Os colégios das Caldas da Rainha (1928-1945) - João B. Serra
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Antes do Externato Ramalho Ortigão<br />
<strong>Os</strong> <strong>colégios</strong> <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>da</strong> <strong>Rainha</strong> (<strong>1928</strong>-<strong>1945</strong>)<br />
<strong>João</strong> B. <strong>Serra</strong><br />
1. Introdução<br />
A história do ensino particular liceal no nosso país está por fazer. Também não dispomos<br />
de monografias históricas sobre instituições de referência desse sector supletivo do ensino<br />
público. O breve apontamento aqui apresentado sobre as primeiras duas déca<strong><strong>da</strong>s</strong> dos<br />
estabelecimentos de ensino liceal nas Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>da</strong> <strong>Rainha</strong> não pôde cruzar informações<br />
relativas a processos congéneres, nem beneficiar do método comparativo.<br />
A expansão do ensino constituiu um dos elementos centrais <strong>da</strong> revolução social do século<br />
XX, sobretudo <strong>da</strong> sua segun<strong>da</strong> metade. Ain<strong>da</strong> no século XIX, os Estados mais<br />
desenvolvidos tinham incluido nas suas priori<strong>da</strong>des a alfabetização. O ensino primário fez<br />
então muitos progressos, tendo diversos países começado a atingir taxas de alfabetização<br />
superiores a 50 e 60% <strong>da</strong> população. Mas o número de estu<strong>da</strong>ntes na fileira do ensino<br />
secundário/superior permaneceu, em todo o mundo, até aos finais <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1950, muito<br />
reduzido, quase tão insignificante, quantitativamente, como na I<strong>da</strong>de Média. Ao longo <strong><strong>da</strong>s</strong><br />
déca<strong><strong>da</strong>s</strong> de 1960, 1970 e 1980, os <strong>da</strong>dos, porém, alteraram-se radicalmente. De forma<br />
generaliza<strong>da</strong>, as famílias fizeram extraordinários esforços para colocar os seus filhos no<br />
ensino superior. Não se tratava apenas, como anteriormente, de famílias com capital<br />
económico ou cultural elevado. A ampliação <strong>da</strong> procura de ensino só pôde acontecer<br />
porque a ele acorreram jovens oriundos de estratos de rendimentos médios e baixos, cujos<br />
pais viram no ensino uma oportuni<strong>da</strong>de de melhorar a condição social de origem.
Para participar neste movimento, Portugal, como é sabido, teve de ultrapassar obstáculos<br />
muito exigentes, à cabeça dos quais podemos apontar o fraco investimento do Estado Novo<br />
na expansão do sistema público de ensino. Esta observação vale tanto para o ensino<br />
primário, como para o secundário e superior. Particularmente gravoso para as regiões mais<br />
periféricas e para os grupos de menores rendimentos foi o princípio <strong>da</strong> concentração <strong>da</strong><br />
malha de liceus nas capitais de distrito, uma vez que só os liceus <strong>da</strong>vam acesso directo ao<br />
ensino superior. Em alternativa, desenvolveu-se, ao longo <strong>da</strong> primeira metade do século<br />
XX, sobretudo a partir dos anos 1920, uma rede de estabelecimentos privados que<br />
proporcionaram, nas locali<strong>da</strong>des com alguma dimensão demográfica, ensino liceal. Sem<br />
essa rede, a modernização do país teria sido certamente muito mais lenta e estreita e o<br />
fenómeno de democratização do ensino superior mais atrasado e provavelmente menos<br />
consistente.<br />
2. Fontes<br />
Efectuei uma primeira pesquisa sobre o ensino secundário particular nas Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>da</strong> <strong>Rainha</strong><br />
em 1986, no âmbito de um estudo então iniciado sobre a formação <strong><strong>da</strong>s</strong> elites urbanas entre<br />
1887 e 1941. Efectuei na altura entrevistas aprofun<strong>da</strong><strong><strong>da</strong>s</strong> com diversos actores qualificados,<br />
como o tenente-coronel Justino Moreira, o Professor José Lalan<strong>da</strong> Ribeiro, o Dr. José<br />
Venâncio Paulo Rodrigues e o Dr. Aníbal Correia, e consultei a imprensa local. A<br />
investigação foi no entanto interrompi<strong>da</strong> e só muito recentemente retoma<strong>da</strong>, no quadro <strong>da</strong><br />
realização de provas académicas.<br />
Mas o impulso decisivo para tornar público um ensaio historiográfico sobre este tema,<br />
numa forma ain<strong>da</strong> incipiente, veio do blog dos antigos alunos do Externato Ramalho<br />
Ortigão, do seu principal animador, o <strong>João</strong> Jales, e <strong>da</strong> sua colaboradora Margari<strong>da</strong> Araújo.<br />
2
O <strong>João</strong> Jales publicou uma “Breve História do Externato Ramalho Ortigão, <strong>1945</strong>-1973”<br />
onde incluiu referências a um período anterior a <strong>1945</strong>, com identificação de algunas<br />
uni<strong>da</strong>des e professores, baseando-se fun<strong>da</strong>mentalmente em fontes orais. Facultou-me<br />
acesso ao texto, no decurso <strong>da</strong> sua própria elaboração, assim desencadeando um desafio<br />
estimulante que me “forçou” a ocupar-me de novo <strong>da</strong> questão. No diálogo que travámos,<br />
quase sempre a desoras, “intrometeu-se” a Margari<strong>da</strong> Araújo. A Margari<strong>da</strong>, a quem me une<br />
uma amizade com longínqua origem, precisamente na docência <strong>da</strong> história, foi colocando<br />
em cima <strong>da</strong> mesa (ou seja, nas nossas plataformas digitais) uma sucessão “interminável” de<br />
informações colhi<strong><strong>da</strong>s</strong> em edições <strong>da</strong> Gazeta <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong>. Como dizia o <strong>João</strong>, fomos todos<br />
procurando compor o puzzle, ou, como na imagem inspiradora dos trabalhos de Penélope,<br />
fazendo, desfazendo e refazendo a história.<br />
Aqui está o resultado (provisório) a que chegámos. Digo “chegámos” com inteira ver<strong>da</strong>de:<br />
eu escrevi, eles foram participantes e cúmplices activos.<br />
3. <strong>Os</strong> primórdios: 1926/1927<br />
É em Agosto de 1926 que nos deparamos com a primeira notícia <strong>da</strong> Gazeta <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong><br />
sobre a criação de um colégio-liceu. “Uma iniciativa simpática” titulava o jornal, <strong>da</strong>ndo a<br />
lume uma entrevista com um dos seus principais protagonistas, o Dr. António Correia<br />
Sousa Neves.<br />
António Sousa Neves queria transpor para as Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> a experiência bem sucedi<strong>da</strong> do<br />
colégio-liceu de Sintra, de que há 6 anos era director. “Portugal precisa de escolas que se<br />
preocupem com mais alguma coisa que impingir lições feitas à máquina; carece de olhar<br />
pelos seus filhos, criando-lhes quali<strong>da</strong>des, para que não continuem a ser esses eternos<br />
homens de amanhã, sempre inutilmente desejados…” (G.C. 22 de Agosto de 1926).<br />
Projectava dotar as Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> de um estabelecimento de ensino para ambos os sexos, provido<br />
3
de professores especializados (para ciências e para letras), onde as línguas estrangeiras<br />
estivessem a cargo de professores <strong><strong>da</strong>s</strong> respectivas nacionali<strong>da</strong>des, se garantiria a disciplina<br />
de ginástica bem como a de higine individual, à responsabili<strong>da</strong>de do sub-delegado de<br />
saúde, Dr. Fernando Correia, que também exercia as funções de médico escolar.<br />
A atenção para as Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> terá sido desperta<strong>da</strong> por um professor do colégio de Sintra, Carlos<br />
de Loureiro “que conhece as Cal<strong><strong>da</strong>s</strong>”. As instalações não se encontravam ain<strong>da</strong> decidi<strong><strong>da</strong>s</strong>,<br />
dependendo do número de inscritos, mas o nome já estava escolhido: “Colégio-Liceu de D.<br />
Leonor”.<br />
Desconhecemos a sequência desta iniciativa, embora o nome <strong>da</strong> <strong>Rainha</strong> nos surja mais<br />
tarde ligado a um outro colégio <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong>. Na<strong>da</strong> nos prova, porém, a existência de uma<br />
continui<strong>da</strong>de entre ambos. Mas parecia ter razão Sousa Neves quando afirmava que as<br />
Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> “há muito reclamavam a organização de um estabelecimento de ensino e educação,<br />
vazado por moldes <strong>da</strong> moderna pe<strong>da</strong>gogia, e no qual se pudesse cursar o liceu”. No seu<br />
entender, “Para não falar já nos progressos acentuados desta vila, basta a circunstância de<br />
haver ci<strong>da</strong>des do país sensivelmente com a mesma população do que as Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> e arredores<br />
e dota<strong><strong>da</strong>s</strong> de um liceu oficial”.<br />
Em 1930, residiam na freguesia <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>da</strong> <strong>Rainha</strong> 7822 indivíduos, sendo o total<br />
concelhio de 29207 (Censo <strong>da</strong> População de Portugal). Mais de 75% dos habitantes do<br />
concelho eram analfabetos.<br />
Além de escolas primárias oficiais e priva<strong><strong>da</strong>s</strong>, na vila <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> tinha existido desde 1919<br />
até justamente Julho de 1926, o mês anterior ao desta entrevista, uma Escola Primária<br />
Superior.<br />
Para se compreender melhor o lugar desta escola, convirá recor<strong>da</strong>r a orgânica do sistema de<br />
ensino republicano. Partindo <strong>da</strong> distinção entre ensino primário e secundário, o primeiro era<br />
obrigatório e compreendia 5 anos (dos 7 aos 12 anos), abrangendo 5 classes. <strong>Os</strong> que não<br />
4
seguissem o ensino secundário, desembocando no ensino superior, mas quisessem<br />
aprofun<strong>da</strong>r estudos, tinham à sua disposição o ensino primário superior (3 anos, dos 12 aos<br />
15), facultativo, abrangendo 3 classes. O diploma do curso <strong><strong>da</strong>s</strong> Escolas Primárias<br />
Superiores, habilitando os alunos com conhecimentos de línguas, <strong>da</strong>va acesso directo às<br />
Escolas Normais Primárias e a outras escolas do chamado ensino médio (agrícola,<br />
comercial e industrial) e equivalia ao Curso Geral dos Liceus.<br />
Não encontrei <strong>da</strong>dos sobre a frequência dos estabelecimentos de ensino primário nas Cal<strong><strong>da</strong>s</strong><br />
nesta época, mas o Censo <strong>da</strong> População de 1930 indica o número de indivíduos<br />
alfabetizados entre os 6 e os 12 anos: 384. Este número é evidentemente aproximativo, mas<br />
dá-nos um valor de referência muito baixo para a frequência do ensino primário no<br />
concelho <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong>. Se tivermos em conta que os estudos já efectuados apontam para uma<br />
taxa de pouco mais de 4%, em 1930, para a população escolar primária que prossegue os<br />
estudos secundários, não podemos deixar de concluir que a margem seria muito aperta<strong>da</strong><br />
para os que se propunham criar um colégio-liceu nas Cal<strong><strong>da</strong>s</strong>.<br />
A extinção <strong>da</strong> Escola Primária Superior caldense em Julho de 1926 deverá estar relaciona<strong>da</strong><br />
com este panorama. Mas pode ter tido reflexos directos ou indirectos em projectos de<br />
lançamento do ensino secundário. Professores e famílias tiveram que procurar alternativas,<br />
os primeiros à sua activi<strong>da</strong>de docente nas Cal<strong><strong>da</strong>s</strong>, as segun<strong><strong>da</strong>s</strong> a uma via de estudos pós-<br />
ensino primário.<br />
Um ano decorrido sobre a entrevista ao director do colégio-liceu de Sintra, a Gazeta insere<br />
uma notícia sobre iniciativa similar, desta vez com origem no colégio de S. José, em<br />
Santarém, cujo director, Oliveiros Brás Machado, se propõe abrir nas Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> um<br />
estabelecimento do mesmo tipo (G.C., 29 de Setembro de 1927). Também neste caso,<br />
desconhecemos o destino do projecto.<br />
5
Um facto, porém, ocorrido exactamente em Setembro de 1927, parece ter sido decisivo para<br />
o arranque do ensino secundário liceal nas Cal<strong><strong>da</strong>s</strong>. Tratou-se <strong>da</strong> instalação definitiva do<br />
regimento de Infantaria 5 naquela que acabara de ver reconhecido, precisamente em<br />
Agosto, o estatuto formal de ci<strong>da</strong>de.<br />
4. O Colégio Moderno (<strong>1928</strong>)<br />
Em 1918, ano em que a Grande Guerra chegou ao seu termo, os Pavilhões do Parque D.<br />
Carlos I receberam um batalhão do regimento de Infantaria 5. Pouco depois, o batalhão<br />
retornou a Lisboa. Em 1927, porém, é o próprio regimento que troca a sua sede lisboeta, no<br />
Castelo de S. Jorge, pela <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>da</strong> <strong>Rainha</strong>. O facto não deve ser estranho à elevação,<br />
em Agosto, <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> a ci<strong>da</strong>de. Este processo culminava uma ampla mobilização <strong><strong>da</strong>s</strong><br />
forças políticas, económicas e sociais locais pela afirmação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de como segundo núcleo<br />
polarizador do distrito de Leiria.<br />
<strong>Os</strong> oficiais do Regimento de Infantaria 5 deram um duplo impulso ao ensino liceal<br />
caldense: como organizadores e professores e como pais e familiares de alunos.<br />
Necessitavam de um estabelecimento que preparasse os seus filhos para ingressar em<br />
escolas superiores; ofereciam, em contraparti<strong>da</strong>, as suas próprias disponibili<strong>da</strong>des e<br />
capaci<strong>da</strong>des para leccionar.<br />
De acordo com testemunhos orais, ter-se-ia formado, também em 1927, um colégio de<br />
ensino primário. O seu director, um antigo professor primário, António Augusto Ferreira,<br />
tinha a intenção de o fazer evoluir para o ensino liceal. Não pudemos comprovar a<br />
existência de uma articulação entre António Augusto Ferreira, Carlos de Loureiro e<br />
António Sousa Neves (do Colégio-Liceu de Sintra), mas o certo é que o colégio de A. A.<br />
Ferreira se denominava também D. Leonor.<br />
6
Em <strong>1928</strong>, juntam-se a António Augusto Ferreira o tenente Justino Moreira e o Professor<br />
José Antunes Faria, respectivamente, oficial do RI 5, e antigo professor <strong>da</strong> Escola Primária<br />
Superior. O novo colégio, resultante dessa associação, terá o nome de Colégio Moderno.<br />
Anuncia-se na Gazeta, a 23 de Setembro de <strong>1928</strong>, como estabelecimento onde se pratica a<br />
coeducação, se dispõe de professora habilita<strong>da</strong> para o ensino primário e se preparam alunos<br />
do secundário por meio de explicações. Situa-se na Rua General Queiroz, 19, 21 e 23.<br />
7
Pouco tempo durou, porém, esta associação. Mais uma vez segundo o testemunho de<br />
Justino Moreira, houve desentendimento entre os Professores Ferreira e Faria, logo em<br />
1929. Da cisão no Moderno, surgirão duas novas enti<strong>da</strong>des.<br />
5. Lusitano e <strong>Rainha</strong> D. Leonor<br />
O ano escolar de 1929/1930 abriu em Outubro, com dois <strong>colégios</strong> nas Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>da</strong> <strong>Rainha</strong>: o<br />
colégio Lusitano e o colégio <strong>Rainha</strong> D. Leonor.<br />
Este último é proprie<strong>da</strong>de de António Augusto Ferreira, que recupera o nome do seu<br />
anterior estabelecimento. Continua a funcionar na Rua General Queirós. Apresenta-se com<br />
regime diurno e nocturno e, além do ensino primário e <strong><strong>da</strong>s</strong> explicações de secundário,<br />
também anuncia Educação Física (G.C., 10 de Novembro de 1929). Oferece ensino gratuito<br />
a dois alunos desprovidos de meios para estu<strong>da</strong>r e que sejam indicados pela Gazeta <strong><strong>da</strong>s</strong><br />
Cal<strong><strong>da</strong>s</strong>, um do primário, outro do secundário.<br />
No ano lectivo de 1930/31, o D. Leonor instalou-se no Hotel Madrid, localização que a<br />
Gazeta <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> saudou com entusiasmo (G.C., 11 de Janeiro de 1931). Mas em Outubro<br />
8
desse ano mu<strong>da</strong>-se para um 1º an<strong>da</strong>r do topo <strong>da</strong> Praça <strong>da</strong> República (nº 106). Anuncia<br />
também aulas de escrituração comercial. Faz gala dos seus resultados: 52 aprovações e<br />
apenas 4 reprovações no ano anterior. Torna públicas as mensali<strong>da</strong>des, como se pode ver no<br />
recorte junto (G.C., 4 de Outubro de 1931).<br />
De acordo com o testemunho de José Paulo Rodrigues, neste crescimento do <strong>Rainha</strong> D.<br />
Leonor teve papel importante o Professor Ivo Mendes, inspector do ensino oficial, que se<br />
associou a A. A. Ferreira em 1930.<br />
O tenente Justino Moreira e o Prof José Antunes Faria responderam a António Augusto<br />
Ferreira com a criação do Lusitano. Este começou a funcionar, em Outubro de 1929, num<br />
rés-do-chão <strong>da</strong> Rua Alexandre Herculano, nº 50.<br />
O colégio Lusitano ficou também conhecido como o “colégio dos militares”. Além do<br />
director, nele leccionaram Mesquita de Oliveira (que tinha um curso incompleto de<br />
engenharia), Ruben Gomes (conhecido pelos seus dotes para o desenho), Paulo Cúmano<br />
(descendente de italianos, falava fluentemente várias línguas, incluindo o alemão) e José<br />
Pedro Pereira, todos tenentes.<br />
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Em Outubro de 1930, o Lusitano mu<strong>da</strong> as suas instalações para o nº 75 <strong>da</strong> Rua de Camões,<br />
beneficiando <strong>da</strong> proximi<strong>da</strong>de do Parque D. Carlos. Ao ensino primário e secundário junta<br />
também o ensino comercial. <strong>Os</strong> dois <strong>colégios</strong> caldenses jogam o jogo <strong>da</strong> concorrência. Mas<br />
nela não correrão o risco de se esgotarem?<br />
6. Colégios, liceu: um debate (1931/33)<br />
A 12 de Julho de 1931, a Gazeta <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> publicava um artigo onde se equacionava a<br />
questão do ensino nas Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> e se advogava a criação de um estabelecimento que<br />
ministrasse formação ao longo de tudo o percurso liceal. Para o autor do texto, a<br />
concorrência entre os dois <strong>colégios</strong> tinha precisamente esse ónus, o de não garantir tal<br />
objectivo. “Razões de ordem vária a isso se opõem, entre as quais a dispersão de<br />
competências espalha<strong><strong>da</strong>s</strong> pelas duas casas de ensino – que as têm, e de valor – a falta de<br />
professorado que ensine até ao 5º ano e outras que a razão e o melindre nos man<strong>da</strong>m que<br />
calemos”. E acrescenta: “Ora, esta dispersão de forças de que, seja-nos lícito dizer, as<br />
Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> é fértil, evita, neste caso, to<strong>da</strong> a possibili<strong>da</strong>de que possa haver na criação de um<br />
10
Colégio-Liceu, à ro<strong>da</strong> e dentro do qual todos se reunissem, ministrando numa camara<strong>da</strong>gem<br />
apreciável o pão do espírito a tantas e tantas crianças”.<br />
O artigo não é assinado, o que pode significar proximi<strong>da</strong>de à direcção do jornal, na altura a<br />
cargo de Guilherme Nobre Coutinho, um dos próceres <strong>da</strong> corrente de autonomia<br />
regionalista que marcou a segun<strong>da</strong> metade <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1920 <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong>. É, aliás, em nome<br />
dos interesses caldenses, que o autor do texto se julga legitimado para exigir que o<br />
problema seja debatido pela Comissão de Iniciativa, pela Associação Comercial e pela<br />
Câmara, à qual competiria subsidiar um Liceu municipal, e bem assim pelo “Núcleo de<br />
bons professores que aí há (ao qual pede que “estude a maneira de conseguir este benefício<br />
para esta terra”). A ausência de curso completo dos liceus nas Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> tem as seguintes<br />
consequências que importa avaliar. “Daqui se transportam para vários liceus do País<br />
dezenas de rapazes, alguns com pesados sacrifícios para as suas famílias, deixando por lá,<br />
quantas vezes a sua saúde, e sempre o seu dinheiro, que aqui poderia ficar. Além desses que<br />
têm de ir buscar a outras terras a conclusão dos seus estudos do curso geral dos liceus,<br />
outros há por aqui em quanti<strong>da</strong>de, que mais não seguem nos estudos porque não têm<br />
elementos para isso, na exigui<strong>da</strong>de dos seus recursos, e que, uma vez aqui um Colégio-<br />
Liceu, seguiriam na estra<strong>da</strong> luminosa <strong>da</strong> instrução, concluindo-os e tornando-se aptos para<br />
a vi<strong>da</strong>!”<br />
Estava <strong>da</strong>do o sinal para uma reivindicação que só quatro déca<strong><strong>da</strong>s</strong> mais tarde seria<br />
satisfeita: um liceu nas Cal<strong><strong>da</strong>s</strong>. A Gazeta vai ecoando o tema ao longo dos anos de 1931 e<br />
1932. A 27 de Setembro deste ultimo ano, publica um artigo intitulado “O Liceu Nacional”,<br />
no qual se reporta a um movimento de caldenses e amigos <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> que aplaude<br />
entusiasticamente o projecto de criação de um Liceu nas Cal<strong><strong>da</strong>s</strong>. “Na ver<strong>da</strong>de, dissemos e<br />
voltamos a repetir, que a região <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>da</strong> <strong>Rainha</strong>, composta dos seus quatro grandes<br />
concelhos, canaliza para os diferentes liceus do País grande número de estu<strong>da</strong>ntes, e que<br />
11
além deles, outros há, de to<strong><strong>da</strong>s</strong> as terras limítrofes que preferem decerto vir matricular-se no<br />
liceu que, porventura, possa ser aqui criado. Há aí a uma Escola Industrial, que bons<br />
serviços tem prestado a esta região, frequenta<strong>da</strong> por 200 ou mais alunos, a maioria deles<br />
ansiosos por que aqui se crie um Liceu, mas que, na sua falta, ali vão buscar a luz <strong>da</strong><br />
instrução que tão necessária é! Há dois <strong>colégios</strong> onde alguns anos do liceu se leccionam,<br />
cujos alunos e seus pais têm de arcar com o incómodo de fazer os seus exames noutros<br />
liceus do país, com um gravame enorme para o seu orçamento”.<br />
Cerca de um ano mais tarde, o jornal exulta com a confirmação de “um grande<br />
melhoramento: a criação de um Liceu Municipal nas Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>da</strong> <strong>Rainha</strong> é uma reali<strong>da</strong>de”. A<br />
notícia desenvolve a informação obti<strong>da</strong> “de boa fonte”, segundo a qual a Câmara Municipal<br />
obteve do Ministro <strong>da</strong> Instrução Pública concordância para a criação de um Liceu<br />
Municipal que deverá entrar em funcionamento no próximo ano lectivo. Exultante, a<br />
Gazeta (30 de Outubro de 1932) não só assevera que o Presidente <strong>da</strong> Câmara (o Dr. José<br />
Sau<strong>da</strong>de e Silva) já tem escolhido o edifício onde irá funcionar o Liceu, como dá início de<br />
imediato a uma campanha de angariação de alunos com o objectivo de rapi<strong>da</strong>mente elevar o<br />
futuro liceu de municipal a nacional.<br />
Neste caso, porém, o desejo é que foi tomado por reali<strong>da</strong>de. Em Março do ano seguinte, o<br />
jornal lastimava-se que, após a promessa, “tudo caiu no silêncio confrangedor, neste<br />
marasmo muito <strong>da</strong> nossa terra, sem que publicamente na<strong>da</strong> se diga, sem uma nota oficiosa,<br />
que, como gota de água, venha desfazer a sede escal<strong>da</strong>nte <strong>da</strong> curiosi<strong>da</strong>de pública.<br />
Perguntam-nos: - Então, o Liceu? Então, esse Liceu vem ou não vem? Vocês <strong>da</strong> Gazeta<br />
sempre são muito ingénuos… Acreditam em ca<strong>da</strong> peta…” (G.C., 18 de Março de 1933).<br />
12
7. O Caldense (1933-<strong>1945</strong>)<br />
Em Outubro de 1933, um novo colégio emerge na ci<strong>da</strong>de: o Caldense (G.C., 28 de Outubro<br />
1933). Arranca na Rua dos Artistas nº 24, liderado pelo Prof. Ivo Mendes. Aparentemente,<br />
o Caldense preenche o lugar deixado vago pelo <strong>Rainha</strong> D. Leonor. Não se encontraram<br />
referências ao Prof. António Augusto Ferreira, a partir de 1932. Sabemos, no entanto, que<br />
Ivo Mendes tinha colaborado com ele.<br />
13
O projecto pe<strong>da</strong>gógio do Caldense é distinto do dos <strong>colégios</strong> precedentes. Além de inserir a<br />
Música Canto Coral, os Trabalhos Manuais e a Arte Aplica<strong>da</strong> na oferta formativa, ao lado<br />
<strong>da</strong> Educação Física, oferece o Curso Geral dos Liceus. Em 1934 (G.C., 22 de Setembro)<br />
mu<strong>da</strong> as instalações para a Rua Dr. Leão Azedo, anunciando uma separação orgânica entre<br />
uma uni<strong>da</strong>de vocaciona<strong>da</strong> para o ensino liceal e outra para o ensino primário (o chamado<br />
colégio José Malhoa). Indica como professores os médicos José Pinto e Mário de Castro,<br />
José <strong>da</strong> Costa Abrunhosa (matemática), <strong>João</strong> de Oliveira Carvalho (Filosofia), Almei<strong>da</strong><br />
Avila (Letras) e Dario Preto Ramos.<br />
Em 1936 o Caldense tem instalações na Rua Miguel Bombar<strong>da</strong> (G.C., 12 de Setembro).<br />
Anuncia que prepara alunos para admissão à Universi<strong>da</strong>de. De facto, o Caldense será o<br />
primeiro colégio <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>da</strong> <strong>Rainha</strong> a proporcionar uma frequência completa do ensino<br />
liceal. No seu depoimento, José Paulo Rodrigues afirma ter sido dos primeiros estu<strong>da</strong>ntes<br />
que preparou o curso liceal nas Cal<strong><strong>da</strong>s</strong>, terminado em 1939. <strong>Os</strong> exames dos alunos<br />
preparados pelo Caldense eram realizados em Santarém.<br />
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No princípio <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1940, o Caldense consegue uma vantagem sobre o seu<br />
concorrente. Entre 1939, 1940 e 1941 o Governo insiste na aplicação de uma disposição<br />
prevista em legislação de <strong>1928</strong>, qual restringia a tolerância para com a coeducação no<br />
15
ensino particular, só a permitindo “a título excepcional e precário” nas locali<strong>da</strong>des onde não<br />
existisse mais do que um estabelecimento do mesmo tipo. Não era o caso nas Cal<strong><strong>da</strong>s</strong>, tendo<br />
o Caldense, porventura beneficiando <strong>da</strong> influência do seu fun<strong>da</strong>dor, o inspector Ivo<br />
Mendes, obtido autorização para ensinar o sexo masculino.<br />
7. O Lusitano<br />
O aparecimento do Caldense obrigou o Lusitano a introduzir melhorias na sua oferta<br />
formativa, garantindo o Curso Geral dos Liceus. O Lusitano tinha a seu favor a quali<strong>da</strong>de e<br />
boa localização <strong><strong>da</strong>s</strong> instalações. Uma reportagem sobre o colégio, publica<strong>da</strong> pela Gazeta<br />
<strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> em 9 de Outubro de 1932 punha essa circunstância em destaque: “Entrámos<br />
numa casa completamente transforma<strong>da</strong>, cheia de luz e de bom ar, que acaba de ser<br />
a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong> a casa de ensino, de harmonia com o Estatuto do Ensino Particular”.<br />
Mas, no final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 30 e princípios <strong>da</strong> seguinte, o colégio vai passando por<br />
sucessivas crises. Justino Moreira é mobilizado para Cabo Verde e forçado a deixar a<br />
direcção do estabelecimento. Depois vem a imposição de leccionar apenas ao sexo<br />
16
feminino. Em 1944, um grupo de professores, liderado por Alcino Jorge de Morais adquire<br />
o alvará de Justino Moreira. Em entrevista que concede à Gazeta <strong><strong>da</strong>s</strong> Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> (20 de<br />
Outubro de 1944) Alcino de Morais confessa-se preocupado com a baixa frequência do<br />
colégio, mas admite ser possível inverter a tendência de as famílias caldenses preferirem<br />
para as suas filhas o curso comercial ao curso liceal.<br />
Esta experiência não teve continui<strong>da</strong>de. Em <strong>1945</strong>, o alvará de Justino Moreira mu<strong>da</strong>rá outra<br />
vez de mãos, desta vez para a Socie<strong>da</strong>de de Desenvolvimento Caldense, lidera<strong>da</strong> por Júlio<br />
Lopes. Tornara-se, porém, evidente que a sobrevivência do ensino liceal particular nas<br />
Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> estaria sempre comprometi<strong>da</strong> com dois <strong>colégios</strong>, obrigados pelo salazarismo à<br />
separação do ensino por sexos. A Socie<strong>da</strong>de terá de adquirir também o Caldense para poder<br />
cumprir o preceito legal que autorizava a coeducação onde só existisse um estabelecimento<br />
de ensino liceal.<br />
Com a dupla aquisição, Júlio Lopes criou o Externato Ramalho Ortigão. Mas essa é uma<br />
outra história, que está a ser feita pelos contributos do blog<br />
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(http://externatoramalhoortigao.blogspot.com/) e pelo trabalho de recolha e síntese de <strong>João</strong><br />
Jales.<br />
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