15.05.2013 Views

Goethe e Barrabás - Inteligência

Goethe e Barrabás - Inteligência

Goethe e Barrabás - Inteligência

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

140 LUSCO-FUSCO<br />

I N S I G H T<br />

deira do mundo que reclamava de roupa suja.”<br />

“Pois não é lavadeira? Qual é o seu trabalho? Não<br />

é lavar a roupa?”<br />

“Nas viagens, Saulo gostava do jogo de luzes<br />

quando os carros se encontravam naquelas estradas<br />

desertas de algum lugar do Brasil meridional cujo<br />

nome não posso esquecer, mas também não posso<br />

ainda revelar.” “É só luz baixa, Saulo, não entendo<br />

o que você quer dizer com a poesia dos raios no-<br />

turnos. Que poesia tem a nossa vida, rapaz? Não<br />

vê a dureza?” Ele dizia: “Vivemos assim, sem que<br />

saibamos o nome um do outro, porque os pobres<br />

precisam vencer. E vão vencer.”<br />

“Aquele era o terceiro ano de nossa luta. Cinco<br />

vezes respondendo aos caras de um famigerado<br />

Inquérito Policial Militar, a coisa estava ficando<br />

perigosa.<br />

“De repente, o amor. Assim explicado por<br />

Fausto: “Você, que nunca viu o mar, mas sabe que<br />

ele existe, vai andando, andando, andando. Foi<br />

assim comigo a primeira vez que vi o mar. Um dia<br />

você vai ver o que ainda não viu. O mar! Como<br />

é grande o mar! O amor também é assim. Você<br />

só entende o amor quando vê uma coisa assim<br />

grande, como o mar, um deserto, uma grande flo-<br />

resta, um rio na enchente, uma represa. São coisas<br />

“o QuE é chulo?<br />

calcinha,<br />

Bunda, sEio ou<br />

vandErléia?<br />

só falEi dE<br />

BElEza! muita<br />

BElEza!”<br />

INTELIGÊNCIA<br />

assim que lembram a força do amor. Daí você vê<br />

a grandeza dele, que você nunca pôde imaginar.”<br />

“E sempre Fausto, profundo, filosófico, como<br />

o personagem do outro: “Você já viu o mar?”<br />

“Não, nunca.” “Mas adora aquela sirigaita, não?”<br />

“Sirigaita, olha só, você fala como a minha avó”,<br />

eu disse. “Sabe, Fausto, realmente a namorada do<br />

nosso amigo é uma gostosa e tanto! Já vi ela de<br />

calcinha, sabia?” “Só se você estivesse de calcinha”,<br />

eu disse, “porque minha namorada sabe o que é<br />

privacidade.” “Mas claro que sabe”, disse Fausto.<br />

‘Só que ela estava na privacidade da casa dela e<br />

quem espiou fui eu. Que pernas! Que bunda!<br />

Que seios! A moça lembra a Vanderléia. ‘Esta é<br />

uma prova de fogo, você vai dizer se gosta de mim’,<br />

cantarolou Fausto. Será que era para me irritar ou<br />

estava mandando recados que eu ainda não enten-<br />

dia? Demorou, mas aprendi: a mentira não tinha<br />

pernas curtas; a mentira tinha coxas grossas.”<br />

“Quem ficou de cara amarrada foi Saulo.”<br />

“Não ficam bem em sua boca estas palavras chulas,<br />

Faustinho”, eu fui dizendo na maciota. “O que é<br />

chulo? Calcinha, bunda, seio ou Vanderléia? Só<br />

falei de beleza! Muita beleza!”<br />

“Um dia levamos Charlote conosco para uma<br />

das reuniões secretas. O líder perguntou se a moça<br />

era de confiança. Mas acho que aprovou a presença<br />

dela porque a menina fizera sua minissaia de um<br />

guardanapo. E passou o tempo todo olhando<br />

descaradamente para as pernas dela enquanto nos<br />

explicava os planos para tomar o poder, não apenas<br />

no Brasil, mas também em países vizinhos.”<br />

“E terminou assim a reunião, dirigindo-se<br />

primeiramente a mim: “Você fica responsável<br />

por Buenos Aires. O Saulo por Montevidéu. O<br />

Fausto por Córdoba.” “E as cidades nacionais?”,<br />

perguntou Fausto. “É o outro grupo que cuida”,<br />

disse o chefe. Também dele desconhecíamos o<br />

nome. Era apenas “o chefe”.<br />

“Foi nossa última reunião antes do dia da<br />

bomba. Morávamos como ratos num sótão, mas

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!