relação de convívio, a qual é orientada<br />

por princípios referentes à estratificação e suas normas. O modo como os indivíduos estão<br />

organizados socialmente requer o compartilhamento de relações sociais, ou seja, o entendimento<br />

mútuo da coerência do esquema de estratificação faz com que o sentido de tais princípios seja<br />

comungado pela coletividade envolvida neste arranjo estrutural.<br />

Assim, a estratificação é a maneira pela qual os indivíduos se reproduzem socialmente e,<br />

de acordo com Weber (1974), toda a discussão relativa à estratificação social requer, inicialmente,<br />

atenção ao conceito de poder. Entende-se “por poder a possibilidade de que um homem, ou um<br />

grupo de homens, realize sua vontade própria numa ação comunitária até mesmo contra a<br />

resistência se outros que participam da ação” (WEBER, 1974, p.211). Portanto, o modo de<br />

estruturação de qualquer ordem social influencia a distribuição de poder, econômico ou outro,<br />

dentro dos limites de cada sociedade.<br />

A estrutura social não se organiza apenas ao nível econômico, mas também em termos do<br />

poder. Logo, não é somente o poder advindo de fatores econômicos que determina o tipo de<br />

estratificação social encontrado nas diversas sociedades, pois a luta pelo poder também é<br />

orientada pelas honras e prestígios sociais trazidas por ele. Existem contextos nos quais a honra é<br />

que está na base do poder político ou mesmo econômico.<br />

Weber (1974, p.212) afirma que<br />

116$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($<br />

[...] a forma pela qual as honras sociais são distribuídas numa comunidade, entre<br />

grupos típicos que participam nessa distribuição, pode ser chamada de “ordem<br />

social”. Ela e a ordem econômica estão, decerto, relacionadas da mesma forma


!<br />

!<br />

ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL NA TEORIA DE MAX WEBER: CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO TEMA<br />

! !<br />

com a “ordem jurídica”. Não são, porém, idênticas. A ordem social é, para nós,<br />

simplesmente a forma pela qual os bens e serviços econômicos são distribuídos e<br />

usados. A ordem social é, decerto, condicionada em alto grau pela ordem<br />

econômica, e por sua vez influi nela.<br />

A estruturação do poder e a produção econômica possibilitam a classificação das<br />

sociedades e a avaliação do grau de mobilidade social encontrado nelas. Dessa forma, conclui-se<br />

que castas, “classes, estamentos e partidos são fenômenos da distribuição de poder dentro de<br />

uma comunidade” (WEBER, 1974, p.212), elementos esses que serão analisados a seguir.<br />

2.1. CASTA<br />

A reflexão em torno das castas remete-se ao exemplo imediato da Índia. O sistema de<br />

castas, com seus direitos e deveres envolvidos, é a instituição fundamental do hinduísmo, embora<br />

nem toda casta seja hindu, pois entre os maometanos e budistas também existem castas.<br />

A determinação da posição social de cada casta é dada pela distância social e mágica em<br />

relação às demais, sendo uma configuração histórico-estrutural particular explicável quando se<br />

acentuam categorias analíticas como religião, cor, raça, linhagem, hereditariedade, ocupação.<br />

Todos esses preceitos predominam no pensamento e nas ações dos que vivem sob tal padrão de<br />

estratificação (WEBER, 1972).<br />

Na conceituação de casta deve-se considerar os elementos sagrados e religiosos, além do<br />

conjunto de usos, costumes, símbolos, signos sociais e regras ritualísticas que fornecem o sentido<br />

mentado das ações e relações sociais. As castas possuem características típico-ideais<br />

definidoras, a saber: uso de instrumentos mágico-religiosos, costumes profundamente arraigados,<br />

preponderância da produção artesanal de bens e valorização da qualidade ao invés do lucro.<br />

Na sociedade de castas a ação dos grupos está submetida à vontade divina e a conduta<br />

está prescrita por deuses, sendo que a socialização é feita por meio da coerção religiosa com a<br />

imposição da “vontade divina”. Há, ainda, um conjunto de normas e regras sociais relacionadas à<br />

comensalidade e padrões dietéticos. Os costumes são transmitidos de geração para geração sem<br />

alterações significativas em tal transmissão, tornando a casta, grosso modo, como uma espécie<br />

de protótipo invariável (WEBER, 1974).<br />

As castas não são definidas pela existência de territórios fixos a cada uma delas,<br />

diferentemente das tribos e guildas, mas os membros vivem, em grande parte, segregados em<br />

vilas. Toda casta se subdivide em subcastas com posições sociais distintas. Não são associações<br />

políticas e sim associações sociais influenciadas por questões religiosas (WEBER, 1972).<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((117(


!<br />

!<br />

MARCELO RODRIGUES LEMOS<br />

! !<br />

A distinção entre elementos puros e impuros é essencial para a compreensão da distância<br />

entre castas. Com isso, uma série de pessoas e alimentos proibidos é tida como impura para<br />

determinadas castas, outra série de elementos são permitidos e, simultaneamente, puros. Em<br />

muitos casos, o contato físico entre castas hierarquicamente diferentes é considerado como um<br />

ritual poluidor. É por isso que<br />

118$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($<br />

[...] uma <strong>completa</strong> fraternização das castas foi – e é – impossível, porque constitui<br />

um dos princípios das mesmas que deve haver barreiras, pelo menos ritualmente,<br />

invioláveis [...]. Se um membro de casta inferior apenas olha a refeição de um<br />

Brâmane, este fica ritualmente poluído (WEBER, 1972, p.144).<br />

A impossibilidade de solidariedade e fraternização entre as castas ocasiona tensões<br />

enormes entre elas, com práticas reais de hostilidade e estranheza orientadas pelas posições<br />

sociais. Com isso, os hábitos das castas podem identificá-las enquanto um grupo fechado de<br />

status, como provam os casamentos e uniões realizados somente entre indivíduos de mesma<br />

origem dentro do sistema de castas. Não há mobilidade social via casamento ou via qualquer<br />

outro recurso, como são hereditárias, as posições de castas são determinadas pelo nascimento.<br />

2.2. ESTAMENTO<br />

Tal como as castas, os estamentos também não são definidos somente ao nível da<br />

apropriação econômica do poder. Categorias sócio-culturais como tradição, linhagem,<br />

vassalagem, honra e prestígio estão presentes na orientação das relações e das classificações de<br />

seus membros. Sendo assim, considerar os elementos citados é fundamental para a conceituação<br />

típico-ideal do estamento.<br />

A sociedade estamental se efetiva pelos grupos de status, os quais são determinados por<br />

uma estimativa específica da honra e se estratificam pela usurpação dessa honraria, ditando<br />

regras quanto ao estilo/tom de vida aos pertencentes de um mesmo círculo. O Feudalismo seria<br />

um exemplo direto desse modelo de organização social (WEBER, 1974).<br />

A estratificação dos estamentos relaciona-se com o monopólio de bens ou oportunidades<br />

materiais e ideais, ou seja, a propriedade torna-se uma regularidade que influencia as<br />

qualificações estamentais, garantindo restrições ao relacionamento social. “Essas restrições<br />

podem limitar os casamentos normais ao círculo de status e podem levar a um completo<br />

fechamento endogâmico” (WEBER, 1974, p.220).<br />

O conjunto de direitos e deveres, inerente aos estamentos, fundamenta hierarquias. As<br />

distinções são mantidas por convenções ou leis que garantem aos grupos de status privilégios e


!<br />

!<br />

ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL NA TEORIA DE MAX WEBER: CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO TEMA<br />

! !<br />

monopólios. “Existe monopólio desde que o agrupamento impõe um fechamento, em limites<br />

variáveis, com vistas a aumentar as oportunidades de sua atividade contra os que ficam do lado de<br />

fora” (FREUND, 1987, p.115). Contudo, diferentemente das castas, a sociedade estamental permite,<br />

mesmo de modo bastante reduzido, algum nível de mobilidade social com ascensões verticais.<br />

Os grupos de status se condensam em comunidades e são ou não contemplados com o<br />

status social. Aqueles que o possuem usufruem-no no presente por serem considerados “dignos”<br />

para tal, já os grupos com prestígio reduzido, entendem esse descrédito como uma dignidade<br />

posterior que Deus proverá.<br />

O sentimento de dignidade que caracteriza os estamentos positivamente<br />

privilegiados relaciona-se, naturalmente, com seu “ser” que não transcende a si<br />

mesmo, isto é, relaciona-se com sua “beleza e excelência”. Seu reino é “deste<br />

mundo”. Vivem para o presente e explorando seu grande passado. O senso de<br />

dignidade das camadas negativamente privilegiados naturalmente se refere a um<br />

futuro que está além do presente, seja desta vida ou de outra. Em outras palavras,<br />

deve ser nutrido pela crença numa “missão” providencial e por uma crença numa<br />

honra específica perante Deus (WEBER, 1974, p.222).<br />

A noção de estima pelo trabalho acarreta desqualificação de alguns grupos entre as<br />

sociedades estratificadas via estamentos. Sendo assim, efeitos econômicos interferem na<br />

organização de tais sociedades, pois “a desqualificação frequente das pessoas que se empregam<br />

para ganhar um salário é resultado direto do princípio de estratificação estamental” (WEBER,<br />

1974, p.224).<br />

Segundo Weber (1974), a estratificação por estamentos tende a ser favorecida quando as<br />

bases da <strong>aqui</strong>sição e distribuição de bens são mantidas de modo estável. Contudo, quando as<br />

transformações econômicas, advindas de processos tecnológicos, modificam a dinâmica de tais<br />

bases, a situação de classe (como apresentado a seguir) passa a ser evidenciada em relação aos<br />

grupos de status. “E toda diminuição no ritmo de mudanças nas estratificações econômicas leva,<br />

no devido tempo, ao aparecimento de organizações estamentais e contribui para a ressurreição<br />

do importante papel das honras sociais” (WEBER, 1974, p.226).<br />

2.3. CLASSE<br />

Diferentemente dos estamentos, não se pode entender classe como comunidade. A classe<br />

é definida por um número de pessoas que comungam, em suas oportunidades de vida, um<br />

mesmo componente causal específico. Esse componente é exclusivamente representado por<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((119(


!<br />

!<br />

MARCELO RODRIGUES LEMOS<br />

! !<br />

interesses de cunho econômico da posse de bens, das oportunidades de renda, das condições do<br />

mercado de produtos e do mercado de trabalho.<br />

Dessa forma, é criada uma mesma<br />

120$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($<br />

[...] situação de classe, que podemos expressar mais sucintamente como a<br />

oportunidade típica de uma oferta de bens, de condições de vida exteriores e<br />

experiências pessoais de vida, e na medida em que essa oportunidade é<br />

determinada pelo volume e tipo de poder, ou falta deles, de dispor de bens ou<br />

habilidades em benefício de renda de uma determinada ordem econômica. A<br />

palavra classe refere-se a qualquer grupo de pessoas que se encontram na<br />

mesma situação de classe (WEBER, 1974, p.212).<br />

A situação de classe é, então, definida pelo tipo de propriedade utilizada para a obtenção<br />

do lucro e pelos tipos de serviços oferecidos no mercado. Logo, as categorias básicas que a<br />

orientam são proprietários e não-proprietários. Como o fator que cria a classe é um interesse<br />

econômico claro vinculado à existência no mercado, a “situação de classe, nesse sentido, é, em<br />

última análise, situação no mercado” (WEBER, 1974, p.214).<br />

Simplificando, poderíamos dizer, assim, que as classes se estratificam de acordo<br />

com suas relações com a produção e <strong>aqui</strong>sição de bens; ao passo que os<br />

estamentos se estratificam de acordo com os princípios de seu consumo de bens,<br />

representado por estilos de vida especiais (WEBER, 1974, p.226).<br />

Weber (1991) também estabelece uma tipologia da classe, destacando três tipos<br />

singulares, tais sejam:<br />

a. Classe proprietária, na qual as diferenças de propriedades determinam a situação<br />

de classe. Existem classes proprietárias positivamente privilegiadas, detentoras de uma série de<br />

monopólios relativos à venda de produtos, à formação de poupança, à constituição de<br />

patrimônios, à possibilidade de se viver de rendas. Mas também são encontradas classes<br />

proprietárias negativamente privilegiadas, que se firmam como objetos de propriedade, como<br />

servos, devedores, pobres.<br />

b. Classe lucrativa, possibilitada por meio da valorização de bens e serviços no<br />

mercado, pela direção da produção. Os que fazem parte da classe lucrativa positivamente<br />

privilegiada são empresários, comerciantes, agro-negocistas, industriais, banqueiros e<br />

profissionais liberais como médicos, advogados e artistas. Já os trabalhadores qualificados, semi-


!<br />

!<br />

ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL NA TEORIA DE MAX WEBER: CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO TEMA<br />

! !<br />

qualificados ou não-qualificados, são considerados como pertencentes à classe lucrativa<br />

negativamente privilegiada.<br />

Entre os positivamente privilegiados e os negativamente privilegiados, tanto da classe<br />

proprietária, quanto da classe lucrativa, encontram-se as classes médias, formadas por indivíduos<br />

com pequenas propriedades ou qualidades de educação, camponeses, artesãos independentes,<br />

funcionários públicos ou privados.<br />

c. Classe social, forjada por critérios pessoais ou geracionais. São membros desta<br />

classe a pequena burguesia e o proletariado (WEBER, 1991).<br />

Por se tratar de uma construção típico-ideal, as classes se convergem e garantem aos<br />

seus representantes o intercâmbio entre elas. Indivíduos da classe lucrativa podem também<br />

pertencerem à classe social. Aqui não há a fixação ou a rigidez de posições determinadas. O fluxo<br />

social entre uma classe e outra é possibilitado pela própria condução analítica weberiana.<br />

Como a classe é definida, em última instância, por interesses econômicos, só existem lutas<br />

de classes de acordo com ações comunitárias de indivíduos em mesma situação de classe, em<br />

busca de melhores acessos ao mercado. Ou seja, a guerra de preços, de salários, de produtos e<br />

condicionantes do mercado são os reais determinantes das lutas de classes (WEBER, 1974).<br />

2.4. PARTIDO<br />

Se os estamentos estão sob a égide da ordem social e as classes sob a perspectiva da<br />

ordem econômica, os partidos estão relacionados ao signo do poder. Buscam a <strong>aqui</strong>sição de<br />

poder social para influenciarem a ação comunitária dos grupos envolvidos. Para tanto, possuem<br />

metas relacionadas a causas como a concretização de um programa com finalidades ideais ou<br />

matérias coletivas ou metas pessoais (WEBER, 1974).<br />

Os partidos são possíveis apenas dentro de comunidades de algum modo<br />

socializadas, ou seja, que tem alguma ordem racional e um quadro de pessoas<br />

prontas a assegurá-las, pois os partidos visam precisamente a influenciar esse<br />

quadro, e, se possível, recrutá-lo entre seus seguidores (WEBER, 1974, p.227).<br />

3. ATUALIZANDO O PENSAMENTO WEBERIANO<br />

Marcados os conceitos típico-ideais de casta, estamento, classe e partido, a atualização do<br />

pensamento de Weber indica que suas reflexões, acerca da estratificação social, permanecem em<br />

voga por meio de autores contemporâneos que apontam limites e incluem novas perspectivas ao<br />

debate.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((121(


!<br />

!<br />

MARCELO RODRIGUES LEMOS<br />

! !<br />

O levantamento e a sistematização dos elementos definidores destes conceitos requer o<br />

confronto de tais informações com o empiricamente dado, revelando validades e/ou falhas nos<br />

tipos ideais elaborados. Logo, a teoria weberiana se constrói numa contínua revisão.<br />

Como destaca Sedi Hirano, estudioso da Universidade de São Paulo vinculado à Sociologia,<br />

o sentido ou a significação histórica dos fenômenos observados é atribuído metodologicamente pelo<br />

investigador, por meio da seleção de elementos considerados essenciais. É segundo essa<br />

concepção que são estabelecidos os tipos ideais abstratos, jogando com alternativas<br />

(probabilidades analíticas) referentes à configuração social do objeto (HIRANO, 1975).<br />

Desse modo, existem duas séries de fenômenos na concepção de Weber, os ideais<br />

(construídos abstratamente) e os reais (observados empiricamente), é na comparação ou no<br />

confronto das duas séries que reside a compreensão de eventos históricos com sentido relativos à<br />

ordem social, econômica ou do poder, como no caso da estratificação (HIRANO, 1975).<br />

É por isso que o entendimento da estratificação social, como recurso analítico construído<br />

pela abstração de categorias, requer a revisão inicial do modo como operam as máximas da<br />

Sociologia Compreensiva de Weber.<br />

3.1. APONTAMENTOS SOBRE AS CASTAS<br />

Feito isso, a questão de fundo apresentada por Hirano (1975) no que tange ao sistema de<br />

castas é sua sistemática oposição ao sistema capitalista. Para o autor existe um conjunto de<br />

“normas sociais culturalmente significativas às castas” (HIRANO, 1975, p.29) que estão<br />

associadas com princípios religiosos de direitos e deveres ritualísticos. Fatores tais que<br />

identificam as castas como uma modalidade de estratificação social pré-capitalista. Assim, o fator<br />

típico construído metodologicamente para o conceito de casta é seu caráter sagrado-religioso, no<br />

que concerne um código de rituais.<br />

A primazia de critérios religiosos na configuração social das castas, faz com que esse<br />

sistema de estratificação não se adeque aos moldes da empresa capitalista. “A implantação desta<br />

forma racional de exploração das atividades econômicas ocorre por meio da ação de um país<br />

economicamente desenvolvido em termos capitalistas” (HIRANO, 1975, p.126). Ou seja, há um<br />

elemento irracional nas formas de exploração econômicas dentro do sistema de castas. O que<br />

endossa essa análise de distinção entre regime de acumulação capitalista e sistema de castas é a<br />

problematização em torno do trabalho nas castas, o qual é entendido como determinado mediante<br />

ordenamentos divinos.<br />

Apontando para esse caráter estanque entre capitalismo e castas, Hirano (1975, p.27)<br />

destaca:<br />

122$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($


!<br />

!<br />

ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL NA TEORIA DE MAX WEBER: CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO TEMA<br />

! !<br />

[...] num e noutro caso, as contraposições são as que se seguem: a) uma maior<br />

especialização e aperfeiçoamento artesanal em detrimento da produtividade e de<br />

uma maior racionalização na divisão social do trabalho; b) penetração dos<br />

elementos mágico-religiosos essencialmente tradicionalistas em oposição ao<br />

racionalismo, ou seja, a atividade econômica no sistema de castas é uma vocação<br />

imposta por deuses específicos e não uma resultante de uma ação visando<br />

valores ou fins racionais animados pela compensação ou consecução de<br />

interesses; c) numa ocorre a valorização da qualidade, noutra a exploração<br />

econômica com aperfeiçoamento tecnológico visando essencialmente uma<br />

economia lucrativa racional; d) em suma, pela consagração religiosa, e ainda, por<br />

seu espírito e por suas hipóteses, a chave estrutural desta delimitação do conceito<br />

de castas é a sagração de cada ação social produtiva como sendo resultante, em<br />

termos de imputação causal, de uma vocação (predestinação) profissional adscrita<br />

pela religião.<br />

Contudo, Hirano (1975) não hesita em ressaltar que embora estanques, o capitalismo e<br />

sistema de castas, podem coexistir em casos singulares de formação social, como na própria<br />

Índia.<br />

Todos os outros tipos de formações sociais e mais especificamente o capitalismo<br />

moderno, teoricamente, em termos weberianos, são incompatíveis com o sistema<br />

de castas. Não elimina, por outro lado, a possibilidade de coexistência, desde que<br />

se importe da Europa o mecanismo acabado do capitalismo, no sentido cultural<br />

(HIRANO, 1975, p.29).<br />

Como o tipo ideal não é encontrado na realidade em sua plenitude, ou em sua pureza<br />

conceitual, as configurações de castas permitem tal verificação.<br />

3.2. REVISANDO OS ESTAMENTOS<br />

A problematização referente à sociedade estamental passa por uma abordagem bastante<br />

interessante, do ponto de vista de Hirano (1975). Conforme o autor, Weber chega a considerar a<br />

transformação do estamento em casta. Assim, quando os estamentos realizam em todos os níveis<br />

suas consequências, transfiguram-se em uma casta fechada. “Nesse momento as distinções<br />

estamentais, além de serem asseguradas pelas convenções e leis, o são também pelos rituais<br />

sagrados” (HIRANO, 1975, p.127).<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((123(


!<br />

!<br />

MARCELO RODRIGUES LEMOS<br />

! !<br />

Outro aspecto essencial da revisão teórica contemporânea sobre os estamentos, diz<br />

respeito à não vinculação deles, tal como entre as casta, com as categorias típicas do capitalismo<br />

moderno. Nesse sentido, alguns tipos específicos de configuração capitalista como o capitalismo<br />

comercial, o de arrendamento de tributos e de arrendamento e venda de cargos, o de<br />

subministração ao Estado e de financiamentos de guerras e o capitalismo colonial e de plantação,<br />

podem ser, de modo típico-ideal, encontrados entre as sociedades estratificadas por estamentos.<br />

Porém, características típicas e centrais ao capitalismo moderno como “a empresa lucrativa<br />

sensível em grau máximo às irracionalidades da justiça, da administração e da tributação, e orientada<br />

pela situação de mercado dos consumidores com capital fixo e organização racional do trabalho livre”<br />

(HIRANO, 1975, p.41) não são observadas nos estamentos.<br />

3.3. SOFISTICANDO O PENSAMENTO DE WEBER: AS ANÁLISES DE WRIGHT<br />

MILLS<br />

O sociólogo norte-americano Wright Mills (1916 - 1962) apresenta como uma de suas<br />

principais temáticas de estudo, ao lado da teoria das elites, o fenômeno da chamada nova classe<br />

média. Autor de inspiração weberiana, Mills (1979) estabelece distinções entre os trabalhadores<br />

de colarinhos-brancos (pertencentes à nova classe média) e os trabalhadores de macacão azul<br />

(representados pelos operários). Mediante suas análises é possível revisar e sofisticar as noções<br />

de Weber sobre estratificação e as categorias de classe, status e poder.<br />

Os colarinhos-brancos são formados por um tipo específico de trabalhador com hábitos<br />

sociais, econômicos e políticos caracterizando uma nova classe média. A ampliação do número<br />

de trabalhadores com funções diferenciadas em relação aos trabalhos manuais fomenta o<br />

surgimento dos colarinhos-brancos, relacionados a um status diferenciado por serem tipicamente<br />

vinculados às funções de escritório, ao trabalho intelectual, com a possibilidade de mobilidade e<br />

com certo grau de autonomia. Em contrapartida, os trabalhadores manuais se condensariam entre<br />

os operários fabris, com baixa ascensão e sem condições de autonomia perante o processo de<br />

produção.<br />

A nova classe média é formada por ex-profissionais liberais autônomos, que se tornam<br />

assalariados ao longo do tempo e novos profissionais que surgem com o desenvolvimento<br />

econômico, como técnicos, comerciários, professores; todos eles evocam diferentes práticas de<br />

consumo, moradia, lazer (MILLS, 1979).<br />

Mills (1979) chega à conclusão de que a classe trabalhadora é heterogênea e que existem<br />

lugares intermediários entre as classes polares do proletariado e da burguesia. O comportamento<br />

diferenciado dos colarinhos-brancos evidencia a nova classe média, a qual apresenta como<br />

124$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($


!<br />

!<br />

ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL NA TEORIA DE MAX WEBER: CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO TEMA<br />

! !<br />

elemento motivador de suas ações o prestígio e o status, dessemelhantes em relação aos demais<br />

trabalhadores.<br />

A Sociologia das ocupações é indispensável no entendimento da nova classe média, pois<br />

ela deriva de uma passagem da posse de propriedades para a não-propriedade, em termos<br />

negativos; e da passagem da estratificação baseada na propriedade para uma estrutura orientada<br />

pela ocupação, em termos positivos (MILLS, 1979).<br />

Atualmente, as possibilidades de venda de serviços pessoais no mercado de trabalho<br />

determinam a vida da maior parte dos indivíduos pertencentes à classe média. Ou seja, “a<br />

situação de classe, em seu sentido mais simples e objetivo depende do momento e da fonte de<br />

renda” (MILLS, 1979, p.91).<br />

O fenômeno dos colarinhos-brancos possibilita uma revisão significativa dos termos<br />

weberianos da estratificação, ao revelar a complexa associação entre os conceitos de classe,<br />

status e poder. A posição/ocupação no mercado, no caso da nova classe média, faz a síntese e a<br />

inter-relação desses conteúdos, sendo “impossível defini-los com precisão a partir de um critério<br />

isolado de estratificação, seja a especialização, função, classe, status ou poder. Eles geralmente<br />

estão nos níveis médios de cada uma dessas dimensões” (MILLS, 1979, p.95).<br />

Diretamente nas palavras do autor, usa-se<br />

[...] como critério para delimitar a classe média os seus tipos de empregos, mas<br />

esse conceito implica também diferentes modos de classificar as pessoas quanto<br />

à sua posição social. Como atividades específicas, as ocupações vinculam<br />

diferentes tipos e níveis de especialização e seu exercício preenche determinadas<br />

funções dentro de uma divisão industrial do trabalho. [...] como fontes de renda, as<br />

ocupações estão ligadas à situação de classe, e como normalmente elas<br />

acarretam uma certa dose de prestígio, são também relevantes para o status do<br />

indivíduo. Implicam também determinados graus de poder sobre os outros, ou<br />

diretamente num emprego ou indiretamente em outras áreas da vida social. As<br />

ocupações, portanto, estão vinculadas à classe, status e poder, assim como à<br />

especialização e função, para compreender as ocupações que integram a nova<br />

classe média, devemos analisá-las em cada uma dessas dimensões (MILLS,<br />

1979, p.91).<br />

Nesse sentido, Weber (2006) indica que a emergência do capitalismo, entendido como cultura<br />

e não como modo de produção, possibilitou que um espírito capitalista peculiar se desenvolvesse<br />

entre os protestantes. O racionalismo econômico, com o uso disciplinado do dinheiro, garantiu uma<br />

nova mentalidade ou um novo ethos econômico expresso em um estilo de vida.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((125(


!<br />

!<br />

MARCELO RODRIGUES LEMOS<br />

! !<br />

A vivência do capitalismo na condução metódica e cotidiana das vidas, ou seja, a vivência<br />

de um estilo de vida capitalista garante critérios também para a estratificação social. Como<br />

apresentado nas sessões anteriores deste ensaio, os estamentos ditam regras quando ao tom da<br />

vida, as associações de classe também, pois indivíduos em mesma situação de classe, com<br />

componentes causais comuns no mercado, evocam hábitos sociais semelhantes (WEBER, 2006).<br />

Toda a problematização weberiana acerca da racionalização econômica advinda de<br />

preceitos da teologia protestante e garantindo um modo de vida singular, conflui com a<br />

abordagem precedente de Mills (1979) que vincula à nova classe média os preceitos de classe,<br />

status e poder.<br />

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Embora o estudo weberiano sobre estratificação tenha raízes evidentemente sociológicas,<br />

ao passo que o próprio Weber reivindica tal posição, suas análises, especialmente acerca da<br />

classe, vem sendo utilizadas em maior grau pela Economia e não pela Sociologia. A crítica feita a<br />

Karl Marx, e aos próprios marxistas, de que a tese da bipolarização social, na qual proletariado se<br />

encontraria num extremo e burguesia no outro, faria um reducionismo analítico dos determinantes<br />

da estratificação social às posições econômicas ocupadas no processo de produção há muito<br />

vigora entre interpretes e comentadores.<br />

Contudo, toda a apresentação da ideia da bipolarização social foi sendo aprimorada com a<br />

percepção de que os antagonismos e contradições vividos no modo de produção capitalista<br />

permeiam o Estado e as classes sociais, o que requer uma compreensão dialética de tais<br />

categorias. Assim, o próprio Marx (1986) forja a noção de “fração” para resolver o problema da<br />

não homogeneidade das classes polares.<br />

Há, então, o reconhecimento pela teoria marxista de que simplesmente as relações<br />

econômicas estabelecidas pelos indivíduos não dão conta de orientar a posição de classe que<br />

eles possuem. Além da repercussão ideológica da posição econômica que se ocupa, a<br />

incorporação de outras relações sociais e políticas também passam a ser evidenciadas nesse<br />

processo de orientação da estratificação (MARX, 1986).<br />

A crítica feita aos marxistas pode ser delegada ao próprio Weber (1974), quando ele<br />

destaca, em sua tipologia sobre classe, diretamente o nível das relações e estruturas de<br />

apropriação econômica e dominação política, ou seja, os mecanismos de poder político que<br />

legitimam as formas de apropriação. Há explicitamente o predomínio do econômico perante outras<br />

categorias de explicação, como a própria religião. A classe passa a ser entendida como “uma<br />

socialização de interesse em razão da situação em que se encontram indivíduos que julgam ter<br />

126$$|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(($


!<br />

!<br />

ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL NA TEORIA DE MAX WEBER: CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO TEMA<br />

! !<br />

uma posição exterior e um destino comum, porque dispõem ou não do poder sobre os bens<br />

econômicos” (FREUND, 1987, p.124). Desse modo, a situação de classe é diretamente marcada<br />

pela situação no mercado. Tudo isso faz os estudos econômicos, e não os sociológicos,<br />

absorverem com maior relevo este debate weberiano.<br />

O desafio para analistas da estratificação social é sempre atentar-se para controvérsias<br />

desse tipo, apontando limites e avanços das reflexões clássicas. As problematizações weberianas<br />

de casta, estamento, classe e partido podem orientar os estudos, desde que o cuidado com a<br />

operacionalização dos conceitos típico-ideais se torne constante. Weber foi e continuará sendo<br />

uma referência significativa da Sociologia e também em outras áreas do conhecimento, pois<br />

esteve preocupado com a compreensão de aspectos relevantes da realidade social e dos<br />

fenômenos dotados de sentido.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.<br />

HIRANO, Sedi. Castas, estamentos e classes sociais em Marx e Weber. São Paulo: Alfa-<br />

Ômega, 1975.<br />

MARX, Karl. O dezoito brumário de Luís Bonaparte. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.<br />

MILLS, Wright. A nova classe média. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.<br />

SAINT-PIERRE, Héctor. Max Weber: entre a paixão e a razão. São Paulo: Unicamp, 1994.<br />

WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das<br />

Letras, 2006.<br />

______. A objetividade do conhecimento nas ciências sociais. In: COHN, Gabriel (Org.).<br />

FERNANDES, Florestan (Coord.). Weber - Sociologia. Coleção Grandes Cientistas Sociais, 13.<br />

São Paulo: Ática, 1999, p. 79-127.<br />

______. Classe, estamento, partido. In: GERTH, Hans e MILLS, Wright (Org.). Max Weber -<br />

Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974, p. 211-228.<br />

______. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora<br />

Universidade de Brasília, 1991, v1.<br />

______. O conceito de casta. In: IANNI, Octávio (Org.). Teorias da estratificação social: leituras<br />

de sociologia. São Paulo: Editora Nacional, 1972, p. 136-163.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012((|((127(


Política I n t e r n a c i o n a l<br />

INTERFACES INTERDISCIPLINARES NA POLÍTICA<br />

INTERNACIONAL: BREVES CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS<br />

SOBRE A CRISE DO REALISMO E A EMERGÊNCIA DE<br />

NOVOS CONCEITOS<br />

LEONARDO QuEIROz LEITE<br />

-<br />

-


!<br />

INTERFACES INTERDISCIPLINARES NA POLÍTICA INTERNACIONAL:<br />

BREVES CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE A CRISE DO REALISMO E A<br />

EMERGÊNCIA DE NOVOS CONCEITOS<br />

Leonardo Queiroz Leite<br />

RESUMO: Esse trabalho tem por objetivo apresentar algumas discussões teóricas que compõem<br />

o campo da Política Internacional e das Relações Internacionais. Dessa maneira, tentaremos<br />

compreender o diálogo da Política Internacional com as muitas perspectivas interdisciplinares que<br />

permeiam essa esfera, propondo-se a explorar e a analisar a relação da crise do realismo teórico<br />

com os chamados “novos temas” com outros importantes aspectos das Relações Internacionais<br />

como, por exemplo, a segurança internacional e seu nexo crítico com os problemas ambientais<br />

globais. O trabalho aborda o debate conceitual sobre o alargamento do alcance operacional do<br />

conceito de segurança internacional, o qual passa a abarcar várias variáveis até então<br />

marginalizadas no debate teórico desse campo, tomando como base do pensamento de Barry<br />

Buzan. Portanto, buscar-se-á explicar como a segurança internacional opera em estreita relação<br />

de complementaridade com as várias esferas que compõem as relações internacionais,<br />

explorando algumas perspectivas teóricas importantes que tocam nessa questão. Serão<br />

igualmente apresentadas algumas considerações à luz do pensamento de Fred Halliday,<br />

ressaltando a importância da atuação dos novos atores sociais nas Relações Internacionais e<br />

destacando a importância da atuação desses novos protagonistas em questões transnacionais.<br />

Em suma, buscar-se-á esclarecer que os novos temas e, em especial o meio ambiente, passaram<br />

a representar elementos estratégicos das Relações Internacionais do período pós Guerra Fria,<br />

conforme evidencia a preocupação do próprio Conselho de Segurança da ONU com as questões<br />

ambientais e as várias cúpulas promovidas pela ONU e pelos Estados para tentar buscar soluções<br />

viáveis que conciliem meio-ambiente, desenvolvimento econômico e interesses políticos.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Política Internacional; Crise do Realismo; Teoria das Relações<br />

Internacionais; Segurança Internacional; Novos Temas nas Relações Internacionais.<br />

INTERDISCIPLINARY LINKS IN INTERNATIONAL POLITICS: BRIEF THEORETICAL<br />

CONSIDERATIONS ABOUT THE CRISIS OF REALISM AND THE<br />

EMERGENCE OF NEW CONCEPTS<br />

ABSTRACT: This work presents some theoretical discussions in the field of International Politics<br />

and International Relations. Thus, we try to understand the dialogue of International Politics with<br />

the many interdisciplinary perspectives that permeate this sphere, proposing to explore and<br />

analyze the relationship of the crisis of theoretical realism with the so-called "new issues" with<br />

other important aspects of international relations as for example, international security and its<br />

connection with critical global environmental problems. The paper deals with the conceptual<br />

debate on extending the operating range of the concept of international security, which shall<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!|!!131!


!<br />

!<br />

LEONARDO QUEIROZ LEITE<br />

! !<br />

encompass several variables hitherto marginalized in theoretical debates in this field, based on the<br />

thought of Barry Buzan. Therefore, it will seek to explain how international security operates in<br />

close complementary relationship with the various spheres that make up international relations,<br />

exploring some theoretical perspectives that touch on this important issue. Some considerations in<br />

the light of the thought of Fred Halliday will be presented, emphasizing the importance of the role<br />

of new social actors in international relations and the importance of the performance of these new<br />

actors in transnational issues. In short, we will seek to clarify that the new issues and in particular<br />

the environment, came to represent the strategic elements of the International Relations of the post<br />

Cold War period, as evidenced by the concern of the Security Council UN environmental issues<br />

and the various summits organized by the UN and the states to try to find workable solutions that<br />

balance environmental, economic and political interests.<br />

KEYWORDS: International Politics; Realism crisis; International security; International Relations<br />

Theory; New issues in International Relations<br />

INTRODUÇÃO<br />

Esse trabalho tem por objetivo apresentar algumas discussões teóricas que compõem o<br />

campo da Política Internacional e das Relações Internacionais. Dessa maneira, tentaremos<br />

compreender o diálogo da Política Internacional com as muitas perspectivas interdisciplinares que<br />

permeiam essa esfera, propondo-se a explorar e a analisar a relação da crise do realismo teórico com<br />

os chamados “novos temas” com outros importantes aspectos das Relações Internacionais como, por<br />

exemplo, a segurança internacional e seu nexo crítico com os problemas ambientais globais.<br />

O trabalho aborda o debate conceitual sobre o alargamento do alcance operacional do<br />

conceito de segurança internacional, o qual passa a abarcar várias variáveis até então<br />

marginalizadas no debate teórico desse campo, tomando como base do pensamento de Barry<br />

Buzan. Portanto, buscar-se-á explicar como a segurança internacional opera em estreita relação<br />

de complementaridade com as várias esferas que compõem as relações internacionais,<br />

explorando algumas perspectivas teóricas importantes que tocam nessa questão.<br />

Serão igualmente apresentadas algumas considerações à luz do pensamento de Fred<br />

Halliday, ressaltando a importância da atuação dos novos atores sociais nas Relações<br />

Internacionais e destacando a importância da atuação desses novos protagonistas em questões<br />

transnacionais. Em suma, buscar-se-á esclarecer que os novos temas e, em especial o meio<br />

ambiente, passaram a representar elementos estratégicos das Relações Internacionais do período<br />

pós Guerra Fria, conforme evidencia a preocupação do próprio Conselho de Segurança da ONU<br />

com as questões ambientais e as várias cúpulas promovidas pela ONU e pelos Estados para<br />

tentar buscar soluções viáveis que conciliem meio-ambiente, desenvolvimento econômico e<br />

interesses políticos.<br />

132$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!$


! INTERFACES INTERDISCIPLINARES NA POLÍTICA INTERNACIONAL: BREVES CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS !<br />

! SOBRE A CRISE DO REALISMO E A EMERGÊNCIA DE NOVOS CONCEITOS<br />

!<br />

PARTE I – O FIM DA GUERRA FRIA E AS MUDANÇAS ANALÍTICAS NAS RELAÇÕES<br />

INTERNACIONAIS SOB A PERSPECTIVA TEÓRICA DA CRISE DO REALISMO<br />

Com o fim do sistema internacional bipolar e com o advento de uma nova ordem mundial<br />

pós-Guerra Fria, inaugurou-se uma crise de identidade do realismo, que passou a não mais<br />

conseguir explicar uma série de acontecimentos que ganharam cada vez mais espaço com os fim<br />

das polaridades, como por exemplo, a aumento vertiginoso da interdependência econômica, a<br />

globalização e suas contradições flagrantes, o conflito norte-sul e a complexa problemática do<br />

desenvolvimento dos países recém libertos do neo-colonialismo.<br />

Logo, é necessário que se faça uma breve contextualização da referida época a fim de que<br />

se possa explicar esse período de transição: o surgimento de muitos Estados após a<br />

descolonização afro-asiática, a crescente relevância de temas que iam além das preocupações no<br />

âmbito militar, a revolução da informação aliada à incorporação de atores não governamentais às<br />

relações internacionais deram grande fôlego à corrente institucionalista liberal em contraposição<br />

ao realismo predominante entre os analistas do período da Guerra Fria.<br />

O fato de a teoria dos liberais ter ganhado credibilidade à época deve-se ao<br />

desenvolvimento de uma densa rede de instituições internacionais que, aliada à crescente<br />

interdependência global que se deu após a Segunda Guerra Mundial, abriu caminho para a<br />

preponderância do “soft power” sobre o “hard power”.<br />

Nesse contexto, emerge com grande vigor a Teoria da Interdependência Complexa,<br />

proposta por Robert Keohane e Joseph Nye, a qual enxerga as relações internacionais como<br />

sendo protagonizada por uma grande variedade de atores, tais como organizações internacionais,<br />

organizações não-governamentais, opinião pública, mídia, empresas multinacionais etc, sendo o<br />

Estado apenas um dos atores.<br />

Ademais, tal proposta teórica defende a existência de uma agenda múltipla e diversa, a<br />

ausência de hierarquias entre os temas da agenda, a porosidade cada vez mais evidente entre o<br />

doméstico e o internacional, e a utilidade decrescente do uso da força, uma vez que a<br />

interdependência e os laços econômicos cada vez mais estreitos virtualmente excluem a utilização<br />

do poder militar para fins bélicos.<br />

A corrente institucionalista liberal impõe certos questionamentos fundamentais à<br />

abordagem realista, uma vez que esta se mostra incapaz de compreender e explanar eficazmente<br />

as relações internacionais, não levando em conta as implicações determinantes da<br />

interdependência na condução da política internacional.<br />

O neoinstitucionalismo liberal compreende e explica o período pós Guerra Fria com mais<br />

desenvoltura e precisão porque considera os desafios da nova agenda política internacional, tais<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!|!!133!


!<br />

!<br />

LEONARDO QUEIROZ LEITE<br />

! !<br />

como a criação de um mercado financeiro global, a ação determinante das grandes corporações<br />

multinacionais e a atuação crucial das organizações internacionais no sentido de promover a<br />

cooperação e a negociação como formas de solucionar conflitos.<br />

O neo-realismo, que em oposição argumenta que as instituições internacionais<br />

simplesmente refletem os interesses de poder entre os Estados, sendo os arranjos institucionais<br />

somente úteis quando os interesses nacionais forem satisfeitos. Assim, essa corrente teórica<br />

sustenta que as instituições internacionais são simplesmente um resultado dos cálculos de poder<br />

baseados nos interesses individuais dos Estados. Além disso, a perspectiva neo-realista lança um<br />

olhar cético sobre a cooperação, apontando a preocupação constante com os ganhos relativos<br />

dos outros atores e inquietação com a possibilidade de traição e não cumprimento dos acordos<br />

como os maiores entraves ao comportamento cooperativo dos Estados. Ou seja, a cooperação<br />

tem limites bem estreitos de acordo com o neo-realismo, sendo constrangida pela lógica<br />

dominante da competição pela segurança. (MEARSHEIMER, 1994). Em suma, de acordo com a<br />

concepção neo-realista, pode-se afirmar que enquanto os Estados estiverem preocupados com a<br />

sua sobrevivência e dotados de capacidades próprias para tal, é inócuo falar em<br />

institucionalização das relações internacionais e em uma ordem cooperativa global.<br />

Assim sendo, para que se compreenda devidamente tal crise do paradigma realista, é de<br />

fundamental importância destacarmos a preponderância que o chamado “soft power” passou a ter<br />

sobre o “hard power”. A relevância que os temas de “low politics” adquire nesse período realça a<br />

importância de temas relacionados à economia, meio-ambiente e desenvolvimento, em contraste<br />

com a ênfase nas áreas de segurança e defesa e temas político-militares tão recorrentemente<br />

privilegiados durante todo o século XX. Assim sendo, no âmbito da segurança internacional,<br />

constata-se a necessidade da formulação de novas concepções teóricas com capacidade<br />

explicativa suficiente para abranger as enormes transformações políticas, econômicas, sociais e<br />

militares que ocorridas após a queda do muro de Berlim.<br />

PARTE II – PERSPECTIVAS TEÓRICAS DO ALARGAMENTO DO CONCEITO DE<br />

SEGURANÇA INTERNACIONAL<br />

Entendida a conjuntura que origina as mudanças fundamentais no quadro teórico e<br />

explicativo das teorias de Relações Internacionais, observa-se que na década de 1980 iniciou-se o<br />

alargamento do conceito de segurança no contexto da reorganização das Relações Internacionais<br />

pós-Guerra Fria, com a redefinição e a ampliação da agenda de segurança internacional. Assim, a<br />

noção de segurança vista apenas como confronto militar abre espaço epistemológico a novas<br />

134$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!$


! INTERFACES INTERDISCIPLINARES NA POLÍTICA INTERNACIONAL: BREVES CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS !<br />

! SOBRE A CRISE DO REALISMO E A EMERGÊNCIA DE NOVOS CONCEITOS<br />

!<br />

concepções de segurança. O teórico Barry Buzan (2003) defendeu um novo conceito de<br />

segurança que deveria transcender as noções de defesa militar.<br />

Em suas publicações, uma das contribuições ao tema da segurança foi a ampliação desse<br />

conceito para os campos econômico, societal, ambiental e político, em detrimento das<br />

preocupações belicosas. Buzan afirma que o conceito de segurança foi dominado pela idéia de<br />

segurança nacional em termos estritamente militares, enquanto outros fatores também afetavam<br />

os países e a própria existência humana como, por exemplo, a economia e o meio ambiente. Para<br />

o autor, esses fatores podem ser tão importantes quanto os militares.<br />

Buzan (2003) discute que há diferentes níveis em que a segurança deve ser tratada:<br />

individual, nacional ou internacional. Segundo essa perspectiva teórica, há cinco setores que<br />

afetam a segurança da coletividade humana: segurança militar, que trata da ofensiva armada e da<br />

capacidade de defesa dos Estados, levando em conta, sobretudo, a percepção da ação dos<br />

outros Estados; segurança política, que se refere à estabilidade organizacional dos Estados e aos<br />

seus sistemas de governo; segurança econômica, que engloba as questões econômicofinanceiras<br />

necessárias ao sustento e ao poder do Estado; segurança societal, que concerne à<br />

sustentabilidade, às condições de evolução dos padrões lingüísticos, culturais e religiosos e às<br />

identidades nacionais; e por fim, segurança ambiental, que diz respeito à preservação da biosfera<br />

como um fator fundamental para as sociedades.<br />

Essas cinco esferas da segurança estão inter-relacionadas e coexistem em uma relação<br />

de complementaridade. Ele aponta que dentre as razões que justificam a ampliação do conceito<br />

de segurança estão a necessidade de absorver realidades que estão em transformação no mundo<br />

devido à crescente densidade do sistema internacional, a oportunidade de “securitizar” novos<br />

temas particulares defendidos por grupos sociais e a incorporação do tema segurança de uma<br />

maneira mais fluida e ilimitada pelo campo das Relações Internacionais.<br />

Isso se justifica pela complexidade cada vez maior das redes de interação mundiais,<br />

vinculadas à interdependência entre os Estados e à globalização. Após o fim da União Soviética,<br />

por exemplo, vê-se o surgimento de fenômenos como o nascimento de diversas minorias étnicas<br />

na Rússia, problemas ambientais como o efeito estufa, a diminuição da camada de ozônio e o<br />

aquecimento global e problemas migratórios, dentre outros que pedem um arcabouço explicativo e<br />

analítico que supere as limitações dos paradigmas clássicos de segurança e militarismo<br />

A securitização de novos temas supracitada é outra contribuição inovadora de Buzan para<br />

o tema da segurança. Securitizar um tema consiste em colocá-lo no alto em uma escala de<br />

valores se comparados a outros temas. O termo segurança promove uma prioridade de ações<br />

sobre o tema. De acordo com referido autor, a condição para que um determinado assunto tornese<br />

um assunto de segurança é que ele seja construído como um tema que represente uma<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!|!!135!


!<br />

!<br />

LEONARDO QUEIROZ LEITE<br />

! !<br />

ameaça existencial e que isso seja incorporado na agenda política. Logo, para securitizar um tema<br />

não é necessário que ele seja realmente uma ameaça existencial real, mas sim que argumentos<br />

convincentes façam desse tema um tema mais importante que outros, e portanto merecedor de<br />

prioridade. Para Buzan, a segurança é, então, auto-referencial.<br />

É importante destacar que a securitização passa por relações de poder, ou seja, a decisão<br />

de tornar um tema uma questão de segurança é definida pelos grupos sociais com poder de voz e<br />

de ação. Assim, a securitização pode ser um instrumento para beneficiar interesses de grupos.<br />

Buzan chama a atenção para o fato de que além da importância de se securitizar um tema, é<br />

importante medir as conseqüências e os impactos que isso traz na sociedade. Securitizar envolve<br />

interesses e os setores nacionais e militares de defesa dominaram a agenda política para<br />

centralizá-la na segurança em termos militares. Para Buzan, embora a segurança seja<br />

intersubjetiva e socialmente construída, o seu sentido acabou permanecendo limitado. Daí a<br />

importância de suas contribuições para a ampliação da concepção de segurança.<br />

A importância do alargamento do conceito de segurança é também a percepção de que os<br />

Estados e as populações são afetados por uma gama muito grande de fatores que abrangem diversos<br />

domínios, não apenas o militar. Por fim, Buzan valoriza a segurança internacional enquanto agente<br />

das relações das coletividades humanas em termos de ameaças e vulnerabilidades.<br />

Em conclusão, tal idéia de “broadening” abordada e trazida por Buzan trouxe elementos<br />

novos de contestação e explicação de que o período Pós-Guerra Fria alertava e confirmava uma<br />

nova visão para os estudos de segurança, ao lhe conferir uma ligação aos novos temas na<br />

década de 1990. No que se refere a essas teorias contemporâneas de segurança ampliada, no<br />

Brasil, o trabalho do professor Rafael Antônio Duarte Villa (1999) torna-se paradigmático, uma vez<br />

que atualiza e inclui a literatura brasileira de segurança internacional nas discussões mais atuais.<br />

Assim, a sua tese será nossa base argumentativa, a fim de compreender quais os limites de uma<br />

segurança ao mesmo tempo global e multidimensional. O estudo de Villa (1999) possui um valor<br />

considerável na bibliografia brasileira sobre segurança, uma vez que utiliza como preceito<br />

metodológico a exaustão teórica que teorias realistas e neo-realistas possuem em compreender<br />

as modificações percebidas com o fim da bipolaridade e da Guerra Fria.<br />

Nesse processo, pensar a dimensão global multidimensional significa pensar em termos<br />

societais, portanto internacionais, de modo que são os “novos temas” originados da crise do<br />

realismo, que permeiam a natureza societal, pela consolidação da atuação de diversos atores<br />

transnacionais. Ora, nesses termos, a perspectiva teórica (neo) realista passa a ser inadequada<br />

para o entendimento da atuação de atores não-estatais, visto que tem formulado uma confirmação<br />

das relações puramente interestatais. Portanto,<br />

136$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!$


! INTERFACES INTERDISCIPLINARES NA POLÍTICA INTERNACIONAL: BREVES CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS !<br />

! SOBRE A CRISE DO REALISMO E A EMERGÊNCIA DE NOVOS CONCEITOS<br />

!<br />

[...] a natureza societal tanto dos novos fenômenos quanto dos<br />

agentes transnacionais decorre do surgimento de uma noção de segurança<br />

internacional diferente da tradicional visão nacional de natureza estratégicomilitar,<br />

centrada no Estado e procurada via acréscimo de poder relativo.<br />

(VILLA, 1999:43)<br />

Uma nova visão, proposta por Villa pelo conceito de “Segurança Global Multidimensional”<br />

(doravante SGM), somente pode ser compreendida após o entendimento dos processos de<br />

transnacionalização, da atuação dos atores transnacionais, especialmente não-estatais e da<br />

mudança do sistema internacional, de um sistema bipolar para um multipolar, ou como<br />

policêntrico, conforme termos do autor.<br />

Segundo Villa, tratava de ser um trabalho introdutório, a fim de promover a discussão das<br />

concepções de Buzan pelos acadêmicos brasileiros. Assim, “[a] expectativa do autor é de que<br />

esse trabalho possa representar uma real contribuição para fazer avançar o estado da arte nas<br />

pesquisas relativas ao tema da segurança internacional contemporânea.”<br />

Sobretudo na década de 1970, os estudos acadêmicos em Relações Internacionais já<br />

apontavam para um sistema internacional interdependente, cujas características essenciais passavam<br />

a ser mais contundentemente influenciadas por atores não-estatais, como companhias privadas e<br />

organizações civis sem fins lucrativos. Além desse fato, o desenvolvimento do Direito Internacional,<br />

fruto do aumento e escopo de organizações internacionais intergovernamentais, corroborava que<br />

interesses internacionais podiam modificar interesses nacionais em política internacional.<br />

Autores como Robert Keohane (1984; 1998; 2001), Joseph Nye Jr. (2004) mostram em<br />

seus estudos que a preponderância econômica de fato começava a ditar novas regras<br />

internacionais, em meio ao processo conhecido como détente. Para Villa (1999), não se deve,<br />

entretanto, estranhar essa ênfase economicista: é preciso levar em consideração que a produção<br />

de tal consciência deu-se numa época em que as mudanças econômicas e técnicas começavam a<br />

pressionar o desenho de uma ordem internacional de vários centros de poder estatal.<br />

De tal modo, nas fases “quentes” da Guerra Fria era diminuída a visibilidade de qualquer<br />

processo que não se ligasse intrinsecamente à polarização bipolar entre Leste-Oeste e à temática<br />

do confronto bélico nuclear. Nisso, a centralização do debate sobre segurança nacional e<br />

internacional esquecia a emergência de temas fora das interpretações (neo) realistas sobre o<br />

contexto internacional, não atentando para a magnitude da explosão demográfica, do fenômeno<br />

migratório, dos desequilíbrios ecológicos globais, do narcotráfico e do acesso a tecnologia.<br />

Destarte, as preocupações com a Guerra Fria, o drama que representava a possibilidade imediata<br />

da deflagração de um conflito nuclear e a extinção conseqüente da espécie humana relativizavam<br />

a importância das causas dos efeitos dos processos em curso. Ou seja, a importância da Guerra<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!|!!137!


!<br />

!<br />

LEONARDO QUEIROZ LEITE<br />

! !<br />

Fria ocultou e retardou a compreensão dos novos riscos representados pelos fenômenos de<br />

explosão demográfica, migrações populacionais e desequilíbrios ecológicos.<br />

Sendo assim, com o fim da Guerra Fria e da bipolarização, abre-se espaço para a emergência<br />

desses novos temas na agenda internacional que trazem à tona a necessidade da descentralização<br />

da tomada de decisões pela própria natureza dos riscos que não é mais oligopolizada, por alguns<br />

Estados, como no caso das armas nucleares àquela época. Ainda de acordo com Villa (1999:13) “[...]<br />

a mudança não é na natureza ontológica de risco – a segurança sempre existe sobre a forma de risco<br />

– o que acontece é que a noção de risco é ampliada para incluir algo mais do que considerações<br />

estratégico-militares”. Ademais, justifica-se a passagem ao novo conceito de Segurança Global<br />

Multidimensional com o fato de que os novos riscos não são meros cenários, são realidade.<br />

A proposta de Villa, portanto, é superar as duas formas de ampliar o conceito de<br />

segurança até então existentes, a saber, a perspectiva parcelada, que concebe esferas<br />

autônomas de segurança, e a perspectiva hierárquica, que subordina a segurança ao conceito<br />

tradicional de segurança nacional. A idéia é mostrar que a segurança como questão não<br />

simplesmente interestatal, mas transnacional, que envolve reciprocidade e, por conseguinte,<br />

interdependência, demandando, assim, respostas globais e não unilaterais. Em sua<br />

argumentação, elege algumas características genéricas e genéticas, para usar os termos do<br />

autor, que traduzem a pertinência do novo conceito de SGM para o pós-Guerra Fria.<br />

PARTE III – CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A partir das idéias desenvolvidas no transcorrer do trabalho, percebemos que dentro do<br />

campo da Política Internacional as formas tradicionais de se tratar questões compartilhadas pelos<br />

atores no sistema internacional ganham mais complementaridade do que feições contraditórias na<br />

realidade atual das Relações Internacionais. Contemporaneamente, torna-se insuficiente, de<br />

acordo com uma visão neo-realista, conceber diversos temas unicamente sob um único prisma; a<br />

partir disso, conclui-se que as componentes do sistema internacional – política, economia, cultura<br />

se mesclam entre si, de acordo com as diretrizes que assumem cada momento histórico-objetivo.<br />

Por um lado, a existência de problemas comuns, conseqüentemente, a necessidade de<br />

chegar a um consenso razoavelmente eficaz coloca em evidência a tendência de os Estados<br />

institucionalizarem certos valores, regras e normas. Daí ocorre uma aceitação substancial das<br />

chamadas leis internacionais tidas como legítimas, que, evidentemente, não se limita às normas<br />

jurídicas (cuja adesão mescla os modos de ordenação do sistema e a realidade criada pela<br />

138$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!$


! INTERFACES INTERDISCIPLINARES NA POLÍTICA INTERNACIONAL: BREVES CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS !<br />

! SOBRE A CRISE DO REALISMO E A EMERGÊNCIA DE NOVOS CONCEITOS<br />

!<br />

ponderação entre poder, interesse e comunidade), mas também à avaliação dos atos políticos<br />

deliberados.<br />

Dentre as novas formas de se fazer política, o recurso ao soft power ou “poder brando”<br />

serão fundamentais na consecução dos interesses nacionais em política externa, os quais<br />

deverão se pautar pelo seguimento dos regimes internacionais e pela ampliação em termos soft<br />

dos ramos diplomáticos, como na diplomacia ambiental e na social, como já percebido no decorrer<br />

da política externa brasileira da década de 1990 .<br />

Contemporaneamente, vê-se disseminada a globalização de um ideário referente aos<br />

direitos humanos, a defesa da democracia, a proteção do meio ambiente, a regulação do<br />

comércio internacional etc. Também há uma pluralidade de atores no cenário internacional além<br />

dos Estados, como as organizações internacionais, as ONGs, as grandes corporações<br />

multinacionais, a sociedade civil transnacional etc.<br />

O intercâmbio mantido entre globalização, política, economia e cultura enfraquece a base<br />

dos argumentos universais da ordem mundial anterior, rezando para que a responsabilidade<br />

política acompanhe o processo de enriquecimento econômico. As potências passam a defender<br />

efetivamente o desarmamento mundial, intervenções humanitárias, punições a qualquer tipo de<br />

violação do Direito Internacional e das necessidades da comunidade internacional.<br />

Um exemplo prático recente da multidimensionalidade das questões internacionais seria o<br />

fato do próprio Conselho de Segurança das Nações Unidas discutir questões ambientais em suas<br />

reuniões, como foi visto na reunião Peace and security: natural resources and conflict, ocorrida em<br />

25 de junho de 2007. Desta forma, entendemos que o Conselho de Segurança tem confirmado o<br />

processo de extrapolação de suas competências e de expansão de sua atuação para outros<br />

âmbitos, evidenciando a necessidade premente de alargamento do escopo de atuação desse<br />

órgão, uma vez que as ameaças atuais à segurança internacional deixaram de ser puramente<br />

militares. Até mesmo a propensão a conflitos internacionais derivados de disputas por recursos<br />

naturais tem sido percebida pelo Conselho como uma ameaça à paz e aos princípios imperativos<br />

e inderrogáveis de Direito Internacional.<br />

No caso da Organização Mundial do Comércio, as determinações técnicas de qualquer<br />

país devem ser aceitas e delimitadas pelo Acordo sobre Barreiras Técnicas (Agreement on<br />

Technical Barriers to Trade – TBT) e pelo Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias<br />

(Sanitary and Phytosanitary Agreement – SPS) da OMC, respeitado os princípios gerais de “nação<br />

mais favorecida” e do “tratamento nacional”. Nesses termos, não há barreiras técnicas, mas<br />

apenas exigências ou requisitos específicos legais e proporcionais a cada contexto.<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!|!!139!


!<br />

!<br />

LEONARDO QUEIROZ LEITE<br />

! !<br />

No caso das exigências técnicas referentes ao meio ambiente, os países devem relembrar<br />

o Princípio 12 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992).<br />

Assim sendo,<br />

140$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!$<br />

[...] As medidas de política comercial motivadas por razões<br />

ambientais não devem constituir um instrumento de discriminação arbitrária<br />

ou injustificada ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional. As<br />

ações unilaterais para lidar com desafios ambientais fora da área de<br />

jurisdição do país importador devem ser evitadas. As medidas ambientais<br />

para lidar com problemas ambientais transfonteiriços ou globais devem,<br />

tanto quanto possível, ser baseados num consenso internacional.<br />

Mais além, o teórico Fred Halliday (1999) fez importantes contribuições ao estudo das<br />

Relações Internacionais, sobretudo quando se trata do surgimento de novos atores no sistema<br />

internacional, como visto em relação à participação da sociedade civil na temática<br />

internacionalizada de meio ambiente. Segundo Halliday, o realismo, o transnacionalismo e<br />

estruturalismo não são suficientes para explicar com clareza o papel do Estado nas relações<br />

internacionais: o primeiro por focar em demasia o papel central do Estado; o segundo por enfatizar<br />

os processos e o mercado ao invés dos atores; e o último por focar demais na importância das<br />

classes e dar ao Estado um papel somente instrumental.<br />

Nesse sentido, Halliday (1999) questiona o próprio conceito clássico de Estado como ator<br />

de maior importância no âmbito internacional ao abrir espaço à importância das questões<br />

domésticas. O Estado pode valer-se de questões domésticas para atingir objetivos internacionais<br />

(a exemplo, ele pode tratar melhor uma minoria étnica para melhorar sua imagem no âmbito<br />

internacional), assim como pode anexar territórios e promover guerras para responder às<br />

demandas domésticas (promover mudanças educacionais ou promover industrialização, por<br />

exemplo). Diante dessa perspectiva bidimensional sobre a política estatal, vê-se que forças<br />

domésticas muitas vezes influenciam a política do Estado e que, assim, outros atores começam a<br />

retirar do Estado seu status de ator único.<br />

Nesse contexto, as forças sociais surgem como novos atores das relações internacionais<br />

que, muitas vezes, através da formação de lobbies fazem valer interesses privados nas políticas<br />

internacionais de esferas econômica, societal e ambiental, entre outras. Segundo Halliday<br />

(1999:45), “Por toda parte, a existência da relação Estado-sociedade permite meios alternativos<br />

de conduzir as relações internacionais: ela encoraja os Estados e as forças sociais a perseguir<br />

políticas internacionais que irão incrementar relativamente as suas posições domésticas”.<br />

Portanto, no debate sobre a influência de atores não-estatais e grupos sociais no poder<br />

estatal, nota-se que há um impacto crescente da abordagem de novas temáticas em campos de<br />

discussões antes restritos, como por exemplo, a influência de questões étnicas e sociais na esfera


! INTERFACES INTERDISCIPLINARES NA POLÍTICA INTERNACIONAL: BREVES CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS !<br />

! SOBRE A CRISE DO REALISMO E A EMERGÊNCIA DE NOVOS CONCEITOS<br />

!<br />

político-econômica e a influência da questão ambiental no campo econômico, encabeçada<br />

sobretudo pelas ONGs, como visto, sobretudo, na ECO-92 pela grande atuação e influência das<br />

mais de mil ONGs participantes, contribuindo para a redefinição do meio ambiente enquanto<br />

elemento estratégico das Relações Internacionais, seja na sua transformação em “alta política”,<br />

seja na influência que possui ao redefinir outros âmbitos, como o comércio, os investimentos e<br />

mecanismos de integração.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

BUZAN, B.; WAEVER, O. Security complexes: a theory of regional security In: Regions and<br />

power: the structure of international security. Cambridge: Cambridge University Press, 2003, p. 40-89.<br />

HALLIDAY, Fred. Repensando as relações Internacionais. Porto Alegre: Editora da UFRGS,<br />

1999.<br />

KEOHANE, R.; NYE, J. Power and Interdependence. New York: Harper Collins, 2001.<br />

KEOHANE, Robert Owen. After Hegemony: cooperation and discord in the world political<br />

economy. Princeton: Princeton University Press, 1984.<br />

______. "International Institutions: two approaches." International Studies Quartely. Vol. 32,<br />

n٥.4, pp. 379-396, 1998.<br />

LEPRESTE, Pierre. Ecopolítica internacional. São Paulo: SENAC, 2000.<br />

LISBOA, Marijane Vieira. Em busca de uma política externa brasileira do meio ambiente: três<br />

exemplos e uma exceção à regra. In São Paulo em Perspectiva, São Paulo, 16 (2), p. 44-52, 2002.<br />

MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Org.) Coletânea de direito internacional. 4. ed. ampliada. São<br />

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.<br />

MEARSHEIMER, J.J. "The false promise of International Institutions". International Security.<br />

Vol.19, n٥. 3, Winter, 1994-1995. pp. 5-49.<br />

NAÇÕES UNIDAS. Conselho de Segurança. Peace and security: natural resources and<br />

conflict,doc. S/PV.5705 (Resumption 1), 25/06/2007<br />

NYE Jr, Joseph S. Soft power. Foreign Policy. Washington, v.80, p. 153-171, Autumn 1990.<br />

NYE Jr., Joseph S. Soft Power: the Means to Success in World Politics. New York: Public<br />

Affairs. 2004<br />

VILLA, Rafael Antonio Duarte. Da crise do realismo à segurança global multidimensional. São<br />

Paulo: Annablume; FAPESP, 1999.<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!!|!!141!


Política I n t e r n a c i o n a l<br />

os avaNÇos e FraCassos da<br />

15ª CoNFerÊNCia das ParTes de CoPeNhaGUe:<br />

UM esTUdo eXPloraTÓrio<br />

César MaChado Carvalho<br />

dade<br />

Federal de são Carlos (UFsCar) e licenciado<br />

em Ciências sociais pela Universidade<br />

estadual Paulista (UNesP).<br />

Contato: cesarmc27@yahoo.com.br<br />

Geraldo José Ferraresi de araúJo<br />

Bacharel em administração pela Faculdade de<br />

economia, administração e Contabilidade de<br />

ribeirão Preto (Fea-rP) da Universidade de<br />

são Paulo (UsP).<br />

Contato: geraldoferraresi@gmail.com


!<br />

OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE<br />

COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO<br />

Geraldo José Ferraresi de Araújo<br />

César Machado Carvalho<br />

RESUMO: Com o agravamento das questões climáticas em escala mundial, desde a revolução<br />

industrial, as Nações Unidas, através da Conferência das Partes, vem realizando reuniões anuais<br />

desde 1995 com o objetivo de criar políticas efetivas, em âmbito global, para mitigação das<br />

emissões de gases causadores de efeito estufa. Dentre as COPs realizadas, nesse artigo teremos<br />

como objeto a 15ª Conferências das Partes de Copenhague na Dinamarca, cúpula de lideranças<br />

globais sem precedentes na história recente da diplomacia. Logo, o objetivo desse trabalho é<br />

responder a seguinte pergunta: Quais foram os fracassos e os avanços da 15°Conferência das<br />

Partes? Para responder essa pergunta, realizou-se uma pesquisa qualitativa, do tipo exploratório,<br />

delineada por pesquisa bibliográfica com a análise de artigos científicos e jornalísticos, através da<br />

Internet, entre o período de 01/04/2012 até 20/05/2012, referente à história das COPs, em<br />

particular a Conferência de Copenhague. Pela pesquisa realizada, podemos afirmar em resposta<br />

a pergunta norteadora deste artigo, que a COP 15, sob a óptica da dimensão ambiental, foi um<br />

fracasso, dado a complexidade, divergência e diversidade de interesses em pauta; a metodologia<br />

de negociação utilizada na conferência e divergência entre as superpotências climáticas, com<br />

destaque para a China e os EUA. Porém, sob ótica da dimensão política, houve avanços, como o<br />

comprometimento dos principais países poluidores com ações de mitigação.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Relações Internacionais, Mudanças Climáticas, Conferência das Partes,<br />

COP 15.<br />

THE ADVANCES AND FAILURES OF THE FIFTEENTH CONFERENCE OF THE PARTIES IN<br />

COPENHAGEN: AN EXPLORATORY STUDY<br />

ABSTRACT: With the aggravation of climate issues worldwide since the industrial revolution, the<br />

United Nations through the Parties' Conference, have been organizing annual meetings since 1995,<br />

with the goal of creating effective global policies to mitigate emissions of greenhouse gases. In this<br />

article we will have as object the 15th Conference of the parties in Copenhagen, unprecedented<br />

Global Leadership Summit in the recent history of diplomacy. Therefore, the goal of this work is to<br />

answer the following question: What were the failures and the advances of the 15th Conference of<br />

the Parties? To answer it, an exploratory qualitative research was undertaken delineated by a<br />

bibliographic search with analysis of journalistic and scientific articles via the Internet between the<br />

period of 04/01/2012 up to 05/20/2012 for the history of COP s, in particular the Copenhagen<br />

Conference. We can answer that in terms of the environmental dimension COP 15 was a failure,<br />

given the complexity, diversity and divergence of interests on the agenda; the trading methodology<br />

used in conferences of the parties and the divergence among the climate superpowers, mainly China<br />

and the USA. However, under the point of view of political dimension there were advances such as<br />

the commitment of the major countries with mitigation of actions polluters.<br />

KEYWORDS: International Relations, Climate Change, Conference of the Parties, COP 15.<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!|!!145!


! !<br />

GERALDO JOSÉ FERRARESI DE ARAÚJO | CÉSAR MACHADO CARVALHO<br />

! !<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

O impacto das atividades humanas: políticas, sociais e econômicas no meio ambiente<br />

sempre foram diferentes no espaço e no tempo.<br />

Desde o surgimento do homem na terra até o fim do período paleolítico acerca de 10.000<br />

a.C , o homem procurava tudo o que era necessário para sustentar a vida por meio da caça, da<br />

pesca, da coleta de frutos, sementes e raízes. Naquela época as transformações realizadas<br />

causavam impactos irrelevantes sobre o meio ambiente, seja pelo tamanho da população no<br />

período, seja pelo fato da humanidade não possuir técnicas que lhe permitissem fazer grandes<br />

transformações. Logo, sua capacidade de ação sobre o meio ambiente se restringia a algumas<br />

cadeias alimentares e ainda com a utilização do fogo seu impacto ainda era muito reduzido.<br />

O período Neolítico, teve início a 10.000 a.C. e se prolongou até 5.000 a.C. Com a revolução<br />

agrícola, os humanos aprenderam a domesticar os animais e a praticar a agricultura. Consequentemente,<br />

os impactos começaram a aumentar gradativamente devido desmatamento, erosão do solo, eutrofização<br />

de lagos e rios, poluição do ar e do solo devida à práticas agrícolas inapropriadas.<br />

Além disso, a revolução agrícola permitiu a sedentarização do homem maior oferta de<br />

alimento e consequentemente o surgimento das primeiras cidades, acerca de 4.500 a.C.,<br />

permitiram-lhe o crescimento populacional. Embora os impactos ambientais no período neolítico<br />

fossem maiores do que do período paleolítico, eles eram sempre locais e reduzidos.<br />

Com o início do capitalismo, marcado com advento da revolução industrial, na segunda<br />

metade do século XVIII até a contemporânea globalização, o vertiginoso avanço tecnológico, a<br />

explosão demográfica mundial e consequente demanda energética em crescimento exponencial,<br />

a capacidade de transformação do meio ambiente por parte da humanidade aumentou<br />

consideravelmente, onde impactos ambientais que antes estavam rescritos a ambitos locais<br />

passaram a ter escala global.<br />

As atividades políticas, econômicas e sociais, decorrentes da revolução industrial,<br />

causaram aumento da emissão de gases de efeito estufa, causados principalmente pelos veículos<br />

automotores, termelétricas, indústrias e queima de florestas. Consequentemente, a emissão de<br />

CO2, CFC, CH4, HFC5, PFCs, SF6 e N2O realizada de maneira constante em nossa era histórica<br />

resultaram, para Rocha (2003, p. 1), “na quase duplicação dos gases efeito estufa (GEE) na<br />

atmosfera durante o período de 1750 até 1998.” Como pode ser confirmado na tabela abaixo.<br />

146%%|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!%<br />

!


! !<br />

OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO<br />

! !<br />

Tabela 1 - Concentração global de gases efeito estufa<br />

CO2<br />

Gás Carbônico<br />

CH4<br />

Metano<br />

N2O<br />

Oxido Nitroso<br />

Concentração em 1750 280 ppm 700 ppb 270 ppb<br />

Concentração em 1998 365 ppm 1745 ppb 314 ppb<br />

Taxa de Alteração 1,5 ppm/ano 7,0 ppb/ano 0,8 ppb/ano<br />

Residência na Atmosfera (anos) 50-200 12 114<br />

Fonte: Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (2001a), apud Rocha 2003.<br />

O aumento da média de temperatura do planeta terá impactos diferentes em cada região<br />

do mundo, como pode ser observado no quadro a seguir.<br />

Tabela 2 - Prováveis impactos decorrentes do aquecimento global<br />

Região Impactos Prováveis<br />

África<br />

Ásia<br />

Oceania<br />

Europa<br />

América<br />

Latina<br />

• Diminuição da produção agrícola;<br />

• Diminuição da disponibilidade de água na região do<br />

mediterrâneo e em países do sul;<br />

• Aumento da desertificação;<br />

• Extinção de animais e plantas;<br />

• Aumento de vetores de doenças.<br />

• Diminuição da produção agrícola;<br />

• Diminuição da disponibilidade de água nas regiões áridas e<br />

semiáridas;<br />

• Descolamento de milhões de pessoas devido ao amento do<br />

nível dos oceanos.<br />

• Diminuição da disponibilidade de água;<br />

• Extinção de animais e plantas.<br />

• Diminuição de produção agrícola;<br />

• Extinção de animais e plantas;<br />

• Aumento de vetores de doenças.<br />

• Diminuição da produção agrícola;<br />

• Extinção de animais e plantas;<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!|!!147!<br />

!


! !<br />

GERALDO JOSÉ FERRARESI DE ARAÚJO | CÉSAR MACHADO CARVALHO<br />

! !<br />

América<br />

do Norte<br />

Polar<br />

Pequenas<br />

Ilhas<br />

• Aumento de vetores de doenças.<br />

148%%|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!%<br />

• Aumento da produção agrícola em algumas regiões;<br />

• Aumento de vetores de doenças.<br />

• Diminuição da calota polar;<br />

• Extinção de animais e plantas.<br />

• Descolamento de milhões de pessoas devido ao amento do<br />

nível dos oceanos;<br />

• Diminuição da disponibilidade de água;<br />

• Diminuição da atividade pesqueira.<br />

Fonte: Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (2001b) apud Rocha 2003.<br />

Diante deste cenário em potencial, as Nações Unidas vêm realizando uma série de<br />

conferências internacionais desde Estocolmo em 1972, com o objetivo de edificar fundamentações<br />

teóricas, metodologias e instrumentos políticos e mercadológicos em âmbito mundial para<br />

diminuição dos impactos ambientais, causados, sobretudo pelo modo de produção capitalista.<br />

Dentre as conferências mais destacadas, foi aquela realizada no Rio de Janeiro em 1992,<br />

a Conferência das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento que reuniu 108 chefes de<br />

Estado. Através da Eco 92, foram aprovados entre os países participantes acordos internacionais<br />

decorridos do encontro que foram: Convenção do Clima, Agenda 21, Convenção da<br />

Biodiversidade e a Declaração do Rio. Estes acordos deram margem a regulamentações em<br />

relação a esses temas por parte das agências ambientais de vários países.<br />

Especificamente no que se refere à mudanças climáticas, através da Rio 92, foi<br />

estabelecida a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que para<br />

Rocha (2003, p. 6) “tem como meta propor aos países industrializados que estabilizem as<br />

concentrações atmosféricas de gases causadores do efeito estufa de forma a impedir atividades<br />

atrópicas levem a uma inferência perigosa no clima do planeta.”<br />

1.1 OBJETIVO DE PESQUISA<br />

O presente artigo tem como objetivo dissertar sobre a série histórica Conferência das<br />

Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, através da<br />

evolução dos debates e dos resultados com foco na COP 15 realizada em Copenhague na<br />

Dinamarca em 2009.<br />

!


! !<br />

OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO<br />

! !<br />

Onde a pergunta que se pretende responder neste trabalho é: quais foram os fracassos e<br />

os avanços da 15°Conferência das Partes?<br />

2.. METODOLOGIA<br />

O Método “é uma forma de selecionar técnicas, forma de avaliar alternativas para ação<br />

científica. Assim, enquanto as técnicas utilizadas são fruto de suas decisões, o modo pelo qual<br />

tais decisões são tomadas depende de suas regras de decisão.” (ACKOFF apud HEGENBERG,<br />

1976, p. 116).<br />

Logo, a natureza do método empregado neste estudo é do tipo qualitativa. Neves (1996, p.<br />

1) afirma que esta pesquisa:<br />

Auxilia no entendimento do fenômeno, segundo a perspectiva dos participantes da<br />

situação estudada, propiciando uma interpretação própria do fenômeno por parte<br />

do pesquisador. [...] Faz parte a obtenção de dados descritivos mediante contato<br />

direto e interativo do pesquisador com o objeto de estudo.”<br />

Para discorrer sobre o objeto de estudo, recorrerá a uma pesquisa do tipo exploratória.<br />

Para Rodrigues (2007), seu objetivo é a caracterização inicial do problema, sua classificação e de<br />

sua definição. Constitui o primeiro estágio de toda pesquisa científica.<br />

Dentro da pesquisa exploratória, foi utilizada a pesquisa bibliográfica, para Lakatos e<br />

Marconi (1999, p. 73):<br />

“abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema em estudo,<br />

desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas,<br />

monografias, teses, material cartográfico etc., até meios de comunicação orais:<br />

rádio, gravações em fita magnética e audiovisuais: filmes e televisão. Sua<br />

finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo que já foi escrito,<br />

dito ou filmado sobre determinado assunto, inclusive conferências seguidas de<br />

debates que tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas quer<br />

gravadas”<br />

Dessa forma, realizou-se uma pesquisa qualitativa, do tipo exploratório, delineado por<br />

pesquisa bibliográfica, tomando-se por base levantamento nas bases dados do Intergovernmental<br />

Panel of Climate Change, da United Nations Framework Convention on Climate Change, Centro<br />

de Estudos de Sustentabilidade da EAESP da Fundação Getúlio Vargas, o Sistema Integrado de<br />

Bibliotecas da Universidade de São Paulo e Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas.<br />

Estes dados foram acessados através da INTERNET, no período de abril a maio de 2012.<br />

Nessas bases de dados foram cruzadas as seguintes palavras-chaves: Mudanças Climáticas,<br />

Relações Internacionais, Conferência das Partes, COP 15, posteriormente, foram avaliados os<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!|!!149!<br />

!


! !<br />

GERALDO JOSÉ FERRARESI DE ARAÚJO | CÉSAR MACHADO CARVALHO<br />

! !<br />

artigos de maior relevância no assunto. A escolha das revistas deu-se em função de suas<br />

respectivas classificações pelo sistema Qualis de qualificação para o triênio 2010-2012.<br />

3. A CONFERÊNCIA DAS PARTES<br />

Para Orellana (2010) a UNFCCC, sigla em inglês para Convenção Quadro das Nações<br />

Unidas sobre Mudanças Climáticas foi instituída como uma Convenção Quadro, na Rio 92, com o<br />

objetivo de estabilizar as emissões atmosféricas de gases de efeito estufa em nível que possa<br />

impedir interferência perigosa sobre o sistema climático global.<br />

A regulamentação da Convenção ficou atribuída à Conferência das Partes – COP, órgão<br />

supremo da Convenção e braço executivo de um acordo internacional e o responsável pelas<br />

reuniões periódicas e é composta de representantes diplomáticos dos Estados signatários.<br />

(COTA; REIS; VALE, 2009 a).<br />

Além disso, também participam milhares de organizações não governamentais e demais<br />

representantes da sociedade civil organizada que fazem com que esses eventos sejam<br />

verdadeiros fóruns globais.<br />

Para Souza (2007), no caso da CQMC (Convenção Quadro de Mudanças Climáticas), a<br />

COP decide sobre aplicação e funcionamento das diretrizes do tratado, a execução dos<br />

mecanismos previstos e o cumprimento das metas estabelecidas. Para isso realiza encontros<br />

anuais onde faz uma revisão do estado de implementação da Convenção e discute a melhor<br />

forma de lidar com as mudanças climáticas. Cada encontro leva o nome da cidade onde é<br />

realizado e seus resultados dependem das negociações entre os países que participam do acordo<br />

– conhecidos como Partes.<br />

A Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas começou a vigorar em 21 de<br />

março de 1994, noventa dias após sua 50ª ratificação.<br />

Os principais objetivos das COPs são: mobilizar os governos nacionais, autarquias e<br />

organizações da sociedade civil para tomarem medidas concretas no combate ao aquecimento<br />

global; estabelecer normas e diretrizes internacionais para as políticas nacionais; servir de fórum<br />

onde podem ser debatidas novas propostas e novos consensos e passar a informar a ONU,<br />

regularmente, em relação à situação dessas metas prioritárias.<br />

Logo abaixo está sintetizada a série histórica das Conferências das Partes realizadas.<br />

150%%|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!%<br />

!


!<br />

!<br />

OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO<br />

! !<br />

Tabela 3 – Série histórica de debates e resultados das Conferências das Partes<br />

COP Local Ano Debates Resultados<br />

COP 1<br />

COP 2<br />

COP 3<br />

Berlim<br />

Alemanha<br />

Genebra<br />

Suíça<br />

Kyoto<br />

Japão<br />

1995<br />

1996<br />

1997<br />

• Combater as<br />

emissões de gases<br />

causadores do<br />

efeito estufa.<br />

• Objetivos<br />

vinculativos a definir<br />

em médio prazo.<br />

• Intensas<br />

negociações sobre a<br />

redução das<br />

emissões de gases<br />

de efeito estufa.<br />

• Criação de um catálogo de instrumentos para compor um conjunto de iniciativas que<br />

correspondem as suas necessidades;<br />

• Decisão de se apresentar em 1997 um documento tornando oficial o comprometimento<br />

de redução das emissões de gases do efeito estufa;<br />

• Desenvolvimento das AIC’s, visando à implantação de projetos de suporte e<br />

transferência de tecnologia, com o objetivo de facilitar o cumprimento de metas de<br />

mitigação.<br />

• Aprovou o resultado do relatório da segunda avaliação do IPCC, divulgado em 1995;<br />

• Estabelecido que os países membros não devessem buscar soluções uniformes, cada<br />

um deve encontrar suas próprias soluções;<br />

• Solicitar à COP apoio financeiro para o desenvolvimento de programas de redução de<br />

emissões, com recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente.<br />

• Adoção do Protocolo de Kyoto, com metas de redução de emissões e mecanismos<br />

de flexibilização dessas metas. De modo geral, as metas são de 5,2% das emissões<br />

de 1990, porém alguns países assumiram compromissos maiores: Japão – 6%,<br />

União Europeia – 8% e Estados Unidos, que acabaram não ratificando o acordo 7%.<br />

!<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!|!!151!


!<br />

152$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!$<br />

!<br />

GERALDO JOSÉ FERRARESI DE ARAÚJO | CÉSAR MACHADO CARVALHO<br />

! !<br />

COP Local Ano Debates Resultados<br />

COP 4<br />

COP 5<br />

COP 6<br />

COP 6<br />

BIS<br />

Buenos<br />

Aires<br />

Argentina<br />

Bonn<br />

Alemanha<br />

La Haya<br />

Holanda<br />

Bonn<br />

Alemanha<br />

1998<br />

1999<br />

2000<br />

2001<br />

• Questões pendentes<br />

relativas ao<br />

Protocolo de Kyoto.<br />

• Discussões sobre<br />

LULUCF.<br />

• Discussões sobre<br />

proposta dos EUA para<br />

permitir que áreas<br />

agrícolas e florestais<br />

pudessem ser incluídas<br />

como sumidouros de<br />

carbono.<br />

• Mecanismos que<br />

permitiria que<br />

circulassem entre os<br />

países as<br />

• Centrou esforços na implementação e ratificação do Protocolo de Kyoto. O Plano de<br />

Ação de Buenos Aires trouxe um programa de metas para alguns itens do Protocolo<br />

em separado: análise de impactos da mudança do clima e alternativas de<br />

compensação, AIC, mecanismos financiadores e transferência de tecnologia.<br />

• Implementação do Plano de Ações de Buenos Aires;<br />

• Execução de atividades implementadas conjuntamente (AIC) em caráter<br />

experimental e do auxílio para capacitação de países em desenvolvimento.<br />

• A falta de acordo nas discussões sobre sumidouros, LULUCF, o Mecanismo de<br />

Desenvolvimento Limpo, mercado de carbono e financiamento de países em<br />

desenvolvimento levaram à suspensão das negociações;<br />

• Foi acordado que as negociações seriam retomadas em uma conferência<br />

extraordinária em julho de 2001.<br />

• Dominada por discussões técnicas sobre os mecanismos do Protocolo de Kyoto.<br />

• Aprovado o uso de sumidouros para cumprimento de metas de emissão, discutidos<br />

limites de emissão para países em desenvolvimento e assistência financeira dos<br />

países desenvolvidos.<br />

!


!<br />

!<br />

OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO<br />

! !<br />

obrigações de<br />

reduções, em troca<br />

de uma<br />

compensação<br />

financeira.<br />

COP Local Ano Debates Resultados<br />

COP 7 Marrakesh<br />

Marrocos<br />

COP 8<br />

Delhi<br />

Índia<br />

2001<br />

2002<br />

• Negociações sobre<br />

o Protocolo de<br />

Kyoto.<br />

• Tentativa dos países<br />

da União Europeia,<br />

sem sucesso, em<br />

obter uma<br />

declaração<br />

apelando para mais<br />

ações das partes no<br />

UNFCCC.<br />

• Definição dos mecanismos de flexibilização, a decisão de limitar o uso de créditos<br />

de carbono gerados de projetos florestais do Mecanismo de Desenvolvimento<br />

Limpo;<br />

• Estabelecimento de fundos de ajuda a países em desenvolvimento voltados a<br />

iniciativas de adaptação às mudanças climáticas.<br />

• Adesão da iniciativa privada e de organizações não governamentais ao Protocolo de<br />

Kyoto e apresenta projetos para a criação de mercados de créditos de carbono.<br />

COP 9 Milão 2003 • Regulamentação de • Estabeleceu regras para a condução de projetos de reflorestamento, onde se<br />

!<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!|!!153!


!<br />

COP<br />

10<br />

154$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!$<br />

!<br />

GERALDO JOSÉ FERRARESI DE ARAÚJO | CÉSAR MACHADO CARVALHO<br />

! !<br />

Itália sumidouros de<br />

Buenos<br />

Aires<br />

Argentina<br />

2004<br />

carbono e do MLD<br />

• As discussões<br />

técnicas sobre o<br />

Protocolo de Kyoto<br />

tornam condição para a obtenção de créditos de carbono.<br />

• Aprovação de regras para a implementação do Protocolo de Kyoto, que entrou em<br />

vigor no início do ano seguinte (2005), após a ratificação pela Rússia.<br />

• Definição dos Projetos Florestais de Pequena Escala (PFPE) e a divulgação de<br />

inventários de emissão de gases do efeito estufa por alguns países em<br />

desenvolvimento, entre eles o Brasil.<br />

COP Local Ano Debates Resultados<br />

COP<br />

11<br />

Montreal<br />

Canadá<br />

2005<br />

• Discussões sobre o<br />

que deve acontecer<br />

após a expiração do<br />

Protocolo de Kyoto<br />

em 2012.<br />

• Discussão do<br />

segundo período do<br />

Protocolo, após<br />

2012, para o qual<br />

instituições<br />

europeias defendem<br />

!


!<br />

COP<br />

12<br />

CMP 2<br />

Nairóbi<br />

Quênia<br />

!<br />

OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO<br />

! !<br />

2006<br />

reduções de<br />

emissão na ordem<br />

de 20 a 30% até<br />

2030 e entre 60 e<br />

80% até 2050.<br />

• O trabalho envolvido na<br />

obtenção de um novo<br />

acordo para o período<br />

pós-Kyoto.<br />

• Revisão de prós e<br />

contras do Protocolo de<br />

Kyoto, com um esforço<br />

das 189 nações<br />

participantes de<br />

realizarem internamente<br />

processos de revisão.<br />

• Últimas questões técnicas relativas ao Protocolo de Kyoto foram atendidas.<br />

• Séries de marcos foram estabelecidas no processo rumo a um novo acordo.<br />

COP Local Ano Debates Resultados<br />

COP<br />

13<br />

CMP 3<br />

Bali<br />

Indonésia<br />

2007<br />

• Obtenção de um<br />

novo acordo que<br />

substitua o<br />

• Reconhecimento do mais recente relatório do IPCC e suas conclusões que os sinais<br />

do aquecimento global são inequívocos.<br />

• Aprovação do Plano de Ação de Bali. Este plano estabelece o cenário para as<br />

!<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!|!!155!


!<br />

COP<br />

14<br />

CMP 4<br />

Poznan<br />

Polônia<br />

156$$|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!$<br />

!<br />

GERALDO JOSÉ FERRARESI DE ARAÚJO | CÉSAR MACHADO CARVALHO<br />

! !<br />

2008<br />

Protocolo de Kyoto. negociações a serem levadas à COP15.<br />

• Nesta conferência o<br />

sentido de trabalhar<br />

em um novo acordo<br />

climático global em<br />

Copenhague<br />

continuou.<br />

• Estabeleceu compromissos mensuráveis, transparentes e verificáveis para a<br />

redução de emissões causadas por desmatamento das florestas tropicais para o<br />

acordo que substituirá o Protocolo de Kyoto.<br />

• Aprovada a implementação do Fundo de Adaptação, para países mais vulneráveis à<br />

mudança do clima possam enfrentar os impactos.<br />

• Diretrizes para financiamento e fornecimento de tecnologias limpas para países em<br />

desenvolvimento também entraram no texto final, mas não foram apontadas quais<br />

serão as fontes e o volume de recursos suficiente para essas e outras diretrizes<br />

destacadas pelo acordo, como o apoio para o combate ao desmatamento nos<br />

países em desenvolvimento.<br />

• Partes chegaram a um acordo sobre o programa de trabalho e plano de reunião<br />

para a Conferência de Copenhague e sobre a operacionalização final do Fundo de<br />

Adaptação, que vai apoiar medidas de adaptação concretas nos países menos<br />

desenvolvidos.<br />

• Pozman figurou apenas como um antecessor da COP-15.<br />

Fonte: Adaptado de Cota; Reis; Vale (2009).<br />

!


! !<br />

OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO<br />

! !<br />

! O ponto central de todas as Conferências das Partes supracitadas na tabela é o Protocolo<br />

de Kyoto, ele foi elaborado como instrumento para alcance dos objetivos apontados tanto na COP<br />

1 em Berlim quanto na COP 2 em Genebra, e o motivo de intensos debates sobre os mecanismos<br />

de combate ao aquecimento global, como MDL, créditos e os sumidouros de carbono desde a<br />

COP 3 em Kyoto até a COP 10 em Buenos Aires, onde somente em 2005, após sua ratificação<br />

pela Rússia, o protocolo entrou em vigor.<br />

Porém, com a recusa dos Estados Unidos em assinar o protocolo e expiração do mesmo<br />

em 2012, a partir da COP 11 em Montreal foi iniciada as discussões sobre um novo acordo<br />

climático global que substituiria o protocolo de Kyoto. Esses debates se desdobraram até a COP<br />

14 em Poznam, na Polônia que convergiu para: compromissos mensuráveis, transparentes e<br />

verificáveis para a redução de emissões; diretrizes para financiamento e fornecimento de<br />

tecnologias limpas para países em desenvolvimento e a implementação do Fundo de Adaptação<br />

para países mais vulneráveis as mudanças climáticas.<br />

A obtenção de um acordo nesses três pontos era imperativo para que objetivo da UNFCCC<br />

em reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa lograsse êxito, para tanto, os<br />

mesmos foram trabalhados, especialmente na COP 13 em Bali e na COP 14 em Poznam, para<br />

que fossem negociados na 15ª Conferência das Partes em Copenhague.<br />

4. A 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE E SEUS OBJETIVOS<br />

A 15ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre o Clima (COP15) foi um encontro<br />

realizado entre os dias 7 e 18 de dezembro de 2009, em Copenhague, capital da Dinamarca. Ela<br />

reuniu chefes de Estado de 193 países, uma cúpula de lideranças globais sem precedentes na<br />

história recente da diplomacia. (ECO DESENVOLVIMENTO, 2009).<br />

Além disso, o grau de mobilização da sociedade civil nunca foi tão grande. Nunca uma COP foi<br />

precedida por tantas manifestações e ações em favor de um acordo sobre mudança climática em<br />

sintonia com as principais recomendações da melhor ciência do clima disponível. (ABRANGES, 2010).<br />

A COP 15 teve como objetivo de avançar na elaboração de um novo acordo de proteção<br />

ao clima global, através do estabelecimento de um acordo com peso de lei internacional capaz de<br />

traçar metas de redução das emissões de gases de efeito estufa, em especial o gás carbônico<br />

(CO2), e dar prosseguimento ao Protocolo de Kyoto.<br />

No que se refere especificamente ao Protocolo de Kyoto, Silva (2009) afirma:<br />

O Protocolo prevê uma redução total das emissões de 5,2% entre 2008 e 2012 em<br />

comparação aos níveis de 1990. Apenas 42 países industrializados do Anexo I do<br />

Protocolo estão sujeitos a essas metas que variam de um signatário para outro. Os<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!|!!157!<br />

!


! !<br />

GERALDO JOSÉ FERRARESI DE ARAÚJO | CÉSAR MACHADO CARVALHO<br />

! !<br />

158%%|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!%<br />

países da União Europeia têm que cortar as emissões em 8%, enquanto o Japão<br />

se comprometeu com 5%. Países em desenvolvimento não tiveram de se<br />

comprometer com metas específicas. Como signatários, no entanto, precisam<br />

manter a ONU informada sobre seu nível de emissões, bem como devem buscar o<br />

desenvolvimento de estratégias para tratar as mudanças climáticas.<br />

Na Conferência de Copenhague, o Protocolo de Kyoto, ganharia um segundo período de<br />

compromisso com metas mais amplas dos 36 países signatários.<br />

Dado o exposto acima, o corte de emissões de gás carbônico através da chegada de um<br />

acordo era de fundamental importância para o sucesso da COP 15. Wilson e Law (2007) afirmam<br />

que segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática que alertava sobre a alta da<br />

temperatura da Terra, cerca de 0,7ºC maior desde a Revolução Industrial. Esta instituição tem<br />

sugerido que as concentrações de CO2 na atmosfera precisa ser estabilizadas em 450 ppm<br />

(partes por milhão) para evitar um aquecimento maior de 2ºC até o fim deste século. Este é o<br />

limite considerado "seguro", além do qual a humanidade e os ecossistemas teriam dificuldade em<br />

se adaptar às mudanças climáticas. O IPCC prevê que o planeta estará pelo menos 1,8ºC mais<br />

aquecido até o final do século XXI. Para evitar uma alta da temperatura nesse século, seria<br />

preciso que as nações industrializadas cortassem suas emissões de gases-estufa em 25% a 40%<br />

até 2020, e em 80% a 95% até 2050.<br />

Além de buscar soluções para evitar um aquecimento global, em Copenhague, os países<br />

também buscaram uma forma de como financiar o combate ao efeito estufa nos países pobres,<br />

como seria a adaptação destes países e a transferência de tecnologias de energia limpa, que<br />

ajudem o mundo a migrar para uma economia de baixo carbono.<br />

Para VI Modelo Intercolegial de Relações Internacionais (2009), dois fatores incidiram<br />

sobre a necessidade dessa discussão: a responsabilidade histórica das nações mais ricas (que<br />

poluíram mais), e a urgência das economias emergentes no que diz respeito à adaptação e<br />

combate às mudanças climáticas.<br />

Portanto, tinha-se como expectativa que a COP 15 gerasse um documento político que<br />

estabelecesse linhas gerais de ação e um prazo para a assinatura de um tratado legal que<br />

contivesse metas de redução de emissões para os países ricos e emergentes um valor para<br />

financiamento e ações em adaptação e transferência de tecnologia.<br />

4.1 PRINCIPAIS PLAYERS E AS NEGOCIAÇÕES<br />

Segundo a Netherlands Environmental Assessment Agency, em 2008, os principais países<br />

emissores de gases efeito foram: China, responsável por 23% do total mundial, EUA, com 20%,<br />

União Europeia (27 países), com 16%, Índia, com 6%, Rússia, com 5,5%, Brasil com 5% ,<br />

!


! !<br />

OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO<br />

! !<br />

Indonésia com 4,5% , Japão, com 3% , México com 2,5% do total , Canadá com 2% do total ,<br />

África do Sul com 1,5% do total e Coréia do Sul com 1,5% . (VIOLA, 2010)<br />

Os Estados Unidos, a China e a União Europeia, consideradas por Viola e Machado Filho<br />

(2010), como “grandes potências climáticas” são responsáveis por quase 60% das emissões<br />

globais de carbono, nenhum novo acordo é possível na Conferência das Partes sem o pleno<br />

engajamento destes dois países e da UE que têm poder de veto sobre a totalidade ou qualquer<br />

parte de um novo acordo climático.<br />

Diante deste cenário, dos objetivos da COP 15 e da correlação de força entre as nações<br />

no processo de negociação e os objetivos, os dirigentes das principais nações do mundo se<br />

envolveram em negociações diretas, em conteúdo e em detalhe,sem trabalho prévio dos<br />

diplomatas, onde desde o início, ficou clara a dificuldade para se atingir um acordo para mitigar a<br />

mudança climática que fosse legalmente vinculante. Das três grandes potências climáticas,<br />

somente a União Europeia tinha uma posição de favorecer o acordo com metas que teriam<br />

impacto relevante para a mitigação. (ABRANGES, 2010).<br />

Com relação aos Estados Unidos, havia uma expectativa internacional para a realização<br />

de um acordo já que o presidente recém-empossado, Barack Obama, se comprometeu, durante o<br />

processo eleitoral de 2008, em alterar as políticas climáticas notadamente conservadoras durante<br />

a administração W. Bush (2000-2008).<br />

Porém, para conseguir seu intento, Obama precisava obter concessões em termos de pico<br />

de emissões e ano de estabilização por parte da China para poder aumentar as perspectivas de<br />

sucesso para aprovação no Senado no sentido de melhorar as metas aprovadas pela Câmara dos<br />

Deputados em junho de 2009. Além disso, fatores da política interna americana, como: o lobby<br />

das empresas intensivas em combustíveis fósseis, temor do aumento do desemprego e o declínio<br />

da competitividade da indústria americana e a prioridade do governo Obama para a reforma da<br />

saúde e do sistema financeiro, dificultavam uma posição mais progressista do governo americano<br />

na conferência.<br />

Já a China se mostrou intransigente tanto com respeito a metas consistentes como com<br />

relação à verificação internacional do seu cumprimento.<br />

Diante da intransigência chinesa e a conjuntura da política interna americana, os Estados<br />

Unidos optou por uma posição conservadora, consequentemente incapaz de criar as condições<br />

para um acordo. Esta situação impediu avanços significativos nas negociações na COP 15 que<br />

posteriormente a levaria ao seu fracasso.<br />

Logo, das três grandes potências climáticas, apenas a União Europeia assumiu a posição<br />

de promover um acordo efetivo enquanto que os EUA e China se mostravam resistentes. Já<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!|!!159!<br />

!


! !<br />

GERALDO JOSÉ FERRARESI DE ARAÚJO | CÉSAR MACHADO CARVALHO<br />

! !<br />

potências climáticas como: Canadá, Índia, Rússia, Indonésia e África do Sul também se<br />

mantiveram em posições conservadoras.<br />

O texto final do Acordo de Copenhague, sem sua formalização, não foi negociado pelo<br />

conjunto de dirigentes presentes, foi negociado por um pequeno número de governantes, onde a<br />

forma final foi decidida pelos Estados Unidos e pelo Basic, grupo formado pelo Brasil, África do<br />

Sul, Índia e a China.<br />

Para Abranges (2009, p. 125):<br />

160%%|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!%<br />

Tecnicamente, os governantes, ao abandonarem a cena antes, de formalização do<br />

Acordo de Copenhague, deixaram o resultado de suas conversas em um vácuo<br />

político. Como ele foi negociado por cima e por fora das regras da Convenção do<br />

Clima, a única maneira de transformar essas conversas em uma decisão política<br />

que fizesse sentido seria anunciá-la em uma coletiva de imprensa, explicá-la e<br />

assinar um termo formal de entendimento entre os governos que a ele aderissem.<br />

Deixar seus termos finais para serem negociados na trilha formal das Nações<br />

Unidas gerou incompatibilidades com as regras estabelecidas pela Convenção do<br />

Clima e se revelou um erro político. Foi esse erro que levou à sentença de<br />

fracasso da cúpula de lideranças mundiais e colapso da COP15.Dentro das trilhas<br />

formais da Convenção, paralisadas por múltiplos impasses, só haveria um<br />

resultado possível: um documento a ponto de se tornar sem sentido.<br />

Os chefes de estado deixaram Copenhague sem uma declaração coletiva para formalizar o<br />

acordo, deixaram um vazio, a COP15 adernou. Nesse vácuo, o plenário tomou conhecimento do<br />

Acordo de Copenhague e encerrou os trabalhos.<br />

Do ponto de vista da ciência e da diplomacia, Copenhague foi um grande fracasso. Mas,<br />

da perspectiva da política da mudança climática, houve progresso. Para Abranges (2009), as<br />

principais foram:<br />

• Primeiro: todos os governos dos maiores emissores do mundo aceitaram se comprometer<br />

com ações de mitigação;<br />

• Segundo: o Acordo de Copenhague teve a adesão formal dos líderes que o negociaram, e<br />

mesmo a China e a Índia;<br />

• Terceiro: houve avanço insuficiente, e ainda assim significativo, nas posições dos maiores<br />

emissores que, até agora, se recusavam a cooperar com o esforço global de mitigação.<br />

Estados Unidos, China, Brasil e Índia. Todos registraram as ações e os números com os<br />

quais haviam se comprometido em Copenhague;<br />

• Quarto: a meta de 2 o C foi finalmente aceita e institucionalizada como um objetivo global de<br />

mitigação;<br />

• Quinto: o impasse no financiamento de ações de mitigação e adaptação dos países em<br />

desenvolvimento foi resolvido. Com as tabelas do Acordo de Copenhague preenchidas, o<br />

!


! !<br />

OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO<br />

! !<br />

financiamento de curto prazo, de US$ 30 bilhões para 2010-2012. Houve também<br />

progresso e acordo sobre a adoção do REDD+ , em sigla em inglês para Redução às<br />

Emissões por Desmatamento e Degradação, para financiamentos na área florestal;<br />

• Sexto: houve progresso em transferência de tecnologia, outro ponto de impasse<br />

sistemático por uma década de negociações;<br />

• Sétimo: houve progresso no entendimento das MRV (Monitoramento, Reporte e<br />

Verificação), do monitoramento das ações de mitigação “mensuráveis, reportáveis e<br />

verificáveis”;<br />

• Oitavo: o fim do G77 e os novos papéis assumidos pelo grupo dos países africanos, pelos<br />

países do Aosis e pelos países do Basic permitiram que uma nova geopolítica do clima<br />

surgisse entre os países em desenvolvimento. Essa nova divisão também ajuda a impedir<br />

que os grandes países emergentes, nas COPs, manipulem o poder de veto de países<br />

menores em seu favor.<br />

• Nono: proposta de um novo modelo de governança para tratar do tema da mudança<br />

climática.<br />

O Acordo de Copenhague é frágil sob a ótica jurídica, porém, é quase universal do ponto de<br />

vista do constrangimento das emissões de carbono. Ante o exposto acima, é praticamente<br />

impossível que se avance no sentido de um novo tratado abrangente e juridicamente vinculante<br />

antes que os EUA aprovem uma lei climática que obrigue a redução de emissões e governo<br />

chinês estabeleça metas e estas passíveis de auditoria internacional.<br />

5. CONCLUSÃO<br />

Desde a primeira revolução industrial, na Inglaterra, no século XVIII até a contemporânea<br />

globalização, os impactos decorrentes da emissão de gases causadores de efeito estufa, no<br />

transcorrer destes 250 anos, tem agravado a dinâmica climática global com impactos ambientais<br />

não desprezíveis em cada região do planeta. . Ante o exposto, as Nações Unidas, através da<br />

Conferência das Partes, iniciada em 1995, vêm discutindo soluções, em âmbito global, para a<br />

mitigação de gases causadores do efeito estufa. No transcorrer destes 18 anos de discussão,<br />

poucos foram os avanços práticos no que tange a dimensão ambiental.<br />

As dificuldades de avanço pela conferência das partes residem: na complexidade,<br />

divergência e diversidade de interesses em pauta; a metodologia de negociação utilizada nas<br />

conferências das partes, com tantos interesses, agentes de veto e decisores envolvidos e<br />

divergência entre as super potências climáticas.<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!|!!161!<br />

!


! !<br />

GERALDO JOSÉ FERRARESI DE ARAÚJO | CÉSAR MACHADO CARVALHO<br />

! !<br />

Para autores como Abranges, as dificuldades em se avançar nestas negociações são tão<br />

complexas quanto o próprio desafio da mitigação das emissões de gases causadores do efeito<br />

estufa e suas potenciais consequências para as mudanças climáticas, ou seja, o ambiente<br />

decisório sobre mudança climática é quase tão complexo como o próprio sistema climático.<br />

Sendo assim, a COP 15, a maior das conferências sobre o clima realizado até então,<br />

demonstrou-se incapaz na solução da complexa rede de questões e interesses que impedem um<br />

acordo climático global e somente ratificou o exposto acima, a governança das COP’s não tem<br />

surtido políticas ambientais satisfatórias em âmbito mundial ante a complexidade e diversidade de<br />

interesses que envolvem o tema, além disso, mostrou a divergência entre as superpotências<br />

climáticas, sobretudo em relação aos Estados Unidos e a China. Outrossim, demonstrou que sem<br />

que os EUA aprovem uma lei climática que obrigue a redução de emissões e a China aceite<br />

metas consistentes como com relação à verificação internacional do seu cumprimento, é<br />

impossível que as COP’s avancem em um tratado abrangente e juridicamente vinculante.<br />

Sendo assim, respondendo a pergunta norteadora deste artigo e vinculando- a ao parágrafo<br />

acima, sob a ótica da dimensão ambiental, a COP 15 foi um fracasso, todavia, sob ótica da<br />

dimensão política houve avanços sobretudo no comprometimento das superpotências e potências<br />

climáticas aceitaram se comprometer com ações de mitigação, a meta de 2 o C foi aceita como um<br />

objetivo de mitigação, o fim do G77 e a proposta de uma nova metodologia de negociação para<br />

tratar o tema da mudança climática, sendo assim, a COP 15 foi a ratificação de um movimento de<br />

“paradas e arrancadas”, que caracteriza processos decisórios de natureza complexa.<br />

Portanto, é preciso que as superpotências e potências climáticas, a UNFCCC e as Nações<br />

Unidas avancem nas negociações acerca da mitigação da emissão dos gases causadores de<br />

efeito estufa e ao mesmo tempo nos modos operantes destas negociações para que os resultados<br />

possam ser alcançados a tempo de um colapso climático irreversível.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

ABRANCHES, S. A COP15: apontamentos de campo. Estudos Avançados. São Paulo, v. 24,<br />

n. 68, 2010. Disponível em<br />

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010340142010000100011&lng=en&nrm=i<br />

so. Acesso em 20 de abril de 2012.<br />

COTA, R. G.; REIS, M. A. M. C.; VALE, L. A. O mecanismo de desenvolvimento limpo como<br />

mitigador do aquecimento global e a participação do Brasil. Novos Cadernos NAEA. João<br />

Pessoa, v. 12, n. 1, 2009, p. 135-160.<br />

162%%|!Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!%<br />

!


! !<br />

OS AVANÇOS E FRACASSOS DA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DE COPENHAGUE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO<br />

! !<br />

ECO DESENVOLVIMENTO. Disponível em: http://www.ecodesenvolvimento.org.br/noticias/ecod-<br />

basico-conferências-das-partes-da-onu-cops. Acesso em 24 de abril de 2012.<br />

HEGENBERG, L. Etapas da Investigação Científica. São Paulo: EPU/EDUSP, 1976.<br />

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. Sociologia geral. São Paulo: Atlas, 1999.<br />

MODELO INTERCOLEGIAL DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 6., 2009, Rio de Janeiro.<br />

Conferência de mudanças climáticas de Copenhague: Carta aos Delegados. Rio de Janeiro:<br />

PUC Rio, 2009. 23 p.<br />

NEVES, J. L., Pesquisa qualitativa: características, usos e possibilidades. Cadernos de<br />

pesquisas em administração. São Paulo, n. 3, p. 103-113, 1996.<br />

ORELLANA, M. A. Mudança Climática e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: O Direito ao<br />

Desenvolvimento, Cooperação Internacional e o Mecanismo de Desenvolvimento limpo. Revista<br />

Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, v.7, n. 12, 2010. p.153-179. Disponível em:<br />

http://www.surjournal.org/conteudos/pdf/12/08.pdf. Acesso em de 20 abril de 2012.<br />

ROCHA, M. T. Aquecimento global e o mercado de carbono: uma aplicação do modelo CERT. 2003.<br />

Tese (Doutorado em Economia Aplicada) - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz,<br />

Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2003. Disponível em:<br />

http:www.teses.usp.brtesesdisponiveis1111132tde-13052003-163913. Acesso em de 20 abril de 2012.<br />

RODRIGUES, W. Metodologia científica. Paracambi: FAETEC/IST, 2007.<br />

SILVA, D. H. Protocolos de Montreal e Kyoto: pontos em comum e diferenças<br />

fundamentais. Revista brasileira de política internacional, Brasília, v. 52, n. 2, 2009.<br />

Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-<br />

73292009000200009&lng=en&nrm=iso. Acesso em de 20 abril de 2012.<br />

SOUZA, G. D. Aplicação do mecanismo de desenvolvimento limpo: o caso Novagerar. 2007.<br />

Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,<br />

Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em:<br />

http:www.teses.usp.brtesesdisponiveis88136tde-28012008-114705. Acesso em de 20 maio de 2012.<br />

VIOLA. E. A dinâmica as potências climáticas e o acordo de Copenhague. Boletim da Sociedade<br />

Brasileira de Economia Ecológica, Brasília, Edição Especial, n. 23-24, 2010.p.16-22. Disponível em:<br />

http://www.ecoeco.org.br/conteudo/publicacoes/boletim_ecoeco/Boletim_Ecoeco_n023_24.pdf.<br />

Acesso em de 20 abril de 2012.<br />

VIOLA, E.;Machado Filho, H. Os BICs (Brasil, Índia e China) e as negociações de mudança climática.<br />

Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento. Rio de Janeiro, Breves 35, 2010.<br />

WILSON, J.; LAW, S. A Brief Guide to Global Warming. Londres: Robinson, 2007.<br />

Revista!Iluminart!|!Ano!IV!|!nº!9!5!Nov/2012!|!!163!<br />

!


G e o g r a f i a<br />

ENSINO DE GEOGRAFIA E DESENVOLVIMENTO<br />

SUSTENTÁVEL: REFLEXÕES, LIMITES, DESAFIOS,<br />

POSSIBILIDADES<br />

LEANDRO DIAS DE OLIVEIRA<br />

-<br />

-<br />

<br />

<br />

<br />

-<br />

-<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

FELIPE DE SOUzA RAMãO<br />

<br />

<br />

-<br />

<br />

-<br />

-<br />

-


ENSINO DE GEOGRAFIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:<br />

REFLEXÕES, LIMITES, DESAFIOS, POSSIBILIDADES<br />

Leandro Dias de Oliveira<br />

Felipe de Souza Ramão<br />

Marcos Vinicius N. de Melo<br />

RESUMO: A concepção de desenvolvimento sustentável vem sendo apresentada, desde sua<br />

origem no “Nosso Futuro Comum” e celebração na “Agenda 21”, como um receituário “inconteste”<br />

para a consecução de um equilíbrio sócio-ecológico planetário. Tal concepção vem reunindo um<br />

crescente número de seguidores, fazendo com que seus pressupostos fossem aceitos<br />

acriticamente para a construção de um futuro melhor. Contudo, o desenvolvimento sustentável<br />

fica oculto em um poderoso discurso de “Proteção à Natureza”, se transformando em “bula para<br />

salvação do mundo” e proporcionando a ilusão de representar menor agressão para com o “meio<br />

ambiente”. Este artigo, escrito no âmbito do Curso de Geografia da FERLAGOS (Faculdade da<br />

Região dos Lagos), tem como escopo realizar um balanço de dez anos – entre a publicação da<br />

monografia intitulada “A Ideologia do Desenvolvimento Sustentável no Ensino de Geografia”, de L.<br />

D. de Oliveira (2001) e as atuais experiências docentes e de pesquisa de seus autores – da<br />

adoção do Desenvolvimento Sustentável no ensino de Geografia nos níveis fundamental e médio.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento Sustentável – Ideologia – Ensino de Geografia.<br />

EDUCATION OF GEOGRAPHY AND SUSTAINABLE DEVELOPMENT: REFLECTIONS,<br />

LIMITS, CHALLENGES, POSSIBILITIES<br />

ABSTRACT: Since its origin in the document called “Our common future” and its celebration in the<br />

“Agenda 21”, the conception of sustainable development is presented as an “incontestable” receipt<br />

to the attainment of a planetary social-ecologic balance. This conception is nowadays gathering an<br />

increasing number of followers, what makes its purposes to be accepted without any censure for<br />

the construction of a better future. However, the sustainable development stays hidden in a<br />

powerful speech of “Nature Protection”, becoming a “papal bull to the salvation of the world” and<br />

providing the illusion of representing a less aggression to the environment. This article, written at<br />

the scope of the Geography Course of FERLAGOS (Faculdade da Região dos Lagos), has the<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(|((167(


!<br />

!<br />

LEANDRO DIAS DE OLIVEIRA | FELIPE DE SOUZA RAMÃO | MARCOS VINICIUS N. DE MELO<br />

! !<br />

objective of fulfilling a ten years balance – between the publication of the monograph entitled “A<br />

Ideologia do Desenvolvimento Sustentável no Ensino da Geografia”, by L. D. de Oliveira (2001)<br />

and the present author’s teaching and research experiences – of the adoption of Sustainable<br />

Development in the Geography teaching.<br />

KEYWORDS: Sustainable Development – Ideology – Education of Geography.<br />

I. INTRODUÇÃO<br />

Este artigo é uma síntese dos diálogos realizados no âmbito do Curso de Geografia da<br />

FERLAGOS – Faculdade da Região dos Lagos, e resultado de um frutífero esforço que envolveu<br />

pesquisa, prática docente / discente e militância política. A primeira parte baseia-se na monografia<br />

de conclusão de graduação “A Ideologia do Desenvolvimento Sustentável no Ensino de<br />

Geografia” (2001), de Leandro Dias de Oliveira, quando é apresentada uma reflexão sobre as<br />

origens do desenvolvimento sustentável e sua transmutação em uma matriz ideológica. A<br />

segunda parte, alicerçada na monografia de conclusão de graduação de Marcos Vinicius N. de<br />

Melo, “A Ideologia do Desenvolvimento Sustentável na Prática do Ensino de Geografia no Ensino Médio” (2010),<br />

propõe uma perspectiva socioconstrutivista por parte da atuação do professor de geografia no<br />

diálogo sobre a problemática ambiental contemporânea e a adoção do desenvolvimento<br />

sustentável em sala de aula. Por fim, antes das considerações finais, há uma análise crítica dos<br />

livros didáticos de geografia, com base no trabalho monográfico de pós-graduação de autoria de<br />

Felipe de Souza Ramão, intitulado “A Incorporação do Discurso do Desenvolvimento Sustentável<br />

no Ensino de Geografia” (2010), onde é possível observar, através de uma leitura meticulosa, o<br />

quanto tal ideologia por vezes é adotada como pensamento comum.<br />

II. A EMERSÃO DA NOÇÃO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL<br />

A idéia embrionária do conceito de desenvolvimento sustentável advém do<br />

pensamento conservacionista de Gifford Pinchot, nos Estados Unidos no século XIX (DIEGUES,<br />

1996, p.29). O conservacionismo é uma concepção de uso adequado e criterioso dos recursos<br />

naturais, de forma racional, voltado para o benefício da “maioria dos cidadãos”. Pinchot trabalhava<br />

com a idéia de transformação da natureza em mercadoria, questionando somente o ritmo veloz da<br />

apropriação de seus recursos.<br />

168%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(%


! ENSINO DE GEOGRAFIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: !<br />

! REFLEXÕES, LIMITES, DESAFIOS, POSSIBILIDADES !<br />

O primeiro estudo que resgata estas idéias conservacionistas e coloca definitivamente<br />

a destruição sistemática dos “recursos naturais” na pauta de discussões geopolíticas é o “Limites<br />

do Crescimento” (1971), efetuado por um grupo de estudiosos, entre cientistas, educadores,<br />

economistas e industriais, que se reuniram em Roma para estudar os “problemas da humanidade”<br />

e suas “conseqüências para o futuro”. O denominado Clube de Roma tinha como objetivo<br />

primordial trabalhar a problemática do aumento populacional e a pressão exercida por este<br />

crescimento na destruição dos ecossistemas e dos recursos não-renováveis (LEMOS, 1991, p.4).<br />

Este estudo apontava como solução a busca do equilíbrio global – uma espécie de planejamento<br />

mundial para a manutenção do capitalismo com menor aridez de seus resultados humanos e<br />

ecológicos. A gênese do conceito de desenvolvimento sustentável já estava intrínseca em toda<br />

esta discussão, na busca por um “equilíbrio que fosse sustentável em um futuro longínquo”<br />

(MEADOWS, 1973, p. 162).<br />

Influenciados por este tom sombrio do “Limites do Crescimento”, que indicava um<br />

possível colapso da “(re) produção natural” e destacava a fome, a poluição e o crescimento<br />

demográfico como vilões da humanidade, ocorre a Primeira Conferência Mundial de<br />

Desenvolvimento e Meio Ambiente (1972), em Estocolmo (Suécia). A maior preocupação desta<br />

conferência era criar uma coalizão internacional “para conter a poluição em suas várias formas”<br />

(EVASO, 1992, p. 94), e ainda estimular os governos nacionais para a criação de “políticas<br />

ambientais” que evitassem o agravamento da degradação ambiental ou restaurasse os padrões<br />

de qualidade de água, ar e solo. Já os recursos não-renováveis deveriam “ser utilizados de forma<br />

a evitar que o perigo de seu esgotamento futuro e assegurar que toda a humanidade participe de<br />

tal uso” (JUNGSTEDT, 1999, p. 7). Esta discussão sobre o uso dos “recursos naturais” obedecia à<br />

lógica de manutenção da reprodução do capital, destacando-se o interesse de obstruir o<br />

crescimento dos países ditos “subdesenvolvidos” e estimulá-los a seguir a cartilha dos países<br />

mais poderosos.<br />

Entretanto, mal acabara a conferência onde se salientou a importância dos recursos<br />

naturais para a máquina capitalista, e ocorre um fato que era motivo de grandes preocupações para<br />

os Países Centrais: um enfrentamento com países periféricos, através do que conhecemos como<br />

Crise do Petróleo. O choque causado pelo aumento dos preços e embargo árabe às exportações do<br />

petróleo ao Ocidente gerou uma crise de proporções gigantescas, pois debilitou o consumo de<br />

energia e desestabilizou os mercados financeiros mundiais (HARVEY, 1992, p. 136). Ou seja, uma<br />

crise causada por países periféricos então detentores das riquezas naturais! Logo, a preocupação<br />

não poderia ser somente a obliteração da natureza enquanto recurso; também ficava claro que uma<br />

gestão protocolar dos recursos naturais dos países periféricos era vital, para que assim se<br />

impedisse choques decorrentes da falta de fornecimento dos recursos naturais pela periferia.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(|((169(


!<br />

!<br />

LEANDRO DIAS DE OLIVEIRA | FELIPE DE SOUZA RAMÃO | MARCOS VINICIUS N. DE MELO<br />

! !<br />

A Crise do Petróleo serviu para “sufocar” ainda mais o regime fordista (Harvey, 1992,<br />

p. 136), o que ocasionou, nas décadas seguintes, um “boom” industrial obtido sem maiores<br />

preocupações ambientais. A técnica e a ciência continuaram por subjugar a natureza em prol de<br />

grandes lucros. Com a deficiência na profilaxia idealizada nas discussões da Conferência de<br />

Estocolmo, assistimos uma aceleração contínua de efeitos que retratam um processo<br />

incontestável de “destruição” ecológica: desertificação, efeito estufa, destruição da camada de<br />

ozônio, in<strong>versão</strong> térmica, desmatamento, poluição do ar, dos rios e mares, ameaças nucleares,<br />

lixo tóxico, enfim, a ascensão do discurso de Apocalipse Now, sob a denominação de “Crise<br />

Ambiental”.<br />

O temor de que a destruição da reprodução capitalista fosse causada pelo<br />

esgotamento dos recursos naturais tornou-se, definitivamente, assunto de repercussão em<br />

discussões econômicas mundiais. Objetivando uma “solução” urgente para a “problemática”<br />

ambiental, é aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1983, a criação de uma<br />

equipe para trabalhar esta questão, que recebe o nome de Comissão Mundial sobre Meio<br />

Ambiente e Desenvolvimento, com a presidência a primeira-ministra da Noruega Gro Harlem<br />

Brundtland. Esta comissão publica o resultado de suas observações em 1987, sob o nome de<br />

Nosso Futuro Comum ou Relatório Brundtland.<br />

O Relatório Brundtland é o documento que elege definitivamente o conceito de<br />

desenvolvimento sustentável, como “aquele que atende às necessidades do presente sem<br />

comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades”<br />

(BRUNDTLAND, 1988, p. 46). Este estudo ressalta, entre outros, a necessidade de administração<br />

do crescimento populacional, e o controle do esgotamento de recursos naturais.<br />

É sob a influência deste Relatório que acontece a Segunda Conferência das Nações<br />

Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – a CNUMAD-92 (ECO-92), no Rio de Janeiro. A<br />

escolha recaiu sobre o Brasil, um país de industrialização tardia, aprazível pelo fato de haver um<br />

governo que seguia os pressupostos de uma economia liberal. Vale ressaltar que o Brasil possui<br />

em seu território um imenso patrimônio natural: a Amazônia, indubitável fonte de riquezas, de<br />

pesquisa, de royalties e patentes, principalmente se imaginarmos a riqueza genética ainda não<br />

explorada. A ECO-92 caracterizou-se pela celebração do desenvolvimento sustentável através,<br />

principalmente, de um documento chamado Agenda 21. A Agenda 21 é um receituário para<br />

“acertos” de ordem ecológica, e em sua retórica aparecem um mesmo patamar de estratégias<br />

para os diversos países do mundo.<br />

A Agenda 21 é um compromisso político de cooperação para alcançar o<br />

desenvolvimento sustentável em todos os países da esfera terrestre. Entre suas estratégias<br />

principais encontramos: a promoção do desenvolvimento sustentável através do comércio e oferta<br />

170%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(%


! ENSINO DE GEOGRAFIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: !<br />

! REFLEXÕES, LIMITES, DESAFIOS, POSSIBILIDADES !<br />

de recursos financeiros suficientes aos países em desenvolvimento (Capítulo 2); a conservação<br />

da diversidade biológica (Capítulo 15); o fortalecimento da base científica para o manejo<br />

sustentável (Capítulo 35); e a promoção do ensino, a conscientização e o treinamento para a<br />

melhor execução do desenvolvimento sustentável (Capítulo 36). Influindo em diversas áreas e<br />

criando políticas diretivas bastante abrangentes, tudo passa a ser refletido segundo sua<br />

“sustentabilidade”: “agricultura sustentável”, “dinâmica demográfica sustentável”, “padrões de<br />

consumo sustentável”, “sustentabilidade do produto”, entre outros. A impregnação da<br />

“sustentabilidade” em toda a política econômica e social mostra o claro interesse em contaminar a<br />

todos com este ideal e sua carga de convicções. Entendemos, por fim, que a ECO-92 foi uma<br />

tentativa de ajuste dos mais diversos problemas ambientais visando a manutenção da relação<br />

centro-periferia (OLIVEIRA, 2009 e 2011), e também a adaptação do capitalismo às possíveis<br />

dificuldades da regulação e extinção dos recursos naturais fundamentais à reprodução do capital.<br />

Apontamos que o desenvolvimento sustentável é o que podemos denominar como<br />

Ideologia (OLIVEIRA, 2001, 2002, 2003, 2005, 2006, 2007 e 2009a). E enxergamos ideologia<br />

como uma consciência hegemônica da realidade que serve para mascarar as contradições da luta<br />

de classes.<br />

O desenvolvimento sustentável representa, principalmente, dois objetivos centrais: (1)<br />

a manutenção da reprodução do capitalismo e sua consolidação global no controle da natureza<br />

enquanto recurso e (2) a manutenção da pressão Centro/Periferia através da gestão dos recursos<br />

naturais dos “países dependentes”. Logo, não estamos diante de uma proposta alternativa, pois o<br />

desenvolvimento sustentável significa um ajuste da ordem vigente sem que se ataque os pilares<br />

da conjuntura hegemônica atual, pois mantém o sistema atual e as disposições em vigor.<br />

Nosso trabalho então, impreterivelmente, preocupa-se com a prática da geografia em<br />

relação à Ideologia do Desenvolvimento Sustentável. O professor de geografia é um artífice<br />

incansável na luta pela construção do saber crítico, que geralmente ambiciona fazer de suas aulas<br />

importantes palcos de acalorados debates. Independente da maneira de pensar ou forma de<br />

aplicação de conteúdo, ele é um fundamental sujeito na realização de uma práxis social<br />

transformadora.<br />

III. EDUCAÇÃO AMBIENTAL, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O PAPEL DO<br />

PROFESSOR DE GEOGRAFIA<br />

O estudo da natureza em si – e de processos naturais em sua autonomia –, é condição<br />

sine qua non para o seu uso pela sociedade moderna. Tornou-se pré-requisito para se resolver os<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(|((171(


!<br />

!<br />

LEANDRO DIAS DE OLIVEIRA | FELIPE DE SOUZA RAMÃO | MARCOS VINICIUS N. DE MELO<br />

! !<br />

enormes problemas ambientais colocados por esse uso de forma intensiva, e, por conseguinte,<br />

um dos grandes desafios do século XXI. Para uma abordagem da problemática ambiental não<br />

podemos concordar com medidas paliativas: devemos destacadamente buscar soluções<br />

concretas e de alcance macro-escalar. No processo de implementação do desenvolvimento<br />

sustentável, a educação ambiental acaba por tornar-se uma prática que não incorpora reflexões<br />

sobre o modelo de consumo dos bens naturais, consolidando-se como uma importante ferramenta<br />

para a absorção do desenvolvimento sustentável. O ensino da Geografia, aceitando acriticamente<br />

os propósitos de uma “educação ambiental” previamente formulada para o desenvolvimento<br />

sustentável, acaba não cumprindo o seu papel crítico na construção de uma sociedade<br />

ecologicamente melhor (OLIVEIRA, 2001; MELO, 2010).<br />

Apontamos, desde já, que uma das formas de levar à prática de ensino reflexivo às<br />

comunidades é pela ação direta do professor na sala de aula e em atividades extracurriculares.<br />

Através de atividades como leituras, análises de caso, pesquisas e debates, os alunos poderão<br />

entender e tecer problemáticas que afetam a comunidade onde vivem; e assim, serão levados a<br />

refletir e criticar as ações de sua vivência. Afinal, os professores são peças fundamentais no<br />

processo de conscientização da sociedade, e desta maneira, pela crítica à ideologia do<br />

desenvolvimento sustentável. São sujeitos na construção, junto aos seus alunos, de reflexões<br />

acerca do “uso / consumo da natureza”, transformando-os em atores conscientes e<br />

comprometidos com a sociedade. Como alerta José W. Vesentini (2008, p. 15):<br />

172%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(%<br />

Em outros termos, o conhecimento a ser alcançado no ensino, na perspectiva de<br />

uma geografia crítica, não se localiza no professor ou na ciência a ser "ensinada"<br />

ou vulgarizada, e sim no real, no meio em que aluno e professor estão situados e<br />

é fruto da práxis coletiva dos grupos sociais. Integrar o educando no meio significa<br />

deixá-lo descobrir que pode tornar-se sujeito na história.<br />

Essa é a prática que vamos tentar exemplificar, procurando sempre não oferecer<br />

respostas prontas, mas indagações em relação a assuntos e problemas específicos, tendo o<br />

ensino de geografia como principal motivador das questões a serem abordadas. Reafirmamos que<br />

para a aprendizagem, no que se refere ao diálogo fundamental sobre a problemática ambiental<br />

contemporânea e a persuasão da ideologia do desenvolvimento sustentável, a prática sócioespacial<br />

seria a melhor saída para o entendimento da concretude da questão supracitada. Com a<br />

dificuldade de demonstração e exemplificação do termo desenvolvimento sustentável em suas<br />

bases reais, torna-se mister elaborarmos e examinarmos métodos para a reflexão do mesmo.<br />

Assim, na busca por este entendimento é possível pensar sob a perspectiva socioconstrutivista,<br />

oriunda dos estudos de Vygotsky (1896-1934), <strong>aqui</strong> entendida como uma denominação que


! ENSINO DE GEOGRAFIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: !<br />

! REFLEXÕES, LIMITES, DESAFIOS, POSSIBILIDADES !<br />

“concebe o ensino como uma intervenção intencional nos processos intelectuais, sociais e afetivos<br />

do aluno, buscando sua relação consciente e ativa com os objetivos de conhecimento”<br />

(CAVALCANTI, 2002, p. 31). Tendo em vista que a aprendizagem socioconstrutivista se inicia<br />

internamente com estímulos e influências externos, poderemos expor, inspirados na obra de Lana<br />

Cavalcanti (2002), uma nova abordagem para o termo desenvolvimento sustentável, identificando<br />

o papel de cada agente envolvido no ensino processo educativo: Professores, Alunos e Escola.<br />

O professor tem um papel preponderante nessa perspectiva, não como detentor<br />

exclusivo do conhecimento, mas sim como mediador dos saberes. Não existe um conhecimento e<br />

sim os conhecimentos diversos intrínsecos aos alunos, onde o professor tem que buscar os<br />

questionamentos para sua aula com prática não-diretiva. A busca do professor é uma incessante<br />

problematização das questões em sala de aula, o que não significa dizer que haja um rompimento<br />

definitivo com as formas convencionais de encaminhar o ensino, como as aulas expositivas,<br />

trabalhos de leitura e interpretação de textos, além de atividades extra-classe. A problematização<br />

e os questionamentos fazem parte da prática socioconstrutivista, tendo como mola propulsora a<br />

retirada dos antolhos e dos discursos que são presentes na sociedade, nos conceitos e nas<br />

terminologias. Afinal, um conceito “não se forma ou se constrói na mente do indivíduo por<br />

transferência direta, ou por assimilação reprodutiva”, e ainda “as indicações para a formação de<br />

conceitos no ensino, na linha de uma didática histórico-crítica, recomendam o confronto de<br />

conceitos científicos e conceitos cotidianos” (CAVALCANTI, op. cit., p. 15). Além da<br />

problematização, o professor deve abordar os confrontos conceituais que impetram a sociedade e<br />

também o conhecimento geográfico, mediando os debates incentivados em sua prática docente.<br />

O aluno, na perspectiva socioconstrutivista, se diferencia das demais práticas de<br />

ensino pela sua participação na elaboração de uma aula reflexiva e não-reprodutiva. Partindo de<br />

uma abordagem sócio-crítica da aprendizagem, o aluno torna-se construtor de conhecimento e<br />

não mais ser passivo em relação ao conhecimento, ou seja, um sujeito ativo do processo<br />

(CAVALCANTI, op. cit., p. 30). Se antes o aluno era apático, indiferente e reprodutor do<br />

conhecimento, com essa prática o mesmo poderá se tornar um ativo em seus questionamentos e<br />

em sua rotina cidadã, tendo como objetivo central a igualdade social. O aluno como produtor de<br />

conhecimento vem eliminar a prática de memorização que há tanto tempo está impregnada no<br />

ensino e que torna a geografia uma disciplina simplória e enfadonha.<br />

A escola será um agente basilar na implementação da aprendizagem<br />

socioconstrutivista, propondo um ensino crítico e de ação reflexiva em todo o seu entorno. E essa<br />

proposta pode ser inicialmente introduzida no PPP (Projeto Político Pedagógico), ao planejar e<br />

fiscalizar ações do aprendizado, a escola vem inferir que tipo de ensino está sendo realizado.<br />

Novamente recorremos à Lana Cavalcanti (op. cit., p. 33)., quando esta assegura que a escola é<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(|((173(


!<br />

!<br />

LEANDRO DIAS DE OLIVEIRA | FELIPE DE SOUZA RAMÃO | MARCOS VINICIUS N. DE MELO<br />

! !<br />

“um lugar de encontro de culturas, de saberes, de saberes científicos e de saberes cotidianos,<br />

ainda que o seu trabalho tenha como referência básica os saberes científicos”, pois a escola<br />

trabalha com culturas,“seja no interior da sala de aula, seja nos demais espaços escolares”.<br />

Um dos maiores desafios da escola atual é superar a aplicação de seus conteúdos<br />

através de práticas onde predominem apenas alguns resquícios socioconstrutivistas, de forma<br />

hibridizada. É fundamental que se supere esta experiência de “socioconstrutivismo seletivo”, onde<br />

se adota um modelo que ainda incentiva disfarçadamente a memorização e a reprodução dos<br />

conceitos. Afinal, pensar o desenvolvimento sustentável através do socioconstrutivismo é uma<br />

maneira importante de evitar oferecer ao público discente apenas a interpretação pronta de um<br />

modelo gestado pela intelligentsia dos países centrais.<br />

IV. PENSANDO O LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA<br />

O livro didático é uma ferramenta muito importante no processo ensino-aprendizagem,<br />

pois condensa vários conteúdos das disciplinas, podendo servir de apoio durante as aulas ou<br />

como base de estudos para o aluno. Concomitantemente, o livro didático pode servir como<br />

aprisionamento do professor, quando este tem o mesmo como única ferramenta e o encara como<br />

receptáculo de verdades absolutas, tornando-se assim um veículo para a expansão de discursos<br />

dominantes.<br />

A. C. Castrogiovanni e L.B. Goulart (2001, p. 129) analisam o livro didático de maneira<br />

específica, fugindo das generalizações e rotulações, lembrando que:<br />

174%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(%<br />

temos nos deparado com muitas críticas quanto aos atuais livros didáticos de<br />

geografia. (...) E realmente, ao analisarmos certos livros, constatamos que há<br />

grandes absurdos. Por outro lado, deparamo-nos mais recentemente com a<br />

publicação de obras que merecem considerações elogiosas, podendo contribuir de<br />

maneira significativa para o trabalho do professor.<br />

A pesquisa e escolha do livro didático, o planejamento, a visão crítica das análises,<br />

textos etc., a autonomia do professor e o método de utilização, serão pontos importantes que<br />

poderão fazer do livro didático uma excelente ferramenta. Todavia, sabe-se que esses processos<br />

ocorrem de maneiras heterogêneas no Brasil, criando formas e consequências diversas. Fazemos<br />

coro com Igor Moreira e Elizabeth Auricchio (2007, p. 09, Manual do Professor), quando lembram<br />

que:


! ENSINO DE GEOGRAFIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: !<br />

! REFLEXÕES, LIMITES, DESAFIOS, POSSIBILIDADES !<br />

sendo o conhecimento uma abstração in<strong>completa</strong> e precária da realidade,<br />

qualquer livro é apenas uma forma de apreender a realidade, partindo-se da visão<br />

e do processo cognitivo de um autor (ou autores) em um determinado momento. É<br />

assim que alunos e professores devem considerar qualquer livro, sobretudo o<br />

didático, isto é, como uma referência, um recurso a ser usado no processo de<br />

ensino-aprendizagem.<br />

Deve-se compreender que o livro didático não pode ser considerado um guia, porém, é<br />

um erro negligenciar a importância dessa ferramenta, inclusive para a expansão e reprodução de<br />

discursos. Observam-se no livro didático visões sobre família, trabalho, riqueza, pobreza, “bom”,<br />

“mau”, “certo”, “errado”, além de concepções sobre ética, moral, cidadania, respeito etc. O livro<br />

didático de geografia, por vezes, reproduz uma visão dominante da realidade, contemplando os<br />

interesses específicos e classistas.<br />

Assim, a relação do desenvolvimento com a conservação do ambiente está presente<br />

no livro didático em muitos momentos, mas, peremptoriamente, encontra-se resumida – em sua<br />

discussão teórica e nos desdobramentos empíricos – à concepção de desenvolvimento<br />

sustentável, objeto central nessa pequena reflexão sobre os livros didáticos de geografia. De fato,<br />

percebe-se uma mudança de abordagem sobre a relação desenvolvimento e conservação do<br />

ambiente no livro didático de geografia brasileiro desde a década de 70 até os últimos<br />

exemplares. Obviamente, recorre-se a uma análise geral, que não se estende a todos os<br />

exemplares dos livros didáticos de geografia, mas representa a visão de autores consagrados,<br />

centrais e representantes das maiores editoras brasileiras.<br />

Se o contexto histórico não exatamente determina o conteúdo estudado, acreditamos<br />

que ele pode condicionar análises, quantidade de informação e ainda determinados tipos de<br />

abordagens, textos complementares e autores citados, e ainda, segundo nossa investigação,<br />

influenciará a visão do autor na análise sobre o desenvolvimento sustentável. Na década de 70 e<br />

80, o tema conservação do ambiente, ou sua relação com o desenvolvimento, não era tão<br />

debatido quanto atualmente. Para alguns autores, a questão ambiental era algo menor, pois o<br />

Brasil enfrentava a Ditadura Militar, com a sua lógica desenvolvimentista e a supressão das<br />

liberdades. A geografia brasileira, via de regra, vinha se mostrando refém deste tipo de predileção,<br />

com a supremacia da questão econômico-social sobre os discursos ambientalistas, encarados<br />

com ironia e visto até mesmo como uma afronta aos marxistas. Em um artigo do período, que<br />

elucida bem o que afirmamos, Ricardo Antônio da Paixão (1982, p. 285-286) aponta que:<br />

(...) Muitos ainda negam a existência da referida questão, pelo menos no que diz<br />

respeito aos países considerados subdesenvolvidos, entre os quais, aliás, se inclui<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(|((175(


!<br />

!<br />

LEANDRO DIAS DE OLIVEIRA | FELIPE DE SOUZA RAMÃO | MARCOS VINICIUS N. DE MELO<br />

! !<br />

176%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(%<br />

a formação social. Argumenta-se que países como o nosso não se pode dar o<br />

‘luxo’ de ter preocupações ambientais devido à urgência de apresentarmos<br />

soluções para problemas sociais mais graves. (...) Daí sermos chamados a auxiliar<br />

a crítica, no que somos prontamente tachados de ‘pequenos burgueses’, ao<br />

mesmo tempo em que os indiferentes à causa ambiental se auto-rotulam de<br />

‘revolucionários’ em favor de uma causa social mais ampla.<br />

O autor alcança o âmago da questão, expondo praticamente a única linha aceita de um<br />

geógrafo “crítico” dessa época, como se a relação sociedade-natureza não se implicasse na<br />

questão social. Assim, o autor afirma que a discussão da relação sociedade-natureza, partindo da<br />

compreensão do espaço geográfico, é a própria razão de ser e existir da geografia.<br />

A popularização do desenvolvimento sustentável transformou o debate sobre a relação<br />

desenvolvimento com a questão ambiental. Na prática, os livros didáticos começam a adquirir<br />

mais páginas sobre o assunto, fazendo com que o mesmo se torne um capítulo ou mais, e até<br />

mesmo uma unidade 1 , tratando de impactos ambientais, em escala global e nacional, nas mais<br />

diversas intensidades e formas; e das formas de conservação do ambiente, ou seja, de como frear<br />

os impactos ambientais, nesse novo momento tendo o desenvolvimento sustentável como<br />

solução.<br />

O poder de um discurso é muito importante para modificar a visão de vários autores,<br />

que, atualmente, compartilham dos ideais de sustentabilidade. David Harvey (2008) afirma que<br />

nenhum modo de pensamento se torna dominante sem propor um aparato conceitual, um corpo<br />

de ideias capaz de mobilizar as nossas sensações e nossos instintos, nossos valores e nossos<br />

desejos. Se bem-sucedido esse aparato conceitual se incorpora a tal ponto ao senso comum que<br />

passa a ser tido por certo e livre de questionamento. Ou seja, é possível traçar um paralelo com a<br />

concepção de desenvolvimento sustentável, que se alastrou pelos mais distintos segmentos da<br />

sociedade, tornando-se uma espécie de unanimidade, atingindo diretamente os livros didáticos de<br />

geografia.<br />

Se a questão social escamoteava a questão ambiental por se tratar de um tema<br />

relevante nas décadas de 70 e 80, vemos uma in<strong>versão</strong> nesta lógica, quando atualmente a<br />

questão ambiental escamoteia a luta de classes, como ressalta Rodrigues (2006), ou produz um<br />

enfoque ecocêntrico, como ressalta Souza (2005). Ou seja, danos sociais são relevados tendo<br />

como justificativa a questão ambiental e, muitas vezes sob a égide do desenvolvimento<br />

sustentável.<br />

1 Eustáquio de Sene e João Carlos Moreira, na edição de Geografia Geral e do Brasil – Espaço Geográfico<br />

e Globalização, de 1998, discutem em uma unidade exclusiva o desenvolvimento e a conservação do meio<br />

ambiente.


! ENSINO DE GEOGRAFIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: !<br />

! REFLEXÕES, LIMITES, DESAFIOS, POSSIBILIDADES !<br />

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Em dez anos, entre a monografia intitulada “A Ideologia do Desenvolvimento<br />

Sustentável no Ensino de Geografia”, de L. D. de Oliveira (2001) e este artigo que agora<br />

apresentamos, é possível percebermos que: [1] o desenvolvimento sustentável se consolidou<br />

como ideologia, mesmo com todas as restrições à inconcretude do termo. É fácil perceber que<br />

propostas como o uso racional dos recursos e a separação de materiais recicláveis e reutilização<br />

de produtos descartados se tornaram paradigmas nas escolas; [2] o desenvolvimento sustentável<br />

atinge a prática docente, particularmente pelo fato do professor ainda não ter declarado<br />

independência do “conteudismo” – apontamos <strong>aqui</strong> que o socioconstrutivismo, como proposta e<br />

método, possibilita o debate aberto sobre a contemporaneidade (MELO, 2008) e permite que<br />

aluno não sofra com projetos de ideias político-econômicas prontas; e, por fim, [3] no que se<br />

refere ao livro didático de Geografia, a temática do desenvolvimento sustentável avançou a<br />

passos largos nos últimos dez anos. Se esta analogia for realizada em um período de tempo<br />

maior – comparando os tempos atuais com a década de 70, por exemplo, fica mais evidente ainda<br />

que o meio ambiente se consolidasse como temática dominante de nossa época (RAMÃO, 2010).<br />

É fundamental se perceber – e este breve balanço pretende contribuir para isso – que<br />

para uma educação crítica e transformadora torna-se necessário caminhar para além dos<br />

propósitos do desenvolvimento sustentável. Se a prática da educação ambiental é uma proposta<br />

de transformação da realidade, este debate é de suma importância para que se possa pensar a<br />

relação sociedade – natureza para além dos dogmas dominantes.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

AGENDA 21. CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E<br />

DESENVOLVIMENTO. A Agenda 21. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições<br />

Técnicas, 1996.<br />

BRUNDTLAND, Gro Harlem. COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E<br />

DESENVOLVIMENTO - 1988. Nosso Futuro Comum (Relatório Brundtland). Rio de Janeiro:<br />

Fundação Getúlio Vargas, 1988.<br />

CASTROGIOVANNI, Antonio Castro; GOULART, Lígia Beatriz. A Questão do Livro Didático em<br />

Geografia: elementos para uma análise. In: CASTROGIOVANNI, Antonio Castro; CALLAI, Helena<br />

Copetti; SCHAFFER, Neiva Otero; KAERCHER, Nestor André (Orgs.). Geografia em Sala de<br />

Aula: práticas e reflexões. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2001. (3ª Edição).<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(|((177(


!<br />

!<br />

LEANDRO DIAS DE OLIVEIRA | FELIPE DE SOUZA RAMÃO | MARCOS VINICIUS N. DE MELO<br />

! !<br />

CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia e Prática de Ensino. Goiânia: Editora Alternativa,<br />

2002.<br />

CHAUÍ, Marilena. O que é Ideologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. (9.ª Edição).<br />

DIEGUES, Antonio Carlos. O Mito Moderno da Natureza Intocada. São Paulo: HUCITEC, 1996.<br />

EVASO, Alexander S. BITTENCOURT Jr., Clayton; VITIELLO, Márcio A.; NOGUEIRA, Sílvia M.; e<br />

RIBEIRO, Wagner C. “Desenvolvimento Sustentável: Mito ou Realidade?” In: Geografia, Política<br />

e Cidadania. Terra Livre, n.º 11-12. São Paulo: AGB, 1992, p. 91-101.<br />

HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1992.<br />

!!!!. O Novo Imperialismo. São Paulo: Editora Loyola, 2005.<br />

!!!!. O Neoliberalismo: História e Implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2008.<br />

JUNGSTEDT, Luiz O. C. Direito Ambiental (Legislação). Rio de Janeiro: THEX Editora, 1999.<br />

LEMOS, Haroldo M. de. O Homem e o Meio Ambiente In: Anais do Fórum Universidade e o<br />

Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Fundação MUDES, 1991, p. 3-12. [Realização:<br />

UFF].<br />

MEADOWS, Donella H.; MEADOWS, Dennis L.; RANDERS, Jorgen; BEHRENS III, W. W. Limites<br />

do Crescimento: Um relatório para o projeto do Clube de Roma sobre o dilema da humanidade.<br />

São Paulo: Editora Perspectiva, 1973.<br />

MELO, Marcos Vinicius N. de. A Ideologia do Desenvolvimento Sustentável, na Prática do<br />

Ensino de Geografia no Ensino Médio, 2010. Monografia (Graduação em Geografia) – Instituto<br />

Superior de Educação (ISE), Faculdade da Região dos Lagos (FERLAGOS), Cabo Frio / 2010.<br />

MOREIRA, Igor. O Espaço Geográfico – Geografia Geral e do Brasil. Editora Ática: São Paulo,<br />

1976. (6ª. Edição)<br />

!!!!. O Espaço Geográfico – Geografia Geral e do Brasil. Editora Ática: São Paulo, 1999.<br />

(43.ª Edição)<br />

!!!!; AURICCHIO, E. (2004) Construindo o Espaço – Construindo o espaço americano.<br />

São Paulo: Editora Ática, 2004. (2.ª Edição)<br />

OLIVEIRA, Leandro Dias de. A Ideologia do Desenvolvimento Sustentável no Ensino da<br />

Geografia. 2001. Monografia (Graduação em Geografia) – Departamento de Geografia,<br />

Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Faculdade de Formação de Professores (FFP),<br />

São Gonçalo / RJ, 2001.<br />

!!!!. A Ideologia do Desenvolvimento Sustentável no Ensino da Geografia. In: Anais do<br />

XIII ENG - ENCONTRO NACIONAL DE GEÓGRAFOS, 2002, João Pessoa. Por uma Geografia<br />

Nova na Construção do Brasil - Contribuições Científicas. João Pessoa: AGB, 2002.<br />

!!!!. O Ensino de Geografia e o Desenvolvimento Sustentável: Espectros de uma idéia<br />

dominante de nossa época. In: Anais do 7º ENPEG – ENCONTRO NACIONAL DE PRÁTICA DE<br />

178%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(%


! ENSINO DE GEOGRAFIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: !<br />

! REFLEXÕES, LIMITES, DESAFIOS, POSSIBILIDADES !<br />

ENSINO DE GEOGRAFIA, 2003, Vitória. Novos Desafios na Formação do Professor de<br />

Geografia. Vitória: AGB – Espírito Santo, 2003.<br />

!!!!. “A Ideologia do Desenvolvimento Sustentável: Notas para Reflexão”. Revista Tamoios,<br />

Rio de Janeiro, UERJ-FFP, v. I, n. 2, p. 33-38, 2005.<br />

!!!!. A Construção do Desenvolvimento Sustentável na Cidade de Volta Redonda: Um<br />

Estudo sobre Reestruturação do Território e Ideologia, 2006. 204 p. Dissertação (Mestrado em<br />

Geografia) – Departamento de Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio<br />

de Janeiro, 2006.<br />

!!!!. “A Construção do “Desenvolvimento Sustentável” sob a Égide do Neoliberalismo: Um<br />

Estudo sobre a Economia Política da “Crise Ambiental””. In: 5.º Colóquio Internacional Marx e<br />

Engels, 2007, Campinas. Comunicações 5.º CEMARX. Campinas, Unicamp, 2007. 1 CD-ROM.<br />

!!!!. A Geografia da Conferência do Rio de Janeiro - 1992: Entre o Global e o Local, a<br />

Tensão e a Celebração. In: VIII ENANPEGE – Encontro Nacional da Associação Nacional de<br />

Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, 2009, Curitiba. Espaço e Tempo: Complexidade e<br />

Desafios do Pensar e do Fazer Geográfico. Curitiba: ANPEGE, 2009.<br />

!!!!. Teses sobre o Desenvolvimento Sustentável. In: Revista Iluminart, Instituto Federal de<br />

Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Campus Sertãozinho, v. 1, p. 242-256,<br />

2009a.<br />

!!!!. A Geopolítica do Desenvolvimento Sustentável: um estudo sobre a Conferência do<br />

Rio de Janeiro (Rio-92), 2011. 283 p. Tese (Doutorado em Geografia) – Instituto de Geociências,<br />

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas – SP, 2011.<br />

!!!!. A Geopolítica do Desenvolvimento Sustentável na CNUMAD – 1992 (Eco-92): entre o<br />

Global e o Local, a Tensão e a Celebração. Revista de Geopolítica, Ponta Grossa – PR, v. 2, nº<br />

1, p. 43 – 56, jan./jun. 2011a.<br />

!!!!; RAMÃO, Felipe de Souza; MELO, Marcos Vinicius N. de. Desenvolvimento Sustentável:<br />

Reflexões sobre sua prática no Ensino da Geografia. In: XI ENPEG - Encontro Nacional de<br />

Práticas de Ensino de Geografia, 2011, Goiânia. A Produção do Conhecimento e a Pesquisa<br />

sobre o Ensino de Geografia. Goiânia: UFG – Universidade Federal de Goiás, 2011.<br />

PAIXÃO, Ricardo Antônio da. Geografia e meio ambiente. In: MOREIRA, Ruy (Org.). Geografia:<br />

teoria e crítica. Petrópolis: Vozes, 1982.<br />

RAMAO, Felipe de Souza. A Geopolítica do Desenvolvimento Sustentável e as<br />

Transformações no Livro Didático de Geografia, 2008. Monografia (Graduação em Geografia)<br />

– Instituto Superior de Educação (ISE), Faculdade da Região dos Lagos (FERLAGOS), Cabo Frio<br />

/ 2008.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(|((179(


!<br />

!<br />

LEANDRO DIAS DE OLIVEIRA | FELIPE DE SOUZA RAMÃO | MARCOS VINICIUS N. DE MELO<br />

! !<br />

!!!!. A Incorporação do Discurso do Desenvolvimento Sustentável no Ensino de<br />

Geografia, 2010. Monografia (Pós-Graduação em Educação Básica – Modalidade: Ensino de<br />

Geografia) – Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Faculdade de Formação de<br />

Professores (FFP), São Gonçalo / RJ, 2010.<br />

RODRIGUES, Arlete Moysés. “Desenvolvimento Sustentável: Do Conflito de Classes ao Conflito<br />

de Gerações”. In: SILVA, José Borzacchiello da; LIMA, Luiz Cruz; DANTAS, Eustógio Wanderley<br />

(Orgs.). Panorama da Geografia Brasileira 2. São Paulo: Annablume, 2006.<br />

SOUZA, Marcelo J. L. de. O Desafio Metropolitano: Um estudo sobre a problemática sócioespacial<br />

nas Metrópoles Brasileiras. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.<br />

VESENTINI, J.W. Para uma geografia crítica na escola. São Paulo: Editora do autor, 2008.<br />

180%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(%


S o c i o l o g i a<br />

MORALIZAÇÃO DO SUICÍDIO?<br />

PeDRO CAttAPAn<br />

-<br />

<br />

<br />

-<br />

-


MORALIZAÇÃO DO SUICÍDIO?<br />

Pedro Cattapan<br />

RESUMO: Este artigo busca criticar a proposta de criação de uma rede de controle de<br />

depressivos com fins de prevenir a sociedade do risco dos suicídios. Para tanto, é buscada a<br />

posição ético-teórica de dois campos: A psicanálise e a obra de Michel Foucault. O artigo defende<br />

que se abandone uma abordagem moral calcada numa perspectiva patologizante e biopolítica da<br />

depressão em prol de um reconhecimento da legitimidade da liberdade do sujeito de optar por<br />

viver ou morrer. É apenas reconhecendo a morte como parte integrante da experiência da vida<br />

que o sujeito é capaz de abandonar duas posições intolerantes: a do suicida, que não tolera sua<br />

existência e a do defensor de uma sociedade biopolítica que também não tolera a existência do<br />

suicídio.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Depressão, suicídio, psicanálise freudiana, biopolítica.<br />

MORALIZATION OF SUICIDE?<br />

ABSTRACT: This article tries to criticize the proposal of the creation of a depressives’ control<br />

network that aims to prevent society from the risks of suicides. To accomplish this proposal, this<br />

article takes the ethical-theoretical position of two fields: Psychoanalysis and the work of Michel<br />

Foucault. The article defends the abandon of a moral and biopolithical perspective of depression in<br />

favor of recognition of the legitimacy of the subject’s freedom to choose to live or die. The subject<br />

is only capable of abandoning two intolerant positions (the suicidal one, which doesn’t tolerate its<br />

existence and the defender of a biopolithical society one, which also doesn’t tolerate the existence<br />

of suicide) when he recognizes death as part of life’s experience.<br />

KEYWORDS: Depression, suicide, freudian psychoanalysis, biopolitics.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Este artigo foi construído como uma tentativa de problematizar algumas idéias desenvolvidas<br />

num outro artigo, este publicado no Jornal O Globo, no dia treze de novembro do ano de 2009. O<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(|((183(


!<br />

!<br />

PEDRO CATTAPAN<br />

! !<br />

artigo se chama O complexo de Agar e foi escrito pelo sociólogo e pesquisador do IES-UERJ<br />

Gláucio Ary Dillon Soares.<br />

Ali, o autor se propôs a mostrar como a depressão é uma doença que em muitos casos leva<br />

ao suicídio; em seguida argumentou em prol da criação de uma rede de controle dos deprimidos<br />

para impedir que se suicidem. Como autor cuja orientação teórica é a psicanalítica, percebo uma<br />

grande diferença entre a abordagem psicanalítica do problema da depressão (e do suicídio) da<br />

proposta de Soares. Entendo ser importante marcar esta diferença e mostrar que este problema<br />

pode ser trabalhado de forma diferente.<br />

Reproduzo a seguir um trecho do artigo de Soares para que se explicite seu estilo e seu<br />

objetivo:<br />

184%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(%<br />

A construção de uma rede de proteção para detectar e tratar casos de<br />

depressão e bipolaridade pode ser um dos procedimentos mais difíceis e<br />

necessários para tratar com esses problemas na população. Se os pacientes<br />

não buscam o tratamento, é importante que o tratamento busque o paciente<br />

(SOARES, 2009, p. 7).<br />

Proponho que utilizemos este artigo como exemplo extremo de uma forma de pensar a<br />

depressão e o suicídio que pode ser sintetizada na seguinte frase: “Temos de controlar a<br />

população de deprimidos para que não ocorram mais suicídios”. É preciso que tentemos nos<br />

afastar um pouco da naturalidade com que se pode escutar isto; meu objetivo neste artigo é<br />

problematizar tal forma de pensar e agir.<br />

Para tanto, entendo ser uma boa estratégia buscar encontrar as raízes, os determinantes<br />

desta forma de pensar e criticá-los a partir do ponto de vista psicanalítico e também das<br />

contribuições de Michel Foucault sobre o tema, que, como se verá no desenvolvimento do artigo,<br />

são fundamentais para uma melhor compreensão do problema.<br />

AS CONDIÇÕES DO CONTROLE<br />

Ora, para que a forma de pensar acima referida seja possível, parecem ser necessárias<br />

algumas condições:<br />

Em primeiro lugar, a concepção de depressão como doença.<br />

Ver na depressão uma doença não é uma obviedade. Já houve tempos em que não era<br />

assim - a depressão e/ou a melancolia era vista como um estado da alma que não<br />

necessariamente era patológico. A filósofa Hélène Prigent mostra, por exemplo, como em 1510,


!<br />

!<br />

MORALIZAÇÃO DO SUICÍDIO?<br />

! !<br />

no Renascimento, Agrippa de Nettesheim, um protocientista e alquimista alemão, associou a<br />

melancolia à mente criativa, ao gênio, o que aparece com clareza na gravura de Albrecht Dürer<br />

“Melencholia I” e na tela de Lucas Cranach, o velho, “Melancolia” e também nas biografias dos<br />

mestres do Renascimento italiano escritas por Giorgio Vasari (Prigent, 2005).<br />

Somente com o desenvolvimento da racionalização da vida humana empreendida desde a<br />

segunda metade do século XVII é que a melancolia (ou depressão) será incluída no conjunto de<br />

estados mentais chamados loucura, por sua vez entendida como desrazão e, em seguida,<br />

encaminhada à psiquiatria (FOUCAULT, 1961). Mesmo durante e após este processo não<br />

cessaram de emergir outras visões sobre a depressão e o suicídio. Não pretendo me alongar<br />

sobre este ponto, mas vale lembrar a intervenção social causada pelo livro do jovem poeta alemão<br />

Johann Wolfgang Goethe Os sofrimentos do jovem Werther (GOETHE, 1774). O protagonista<br />

deste romance deprime e termina por suicidar-se. O suicídio, no entanto, nesta obra, é estetizado,<br />

é tratado como uma ação que torna esta história interessante, dando-lhe um sentido, tem um quê<br />

de heróico. O efeito desta obra foi imediato: nos países de língua alemã viu-se algo inédito – uma<br />

‘epidemia’ de suicídios de jovens leitores identificados a Werther. O suicídio era experimentado ali,<br />

e na época romântica que seguiu tal publicação, como algo que dava um lugar, um sentido<br />

especial a uma existência.<br />

Em segundo lugar: a própria idéia de doença parece, no artigo de Soares, ser compreendida<br />

como algo que se acopla ao corpo e ao sujeito, não é da mesma essência deles, mas é algo de<br />

estrangeiro que parasita este corpo e este sujeito. Esta concepção está pressuposta na idéia de<br />

que o tratamento deve ir atrás do doente caso este não procure aquele.<br />

Parece que o que se delineia sub-repticiamente <strong>aqui</strong> é que esta suposta doença, a<br />

depressão, nubla, turva a visão clara dos fatos, da realidade e de si mesmo, fazendo com que<br />

alguém faça algo de atroz – se matar -, coisa que não faria em plena saúde mental. Aqui já<br />

encontro um grande distanciamento das concepções psicanalíticas seja de doença, seja de<br />

sujeito, seja de depressão. No campo psicanalítico, já desde Freud, as fronteiras entre o normal e<br />

o patológico são tornadas difíceis de serem delineadas. Todo funcionamento normal descoberto<br />

por Freud, foi antes visto de modo acentuado na patologia. Seja o recalcamento – antes<br />

descoberto na histeria (BREUER & FREUD, 1895d [1893-1895]; FREUD, 1915d) -, seja o<br />

narcisismo – antes visto em sua exuberância na psicose (FREUD, 1911c; FREUD, 1914c), seja a<br />

pulsão de morte - antes evidenciada nas neuroses traumáticas (FREUD, 1920g). Por isso mesmo,<br />

Freud costumará a considerar o fator econômico – a questão das quantidades pulsionais - como<br />

decisivo para o surgimento ou não de uma psicopatologia, uma vez que a tópica e a dinâmica<br />

psíquica não diferem entre os ditos normais e os doentes (p.ex. em FREUD, 1937c).<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(–(Nov/2012(|((185(


!<br />

!<br />

PEDRO CATTAPAN<br />

! !<br />

No que se refere à concepção psicanalítica de sujeito, precisamos recorrer a Lacan, uma<br />

vez que o sujeito não é um tema freudiano, pelo menos não explicitamente. Tomemos Lacan em<br />

um de seus momentos mais radicais: No seminário O sinthoma (LACAN, 1975-1976). Neste<br />

momento tardio de sua obra, o psicanalista francês propõe que é exatamente o sintoma o que<br />

garante o sujeito. Dito de outro modo, ali onde há sintoma, é ali mesmo em que está o sujeito.<br />

Sujeito e sintoma são, nesta perspectiva, indissociáveis. No apagamento de um, apaga-se o outro.<br />

Há <strong>aqui</strong> uma positivação do sintoma como singularidade subjetiva.<br />

Ora, o sujeito é, portanto, indissociável da doença. A psicanálise não autoriza aquela<br />

concepção de doença como algo que se acopla ao sujeito, desresponsabilizando-o. Ao contrário,<br />

o sujeito deve se responsabilizar por seu sintoma, deve se responsabilizar por si.<br />

E a concepção psicanalítica de depressão também se afasta de uma compreensão<br />

unicamente negativa da mesma. Propositadamente, acompanharei <strong>aqui</strong> a reflexão de outros dois<br />

autores, Pierre Fédida e Melanie Klein, cujos desenvolvimentos teóricos são distintos de Freud, de<br />

Lacan, bem como um do outro. Minha intenção é demonstrar que, na variedade teórico-clínica de<br />

algumas linhas psicanalíticas, ainda assim, podemos encontrar certa convergência quanto aos<br />

temas <strong>aqui</strong> colocados, o que parece demonstrar certa posição ética da psicanálise.<br />

Em Dos benefícios da depressão (2001), por exemplo, Pierre Fédida, inspirado pelo<br />

movimento freudiano acima citado – aquele da descoberta de um funcionamento psíquico na<br />

patologia para depois encontrá-lo na normalidade -, o faz exatamente com o que se costuma<br />

chamar em psicanálise de melancolia. Na verdade, ele não distingue depressão de melancolia a<br />

não ser pelo fato de a segunda ser uma radicalização da primeira, posição, aliás, semelhante à de<br />

Freud (FREUD, 1917e [1915]; 1926d [1925]). Para Fédida, a condição depressiva é uma<br />

radicalização da nossa própria condição humana. O autor nos lembra que apenas desejamos,<br />

fantasiamos, temos uma vida psíquica – pobre ou rica, pouco importa -, mas temos uma vida<br />

psíquica exatamente porque não conseguimos elaborar, realizar o luto primordial, do seio<br />

materno, estamos assombrados por aquele objeto – e é por isso que criamos fantasias, sintomas,<br />

enfim: vida.<br />

É claro que Fédida não quer dizer que somos todos melancólicos no sentido patológico do<br />

termo – do mesmo modo Freud não quis dizer que nós todos somos psicóticos porque somos<br />

narcisistas. O que Fédida busca enfatizar é o fato de todos termos sofrido um trauma constitutivo<br />

de nossa subjetividade – o trauma da perda do seio materno que era, num momento precoce,<br />

experimentado como uma perda de parte de nós mesmos; e o próprio movimento do desejo,<br />

eternamente buscando reencontrar o objeto perdido, é um sinal de que a elaboração daquela<br />

perda não se fez <strong>completa</strong>mente.<br />

186%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(%


!<br />

!<br />

MORALIZAÇÃO DO SUICÍDIO?<br />

! !<br />

Num desenvolvimento diferente, Melanie Klein (1952a, 1952b, 1952c), já destacava a<br />

importância do que chamou de posição depressiva para o desenvolvimento do sujeito. Klein<br />

tentou demonstrar que quando a pequena criança percebe que o objeto de seu amor (a mãe) e de<br />

seu ódio é o mesmo, ela gradativamente tende a inibir suas tendências agressivas em direção à<br />

mãe para preservá-la da destruição fantasiada do objeto. Desenvolve assim tanto um sentimento<br />

de culpa quanto o movimento de reparação de seus atos e/ou desejos destrutivos, que se<br />

expandirão na capacidade de dar algo, acrescentar algo, ser criativo. Ora, Klein nomeia tal<br />

momento do desenvolvimento de posição depressiva porque percebe, de fato, comportamentos e<br />

fantasias depressivas da criança que passa a voltar sua agressividade contra si mesma e inibe<br />

suas ações. Não se trata da patologia depressão, mas de uma capacidade depressiva que,<br />

justamente, protege da depressão.<br />

O desenvolvimento dos raciocínios de Klein e de Fédida, por vias diferentes, leva, portanto,<br />

à conclusão de que a experiência depressiva é importante para uma vida criativa, até mesmo para<br />

proteger o sujeito de uma depressão mais severa e mortificante.<br />

Como se percebe, para a psicanálise, normal e anormal não são distinções nítidas, sujeito e<br />

sintoma são indissociáveis e depressão e vida psíquica não são tão opostas quanto parece. Nesta<br />

perspectiva, não é mais possível dizer que alguém se suicida necessariamente porque é doente,<br />

nem que o apagamento dos sintomas depressivos (p.e. através de psicofármacos, como aparece<br />

no artigo A síndrome de Agar) será benéfico para o sujeito e nem que será importante para<br />

salvarmos sua vida.<br />

Assim, chegamos a uma outra condição da posição defendida pelo artigo com que discuto –<br />

à terceira condição, portanto. Parece que o que a psicanálise chama de vida não é a mesma coisa<br />

que a vida defendida por uma posição que necessariamente patologiza e é intolerante ao suicídio.<br />

A partir do referencial psicanalítico pode-se conceber o quadro depressivo como uma defesa<br />

da vida daquele sujeito. É exatamente o que propõe, por exemplo, outro importante autor, Donald<br />

Winnicott, a respeito do que chama de Falso Self (WINNICOTT, 1964), quadro clínico de grande<br />

parentesco com a melancolia. Para Winnicott, um Falso Self se forma exatamente como defesa<br />

que impede um Verdadeiro Self de se manifestar, mas, ao mesmo tempo, o preserva tal como<br />

uma máscara preserva um rosto. Monta-se um modo desprovido do sentimento de ‘sentir-se<br />

existindo’ de responder às exigências do mundo externo, monta-se uma existência mortificada,<br />

anulada, mas que, mesmo assim, preserva-se como existência que se coloca razoavelmente<br />

afastada da necessidade da confiança na realização dos próprios desejos, ilusão necessária a<br />

uma vida que tolere a eventual frustração daqueles.<br />

Pode-se conceber também que alguém pode se matar ou deixar-se morrer não por conta de<br />

um apagamento da clareza das coisas causado por esta intrusa, a doença, mas como uma via<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(–(Nov/2012(|((187(


!<br />

!<br />

PEDRO CATTAPAN<br />

! !<br />

possível para seu desejo se realizar, como uma posição possível do sujeito para não se apagar,<br />

como pode ser lido na análise lacaniana da Antígona de Sófocles (LACAN, 1959-1960).<br />

No entanto, há uma outra significação possível para vida que não permite este<br />

posicionamento e, creio eu, é ela que está na base desta repulsa à depressão e ao suicídio.<br />

BIOPOLÍTICA OU LIBERDADE<br />

Cito outro trecho do artigo de Soares:<br />

188%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(%<br />

O suicídio não é a única conseqüência negativa e mensurável da<br />

bipolaridade: mulheres bipolares perdem, na média, nove anos na<br />

expectativa de vida, doze anos de saúde normal e quatorze anos de<br />

produtividade, incluindo não apenas as grandes crises, mas as minicrises e<br />

depressões do quotidiano (SOARES, 2009, p. 7)<br />

Pois bem, a vida <strong>aqui</strong> é algo quantificável, mensurável a partir de três pontos interligados: 1)<br />

longevidade, 2) saúde e 3) produtividade. E vale ressaltar, a grande depressão leva ao suicídio,<br />

mas as “depressões do cotidiano”, nas palavras do autor, também trazem uma espécie de morte:<br />

seja por conta de uma vida mais curta, de uma má saúde ou de uma falta de produtividade.<br />

Quando fala em falta de produtividade, não sabemos exatamente o que o autor quer dizer,<br />

pois ele pára por aí. No entanto, pelo conjunto do artigo e pela tentativa de criar uma rede de<br />

controle da população para que não ocorram suicídios, o termo produtividade parece estar ligado<br />

aos interesses que a população, a sociedade, pode vir a ter no indivíduo. Ele deve ser produtivo,<br />

útil, para que a sociedade o considere incluído, normal, parte dela que a potencializa ao invés de<br />

trabalhar contra ela.<br />

Michel Foucault desenvolveu alguns trabalhos interessantes sobre a fabricação do indivíduo<br />

útil, dócil e normal (FOUCAULT, 1974-1975; 1975) bem como sobre toda a tecnologia<br />

desenvolvida na Idade Moderna para a produção de vida – uma vida que seja, é claro, útil, dócil e<br />

normal (id.,1976). É <strong>aqui</strong> que o nosso referencial teórico psicanalítico precisa aliar-se ao<br />

pensamento de Michel Foucault, mesmo consciente da posição crítica deste autor também quanto<br />

ao papel de certo emprego da psicanálise para a construção deste mesmo indivíduo útil, dócil e<br />

normal (id., 1961; 1973-1974; 1976).<br />

É numa lógica de intervenção social que visa à produção da utilidade, da docilidade e da<br />

normalidade que parece ser possível temer tanto um suicida quanto um homicida através de<br />

argumentos científicos. Afinal, Soares lembra: um suicida não destrói apenas a si mesmo, mas o


!<br />

!<br />

MORALIZAÇÃO DO SUICÍDIO?<br />

! !<br />

mal que causa aos entes queridos é terrível e pode desencadear neles uma depressão. O que<br />

quer dizer: o deprimido que se suicida é perigoso, pois além de ser uma vida desperdiçada,<br />

poderá tornar outros inúteis e improdutivos, ao torná-los deprimidos; e se eles se tornarem<br />

deprimidos, podem se matar e continuar o ciclo vicioso.<br />

É por conta deste perigo social que é percebido no deprimido – e ainda mais no suicida –<br />

que a posição de Gláucio Ary Dillon Soares não aceitaria uma contra-argumentação do tipo: “Se o<br />

indivíduo quer se matar é problema dele, porque tenho de me ocupar com isso? Eu quero viver a<br />

minha vida, ele viva (ou não) a dele como ele quiser”. Portanto uma argumentação em prol da<br />

liberdade, da valorização da multiplicidade de estilos de vida e de morte não parece estabelecer<br />

qualquer ponto de encaixe, de encontro com uma vontade de ordem social pautada num<br />

mandamento: Devemos ter uma vida normalizada.<br />

O que está em pauta <strong>aqui</strong> é o que Foucault chamou de uma biopolítica (FOUCAULT, 1975-<br />

1976; 1976). Trata-se de uma injunção social a produzir, a maximizar a produção (de bens,<br />

riquezas e principalmente da própria vida humana como bem, riqueza), tanto no nível dos<br />

indivíduos através do disciplinamento e correção quanto num nível populacional. É preciso que<br />

tenhamos saúde, que sejamos dóceis e obedientes para nos tornarmos fortes, inteligentes,<br />

hábeis, para, enfim, nos especializarmos, nos tornarmos capazes de desempenhar uma função,<br />

um papel e, assim, seremos úteis. A depressão e o suicídio são, deste modo, pontos de<br />

resistência ao biopoder – resistência que não precisa ser consciente, voluntária nem sequer<br />

eficaz. A resistência é efeito do poder, algo que não se submete a ele pelas mais variadas razões<br />

e desrazões. E é como resistência que devemos compreender estas práticas de incentivo e auxílio<br />

ao suicida em potencial a passar ao ato, como aconteceu com o rapaz Vinicius que se matou por<br />

asfixia no dia 26 de julho de 2006 através de auxílio via internet (BRUM, AZEVEDO & LEAL,<br />

2008). No entanto, são modos de resistir que não parecem conseguir – até então – transformar a<br />

sociedade biopolítica; apresentam-se apenas como limites do biopoder, destroem indivíduos e<br />

nada mais – na melhor das hipóteses. Na pior delas, poderíamos dizer que servem para alguns<br />

sádicos e voyeurs a gozar, pela internet, com a morte do outro.<br />

Mas, voltemos para <strong>aqui</strong>lo que Soares chama de “depressões do quotidiano” e afastemo-nos<br />

destas práticas raras. Mesmo que se proliferem na internet, ainda assim, são raras frente à<br />

depressão do quotidiano. A depressão banal, quotidiana já é o bastante para fazer o deprimido ser<br />

tomado como anormal em nossa sociedade. Ela já é algo de difícil digestão tanto para o indivíduo<br />

deprimido, quanto para outros que não estão deprimidos. A depressão é interpretada pelo social,<br />

hoje, como uma grande evidência de falta de adaptação, de anormalidade, de doença, um mal.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(–(Nov/2012(|((189(


!<br />

!<br />

PEDRO CATTAPAN<br />

! !<br />

Em Entre o amor e os estados de paixão: conversa com Werner Schroter (FOUCAULT,<br />

1981), Foucault sinaliza tanto o controle social sobre o suicídio através do mal causado a outrem<br />

como através da associação do suicídio a uma doença:<br />

SUICÍDIO E BELEZA<br />

190%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(%<br />

Uma das coisas que me preocupam há certo tempo é que me dou conta do<br />

quanto é difícil se suicidar. Refletem e enumeram o pequeno número de<br />

meios de suicídios que temos à nossa disposição. Cada um mais desgostoso<br />

que os outros: o gás, que é perigoso para o vizinho, o enforcamento que é<br />

tão desagradável para a faxineira que descobre o corpo na manhã seguinte,<br />

atirar-se pela janela, que suja a calçada. Além do mais, o suicídio é,<br />

certamente, considerado da maneira mais negativa pela sociedade. Não<br />

somente se diz que não é bom se suicidar, mas se considera que se alguém<br />

se suicida é porque estava muito mal (FOUCAULT, 1981, p. 7).<br />

Na mesma conversa com Werner Schroter, Foucault, de forma provocadora, chega a dizer:<br />

“Sou partidário de um verdadeiro combate cultural para re-ensinar às pessoas de que não há uma<br />

conduta que seja mais bela, que, por conseguinte, mereça ser refletida com tanta atenção, quanto<br />

o suicídio” (id., ibid., p. 7-8).<br />

Esta provocação de Foucault nos põe diante da seguinte questão: o que quer dizer isso –<br />

uma conduta bela? Me valerei de Freud para discutir o tema da beleza e sua relação com a<br />

melancolia – e, talvez, com o suicídio. Estou falando de seu pequeno grande artigo intitulado<br />

Sobre a transitoriedade, de 1916. Ali, Freud apresenta três posições diferentes diante da<br />

constatação de que toda beleza é decadente, de que toda ela é breve, de que o que<br />

consideramos como precioso e valoroso morre. A primeira, representada no artigo pela posição de<br />

um poeta, é ‘pessimista’: o que é considerado o Belo não pode ser fruído justamente porque é<br />

transitório, não vale a pena investir nos objetos, entre eles o eu narcísico. Trata-se de uma<br />

posição melancólica diante dos objetos do mundo.<br />

Outra posição possível diante da efemeridade da beleza é uma espécie de denegação. A<br />

beleza tende a passar, mas é possível intervir, fazer algo para ela durar, persistir – ser eterna.<br />

Segundo Freud, esta posição busca realizar nossos desejos à revelia do princípio de realidade.<br />

Esta ação desesperada, maníaca, por tornar possível a duração ad infinitum da beleza aparece<br />

como uma defesa muito pouco eficaz contra a situação melancólica do “nada vale a pena”. As<br />

duas posições podem oscilar numa bipolaridade “ou tudo ou nada”.


!<br />

!<br />

MORALIZAÇÃO DO SUICÍDIO?<br />

! !<br />

Um sistema de controle e impedimento do suicídio e uma tentativa de silenciar a depressão<br />

através de medicamentos parecem funcionar dentro desta lógica do “ou tudo ou nada”: nenhum<br />

suicídio deve acontecer para que seja possível ver beleza, saúde, a realização deste ideal de<br />

domínio moral e estético das condutas. Foucault realça a beleza do suicídio, tentando acertar o<br />

calcanhar de Aquiles de uma cultura que quer ser bela a qualquer custo. É como se ele dissesse:<br />

“Se um dos ideais desta cultura é tornar-se bela, devemos pensar na beleza do suicídio – tão<br />

valorada pelos românticos -, mas como nossa sociedade é biopolítica, ela não pode mais aceitar<br />

isto, ao contrário, escuta esta frase como afronta”.<br />

Segundo alguns psicanalistas como os já citados Fédida (op. cit.) e Lambotte (op. cit.) e<br />

ainda também Jeanneau (1980), o melancólico ou deprimido idealiza um objeto, belo, perfeito,<br />

garantia de todo prazer possível, e se identifica à falta, à perda deste objeto. Sofre porque está<br />

marcado negativamente pelo objeto belo, porque está marcado por sua ausência indelével. A<br />

saída maníaca, mas, em alguns casos, também o suicídio, são exatamente tentativas radicais de<br />

poder se ligar ao Belo não mais pelo distanciamento, mas pela aproximação.<br />

Foucault abre espaço para que seja pontuado, assim, algo importante: O suicida está tão<br />

marcado pelo ideal do Belo tanto quanto aquele que quer controlá-lo, dominá-lo, impedi-lo de se<br />

matar. O segundo é pautado pela biopolítica – e vê beleza e valor na vida física, orgânica; o<br />

primeiro é um herdeiro dos românticos e sua tentativa desesperada de viver, mas não de viver<br />

organicamente – e sim de sentir-se vivo -, que paradoxalmente se expressa na morte. Pensemos<br />

no poeta alemão Novalis, um expoente do romantismo (NOVALIS, 1798). Era apaixonado pela<br />

esposa e expressava isso em sua obra, com o falecimento dela escrevia sobre como almejava<br />

morrer para ir ao encontro dela e, ao mesmo tempo, ao encontro com o Absoluto. E morreu logo<br />

em seguida.<br />

Mas voltemos para Sobre a transitoriedade (FREUD, 1916a [1915]).<br />

Freud indica uma terceira posição diante da fugacidade da beleza. O mestre vienense<br />

afirma: é isso que a torna tão valiosa - exatamente sua fugacidade. Se ela fosse eterna, não seria<br />

tão desejada e nem tão fruída. É a constante presença da morte, é porque tudo e todos nós<br />

estamos morrendo o tempo todo, que devemos aproveitar a vida, investir nos objetos enquanto<br />

eles podem nos dar prazer. A raridade da beleza a faz mais valiosa. Freud se distancia de um<br />

ideal de Belo puro, intocável, eterno e passa a valorizar o prazer possível com os objetos<br />

encontráveis no mundo.<br />

Estamos o tempo todo fazendo lutos, perdendo objetos, reinvestindo outros, lidando e<br />

lutando com a morte. A morte faz parte da vida. Não é possível realizar uma sociedade em que<br />

não se morra e em que não nos movamos para a morte, em que não nos arrisquemos nesta luta<br />

com a morte – é isso o que dá sabor ao viver. Que alguns, nesta luta entre vida e morte,<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(–(Nov/2012(|((191(


!<br />

!<br />

PEDRO CATTAPAN<br />

! !<br />

experimentem a vitória da morte parece ser tão perigoso quanto o caso de outros que vejam a<br />

vitória da vida. Os primeiros se expressam na depressão e no suicídio, os outros se expressam<br />

numa sociedade que luta para que não haja possibilidade de morte – seja no campo da medicina<br />

preventiva, na invenção de tecnologias que mantém um corpo vivendo por aparelhos, nas<br />

promessas da pesquisa genética, e também num sistema de controle e prevenção de suicídios.<br />

Nas duas situações o que se perde é a liberdade, a capacidade do sujeito se transformar:<br />

ela só é possível na manutenção do conflito entre nossas pulsões de vida e de morte (FREUD,<br />

1937c).<br />

CONCLUSÃO<br />

Vê-se que esta posição estética de Freud é também uma posição ética avessa a qualquer<br />

tentativa de totalização. Lembremos o quanto Freud insistiu que mesmo a psicanálise não é uma<br />

Weltanschauung (FREUD, 1933 [1932]). Foi exatamente por este motivo que busquei o<br />

posicionamento de psicanalistas que pensam e trabalham de modos diferentes, mas parecem<br />

convergir para uma posição ética mais comprometida com a liberdade do sujeito do que com o<br />

controle da vida.<br />

Pois bem, é exatamente uma discussão ética o que temos travado <strong>aqui</strong>, com implicações<br />

estéticas e políticas como tentei pontuar. A ética da vida a qualquer custo, mesmo ao custo de<br />

mortificá-la, como pontua Birman (2006), é algo que vigora na biopolítica. Mas não é a única ética<br />

condenatória do suicídio. Aliás, Gláucio Ary Dillon Soares se vale de argumentações distantes dos<br />

campos médico e sociológico para sustentar a sua de que precisamos de uma rede de proteção<br />

do suicida potencial. Cito mais um pequenino trecho de seu artigo: “Mesmo sendo católico, atendo<br />

serviços religiosos em diferentes denominações e sonho com o dia em que todas as igrejas do<br />

bem trabalhem juntas pelo bem” (SOARES, 2009, p.7).<br />

Em seguida, o autor nos explica que a Igreja católica compreende o suicídio tão terrível<br />

como um homicídio. Sem dúvida, a ética cristã também condena o suicídio. Deus nos deu a vida e<br />

só Ele pode tirá-la. Suicidar-se é crime contra a vontade deste soberano. Seja, portanto, na lógica<br />

do poder soberano do cristianismo, seja na lógica do biopoder moderno, o autor encontra<br />

argumentos condenatórios ao suicídio.<br />

Mas quero frisar esta sua frase: “sonho como o dia em que todas as igrejas do bem<br />

trabalhem juntas pelo bem”. Me pergunto quais seriam as igrejas do mal. Me pergunto também o<br />

que seria este bem, e para quem. Não seria mais interessante, não seria um maior<br />

reconhecimento das múltiplas formas de ser sujeito, de estilo e modo de vida e,<br />

192%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(%


!<br />

!<br />

MORALIZAÇÃO DO SUICÍDIO?<br />

! !<br />

conseqüentemente, de morte, se ao invés de nos pautarmos no “ou tudo ou nada” maníaco-<br />

melancólicos, no ou Belo ou rejeitável, no ou Bem ou Mal, pensássemos em manter o conflito<br />

destas forças, suas contaminações, suas intrusões, suas oscilações?<br />

Parafraseando Nietzsche (1886), não seria preferível abordarmos estas questões morais,<br />

estéticas e políticas além do bem e do mal?<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

BIRMAN, J. (2006) Arquivos do mal-estar e da resistência, Rio de Janeiro, Civilização<br />

Brasileira.<br />

BREUER, J. & FREUD, S. (1895d [1893-95]) Estudos sobre a histeria, v. II da ESBOPCSF, Rio<br />

de Janeiro, Imago, 1996.<br />

BRUM, E.; AZEVEDO, S. & LEAL, R. Suicídio.com. Época. Rio de Janeiro, 11 de fevereiro de<br />

2008. Disponível em: .<br />

FÉDIDA, P. (2001) Dos benefícios da depressão: elogio da psicoterapia, São Paulo, Escuta,<br />

2002.<br />

FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas <strong>completa</strong>s de Sigmund Freud, Rio<br />

de Janeiro, Imago, 1996.<br />

(1911c) Nota psicanalítica sobre um relato auto-biográfico de um caso de paranóia (dementias<br />

paranoides), v.XII.<br />

(1914c) Sobre o narcisismo: uma introdução, v. XIV.<br />

(1915d) Repressão, v. XIV.<br />

(1916a [1915]) Sobre a transitoriedade, v. XIV.<br />

(1917e [1915]) Luto e melancolia, v. XIV.<br />

(1920g) Além do princípio do prazer, v. XVIII.<br />

(1926d [1925]) Inibições, sintomas e ansiedade, v. XX.<br />

(1933 [1932]) Novas conferências introdutórias sobre psicanálise: conferência XXXV – a questão<br />

de uma Weltanschauung, v. XXII.<br />

(1937c) Análise terminável e interminável, v. XXIII.<br />

FOUCAULT, M. (1961) História da loucura, São Paulo, Perspectiva, 2002.<br />

______. (1973-1974) O poder psiquiátrico, São Paulo, Martins Fontes, 2006.<br />

______. (1974-1975) Os anormais, São Paulo, Martins Fontes, 2002.<br />

______. (1975) Vigiar e punir: história da violência nas prisões, Petrópolis, Vozes, 2004.<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(–(Nov/2012(|((193(


!<br />

!<br />

PEDRO CATTAPAN<br />

! !<br />

______. (1975-1976) Em defesa da sociedade, São Paulo, Martins Fontes, 2005.<br />

______. (1976) História da sexualidade 1: a vontade de saber, São Paulo, Graal, 2003.<br />

______. (1981) Entre o amor e os estados de paixão: conversa com Werner Schroeter, Paris,<br />

Goethe Institute, pp. 39-47, 1982. Traduzido por Wanderson Flor do Nascimento. Em:<br />

www.filoesco.unb.br/foucault.<br />

GOETHE, J. W. (1774) Os sofrimentos do jovem Werther, Porto Alegre, L&PM, 2011.<br />

JEANNEAU, A. (1980) La cyclothymie: étude psychanalytique, Paris, Payot.<br />

KLEIN, M. (1952a) Algumas conclusões teóricas sobre a vida emocional dos bebês. In: KLEIN, M.;<br />

HEIMANN, P.; ISAACS, S. & RIVIERE, J. Os progressos da psicanálise, Rio de Janeiro,<br />

Guanabara Koogan, pp. 216-255, 1982.<br />

______. (1952b) Sobre a observação do comportamento dos bebês. In: KLEIN, M.; HEIMANN, P.;<br />

ISAACS, S. & RIVIERE, J. Os progressos da psicanálise, Rio de Janeiro, Guanabara Koogan,<br />

pp. 256-289, 1982.<br />

______. (1952c) Sobre a teoria de ansiedade e culpa. In: KLEIN, M.; HEIMANN, P.; ISAACS, S. &<br />

RIVIERE, J. Os progressos da psicanálise, Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, pp. 290-312,<br />

1982.<br />

LACAN, J. O Seminário, livro 7: a ética da psicanálise (1959-1960), Rio de Janeiro, Jorge Zahar,<br />

1997.<br />

______. O Seminário, livro 23: o sinthoma (1975-1976), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2007.<br />

LAMBOTTE, M.-C. (2001) La souffrance mélancolique. Confrontations psychiatriques, Paris, n. 42,<br />

p. 91-101.<br />

NIETZSCHE, F. (1886) Além do bem e do mal, São Paulo, Companhia das Letras, 1992.<br />

NOVALIS (1798) Le monde doit être romantisé, Paris, Allia, 2002.<br />

PRIGENT, H. (2005) Mélancolie: lês métamorphoses de La dépression, Paris, Gallimard.<br />

SOARES, G. A. D. O complexo de Agar. O Globo, Rio de Janeiro, 13 de novembro de 2009.<br />

Opinião, p.7.<br />

WINNICOTT, D. W. (1964) O conceito de falso self, in Tudo começa em casa, São Paulo,<br />

Martins Fontes, 1999.<br />

194%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Nov/2012(%


Á l g e b r a<br />

JOSÉ CARLOS S. KIIHL<br />

ON DIGRAPHS AND THEIR QUOTIENTS<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

ALEXANDRE C. GONÇALVES<br />

<br />

-


Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Out/2012(|((197(


!<br />

!<br />

CARLOS S. KIIHL | ALEXANDRE C. GONÇALVES<br />

! !<br />

198%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Out/2012(%


!<br />

!<br />

ON DIGRAPHS AND THEIR QUOTIENTS<br />

! !<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Out/2012(|((199(


!<br />

!<br />

CARLOS S. KIIHL | ALEXANDRE C. GONÇALVES<br />

! !<br />

200%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Out/2012(%


!<br />

!<br />

ON DIGRAPHS AND THEIR QUOTIENTS<br />

! !<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Out/2012(|((201(


!<br />

!<br />

CARLOS S. KIIHL | ALEXANDRE C. GONÇALVES<br />

! !<br />

202%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Out/2012(%


!<br />

!<br />

ON DIGRAPHS AND THEIR QUOTIENTS<br />

! !<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Out/2012(|((203(


!<br />

!<br />

CARLOS S. KIIHL | ALEXANDRE C. GONÇALVES<br />

! !<br />

204%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Out/2012(%


!<br />

!<br />

ON DIGRAPHS AND THEIR QUOTIENTS<br />

! !<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Out/2012(|((205(


!<br />

!<br />

CARLOS S. KIIHL | ALEXANDRE C. GONÇALVES<br />

! !<br />

206%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Out/2012(%


!<br />

!<br />

ON DIGRAPHS AND THEIR QUOTIENTS<br />

! !<br />

Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Out/2012(|((207(


!<br />

!<br />

CARLOS S. KIIHL | ALEXANDRE C. GONÇALVES<br />

! !<br />

208%%|(Revista(Iluminart(|(Ano(IV(|(nº(9(5(Out/2012(%

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!