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3027980-A NOVA SEPARAÇÃO DE PODERES, segundo Bruce ...

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1. Introdução<br />

A <strong>NOVA</strong> <strong>SEPARAÇÃO</strong> <strong>DE</strong> PO<strong>DE</strong>RES<br />

<strong>segundo</strong> <strong>Bruce</strong> Ackerman 1<br />

Carlos Alexandre de Azevedo Campos<br />

Segundo ACKERMAN, os EUA têm se tornado o maior exportador de Direito<br />

Público do mundo: contribuições como constituições escritas, federalismo, “judicial<br />

review”, declaração de direitos, separação de poderes, estão hoje presentes em quase<br />

todas as democracias do mundo.<br />

Mas isso não representa uma verdade total, haja vista a separação de poderes<br />

no estilo estadunidense não ter sido tão “copiada” assim como os demais “produtos de<br />

exportação”.<br />

No presente trabalho, o professor de Yale critica o modelo de separação de<br />

poderes no estilo estadunidense, julgando-o inadequado a servir como um “farol<br />

inspirador para democracias liberais ao redor do mundo”, embora não questione o<br />

quanto este modelo tem funcionado ou não no ambiente doméstico.<br />

O professor constrói sua crítica analisando o modelo de separação de poderes<br />

no estilo estadunidense sob as perspectivas das três bases lógicas da separação de<br />

poderes:<br />

(1) a democracia;<br />

(2) a competência profissional;<br />

(3) a proteção e ampliação dos direitos fundamentais.<br />

E conclui pela inadequação do modelo:<br />

(1) A democracia seria um dos “ideais” da separação de poderes, na medida<br />

em que esta última poderia servir a ou impedir projetos populistas de autogoverno. O<br />

professor leva em conta a atuação da separação de poderes no processo de criação das<br />

leis, no sentido de que ela promove a divisão deste processo democrático entre<br />

diferentes instâncias legiferantes, e acaba concluindo: (i) que o modelo de separação do<br />

poder legiferante entre câmara, senado e presidente, que corresponde ao modelo de<br />

separação de poderes no estilo estadunidense, não deve ser exportado para o mundo; (ii)<br />

1 ACKERMAN, <strong>Bruce</strong>. The New Separation of Powers. Harvard Law Review Vol. 113 (3), 2000, p.<br />

633-729.


e que, igualmente rejeitando o modelo parlamentarista do tipo “Westminster”, o<br />

modelo mais adequado de governo e para o desenvolvimento moderno da separação de<br />

poderes seria o do “Parlamentarismo Limitado”. O professor aponta que este modelo<br />

se faz presente tanto, depois do <strong>segundo</strong> pósguerra, nos países que compunham o Eixo<br />

da II Grande Guerra, como nas ex-colônias do Império Britânico, mas que ainda assim,<br />

isso não significa que estes países adotaram a melhor fórmula de se limitar a ação do<br />

Parlamento. O objetivo do trabalho, mais do que afirmar o Parlamentarismo Limitado<br />

como fórmula mais adequada de separação de poderes em relação ao estilo<br />

estadunidense, e também ao modelo puro de Westminster, é também o de apontar o que,<br />

para o autor, seria o “melhor modo de limitar o governo parlamentar”. Não se trata,<br />

portanto, de apenas atacar o modelo estadunidense de “competição” entre “câmara,<br />

senado e pr esidência”, mas também de apontar a alternativa do Parlamentarismo<br />

Limitado e de justificá-lo por meio do desenvolvimento do que seria a sua mais<br />

adequada forma de atuação.<br />

(2) Sob a perspectiva da competência profissional, o professor de Yale<br />

também aponta as desvantagens para o “aperfeiçoamento funcional” das instituições e<br />

órgãos democráticos promovidas pelo modelo estadunidense de separação de poderes,<br />

bem como as vantagens oferecidas pela perspectiva do Parlamentarismo Limitado. O<br />

professor afirma que o modelo de separação de poderes no estilo estadunidense foi bem<br />

sucedido na tarefa de promover um Judiciário independente e técnico, mas o mesmo não<br />

pode ser dito em relação à burocracia estatal. A competição entre câmara, senado e<br />

presidente tem provocado uma acentuada politização da burocracia estatal, do governo<br />

burocrático, com prejuízo para a eficiência e tecnicidade, transformando o Poder<br />

Executivo em inimigo do Estado de Direito. Para o professor, o modelo do<br />

Parlamentarismo Limitado ofereceria uma “interação contínua entre parlamentarismo e<br />

administração pública”, da qual resultaria “uma relação mais construtiva entre<br />

democracia e especialização funcional”. Mas, rejeitando uma vez mais a solução<br />

oferecida pelo modelo Westminster, o professor rejeita que os termos desta relação<br />

entre parlamentarismo e burocracia sejam deixados para uma constituição não-escrita, e<br />

propõe a “construção constitucional explícita de duas instâncias distintas, para assegurar<br />

que o governo burocrático resgate as suas pretensões fundamentais à integridade e<br />

excelência no regulamento do interesse público”. Estas instâncias são: a) a Instância da<br />

Integridade; e b) a Instância Regulatótia.


(3) No tocante à promoção e proteção dos direitos fundamentais, o<br />

professor não nega as conquistas, embora as reconheça como perigosas, decorrentes da<br />

interação dinâmica entre câmara, senado e presidente, porém, entende que esta conexão<br />

– separação de poderes no estilo estadunidense e direitos fundamentais – deve ser<br />

aperfeiçoada, devendo ser expandido o foco para além do Tribunal Constitucional,<br />

alcançando também instâncias não-judiciais voltadas para a efetiva proteção dos direitos<br />

fundamentais. Isto não significa negar a importância de uma Suprema Corte para a<br />

proteção dos direitos fundamentais, devendo ser reconhecido que se trata de um<br />

componente essencial para próprio modelo do Parlamentarismo Limitado, assim como o<br />

é para o modelo de separação de poderes no estilo estadunidense, na verdade, isso<br />

significa que o trabalho da Suprema Corte deve ser “suplementado por instituições não-<br />

judiciais separadas, voltadas para uma efetiva proteção dos direitos de participação<br />

democrática, por um lado, e pela realização de deveres fundamentais de justiça<br />

distributiva, por outro”.<br />

Com o desenvolvimento destes temas, o professor pretende construir um<br />

modelo de Parlamentarismo Limitado que vai muito além da “atual receita padrão de<br />

uma ‘casa e meia’, de uma declaração de direitos e de uma corte constitucional”. Para o<br />

professor, a fórmula Parlamentarismo Limitado requer, para alcançar os objetivos<br />

políticos complexos, uma variedade maior de formas de limitação do Parlamento.<br />

Com efeito, a separação de poderes, no constitucionalismo moderno, envolve<br />

relações não só entre presidentes, parlamentos e judiciários, mas também Cortes<br />

Constitucionais, agências administrativas e outras instâncias que fogem ao padrão<br />

tradicional de Madison e Montesquieu.<br />

O modelo tradicional de Parlamentarismo Limitado, que se ergueu com a<br />

reconstrução dos Estados do Eixo (Japão, Alemanha e Itália) no <strong>segundo</strong> pós-guerra, é<br />

marcado pela presença de um Parlamento que não é totalmente soberano, mas que<br />

encontra limites em uma “constituição escrita, uma declaração de direitos e uma<br />

Suprema Corte”. Ademais, o Parlamento Limitado não consiste em um Legislativo<br />

fortemente bicameral, mas sim em uma “solução de uma casa e meia”, que consiste em<br />

Câmara Alta, dotada de maiores poderes em relação a uma Câmara Baixa. O modelo foi<br />

construído, acima de tudo, como resultado de uma forte desconfiança e receio do


modelo presidencialista e de seus presidentes-ditadores, bem como da rejeição ao<br />

modelo de Parlamento soberano do tipo puro de Westminster.<br />

Nada obstante suas virtudes, não existem razões para afirmar o esgotamento<br />

dos modos de atuação do modelo de Parlamentarismo Limitado. Como lembra o<br />

professor ACKERMAN, “o constitucionalismo democrático liberal não é um conjunto<br />

unitário, mas uma moldura que agrega diferentes perspectivas coexistindo em uma<br />

profunda tensão”. Neste sentido, mantendo-se o vigor na concretização dos princípios<br />

fundamentais do constitucionalismo democrático – limitação do poder político,<br />

centralidade dos direitos fundamentais e democracia – a separação de poderes pode<br />

variar de forma e conteúdo ainda dentro do modelo do Parlamentarismo Limitado.<br />

Sempre orientado pelas idéias de que (1) a democracia é o modelo político<br />

adequado para assegurar as liberdades fundamentais, (2) que sem a adequada<br />

competência funcional, com a atuação eficiente e imparcial dos Tribunais e da<br />

burocracia, as leis democráticas permaneceriam no plano puramente simbólico, e (3)<br />

que sem proteção e promoção dos direitos fundamentais, o regramento democrático e a<br />

administração técnica podem tornar-se instrumentos da tirania, o professor construiu<br />

propostas para o modelo de Parlamentarismo Limitado que entende ser o mais<br />

adequado. Na seqüência, exporemos as premissas e conclusões do autor com mais<br />

detalhes.<br />

2. A perspectiva da Legitimidade Democrática<br />

A crítica ao modelo estadunidense de separação de poderes, sob a perspectiva<br />

da legitimidade democrática, elaborada pelo professor ACKERMAN, é pautada<br />

principalmente nas seguintes idéias:<br />

(1) desvantagens do Presidencialismo<br />

(1.1) com a separação do poder legiferante entre presidente e câmara,<br />

potencializa-se o risco de “colapso constitucional” e de “crise de governabilidade”, i.e.,<br />

não favorece à estabilidade política;<br />

(1.2) o período de autoridade plena é repleto de perigos para a democracia;<br />

(1.3) especialmente, perigo de entricheiramento dos programas legislativos, i.e.,<br />

o legalismo de longo prazo em detrimento da eficiência de médio prazo;<br />

(1.4) impede as virtudes do sistema proporcional de eleições para o Parlamento;


(1.5) potencializa a exaltação da figura, da personalidade, do líder (do presidente<br />

carismático), em detrimento dos princípios do partido: é a vitória da imagem sobre a<br />

substância.<br />

(2) O Parlamentarismo Limitado<br />

distintas:<br />

(2.1) O processo democrático seria dividido em “duas ruas legislativas”<br />

(2.1.1) A primeira destinada à formulação das decisões fundamentais,<br />

relativas à instituição de princípios básicos de legitimidade política;<br />

(2.1.2) A segunda destinada à prática da política ordinária, de tomada das<br />

decisões rotineiras de gestão do Estado;<br />

(2.2) A primeira “rua legislativa” deve ser utilizada diretamente pelo povo,<br />

que, por meio de referendos populares sequenciais, devem tomar as decisões<br />

fundamentais acerca dos princípios básicos de legitimidade política;<br />

(2.3) A segunda “rua legislativa” deve ser utilizada por uma Assembléia do<br />

tipo Westminster (mas sem sua soberania absoluta), que deverá tomar as decisões<br />

ordinárias;<br />

(2.4) As decisões ordinárias tomadas pelo Parlamento devem ser controladas<br />

por uma Corte Constitucional forte e independente, como forma de assegurar a<br />

concretização das decisões tomadas pelo povo (defesa da soberania popular).<br />

(3) a solução de uma casa e meia<br />

(3.1) o federalismo não impõe a separação do poder legiferante e muito menos<br />

um sistema bicameral forte, em que os poderes das Casas distintas se equiparam;<br />

(3.2) muito pelo contrário, para ACKERMAN, o federalismo é compatível<br />

com um Parlamentarismo Limitado construído sobre as bases da chamada “solução de<br />

uma casa e meia”, onde os poderes da Casa de representação popular (Casa Baixa) são<br />

superiores aos da Casa de representação dos membros da Federação (Casa Alta);<br />

(3.3) Na verdade, é mais fácil construir um sistema bicameral forte, com<br />

poderes simétricos, em um sistema não-federativo do que no federativo.<br />

(3.4) A criação de um Senado forte, com poderes simétricos distribuídos entre<br />

as duas Casas (Alta e Baixa) tem como contrapartida a presença de uma presidência<br />

forte e independente, o que, de resto, representa um contravalor federalista<br />

(encruzilhada federalista) – solução: uma Câmara Baixa complementada por um Senado<br />

fraco, em que os valores federativos são inseridos na ordem jurídica por meio dos


eferendos populares aprovados por uma supermaioria qualificada tanto dos Estados<br />

quanto do povo em geral;<br />

(3.5) Como meio de se evitar a “nacionalização das políticas locais”, o Senado<br />

deve ser composto por membros eleitos diretamente pelas populações locais, que<br />

poderão responsabilizar seus representantes e governos locais em eleições periódicas<br />

sem vincular estas eleições a questões de política nacional;<br />

A. Oposição ao Presidencialismo<br />

O professor ACKERMAN pretende criticar o presidencialismo, sob a<br />

perspectiva da legitimidade democrática, refletindo sobre as possíveis respostas à<br />

seguinte pergunta:<br />

“Quantas eleições um movimento político deve ganhar até obter a autoridade<br />

legislativa?”<br />

A.1. A resposta <strong>segundo</strong> Westminster<br />

O sistema democrático de Westminster, construído sobre uma “teoria pura de<br />

poderes não-separados”, responde: APENAS UMA!<br />

No sistema de Westminster, o eleitor que deseja votar na manutenção do<br />

Primeiro-Ministro, deverá votar, nas eleições para o Parlamento, no partido ao qual ele é<br />

filiado e, consequentemente, nos membros de seu partido, não podendo votar em<br />

membros de outros partidos (votação em cédula única); deste modo, a aprovação<br />

popular do Primeiro-Ministro e de seu governo reflete diretamente na escolha<br />

democrática dos membros do Parlamento, de modo que o destino de cada um destes<br />

membros ficaria atado ao da liderança do Partido de uma maneira sem precedentes em<br />

outros países. Dessa forma, o modelo de Westminster propicia a estabilidade do apoio<br />

parlamentar ao “governo do dia”; a impopularidade da liderança provocaria retaliações<br />

eleitorais contra os membros do partido, o que não seria bom para ninguém. Ademais,<br />

considerando que o Primeiro-Ministro pode determinar o tempo da eleição seguinte,<br />

temos então que neste sistema a maioria não apenas efetivamente governa, mas também<br />

pode pôr em prática seus projetos antes de serem testados por novas eleições.<br />

A.2. A resposta a partir da separação de poderes<br />

Em sentido diametralmente oposto, a teoria da separação de poderes afirma<br />

que um movimento político vitorioso, em um sistema de poderes legiferantes


concorrentes, precisará ganhar mais de uma eleição, às vezes várias, para poder obter a<br />

autoridade legislativa plena.<br />

Daí que se mostra como um traço marcante do sistema político baseado na<br />

separação de poderes, a circunstância de que “os poderes legiferantes diferentes, muitas<br />

vezes, funcionam em um tempo eleitoral surpreendente”: ainda que determinado partido<br />

obtenha uma vitória eleitoral ampla, deverá ganhar várias vezes para obter a autoridade<br />

legislativa plena.<br />

Considerando este modelo de poderes legiferantes separados e diferentes –<br />

v.g., entre câmara e presidente – alguns fenômenos inerentes ocorrem e que merecem<br />

ser destacados:<br />

a) Impasse<br />

O primeiro destes fenômenos seria o do impasse, provocado pela circunstância<br />

da câmara e da presidência pertencerem a partidos diferentes e rivais, ou pertencerem a<br />

facções rivais de um mesmo partido (ah, PMDB!). Nestes casos, como governar?<br />

O professor de Yale aponta três cenários possíveis:<br />

(I) “A Esperança Madisoniana” – o primeiro cenário é denominado de “A<br />

Esperança Madisoniana”, em que prevalece a acomodação do Parlamento em relação à<br />

Presidência, quando são realizados acordos e barganhas que resultam em decisões que<br />

até podem favorecer aos cidadãos de maneira mais atrativa do que as decisões<br />

construídas sob o modo “o vencedor leva tudo” (the winner takes it all) do tipo<br />

Westminster, ainda que seja muito débil a “oposição acomodada”. Isto significa que um<br />

governo dividido não impede necessariamente a estabilidade e a produção de uma<br />

legislação importante, mas trata-se de um cenário rarefeito.<br />

(II) O “Colapso Constitucional” ou “Pesadelo de Linzian” – o <strong>segundo</strong> cenário<br />

é denominado de “Pesadelo de Linzian” ou de “Colapso Constitucional”, em que, como<br />

forma de destruir o poder concorrente, um dos poderes passa a agir como “único<br />

legislador”, mesmo que não contando com a força legitimadora de plebicítos. Este<br />

“pesadelo” se fez muito presente na América Latina quando dos golpes militares, com<br />

fechamentos de Congressos e instalação de ditaduras militares ou apoiadas<br />

(asseguradas) por militares. Com certeza, estas conseqüências danosas à democracia são<br />

muito mais vinculadas ao sistema presidencialista do que à separação de poderes, o que


demonstra ainda mais o equívoco da exportação do modelo estadunidense de separação<br />

de poderes.<br />

(III) As “Crises de Governabilidade” – o último cenário é o das “Crises de<br />

Governabilidade”, em que, ao invés de algum poder “declarar guerra” e instaurar o<br />

colapso constitucional, os poderes “cedem á calúnia infinita, recriminações mútuas e<br />

impasses partidários”, ou ainda pior, “podem usar os instrumentos constitucionais à sua<br />

disposição para tornar miserável a vida de um ou de outro poder: a câmara atormentará<br />

o executivo, e o presidente realizará ações unilateriais sempre que assim puder safar-<br />

se”. A proliferação de medidas provisórias, trancamento de pautas e CPIs são exemplos<br />

de medidas constitucionais abusivas; com efeito, as consequências são desastrosas e se<br />

fazem sentir no Brasil: os “impasses legislativos” são contornados pelo Presidente por<br />

meio de atos normativos unilaterais (medidas provisórias) que, muitas vezes, e embora<br />

de eficácia imediata mas sujeita à aprovação legislativa posterior, extrapolam a<br />

competência constitucional do Presidente, especialmente no que tange à restrição de<br />

matérias urgentes e relevantes; e a Câmara, ao invés de protestar, acaba, ao final, se<br />

sentindo aliviada por não correr riscos de impopularidade de tomar decisões importantes<br />

(no Brasil, o Legislativo faz muito isso com o STF). Esta sistemática torna-se um<br />

precedente perigoso a ser seguido pelos governos subsequentes, aumentando ainda mais<br />

o poder do presidente, e cada vez mais tornando o Parlamento em um “fórum para<br />

postura demagógica” (na atualidade, o “fórum de princípios” é o STF, o que denota a<br />

mudança na titularidade do poder de tomar as decisões mais fundamentais da nação, o<br />

que, de resto, representa uma debilidade de nosso sistema democrático, em razão menos<br />

do ativismo judicial do STF e mais do comportamento omissivo e descomprometido do<br />

Legislativo), de forma que os interesses e ideologias dos partidos políticos acabam não<br />

influindo nas decisões políticas mais importantes, que são tomadas unilateralmente pelo<br />

Presidente ou que contam com o apoio ideologicamente descompromissado dos partidos<br />

oponentes.<br />

Estes cenários demonstram que o sistema presidencialista, com rígida<br />

separação do poder legiferante entre presidência e câmara, não favorece à estabilidade<br />

político-legislativa; embora o regime democrático de Westminster não seja<br />

absolutamente capaz de impedir governos ditatoriais ou crises de governabilidade,<br />

certamente se mostra muito mais hábil para evitar estes eventos destrutivos da<br />

democracia.


Na verdade, em países onde as condições para a democracia não são<br />

significativamente favoráveis, como é o caso do Brasil com toda a amplitude de seus<br />

problemas decorrentes da profunda exclusão social reinante, um sistema parlamentar,<br />

ainda que não necessariamente do modelo Westminster, possivelmente contribuirá mais<br />

que o presidencialismo para a estabilidade das instituições democráticas (ROBERT<br />

DAHL).<br />

b) Autoridade Plena<br />

O <strong>segundo</strong> fenômeno possível, alternativo ao Impasse, é aquele que decorre<br />

possivelmente de vitórias eleitorais sucessivas de um movimento político: a obtenção da<br />

plenitude do poder legiferante, o “modo de autoridade plena”.<br />

Por certo que é saudável para a democracia a estabilidade do poder legiferante,<br />

porém, esta estabilidade não se requer a ponto de significar que não seja um perigo para<br />

a democracia o “modo de autoridade plena”. Em ocorrendo este fenômeno, as<br />

constituições democráticas, com seus sistemas de governo adotados, devem se mostrar<br />

hábeis para impedir os efeitos negativos do fenômeno e seus perigos à democracia.<br />

As constituições, inclusive as que elegem o sistema presidencialista ou mesmo<br />

o semi-presidencialista (como é o caso da França), podem ser classificadas <strong>segundo</strong> o<br />

critério do “grau de dificuldade que impõem à obtenção da autoridade plena” pelos<br />

movimentos políticos; as constituições francesa e americana são exemplos de processos<br />

democráticos eleitorais que podem ser diferentemente classificadas <strong>segundo</strong> este<br />

critério:<br />

(1) o modelo francês – na França, o presidente é leito pelo voto popular para<br />

um mandato de sete anos, mas não é absolutamente livre para escolher o seu Primeiro-<br />

Ministro, pois deve escolher um que tenha apoio da maioria do Parlamento (na França,<br />

temos um sistema batizado de semipresidencialista, onde o Primeiro-Ministro é o Chefe<br />

do Governo, tratando da política interna, ao passo que o Presidente é o Chefe de Estado,<br />

que além de tratar da política externa, possui poderes muito mais amplos em<br />

comparação aos Chefes de Estado no modelo parlamentarista). Por sua vez, o mandato<br />

na Assembléia francesa dura cinco anos, de modo que se o partido do Presidente se sair<br />

vitorioso nas eleições para a Assembléia, ou se vencer um partido de sua base de apoio,<br />

ele agirá com autoridade plena durante período de tempo considerável; caso contrário,<br />

teremos o fenômeno da “coabitação”, o que poderá provocar uma acomodação política,<br />

uma crise de governabilidade ou até mesmo uma “paralisia administrativa”, tudo


dependendo do comportamento das facções rivais. Trata-se de um acentuado potencial<br />

de crise de governabilidade, com a qual a constituição francesa parece não ter se<br />

preocupado, haja vista na ter criado mecanismos hábeis para minimizar seus efeitos.<br />

(2) o modelo norteamericano – as eleições nos EUA ocorrem em dois, quatro<br />

e seis anos, respectivamente para deputado, presidente e senador, o que proporciona<br />

uma possibilidade de alternância nos poderes capaz de dificultar muito mais, em<br />

comparação ao modelo francês, a um movimento político alcançar a autoridade plena,<br />

sendo necessário que este movimento político vença um número elevado de eleições<br />

para tanto.<br />

Considerando estas circunstâncias, o modelo francês pode ser classificado<br />

como “fraco” <strong>segundo</strong> o critério proposto, ao passo que o modelo estadunidense pode<br />

ser considerado um modelo “forte”.<br />

A vitalicidade do mandato de um Justice da Suprema Corte norteamericana,<br />

comparada ao curto prazo do mandato dos membros do Conselho Constitucional<br />

francês, revela-se como mais um fator favorável à classificação do modelo<br />

nortemaricano como sendo um modelo “forte” <strong>segundo</strong> o critério apontado.<br />

Mas, é claro, não forte o suficiente. A verdade é que, embora o sistema<br />

norteamericano torne mais oneroso para um movimento político obter a autoridade<br />

plena, ele não se mostra capaz de evitá-lo ou até mesmo controlá-lo sob certas<br />

circunstâncias. Daí deve-se responder à seguinte questão:<br />

“Existe alguma razão para supor que um governo separado com autoridade<br />

plena exercerá os seus poderes de forma diferente se o mesmo governo<br />

estivesse operando sob um sistema de Westminster?”<br />

Para ACKERMAN, a resposta é negativa.<br />

Com efeito, sob o aspecto comportamental, existe uma semelhança substancial<br />

entre um governo que opera sob o sistema de separação de poderes legiferantes, mas<br />

dotado de autoridade plena, e um governo do estilo Westminster, em que, além de não<br />

haver uma nítida separação entre Executivo e Legislativo, como é próprio de todos os<br />

modelos parlamentaristas, o Parlamento é dotado de uma soberania quase absoluta.<br />

Todavia, isso não significa uma identidade total. Existe uma diferença<br />

importante em razão de um poder especial do sistema de separação de poderes quando<br />

opera sob o regime de autoridade plena: “o poder [de um movimento político] de<br />

entricheirar as suas decisões na estrutura jurídica por longo período de tempo”. E<br />

isto não é algo positivo.


Se a obtenção da autoridade plena não é algo de todo inevitável, o risco para a<br />

democracia reside, na verdade em sua perpetuação, e não em sua ocorrência eventual; e<br />

o entricheiramento de decisões é uma forma de perpetuar a autoridade plena, no<br />

sentido de manter a vinculação prospectiva, por meio de manobras político-legislativas,<br />

às decisões que foram tomadas durante este período. A manutenção de uma determinada<br />

decisão legislativa passada é desejável enquanto se mostre adequada, e não em razão<br />

exclusivamente de manobras de entricheiramento.<br />

O sistema de Westminster não possui este poder porque basta uma eleição<br />

para que o poder legiferante mude de mãos, daí que o estímulo da política<br />

westminsteriana não é para projetos de longo prazo, mas sim de projetos de eficácia de<br />

médio prazo, de modo que a aprovação e implantação desses programas impressionem<br />

os eleitores em tempo para a eleição seguinte. E este último ponto é algo bem positivo<br />

em termos de eficiência de políticas públicas e ações administrativas.<br />

Já o sistema de poderes legiferantes separados atua de forma diferente. Não<br />

estando a chefia do governo atrelada ao Parlamento, a perda da Câmara não significa<br />

que determinado movimento político, antes dotado de autoridade plena, perderá também<br />

a Presidência e a possibilidade imediata de manutenção de suas iniciativas e programas<br />

de governo; ademais, a mudança de poder na Câmara sequer significa que os novos<br />

titulares das cadeiras parlamentares não continuarão a defender as leis anteriormente<br />

aprovadas, pelo menos até que sejam revogadas. Deve-se ainda acrescentar que estas<br />

leis, aprovadas sob o império do “modo de autoridade plena”, podem ter observado<br />

processos legislativos que exigem para a modificação ou revogação destas leis – e isto<br />

não deixa de ser um método muito usual de entricheiramento – um consenso legislativo<br />

muito mais amplo que o ordinário, como são os casos de nossa lei complementar e de<br />

emenda constitucional. Segundo o professor ACKERMAN, estas circunstâncias podem<br />

“levar, na prática, a um entricheiramento dessas iniciativas por muito tempo após<br />

empreendimentos semelhantes de um governo de Westminster terem saído de cena”.<br />

Como dito, esta diferença, decorrente do poder de entricheiramento próprio do<br />

regime de separação de poderes, resulta em uma distinção na própria forma de<br />

funcionamento do governo nos períodos de autoridade plena sob os regimes de poderes<br />

separados e não-separados:<br />

(1º) Em primeiro lugar, haverá uma “corrida contra o relógio constitucional”.<br />

Como o governo pode perder a “autoridade plena” em determinado período de tempo,<br />

ele busca, dentro deste prazo, obter o máximo de vantagens. Esta maximização pode ser


considerada ainda mais intensa se levarmos em conta a proliferação de leis (incubadas)<br />

que normalmente ocorre depois de períodos de impasse em que um determinado<br />

movimento político, ora no poder, acabou sendo restringido em converter suas idéias e<br />

ideologias em leis – quando a maioria sufoca a minoria. Por sua vez, enquanto no<br />

sistema Westminster os programas são planejados para terem uma eficácia mediana,<br />

haja vista ser sabido que basta uma eleição para a queda da autoridade plena, no sistema<br />

de poderes separados, com a possibilidade da política de entricheiramento, o programa<br />

é construído para resistir a futuras adversidades eleitorais, até mesmo porque, sendo<br />

mais instável a concentração do poder legislativo, os programas podem não surtir os<br />

efeitos desejáveis em curto e médio prazo, ou seja, antes do próximo círculo eleitoral.<br />

Com certeza, o estímulo para atuar em médio prazo faz do sistema Westminster mais<br />

atraente em termos de eficiência governamental.<br />

(2º) Em <strong>segundo</strong> lugar, prevendo a possibilidade de futuros impasses, o<br />

governo sob o sistema de poderes separados procura criar mecanismos, em especial,<br />

intensificando os poderes de uma determinada instância, de modo que possa “proteger<br />

políticas entricheiradas contra futuros esforços hostis para destruí-las”, e isto pode<br />

custar caro para a eficácia de médio prazo.<br />

(3º) Em terceiro lugar, pode haver um viés em direção ao legalismo, no<br />

sentido de se ter o Estado de Direito, que requer o cumprimento das leis, como aliado.<br />

Até que sejam revogadas, as leis promulgadas durante o período de autoridade plena,<br />

independente da opinião que se tenha sobre elas, deverão ser respeitadas. Uma forma de<br />

minimizar esta tendência ao uso do legalismo como modo de entricheiramento, que<br />

normalmente se instala durante os períodos de impasse, seria o da “judicialização da<br />

política”, ou seja, o uso dos Tribunais que poderiam controlar a legitimidade destas leis,<br />

evitando assim o entricheiramento por meio do legalismo. Mesmo com esta<br />

possibilidade, ter o Estado de Direito, e o corolário princípio da legalidade, como<br />

aliados é uma grande vantagem. Aliás, não só o Estado de Direito, mas a própria<br />

atuação complementar dos Tribunais, notadamente das Cortes Superiores<br />

(Constitucionais), podem servir a movimentos políticos, em governos sob a separação<br />

de poderes, em sua estratégia de entricheiramento de duas formas distintas: a) criam-se<br />

leis que contenham muitos princípios jurídicos abstratos e indeterminados que<br />

convidem à Corte, que logicamente, para tanto, deve concordar com as iniciativas do<br />

movimento político entricheirador, a desenvolver normativamente as iniciativas do<br />

governo ainda que na ausência de suporte da Câmara; ou, ao contrário, b) criam-se leis


que contenham regras muito específicas, precisas e determinadas, que permitem a Corte,<br />

que também neste caso, para tanto, deve concordar com as iniciativas do movimento<br />

político entricheirador, executar seus preceitos e determinar a consecução dos<br />

programas políticos neles contidos, ainda que não seja essa a vontade do presidente<br />

atual. Portanto, trata-se da estratégia de determinado movimento político, que perdeu a<br />

autoridade plena no sistema de separação de poderes legiferantes, seja pela perda da<br />

Câmara ou da Presidência, entricheirar seus programas, inclusive com o auxílio dos<br />

Tribunais, por meio da manipulação das fórmulas legislativas no tocante à densidade<br />

normativa de seus enunciados. Diferentemente, no modelo Westminster, como forma de<br />

alcançar resultados de médio prazo, criam-se leis que ostentam uma densidade<br />

normativa mediana, mais vinculada à realidade operacional: são leis que contêm normas<br />

menos abstratas que os princípios jurídicos de conteúdo semântico muito vago e<br />

indeterminado, e mais abstratas que as regras particularizadas. Como no sistema de<br />

Westminster basta uma eleição para a perda ou obtenção da autoridade plena, será<br />

inevitável a revogação ou modificação das leis promulgadas durante este período, daí<br />

porque a preocupação do movimento político no governo deve ser o de criar leis de<br />

eficácia operacional que permita que as iniciativas funcionem muito bem no médio<br />

prazo, que de resto vem a ser a melhor forma de, ao final, fazer funcionar estas<br />

iniciativas também no longo prazo, haja vista os governos subsequentes acabarem<br />

vinculados a manterem-nas em razão de sua comprovada eficiência.<br />

Decididamente, ainda que não seja muito evidente a diferença de atuação dos<br />

governos sob a autoridade plena nos modelos separado e não-separado, a diferença que<br />

existe e se nota demonstra a maior legitimidade democrática do sistema parlamentarista,<br />

mesmo que no estilo Westminster.<br />

Por sua vez, a legitimidade democrática se faz ainda mais presente se<br />

examinarmos os modelos de parlamentarismo “além de Westminster”, em especial o<br />

modelo de Parlamentarismo Limitado.<br />

A.3. A resposta <strong>segundo</strong> o Parlamentarismo além de Westminster<br />

Nem todo o sistema parlamentarista possui o mesmo poder de resistência do<br />

Gabinete que ostenta o modelo Westminster, pois, como de início apontado, em<br />

nenhum outro sistema os membros de determinado partido encontram-se com seus<br />

destinos tão atados ao do Gabinete composto pela liderança de seu partido ou de partido<br />

ao qual apóia. Esta vinculação cria uma estabilidade diferenciada, que faz com que


sejam analisadas em separado as particularidades dos sistemas parlamentaristas para<br />

além de Westminster.<br />

A fraqueza de certos sistemas parlamentaristas, como o italiano, em que há<br />

uma frequente mudança de Gabinete, faz-nos cogitar de que o sistema estadunidense<br />

seria melhor. Porém, deve-se observar que a razão da fraqueza deste sistema não<br />

decorre da separação de poderes, mas sim em razão da forma pela qual são constituídas<br />

as Assembléias destes países, ou seja, em razão do uso do sistema de representação<br />

proporcional.<br />

O sistema de representação proporcional, presente tanto no<br />

Parlamentarismo como no Presidencialismo, provoca que o Parlamento seja composto<br />

por uma grande variedade de pequenos partidos, o que dificulta os arranjos políticos, de<br />

modo que as necessárias manobras de coalizão possam resultar, no Parlamentarismo,<br />

em uma frequente dança das cadeiras nos Gabinetes.<br />

Existem aspectos positivos no sistema de representação proporcional: além de<br />

permitir a participação de partidos menores no funcionamento parlamentar, o que<br />

equivale a garantir significância política também às minorias, o sistema proporcional<br />

estimula que estes vários pequenos partidos permaneçam por longo tempo coabitando o<br />

Parlamento, o que cria uma perspectiva de longo prazo na política. Na verdade, a<br />

representação proporcional deve ser vista como algo bom, virtuoso, tendente a<br />

fortalecer a democracia ao permitir que “variados pontos de vista” componham as<br />

deliberações parlamentares, e não apenas dois ou no máximo três pontos de vista; mas<br />

será virtuoso desde que se possa criar mecanismos que controlem os efeitos danosos que<br />

a “balcanização do poder congressional” possa surtir sobre o funcionamento da política.<br />

Então, como minimizar o problema da instabilidade causada por este sistema<br />

de representação política?<br />

O professor ACKERMAN aponta duas ações comumente utilizadas para<br />

minimizar estes efeitos:<br />

(1ª medida) A primeira medida seria introduzir, dentro da estrutura de<br />

representação proporcional, regras que restringissem a entrada no Parlamento de<br />

partidos muito pequenos, i.e., que não obtivessem um determinado quociente de votos<br />

nas eleições, de modo então que se passasse a exigir, por meio de uma espécie de<br />

“cláusula de desempenho”, a condição do partido possuir, para funcionar no Parlamento<br />

ou ter seus membros eleitos, de um substancial apoio popular; com esta medida,<br />

assegura-se mais estabilidade às coalizões. Deve-se observar que estas restrições não


podem conduzir ao aniquilamento dos partidos menores, retirando-lhes todas as chances<br />

de um dia alcançar a possibilidade de atuar no Parlamento, sob pena de se violar o<br />

princípio da igualdade de chances dos partidos políticos, o que de resto, representa uma<br />

afronta à própria democracia. Estas medidas restritivas devem ser proporcionais, sendo<br />

assegura sempre a possibilidade dos partidos contornarem estas restrições. (No Brasil,<br />

cf. ADI 1.351, o chamado julgamento da “cláusula de barreira”).<br />

(2ª medida) Outra medida seria a instituição apenas do “voto construtivo de<br />

não confiança”, ou seja, ao invés de simplesmente retirar o “voto de confiança” e<br />

desestabilizar o Gabinete, os pequenos partidos deveriam se unir, o que vale para a<br />

oposição como um todo, e “constituir” um novo Gabinete que fosse capaz de substituir<br />

o anterior antes mesmo que este fosse destituído, o que, não resta dúvida, é muito<br />

difícil, haja vista a problemática que envolve a união e o consenso entre estes pequenos<br />

partidos, e a oposição como um todo, voltados para a escolha de um Gabinete sucessor;<br />

se fosse possível estabelecer tal medida, restariam inibidas as iniciativas de “votos de<br />

não confiança” apenas em razão destes partidos não estarem “gostando” do que o<br />

Gabinete está fazendo.<br />

A mistura destas duas técnicas tem surtido alguns bons resultados, como o é o<br />

caso da Alemanha, demonstrando que a “engenharia constitucional” pode criar<br />

Gabinetes estáveis mesmo em regimes que adotam o sistema de representação<br />

proporcional.<br />

Estas medidas podem realmente resolver os problemas surgidos em razão da<br />

adoção do sistema proporcional de representação na relação entre Gabinete e<br />

Parlamento no sistema parlamentarista, mas não se pode garantir que também servem<br />

para resolver os problemas causados pelos reflexos deste método de eleição sobre o<br />

regime de separação de poderes legiferantes, especialmente pelo fato de os eleitores<br />

poderem votar separadamente para a Câmara e para a Presidência, permitindo que<br />

partidos diversos, muitas vezes antagônicos, dominem cada uma das instâncias de<br />

poder. Com certeza, a possibilidade dos poderes legiferantes serem dominados, cada<br />

um, por movimentos políticos diversos, é uma decorrência natural do sistema de<br />

separação dos poderes legiferantes, independente da adoção ou não do método<br />

proporcional de representação; porém, os períodos de impasse e de crise de<br />

governabilidade são consideravelmente potencializados se o Parlamento é composto por<br />

representantes eleitos <strong>segundo</strong> o método da proporcionalidade, haja vista a presença<br />

multipartidária, sendo muitos destes partidos pequenos e de baixa representatividade


(No Brasil, dezenove partidos possuem representação na Câmara baixa, alguns com 5,<br />

outros com três, e dois partidos com até um deputado federal).<br />

Pensamos que o sistema eleitoral proporcional, se pode ter seus efeitos<br />

negativos minimizados no sistema parlamentarista, ao contrário, não combina muito<br />

bem com o sistema de separação de poderes entre Presidente e Câmara.<br />

Pois bem, pensemos agora no modelo de separação do poder legiferante entre<br />

um Presidente e uma Câmara. Imagine-se a situação de colapso constitucional,<br />

decorrente da problemática relação de um presidente carismático eleito pelo voto<br />

popular e um Parlamento composto por representantes eleitos também pelo povo e cuja<br />

maioria não apóia o presidente citado; acresça-se que este Parlamento é ainda<br />

acentuadamente fragmentado, habitado por diversos partidos pequenos, graças ao uso<br />

do sistema proporcional de representação, o que dificulta em muito a construção de um<br />

novo consenso parlamentar, que reverteria esta situação de falta de apoio ao presidente.<br />

Portanto, o sistema proporcional agravaria o ambiente negativo entre os poderes, seja<br />

porque efetivamente potencializa os períodos de impasse e de crise de governabilidade,<br />

seja porque dificulta a reversão deste quadro. Ademais, como a falta de coalização de<br />

maioria, possibilidade inerente a todo Parlamento excessivamente fragmentado, é um<br />

fator dificultador de sua estabilidade política, isso proporcionaria o seu enfraquecimento<br />

perante o Executivo, tornando-se incapaz de limitar eficazmente as ações do Executivo.<br />

Todo este cenário de crise de governabilidade e de enfraquecimento do Parlamento<br />

perante a Presidência torna provável a ocorrência do que o professor ACKERMAN<br />

denominou de “colapso constitucional”, com o presidente, normalmente apoiado pelas<br />

forças militares, fechando o Congresso e se autodeclarando “legislador absoluto”, o que<br />

em definitivo representa o fim da democracia. Exemplos na América latina não faltam.<br />

Este cenário serve para demonstrar o quanto pode ser explosiva a mistura de um sistema<br />

de governo com separação de poderes entre uma Câmara, um Senado e uma<br />

Presidência, e o uso do método proporcional de eleição dos membros da Câmara,<br />

exatamente como ocorre no Brasil.<br />

É certo que, por outro lado, a adoção do sistema eleitoral simples, no âmbito<br />

de um governo sob a separação do poder legiferante entre Presidente e Câmara, se<br />

mostraria muito mais hábil e virtuoso para evitar o fenômeno do colapso constitucional,<br />

haja vista a insignificância de “terceiros partidos” em decorrência do método the winner<br />

takes it all, o que ajudaria a manter a coerência política e a participação construtiva do


Parlamento junto ao presidente, o que faz com que este último se sinta inibido de tomar<br />

medidas extravagantemente autoritárias diante de um Parlamento mais estável e coeso.<br />

Como demonstrado anteriormente, a situação é muito diferente no sistema<br />

parlamentarista, principalmente se adotado o sistema eleitoral simples. Mas, mesmo<br />

adotando-se o sistema proporcional, no Parlamentarismo os partidos de oposição teriam<br />

estímulos fortes para buscar a coalizão necessária para manter a governabilidade, ou até<br />

mesmo, por meio do voto construtivo de não-confiança, assumir o Gabinete por período<br />

substancial. Tomemos como exemplo o sistema eleitoral britânico. Nele o vencedor leva<br />

tudo (the winner takes it all), ou seja, tem-se um sistema eleitoral de maioria simples<br />

(sistema majoritário), e não proporcional. Neste sistema, há uma tendência esmagadora<br />

de reduzir “terceiros partidos” à insignificância política, haja vista a inexistência de<br />

proporcionalidade do sistema eleitoral. Como consequência, no Parlamento torna-se<br />

facilitado o consenso e a coerência políticas, havendo, com certeza, maior estabilidade<br />

do Gabinete. Mas isso ainda não significa que o modelo de Westminster seja o exemplo<br />

a ser copiado. A Alemanha é um bom exemplo que combina bem o sistema<br />

parlamentarista, sem que se possa cogitar de um Parlamento dotado de soberania<br />

absoluta, e o regime proporcional de eleição dos representantes da Câmara baixa. O uso<br />

de mecanismos que restringem os efeitos negativos do sistema proporcional, somado à<br />

vinculação do Gabinete ao Parlamento, conferem a devida estabilidade política ao<br />

modelo de Parlamentarismo Limitado adotado naquele país. A Alemanha é um bom<br />

exemplo de que a estabilidade política e legislativa não precisa pagar o preço caro de<br />

um Parlamento absoluto ao estilo Westminster.<br />

Todas estas variações servem certamente para demonstrar que “a forma mais<br />

tóxica” da separação de poderes está na combinação constitucional de (i) um presidente<br />

popularmente eleito em conjunto com (ii) um Congresso eleito por um sistema<br />

parlamentarista a partir do método proporcional de representação; as típicas patologias<br />

da política latino-americana, com todo o seu histórico de instabilidade e golpes de<br />

estado dados por ditaduras militares, servem de exemplo para provar o quanto é<br />

perigoso para a democracia a combinação do sistema proporcional de eleição com o<br />

sistema presidencialista e sua inerente separação de poderes legiferantes.<br />

As conclusões acima demonstram que, se um sistema eleitoral do tipo<br />

proporcional parlamentarista for desejado, certamente não o será em combinação com o<br />

sistema presidencialista, porque o custo potencial deste sistema eleitoral é muito maior<br />

no sistema presidencialista do que no parlamentarista.


Daí o professor BRUCE ACKERMAN concluir que a legitimidade<br />

democrática superior do Parlamentarismo, tal como amplamente demonstrado acima, é<br />

uma forte razão para se rejeitar o modelo de separação de poderes de estilo<br />

estadunidense, i.e., separação de poderes legiferantes entre câmara, senado e presidente.<br />

A.4. O fator do “culto da personalidade”<br />

Outro grande fator negativo do Presidencialismo é o “culto da personalidade”<br />

de um presidente carismático eleito pelo voto popular, uma das fortes razões dos<br />

colapsos constitucionais.<br />

Ainda que se considere períodos de governabilidade, é algo que se mostra<br />

indesejável a predisposição do sistema à personalidade do presidente eleito.<br />

No sistema parlamentar, as individualidades do Primeiro-Ministro estão muito<br />

mais sob controle se comparado ao que ocorre no Presidencialismo com a imagem do<br />

presidente. Quando o lado negativo da personalidade do Primeiro-Ministro se evidencia,<br />

o sistema parlamentarista se mostra implacável, haja vista as maiorias, cuja<br />

continuidade no Parlamento depende da popularidade do Primeiro-Ministro, não<br />

hesitarem em retirar o voto de confiança e determinar a substituição do Gabinete,<br />

principalmente se o apoio da maioria foi obtida por meio de uma coalizão.<br />

Situação bem diferente, e na verdade mais dramática, tem-se no sistema<br />

presidencialista. Neste, o presidente é eleito pelo voto popular para exercer um mandato<br />

de prazo fixo, sendo seu impedimento legal (impeachment) ou remoção algo bem<br />

dificultado pelos textos constitucionais.<br />

Com efeito, muitos escândalos que envolveram Chefes de Governo e/ou<br />

Estado no regime presidencialista, e que os deixaram intactos no posto (Lula e os 40<br />

ladrões, Clintom e sua estagiária Mônika), teriam derrubado rapidamente estes mesmos<br />

políticos no sistema parlamentarista.<br />

Mas o culto da personalidade deixa aparecer todos os seus efeitos indesejáveis<br />

no modelo presidencialista não apenas em momentos patológicos, mas também em<br />

momentos de normalidade (ainda mais de temos no presidente uma “figura cômica”).<br />

O culto da personalidade faz com que a figura do presidente se destaque em<br />

relação aos demais líderes, e passa a “entender seu mandato em termos personalistas”,<br />

sendo o partido relegado a mero “veículo da projeção da sua própria personalidade e<br />

ideais”. É a própria personalização do poder. A relação do presidente com o seu<br />

Gabinete (e seus Ministérios) é outra demonstração do caráter personalista do mandato,


pois nenhum outro membro do Gabinete ou dos Ministérios possui a mesma<br />

legitimidade democrática do presidente eleito pelo povo.<br />

A figura do presidente também é exaltada para efeito de persuadir os<br />

parlamentares para realizar coalizões com o objetivo de aprovar as leis de iniciativa<br />

presidencial. E isso pode significar que a figura do Presidente supere a do próprio<br />

partido (Lula x PT).<br />

No Parlamentarismo, a situação é totalmente diversa. O Primeiro-Ministro é<br />

totalmente dependente do apoio de seu partido, não sendo prudente que ele procure<br />

aprovar programas contrários à vontade do partido.<br />

A diferença é relevante. O presidente tende a enxergar seu partido em termos<br />

puramente instrumentais, ao passo que o Primeiro-Ministro “é obrigado a tratar o seu<br />

partido como uma organização durável de ativistas políticos, dedicados a um jogo<br />

distinto de princípios”, o que pode ser designado de um “partido de princípios”.<br />

No tocante à relação do Primeiro-Ministro com os demais membros do<br />

Gabinete, não acontece a situação de preeminência do líder como acontece com o<br />

Presidencialismo. Deve-se lembrar que o Primeiro-Ministro, antes de alcançar este<br />

posto, era apenas mais um membro do partido no Parlamento, atuando em posição de<br />

igualdade com os outros membros e líderes de partidos de coalizão e/ou oposição, e<br />

ademais, o Gabinete é composto por outros membros igualmente apoiados pelos<br />

partidos que compõem a base do governo do dia. Estas circunstâncias conduzem<br />

inexoravelmente ao comportamento do Primeiro-Ministro tratar os demais membros do<br />

Gabinete com muito maior deferência se comparado ao modelo presidencialista.<br />

Por outro lado, estas relações entre o Primeiro-Ministro e seu partido<br />

desempenham um papel importante em outra questão: o do prazo do mandato, seus<br />

limites ou a própria inexistência de limites temporais. No caso do presidencialismo, as<br />

constituições costumam limitar o número possível de mandatos sequenciais do<br />

presidente (No Brasil, como nos EUA, dois) ou até mesmo proibir a seqüência, quando<br />

veda a reeleição. Diferentemente, no sistema parlamentarista, não há previsão de limites<br />

temporais para o exercício do mandato do Primeiro-Ministro, o que pode parecer um<br />

paradoxo, haja vista tamanha concentração de poder ser algo muito perigoso para a<br />

democracia. Acontece que, enquanto o sistema presidencialista não oferece mecanismos<br />

eficazes, inerentes ao próprio sistema, para evitar este risco, sendo então necessário<br />

recorrer a mecanismos constitucionais de limitação temporal do mandato, o sistema


parlamentarista oferece, como resposta ao risco deste paradoxo, a própria relação,<br />

inerente ao sistema, entre o Primeiro-Ministro e o seu partido ou coalizão de apoio.<br />

Com efeito, enquanto no Presidencialismo a perda da confiança entre<br />

presidente e Parlamento, decorrente de ações impopulares do primeiro, resulta em crise<br />

de governabilidade, no Parlamentarismo resulta em troca de Gabinete, sendo então esta<br />

relação um antídoto natural, inerente ao modelo, que mitiga o paradoxo entre<br />

democracia e falta de limitação temporal do mandato do líder.<br />

As restrições do partido sobre o Primeiro-Ministro são extremamente<br />

vigorosas, estando o último constantemente sobre o juízo de seus pares, podendo perder<br />

o apoio de seu partido e dos partidos da coalizão caso se torne um líder impopular, até<br />

mesmo porque, como já destacado, a sobrevivência dos partidos da base governista no<br />

Parlamento depende diretamente do desempenho do Primeiro-Ministro como Chefe de<br />

Governo. Isto faz com que a preeminência do Primeiro-Ministro derivada do apoio do<br />

partido seja muito mais palatável do que a preeminência da figura do “presidente”, que<br />

é assegurada por normas constitucionais.<br />

Na verdade, estas limitações constitucionais ao número de mandatos<br />

sucessivos dos presidentes “parece uma provocação”, ou ao menos um desafio à<br />

exigência de eficiência na Administração Pública: da mesma forma que os cidadãos são<br />

obrigados a conviver com presidentes que logo se mostram impopulares até o término<br />

do prazo prefixado de mandato, também se veem impedidos de escolher pela<br />

manutenção do presidente popular e de administração eficiente acima de determinado<br />

período de tempo.<br />

Para o professor ACKERMAN, uma presidência personalista “mina a base de<br />

ideais democráticos”, “vai contra a semente do governo autônomo republicano”, sendo<br />

“embaraçoso para uma constituição requerer de cidadãos livres e iguais o depósito de<br />

tamanha confiança na integridade pessoal e nos ideais de um único ser humano”, melhor<br />

seria o estímulo constitucional à população se engajar em uma “política de princípio,<br />

discutindo qual dentre os partidos políticos existentes melhor expressa seus ideais<br />

coletivos, trabalhando para revisar estes ideais para modificá-los com o tempo e<br />

formando coalizões sensatas quando nenhum partido ganha o apoio da maioria”. Em<br />

sentido oposto, no Presidencialismo, o governo pode degenerar na política de um grupo<br />

fechado.<br />

De outro canto, enquanto o Presidencialismo estimula os esforços populares de<br />

renovação a concentrarem-se “no carisma putativo de um candidato presidencial”, o


Parlamentarismo estimula a “tarefa de construir um partido de princípios capaz de<br />

colocar o governo em melhor curso”.<br />

Ainda que não absolutamente, o sistema parlamentarista age contra esta<br />

tendência de exaltação da figura do líder e em favor do foco sobre os princípios do<br />

partido, ao passo que o Presidencialismo potencializa esta tendência e desvia a atenção<br />

sobre os princípios de governo.<br />

B. O Parlamentarismo Limitado<br />

Os argumentos acima expostos revelam a extensão do quanto é inadequado o<br />

governo que se ergue baseado na separação dos poderes ao estilo estadunidense.<br />

Por outro lado, o professor ACKERMAN também rejeita Westminster. É um<br />

engano acreditar, e isso representa rejeitar as ilusões da democracia representativa, que<br />

uma vitótia eleitoral significa a outorga pelo povo de um mandato amplo aos seus<br />

“representantes”, no sentido de aprovação profunda das idéias e princípios do partido<br />

vitorioso. E o sistema Westminster agrava e solidifica este engano, na medida em que,<br />

ao adotar o método “o vencedor leva tudo”, confere ao vencedor a autoridade legislativa<br />

plena independente da qualidade da maioria eleitoral alcançada. É um verdadeiro<br />

desafio à democracia representativa.<br />

Para corrigir este defeito, o professor ACKERMAN constrói uma proposta<br />

sofisticada que objetiva, em última análise, “trazer o povo” para dentro do campo das<br />

decisões fundamentais.<br />

Para o professor, as constituições modernas deveriam delinear “duas ruas<br />

legislativas” distintas (estrutura dualística) para o exercício da democracia:<br />

(I) uma rua (mais alta) destinada para as matérias políticas centrais, a<br />

ser utilizada naquelas ocasiões (raras) em que um determinado<br />

movimento político obtém o direito de falar por uma maioria<br />

mobilizada e decidida;<br />

(II) a segunda rua (normal) destina-se a política ordinária, a ser<br />

utilizada mais frequentemente, naquelas ocasiões em que não é<br />

outorgado um mandato popular tão profundo.<br />

A distinção requerida pode ser identificada no sistema de separação dos<br />

poderes do estilo estadunidense, porém, o professor ACKERMAN defende que o<br />

processo democrático funcionaria muito melhor com o uso desta distinção no modelo de<br />

Parlamentarismo Limitado que ele propõe.


Em sua proposta, (i) a “rua legislativa normal”, onde são tomadas as decisões<br />

políticas ordinárias, a autoridade legislativa seria conferida a uma Assembléia do estilo<br />

Westminster (ressalvada a questão da soberania basoluta), que, por sua vez, atuaria<br />

limitada pelos princípios políticos substantivos formulados na “rua legislativa mais<br />

alta”; ao passo que, (ii) nesta “rua legislativa mais alta”, seriam formulados os<br />

princípios substantivos, princípios básicos de legitimidade política, por meio de um<br />

processo legiferante superior, constituído pelo instrumento constitucional dos<br />

referendos populares seqüenciais.<br />

Portanto, para o professor ACKERMAN, o Parlamento, tirular da autoridade<br />

legislativa para cuidar da política ordinária, seria LIMITADO pelas decisões<br />

fundamentais, formuladoras dos princípios básicos de legitimidade política, tomadas<br />

diretamente pelo povo, em momentos de especial mobilização cívica, por meio do uso<br />

dos referendos populares sequenciais.<br />

Sobre a técnica dos referendos populares, o professor defende, primeiramente,<br />

a exigência de múltiplas e seriadas votações. “Não deve ser o bastante ir até o povo e<br />

obter o seu consentimento para uma alteração constitucional por meio de um único<br />

plebiscito. Deve ser dada aos eleitores a oportunidade de discutirem uma proposta<br />

fundamental, durante um período de anos, antes que eles façam seu julgamento final. O<br />

referendo seqüencial é, em resumo, um esforço para aplicar o princípio deliberativo à<br />

estrutura das instituições legislativas mais altas.”<br />

Em primeiro lugar, porque isso pode evitar que as coalizões do “governo do<br />

dia” usem os referendos como forma de exploração da fraqueza momentânea da<br />

oposição. Impedem também a exploração da ignorância popular pelos parlamentares,<br />

haja vista questões que passem desapercebidas em uma primeira deliberação,<br />

certamente serão destacadas nas deliberações seguintes pelos oponentes. Todas estas<br />

virtudes das múltiplas votações inibirão os parlamentares de proporem questões de<br />

interesse pessoal e procurarão propor princípios de política duradouros, e de resto<br />

melhoraria muito a qualidade da deliberação pública e a legitimidade final do referendo.<br />

Outra forma de melhorar a qualidade da deliberação é a constituição<br />

proporcionar igualdade de chances aos movimentos políticos oponentes para que estes<br />

possam, em igualdade de condições, defender suas propostas concorrentes em torno das<br />

respostas requeridas nos referendos. Um meio de assegurar esta igualdade de chances é<br />

a disponibilidade equilibrada de fundos substanciais para ambos os lados.


Se uma determinada proposição, passando por todas estas pesquisas de opinião<br />

pública, for ao final aprovada, sua implantação não se deverá a qualquer estratégia<br />

política, mas sim à sua aceitação popular, o que a dota de substancial legitimidade<br />

democrática.<br />

Para o professor ACKERMAN, o objetivo constitucional a ser alcançado é<br />

“encontrar os melhores meios práticos de distinguir os poucos princípios básicos que<br />

são o produto do suporte popular genuinamente amplo e mobilizado de ouras inúmeras<br />

decisões tomadas por parlamentares modernos no curso normal do governo”.<br />

Pautado neste objetivo, que o professor defende que antes de separar o poder<br />

legiferante entre câmara, senado e presidência, deve-se separa-lo entre parlamento e<br />

povo: o parlamento tomando estas inúmeras decisões rotineiras de gestão, enquanto o<br />

povo, por meio do instrumento de referendos sequenciais, tomaria as decisões<br />

fundamentais que constituem os princípios básicos de legitimidade política.<br />

Se o primeiro limite imposto à ação do Parlamento, que deveria tomar as<br />

decisões ordinárias do país, é a previsão de referendos sequenciais por meio dos quais o<br />

povo tomaria as decisões fundamentais que guiariam estas decisões ordinárias do<br />

Parlamento, o <strong>segundo</strong> limite seria, <strong>segundo</strong> a formulação do professor, a atuação de<br />

uma Corte Constitucional que asseguraria que os princípios básicos formulados pelo<br />

povo se tornassem realidades operacionais. As Cortes Constitucionais seriam os<br />

guardiões da soberania popular, que, por meio do judicial review, controlaria as ações<br />

do Parlamento, assegurando que as decisões fundamentais tomadas pelo povo sejam<br />

observadas.<br />

As Cortes Constitucionais funcionam assim como instrumentos de afirmação<br />

da democracia, fazendo prevalecer as decisões tomadas diretamente pelo povo, em<br />

referendos sequenciais, sobre as decisões tomadas ordinariamente pela Assembléia<br />

parlamentar.<br />

A forma de nomeação e a duração do mandato dos juízes são instrumentos de<br />

fortalecimento da posição das Cortes e contribui para sua independência e<br />

imparcialidade, enfim, para a sua legitimidade.<br />

Com estas considerações, o professor constrói sua fórmula tríade inicial de seu<br />

modelo de Parlamentarismo Limitado:


Parlamento + Povo + Corte Constitucional<br />

decisões ordinárias decisões fundamentais controle das decisões ordinárias<br />

sob o parâmetro das decisões<br />

fundamentais<br />

Falta ainda discutir a melhor fórmula de composição do Parlamento, da<br />

relação de seus membros com o todo e a sua forma de atuação. Se pensarmos no melhor<br />

Parlamento, vemos que na Grã-Bretanha e na Alemanha encontramos versões melhores<br />

de Parlamentos do que nos EUA. Na Alemanha, há ainda a vantagem de ter-se uma<br />

importante versão do Parlamentarismo Limitado, com as decisões do Parlamento<br />

sofrendo forte restrição das decisões da Corte Constitucional Alemã. Mas faltaria à<br />

Alemanha a prática dos referendos populares, o que não é, na verdade, muito bem visto<br />

por lá após os acontecimentos do período nazista.<br />

Importa então discutir a melhor forma de composição do Parlamento.<br />

C. A Solução de Uma Casa e Meia<br />

Até o presente momento, a formulação do Parlamentarismo Limitado<br />

desenvolvido pelo professor ACKERMAN não levou em conta o Federalismo e suas<br />

implicações no campo da representação político-legislativa no Parlamento, ou seja, a<br />

necessidade ou não do Parlamento contar com uma Casa (Alta) de representantes dos<br />

Estados-Membros, com poderes para participar do processo de criação das leis ao lado<br />

da Casa (Baixa) de representantes do povo e, principalmente, o quão forte deve ser esta<br />

Casa Alta em relação à Casa Baixa.<br />

O desenvolvimento do tema demonstra que o professor entende que o<br />

federalismo não impõe a separação do poder legiferante e muito menos um sistema<br />

bicameral forte, em que os poderes das Casas distintas se equiparam. Muito pelo<br />

contrário, para ACKERMAN, o federalismo é compatível com um Parlamentarismo<br />

Limitado construído sobre as bases da chamada “solução de uma casa e meia”, onde os<br />

poderes da Casa de representação popular (Casa Baixa) são superiores aos da Casa de<br />

representação dos membros da Federação (Casa Alta).


Na verdade, o processo de formação da Federação, especialmente aquele que<br />

se denomina federalismo centrípeto, onde o poder dos Estados soberanos converge para<br />

o centro, fortalecendo a União Federal, induz a uma idéia de que seria “natural”<br />

estruturar o poder legiferante de modo a dividi-lo com a inclusão de uma Casa de<br />

representação destes Estados-membros ao lado dos representantes do povo, isto porque<br />

assim manter-se-ia uma instância de poder em favor exclusivamente daqueles Estados<br />

que renunciaram a parcelas substanciais de sua soberania em favor da Federação.<br />

E a repetição deste modelo solidifica a idéia de que o federalismo requer esta<br />

separação de poderes em que a vitalidade dos Estados-membros seja sua marca.<br />

Mas esta relação não existe naturalmente e nem obrigatoriamente, mas apenas<br />

contingencialmente, e exemplos de Federações bem sucedidas sem a presença de um<br />

Senado forte são a maior prova disso.<br />

Na verdade, a presença de um Senado forte, um sistema bicameral forte,<br />

representa um grande perigo às virtudes do Parlamentarismo em um sistema federativo.<br />

questões:<br />

Diante destas circunstâncias, o professor ACKERMAN levantou as seguintes<br />

a) terá sido o “espírito federalista” que impôs a separação de poderes<br />

com a inclusão de um senado federalista forte?<br />

b) os membros deste senado devem ser eleitos diretamente pelo povo<br />

ou devem ser designados pelos Governadores estaduais?<br />

O professor ACKERMAN responde a estas perguntas e chega à conclusão, de<br />

certo modo surpreendente,que é mais fácil construir um bicameralismo forte, com um<br />

Senado forte no centro, em países que não adotam o federalismo.<br />

C.1. Câmaras Federalistas eleitas<br />

Para o professor ACKERMAN, a contrapartida de um Senado federal<br />

realmente forte deve ser uma presidência forte e independente, e a existência de uma<br />

presidência assim representa uma ameaça aos próprios valores federativos que<br />

nortearam a criação do Senado.<br />

Diante desta “encruzilhada federalista” – um senado forte e um presidente<br />

independente ou um senado fraco sem a exigência de um presidente independente (?) –<br />

o professor ACKERMAN propõe os seguintes pontos:


(I) uma versão modificada de um Parlamentarismo Limitado;<br />

(II) em que uma Câmara Baixa forte é complementada por um Senado<br />

federalista fraco;<br />

(III) os valores federalistas seriam incorporados ao ordenamento jurídico<br />

por meio de referendos populares sequenciais sujeitos a aprovação de<br />

uma supermaioria especificada tanto dos Estados constitutivos da<br />

Federação quanto da Federação como um todo;<br />

(IV) e estes valores, introduzidos na Constituição por meio dos referendos<br />

populares, seriam garantidos por uma Corte Constitucional.<br />

Estes argumentos da proposta merecem ser analisados individualmente.<br />

Por que uma presidência forte e independente é o preço a ser pago por um<br />

Senado Federalista forte? Porque uma presidência forte é a única forma de superar os<br />

“nós de legitimidade” que potencialmente são gerados pela distribuição de poderes<br />

simétricos entre as duas Casas.<br />

Imaginemos o seguinte cenário: um sistema bicameral perfeitamente simétrico,<br />

ou seja, composto por duas Câmaras igualmente poderosas, e ainda sem um presidente<br />

forte e independente como Chefe de Governo; considerando este quadro, fica a<br />

pergunta: o que aconteceria se as Casas fossem dominadas por movimentos políticos<br />

rivais? Ora, ao invés de termos um governo coerente, com um Parlamento funcionando,<br />

teríamos uma crise de legitimidade proporcionada pela competição entre duas Casas<br />

legislativas, igualmente poderosas, dominadas por partidos rivais, de modo que a<br />

constituição simétrica seria a maior ameaça à própria funcionalidade do sistema<br />

parlamentar. A crise de legitimidade deste tipo seria especial, na medida em que seria<br />

constituída pelo embate de duas “maiorias” igualmente poderosas – um verdadeiro nó<br />

de legitimidade, e este nó de legitimidade só poderia ser resolvido por um terceiro poder<br />

forte e independente das duas Câmaras concorrentes: uma presidência forte e<br />

independente. Daí que um sistema bicameral perfeitamente simétrico é propenso a gerar<br />

nós de legitimidade que só podem ser resolvidos por uma instância presidencial forte e<br />

independente. Desta forma, se um sistema federalista requer um Senado forte, e a<br />

democracia uma Câmara de representação popular igualmente forte, então a<br />

funcionalidade do Parlamento e do próprio governo requer a presença de um presidente<br />

forte e independentemente eleito, como instrumento indispensável para a própria<br />

harmonia e eficiência do sistema.


Nos sistemas parlamentaristas, as constituições normalmente não conferem<br />

estes poderes simétricos às Casas legislativas, mas ao contrário, dota a Casa Alta de<br />

certos poderes, que inclusive podem até retardar algumas votações, mas não lhes dão o<br />

poder de derrubar o Gabinete ou sabotar os programas de governo. Na verdade, a<br />

Câmara Alta é subordinada aos poderes da Câmara Baixa (No Brasil e nos EU, a<br />

situação é inversa, embora não haja acentuada superioridade de poderes do Senado<br />

sobre a Câmara Baixa; cf. CF/88, art. 86).<br />

Esta solução que aponta para um Senado importante, mas fraco, em relação à<br />

Casa Baixa, é denominado de “solução de uma casa e meia”.<br />

Mas, se os federalistas não aceitarem esta solução, em razão da “fraqueza” do<br />

Senado Federalista, deverão então concordar com uma presidência forte e independente,<br />

pois apenas a presença de uma terceira instância de poder, cuja constituição e<br />

manutenção independem da interferência das duas Casas, se mostraria capaz de resolver<br />

as questões de crises de legitimidade.<br />

O perigo do Senado poderoso, que pode interferir na escolha ou manutenção<br />

do governo em um embate com a Casa Baixa, ficaria resolvido com a presidência<br />

independente.<br />

Mas, aceitar uma presidência forte e independente é um verdadeiro contravalor<br />

para qualquer federalista convicto. Trata-se de uma verdadeira “encruzilhada<br />

federalista”.<br />

O federalista deve se preocupar, e muito, com a figura do presidente que, no<br />

sistema presidencialista, é o modelo do “vencedor que leva tudo”, assim como o partido<br />

vitorioso nas eleições do Parlamento de Westminster, pois este presidente,<br />

normalmente, emerge de um cenário político regional, o que representa um perigo<br />

naqueles países com diversidade de regiões. Mas também por outro lado, muitos<br />

presidentes chegam a valorizar apenas a Federação, ignorando a importância das<br />

unidades federativas. Portanto, seja um presidente que emerge de uma região específica,<br />

e por isso tende a criar um desequilíbrio regional decorrente de uma política<br />

discriminatória, seja um presidente do tipo cosmopolita, desvinculado de qualquer<br />

região específica, de caráter supraregional, mas que valoriza mais a Federação, a<br />

grandeza nacional, do que seus membros, teremos sempre uma ameaça aos valores<br />

federalistas.<br />

Daí a resignação do professor ACKERMAN:


“Salvo por algum exercício futuro de criatividade constitucional, somos deixados com a<br />

nossa difícil escolha: presidente independentemente eleito ou uma “casa e meia”. Como<br />

deve ser óbvio, inclino-me na direção do último: até mesmo um federalista convicto faria<br />

bem em aceitar algumas limitações estritas aos poderes do Senado federalista, a fim de<br />

evitar os perigos de uma presidência independente”.<br />

Mas como o professor ACKERMAN já advertiu, isso não significa abandonar<br />

os valores federalistas, pois, estes podem ser inseridos na constituição por meio dos<br />

referendos populares e protegidos por meio do judicial review. Para tanto, é importante<br />

criar como requisito para votação em referendos populares, a aprovação substancial das<br />

propostas na maioria dos Estados, e não apenas em uma supermaioria nacional. Deve<br />

ser criado um sistema de referendos sequenciais, especificamente para tratar de matérias<br />

vinculadas ao pacto federalista, que levaria em conta tanto a aprovação popular quanto a<br />

aprovação pela maioria dos Estados.<br />

C.2. Câmaras Consultivas<br />

Respondida a primeira questão no sentido de que o federalismo não impõe a<br />

separação do poder legiferante entre duas Casas com poderes simétricos, muito pelo<br />

contrário, o espírito federalista, para impedir a necessidade de um presidente forte e<br />

independente, deve concordar com um Senado mais fraco em relação à Assembléia<br />

popular como forma de se evitar os nós de legitimidade passíveis de solução apenas por<br />

meio de uma presidência forte e independente, permanece ainda em aberto a segunda<br />

pergunta:<br />

Os membros do Senado devem ser eleitos diretamente pelo povo ou devem ser<br />

indicados pelos governadores dos Estados que representam?<br />

O professor ACKERMAN denomina a opção de formação do Senado por<br />

meio da indicação dos Governadores de “opção diplomática”: as coisas sendo assim, os<br />

senadores terão grandes estímulos para dialogar com os Governadores antes de tomarem<br />

as decisões, o que seria de grande proveito para a região representada.<br />

Com efeito, o Senado poderia ser composto por “funcionários-chave” dos<br />

Governos. Ademais, com a eleição indireta, evitar-se-ia que o Senado fosse composto<br />

de representantes que pertencem a partidos políticos diferentes dos partidos dos<br />

governadores dos Estados representados. Parece-nos que este modelo reforça, em tese, a<br />

eficácia da representação, assegurando a harmonia entre representante e representado.


Mas existe o sério obstáculo democrático a este modelo; sem embargo, a<br />

votação popular é uma exigência do constitucionalismo democrático contemporâneo, o<br />

que põe em cheque a legitimidade democrática destas verdadeiras “câmaras<br />

consultivas”. Ademais, a falta de “políticos” no Senado pode ter conseqüências<br />

desastrosas perante um governo central dotado de “forte sentido de identidade política”.<br />

Por outro lado, a absorção dos representantes não-eleitos do Senado pela forte<br />

identidade política do governo central faz com que, com a perda da autonomia política<br />

dos Estados, ocorra o fenômeno da “nacionalização da política estadual”.<br />

Quando ocorrerem as eleições estaduais, os eleitores podem dirigir seus votos<br />

em função do governo federal, como que estivessem aplaudindo ou elogiando o governo<br />

central, ao passo que, na verdade, deveriam estar com o foco direcionado à política<br />

local. Isto é um contravalor ao federalismo, que pugna por um Estado fragmentado “em<br />

unidades mais manejáveis de governo autônomo”, o que se mostra inalcançável quando<br />

os eleitores passam a enxergar as eleições locais como “meios de expressão da política<br />

nacional”.<br />

Por estas razões, o federalismo funciona melhor afastando-se os funcionários<br />

públicos dos postos de representantes dos Estados no Senado, e compondo o Senado<br />

com representantes diretamente eleitos pelo povo de cada Estado, de forma que os<br />

eleitores possam responsabilizá-los diretamente através do voto, sem que esta<br />

responsabilização se vincule a qualquer questão de política nacional.<br />

De qualquer forma, estas questões confirmam mais uma vez a inadequação de<br />

se ter um Senado forte em um sistema bicameral de poderes simétricos.<br />

C.3. Bicameralismo sem federalismo<br />

O federalismo serviu de justificativa para o bicameralismo no mundo tudo,<br />

haja vista requerer a presença de um Senado composto por Estados-membros da<br />

Federação.<br />

Por sua vez, os Estados unitários funcionam bem com assembléias<br />

unicamenrais, de modo que se faz interessante perguntar: porque muitas vezes estes<br />

Estados unitários apelam para uma assembléia bicameral? A resposta tradicional era<br />

“proteger as classes dominantes”, o que, em hipótese alguma, se admite mais.<br />

Modernamente, algumas explicações, pouco convincentes, têm sido<br />

formuladas, como a que afirma que o bicamenralismo serve como modo de se obter<br />

uma supermaioria na aprovação de medidas legislativas. Mas esse argumento não


convence, porque supermaiorias podem ser obtidas em sistemas unicamerais, basta, para<br />

tanto, a Constituição assim dispor em relação a determinada matéria legislativa.<br />

Mas isso não significa também que o bicameralismo seja algo inútil, pois, ele<br />

serve bem às exigências do princípio deliberativo, na medida em que proporcional uma<br />

dupla votação, ou seja, uma revisão por uma segunda câmara, mesmo que mais fraca, de<br />

iniciativas aprovadas pela primeira, o que pode aperfeiçoar a deliberação do tema.<br />

Como ensina ACKERMAN, “discutir uma medida duas vezes pode vir a expor<br />

dificuldades sérias e gerar reformulações úteis de iniciativas mal consideradas. O<br />

processo de passo duplo fornece um espaço de arejamento, no qual podemos considerar<br />

a natureza de nossas obrigações cívicas para com o outro.” E isso atende a princípios de<br />

democracia deliberativa.<br />

Portanto, embora em Estados unitários não tenhamos o federalismo como<br />

justificativa para uma segunda Câmara (Senado) de representantes dos Estados-<br />

membros, a virtuosidade do “passo duplo de votação” pode servir de justificativa para o<br />

bicameralismo.<br />

Mas e os riscos dos “nós de legitimidade”? Como prevenir? Enfraquecendo o<br />

senado (solução de uma casa e meia), como se faz no federalismo?<br />

Para o professor ACKERMAN, de forma surpreendente, nos sistemas<br />

nacionais unitários, a resposta à última pergunta é negativa, podendo cogitar-se de ter-se<br />

um senado forte, portanto, um Parlamento com duas casas com poderes simétricos, sem<br />

que se ocorra crises de legitimidade. Um exemplo desse modelo é o italiano.<br />

Na Itália, o Parlamento é composto por duas casas de poderes simétricos, em<br />

que o Primeiro-Ministro precisa do apoio simultâneo destas casas. O risco de crises de<br />

legitimidade é de todo evidente. Porém, para evitar estas crises e permitir que o<br />

Primeiro-Ministro governe com apoio de ambas as casas, a Itália adota um sistema<br />

eleitoral simétrico, onde a proporção da vitória de um determinado partido ou coalizão<br />

nas eleições para a Casa baixa será necessariamente observada para a Casa alta, de<br />

forma que não se mostra possível que cada casa seja dominada por partidos diferentes,<br />

mas muito pelo contrário, o que se têm é uma simetria na composição das Casas que<br />

permite que ambas sejam dominadas pelos mesmos partidos ou coalizões e,<br />

consequentemente, que o Gabinete obtenha apoio simultâneo de ambas as Casas. “Em<br />

resumo, a simetria no sistema eleitoral elimina o nó de legitimidade ameaçado por um<br />

bicameralismo totalmente simétrico.”


E esta simetria no sistema eleitoral só é possível em um sistema unitário, sem<br />

federalismo. No federalismo, deve-se manter o equilíbrio no sistema de representações<br />

dos Estados no Senado, o que faz com que movimentos políticos distintos possam<br />

dominar as duas Câmaras, daí a necessidade de introduzir-se medidas que evitem os nós<br />

de legitimidade, tais como o da solução de uma Casa e Meia, com o enfraquecimento do<br />

Senado. Nos Estados unitários, por sua vez, com este sistema eleitoral simétrico, não há<br />

necessidade de enfraquecimento do Senado para evitarem-se nós de legitimidade. Daí o<br />

paradoxo de que em Estados sem federalismo, é mais adequado um Senado forte do que<br />

em Estados federalistas, como o Brasil e os EUA.<br />

Nos Estados unitários, como a única unidade política relevante é a nação, não<br />

é a representatividade dos Estados-membros que justificará a presença do Senado, mas<br />

sim o ganho em nível de deliberação. Mas, seria esta uma justificativa suficiente para a<br />

complexidade própria de um sistema bicameral?<br />

Não existe uma resposta exata. Pode realmente acontecer da rodada dupla de<br />

votação acrescentar vantagens à deliberação das matérias votadas. Porém, pode o<br />

Senado representar também uma “rodada extra inútil”, que servirá apenas para tornar o<br />

sistema mais complexo.<br />

De qualquer forma, em Estados unitários, ao contrário do que ocorre com<br />

Estados federalistas, um Senado federal forte pode existir mesmo sem a contrapartida de<br />

uma presidência forte e independente.<br />

3. A perspectiva da Especialização Funcional<br />

Como o professor ACKERMAN brilhantemente sintetizou, “o primeiro grande<br />

tema do constitucionalismo moderno é a democracia; o <strong>segundo</strong> é a sua limitação”. E<br />

duas ordens de limitação podem ser oferecidas ao poder político majoritário<br />

democrático: um é a especialização funcional, o outro são os direitos fundamentais.<br />

Com base nestas perspectivas é que se pode afirmar que a separação de<br />

poderes é construída sobre estas três “bases lógicas”: democracia, especialização<br />

funcional e direitos fundamentais.<br />

A exigência técnica (tecnicidade) é um dos limites ao exercício do poder<br />

político democrático, de modo que espaços da burocracia devem ser deixados livres da<br />

intervenção política, assim como os campos de atuação dos juízes.


Uma teoria da separação de poderes, sob a perspectiva da especialização<br />

funcional, deve oferecer propostas que sirvam à construção de um Estado justo e<br />

eficiente. Mas como encaixar esta análise de racionalidade técnica no âmbito do dilema<br />

entre presidencialismo e parlamentarismo?<br />

O professor ACKERMAN desenvolveu seu pensamento em direção clara e<br />

objetiva à conclusão de que o modelo presidencialista promove “conseqüências<br />

deletérias sobre a administração pública imparcial e técnica”, ao passo que o modelo do<br />

Parlamentarismo Limitado apresenta-se como um fator positivo para a separação de<br />

poderes sob esta perspectiva.<br />

Com efeito, a temática da separação de poderes não se esgota na discussão<br />

sobre a melhor forma de se dividir o poder legiferante, mas também alcança a fase de<br />

“implementação das leis”, e em especial na relação entre os políticos e os burocratas<br />

técnicos, entre a política e a expertise (especialização funcional); nesta relação, a<br />

separação de poderes cumpre papel fundamental.<br />

A intervenção política irrestrita nos processos de aplicação das leis se<br />

apresenta como um perigo ao Estado de Direito. E este risco de intervenção é algo<br />

inerente à própria democracia e à forma de agir dos políticos democratas. Um político<br />

democrata, porque precisa vencer as eleições, tem a tendência de fazer com que as leis<br />

sejam aplicadas do modo mais favorável possível aos que compõem a sua base de<br />

apoio; de outro lado, o político democrata não possui tempo e nem especialização<br />

técnica para promover estudos mais profundos sobre as questões envolvidas na<br />

aplicação das leis. E estas circunstâncias propiciam uma odiosa inclinação à aplicação<br />

parcial e ineficiente das leis.<br />

A separação de poderes deve atuar no sentido de evitar que os políticos que<br />

criam as leis influam nos resultados da aplicação destas mesmas leis, sob pena de se<br />

imperar a tirania, e independente das discussões acerca da perspectiva da legitimidade<br />

democrática, esta exigência se justifica em um sistema de separação de poderes baseado<br />

na perspectiva da especialização funcional.<br />

ACKERMAN chama a isso de “teoria da especialização funcional”.<br />

Esta teoria da especialização funcional, como base para a construção de um<br />

específico modelo de separação de poderes, e que serve de ponto de apoio para as<br />

críticas ao modelo estadunidense, é subdividida em três partes distintas de análise:<br />

(1) acentua a fraqueza congênita de políticos diretamente eleitos;


(1.1) quanto mais os políticos intervêm na aplicação das leis, mais<br />

parcial e imperfeita, destoada da realidade, será esta aplicação;<br />

(1.2) quanto mais tempo eles gastam procurando interferir na burocracia<br />

(política burocrática), menos tempo sobra para exercerem sua<br />

função típica: legislar;<br />

(1.3) quanto mais envolvidos com disputas concretas, mais criarão suas<br />

“próprias mini-burocracias hiperpolitizadas”.<br />

Em suma, a teoria da especialização funcional requer o afastamento dos<br />

políticos dos processos de execução das leis, arguindo por uma separação nítida, em<br />

favor da especialização técnica, e contra a politização da burocracia, entre o processo de<br />

criação de normas gerais e abstratas que requerem a participação ativa dos políticos, e o<br />

processo de execução e concreção destas normas, que requerem uma máquina<br />

administrativa despolitizada e um judiciário independente. Esta separação deve ser feita<br />

de modo que fique bem clara a distinção entre as áreas de atuação típica e necessária do<br />

corpo político do Estado, e as áreas que devem permanecer imunes à influência deste<br />

mesmo corpo político e entregues aos burocratas técnicos para o fim destes aplicarem<br />

imparcial e eficientemente as leis.<br />

(2) Avaliação franca dos recursos culturais e humanos de uma nação;<br />

Há a necessidade de pessoas talentosas, tecnicamente especializadas,<br />

prestarem serviços ao Estado, sob pena de se imperar o clientelismo e a corrupção.<br />

(3) Criatividade institucional.<br />

De nada adiantará uma burocracia composta por técnicos especializados, se<br />

não houver uma certa dose de criatividade na engenharia constitucional.<br />

A. O Desafio Intelectual<br />

A perspectiva teórica da especialização funcional enfrenta desafios diferentes<br />

nos cenários norte-americano e europeu, em razão da disparidade dogmática do direito<br />

público entre estas duas dimensões.


Mas isso permitiria um intercâmbio de conhecimentos e considerações que<br />

pudessem auxiliar o avanço neste campo de análise da separação de poderes?<br />

Nada obstante as diferenças teóricas, o professor ACKERMAN responde<br />

afirmativamente a pergunta.<br />

A.1. Os Estados Unidos da América<br />

Nos EUA, a independência política e a imparcialidade técnica na aplicação das<br />

leis só têm importância quando os aplicadores são os Tribunais. Tentar influenciar<br />

juízes a aplicarem as leis em favor da vontade política seria uma grave violação ao<br />

princípio da separação de poderes.<br />

Mas o mesmo pensamento não se faz presente quando se trata da<br />

independência política e da imparcialidade técnica dos burocratas. Embora a influência<br />

política sobre estes atores institucionais seja tão lesiva ao Estado de Direito como o é<br />

quando se trata de tentar influenciar juízes, os norteamericanos têm dificuldades em<br />

enxergar isso, haja vista sua dogmática constitucional não separar muito bem os poderes<br />

políticos do Presidente e o Poder Executivo como um todo, de modo que não se têm<br />

tido sucesso em evitar que o Presidente, em sua relação com a burocracia, acabe<br />

representando uma ameaça à separação de poderes sob a perspectiva da especialização<br />

funcional.<br />

Falta à dogmática constitucional norteamericana enxergar que o Presidente,<br />

embora seja realmente o político mais influente da nação, não possui o monopólio do<br />

Poder Executivo de forma que sua discricionariedade lhe permitisse gerir a máquina<br />

burocrática conforme sua vontade exclusiva e pessoal.<br />

O pensamento originalista, capitaneado pelo juiz ultraconservador ANTONIN<br />

SCALIA, tem contribuído muito para este equívoco. Para os originalistas, o silêncio dos<br />

pais fundadores sobre a separação de poderes sob a perspectiva da especialização<br />

funcional significa que a disciplina constitucional deste assunto resumiu-se na separação<br />

de poderes apenas entre Legislativo, Executivo e Judiciário, de modo que todo o poder<br />

sobre a burocracia competiria ao Executivo. Sem embargo, este pensamento não merece<br />

prosperar. Este silêncio dos founders fathers não pode significar que eles, tendo<br />

depositado considerável credibilidade no modelo de separação de poderes como uma<br />

teoria da co-responsabilidade democrática, teriam ignorado a perspectiva da<br />

especialização funcional se tivessem em mente a dinâmica da burocracia moderna.


Os constituintes não levaram, e talvez não podiam mesmo à época levar, a<br />

sério o Estado burocrático, mas tal omissão não pode servir de fundamento normativo<br />

ou puramente dogmático para que se afirme que os problemas vinculados à burocracia<br />

foram resolvidos na constituição com a simples forma de divisão de poderes entre<br />

Legislativo, Executivo e Judiciário.<br />

A burocracia seria uma quarta instância de poder do Estado, e como tal, requer<br />

soluções criativas, de engenharia constitucional, distintas das que foram imaginadas<br />

pelos constituintes tendo como cenário o Estado norteamericano e sua máquina<br />

burocrática do séc. XVIII. Os problemas estruturais da burocracia moderna não podem<br />

considerar-se resolvidos a partir de decisões tomadas há mais de dois séculos, mas ao<br />

contrário, requerem desenvolvimentos político-normativos modernos.<br />

Estas circunstâncias sempre pareceram óbvias para os administrativistas<br />

norteamericanos, que, ao contrário dos constitucionalistas, não permanecem presos a<br />

1787, mas sim, se preocupam com os “problemas fundamentais postos pela organização<br />

do poder no Estado moderno”.<br />

Porém, os administrativistas são considerados, em comparação com os<br />

constitucionalistas, “cidadãos de segunda classe”, não sendo então o pensamento típico<br />

da dogmática administrativista acerca da burocracia como um quarto centro de poder<br />

levado a sério a ponto de se considerar que uma constituição moderna “deveria ser<br />

projetada para isolar certas estruturas burocráticas fundamentais de intervenções ‘ad<br />

hoc’ de políticos e forçar os políticos a enfocar suas energias nas atribuições que<br />

somente eles podem desempenhar legitimamente em uma democracia moderna: aprovar<br />

leis e tomar (algumas poucas) determinadas decisões de grande visibilidade, que<br />

genuinamente necessitem de diplomacia e sabedoria prática”.<br />

Em suma, a dogmática constitucional norteamericana não contribui muito para<br />

tirar os políticos da arena burocrática e fixá-los no local em que foram eleitos para<br />

atuar: na arena legislativa.<br />

A.2. A Europa<br />

Os europeus não sofrem da mesma cegueira teórica. Os exemplos bem<br />

sucedidos do Tribunal Administrativo alemão e do Conselho de Estado francês<br />

demonstram a preocupação européia com o controle do poder burocrático e com os<br />

ilícitos que são praticados contra os cidadãos pelo Estado em razão principalmente da<br />

politização da burocracia.


Contudo, em razão principalmente do modelo de constituição ausente de<br />

normatividade que vigorou na Europa até o fim da segunda grande guerra, os temas<br />

relacionados à burocracia não foram totalmente insurgidos no pensamento<br />

constitucional, não obstante este quadro estar se modificando, ainda que lentamente,<br />

desde que passo a vigorar o novo modelo constitucional europeu, ou seja, cartas<br />

constitucionais dotadas de normatividade e que limitam substancialmente o exercício do<br />

poder político, em última análise, em razão dos direitos fundamentais. Antes desta<br />

virada da normatividade constitucional, inversamente do que ocorreu nos EUA, na<br />

Europa eram os constitucionalistas que eram considerados juristas de segunda classe, se<br />

comparados aos administrativistas.<br />

Mas tudo isso vem sendo modificado, e tanto na Europa como nos EUA, os<br />

juristas têm se preocupado cada vez mais em construir um novo modelo de separação de<br />

poderes que alcance também a solução de problemas estruturais ligados aos poder<br />

burocrático moderno.<br />

B. Duas Modestas Propostas<br />

O professor ACKERMAN aponta duas direções em que o direito<br />

constitucional poderia contribuir para o aperfeiçoamento da separação de poderes no<br />

Estado burocrático contemporâneo.<br />

B.1. A “Instância da Integridade”<br />

Uma burocracia não pode funcionar legitimamente se as decisões burocráticas<br />

estiverem à venda, por outro lado, não se pode esperar muito dos políticos no combate à<br />

corrupção.<br />

Mas a corrupção é uma grande ameaça ao Estado Democrático de Direito, de<br />

modo que, ainda que a constituição não possa invadir todas as esferas de ação<br />

legislativa ordinária, ela também não pode ser indiferente a esta ameaça, pois a ausência<br />

de qualquer controle sobre a corrupção retira os estímulos da sociedade em adotar o<br />

Estado Democrático de Direito como modelo de organização política e social a ser<br />

seguido.<br />

Como proposta para o controle da legitimidade da gestão burocrática e o<br />

combate à corrupção, o professor oferece a chamada “Instância da Integridade”, dotada<br />

de atribuições específicas em relação aos demais poderes do Estado.


Esta instância, para exercer com eficiência e imparcialidade o controle sobre a<br />

burocracia, deve ser blindada, dotada de autonomia e independência; algumas medidas<br />

podem proporcionar esta autonomia e independência: remuneração alta dos membros da<br />

instância e irredutibilidade destes vencimentos, inserção destes membros em planos de<br />

carreiras que evitem que se subordinem no futuro a administradores cuja probidade<br />

devem controlar no presente, e ainda a previsão constitucional de um orçamento fixo e<br />

pré-estabelecido para a agência, de modo que seu sustendo independa das decisões<br />

políticas majoritárias de cada tempo.<br />

Portanto, mostra-se fundamental que se atribua dignidade constitucional à<br />

estrutura da Instância de Integridade, de forma que a isole das influências políticas e<br />

torne possível o exercício eficaz e independente de sua função.<br />

Este isolamento, na moderna separação de poderes, deve ser o reflexo da<br />

ausência de vinculação da nova instância com os três poderes tradicionais.<br />

Uma função peculiar poderia ser a de investigar as reclamações dos partidos<br />

políticos e a responsabilização dos criminosos. No Brasil, esta iniciativa poderia servir<br />

para esvaziar as CPIs, retirando os políticos da arena quase-judicial e devolvendo-os<br />

para a arena legislativa, de onde nunca deveriam ter saído.<br />

Por outro lado, deve-se advertir que, como é natural do próprio espírito da<br />

separação de poderes, não deve ser atribuído um poder absoluto à Instância, sendo<br />

prudente, por exemplo, que esta não possa fiscalizar administradores que ocupem<br />

cargos eletivos do alto escalão.<br />

B.2. A “Instância Reguladora”<br />

Um outro grande desafio constitucional é a expansão da atividade<br />

regulamentadora no Estado moderno; trata-se de uma exigência dos novos tempos, de<br />

uma atividade mais criativa do corpo técnico regulador, voltada para suplementar a<br />

legislação ordinária, com o uso de capacidades institucionais próprias dos agentes<br />

reguladores, tornando a lei mais apta a realizar os anseios por um Estado mais justo e<br />

eficiente.<br />

Segundo ACKERMAN:<br />

“Entendo que há muito já ultrapassamos uma compreensão da regulação burocrática<br />

baseada na teoria da ‘correia de transmissão’ da legitimidade democrática, <strong>segundo</strong> a qual<br />

‘os peritos’ simplesmente especificam as determinações contidas na lei. Reguladores fazem<br />

a lei e não almejaríamos que fosse de outra forma”.


O caso do meio-ambiente é paradigmático. Embora a formulação de princípios<br />

diretivos e standards para a proteção do meio-ambiente deva ficar a cargo do<br />

Legislador, este não possui tempo e nem perícia, em suma, capacidade institucional para<br />

analisar os dados científicos sempre em evolução e apresentar as soluções mais<br />

adequadas para as exigências sempre em evolução.<br />

Portanto, o Estado moderno requer um modelo de separação de poderes que,<br />

sem se descuidar das preocupações com a legitimidade democrática das decisões<br />

políticas, permita o desenvolvimento, no âmbito regulamentar, de uma normatividade<br />

suplementar que promova a regulamentação contínua e a execução eficiente das leis<br />

promulgadas.<br />

A separação de poderes, sob o viés da especialização funcional, “valoriza o<br />

conhecimento científico e a experiência profissional no âmbito regulatório moderno”. E<br />

as constituições modernas devem assegurar que a exigência de uma burocracia técnica<br />

seja considerada uma conquista verdadeira e duradoura de nossa sociedade, e que este<br />

espaço regulatório técnico contenha autêntico caráter normativo.<br />

Por sua vez, a constituição também deve prever formas eficazes de controle<br />

sobre esta burocracia técnica, seja por meio da participação popular, seja por meio do<br />

controle judicial. A participação popular, especialmente através de audiências públicas,<br />

adiciona legitimidade às decisões normativas regulatórias tomadas por agentes técnicos<br />

não-eleitos.<br />

Em suma, o professor propõe que, na moderna forma de separação de poderes,<br />

haja o engajamento na discussão acerca do papel e da estrutura da atividade regulatória<br />

do Estado, especialmente no sentido de se procurar conciliar a legitimidade democrática<br />

dos políticos com a técnica dos burocratas no processo de concreção da ordem<br />

normativa, observando-se ainda a necessária convivência com os controles pela<br />

participação popular e pelo judicial review.<br />

C. Antagonismos nos Modelos de Separação de Poderes<br />

Para o professor ACKERMAN, o estilo estadunidense de separação de<br />

poderes não representa, definitivamente, um modelo adequado sob o viés da<br />

especialização funcional, e, por esta razão, não proporciona o “futuro aperfeiçoamento<br />

da boa espécie de separação de poderes”.<br />

Em sua opinião, também sob a perspectiva da especialização funcional, o<br />

Parlamentarismo Limitado se mostra um modelo mais adequado.


No Parlamentarismo, o Gabinete, sabedor que pode perder a autoridade plena<br />

nas eleições seguintes, procura realizar seus projetos em curto espaço de tempo. Por<br />

outro lado, os burocratas profissionais atuam em um tempo diferente, pois possuem<br />

carreiras longas, vitalícias, e assim servirão a muitos Gabinetes distintos, liderados por<br />

movimentos políticos distintos, de forma que o engajamento diferenciado em favor de<br />

um determinado Gabinete poderá prejudicá-lo no futuro. Por outro lado, sabe que não<br />

deverá atuar com uma espécie de “obstrucionismo burocrático”, pois isso significaria<br />

um alto custo no curto prazo junto ao Gabinete “do dia”.<br />

Daí que, para evitar estes custos de desgaste com os Gabinetes do presente e<br />

do futuro, os burocratas cultivam uma “reputação de competência neutra”, de forma<br />

que, independente da constituição e dos projetos do Gabinete, eles agirão sempre com a<br />

mesma presteza.<br />

Portanto, na relação entre políticos e burocratas, estes últimos pautam suas<br />

condutas na “ética webermariana da neutralidade burocrática” (zelo pelo caráter<br />

legal das normas, o caráter formal das comunicações, a impessoalidade no<br />

relacionamento, a divisão do trabalho, a hierarquização de autoridade, o respeito às<br />

rotinas e aos procedimentos, a relevância superior da competência técnica e do mérito, a<br />

exigênca de especialização da administração, a profissionalização e a previsibilidade do<br />

funcionamento da máquina burocrática), e este deve ser o ponto de equilíbrio entre a<br />

política e a técnica e, em última análise, entre os políticos do Parlamentarismo e a<br />

máquina burocrática: os políticos devem se contentar com a atuação técnica e eficiente<br />

dos burocratas sem se preocupar com as inclinações políticas dos mesmos.<br />

E a ética da neutralidade burocrática é também uma garantia, em favor dos<br />

burocratas que a seguem, de que os Gabinetes de cada tempo não questionarão sua<br />

eficiência junto aos movimentos políticos rivais que formaram os Gabinetes anteriores,<br />

mas, muito pelo contrário, que estes Gabinetes acreditarão que os burocratas manterão a<br />

mesma dedicação sempre e independente de quem forma o governo atual.<br />

Com a ética da neutralidade burocrática pautando as condutas dos funcionários<br />

do Estado no modelo parlamentarista, serão a competência técnica, a especialização da<br />

administração e o profissionalismo os elementos marcantes da relação entre política e<br />

burocracia.<br />

De modo contrário, no Presidencialismo, com a nítida separação do poder<br />

político entre Governo e Parlamento, a ética da neutralidade não se mostra suficiente<br />

para regular a relação entre estas esferas do poder político e a burocracia.


Como ensina ACKERMAN, “com a presidência separada do Congresso, os<br />

burocratas do alto escalão devem aprender a conviver em um campo de força dominado<br />

por líderes políticos opostos.”<br />

Estando o poder dividido entre dois movimentos políticos distintos, a atuação<br />

técnica eficaz não será mais suficiente para assegurar a continuidade do burocrata no<br />

cargo que ocupa, ou seja, o uso da ética da neutralidade burocrática consistirá, na<br />

verdade, em estratégia ingênua de sobrevivência, porque, de fato, determinante será<br />

apenas a posição partidária assumida pelo burocrata. Sem embargo, restará ao burocrata,<br />

no sistema de poderes separados ao estilo estadunidense, ingressar na “seara da<br />

mobilização de interesses de grupos em grande escala”, ou seja, ocorrerá o fenômeno<br />

indesejado da politização da burocracia.<br />

Portanto, no Parlamentarismo, havendo harmonia entre o Gabinete e o<br />

Parlamento, sobressai-se o aspecto técnico da burocracia; no Presidencialismo, no<br />

âmbito de oposição entre a Presidência e o Parlamento, ao contrário, sobressai-se o<br />

aspecto político.<br />

Neste mesmo sentido, foi a conclusão de ACKERMAN:<br />

“O Parlamentarismo produz a competência neutra e a separação dos poderes dá margem ao<br />

surgimento do que denomino profissionalismo politizado. Por conseguinte, o mandato<br />

presidencial é difundido e minado por uma infinita guerra entre diversificadas frentes de<br />

atuação burocrática. (...)<br />

Os funcionários do estado que agem sob um sistema parlamentar têm estímulos vigorosos<br />

para se manterem atentos aos comandos do novo ministro quando ele descreve seus<br />

objetivos programáticos. Da mesma forma, são encorajados a adaptar a sabedoria<br />

profissional preexistente aos imperativos políticos que ascenderam junto com o novo<br />

ministro. Quando o poder legislativo é dividido entre presidente e congresso o<br />

funcionalismo público torna-se um campo de batalha entre os burocratas ideológicos<br />

entricheirados e os correligionários do Presidente que lutam infinitamente pelo suporte<br />

político”.<br />

D. Da Teoria à Prática<br />

Para o professor ACKERMAN, a vinculação entre a separação de poderes do<br />

estilo estadunidense e formas inadequadas de governança burocrática não é apenas uma<br />

sugestão teórica, mas sim, algo que se confirma na prática.


D.1. Os Ônus da Técnica Politizada<br />

Os burocratas do alto escalão no modelo presidencialista têm uma visão de seu<br />

papel institucional muito diferente do que têm seus equivalentes no modelo<br />

parlamentarista, de modo que a política burocrática nos EUA é ininterrupta, ao passo<br />

que na Europa é episódica. Nos EUA, os burocratas, ao invés de valorizarem o aspecto<br />

técnico e científico de suas funções, confundem seu papel com o dos políticos, do que<br />

deriva a indesejada politização da governança burocrática no modelo de separação de<br />

poderes entre presidente, câmara e senado. Esta confusão agrava a parcialidade e a<br />

pessoalidade das ações burocráticas.<br />

Outra consequência indesejada é o risco do Presidente deter menor controle<br />

sobre a burocracia se comparado a um Primeiro-Ministro, nada obstante o primeiro<br />

contratar um número em média quarenta vezes maior de agentes que o último.<br />

O Presidente realiza uma contratação maciça de pessoas para ocupar cargos de<br />

confiança, retirando-as do campo privado, por desconfiar que os burocratas mais antigos<br />

possam, em tese, servir ao movimento político oposto. Daí porque se adota a solução de<br />

contratação em larga escala de correligionários “leais” para ocupar cargos estratégicos.<br />

Porém, este excessivo quadro de politização da contratação dos servidores torna ainda<br />

mais distante o ideal de burocracia técnica. Isso não significa que o Presidente não deva<br />

ter o poder de politizar a burocracia como forma de lidar com as ameaças de seus<br />

opositores, que certamente farão o mesmo, mas sim, e apenas, que isso não é<br />

decididamente uma coisa boa.<br />

Acontece também que o Presidente corre o sério risco da deslealdade destes<br />

correligionários contratados, que, descompromissados com a coisa pública e ocupando<br />

cargos transitórios, costumam vender programas de governo para o setor privado em<br />

troca de vantagens pessoais imediatas e também de assegurarem suas carreiras neste<br />

setor no futuro.<br />

Mas a verdade é que, apesar deste risco real, a contratação maciça de<br />

correligionários é mais vantajosa para a viabilidade governamental do Presidente do que<br />

ter que confiar em burocratas que possam estar, na verdade, mais próximos de seus<br />

opositores do Congresso.<br />

Estas circunstâncias fazem com que o modelo estadunidense promova um<br />

verdadeiro sistema burocrático de “porta giratória”, onde a lealdade política prevalece<br />

sobre a excelência técnica. E isso é mais um bom motivo para aconselhar-se não<br />

exportar para o mundo o modelo estadunidense de separação de poderes.


D.2. Do Macro ao Micro<br />

Não se pode negar, a partir de tudo que foi dito acima, o potencial destrutivo<br />

da separação de poderes no estilo estadunidense para a gestão governamental técnica, o<br />

que não significa que este modelo inviabilize por completo a especialização funcional,<br />

“mas, de vez em quando, a politização da administração pública pode tornar-se tão má,<br />

por tanto tempo, que pode incitar uma contra-reação enérgica e angariar esforços quase-<br />

constitucionais para isolar um centro decisório das pressões políticas cotidianas”. No<br />

Brasil as agências reguladoras são exemplos.<br />

Não se têm dúvidas de que, mesmo no sistema estadunidense de divisão de<br />

poderes, alguns centros decisórios podem se libertar de “patologias hiperpolitizadas” e<br />

se pautar na lógica da especialização funcional, ou seja, é possível, em momentos<br />

específicos, que a expertise se sobreponha à política no campo burocrático. Mas<br />

infelizemente, isso ocorre poucas vezes.<br />

E nos EUA, ainda há uma questão cultural de rejeição ao burocrata, e de<br />

aceitação do fenômeno da politização da burocracia. No Brasil, culturalmente, o<br />

burocrata é estereotipado como exemplo de desserviço: “o desserviço público”.<br />

E. A Separação de Podres e o Estado de Direito<br />

A separação de poderes ao estilo estadunidense, além de não servir ao ideal de<br />

especialização técnica do funcionamento da máquina burocrática, também representa<br />

uma ameaça ao Estado de Direito.<br />

Neste modelo de separação de poderes, o Presidente, para implementar seus<br />

projetos, pode precisar de modificações legislativas que, para ocorrerem com maior ou<br />

menor custo, dependerão muito do governo estar funcionando no “modo de impasse” ou<br />

no “modo de autoridade plena”.<br />

Se estiver sob o modo de autoridade plena, os custos destas modificações<br />

legislativas são relativamente baixos; por outro lado, sob o modo de impasse, com<br />

oposição entre presidência e congresso, os custos são elevados.<br />

Sob o modo de impasse, restaria ao Presidente buscar meios para implementar<br />

seus projetos sem precisar do apoio do Congresso, ou seja, sem que o seja por meio da<br />

modificação legislativa. Neste caso, o Presidente atua politizando a burocracia, ou seja,<br />

influenciando a administração na aplicação parcial e viciada das leis em benefício da<br />

realização de suas iniciativas.


Como afirma ACKERMAN, “quanto mais o Congresso frustra o desejo do<br />

Presidente em transformar o seu programa político em lei, mais ele será tentado a<br />

realizar os seus objetivos politizando a administração ‘sobre quaisquer projetos de<br />

leis’”.<br />

No sistema parlamentarista, como o governo não atua sob o modo de impasse,<br />

mas sim sob o modo da autoridade plena, o Primeiro-Ministro não terá dificuldade de<br />

aprovar seus projetos no Parlamento, cuja maioria o apóia e lhe dá sustentação, não<br />

sendo necessário apelar para a politização da máquina administrativa.<br />

E é melhor que seja assim, haja vista o alto custo para influenciar a máquina<br />

burocrática no modelo parlamentarista, em comparação ao modelo estadunidense.<br />

Como já dito, estes modelos possuem espécies diferentes de burocratas. No<br />

Parlamentarismo, encontramos os burocratas de longa carreira, que atuam pautados na<br />

ética webermariana da neutralidade burocrática; por outro lado, no Presidencialismo,<br />

encontramos os burocratas de carreira de curto prazo, correligionários politizados do<br />

governo de cada dia. Considerando estas diferenças, é muito mais custoso para um<br />

Primeiro-Ministro tentar influenciar sua burocracia do que para um Presidente.<br />

Considerando estas circunstâncias, ACKERMAN conclui que a relação entre<br />

Governo e burocracia, no modelo parlamentarista, se apresenta mais segura para o<br />

Estado de Direito:<br />

“Em resumo, a estrutura de incentivos parlamentares parece melhor nos dois lados da<br />

‘equação do Estado de Direito’: os custos para modificar a lei são mais baixos e os custos de<br />

supressão pela sanção burocrática são mais altos. Portanto, a pressão sobre o Estado de<br />

Direito será maior em um sistema de estilo estadunidense.”<br />

Com efeito, o ambiente de lealdade à figura do Presidente é propício à<br />

exorbitação da legalidade, sendo muito comum os burocratas correligionários do<br />

Presidente ultrapassarem os limites do Estado de Direito e “tomarem a lei nas suas<br />

próprias mãos”. A exacerbação destes desvios de legalidade encontra na atuação do<br />

controle judicial um grande limite, o qual deverá atuar orientado por um procedimento<br />

do tipo engendrado pela lei de procedimentos administrativos norte-americana.<br />

Acontece, que mesmo uma atividade permanente e eficaz do controle judicial sobre os<br />

desvios de comportamento da burocracia não impede que se considere, também sob a<br />

perspectiva da especialidade funcional, que uma presidência eleita seja uma inimiga<br />

poderosa do Estado de Direito.


Para o professor ACKERMAN, o modelo adequado de separação de poderes,<br />

sob a perspectiva da especialidade funcional, conjugaria os elementos positivos dos dois<br />

sistemas: um Parlamentarismo e um judicial review baseado em uma lei de<br />

procedimentos administrativos do estilo estadunidense:<br />

“De um lado, o sistema parlamentar reduz o número de ataques burocráticos ao Estado de<br />

Direito; por outro, o mecanismo estadunidense do judicial review funciona como um<br />

<strong>segundo</strong> filtro aos mesmos riscos. Essa é, de qualquer fora, a lógica fundamental que me<br />

levou anteriormente a sugerir a aplicação do judicial review ao regulador burocrático no<br />

meu modelo de parlamentarismo limitado.”<br />

F. As Ordens de Objeções<br />

Duas são as principais ordens de objeções teóricas à formulação de<br />

ACKERMAN, que poderiam ser assim resumidas:<br />

1. O mito do Estado de Direito<br />

A interpretação absolutamente imparcial da lei seria um mito, seja por força da<br />

natural indeterminação semântica dos enunciados normativos, que convida ao<br />

intérprete/aplicador a um desenvolvimento normativo criativo, seja por força da<br />

inevitável carga de pré-compreensões dos intérpretes que influi no resultado da<br />

interpretação. Diante de tal flexibilidade interpretativa, não poderia haver tensão entre a<br />

separação de poderes no modelo estadunidense e o Estado de Direito, justamente por ser<br />

este último um mito.<br />

2. O mito da expertise<br />

Trata-se de um reducionismo que não enxerga qualquer necessidade de<br />

tecnicidade na administração pública, pois tudo se resumiria a uma questão de política,<br />

de modo que não haveria “nada de errado com a ‘porta giratória’, cabendo aos políticos<br />

fazer bom uso da sua intuição presidencialmente aprovada durante o período em que<br />

ocuparam a cúpula burocrática”.<br />

Para ACKERMAN, estas visões são extremadas, e por isso incomodam menos<br />

do que a percepção de que cada vez mais se torna lugar comum a aceitação da<br />

politização da burocracia como regra, e não como exceção. É o “efeito irradiante” da<br />

hipertrofia da politização do modelo estadunidense de separação dos poderes.


4. A perspectiva dos Direitos Fundamentais<br />

Avaliar a separação dos poderes sob a perspectiva dos direitos fundamentais é<br />

procurar, sob um viés mais individualista, solucionar a seguinte questão: “Como a<br />

separação de poderes protege os direitos fundamentais?”.<br />

A construção dessa resposta deve passar necessariamente pela noção de que<br />

os direitos fundamentais representam uma limitação derradeira ao exercício do poder<br />

legiferante.<br />

A. A Instância Democrática<br />

A extensão da proteção dos direitos fundamentais está ligada intimamente ao<br />

próprio conceito de democracia.<br />

É pacífico que certos direitos, considerados verdadeiras condições<br />

procedimentais da democracia, como a liberdade de votar e de ser votado, a liberdade de<br />

expressão, etc., devem ser protegidos judicialmente, notadamente por Cortes<br />

Constitucionais, contra iniciativas de políticos eleitos que procuram evitar novos testes<br />

eleitorais e assim se manterem no poder.<br />

O professor ACKERMAN levanta a dúvida se esta função de controle, que o<br />

professor ELY (Democracy and Distrust) denomina de “reforço de representação”, deve<br />

ser confiada apenas a uma Corte Constitucional ou se pode ser também confiada a<br />

algum órgão não-judicial.<br />

O professor entende que “agências independentes” seriam um bom<br />

instrumento para controlar, como órgão não-judicial, a higidez dos processos eleitorais.<br />

Seria uma espécie de “Instância Democrática”, que poderia, no exercício de suas<br />

funções, (i) redesenhar distritos eleitorais de acordo com as novas dinâmicas<br />

populacionais, (ii) interpretar e fazer cumprir leis de financiamento de campanhas, ou<br />

ainda (iii) simplesmente assegurar a contagem correta dos votos.<br />

Esta Instância Democrática encontraria nos políticos mal-intencionados seus<br />

principais opositores, daí que, seu sucesso depende da outorga de uma estrutura que lhe<br />

assegure independência, especialmente em relação à Presidência.<br />

Acontece, que a maior dificuldade para que uma agência deste tipo realmente<br />

funcione é convencer políticos e juízes a abandonarem o dogma de que a separação dos<br />

poderes deve resumir-se apenas à tríade tradicional Legislativo-Executivo-Judiciário, e<br />

assim vislumbrarem que uma Instância Democrática possa atuar como um órgão ou<br />

instituição dotada de autonomia em relação a qualquer um destes poderes tradicionais.


Uma revisão desta visão ortodoxa da separação dos poderes se faz necessária<br />

para que uma função desse tipo possa ser exercida por um centro de decisão<br />

independente de quaisquer dos poderes tradicionais.<br />

É evidente então a necessidade de se conferir dignidade constitucional à<br />

instância para assegurar sua autonomia; por outro lado, a extensão de sua competência<br />

dependerá do desenho constitucional conferido à democracia.<br />

Se para a constituição, democracia é um conceito que exige tão somente a<br />

correção na contagem de cédulas eleitorais, a competência da agência resumir-se-á em<br />

controlar o processo de contagem de votos; por outro lado, se a constituição configura a<br />

democracia como exigência de um processo justo que inclui a “imparcialidade na<br />

definição dos distritos legislativos e justiça na distribuição dos recursos financeiros<br />

durante as campanhas políticas”, a competência da agência será muito mais ampla.<br />

De qualquer forma, seja qual for o ideal de democracia assumido pela<br />

constituição, ela deverá criar mecanismos que assegurem a sua efetivação.<br />

A Instância da Democracia pode ser este instrumento, mas, para ter sucesso na<br />

manutenção do processo eleitoral justo, ela deverá ser estruturada constitucionalmente<br />

de forma que seja isolada dos interesses político-partidários.<br />

Mas além de sua imparcialidade perante os movimentos partidários, a<br />

instância deverá também ser inteiramente independente do governo do dia.<br />

Orçamento próprio, privilégios de imunidade e vencimentos próprios de Juiz<br />

de Cortes Supremas, estabilidade no cargo, etc., são elementos que podem assegurar a<br />

independência necessária.<br />

Não se têm dúvidas de que a configuração desta instância representaria uma<br />

reconfiguração da separação dos poderes, uma atualização, em que Inglaterra e Índia<br />

são exemplos de países que estão na vanguarda.<br />

B. A Tutela dos Direitos Fundamentais<br />

Não obstante a garantia de um processo eleitoral justo ser realmente uma<br />

exigência democrática e de afirmação de direitos fundamentais, não se deve admitir que<br />

a proteção dos direitos fundamentais se resuma à garantia de eleições livres e justas.<br />

Sem embargo, ainda que legitimamente eleitos, e ainda que observado o devido<br />

processo legal legislativo, as maiorias de cada tempo não podem adotar medidas<br />

normativas que violem direitos e liberdades fundamentais, ainda que reiteradamente<br />

deliberadas e aprovadas.


Na verdade, esta visão corresponde ao escopo originário da separação dos<br />

poderes <strong>segundo</strong> a tradição liberal revolucionária.<br />

Neste sentido, os direitos fundamentais seriam uma limitação ao exercício do<br />

poder político-legislativo pela maioria, o que, em última análise, equivale a uma tensão,<br />

que é uma grande marca dos diálogos constitucionais modernos, entre a liberdade de<br />

autogoverno popular e as limitações constitucionais em favor dos direitos fundamentais,<br />

em suma, entre democracia e constituição.<br />

E para os democratas convictos, mais vale assegurar a liberdade de<br />

autogoverno popular, ainda que em detrimento dos direitos individuais.<br />

Porém, no pensamento constitucional moderno, não tem mais cabimento<br />

aceitar que o legislador democrático possua um campo de liberdade absoluta de<br />

conformação, sendo certo que toda constituição deve impor certos limites aos poder<br />

político em favor da proteção dos direitos fundamentais.<br />

Mas a questão principal é a de saber como se comporta a separação dos<br />

poderes no âmbito de proteção dos direitos fundamentais por meio da limitação<br />

constitucional ao exercício democrático do autogoverno popular.<br />

Para ACKERMAN, tudo depende do que se entenderia por “fundamental”, ou<br />

seja, de qual seria a extensão dos direitos fundamentais.<br />

Duas são as concepções possíveis.<br />

B.1. Liberalismo Laissez-Faire<br />

O partidário do liberalismo laissez-faire defende o mínimo de intervenção<br />

estatal e chega a afirmar que o Estado é a única ameaça ao desenvolvimento das<br />

liberdades fundamentais.<br />

Sob esta base filosófica, o liberal desta espécie é a favor da teoria da<br />

especialização funcional para a burocracia e os Tribunais.<br />

Por sua vez, a separação dos poderes no modelo estadunidense oferece certa<br />

vantagem ao liberal puro, mas não se mostra capaz de superar suas maiores<br />

desvantagens.<br />

Como se sabe, para os liberais puros, o status quo fornece uma base<br />

apropriada para o desenvolvimento dos direitos individuais, e o modelo estadunidense<br />

de separação dos poderes, a maior parte das vezes atuando sob o modo de impasse,<br />

fornece condições suficientes para a manutenção deste estado de coisas.


É que, no modo de impasse, os movimentos políticos concorrentes estão tão<br />

preocupados com as acusações recíprocas, que não sobra tempo para intervenções na<br />

ordem econômica e social, o que favorece a manutenção do status quo.<br />

Mas, como já dito, esta vantagem é pequena em relação às desvantagens.<br />

Em primeiro lugar, quando o modelo estadunidense de separação dos poderes<br />

funciona sob o modo de autoridade plena, o governo costuma extrapolar em suas<br />

medidas legislativas, muitas vezes lesivas aos direitos fundamentais, e o que é pior, com<br />

pretensão de serem entricheiradas, de modo que se torne difícil revogá-las ou modificá-<br />

las posteriormente, ainda que o comando do governo tenha mudado de mãos.<br />

Em <strong>segundo</strong> lugar, a separação dos poderes no modelo estadunidense, como<br />

dito, debilita a separação sob o viés da especialização funcional, o que representa uma<br />

grande ameaça ao Estado de Direito e aos direitos fundamentais, seja porque interfere<br />

na aplicação das leis pelos Tribunais, retirando-lhes a imparcialidade, seja porque<br />

provoca a hiperpolitização da burocracia.<br />

Em terceiro lugar, ainda existe o risco do colapso constitucional ou “pesadelo<br />

de Linz”, que significaria transformar democracia em tirania, o que não pode ser aceito<br />

por qualquer liberal, independente de sua linha filosófica.<br />

Diante destas constatações, parece que o Parlamentarismo Limitado oferece<br />

maiores garantias aos direitos fundamentais dos liberais puros, seja porque permite o<br />

judicial review, seja porque evita colapsos constitucionais, a corrosão do Estado de<br />

Direito e a hiperpolitização da burocracia.<br />

B.2. Liberalismo Ativista: a Justiça Distributiva<br />

Diferentemente dos liberais laissez faire, os liberais ativistas (liberais-<br />

igualitaristas) não vêem o Estado como único agente capaz de violar os diretos<br />

fundamentais, mas que estes podem ser violados por ignorância, pobreza e preconceito.<br />

Daí que o liberal ativista não requer a abstenção do Estado, muito pelo contrário, requer<br />

sua intervenção com o objetivo de minimizar o desequilíbrio de forças entre fortes e<br />

fracos, ricos e pobres, patrões e empregados, brancos e negros, etc.<br />

Por entender o intervencionismo estatal como algo necessário para a proteção<br />

das liberdades fundamentais, os partidários do liberalismo ativista enxergam os<br />

momentos de impasse governamental como um mal, e por isso não podem aceitar o<br />

modelo estadunidense de separação de poderes como adequado.


Por outro lado, o liberal ativista também não achará o Parlamentarismo<br />

Limitado totalmente satisfatório, haja vista sua preocupação com a “capacidade<br />

excêntrica de parlamentos eleitos de tolerar as injustiças entricheiradas no status quo e<br />

considerará alguns novos usos da separação de poderes como um remédio potencial”.<br />

O ativista liberal luta contra o ciclo vicioso em que a injustiça gera a fraqueza<br />

política, e a fraqueza política contínua serve para a manutenção da injustiça. Como as<br />

vítimas da injustiça social, da ignorância, da pobreza e do preconceito “têm dificuldades<br />

de mobilizar-se para a ação política eficaz”, os políticos, interessados em sempre ganhar<br />

as próximas eleições, investirão seus esforços nos ricos e educados, mantendo-se o<br />

status quo com o quadro de injustiça social e vitória nas urnas.<br />

O professor ACKERMAN oferece a alternativa da criação de uma “Instância<br />

da Justiça Distributiva”, a ser criada naqueles momentos de grande mobilização<br />

nacional. Mais uma vez, a sua criação dependerá de uma revisão do axioma da<br />

separação tradicional de poderes apenas entre as três esferas de decisão conhecidas; para<br />

o professor de Yale, os direitos sociais e econômicos, de caráter positivo, que exigem<br />

comportamentos positivos do Estado, dependem desta instância para que não se<br />

transformem em algo absolutamente inútil.<br />

O efeito deste modelo de indiferença política democrática em face dos pobres<br />

e ignorantes é o surgimento da denominada “judicialização das questões políticas e<br />

sociais”. Como o político democrático não se sente ameaçado por movimentos políticos<br />

levantados pela classe de desafortunados e injustiçados, seja pela debilidade destes<br />

movimentos, seja pela sua própria inexistência na maior parte das vezes, ele não<br />

responderá aos anseios desta classe e, portanto, dará pouca importância aos preceitos<br />

constitucionais programáticos sobre a justiça distributiva, restando então à classe<br />

desprivilegiada postular junto ao Judiciário as medidas necessárias para assegurar a<br />

execução destes direitos positivos de desenvolvimento social e econômico.<br />

desejável.<br />

Mas o fenômeno da judicialização das políticas públicas não é algo de todo<br />

Como bem anota o professor ACKERMAN, falta ao Judiciário capacidade<br />

institucional para definir e determinar, no âmbito da macrojustiça, as alocações<br />

orçamentárias necessárias para a consecução das políticas públicas sociais e econômicas<br />

adequadas, além desta tarefa acabar por desviar o foco do Judiciário a ponto de<br />

enfraquecer a efetividade das tradicionais liberdades fundamentais negativas:


“Mesmo que uma corte constitucional estivesse disposta a levar a tais garantias textuais a<br />

sério, aos juízes faltaria a capacidade terapêutica de ordenar as grandes apropriações<br />

orçamentárias necessárias para transformar ‘direitos positivos’ em realidades sociais. No<br />

final do dia, ‘as garantias’ constitucionais de estado social não mereceriam o papel no qual<br />

elas foram escritas”<br />

Mas tudo isso não significa que os liberais ativistas devem se contentar, como<br />

fazem os liberais puros, com a proteção das liberdades negativas, mas sim que, antes de<br />

confiarem aos Tribunais a realização dos direitos positivos, deverão lutar pela revisão<br />

constitucional da separação tríade de poderes e pela implantação de uma “Instância de<br />

Justiça Distributiva.”<br />

A primeira medida constitucional adequada para a criação desta Instância de<br />

Justiça Distributiva seria a da reserva de um determinado percentual do orçamento para<br />

que a mesma possa cumprir diretamente as suas funções; seria algo parecido com o que<br />

é feito pela CF/88 no que tange à vinculação de receitas de impostos à saúde e à<br />

educação. Esta reserva deveria ser cumprida antes de quaisquer outras transferências ou<br />

dotações orçamentárias. Esta medida, estando formalmente assegurada na constituição,<br />

estaria fora do jogo político democrático e das pressões dos lobbies dos poderosos e<br />

ricos no momento da elaboração do orçamento. O não cumprimento desta dotação<br />

orçamentária, expressamente prevista na constituição, representaria violação frontal e<br />

direta de regra constitucional, ensejando assim a intervenção das Cortes<br />

Constitucionais.<br />

Mas também deve existir a preocupação com o controle dos atos dos membros<br />

que compõem esta Instância, de forma a não permitir que os mesmos utilizem estes<br />

recursos em proveito próprio.<br />

Uma primeira forma de permitir este controle é não estabelecer projetos<br />

complexos, mas sim tarefas mais simples a serem cumpridas pela Instância, tais como a<br />

distribuição de tenda mínima às camadas pobres e miseráveis da população.<br />

Os serviços mais complexos, e não menos importantes, como saúde ou<br />

educação, devem continuar entregues às decisões políticas cotidianas, ao passo que a<br />

entrega de subvenções econômicas, que certamente não resolverá por completo o<br />

problema da desigualdade social, mas que já representa um bom começo, deve ser<br />

confiada à Instancia de Justiça Distributiva independente e autônoma, especialmente em<br />

relação à Presidência.


Todo este arranjo institucional se justificaria em nome desta terceira base<br />

lógica da separação dos poderes, ou seja, em nome da proteção dos direitos<br />

fundamentais; mas é certo que mais deve ser feito:<br />

“Mesmo com a instância funcionando de uma maneira confiável, muito mais será exigido<br />

para atingir uma sociedade razoavelmente justa. Mas esta brecha larga revela só que a teoria<br />

liberal da separação, como toda técnica jurídica, tem limitações sérias. Ao incitar a criação<br />

de instâncias separadas dedicadas a direitos democráticos e justiça distributiva, o liberal<br />

ativista não deseja negar a importância central da política democrática (teoria um) e a<br />

especialização funcional (teoria dois). Ele simplesmente sugere que, considerando as<br />

ambições complexas do governo democrático liberal, talvez possamos construir uma melhor<br />

estrutura com três teorias, em vez de duas.”<br />

5. Conclusão: O Formato da Nova Separação de Poderes<br />

“A separação de poderes é uma boa idéia, mas não há nenhuma razão para<br />

supor que os escritores esgotaram sua excelência”. Com esta afirmação, o professor<br />

ACKERMAN pretende desenvolver uma teoria da separação de poderes que vai além<br />

das idéias iniciais lançadas por Montesquieu e por Madison, ou seja, (i) que vai além do<br />

modelo tradicional, de inspiração liberal revolucionária, de separação dos poderes em<br />

apenas três centros de decisão – Legislativo, Executivo e Judiciário – vindo a propor a<br />

criação de outros centros de decisão autônomos e independentes com funções<br />

específicas e, portanto, muito menos abrangentes em relação aos tradicionais poderes,<br />

(ii) e que também vai além, no caso específico do modelo madisoniano, da separação do<br />

poder legiferante entre um presidente independente, uma câmara de representação<br />

popular e um senado federalista forte, com poderes simétricos ao da câmara.<br />

Como alternativa, o professor propõe um modelo de Parlamentarismo<br />

Limitado, ou seja, um modelo sem a presença de um Presidente forte e independente,<br />

mas formado por um Primeiro-Ministro, apontado por um Parlamento composto por<br />

uma Câmara baixa forte e um Senado federalista fraco, e que não é [o Parlamento]<br />

soberano como o modelo Westminster, mas que sofre limitações tanto pelas decisões<br />

fundamentais que devem ser tomadas diretamente pelo povo em referendos populares<br />

sequenciais, quanto pelas Cortes Constitucionais que asseguram a vigência destas<br />

decisões populares fundamentais. O poder político ainda seria limitado por novos<br />

centros de decisão, autônomos em relação aos poderes tradicionais, tais como a<br />

Instância da Integridade burocrática, a Instância da Democracia e a Instância da Justiça<br />

Distributiva.


O professor constrói seu modelo a partir da exploração do que ele denominou<br />

de “três bases lógicas da separação de poderes”: (I) a legitimidade democrática; (II) a<br />

especialidade funcional; e (III) os direitos fundamentais.<br />

(I) sob a perspectiva da legitimidade democrática, o professor propõe:<br />

(I.1) uma Câmara de representação popular democraticamente eleita;<br />

(I.2) o governo seria indicado por esta Câmara;<br />

(I.3) esta Câmara seria responsável pela aprovação da legislação<br />

ordinária;<br />

(I.4) a presença, em Estados federativos, de um Senado federalista fraco;<br />

(I.5) a presença, em Estados unitários, de um Senado nacional forte, uma<br />

segunda câmara com poderes simétricos à primeira câmara;<br />

(I.6) a política do Parlamento seria limitada por decisões fundamentais<br />

tomadas pelo povo por meio de referendos populares sequenciais;<br />

(I.7) estas decisões populares fundamentais seriam asseguradas por<br />

Cortes Constitucionais, cuja atuação também consistiria em uma<br />

limitação ao exercício do poder político pelo Parlamento.<br />

A este modelo, que rejeita tanto a separação dos poderes de estilo<br />

estadunidense entre presidente independente, câmara e senado de poderes simétricos,<br />

quanto o modelo de Parlamentarismo soberano de Westminster, o professor<br />

ACKERMAN deu a denominação de Parlamentarismo Limitado.<br />

Mas, o Parlamentarismo Limitado, construído pelo professor ACKERMAN,<br />

não se resume à solução de uma casa e meia mais uma corte constitucional mais o povo,<br />

mas sim que outros limites são impostos ao centro de poder de decisões, e que são<br />

formulados tanto sob o viés da exigência de especialização funcional da burocracia e<br />

dos Tribunais, quanto da emergência de proteção dos direitos fundamentais.<br />

(II) sob a perspectiva da especialização funcional, o professor propõe:<br />

(II.1) o centro de poder seria limitado por Tribunais independentes e<br />

imparciais;


(II.2) a burocracia seria pautada na ética webemariana da neutralidade<br />

burocrática e isolada ao máximo das pressões político-partidárias;<br />

(II.3) o centro de poder também seria limitado por uma “Instância da<br />

Integridade”, formada por uma agência independente que teria a função<br />

de julgar o governo sob o parâmetro da integridade político-<br />

administrativa, investigando hipóteses de corrupção e abusos de poder<br />

similares;<br />

(II.4) a presença de uma “Instância Regulatória”, por meio da qual a<br />

burocracia regulamentar desenvolve criativamente as leis aprovadas pelo<br />

Parlamento, como que um legislador suplementar, com o objetivo de<br />

construir um Estado justo e eficiente.<br />

(III) sob a perspectiva dos direitos fundamentais, o professor propõe:<br />

(III.1) o poder político seria limitado por uma Instância Democrática,<br />

como que uma instância não-judicial, que asseguraria, ao lado do judicial<br />

review, os direitos básicos de participação política dos cidadãos,<br />

garantindo assim um processo eleitoral justo;<br />

(III.2) o poder político seria também limitado por uma Instância de<br />

Justiça Distributiva que asseguraria aos pobres e miseráveis um patamar<br />

mínimo de renda de forma a lhes assegurar as condições mínimas de<br />

sobrevivência e iniciais de liberdade (o mínimo existencial), e com isso<br />

reequilibrar o jogo político-democrático por meio da capacitação mínima<br />

desta classe excluída para que possam defender seus direitos políticos; a<br />

exigência desta instância também fundamenta-se na falta de capacidade<br />

institucional do Judiciário e de sua visão deficiente dos efeitos sistêmicos<br />

de suas decisões, especialmente no que tange à redefinição das políticas<br />

públicas voltadas para os direitos socais e econômicos e à alocação de<br />

recursos orçamentários em um ambiente de escassez de recursos e de<br />

“escolhas dramáticas” a serem tomadas;<br />

(III.3) por fim, o poder político seria limitado por Cortes Constitucionais<br />

encarregadas de proteger, em favor de todos, os direitos fundamentais.


Toda a construção do professor ACKERMAN parte de sua incômoda<br />

desconfiança de que um Estado moderno não deve se limitar a dividir o poder em<br />

apenas três ou quatro instâncias; e não é o número de instâncias para o professor, que<br />

torna o sistema mais ou menos complexo, mas sim os riscos de patologias legislativas e<br />

a interrupção da coerência da administração pública técnica que são provocadas pelos<br />

equívocos na separação de poderes do estilo estadunidense, como as crises de<br />

governabilidade e a hiperpolitização da burocracia.<br />

Daí que, como bem defende ACKERMAN, independente do número de<br />

instâncias que ele proponha, o seu modelo é mais vantajoso por destacar “um número de<br />

funções especiais do controle parlamentar direto, sem gerar as difundidas rupturas<br />

burocráticas.”<br />

Mas o professor reconhece que o modelo madisoniano tradicional está tão<br />

enraizada na cultura norteamericana que seria muito difícil reverter este quadro e adotar<br />

novas formulações. Porém, ao menos os estudos servem para demonstrar que o modelo<br />

estadunidense de separação de poderes não deve servir como paradigma a ser seguido<br />

pelas novas democracias que emergem na América Latina e na Europa Oriental.<br />

Por sua vez, o professor também reconhece que a só engenharia constitucional<br />

da “nova separação de poderes” não é suficiente diante de muitas sociedades que são<br />

marcadas por profunda exclusão social, e por isso pensa que o modelo deva ser<br />

“combinado com sensibilidade cultural e realismo econômico”.<br />

De qualquer forma, as dificuldades teóricas ou práticas, abstratas ou concretas,<br />

que podem sofrer o modelo proposto, não servem para desmerecê-lo, mas muito pelo<br />

contrário, elas impõem o constante diálogo em busca da formulação contínua, criativa, e<br />

até audaciosa de novos modos de separação dos poderes, como o professor<br />

ACKERMAN defende, em tom conclusivo:<br />

“Estamos apenas na primeira etapa de enfrentamento dos três grandes desafios da idade<br />

moderna: tornar o ideal da soberania popular uma realidade possível no governo moderno,<br />

remir o ideal de perícia burocrática e integridade em uma base contínua e tutelar direitos<br />

liberais fundamentais garantindo recursos básicos de autodesenvolvimento a todo e cada<br />

cidadão. Honraremos Montesquieu e Madison melhor ao buscar novas formas<br />

constitucionais para lidar com esses desafios, mesmo ao custo de transcender formulações<br />

tríades familiares.”

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