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educação, antipólis e incivilidade Olgária Matos - USP

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o que a caracteriza nos moldes humanista<br />

e iluminista, a formação universitária que<br />

deve conter método no conhecimento e<br />

exercício lúdico ou, tomando de empréstimo<br />

as palavras de Pascal, “esprit géometrique<br />

et esprit de fi nesse”:<br />

“Rigor e fi nura: sem o concurso de ambas<br />

não há como bem formular os problemas,<br />

nem como orientar-se nas intrincadas vias<br />

de sua solução. Trabalhar bem com ambas<br />

essas dimensões é um dos maiores desafi os<br />

da formação universitária […]. Pois é a<br />

preocupação de juntar o rigor com a fi nura<br />

que mais nitidamente separa a formação do<br />

adestramento especializado, do training.<br />

Os modelos europeus do início do século<br />

XX que inspiraram a <strong>USP</strong> na fase de sua<br />

implantação (basicamente o francês e o<br />

alemão, com o primeiro incidindo mais<br />

nas ‘humanas’ e o segundo nas ‘exatas’)<br />

contemplavam a questão da formação. O<br />

modelo norte-americano, que aos poucos<br />

foi-se instalando e vai se tornando hege-<br />

mônico, tem como foco a idéia do training.<br />

[Trata-se] de enfrentar a articulação entre<br />

rigor e finura […], a questão de como<br />

converter a universidade no ambiente mais<br />

propício ao aprendizado e ao exercício de<br />

formas de inteligência capazes de associar<br />

as mais severas exigências da atividade<br />

analítica com a capacidade de perceber<br />

relações fi nas que escapem das malhas dos<br />

mais poderosos esquemas formais […]. A<br />

inteligência bem adestrada mas que só se<br />

aventura em terreno já demarcado e arado e<br />

teme o que não domina é, no sentido literal<br />

do termo, idiota”.<br />

Proveniente do grego, idiotes signifi ca<br />

alguém que se educa e se forma em sepa-<br />

rado, que é solitário, simples, particular e,<br />

por extensão semântica, pessoa desprovida<br />

de inteligência e de razão:<br />

“[…] qualquer coisa, qualquer pessoa é<br />

idiota a partir do momento que só existe<br />

em si mesma, incapaz de aparecer de um<br />

modo diferente do que aquele em que se<br />

encontra e tal qual é: incapaz, pois, e em<br />

primeiro lugar, de refl etir-se […] de dupli-<br />

car-se sem tornar-se logo um outro […],<br />

‘um ser unilateral cujo complemento em<br />

espelho não existe’” 45 .<br />

Essa impossibilidade de estabelecer<br />

relações é justamente aquilo de que Ador-<br />

no trata quando lembra o exame fi nal de<br />

fi losofi a pelo qual deveriam passar todos<br />

os estudantes na área de humanidades da<br />

Universidade de Hessen. Um deles declara<br />

a Adorno interessar-se pela fi losofi a de Berg-<br />

son e Adorno pergunta-lhe então que laços<br />

ele poderia estabelecer entre o fi lósofo do<br />

élan vital e a pintura impressionista. Dado<br />

o espanto absoluto do estudante, Adorno<br />

desiste da questão e lhe pede então “que<br />

fale só de Bergson”. A perda do sentido e<br />

das relações fi nas que se estabelecem entre<br />

as coisas é processo de proletarização no<br />

conhecimento, é puro know-how, acom-<br />

panhando a mesma lógica do trabalho do<br />

proletário – o produtor, que, perdendo seu<br />

savoir-faire que passa à máquina, torna-se<br />

pura força de trabalho. Proletarização no co-<br />

45 Clément Rosset, Le Réel: Traité<br />

de l’Idiotie, Paris, Minuit, 2003,<br />

pp. 42-3.<br />

REVISTA <strong>USP</strong>, São Paulo, n.74, p. 62-79, junho/agosto 2007 75

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