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GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos

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Título do original ingles<br />

ASYLUMS - Essays on the social muouon 01 mental<br />

patients and other ínmates<br />

© by <strong>Erving</strong> Goffman, 1961<br />

Direitos para língua portuguesa reservados a<br />

Editora Perspectiva S.A.<br />

Av. Brigadeiro Luís Ant8nio, 3025<br />

Telefone: 288-8388<br />

01401 Silo Paulo Brasil<br />

1974<br />

PREFACIO<br />

INTRODUC;::AO 11<br />

AS CARACTER1SnCAS DAS INSTITUIC;::OES<br />

TOTAIS 13<br />

Introducáo , . . . . . . . . . . . . . . . .. 15<br />

O Mundo do Internado 23<br />

O Mundo da Equipe Dirigente 69<br />

Cerimónias Institucíonaís 84<br />

Restricñes e Conclusóes 99<br />

I<br />

SUMARIO<br />

7


A CARREIRA MORAL DO DOENTE MENTAL 109<br />

A Fase de Pré-Paciente 114<br />

A Fase de Internado . . . . . . . . .. 125<br />

A VIDA lNTIMA DE UMA INSTITUI


1<br />

Os estabelecimentos sociais - instituicóes, no sentido<br />

diário do termo, - sao locais, tais como salas, conjuntos<br />

de salas, edifícios ou fábricas ero que acorre atividade de<br />

determinado tipo. Na sociología, nio temos urna forma bem<br />

adequada para sua classificacáo. Alguns estabelecímentos,<br />

como a Grand Central Station, estáo:abertos para quem<br />

quer que se comporte de maneira adequada; cutres, como<br />

a Union League Club 01 New York, ou os laborat6rios<br />

de Los Alamos, restringem uro poueo mais a sua freqüéncía,<br />

Outros, como lajas e correíos, tero, alguns membros<br />

fixos que apresentam um servíco e urna corrente contínua<br />

15<br />

.>.<br />

.,


tomado pelo pánico. Esse pensamento me obcecava e eliminava<br />

todo o resto.. e .<br />

Evidentemente, a vida em grupo exige cantata mútuo<br />

e exposicáo entre os internados. No caso extremo, tal como<br />

ocorre nas celas de prisioneiros políticos da China, o cantata<br />

mútuo pode ser muito grande:<br />

Em certo estágio de sua prisáo, o preso pode esperar ser<br />

colocado numa cela com aproximadamente outros oito presos.<br />

Se inicialmente estive isolado e era interrogado, isso pode acorrer<br />

lago depois de sua primeira "confissáo" ser aceita; no entanto,<br />

muitos presos sao, desde ° inicio, colocados em celas<br />

coletivas. A cela é usualmente nua, e mal contém o grupo que<br />

aí é colocado. Pode haver urna plataforma para dormir, mas<br />

todos os presos dormem no cháo; quando todos se deitam, todas<br />

as polegadas do chao podem estar ocupadas. A atmósfera é de<br />

extrema promiscuidade. A vida "reservada" é Impossfvelev.<br />

Lawrence dá um exemplo militar disso ao discutir suas<br />

dificuldades para entender-se corn seus companheiros da<br />

torca aérea nas barracas do acampamento:<br />

Como se Ve, nao posso brincar coro nada e com ninguém;<br />

e um acanhamentc natural me afasta de sua simpatia instintiva<br />

de e "cacadas'', beliscóes, empréstimos e nomes<br />

feios; e isso, apesar de minha simpatia pela Iiberdade franca a<br />

que se -abandonam. Inevitavelmente, em nossas acomodacóes<br />

apenadas, precisamos expor esses recatos físicos que a vida educada<br />

impóe. A atividade sexual é urna fanfarronada ingenua, e<br />

quaisquer anormalidades de deseios ou órgáos sao exibidas com<br />

curiosidade. As autoridades estimulam esse comportamento. Todas<br />

as latrinas do acampamento perderam suas portas. "Facam<br />

coro que os pequenos durmam e e cornam<br />

juntos", dizia o velho Jock Mackay, instrutor superior, "e naturalmente<br />

acabado por treinar juntos"51.<br />

Uro exemplo rotineiro desse con tato contaminador é o<br />

sistema de apelidos para os internados. As pessoas da equipe<br />

dirigente e os outros internados automaticamente adquirem<br />

o direito de empregar urna forma íntima de chamar a<br />

pessoa, ou urna maneira formal e truncada para fazé-Io;<br />

pelo menos para urna pessoa de c1asse média, isso nega o<br />

direito de manter-se distante dos outros, através de um<br />

estilo formal de tratamento'


dades oficialmente confessadas e aprovadas. Já se sugeriu<br />

também que um freqüente objetivo oficial é a reforma dos<br />

internados na direcáo de algum padráo ideal. Esta contradil;ao,<br />

entre ° que a instituicáo realmente faz e aquilo que<br />

oficialmente deve dizer que faz. constitui o contexto básico<br />

da atividade diária da equipe dirigente.<br />

Dentro desse contexto, talvez a primeira coisa a dizer<br />

a respeito da equipe dirigente é que seu trabalho, e, portanto,<br />

° seu mundo, se refercm apenas a pessoas. Este trabalho<br />

Ócom pessoas nao. é idéntico ao trabalho com pessoal<br />

de firmas ou ao trabalho dos que. se dcdicam a relacoes<br />

de servico; e equipe dirigente, afinal de cantas, tem objetos<br />

e produtos com que trabalhar, mas tais objetos e produtos<br />

sao pessoas.<br />

Como material de trabalho, as pessoas podcm adquirir<br />

características de objetos inanimados. Os círurgióes preferem<br />

operar pacientes magros a operar pacientes gordos,<br />

pois coro estes os instrumentos ficam escorregadios, e existero<br />

mais carnadas que devem ser cortadas. Os cncarregados<br />

dos funerais em hospitais para doentes mentáis as vezes<br />

preferem mulheres magras a homens gordos, pois é difícil<br />

carregar "cadáveres" pesados, e os hornens geralmente precisam<br />

ser vestidos com roupas de passeio, nas quais é difícil<br />

fazer passar bracos e dedos endurecidos. Além disso, os<br />

maus tratos em objetos animados ou inanimados podem<br />

deixar marcas visíveis para os supervisores. E, assím como<br />

um artigo que está sendo fabricado numa indústria precisa<br />

ser acompanhado por urna papeleta que mostre o que foi<br />

feito por cada um, e quem teve a responsabilidade final por<br />

ele, também um objeto humano, ao passar por um sistema<br />

de hospital para doentes mentais precisa ser acompanhado<br />

por urna série de recibos que digam o que foi feito para o<br />

paciente, e feito por este, bem como quem teve a responsabilidade<br />

mais recente por ele. Mesmo a presenca ou ausencia<br />

de uro paciente em determinada refeicñc ou em<br />

determinada noite precisam ser registradas, de forma que<br />

seja possivel fazer contabilidade e ajustamentos nas despesas.<br />

Na carreira do internado, desde a admlssáo até seu<br />

túmulo, muitos tipos de dirigentes acrescentam urna nota<br />

ao seu registro de caso. quando temporariamente passa por<br />

sua [urisdicáo, e muito tempo depois de estar físicamente<br />

morto suas marcas sobreviveráo como urna entidade no sistema<br />

burocrático do hospital.<br />

Dadas as características fisiológicas do organismo humano,<br />

é evidente que há necessidade de atender a certas<br />

exigencias. para que se possa fazer uso contínuo de pessoas.<br />

No entanro, isso também é verdade no caso de objetos inanimados;<br />

é preciso regular a temperatura de qualquer depó-<br />

70<br />

sito, seja de pcssoas, seja de coisas. Além disso, assim como<br />

minas de estanho, de tintas ou substancias químicas podem<br />

incluir perigos específicos para os empregados, existem<br />

(pelo menos na crcnca da equipe dirigente) perigos especiais<br />

no trabalho com pessoas. Nos hospitais para doentes<br />

mentais, as equipes dirigentes acreditam que os pacientes<br />

podem bater "sern razáo" e ferir uro funcionário; alguns<br />

auxiliares acreditam que a exposicáo contínua a doentes<br />

mentais pode ter uro efeito contagioso. Ero sanatórios para<br />

tuberculosos, e em leprosários, a equipe dirigente pode pensar<br />

que está exposta a doencas perigosas.<br />

Embora existam scrnelhancas entre trabalho com pessoas<br />

e trabal ha coro coisas, os determinantes decisivos do<br />

trabalho com pcssoas decorrem dos aspectos singulares das<br />

pessoas, quando consideradas como material coro que se<br />

trabalha.<br />

Quase sempre as pcssoas sao consideradas fins em si<br />

rnesmas, segundo os principios morais gerais da sociedade<br />

mais ampla de lima instituicáo total. Portanto, quase sempre<br />

verificamos que padróes tecnicamente desnecessários de<br />

tratamento precisam ser mantidos com materiais humanos.<br />

Essa manutencáo do que denominamos padróes humanitários<br />

passa a ser definida como parte da "responsabilidade'<br />

da instituicáo e, presumivelmente, como urna das coisas que<br />

a instltuicéo garante ao internado, em troca de sua liberdade.<br />

Os funcionários de prisáo sao obrigados a deter as<br />

tentativas de suicidio de uro prisioneiro e dar-lhe atencáo<br />

médica integral, rnesmo que isso possa adiar a sua execu­<br />

9áO. Algo semelhante foi descrito nos campos de concentracño<br />

da Alemanha, onde os internados as vezes recebiam<br />

cuidados médicos, embora logo depois fossern enviados para<br />

acamara de gás.<br />

Urna segunda contingencia no mundo de trabalho da<br />

equipe dirigente é que os internados geralmente tero status<br />

e relacóes no mundo externo, e isso precisa ser considerado.<br />

Evidentemente, Isso está ligado ao fato, já mencionado, de<br />

que a ínstituícéo precisa respeitar alguns dos direitos dos<br />

internados enquanto pessoas. Mesmo no caso de um doente<br />

mental internado como insano, e que em grande parte perdeu<br />

seus direitos civis, há necessidade de grande trabalho<br />

coro "papelorio", Evidentemente. os direitos negados a um<br />

doente mental sao usualmente transferidos a uro parente,<br />

urna comissáo ou ao superintendente do hospital, que entáo<br />

se torna a pessoa legal cuja autorizacáo precisa ser obtida<br />

para as numerosas questóes que surgem fora da instituicáo:<br />

benefícios da previdéncia social, imposto de renda, manutencáo<br />

de propriedades, pagamentos de seguro, pensóes<br />

para a velhice, dividendos de acóes, contas de dentista,<br />

obrigacóes legais assumidas antes do internamento, permis-<br />

71


pital a firn. de guardá-lo com seguranca. Um paciente as<br />

vezes usava outro paciente como banco, as vezes para pagamento<br />

de urna taxa.<br />

No Hospital Central, os objetos e servicos iIicitamente<br />

comprados pelos pacientes, bem como as fontes de fundos<br />

ilicitamente empregadas, eram ilegais em diferentes graus.<br />

Havia o ato muito proibido de comprar ou vender<br />

bebida alcoólica, contrabandeada para dentro do estabelecimento.<br />

Os pacientes diziarn que as bebidas alcoólicas<br />

podiarn ser regularmente obtldas por dinheiro; embora,<br />

algumas vezes, eu tenha bebido, tanto coro auxiliares quanto<br />

coro pacientes, nao tenho conhecimento de uro mercado<br />

dessa mercadoria. Parece, também, que algumas mulheres se<br />

prostituíam ocasionalmente por algo menos do que um<br />

dólar, mas nao tenho pravas conc1usivas a respeito. Nao<br />

tenho pravas de que houvesse um mercado de tóxicos.<br />

AIguns pacientes, segundo o sabiam outros internados e<br />

pessoas da equipe dirigente, emprestavam dinheiro a pacientes<br />

e auxiliares, cobrando juros relativamente altos, de<br />

vinte e cinco por cento durante um período curto; nesses<br />

casos, parece que o "usurário" tinha tanto interesse pelo<br />

papel social decorrente de seu negócío quanto pelo lucro<br />

obtido.<br />

Outros servicos que podiam ser comprados com dinheiro<br />

eram menos proibidos. Os pacientes diziam que poderiam<br />

mandar passar as calcas por vinte e cincc cears.<br />

Vários ex-barbeiros profissionais faziam um "bom" corte<br />

de cabelo em troca de cigarros ou dinhciro; essc mercado<br />

era criado pelos "maus" cortes de cabelo de que os pacientes<br />

podiam dispar comurnentet'". Um relojociro nUID dos<br />

servícos estava táo bem estabelecido em seu oficio, que<br />

muitas pessoas da equipe dirigente, bem como pacientes,<br />

pagavam por seus servicos, que custavam aproximadamente<br />

a metade do que fora se pagarla por eles. Alguns pacientes<br />

atuavam como mensageiros no hospital, e pelo menos um<br />

deles pagaya ajudantes. Uro paciente que nao podia sair do<br />

hospital pagaya trinta e cinco cents para outro, com Iícenca<br />

para ir a cidade, para levar um terno ao tintureiro e trazé-lo<br />

de volta (um servico para o qual havia procura, mas talvez<br />

nao houvesse preco padronizado), e pagaya al:' trabalhador<br />

da sapataria para colocar saltos novas no seu sapato<br />

particular.<br />

(129) Um paciente muito simpático, e que era barbelro proñaslonal,<br />

dizia que poderia ganhar oitenta dólares por mes no hospital, exercendo<br />

o seu ofíc¡o. Depo-s de ter saído do edifício de máxima seguranca penal,<br />

ocasionalmente era levado de votta para lá, quando cometia algum delito<br />

e estava com Iiberdade de circulacño dentro do hospital. Dizia que urna<br />

das contingencias desse afastamcnto periódico era que, cada vez que<br />

taso ocorr¡a, perdia sua clientela e precísava conquistá-la novamente quando<br />

voltava para o hospital proprjamente dito.<br />

218<br />

Embora todos esses servicos fossem comprados e vendidos,<br />

nao o era m por todos os pacientes. Urna das atividades<br />

mais difundidas de compras refería-se a fósforos,<br />

formalmente ilegais, mas cuja posse era ignorada, a nao ser<br />

no caso de pacientes que, segundo se sabia, ofereciam perigo<br />

na provocacáo de incendios. Uro paciente era conhecido<br />

em todo o hospital como vendedor de fósforos ­<br />

um penny por caixa - e durante todo o dia pacientes que<br />

ele fiaD conhecia o procuravam com um penny na máo,<br />

para comprar fósforos.<br />

A principal fonte de renda em dinheiro para os pacientes<br />

era, além do que era autorizado ou trazido por<br />

parentes, a Iavagem de carros. Em todos os níveis da equipe<br />

dirigente havia fregueses, tanto em base "regular" ­<br />

aproximadamente dais dólares por més - ou urna lavagern<br />

por vez, na base de cinqüenta a setenta e cinco cents. (O<br />

preco comercial predominante para urna única lavagem era<br />

de um dólar e vinte e cinco centavos a um dólar e meio.)<br />

As vezes, os visitantes eram "abordados", como fregueses<br />

potenciais, peJos lavadores de carro.<br />

Alguns pacientes também enceravam automóveis, mas<br />

isso exigia capital para comprar a cera, bem como uro contato<br />

externo para comprar esse material. O negócio de<br />

carros, ao contrário do que ocorria coro a maioria dos<br />

outros no hospital, tinha criado certa dívisáo do trabalho:<br />

uro paciente vendia grandes latas d'água, por cinco cents,<br />

para os lavadores; outro dizia ter contratado vários pacientes<br />

cuja lavagem tinha conseguido combinar; outro dizia<br />

que, usualmente, recebia cinqüenta cents de gorjeta para<br />

conseguir um trabalho de encerar carro.<br />

Os pacientes comecaram a sentir que a Iavagem de<br />

carros era urna prerrogativa legítima e que o trabalho do<br />

hospital poderia interferir injustamente nessa forma de ganhar<br />

dinheiro. As vezes se faziam acordos extra-oficiáis, de<br />

forma que um paciente pudesse fazer seu trabalho no hospital<br />

e ainda ter tempo para o que as vezes chamava de<br />

seu "trabalho de verdade"., Pode-se acrescentar que, ernbora<br />

algumas pacientes lavassem carros, essa fonte de renda,<br />

tal como ocorria com a maioria das fontes nao-autorizadas<br />

de obtencáo de dinheiro, era considerada adequada<br />

apenas para homens.<br />

Havia algumas outras formas secundárias de conseguir<br />

dinheiro. Alguns pacientes engraxavam sapatos, tanto<br />

para os auxiliares quanto para outros pacientes. Nos jogos<br />

internos, alguna pacientes vendiam refrigerantes com certo<br />

lucro. Em algumas enfermarias, os pacientes compravam o<br />

pó "Kool" na cantina, e vendlam um refrigerante gelado.<br />

Um ou dais pacientes colhiam amoras nos bosques do hos-<br />

219<br />

';...


Em toda socíedade, existem maneiras prediletas pelas<br />

quais dais indivíduos podern aproximar-se e ter interacáo<br />

_ por exemplo, como parente e parente, ou como casta<br />

elevada com casta inferior. Cada uro desses esquemas de<br />

cantata pode ser, ao mesmo tempo, uma fonte de ídentidade,<br />

uro guia para conduta ideal, bem como urna base<br />

para solidariedade e separacáo, Cada esquema ínclui um<br />

conjunto de suposícóes interdependentes que se ajustam, de<br />

modo a formar uma espécíe de modelo. Em todos os casos,<br />

verificamos que pressóes características impedem as pessoas<br />

de realizar integralmente o ideal e que os desvios resultantes<br />

tém conseqüéncías características. Por isso, o estudioso<br />

da sociedade pode usar, para seus objetivos, os mesmos<br />

modelos usados pelos participantes da sociedade a fim de<br />

atingir seus objetivos específicos.<br />

Na sociedade ocidental, urna forma importante de tratamento<br />

entre duas pessoas é como servidor e servido. Ao<br />

263<br />

O" -.<br />

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