3 - Cocaína - PRDU - Unicamp
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O texto a seguir foi extraído da Tese de Doutorado “Aids e usuários de cocaína: Um estudo sobre<br />
comportamentos de risco”, defendida na Faculdade de Ciências Médicas da <strong>Unicamp</strong> pela Dra Renata<br />
Azevedo. A numeração dos capítulos foi mantida conforme o original.<br />
3 - <strong>Cocaína</strong><br />
3.1- Histórico<br />
Em seu trabalho “ÜBER COCA” de 1885 (BYCH, 1989), Freud traz o seguinte relato sobre a história da<br />
cocaína, à época, sendo estudada por ele como promissor tratamento da depressão, do nervosismo, da<br />
dependência de morfina, do alcoolismo, das doenças digestivas e mesmo da asma: “ A planta coca,<br />
Erythroxylon coca, é um arbusto de cerca de 1,20 m a 1,80m de altura, amplamente cultivada na América<br />
do Sul, em particular no Peru e na Bolívia, cresce melhor nos quentes vales das encostas orientais dos<br />
Andes, situados 1.500 a 2.000 m acima do nível do mar. As folhas têm formato oval, com 5 a 6 cm de<br />
comprimento; o arbusto dá flores pequenas e brancas e produz frutos vermelhos de formato oval.<br />
Quando os conquistadores espanhóis invadiram o Peru, descobriram que a planta coca era cultivada e tida<br />
em alta consideração naquele país, estando intimamente ligada aos costumes religiosos do povo. A lenda<br />
afirmava que Manco Capac, o divino filho do Sol, havia descido dos penhascos do lago Titicaca em<br />
tempos primevos, trazendo a luz de seu pai para os infelizes habitantes do país, que lhes trouxera o<br />
conhecimento dos deuses, lhes ensinara as artes úteis e lhes dera a folha de coca, essa planta divina que<br />
sacia os famintos, dá forças aos débeis e faz com que esqueçam seus infortúnios.<br />
As folhas de coca eram oferecidas em sacrifício aos deuses, mascadas durante cerimônias religiosas e até<br />
mesmo colocadas na boca dos mortos, a fim de lhes garantir uma recepção favorável no além. Os<br />
espanhóis não acreditavam nos efeitos maravilhosos da planta, que desconfiavam ser obra do demônio,<br />
principalmente pelo papel que desempenhava no ritual religioso, chegando a proibir o seu uso sob a<br />
alegação de que era pagã e pecaminosa; mas esta atitude mudou, no entanto, quando os conquistadores<br />
perceberam que os índios não conseguiam executar o trabalho pesado que lhes era imposto se fossem<br />
proibidos de mascar coca. Diante disto, os espanhóis transigiram, a ponto de distribuir as folhas aos<br />
trabalhadores três ou quatro vezes ao dia.<br />
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A mais antiga recomendação da coca consta do ensaio do Dr.Monardes em 1569, que louva o efeito<br />
prodigioso da planta no combate à fome e à fadiga. Em 1749 a planta foi trazida para a Europa e<br />
classificada no gênero Erythroxylon. Em 1786 apareceu na Encyclopédie méthodique botanique, de<br />
Lamarck, sob o nome de Erythroxylon coca”.<br />
DOMIC (1992) em seu extenso trabalho denominado “l’État Cocaïne”, relata que em 1855, Ernst von<br />
Bibra (1806-1876) publicou Die Narkotischen Genussomittel und der Mensch em que ele descrevia<br />
dezessete drogas, entre elas o chá, o café, o haxixe, o ópio e a coca. Em 1859 Albert Niemann extraiu o<br />
alcalóide das folhas da droga e criou o termo cocaína, acompanhado de relatos de sua capacidade de<br />
eliminar a fadiga.<br />
Após a morte de Niemann em 1862, Lossen retomou seus trabalhos e apresentou a fórmula química da<br />
cocaína: C17H21NO4. Na Alemanha em 1867, T.Clemens propôs seu uso terapêutico e em 1883, Theodor<br />
Aschembrndt, médico militar, introduziu secretamente a cocaína nas manobras de treinamento para ser<br />
consumida pelos soldados, com bons resultados.<br />
Em 1884, começou-se a estudar o efeito anestésico da cocaína, o qual foi atribuído ao oftalmologista Carl<br />
Koller. Neste período houve importante aumento no valor comercial da cocaína, e seu uso terapêutico se<br />
ampliou e diversificou. Paralelamente, o entusiasmo inicial de Freud com a cocaína desapareceu após o<br />
fracasso terapêutico no tratamento da dependência de morfina de seu amigo Dr.Ernst von Fleischl-<br />
Marxow, que após a sua utilização apresentou um quadro delirante paranóide e não mais citou a substância<br />
em seus trabalhos (LEITE, 1999).<br />
Simultaneamente foi produzido o vinho Mariani, composto por uma mistura de vinho e cocaína o qual<br />
rapidamente alcançou enorme sucesso, sendo divulgado como “excelente remédio para esquecer as<br />
dificuldades da vida cotidiana”. Na Inglaterra era vendido como “Vinho dos Atletas”, e sua fórmula foi<br />
condecorada pelo Papa Leão XIII e à época era consumida por Thomas Edison, Júlio Verne e Emile Zola<br />
entre outros. Em 1885, um farmacêutico da Geórgia estabeleceu a fórmula da Coca Cola, que chamou na<br />
época de “Vinho Francês de Coca, Tônico Ideal”. Porém, em 1886 proliferaram os relatos de casos de<br />
usuários de cocaína apresentando quadros psicóticos.<br />
A visão social da cocaína transformou-se a partir deste período; de um tônico anunciado sem efeitos<br />
colaterais, para uma droga com as restrições mais severas da história (MUSTO, 1992). A partir de 1906,<br />
nos Estados Unidos, todos os produtos contendo cocaína e outros produtos com potencial de causar<br />
dependência, deveriam ter seus ingredientes mencionados na embalagem.<br />
Segundo DOMIC (1992), dos anos 30 aos anos 60 parece ter havido um arrefecimento no consumo de<br />
cocaína que reaparece na cena mundial com o movimento hippie, que na época contestava os valores<br />
sociais, através do uso de SPAs, entre outros comportamentos. A partir dos anos 70, houve novo<br />
crescimento no consumo de cocaína, em parte associada, especialmente nos Estados Unidos, a uma<br />
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ideologia ligada ao consumismo e à rápida ascenção social, a denominada era yuppie, relacionada ao<br />
consumo de cocaína através da sensação do aumento de energia e da capacidade intelectual.<br />
Foi a partir dos anos 80 que começou-se a observar um importante crescimento no consumo de cocaína e<br />
consequentemente nos problemas associados ao seu uso. Paralelamente, o surgimento da AIDS e sua<br />
rápida associação com o uso compartilhado de drogas injetáveis lançou luz à gravidade do consumo de<br />
drogas por esta via, entre as quais a cocaína, e em seguida, de uma nova via de administração da droga, a<br />
via pulmonar, a saber a cocaína na forma de crack, evidenciando uma nova via de consumo que tem<br />
crescido rapidamente e trazido muitos problemas físicos, psíquicos e sociais .<br />
Além do momento social que pode ser visto como um dos responsáveis pelo incremento no consumo de<br />
cocaína em nossa época, não há dúvida de que outro fator facilitador é o aumento da oferta, mediado pela<br />
lógica do ganho financeiro e da sofisticação na área química e de produção do produto.<br />
O processo de extração da cocaína é iniciado colocando-se as folhas e solventes orgânicos em recipientes,<br />
onde após um período de maceração o extrato orgânico é separado das folhas e evaporado. O resíduo<br />
obtido, denominado pasta de coca, contém cocaína juntamente com outros alcalóides e óleos essenciais. A<br />
droga pode ser obtida também por meio da secagem das folhas, digestão com ácido sulfúrico e posterior<br />
extração, após precipitação com bicarbonato de sódio. A pasta de coca é tratada com ácido clorídrico para<br />
formação de cloridrato de cocaína, que corresponde à forma usual de tráfico, sendo porém ,<br />
frequentemente “diluída” com a adição de produtos que procuram mimetizar sua ação farmacológica, cor<br />
ou sabor. São utilizados com essa finalidade outros anetésicos locais (lidocaína, procaína), cafeína,<br />
efedrina, quinina, estricnina, manitol, sacarose, heroína, pó de mármore, talco, entre outros. A partir do<br />
cloridrato é possível obter cocaína na forma de base, que é volátil e quimicamente mais estável (SILVA &<br />
ODO, 1999).<br />
3.2- Epidemiologia<br />
A cocaína, alcalóide extraído das folhas da erithroxylon coca há mais de um século, é uma das substâncias<br />
mais intrigantes da história na medicina (ARAÚJO et al., 1998). Apesar de sua prevalência de consumo<br />
apresentar-se pequena em comparação ao álcool, atinge níveis estatísticos de epidemia em vários países.<br />
O NIDA (1994) estimou que 4,5 milhões de norte americanos haviam feito algum uso de cocaína em 1992.<br />
Nos EUA pode-se considerar que houve duas epidemias do consumo no século XX. A primeira ocorreu no<br />
início do século e foi controlada com uma série de medidas, dentre elas a própria proibição da cocaína que<br />
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até então era legalmente usada, mesmo em bebidas como a Coca Cola. A segunda epidemia ocorreu nos<br />
anos 70 atingindo seu pico em meados dos anos 80 (MATTOS et al., 1998).<br />
O perfil elitizado de usuários expandiu-se para todas as camadas sociais, tendo em vista o aumento da<br />
produção e o aparecimento de apresentações mais baratas como o crack. A partir do final dos anos 80<br />
verificou-se um declínio: o número de usuários que haviam consumido cocaína nos últimos 30 dias<br />
diminuiu de 5,9 milhões em 1985 para 1,9 milhões em 1991 nos EUA. Apesar da diminuição entre os<br />
usuários eventuais, o número de usuários diários, os problemas relacionados à gestação e a incidência de<br />
admissões relacionadas ao uso de cocaína em Prontos Socorros dos EUA aumentaram entre 1985 e 1995,<br />
evidenciando uma sub população de dependentes com importantes prejuízos decorrentes do consumo.<br />
O uso de cocaína no Brasil, na metade dos anos 80 era um fenômeno quase que exclusivo de alguns tipos<br />
de elite econômica ou social com pouca repercussão no sistema de tratamento de usuários de drogas. Com<br />
a maior oferta da droga, principalmente com a maior produção nos países andinos, o Brasil passou a sofrer<br />
uma epidemia do uso de cocaína que se estende até os dias de hoje (LARANJEIRA et al., 1998).<br />
Segundo CARLINI et al., (1995) no artigo intitulado “Revisão - Perfil de uso da cocaína no Brasil”, tem<br />
havido um aumento gradual e constante do número de estudantes e crianças de rua que usam cocaína,<br />
principalmente nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, de 1987 para 1993, um número<br />
cada vez maior de estudantes, de ambos os sexos, relataram uso na vida ou uso no último mês de cocaína.<br />
O uso por crianças de rua mostrou-se importante: até 1993, não havia relato de uso de crack, fato que foi<br />
referido por 9.2% dessas crianças neste último ano; o uso endovenoso foi relatado por 1% das crianças de<br />
rua entrevistadas, sendo que o uso diário de cocaína (cloridrato e crack ) foi de 5%.<br />
Dados do mesmo trabalho indicam que tem sido observado que o consumo de cocaína, quer cheirada, ou<br />
usada por via endovenosa, é quase que uma presença obrigatória entre os trabalhadores do sexo, sendo até<br />
usada como uma forma de pagamento.<br />
O mesmo estudo observou que o consumo de cocaína por via endovenosa tornou-se comum nas cidades de<br />
São Paulo e Rio de Janeiro; em São Paulo, entretanto, este uso tende a cair dada a entrada do crack. Dados<br />
deste trabalho indicam que o consumo de cocaína ocupa entre o 8 o e o último lugar entre os estudantes e do<br />
3 o ao 5 o entre crianças de rua; por outro lado, as internações hospitalares por dependência de cocaína vêm<br />
aumentando, chegando a atingir o 1 o posto entre as várias drogas (excetuando-se o álcool). Tais dados<br />
indicam que, embora com menor prevalência de consumo, se comparada a outras SPAs, quando ocorre, o<br />
uso é potencialmente mais danoso.<br />
Em 1990, 17% dos usuários que vinham para tratamento nas clínicas especializadas referiam ter usado o<br />
crack, em 1993 esse número passou para 64% e, atualmente pode-se falar que 80% desses usuários fazem<br />
uso de crack (LARANJEIRA, 1998).<br />
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Dados do Projeto Brasil demonstram que o crack é consumido por mais de 30% das pessoas que também<br />
usam drogas injetáveis, em diversas cidades brasileiras (BARBOSA & BUENO, no prelo).<br />
NAPPO (1999) aponta para o crescimento do consumo de crack em nosso meio. Esta droga, de grande<br />
potência e alto poder aditivo, tem sido associada com grande frequência à prostituição e a troca de sexo por<br />
drogas. Este comportamento é ainda mais frequente em mulheres, participando como mais um fator de<br />
facilitação da disseminação do vírus HIV e outras DSTs na população feminina.<br />
3.3- Ação no Sistema Nervoso Central<br />
O efeito agudo da cocaína pode ser atribuído principalmente a um bloqueio da recaptação da dopamina,<br />
produzindo um aumento da substância nas fendas sinápticas dos feixes dopaminérgicos (nigroestriatal,<br />
tuberoinfundibular, mesolímbico e mesocortical). Esse aumento agudo da dopamina, produz um aumento<br />
da neurotransmissão e do número e sensibilidade dos receptores dopaminérgicos. Com o uso crônico,<br />
existe uma redução na concentração da dopamina com o efeito final de uma diminuição na quantidade do<br />
neurotransmissor.<br />
A cocaína também afeta outros sistemas de neurotransmissão, como os que utilizam noradrenalina,<br />
serotonina, endorfinas, GABA e acetilcolina. As ações da cocaína nas vias dopaminérgicas são essenciais<br />
para a atividade reforçadora da droga. A dopamina aumenta a atividade psicomotora, induz<br />
comportamentos estereotipados e diminui o consumo de alimentos. A dopamina está envolvida nos centros<br />
límbicos responsáveis pelo prazer, incluindo aqueles relacionados com alimentação e atividade sexual.<br />
Com o uso repetitivo de cocaína desenvolve-se a tolerância a seus efeitos, que podem ser devidos a esta<br />
hipotética diminuição da inibição da recaptura de dopamina, diminuição da liberação de catecolaminas ou<br />
mudanças na sensibilidade dos receptores catecolaminérgicos (dessensibilização pós-sináptica ou<br />
supersensibilização pré-sináptica) (LARANJEIRA, 1996).<br />
BASILE & LEITE (1999) referem que os primeiros efeitos da cocaína, pelo aumento de dopamina em<br />
fendas sinápticas, levam a uma relativa depleção dessa substância e ao aumento de sua metabolização<br />
principalmente pela COMT (catecol-orto-metil-transferase); à depleção atribui-se a sintomatologia<br />
disfórica da abstinência aguda da droga, que provavelmente explica um componente universal do efeito<br />
rebote ou “ressaca” após o uso.<br />
Os mesmos autores referem que é muito importante ressaltar qua a exposição crônica à cocaína acarreta<br />
uma complexa deformação funcional do sistema nervoso devido à sobreposição de nodos do sistema<br />
nervoso hipersensibilizados à ação das monoaminas aos restantes, que sofrem a alteração corriqueira à<br />
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dessensibilização. Uma vez que existe a possibilidade, em princípio, de uma interação entre estruturas<br />
desse sistema dinamicamente deformado que perpetue algum componente dessa deformação, não podemos<br />
descartar a idéia de irreversibilidade em algum efeito crônico de certas drogas de abuso, entre elas a<br />
cocaína .<br />
Após a absorção pelas diferentes vias (aplicação nas mucosas, oral, respiratória ou intravenosa), a<br />
velocidade de distribução da cocaína é relativamente rápida. Estudos sugerem que ela se acumula nos<br />
tecidos adiposos e no SNC em função de sua lipossolubilidade, resultando concentrações de 4 a 11 vezes<br />
maiores que as plasmáticas, com posterior liberação desses sítios para outros tecidos; atravessa<br />
prontamente a barreira placentária apresentando níveis no recém nascido iguais aos da mãe.<br />
Segundo SILVA & ODO (1999), os principais produtos de biotransformação da cocaína são a<br />
benzoilecgonina e o éster metil ecgonina e em menor proporção, a ecgonina, a norcocaína e a<br />
benzoilnorcocaína. A eliminação da cocaína é, predominantemente controlada pela sua biotransformação,<br />
sendo apenas pequenas quantidades excretadas inalteradas na urina; os produtos que aparecem em maior<br />
abundância na urina são : cocaína (3%), benzoilecgonina (15 a 50%), éster metil ecgonina (15 a 35%),<br />
ecgonina (1 a 8%) e norcocaína (2 a 6%).<br />
Devido ao mecanismo de ação, parcialmente conhecido, da cocaína, pode-se descrever as alterações<br />
agudas que o seu consumo propicia e assim tentar compreender seu potencial efeito reforçador (VIDE<br />
QUADRO XIII).<br />
Fonte: GOLD (1993)<br />
QUADRO XIII: Efeitos agudos da cocaína<br />
• Euforia que frequentemente evolui para disforia.<br />
• Sensação de energia aumentada e de melhor funcionamento.<br />
• Aumento das percepções sensoriais.<br />
• Diminuição do apetite.<br />
• Aumento da ansiedade e da suspeição.<br />
• Diminuição do cansaço e da necessidade de sono.<br />
• Aumento da autoconfiança<br />
• Delírios de cunho persecutório.<br />
• Sintomas gerais de descarga simpática.<br />
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3.4- Ação nos Demais Sistemas do Organismo<br />
O surgimento da AIDS e sua rápida associação com o uso de drogas injetáveis, entre elas a cocaína, lançou<br />
um foco de observação para os problemas clínicos associados ao consumo desta SPA, além dos riscos de<br />
abuso e dependência que já haviam sido identificados.<br />
A incidência de efeitos médicos adversos pelo consumo de cocaína atingiu, no final da última década e<br />
início desta, seu maior índice de todos os tempos. Resultados de estatísticas norte-americanas apontam<br />
para um aumento de 30% nas emergências médicas pelo consumo da cocaína entre os anos 1990/ 91;<br />
naquele país no mesmo período, 2.500 pessoas morreram em virtude de overdoses (LEITE & SEGAL &<br />
CABRAL, 1999).<br />
Em estudo recente WEISS (1994) revisou todos os problemas médicos apresentados relacionados ao<br />
consumo de cocaína em um Pronto Socorro dos Estados Unidos. Cerca de 50% de todos os pacientes<br />
utilizavam a cocaína por via endovenosa e 23% utilizavam a forma de crack. Dessa forma, estas duas vias<br />
de administração da cocaína são responsáveis por ¾ do todas as complicações clínicas decorrentes do uso<br />
da cocaína. Os diagnósticos foram principalmente dor torácica (40%) seguida por falta de ar, ansiedade e<br />
palpitações cardíacas. O resultado final foi uma mortalidade de 1% dos ingressantes em pronto socorro por<br />
problemas clínicos relacionados ao consumo da droga.<br />
As complicações clínicas da cocaína são decorrentes dos efeitos da própria droga e da ação de outras<br />
substâncias (adulterantes) sobre o organismo do usuário. É estimado que a cocaína vendida nas ruas<br />
contenha menos que 10% de cocaína pura; os adulterantes mais comumente usados são o talco, o açúcar e<br />
o sal, além de outras drogas como a xilocaína (WEISS, 1994).<br />
As complicações clínicas ocorrem em diversos órgãos (principalmente SNC e sistema cardiocirculatório).<br />
A cocaína possui efeito inotrópico positivo cardíaco, elevando a pressão arterial e a frequência cardíaca,<br />
reduzindo a circulação coronariana; dessa forma, a morbidade cardiológica associada ao consumo de<br />
cocaína inclui infarto agudo do miocárdio. Tem sido descritas tromboses arteriais e venosas profundas<br />
associadas ao consumo de cocaína, bem como miocardiopatia dilatada, miocardite e edema pulmonar<br />
(LEITE et al., 1999).<br />
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Hipertensão<br />
Hemorragia intracraniana<br />
Ruptura da aorta<br />
Arritmias<br />
Taquicardia sinusal<br />
Taquicardia supraventricular<br />
Taquiarritmias ventriculares<br />
Isquemias<br />
Infarto do miocárdio<br />
Infarto renal<br />
Infarto intestinal<br />
Isquemia de membros<br />
Miocardite<br />
Insuficiência cardíaca<br />
Morte súbita<br />
Cefaléia<br />
Convulsões<br />
Déficits neurológicos<br />
Hemorragia subaracnóide<br />
Infarto cerebral<br />
Complicações embólicas<br />
Encefalopatia tóxica<br />
Fonte: BENOWITZ (1992)<br />
QUADRO XIV: Principais complicações clínicas pelo consumo de cocaína<br />
Pneumomediastino/pneumotórax<br />
Edema pulmonar<br />
Parada respiratória<br />
OBSTÉTRICAS<br />
Aborto espontâneo<br />
Descolamento da placenta<br />
Placenta prévia<br />
Ruptura precoce de membranas<br />
FETAIS<br />
Retardo do crescimento intra<br />
uterino<br />
Malformações congênitas<br />
NEONATAIS<br />
Síndrome de abstinência<br />
Infarto cerebral<br />
Retardo no desenvolvimento<br />
AIDS<br />
Endocardite bacteriana<br />
Hepatite B e C<br />
Tétano<br />
Além das complicações causadas pela ação da própria droga e dos adulterantes no organismo do<br />
usuário, boa parte das consequências clínicas do consumo deve-se a via de administração utilizada. Como<br />
será discutido no tópico 3.6, do ponto de vista clínico, o uso endovenoso é o que tem maior potencial<br />
mórbido, devido a possibilidade de transmissão de microorganismos, entre eles o vírus HIV e o da hepatite<br />
(FERNANDEZ, 1994). A via pulmonar acarreta lesões orais e respiratórias, além de frequente desnutrição.<br />
A via nasal tem como complicações mais frequentes, prejuízos locais na mucosa com ulcerações e<br />
sangramentos.<br />
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Diante de tais ações sistêmicas a cocaína tem se mostrado uma substância com importante potencial de<br />
mortalidade, especialmente devido a (VIDE QUADRO XVIII):<br />
• Infarto agudo do miocárdio<br />
• Arritmia cardíaca<br />
• Hemorragia cerebral.<br />
• Hiperpirexia.<br />
Fonte: WEISS (1994)<br />
• Convulsões e mal convulsivo.<br />
• Parada respiratória<br />
3.5- Critérios Diagnósticos<br />
QUADRO XV : Efeitos letais da overdose de cocaína<br />
Os principais critérios diagnósticos psiquiátricos (intoxicação, abuso, dependência e abstinência)<br />
relacionados ao consumo de cocaína pela CID-10, são os critérios gerais citados no item 2.5, apenas<br />
acrescidos no terceiro caracter, correspondente ao tipo de substância, do dígito 4, a saber, cocaína.<br />
Acrescenta-se aqui os critérios descritos pelo DSM-IV e outros autores, com a finalidade de sistematizar o<br />
estabelecimento de situações clínicas prevalentes na atualidade.<br />
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QUADRO XVI: Intoxicação com cocaína/ 292.89<br />
A. Uso recente de cocaína.<br />
B. Alterações comportamentais ou psicológicas mal-adaptativas e clinicamente<br />
significativas (euforia ou embotamento afetivo; mudanças na sociabilidade;<br />
hipervigilância; sensibilidade interpessoal; ansiedade; tensão ou raiva;<br />
comportamentos estereotipados; julgamento prejudicado; funcionamento social ou<br />
ocupacional prejudicado), que se desenvolvem durante ou logo após o uso de<br />
cocaína.<br />
C. Dois ou mais dos seguintes sintomas, desenvolvendo-se durante ou logo após o uso<br />
de cocaína:<br />
(1) Taquicardia ou bradicardia<br />
(2) Dilatação das pupilas<br />
(3) Pressão sanguínea elevada ou abaixo do normal<br />
(4) Perspiração ou calafrios<br />
(5) Náuseas ou vômitos<br />
(6) Evidências de perda de peso<br />
(7) Agitação ou retardo motor<br />
(8) Fraqueza muscular, depressão respiratória, dor torácica ou arritmias<br />
(9) Confusão, convulsões discinesias, distonias ou coma<br />
D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral nem são melhor explicados<br />
por outro transtorno mental.<br />
Fonte: DSM-IV (1995)<br />
Segundo LARANJEIRA (1995), até recentemente, os sintomas de abstinência de cocaína eram muito<br />
pouco estudados, sendo que vários autores defendiam sua inexistência. GAWIN & KLEBER (1986)<br />
fizeram um estudo que influenciou bastante a descrição fenomenológica destes sintomas e assim<br />
descreveram as fases da abstinência da cocaína :<br />
• Fase 1- Disforia relacionada com o uso da cocaína (crash). Depressão, anedonia, insônia,<br />
ansiedade, irritabilidade e desejo intenso pela cocaína (craving). Sintomas depressivos mais<br />
pronunciados e ideação suicida podem estar presentes. Gradualmente, o desejo pela cocaína diminui e<br />
o desejo por dormir fica mais intenso.Duração: 1 a 3 dias.<br />
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• Fase 2 - O desejo pela cocaína continua, com irritabilidade, ansiedade e uma diminuição da<br />
capacidade de experenciar prazer. Uma síndrome disfórica com diminuição da motivação e anedonia<br />
ocorre após um período de eutimia. Progressivamente, a memória dos efeitos negativos do uso de<br />
cocaína começa a desaparecer e o desejo tende a ficar mais forte, sobretudo quando em contato com o<br />
mesmo ambiente onde usava a droga. Duração: 1 a 4 semanas.<br />
Fase 3 - Período de desejo menos intenso pela cocaína com alguns sintomas depressivos, podendo<br />
experenciar o craving por vários meses. Duração: de várias semanas até anos.<br />
De forma esquemática, o DSM-IV descreve a abstinência de cocaína da seguinte forma (VIDE QUADRO<br />
XVII):<br />
QUADRO XVII: Abstinência de cocaína/ 292.0<br />
A. Cessação (ou redução) do uso pesado e prolongado de cocaína.<br />
B. Humor disfórico e duas ou mais das seguintes alterações fisiológicas,<br />
desenvolvendo-se de algumas horas a alguns dias após o critério A:<br />
(1) Fadiga<br />
(2) Sonhos vívidos e desagradáveis<br />
(3) Insônia ou hipersonia<br />
(4) Aumento do apetite<br />
(5) Retardo ou agitação psicomotora<br />
C. Os sintomas do critério B causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo<br />
no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes do<br />
funcionamento.<br />
D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral nem são melhor explicados<br />
por outro transtorno mental.<br />
Fonte: DSM-IV (1995)<br />
Tem-se observado com frequência crescente quadros psiquiátricos surgidos na vigência ou logo após o<br />
consumo de cocaína. A variedade de apresentações clínicas que podem surgir dificultam sobremaneira o<br />
estabelacimento do diagnóstico. Torna-se fundamental para o psiquiatra hoje, ter um adequado<br />
conhecimento desta possibilidade etiológica para que se evitem medidas intervencionistas medicamentosas<br />
potentes ou hospitalares em quadros que frequentemente são autolimitados. Obviamente isto não significa<br />
o não emprego de psicofármacos para determinados sintomas psicopatológicos, porém, deve-se ter em<br />
mente o prognóstico aqui envolvido.<br />
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Descreve-se portanto, a seguir, os principais quadros induzidos pelo consumo de cocaína e que trazem<br />
dificuldades no diagnóstico diferencial com quadros psiquiátricos puros ou secundários ao consumo de<br />
outras substâncias psicoativas (VIDE QUADROS XVIII, XIX, XX, XXI, XXII e XXIII).<br />
• Transtorno psicótico / F1x.5 (CID-10, 1993)- um conjunto de fenômenos psicóticos que<br />
ocorrem durante ou imediatamente após o uso de substâncias psicoativas e que são caracterizados por<br />
alucinações vívidas (tipicamente auditivas, porém frequentemente em mais de uma modalidade<br />
sensorial), falsos reconhecimentos, delírios e/ou idéias de referência (frequentemente de natureza<br />
paranóide ou persecutória), transtornos psicomotores (excitação ou estupor) e afeto anormal, o qual<br />
pode variar de medo intenso a êxtase. O sensório está usualmente claro, mas algum grau de<br />
obnubilação da consciência, ainda que não confusão grave, pode estar presente. O transtorno<br />
tipicamente se resolve, pelo menos parcialmente, dentro de 1 mês e completamente dentro de 6 meses.<br />
O diagnóstico pode ser mais especificado com seu sub-tipo: esquizofreniforme, predominantemente<br />
delirante, predominantemente alucinatório, predominantemente polimórfico, predominantemente sintomas<br />
depressivos, predominantemente sintomas maníacos e misto.<br />
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A. Alucinações ou delírios importantes.<br />
QUADRO XVIII: Transtorno psicótico induzido por cocaína<br />
B. Evidências na história, exame físico ou por achados laboratoriais de: sintomas do<br />
critério A se desenvolvem durante a intoxicação ou abstinência, ou em período<br />
inferior a um mês destes e/ou o consumo da substância é relacionado<br />
etiologicamente ao transtorno apresentado.<br />
C. Sintomas não são característicos de transtorno psicótico que não é induzido por<br />
substância. Evidências que os sintomas não são induzidos por substâncias incluem::<br />
- Surgimento dos sintomas precedeu o início do consumo de drogas;<br />
- Sintomas persistem por mais que um mês após a interrupção do consumo ou da<br />
síndrome de abstinência;<br />
- Sintomas excedem aqueles esperados para a intoxicação ou abstinência da<br />
cocaína.<br />
D. O transtorno não ocorre exclusivamente durante o curso de delirium<br />
- Subtipos de transtorno psicótico induzido:<br />
Fonte: APA (1994)<br />
- Com início durante a intoxicação;<br />
- Com início durante a abstinência.<br />
QUADRO XIX: Delirium induzido por intoxicação por cocaína<br />
A. Distúrbio na consciência do indivíduo com redução na capacidade de focalizar,<br />
manter ou modificar a atenção.<br />
B. Mudança nas funções cognitivas do indivíduo (prejuízos na memória, desorientação<br />
ou dificuldade no discurso).<br />
C. Transtorno se desenvolve rapidamente e tende a flutuar durante o dia.<br />
D. Evidência pela história clínica, exame físico ou achados laboratoriais:<br />
- Sintomas dos critérios A e B se desenvolvem durante a intoxicação pela<br />
substância, e/ou<br />
- o consumo da cocaína pode ser associado etiologicamente ao transtorno.<br />
Fonte: APA (1994)<br />
13
QUADRO XX: Delirium induzido por abstinência de cocaína<br />
A. Distúrbio na consciência do indivíduo com redução na capacidade de focalizar,<br />
manter ou modificar a atenção.<br />
B. Mudança nas funções cognitivas do indivíduo (prejuízos na memória, desorientação<br />
ou dificuldade no discurso).<br />
C. Transtorno se desenvolve rapidamente e tende a flutuar durante o dia.<br />
D. Evidência pela história clínica, exame físico ou achados laboratoriais:<br />
- os sintomas descritos nos critérios A e B se desenvolvem durante a abstinência<br />
Fonte: APA (1994)<br />
da cocaína (ou imediatamente após).<br />
14
QUADRO XXI: Transtorno de humor induzido por cocaína<br />
A. Transtorno proeminente e persistente do humor predomina no quadro clínico, sendo<br />
caracterizado por um dos seguintes:<br />
- Humor depressivo ou redução importante do interesse ou prazer em todas ou<br />
praticamente todas as atividades;<br />
- Humor eufórico, expansivo ou irritável.<br />
B. Evidência na história, exame físico ou por achados laboratoriais:<br />
- Sintomas do critério A se desenvolvem durante a intoxicação ou abstinência, ou<br />
em um período inferior a um mês destes e/ou,<br />
C. O consumo da substância é relacionado etiologicamente ao transtorno apresentado.<br />
D. Sintomas não são característicos de transtorno de humor que não é induzido por<br />
substância. Evidências que os sintomas não são induzidos por substâncias incluem:<br />
- Surgimento dos sintomas precedeu o início do consumo de drogas;<br />
- Sintomas persistem por período maior que um mês após a interrupção do<br />
consumo ou da síndrome de abstinência;<br />
- Sintomas excedem aqueles aspectos esperados para a desintoxicação ou<br />
abstinência da cocaína.<br />
E. O transtorno não ocorre exclusivamente durante o curso de delirium<br />
F. Os sintomas causam desconforto importante ou prejuízo em importantes áreas do<br />
funcionamento do indivíduo.<br />
Fonte: APA (1994)<br />
15
QUADRO XXII: Transtorno de ansiedade induzido por cocaína<br />
A. Ansiedade proeminente, ataques de pânico, fobias ou obsessões predominam no<br />
quadro clínico.<br />
B. Evidência na história, exame físico ou por achados laboratoriais:<br />
- Sintomas do critério A se desenvolvem durante a intoxicação ou a abstinência,<br />
ou em período inferior a um mês destes, e/ou<br />
- o consumo da substância é relacionado etiologicamente ao transtorno<br />
apresentado.<br />
C. Sintomas não são característico de transtorno de ansiedade que não é induzido por<br />
substância. Evidências que os sintomas não são induzidos por substâncias incluem:<br />
- Surgimento dos sintomas precedeu o início do consumo de drogas;<br />
- Sintomas persistem por período maior que um mês após a interrupção do<br />
consumo ou da síndrome de abstinência;<br />
- Sintomas excedem aqueles esperados para a intoxicação ou abstinência da<br />
cocaína.<br />
D. O transtorno não ocorre exclusivamente durante o curso de delirium<br />
E. Os sintomas causam desconforto importante ou prejuízo em importantes áreas de<br />
funcionamento do indivíduo.<br />
Fonte: APA (1994)<br />
16
QUADRO XXIII:Transtorno sexual induzido por cocaína<br />
A. Disfunção sexual clinicamente importante que resulta em desconforto intenso ou<br />
prejuízo em relacionamento interpessoal.<br />
B. Evidências na história, exame físico ou por achados laboratoriais:<br />
- Sintomas do critério A se desenvolvem durante a intoxicação ou abstinência, ou<br />
em período inferior a um mês destes e/ou<br />
- o consumo da substância é relacionado etiologicamente ao transtorno<br />
apresentado.<br />
C. Sintomas não são característicos de transtorno sexual que não é induzido por<br />
substância. Evidências que os sintomas não são induzidos por substâncias incluem:<br />
- Surgimento dos sintomas precedeu o início do consumo de drogas;<br />
- Sintomas persistem por período maior que um mês após a interrupção do<br />
consumo ou da síndrome de abstinência;<br />
- Sintomas excedem aqueles esperados para a intoxicação ou abstinência da<br />
cocaína;<br />
- Subtipos:<br />
Fonte: APA (1994)<br />
- Prejuízo no desejo sexual,<br />
- Dificuldade na excitação sexual,<br />
- Prejuízo na capacidade de experimentar orgasmo,<br />
- Dor sexual.<br />
O estabelecimento da síndrome psiquiátrica tem causado menos dificuldade do que a compreensão de sua<br />
etiologia e diagnóstico diferencial; para tanto, uma anamnese detalhada, associada a exame físico completo<br />
e entrevista com familiares e rede social, constituem os elementos fundamentais para o clareamento<br />
diagnóstico.Tais procedimentos podem ser complementados com um exame toxicológico pra detecção de<br />
substâncias psicoativas que tem se mostrado um bom auxiliar em situações de dúvida.<br />
17
3.6- Vias de Administração<br />
Alguns dos principais problemas clínicos em usuários de cocaína decorrem mais da forma como a droga é<br />
utilizada do que da ação do produto propriamente dita. Há relatos de várias vias para o consumo de<br />
cocaína, porém, do ponto de vista clínico as que se destacam são :<br />
• Inalatória ou intranasal<br />
A cocaína é consumida colocando-se o pó, em superfície lisa e plana, geralmente vidro ou espelho, sendo<br />
então “batida” para que fique uniforme e disposta em fileiras que são aspiradas. A partir da inspiração da<br />
droga, os efeitos começam a surgir, de forma gradual, se comparados com as demais vias de administração,<br />
entre 30 segundos e 2 minutos e, após 40 minutos os efeitos começam a se dissipar. Após a inalação, a<br />
cocaína é rapidamente absorvida pela corrente sanguínea. Os efeitos sobre o humor são evidentes após 15<br />
a 30 minutos, acompanhados por aumento da pressão arterial e taquicardia. Após atingir a estabilidade o<br />
nível sérico começa a cair; os efeitos psíquicos observados são depressão, ansiedade, cansaço,<br />
irritabilidade e fissura por nova dose (WEISS, 1994).<br />
Segundo LARANJEIRA (1996), os principais problemas clínicos associados a esta via de administração<br />
são uma rinite alérgica ou vasomotora, anosmia e hiposmia. A perfuração do septo nasal é comumente<br />
encontrada e pode ocorrer mesmo após três semanas de uso, podendo ser grave, com sangramento,<br />
ulceração, sinusite, colapso nasal e mesmo deformidade nasal em sela.<br />
Dados do NIDA (1994), têm mostrado uma importante ligação da cocaína em todas as suas formas de<br />
administração, com a sexualidade, já que a mesma tem reputação de ser uma substância “afrodisíaca”,<br />
além da desinibição que acompanha estágios iniciais de seu consumo. Tal observação tem sido feita com<br />
maior frequência entre usuários da via nasal, já que estes mantém uma relação de compulsão menor se<br />
comparados com usuários de cocaína pelas demais vias. Tal constatação poderia colocar os usuários de<br />
cocaína por esta via como em potencial risco para atividades sexuais sem as adequadas medidas de<br />
prevenção com relação às DSTs, especialmente a AIDS.<br />
•Via pulmonar ou fumada<br />
Recentemente o surgimento de uma nova apresentação da cocaína, o crack, tem chamado a atenção dos<br />
profissionais que trabalham com usuários de drogas. O crack é encontrado na forma de pequenas pedras<br />
que são produzidas a partir de cloridrato de cocaína, acrescido de uma base, em geral bicarbonato de sódio,<br />
18
além de outras substâncias que são adicionadas no sentido de aumentar o volume produzido. Estas pedras<br />
são fumadas, sendo o princípio ativo - a cocaína - rapidamente absorvida pelos capilares pulmonares, indo<br />
daí para a corrente sanguínea, e atingindo o SNC com um início de ação bastante rápido ( cerca de 1 a 3<br />
minutos ), assim como seu decréscimo. A intensidade da euforia parece ser o determinante fundamental<br />
para o potencial de dependência da droga, sendo também proporcional à fissura que surge logo que os<br />
efeitos começam a dissipar-se, 10 a 20 minutos depois, levando o usuário a buscar uma nova<br />
administração, frequentemente de forma desesperada e arriscada para si (WEISS, 1994).<br />
O consumo de crack tornou-se muito popular nos EUA desde a sua introdução por volta de 1985. Em<br />
nosso país o aumento mais evidente deu-se a prtir de 1990. Crack não é uma droga nova, mas um novo<br />
método de administração de cocaína (LEITE & ANDRADE, 1999).<br />
A absorção da cocaína fumada é tão rápida que equivale ao uso EV. Os efeitos observados após o consumo<br />
são: taquicardia, hipertensão, taquipnéia e hipertermia; pupilas dilatadas, tensão muscular, tremores e<br />
sudorese intensa. Embora os primeiros episódios de consumo sejam marcados por euforia, sensação de<br />
bem estar e desejo por repetir o uso, a continuidade do consumo resulta em ansiedade, hostilidade e<br />
depressão extrema. Os usuários costumam consumir álcool para o controle desta ansiedade. Continuando o<br />
consumo, em doses mais altas podem surgir ilusões perceptivas e finalmente a psicose cocaínica, com<br />
extrema hipervigilância, delírios paranóides e alucinações.<br />
Contendo até 75% de cocaína pura, o crack é considerado a forma da cocaína mais capaz de causar<br />
consumo compulsivo e dependência. O consumo de crack causa aumento rápido do nível de cocaína no<br />
sangue, produzindo imediatamente os efeitos psíquicos, com pico em cinco minutos. A intensidade da<br />
euforia obtida parece contribuir para o potencial de dependência da droga; é também proporcional à fissura<br />
pela droga que surge logo que os efeitos começam a dissipar-se, dez a vinte minutos depois, levando a<br />
nova administração. Os efeitos desagradáveis são igualmente mais intensos, contribuindo também para a<br />
readministração (WEISS, 1994).<br />
Os efeitos farmacológicos do crack (início rápido, extrema euforia e curta duração) potencializam os<br />
riscos de um consumo compulsivo. Além disso, observa-se o descuido pessoal dos usuários, sendo<br />
negligenciada a alimentação, e higiene básica, com importante comprometimento da saúde física (NIDA,<br />
1994).<br />
O uso de crack tem sido associado a aumento na criminalidade, aumento nas demandas de tratamento e<br />
crescimento nas taxas de DSTs (HUDGINS et al.,1995).<br />
LARANJEIRA (1996) refere que pacientes que usam crack comumente apresentam dores torácicas, tosse e<br />
hemoptise, que podem ser devidas a várias condições clínicas como atelectasias, pneumomediastino,<br />
pneumotórax e hemopneumotórax. A inalação da cocaína envolve um esforço respiratório frequente<br />
seguido por uma “ manobra de Valsalva” e tosse violenta. Isto resulta num aumento da pressão intra<br />
19
alveolar com consequente ruptura dos alvéolos e ar escapando para o espaço intersticial, podendo chegar<br />
ao mediastino. A descompressão do pneumomediastino através da pleura pode levar ao pneumotórax.<br />
Edema pulmonar não cardiogênico já foi descrito e seria devido à ruptura das membranas capilares<br />
alveolares. Outras condições descritas são: hemorragia alveolar difusa, granulomatose pulmonar,<br />
bronquiolite obliterante e piora acentuada de asma preexistente.<br />
Via endovenosa ou injetável<br />
O uso EV é a variedade mais perigosa de consumo de cocaína. Além de grande potencial de abuso, o uso<br />
EV carrega os problemas adicionais de injeção de substâncias não estéreis e transmissão de infecções<br />
(hepatite, endocardite e AIDS).<br />
Um dos principais efeitos da intoxicação aguda por cocaína é a sensação de prazer descrita muitas vezes<br />
como euforia. Este efeito parece estar relacionado, à capacidade da droga de induzir readministrações<br />
repetitivas em animais de laboratório (LEITE, 1999).<br />
A sensação induzida de hiperalerta é relatada pelos usuários e pode ser confirmada por EEG e por ECG. A<br />
cocaína, pelo fato de bloquear os centros da fome, localizados no hipotálamo lateral, reduz o apetite, e o<br />
uso crônico acarreta perda de peso importante.<br />
Do ponto de vista dos riscos clínicos LARANJEIRA (1996), aponta que o uso endovenoso facilita o<br />
aparecimento de complicações secundárias ao ataque feito à camada protetora da pele, quer seja no uso<br />
endovenoso propriamente dito, quer quando a via é subcutânea. O maior risco sem dúvida é a<br />
contaminação pelo HIV, mas além dele, a hepatite B também é uma das mais frequentes infecções<br />
observadas nestes usuários de drogas.<br />
Segundo o mesmo autor, alguns estudos mostram que cerca de 50% deles já tiveram contato com o vírus<br />
no passado e 10% podem estar cronicamente infectados. Recentemente a hepatite C também passou a ser<br />
associada ao consumo de drogas e seria responsável por muitos casos de doença crônica. As bactérias de<br />
agulhas contaminadas entram na circulação e podem se instalar no coração e suas válvulas. O<br />
Staphylococcus aureus é a bactéria mais comum, sendo que os Streptococcus e os Gram-negativos também<br />
podem estar presentes. A lesão das válvulas direitas são mais comuns, com a tricúspide sendo a mais<br />
afetada. Cerca de 60% das bacteremias nestes pacientes não são devidas a infecção cardíaca. Outras causas<br />
20
como pneumonia, osteomielite e encefalites devem ser investigadas. Celulites e abscessos também podem<br />
estar associados com bacteremia.<br />
3.7 - Tratamento<br />
O tratamento em dependência química permite uma variedade de abordagens voltadas mais<br />
especialmente à relação estabelecida entre o sujeito e a droga. Na maior parte dos casos, é menos<br />
importante o tipo de droga consumida, embora haja especificidades clínicas às quais se deve observar em<br />
algumas substâncias. Portanto, as diretrizes gerais no tratamento da dependência à cocaína (TIMS &<br />
LEUKEFELD, 1993) seguem as mesmas já apresentadas no item 2.8 deste estudo, o qual sistematiza em<br />
linhas gerais, as alternativas terapêuticas em toxicomania, não havendo então, uma abordagem exclusiva<br />
para a cocaína.<br />
O tratamento farmacológico nas dependências químicas permanece hoje como coadjuvante de<br />
terapêuticas outras como as citadas anteriormente. Porém, no tratamento específico da dependência de<br />
cocaína, os objetivos, segundo TAYLOR (1990) são, a minimização de sintomas de abstinência, disforia e<br />
fissura.<br />
O QUADRO XXIV a seguir apresenta os grupos farmacológicos utilizados e seus principais efeitos :<br />
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QUADRO XXIV : Principais medicamentos usados no tratamento da dependência de cocaína<br />
GRUPO FARMACOLÓGICO PRINCIPAIS DROGAS EFEITO OBSERVADO<br />
Agonistas dopaminérgicos Amantadina Redução do craving nas 3<br />
Bromocriptina semanas iniciais<br />
Antidepressivos Desipramina Redução do craving e da<br />
anedonia na abstinência<br />
Agentes serotoninérgicos Fluoxetina Redução do craving e do<br />
consumo total de cocaína<br />
Antagonistas dopaminérgicos Neurolépticos Redução da euforia durante<br />
a intoxicação por cocaína<br />
Lítio Carbonato de lítio Controle da euforia<br />
( abandonado)<br />
Anticonvulsivantes Carbamazepina Diminuição da sensibilidade<br />
Fonte : LEITE & CABRAL (1999)<br />
à cocaína<br />
22