Revista Funed - Fundação Ezequiel Dias
Revista Funed - Fundação Ezequiel Dias
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GESTÃO, CIÊNCIA & SAÚDE<br />
REVISTA DA FUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS<br />
Volume 3, número 2, julho/dezembro de 2008<br />
<strong>Funed</strong> – <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong><br />
Belo Horizonte<br />
Periódico semestral
É<br />
com grande satisfação que avançamos<br />
com a revista científica da <strong>Funed</strong>,<br />
Gestão, Ciência & Saúde, lançando<br />
o terceiro número e caminhando em busca da sua<br />
indexação na rede Scielo (scientific eletronic library<br />
online) e na Bireme (biblioteca virtual em saúde), centro<br />
especializado da Organização Pan-Americana da<br />
Saúde, em colaboração com os Ministérios da Saúde<br />
e da Educação e com a Secretaria da Saúde e Universidade<br />
Federal do Estado de São Paulo.<br />
Mais contentamento sentimos pelo registro de valorosas<br />
contribuições em várias áreas do conhecimento<br />
relacionadas à saúde pública, vindas de diversas instituições<br />
atuantes nessa esfera.<br />
As contribuições da casa vêm de representantes do Centro<br />
de Informação Científica, Histórica e Cultural com a<br />
descrição da homenagem pelo centenário da <strong>Fundação</strong><br />
<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> e o registro das principais comemorações<br />
ocorridas durante o ano de 2007, importantes eventos<br />
científicos, históricos e tecnológicos, que mobilizaram<br />
todos os servidores, destacando a vitória de uma instituição<br />
pública que agregou nos seus mais de cem anos de<br />
existência conhecimento científico e valores sociais.<br />
A colaboração da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento<br />
trata de alguns aspectos relativos à utilização<br />
de espécies vegetais no desenvolvimento<br />
de fitofármacos e fitoterápicos, assim como da regulamentação<br />
brasileira para esses medicamentos,<br />
demonstrando o interesse da instituição para a bioprospecção<br />
de produtos naturais vegetais, a exemplo<br />
de vários países desenvolvidos, para a produção de<br />
novos fármacos.<br />
A Diretoria do Instituto Octávio Magalhães apresenta<br />
duas relevantes contribuições, relatos das atividades<br />
de vigilância sanitária de alimentos: a que avalia a influência<br />
do inóculo de Aspergillus parasiticus na produção<br />
de aflatoxinas, fungos contaminantes de uma grande<br />
variedade de alimentos cujas toxinas apresentam<br />
atividades carcinogênica, teratogênica e mutagênica,<br />
ilustrada, experimentalmente, em grãos de amendoim,<br />
e aquela que descreve o papel do Laboratório Central<br />
de Saúde Pública de Minas Gerais (LACEN-MG) na<br />
investigação de surtos de toxinfecções alimentares por<br />
enterotoxinas, permitindo estabeler uma análise de,<br />
risco dos produtos alimentícios e gerando informações<br />
orientadoras de programas para a produção e comercialização<br />
de alimentos no território nacional.<br />
Foi convidada a participar deste número a consultora<br />
nacional para vigilância sanitária da Organização Pan-<br />
Americana da Saúde com uma excelente contribuição<br />
que avalia o regulamento técnico das boas práticas<br />
para a fabricação de medicamentos como instrumento<br />
de vigilância sanitária nacional por meio do método<br />
de análise documental participativa, centrada nos<br />
aspectos de suficiência, abrangência e compreensão<br />
textual, e concluí que esse instrumento exige melhorias,<br />
recomendando a adequação da apresentação e a<br />
complementação de seu conteúdo temático, a revisão<br />
do nível de detalhamento e a adoção de providências<br />
visando superar algumas falhas documentais.<br />
A Universidade Federal de Minas Gerais, convidada<br />
a participar do terceiro número da Gestão, Ciência<br />
& Saúde, apresenta uma revisão sobre os aspectos<br />
conceituais e históricos do currículo da Faculdade de<br />
Medicina, desde a sua criação em 1941, as modificações<br />
ocorridas em 1975, ainda em funcionamento,<br />
acarretando estagnação e retrocesso, e refere-se à<br />
nova transformação curricular em curso, proposta<br />
pelo Ministério da Educação do Brasil. O primeiro autor<br />
dessa revisão recebeu a “Homenagem Personalidade<br />
Médica Mineira 2008”, na categoria Atividade<br />
Docente, reconhecida pela Associação Médica, pelo<br />
Conselho Regional de Medicina e pelo Sindicato dos<br />
Médicos do Estado de Minas Gerais.<br />
Outro destaque deste volume é o representante da Fhemig,<br />
que abrilhanta nossa <strong>Revista</strong> com um artigo original<br />
que relata a importância da racionalidade de gestão<br />
sobre a saúde financeira de hospitais que lidam com<br />
vítimas com lesões cardiovasculares, ilustrado com dados<br />
do Hospital João XXIII, fortalecendo o papel da auditoria<br />
de contas para o setor assistencial de saúde.<br />
Finalizando temos a contribuição da Pontifícia Universidade<br />
Católica de Minas Gerais, que apresenta parte<br />
da história das ciências naturais em nosso País destacando<br />
como marco responsável pelo conhecimento dos<br />
produtos naturais brasileiros, bem como de seus usos<br />
e propriedades, a vinda de Dona Maria Leopoldina ao<br />
Brasil acompanhada pela missão científica que incluía<br />
os dois cientistas referenciados no texto e que instaura<br />
um período áureo de viagens científicas, dando início à<br />
profícua pesquisa acerca da flora e fauna brasileiras.<br />
A meta da Gestão, Ciência & Saúde de registrar e divulgar<br />
o conhecimento desenvolvido na nossa e demais<br />
instituições atuantes em saúde pública faz parte da missão<br />
da <strong>Funed</strong> de “participar da construção do Sistema<br />
Único de Saúde, protegendo e promovendo a saúde”.<br />
Que este número incentive a participação da comunidade<br />
científica com novas contribuições importantes<br />
na área do conhecimento das ciências da saúde!<br />
Thais Viana de Freitas<br />
Coordenação Editorial<br />
APRESENTAÇÃO
EXPEDIENTE<br />
Coordenação Editorial<br />
Editora: Thais Viana de Freitas<br />
Representante <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>:<br />
Carlos Alberto Pereira Gomes<br />
Conselho Editorial Científico<br />
Anna Bárbara de Freitas Carneiro Proietti<br />
Presidente da <strong>Fundação</strong> Centro de<br />
Hematologia e Hemoterapia de Minas<br />
Gerais - HEMOMINAS<br />
Armando da Silva Cunha Júnior<br />
Professor do Departamento de Produtos<br />
Farmacêuticos da Faculdade<br />
de Farmácia da Universidade Federal<br />
de Minas Gerais<br />
Benedito Scaranci<br />
Superintendente de Epidemiologia<br />
da Secretaria de Estado de Saúde<br />
Carlos Alberto Pereira Tavares<br />
Pró-Reitor de Pesquisa da Universidade<br />
Federal de Minas Gerais<br />
Carlos Alberto Tagliati<br />
Professor do Departamento de<br />
Análises Clínicas e Toxicológicas<br />
da Faculdade de da Faculdade de<br />
Farmácia da Universidade Federal<br />
de Minas Gerais<br />
Edson Perini<br />
Professor do Departamento de<br />
Farmácia Social da Faculdade de da<br />
Faculdade de Farmácia da Universidade<br />
Federal de Minas Gerais<br />
Eugênio Vilaça Mendes<br />
Consultor da Secretaria de Estado<br />
de Saúde de Minas Gerais<br />
Evaldo Ferreira Vilela<br />
Secretário-Adjunto da Secretaria<br />
de Estado de Ciência, Tecnologia e<br />
Ensino Superior de Minas Gerais<br />
Francisco de Assis Acurcio<br />
Professor do Departamento de<br />
Farmácia Social da Faculdade de da<br />
Faculdade de Farmácia da Universidade<br />
Federal de Minas Gerais<br />
Geraldo Luchesi<br />
Consultor da Câmara dos Deputados<br />
Federais<br />
José Geraldo de Freitas Drumond<br />
Presidente da <strong>Fundação</strong> de Amparo<br />
a Pesquisa do Estado de Minas<br />
Gerais – FAPEMIG<br />
Josiano Gomes Chaves<br />
Diretor de Desenvolvimento Estratégico<br />
e Pesquisa da <strong>Fundação</strong> Hospitalar<br />
do Estado de Minas Gerais<br />
- FHEMIG<br />
Lin Chih Cheng<br />
Professor do Departamento de Engenharia<br />
de Produção da Faculdade de<br />
Engenharia da Universidade Federal<br />
de Minas Gerais<br />
Luiz Fernando Lima Reis<br />
Diretor de Pós-Graduação do Centro<br />
de Pesquisa e Ensino da <strong>Fundação</strong><br />
Antônio Prudente (Hospital do Câncer<br />
A. C. Camargo)<br />
Mário Neto Borges<br />
Diretor Científico da <strong>Fundação</strong> de<br />
Amparo a Pesquisa do Estado de<br />
Minas Gerais – FAPEMIG<br />
Orenzio Soler<br />
Consultor da Organização Pan-Americana<br />
da Saúde<br />
Paulo Eduardo Mayorga Borges<br />
Professor do Departamento de<br />
Produção e Controle de Medicamentos<br />
da Faculdade de Farmácia da<br />
Universidade Federal do Rio Grande<br />
do Sul<br />
Paulo Lee Hoo<br />
Diretor do Centro de Biotecnologia<br />
do Instituto Butantan<br />
Rosane Marques Crespo Costa<br />
Presidente da <strong>Fundação</strong> de Educação<br />
para o Trabalho de Minas Gerais<br />
– UTRAMIG<br />
Comitê Editorial Executivo<br />
Marina de Castro Figueiredo<br />
Assessora de Comunicação Social<br />
da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong><br />
Anna Maria Leite Pereira de Andrade<br />
Chefe do Centro de Informação<br />
Científica, Histórica e Cultural da<br />
<strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong><br />
Revisores contribuintes<br />
Ana Maria Arruda Lana<br />
(Universidade Federal de Minas Gerais)<br />
Flávio Diniz Capanema<br />
(<strong>Fundação</strong> Hospitalar do Estado de<br />
Minas Gerais)<br />
Gecernir Colen<br />
(Universidade Federal de Minas Gerais)<br />
João Carlos Pinto <strong>Dias</strong><br />
(Centro de Pesquisas René Rachou<br />
– Fio Cruz)<br />
Luiz Simeão do Carmo<br />
(Universidade Federal de Minas Gerais)<br />
Maria de Fátima Fassy<br />
(<strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>)<br />
Maria Helena Savino<br />
(<strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>)<br />
Maria Mercedes Silva Petres<br />
(Pontifícia Universidade Católica de<br />
Minas Gerais)<br />
Mônica Maria Oliveira Pinho Cerqueira<br />
(Universidade Federal de Minas Gerais)<br />
Myrna Sabino<br />
(Instituto Adolfo Lutz)<br />
Patrícia Machado de Oliveira<br />
(Universidade Federal dos Vales do<br />
Jequetinhonha e Mucuri)<br />
Rita de Cássia Marques<br />
(Universidade Federal de Minas Gerais)<br />
Roberto Marini Ladeira<br />
(<strong>Fundação</strong> Hospitalar do Estado de<br />
Minas Gerais)<br />
Solange de Oliveira Bicalho<br />
(Pontifícia Universidade Católica de<br />
Minas Gerais)<br />
Tânia Maria de Almeida Alves<br />
(Centro de Pesquisas René Rachou<br />
– Fiocruz)<br />
Gestão, Ciência & Saúde - <strong>Revista</strong><br />
da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong><br />
Periódico semestral dedicado à publicação<br />
de conteúdo técnico-científico com<br />
informações que contribuam significativamente<br />
para o conhecimento nas<br />
ciências da saúde e gestão, aberto à<br />
contribuição da comunidade científica e<br />
distribuído a leitores de todo o País.<br />
Criação, Editoração Eletrônica e<br />
Produção Gráfica<br />
Rodrigo Cardoso de Araújo<br />
Impressão<br />
Autêntica Editora<br />
Tiragem<br />
800 exemplares<br />
Endereço para Correspondência<br />
Conselho Editorial Científico da Gestão,<br />
Ciência & Saúde – <strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong><br />
<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong><br />
Centro de Informação Científica, Histórica<br />
e Cultural<br />
<strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong><br />
Rua Conde Pereira Carneiro, 80 - Bairro<br />
Gameleira<br />
30 510-010, Belo Horizonte/MG<br />
gestaocienciaesaude@funed.mg.gov.br
<strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>: 100 anos de história<br />
Fabiana Melo Neves -------------------------------------------------------------------------------------------- 7<br />
Utilização de espécies vegetais para o desenvolvimento de medicamentos:<br />
fitofármacos e fitoterápicos<br />
Carolina Paula de Souza Moreira<br />
Vera Lúcia de Almeida ---------------------------------------------------------------------------------------- 17<br />
Influência do tamanho do inóculo de esporos de Aspergillus parasiticus<br />
na produção de aflotoxinas em amendoim (Arachis hypogaea L.)<br />
Guilherme Prado<br />
Jovita Eugênia Gazzinelli Cruz Madeira<br />
Vanessa Andréa Drummond Morais<br />
Marize Silva de Oliveira<br />
Mabel Caldeira de Andrade<br />
Robson de Assis Souza<br />
Ignácio José de Godoy<br />
Joenes Mucci Peluzio<br />
Raphael Sanzio Pimenta ------------------------------------------------------------------------------------ 29<br />
Detecção de enterotoxinas estafilocócicas e de linhagens enterotoxigênicas<br />
em alimentos envolvidos em surtos de toxinfecção alimentar<br />
Ricardo Souza <strong>Dias</strong><br />
Ana Carolina Cordeiro Soares<br />
Camilla dos Santos Pinheiro<br />
Leandro Leão Faúla ------------------------------------------------------------------------------------------- 37<br />
O regulamento técnico das boas práticas para a fabricação de medicamentos<br />
(RDC-210/03) como instrumento de vigilância sanitária nacional<br />
Éji Pons Machado --------------------------------------------------------------------------------------------- 45<br />
O Curriculum e o currículo médico da UFMG<br />
Ari de Pinho Tavares<br />
Roberto Assis Ferreira ---------------------------------------------------------------------------------------- 57<br />
Tomada de decisões para o trauma cardiovascular: contribuições da<br />
auditoria a partir de um estudo feito no Hospital João XXIII/Fhemig<br />
Ricardo Costa-Val<br />
Maria Cristina Marques -------------------------------------------------------------------------------------- 71<br />
A vinda de Maria Leopoldina para o Brasil e o avanço das ciências<br />
naturais: um olhar sobre a obra de Martius e Spix<br />
Maria Raquel Joana dos Reis<br />
Renata Vieira da Cunha<br />
Vanessa Regina de Queiroz -------------------------------------------------------------------------------- 81<br />
SUMÁRIO
6 Gestão, Ciência & Saúde
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
FUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS: 100 ANOS DE HISTÓRIA<br />
FOUNDATION EZEQUIEL DIAS: 100 YEARS OF HISTORY<br />
Fabiana Melo Neves<br />
Historiadora, Especialista em História da Ciência pela UFMG, Historiadora do Centro de Informação Científica<br />
Histórica e Cultural da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, fabiana@funed.mg.gov.br<br />
RESUMO<br />
Apresenta-se, neste artigo, o quadro histórico das<br />
origens da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, com o intuito de<br />
registrar as comemorações do centenário de uma das<br />
maiores instituições de ciência, saúde e pesquisa do<br />
País. O resgate e o registro da sua história contribuem<br />
para a preservação da memória institucional, pois não<br />
há identidade sem memória.<br />
Palavras-chave: História, Saúde Pública, Memória,<br />
Ciência<br />
ABSTRACT<br />
This article presents the historical roots of the<br />
<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> Foundation, with the intent to register<br />
the celebrations of the centenary of one of<br />
the most prestigious health and science research<br />
institution in this country. The recovery and record<br />
of its history contribute for the preservation of the<br />
Institution memory.<br />
Keywords: History, Public Health, Memory, Science<br />
7
8 Gestão, Ciência & Saúde<br />
1. INTRODUçãO<br />
Tempo de comemorações e recordações. Tempo<br />
de histórias e memórias. Assim, foi o ano de 2007<br />
na <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> (<strong>Funed</strong>). Ano em que<br />
a Instituição comemorou o seu centenário. Momento<br />
em que o passado foi recuperado pelo<br />
presente, por meio de diversos eventos institucionais,<br />
reafirmando sua identidade e seu papel<br />
social na saúde pública.<br />
Historicamente, a <strong>Funed</strong> tem investigado no tempo<br />
e no espaço o seu processo de construção e<br />
formação, observando que tanto a memória tem<br />
sido construída com base nas narrativas do presente<br />
quanto a história tem se tornado o resultado<br />
de experiências que se acumularam ao longo<br />
do tempo. Dessa forma, a <strong>Funed</strong> atribui sentido<br />
ao seu processo de criação e ao papel desempenhado<br />
na saúde coletiva.<br />
2 - AS ORIGENS<br />
O século XIX foi marcado por períodos de grandes<br />
mudanças políticas, econômicas, culturais e<br />
sociais no Brasil. O contato com os países europeus,<br />
a introdução de conceitos positivistas e<br />
evolucionistas, aliados às novas aspirações da<br />
nascente república e da industrialização, promoveram<br />
o surgimento das primeiras instituições<br />
científicas no País. Essas entidades focalizavam<br />
a aplicação dos resultados nas necessidades brasileiras,<br />
na exploração dos recursos naturais, na<br />
expansão agrícola e no saneamento urbano e de<br />
portos.<br />
Várias instituições foram criadas, principalmente<br />
em São Paulo e no Rio de Janeiro, para dar suporte<br />
ao desenvolvimento da economia nacional.<br />
Em 1899, foi criado o Instituto Soroterápico Municipal,<br />
instalado na antiga Fazenda de Manguinhos,<br />
no Rio de Janeiro. Com o objetivo de fabricar<br />
o soro antipestoso e cuidar de uma violenta<br />
epidemia de peste bubônica no Porto de Santos,<br />
Tinha como diretor-geral o Barão de Pedro Afonso<br />
e como diretor-técnico o jovem bacteriologista<br />
Oswaldo Cruz.<br />
Em 1902, Oswaldo Cruz assumiu a direção geral<br />
do novo Instituto e selecionou <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> como<br />
seu assistente. O Instituto ampliou suas atividades<br />
e investiu, principalmente, na formação de recursos<br />
humanos, como Miguel Couto, Carlos Chagas,<br />
Marques Lisboa, <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, entre outros.<br />
Em 1905, <strong>Ezequiel</strong> foi então nomeado Diretor de Higiene<br />
do Laboratório Bacteriológico do Rio de Janeiro<br />
e encaminhado para o Maranhão, onde passou a<br />
desenvolver estudos sobre o Beribéri. Após alguns<br />
meses regressou para o Rio de Janeiro em razão do<br />
agravamento do seu estado de saúde, mas deixou<br />
no Maranhão um completo laboratório de pesquisa,<br />
além de ensinamentos experimentais sobre serviços<br />
de higiene pública de saúde. Por recomendação médica<br />
e em caráter definitivo, seguiu imediatamente<br />
para Belo Horizonte, cujo clima era considerado saudável<br />
para o tratamento da sua doença.<br />
Em Minas Gerais, o clima não estava diferente; a nova<br />
capital do Estado, Belo Horizonte, acabava de nascer<br />
a partir da visão moderna e progressista da república.<br />
A cidade fora planejada de acordo com os ditames<br />
científicos da época, respirava salubridade e modernidade,<br />
era uma cidade em sintonia com o seu tempo.<br />
Na medida em que a economia agrícola e a pecuária<br />
ganhavam força e se desenvolviam no Estado de<br />
Minas Gerais, surgiam pragas agrícolas, doenças<br />
bovinas e moléstias humanas que reduziam<br />
a capacidade da mão de obra produtiva e o andamento<br />
do desenvolvimento regional e nacional,<br />
sendo necessário combater as pragas do campo<br />
para não atingir os animais, e conseqüentemente<br />
o crescimento econômico, e o meio urbano.<br />
Depois de um ano instalado na nova capital mineira<br />
e com expressiva melhora, Oswaldo Cruz<br />
convidou <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> para dirigir a primeira filial<br />
do Instituto Manguinhos em Belo Horizonte.<br />
A inauguração do Instituto Filial de Manguinhos,<br />
em 1907, veio demonstrar e reafirmar os novos<br />
conceitos de ciência e de saúde, se dedicando<br />
à pesquisa e ao combate das pragas que ameaçavam<br />
o desenvolvimento econômico do Estado<br />
e da nova capital. Ao mesmo tempo, o Instituto<br />
revelava novos pesquisadores, que lutavam para<br />
semear e fazer florescer o espírito científico em<br />
Belo Horizonte. Em 3 de agosto de 1907 foi inaugurada<br />
em Belo Horizonte, na Rua da Bahia, onde<br />
hoje funciona a biblioteca pública do Estado, a<br />
primeira filial do Instituto Manguinhos (FIG. 1).
FIGURA 1 - Instituto filial de Manguinhos na Rua da<br />
Bahia em Belo Horizonte- 1907. Acervo do Centro de<br />
Informação Científica Histórica e Cultural - <strong>Funed</strong><br />
Para a implantação da filial, o governo de Minas<br />
cedeu na Praça da Liberdade, do lado esquerdo<br />
do Palácio da Liberdade, uma casa de aparência<br />
modesta, que foi adaptada pelo o arquiteto português<br />
Luís de Morais, o mesmo que projetou o castelo<br />
mourisco de Manguinhos no Rio de Janeiro.<br />
Nos três primeiros anos, a atividade da filial se<br />
limitava à produção de linfas vacínicas contra as<br />
diferentes moléstias dos criadores de suíno, de<br />
gado bovino e eqüino e ao preparo e conservação<br />
do soro antidiftérico e anticarbunculoso.<br />
Em abril de 1910, o raio de ação da filial se ampliou<br />
após uma visita de Oswaldo Cruz a Belo Horizonte<br />
para uma conversa com o diretor de higiene do Estado<br />
de Minas Gerais, Zoroastro Alvarenga. A instituição<br />
começou a preparar vacinas antivariólicas e<br />
de peste da Manqueira e se encarregou de realizar<br />
exames necessários ao diagnóstico de doenças e de<br />
assuntos de higiene de Belo Horizonte.<br />
Nesse momento também foi anexada à filial a Fazenda<br />
do Leitão, hoje a região do Museu Abílio Barreto,<br />
para instalar uma enfermaria veterinária e um posto<br />
de observação. Na fazenda seriam examinados os<br />
animais suspeitos de doenças e se fariam experiências<br />
de profilaxia e terapêutica. Durante esse período<br />
o Instituto realizou inúmeros trabalhos, pesquisas e<br />
exames relacionados aos problemas rurais, como febre<br />
aftosa, peste dos polmões, moléstia de chagas,<br />
escorpionismo, entre outros. Haja visto que Minas foi<br />
um dos primeiros Estados da nação a ter uma insti-<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
tuição científica para auxiliar no desenvolvimento da<br />
indústria pastoril, seu grande forte na época.<br />
Em fevereiro de 1918 foi assinado o contrato entre<br />
o governo de Minas e o Instituto Oswaldo Cruz Filial<br />
para o funcionamento do serviço antiofídico em Minas<br />
Gerais. O Posto Antiofídico tinha a função de colher<br />
o veneno das serpentes que lhe eram enviadas<br />
pelos fazendeiros. Esse veneno era remetido para o<br />
Instituto Butantan, que retornava com o soro antiofídico.<br />
As serpentes raras ou desconhecidas ficavam<br />
no posto para estudo científico. Os materiais para<br />
captura das serpentes e as propagandas dos meios<br />
de luta contra o ofidismo eram fornecidos pelo Instituto<br />
filial. Em troca, o Estado de Minas Gerais cederia<br />
um terreno ao lado da filial, executaria as obras<br />
de construção e subvencionaria o Instituto com uma<br />
verba mensal para manutenção do posto.<br />
A filial de Manguinhos foi uma espécie de berço da<br />
comunidade científica em Minas Gerais, pois promovia,<br />
como no Rio de Janeiro, reuniões semanais na<br />
biblioteca ou na casa de <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, geralmente<br />
às quintas-feiras, para discutir artigos científicos nacionais<br />
e estrangeiros. No café com biscoitos compareciam<br />
médicos, estudantes, pesquisadores e professores<br />
para resumir e comentar os artigos científicos<br />
recém-chegados da Europa (FIG. 2). Há indícios de<br />
que esses saraus contribuíram para a criação da Faculdade<br />
de Medicina, em 1911, o que iniciou uma colaboração<br />
duradoura que uniu a pesquisa, a produção<br />
e o ensino e deu início à discussão da necessidade de<br />
uma instituição para o tratamento e pesquisa do câncer<br />
em Minas Gerais. Em 1920, o Instituto Radium é<br />
criado por Borges da Costa, notável cirurgião também<br />
formado em Maguinhos.<br />
Em 1922, <strong>Ezequiel</strong> morreu de tuberculose. Octávio<br />
Magalhães assumiu a direção da filial e verificou que<br />
a situação financeira do Instituto não era muito boa,<br />
com um balanço financeiro em déficit e uma baixa<br />
renda. Magalhães fez um estudo das possibilidades<br />
de crescimento e das necessidades da Instituição.<br />
Começou seu trabalho procurando melhorar os contratos<br />
de venda de produtos e ampliou a produção<br />
de novas vacinas e soros capazes de aumentar a<br />
renda e obter novos clientes. Depois propôs a reformulação<br />
do contrato com o Instituto Butantan, pois<br />
havia uma desproporção entre o soro conseguido<br />
pelo veneno remetido e o soro devido aos fazendeiros<br />
pelas cobras enviadas por eles.<br />
9
10 Gestão, Ciência & Saúde<br />
FIGURA 2 - Reunião de cientistas. De pé, da esquerda<br />
para direita: Eugênio Sousa e Silva, Irineu Lisboa, J.<br />
Aroeira Neves, Odorico Nines. Sentado: Henrique Marques<br />
Lisboa, <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, Octávio Magalhães, Eurico<br />
Vilela. Acervo do Centro de Informação Científica Histórica<br />
e Cultural-<strong>Funed</strong><br />
As viagens ao interior do Estado eram um pontochave<br />
no papel do Instituto, além de ser uma herança<br />
dos mestres Oswaldo Cruz e <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>.<br />
Pesquisavam-se doenças humanas e de animais,<br />
de Chagas, escorpionismo, ofidismo, esquistossomose,<br />
bouba, varíola e outras. Por meio das excursões,<br />
também se colecionava e resgatava materiais<br />
de análise científica. Os elementos recolhidos eram<br />
organizados para a montagem de uma geografia<br />
médica e veterinária de Minas Gerais e dava ao<br />
Instituto condições e elementos de combate aos diferentes<br />
ramos da patologia.<br />
Aos poucos o Instituto <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> introduzia melhorias<br />
para obter novos produtos e conseqüentemente<br />
mais renda. Começou a preparar sulfato de cobre para<br />
o tratamento da febre aftosa, a vacina contra o “mal<br />
triste das aves” (tifose aviária), o soluto de urotropina<br />
para epitelioma das aves e a vacina contra a pneumonterite<br />
dos bezerros ou “peste dos pulmões”. (6)<br />
Em 1931 os exames microbiológicos aumentaram<br />
significativamente, tornando-se uma importante fonte<br />
de matéria-prima para as pesquisas epidemiológicas.<br />
Os estudos visavam o desenvolvimento de atividades<br />
preventivas no controle das doenças e, para tanto, o<br />
Instituto realizava o estudo e os diagnósticos epidemiológicos,<br />
além dos trabalhos de pesquisa científica,<br />
que geraram inúmeros artigos publicados nas melhores<br />
revistas nacionais e estrangeiras.<br />
Apesar do aumento das atividades, o Instituto enfrentava<br />
grandes dificuldades financeiras na liberação de<br />
recursos do governo federal. Assim, Octávio Magalhães<br />
reivindicou a transferência da Instituição para a<br />
jurisdição de Minas Gerais. Em 1936 o processo concluído,<br />
o governo anunciou a ampliação do Instituto e<br />
a mudança para a Fazenda Gameleira.<br />
Em 1940, com a implantação do Instituto na Fazenda<br />
Gameleira, o governo de Minas sonhava em exercer<br />
o papel de escola modelo de saúde pública e de<br />
centro de pesquisa e cultura biológica por todo o Estado<br />
de Minas, pelo País e pelo mundo. Para tanto,<br />
aumentou a produção de soros, vacinas, produtos<br />
químicos e biológicos para hospitais e para as campanhas<br />
sanitárias dentro de suas fronteiras. Prontificou-se<br />
a investir, a manter e a custear o Instituto,<br />
prometendo medidas para ampliar e desenvolver<br />
seus produtos, sempre visando a defesa humana, a<br />
vegetal e a animal daquele Estado.<br />
Em 1941, o então interventor de Minas, Benedito Valadares,<br />
proíbe as atividades de pesquisa desenvolvidas<br />
em Bambuí pelos pesquisadores do Instituto Biológico<br />
<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>. Decreta uma reforma radical de toda a<br />
estrutura da Instituição e anuncia Antônio Valadares<br />
Bahia, seu parente, como o novo diretor do Instituto<br />
Biológico. Magalhães apresenta um relatório detalhado<br />
do andamento das atividades do Instituto e se despede.<br />
Nesse momento, a Instituição perde seu fio condutor,<br />
não havendo mais intercâmbio com os pesquisadores<br />
e os ensinamentos da escola de Oswaldo Cruz.<br />
Uma nova fase se inaugurou com a saída de Octávio<br />
Magalhães do Instituto. Na época o governo de Minas<br />
visava o combate das novas endemias, “transformou o<br />
Instituto num centro de fabricação de vacinas e soros<br />
para o consumo do Estado” (6) em detrimento das outras<br />
atividades da Instituição. Aos poucos, seus inúmeros<br />
pesquisadores deixavam a Instituição por falta de<br />
incentivo, e as atividades de pesquisa foram se atrofiando<br />
aos poucos.<br />
Apesar do grande número de produtos fabricados pelo<br />
Instituto, a década de 1950 foi marcada pela estagnação<br />
da indústria farmacêutica nacional. Ao mesmo tempo<br />
em que o mundo vivia as inovações tecnológicas,<br />
principalmente os antibióticos, ocorriam o estímulo à<br />
entrada de capital e produto estrangeiro no País, levando<br />
ao quadro de dependência tecnológica e industrial<br />
dos laboratórios e instituições de ciências brasileiras.
3 - A MODERNIZAçãO<br />
Na década de 1960, com a retomada da indústria nacional,<br />
foi criado pelo governo federal o Grupo Executivo<br />
da Indústria Farmacêutica (GEIFAR) que tinha como diretriz<br />
realizar ações que fortalecessem a produção farmacêutica<br />
nacional e, por conseqüência, a redução do<br />
custo dos medicamentos. No mesmo período também<br />
foi estabelecido a Relação Nacional de Medicamentos<br />
Essenciais (RENAME) que determinou que os órgãos<br />
da administração pública federal somente adquirissem<br />
medicamentos indicados nessa relação, e a aquisição<br />
deveria ser feita, preferencialmente, em laboratórios<br />
públicos ou privados de capital nacional.<br />
FIGURA 3 - Fábrica de Medicamentos da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong><br />
<strong>Dias</strong> 1980. Acervo do Centro de Informação Científica<br />
Histórica e Cultural-<strong>Funed</strong><br />
Dentro dessa linha, o Instituto <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> amplia sua<br />
cesta de produtos biológicos, passando a oferecer também<br />
outros fármacos (Figura 3). Mas as políticas voltadas<br />
para a área de medicamentos visavam apenas<br />
o fortalecimento da produção em detrimento de outras<br />
áreas, sendo que as “primeiras ações que associavam<br />
o desenvolvimento da indústria farmacêutica à garantia<br />
do acesso da população ao remédio ocorreram somente<br />
após a crise do modelo de assistência social”. (3)<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
A década de 1970 foi o período em que os investimentos<br />
do governo na indústria farmacêutica foram<br />
maiores. A produção industrial no Instituto era moderna<br />
e estava a todo vapor, a <strong>Funed</strong> ficou em terceiro<br />
lugar nacional em produção de fármacos (FIG. 4). Ao<br />
mesmo tempo o Instituto agregava ao seu patrimônio<br />
a Escola de Saúde Pública de Minas Gerais para dar<br />
suporte às suas atividades, além de se transformar de<br />
instituto em fundação, a <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>.<br />
FIGURA 4 - Parque industrial da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong><br />
<strong>Dias</strong> – 1970. Acervo do Centro de Informação Científica<br />
Histórica e Cultural - <strong>Funed</strong><br />
Para dar suporte à política desenvolvimentista, o governo<br />
federal criou a Central de Medicamentos (CEME)<br />
para promover e organizar o fornecimento dos medicamentos<br />
àqueles que não tivessem condições de<br />
adquiri-los, com o objetivo de regular a produção e a<br />
distribuição de medicamentos dos laboratórios farmacêuticos<br />
subordinados ou vinculados aos Ministérios.<br />
Sua principal finalidade estava em implantar progressivamente<br />
a substituição das importações por meio<br />
da implantação de uma proposta de autonomia para<br />
o setor químico-farmacêutico e da consolidação de um<br />
sistema estatal de produção de medicamentos essenciais<br />
(7).<br />
Nesse contexto a <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> passou<br />
a receber apoio técnico, equipamentos e recursos<br />
financeiros da CEME permitindo, assim, o desenvolvimento<br />
de um sistema fabril de medicamentos essenciais<br />
para a saúde pública.<br />
Apesar da crescente produção nacional de medicamentos<br />
essenciais, não havia um consumo homogêneo dos<br />
fármacos. A falta de uma política integrada que permitisse<br />
11
12 Gestão, Ciência & Saúde<br />
um trabalho entre a união, os Estados e os municípios<br />
com as Instituições oficiais, promoviam o desperdício<br />
de muitas unidades em detrimento de outros medicamentos.<br />
Somente na década de 1990 há um redirecionamento<br />
dessa produção para o Sistema Único de<br />
Saúde (SUS). (2)<br />
A crise nacional da produção de soros na década de<br />
1980 forçou o Ministério da Saúde a investir nos institutos<br />
nacionais. A <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> convidou o<br />
bioquímico especialista em veneno, o professor Carlos<br />
Ribeiro Diniz para reativar as atividades de pesquisa<br />
da Instituição, estagnada desde a década de 1940.<br />
O professor Diniz implantou uma nova visão de pesquisa<br />
científica, reestruturou e ampliou os laboratórios e as<br />
linhas de pesquisa, além de incentivar a capacitação dos<br />
pesquisadores. Aos poucos as pesquisa desenvolvidas<br />
na <strong>Funed</strong> voltaram a ter prestígio nacional e internacional.<br />
A <strong>Funed</strong> incorporou ao seu patrimônio a Fazenda São<br />
Judas Tadeu, área de preservação ambiental, doado pelo<br />
governo do de Minas Gerais, para ampliar a produção de<br />
imunobiológicos. Os laboratórios de análise epidemiológica<br />
e sanitária ampliaram suas atividades para todo o<br />
Estado, reativando serviços antes estagnados e criando<br />
outros. E a Escola de Saúde (ESMIG) qualifica e capacita<br />
os profissionais de saúde do Estado.<br />
Na década de 1990 a instituição enfrentou grandes<br />
desafios e dificuldades financeiras. Com os olhos voltados<br />
para a indústria farmacêutica, a <strong>Funed</strong> parecia<br />
ter encontrado a auto-suficiência, mas o restante da<br />
<strong>Fundação</strong> pedia socorro. A falta de investimento nos<br />
laboratórios de análise epidemiológica e sanitária,<br />
em equipamentos e infra-estrutura era grande.<br />
Em 2003, o novo governo de Minas Gerais implantou<br />
uma reforma política no Estado, denominada choque<br />
de gestão, que visava à redução imediata de custos<br />
e a efetivação de um novo desenho institucional mais<br />
moderno e dinâmico. O objetivo era a promoção e o<br />
desenvolvimento mediante a reversão de quadros<br />
de déficits orçamentários por intermédio da busca e<br />
da implementação de novos modelos de gestão.<br />
Na <strong>Funed</strong> houve uma grande mudança em todas as<br />
áreas da instituição, vários laboratórios de análise epidemiológica<br />
e de vigilância sanitária foram reformados,<br />
ampliados e modernizados. A instituição tornou-se referência<br />
nacional tanto na produção de soros e medicamentos<br />
como na realização de pesquisas no campo<br />
de saúde pública, na formação e na capacitação de<br />
recursos humanos para o SUS e no monitoramento<br />
das ações de vigilância sanitária, epidemiológica e ambiental,<br />
além de bater recordes na produção de medicamentos,<br />
com mais de 1 bilhão de unidade (FIG. 5).<br />
Figura 5 - Fábrica de Medicamentos da <strong>Fundação</strong> Eze-<br />
quiel <strong>Dias</strong>. Acervo da Assessoria de Comunicação Social.<br />
Foto: Léo Drumond/ Agência Nitro<br />
Nesse complexo quadro histórico, a <strong>Funed</strong> completa<br />
100 anos de vida sendo uma das maiores instituições<br />
de ciência, saúde e tecnologia do País.<br />
4 - O CENTENÁRIO<br />
As comemorações dos 100 anos da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong><br />
<strong>Dias</strong>, intitulada “Saúde direito de todos”, no ano<br />
de 2007, incluíram uma série de eventos ligados à<br />
promoção da saúde, da ciência e da valorização da<br />
história institucional.<br />
No mês de janeiro de 2007, foram criadas seis comissões<br />
temáticas internas para promover os festejos<br />
durante o ano. Cada comissão era responsável<br />
por um evento e tinha um patrono que fora presidente<br />
da instituição e que estava sendo homenageado<br />
pelo trabalho que foi desenvolvido na época.<br />
No primeiro momento foi realizado um concurso para<br />
a escolha da logomarca símbolo do centenário. Depois<br />
da seleção, várias peças gráficas foram elaboradas<br />
para divulgação da imagem institucional e do<br />
ano comemorativo.<br />
Ao mesmo tempo foi feito uma parceria com a Universidade<br />
Federal de Minas Gerais (UFMG) para a
elaboração de um livro sobre a história da <strong>Funed</strong>.<br />
Uma vasta pesquisa histórica e documental foi realizada<br />
para a elaboração da obra. Inúmeros arquivos,<br />
instituições de pesquisa e funcionários antigos foram<br />
acionados, na busca de novos registros sobre a memória<br />
institucional. Juntamente com o livro, a UFMG<br />
realizou uma amostra fotográfica que remonta, seu<br />
desenvolvimento histórico, científico e tecnológico no<br />
cuidado com a saúde pública.<br />
Em 3 de agosto de 2007, data do aniversário da <strong>Funed</strong>,<br />
com a presença do Secretário de Saúde, do Presidente<br />
da instituição e de diversas autoridades, ocorreu a abertura<br />
oficial das comemorações. A reinauguração do auditório<br />
central, mais moderno e estruturado, o lançamento do<br />
livro: <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>: Um século de promoção<br />
e proteção á saúde, a abertura da exposição fotográfica<br />
no hall principal e o lançamento do cartão telefônico com<br />
a imagem da <strong>Funed</strong> fizeram parte do evento. Houve uma<br />
grande festa confraternização para recepcionar os convidados,<br />
os funcionários e os servidores aposentados que<br />
participaram e fizeram parte da sua trajetória.<br />
A partir da abertura oficial eclodiram diversos outros<br />
eventos. Entre eles o IV Fórum de Ciência e Tecnologia,<br />
com discussões sobre os avanços tecnológicos e<br />
pesquisas que podem gerar produtos e serviços mais<br />
eficientes em saúde pública, como os biofármacos,<br />
medicamentos produzido a partir de organismos vivos.<br />
Em parceria com a ANBio sediou, a <strong>Funed</strong> o<br />
Workshop Internacional de Biossegurança, evento<br />
que reuniu diversos profissionais do mundo<br />
para discutir o cultivo geneticamente modificado e<br />
a evolução dos marcos regulatórios. Promoveu o<br />
seminário Rumo a Excelência-Qualidade e Biossegurança,<br />
em que foi discutida a importância da atuação<br />
dos laboratórios de saúde pública na implantação do<br />
regulamento sanitário internacional e a relevância dos<br />
ensaios de proficiência na gestão da qualidade.<br />
Em setembro, a <strong>Funed</strong> lançou o concurso de redação<br />
para estudantes do ensino médio e da graduação, com<br />
o tema “<strong>Funed</strong>: Há um Século Protegendo e Promovendo<br />
Saúde”, com o objetivo de conscientizar e valorizar<br />
o importante papel social que a instituição exerce e<br />
exerceu na saúde coletiva ao longo desses 100 anos.<br />
Mantendo a preservação da memória viva, a <strong>Fundação</strong><br />
<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> realizou uma sessão solene de<br />
inauguração da pintura do retrato do Prof. Amílcar<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
Viana Martins para compor a galeria de notáveis da<br />
presidência da <strong>Funed</strong>. Juntamente com a solenidade,<br />
foi aberta ao público uma mostra fotográfica em<br />
homenagem ao importante cientista mineiro, que<br />
trabalhou e contribuiu com diversas pesquisas científicas<br />
realizadas no instituto, além de participar da<br />
construção e consagração da ciência da <strong>Funed</strong>.<br />
Amílcar Martins começou a trabalhar no Instituto<br />
<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> em 1924 e desenvolveu importantes<br />
pesquisas de interesse para a saúde pública, como<br />
a Doença de Chagas, a esquistossomose e a febre<br />
maculosa. Foi professor da Faculdade de Medicina de<br />
Minas Gerais, participou da Segunda Guerra Mundial<br />
e dirigiu diversos órgãos de pesquisa e ensino na área<br />
da saúde, além de ter feito uma das maiores e mais<br />
completas coleções de Flebótomos do mundo.<br />
Em novembro, a Instituição organizou o seminário<br />
“Gestão ambiental: Compromisso de todos. <strong>Funed</strong><br />
rumo à sustentabilidade”, com o objetivo de discutir o<br />
Plano de Gerenciamento de Resíduos do Serviço de<br />
Saúde (PGRSS), com o lançamento de uma cartilha.<br />
Debateu temas relacionados à legislação ambiental,<br />
licenciamento e à redução do uso de materiais descartáveis.<br />
Também foi apresentado aos funcionários<br />
o projeto “Minha Caneca”, para sensibilizar os trabalhadores<br />
sobre o uso excessivo de copos descartáveis.<br />
Foi distribuída uma sacola de lixo para os carros<br />
e uma caneca a cada funcionário.<br />
As comemorações do centenário foram um marco na<br />
Instituição, pois mobilizaram todos os funcionários,<br />
além de sediar importantes eventos científicos, históricos<br />
e tecnológicos que contribuíram para o desenvolvimento<br />
e para a preservação da memória da<br />
saúde pública.<br />
5 - CONCLUSãO<br />
“Aqueles que perdem suas origens, perdem sua<br />
identidade também” (1).<br />
A celebração do centenário da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong><br />
<strong>Dias</strong> foi muito mais do que uma comemoração institucional.<br />
Representou a vitória de uma empresa<br />
que agregou ao longo do tempo conhecimento científico<br />
e valores sociais. Poucas instituições no Brasil<br />
completam 100 anos de vida, atuando da mesma<br />
forma e em pleno vigor, apesar dos inúmeros percalços<br />
pelo caminho.<br />
13
14 Gestão, Ciência & Saúde<br />
A história da <strong>Funed</strong> justifica o seu importante papel<br />
na saúde pública e na luta em defesa do social. Hoje<br />
revigorada, suas ações se multiplicam e ultrapassam<br />
fronteiras, sempre em busca da excelência e da qualidade<br />
dos serviços prestados.<br />
A instituição tem uma história que está sendo construída<br />
diariamente e, preservar a sua memória, é contribuir<br />
para a preservação da saúde pública. Assim,<br />
“acompanhar a dinâmica da história, registrando-a<br />
para as futuras gerações, possibilitará às instituições<br />
um novo olhar sobre si mesmas, conscientizando-se<br />
de sua responsabilidade e do seu compromisso com<br />
a sociedade” (8).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
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Belo Horizonte:Editora UFMG,2007.<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
15
16 Gestão, Ciência & Saúde
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
UTILIZAÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DE MEDICAMENTOS:<br />
FITOFÁRMACOS E FITOTERÁPICOS<br />
USE OF PLANT SPECIES FOR THE DEVELOPMENT OF MEDICINES: PHYTOMEDICINES<br />
AND PHYTOTHERAPICS<br />
Carolina Paula de Souza Moreira 1 , Vera Lúcia de Almeida 2<br />
1 Graduada em Farmácia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestre em Ciências da Saúde pelo<br />
Centro de Pesquisas René Rachou – Fiocruz, Pesquisadora no Serviço de Bioprospecção Farmacêutica, Divisão<br />
de Ciências Farmacêuticas, Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento, <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, carolina.<br />
moreira@funed.mg.gov.br; 2 Graduada em Farmácia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestre em<br />
Química pela Universidade Federal de Minas Gerais, Pesquisadora no Serviço de Bioprospecção Farmacêutica,<br />
Divisão de Ciências Farmacêuticas, Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento, <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>,<br />
vera.almeida@funed.mg.gov.br<br />
RESUMO<br />
As plantas têm sido utilizadas para o tratamento de<br />
doenças desde o início da humanidade e ainda hoje<br />
constituem uma fonte inestimável de produtos naturais,<br />
os quais são empregados no desenvolvimento<br />
de fitofármacos, além da utilização para a produção<br />
de fitoterápicos. Este trabalho descreve o desenvolvimento<br />
de fitofármacos e fitoterápicos, bem como<br />
a regulamentação brasileira de medicamentos fitoterápicos.<br />
Palavras-chave: Fitoterápicos, Fitofármacos, Produtos<br />
Naturais<br />
ABSTRACT<br />
Plants have been used to treat diseases since<br />
the beginning of mankind and are still an invaluable<br />
source of natural products that are used for<br />
the development of phytomedicine. In addition,<br />
they can also be used for the production of phytotherapics.<br />
This review has focussed attention<br />
on the development of phytomedicine and phytotherapics<br />
as well as on the Brazilian legislation<br />
regarding phytotherapics.<br />
Keywords: Phytotherapics, Phytomedicine, Natural<br />
Products<br />
17
18 Gestão, Ciência & Saúde<br />
1. INTRODUçãO<br />
O homem sempre buscou na natureza a cura para<br />
as suas doenças. Um dos primeiros relatos sobre<br />
o uso de plantas medicinais vem da Mesopotâmia<br />
em 2600 a.C. (26).<br />
A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece<br />
que 80% da população dos países em<br />
desenvolvimento utilizam práticas tradicionais<br />
na atenção primária à saúde, e 85% dessa parcela<br />
fazem uso de plantas ou de preparações<br />
delas (5,14,44). Além do mais as plantas são a<br />
base da medicina tradicional praticada por milhares<br />
de anos em países como a China e a<br />
Índia (32).<br />
As plantas podem ser utilizadas na terapêutica<br />
como fitofármacos e fitoterápicos (ou fitomedicamento).<br />
Os fitofármacos utilizam compostos isolados<br />
de plantas como matéria-prima. Os fitoterápicos,<br />
por sua vez, são medicamentos obtidos<br />
empregando exclusivamente matérias-primas vegetais.<br />
Não se considera fitoterápico aquele que<br />
contém substâncias ativas isoladas de qualquer<br />
origem (19).<br />
Este artigo tem como objetivo tratar de alguns<br />
aspectos relativos à utilização de espécies vegetais<br />
no desenvolvimento de medicamentos,<br />
abrangendo tanto os aspectos gerais do isolamento<br />
de produtos naturais bioativos e sua participação<br />
na elaboração de fitofármacos quanto<br />
o emprego de material vegetal na produção de<br />
fitoterápicos.<br />
2. PRODUTOS NATURAIS NA BUSCA DE<br />
FÁRMACOS<br />
Apesar dos avanços em técnicas utilizadas na<br />
busca de novos fármacos como a química combinatória,<br />
técnicas de planejamento racional, quimioinformática<br />
e bioinformática, os produtos naturais<br />
(PN’s) continuam a ser uma importante fonte<br />
de novos compostos bioativos (13,37). O GRAF. 1<br />
mostra a influência dos produtos naturais como<br />
fonte de novas substâncias bioativas no período<br />
de 1981-2006 (33).<br />
GRÁFICO 1 - Fontes de novas substâncias bioativas no período<br />
de 1981-2006 (n= 983). N produto natural; DN derivados<br />
vindos de produtos naturais; S substância totalmente sintética;<br />
S* substância sintética, mas grupo farmacofórico vindo de PN.<br />
Fonte: Newman, 2008 (33).<br />
A descoberta de novas técnicas de síntese, como a<br />
síntese em larga escala e a química combinatória,<br />
com a promessa de geração rápida de grandes coleções<br />
de substâncias, as quais poderiam ser testadas<br />
utilizando bioensaios em larga escala (HTS – High<br />
Throughput Screening) acarretou em um declínio<br />
na pesquisa de PN. No entanto, nos últimos tempos<br />
tem-se observado um interesse crescente no uso de<br />
plantas na busca por novos fármacos (33).<br />
O desenvolvimento de novas técnicas de isolamento,<br />
identificação e bioensaios tem contribuído para o renascimento<br />
da busca por PN bioativos. É possível citar:<br />
1.<br />
2.<br />
3.<br />
Avanços em métodos cromatográficos que têm<br />
levado ao aumento da capacidade de separação<br />
e isolamento das substâncias. Além disso, o acoplamento<br />
às técnicas espectrométricas (métodos<br />
hifenados) possibilitou a identificação online das<br />
substâncias, ou seja, identificação das substâncias<br />
em misturas complexas sem a necessidade<br />
de isolamento e purificação das mesmas. Esse<br />
método é conhecido como desreplicação e evita a<br />
“redescoberta” de compostos já conhecidos (13).<br />
Avanços na tecnologia de elucidação estrutural,<br />
como técnicas modernas de ressonância magnética<br />
nuclear (RMN) pulsada e espectrometria<br />
de massa, têm facilitado a determinação estrutural<br />
dos compostos isolados.<br />
O desenvolvimento de bioensaios automatizados,<br />
específicos e seletivos, que podem avaliar<br />
rapidamente e de forma economicamente viável<br />
frações e extratos vegetais (30) e facilitar a determinação<br />
da atividade biológica e a toxicidade<br />
de extratos, frações e substâncias puras.
4.<br />
5.<br />
Em 2005 o mercado mundial de fármacos originados<br />
de plantas foi estimado em aproximadamente<br />
U$ 18 bilhões. Espera-se que em<br />
2011 a arrecadação seja de cerca de U$ 26<br />
bilhões, representando uma média de crescimento<br />
de 6,6% entre 2006 e 2011 (37).<br />
Em contraste à relevância dos PN e seu crescente<br />
uso como fonte de novas substâncias<br />
bioativas, existe uma lacuna no conhecimento<br />
das plantas quando comparadas com a diversidade<br />
existente. São conhecidas aproximadamente<br />
400.000 espécies de plantas no<br />
mundo, sendo que apenas 10% delas foram<br />
caracterizadas quimicamente. Dessa forma,<br />
existe um potencial inexplorado de plantas<br />
como fonte de novas substâncias químicas<br />
(NCEs) (5,23).<br />
3. VANTAGENS E DESVANTAGENS DO<br />
USO DE PRODUTOS NATURAIS NA BUSCA<br />
DE FÁRMACOS<br />
Os compostos de origem natural desempenham<br />
papéis importantes na indústria de fármacos:<br />
1.<br />
2.<br />
3.<br />
4.<br />
5.<br />
São fonte de fármacos cuja síntese é difícil<br />
e inviável do ponto de vista econômico. Diferentes<br />
classes químicas de PN originaram<br />
diferentes fármacos de distintas classes terapêuticas,<br />
como, por exemplo, a morfina, a<br />
pilocarpina, a hipericina e os digitálicos (4).<br />
Podem ser utilizados, na produção de medicamentos<br />
como mistura de uma determinada classe<br />
de substâncias, extratos ou planta in natura.<br />
Podem ser utilizados, como precursores para<br />
a síntese de fármacos (alguns compostos são<br />
modificados por métodos químicos ou biológicos<br />
para produzir drogas mais potentes).<br />
São utilizados como adjuvantes farmacêuticos<br />
na produção de medicamentos.<br />
Podem ser utilizados como protótipos para a<br />
síntese de novos medicamentos (38). Vários<br />
fatores favorecem o uso de PN como protótipos<br />
de novas substâncias bioativas: sua grande diversidade<br />
estrutural, com estruturas complexas<br />
com vários estereocentros e grupos funcionais<br />
diferentes; a singularidade das moléculas e a<br />
diversidade de mecanismos de ação presentes<br />
(5,13). Além do mais, os PNs têm sido selecionados<br />
por pressão evolutiva, assim podem interagir<br />
com uma grande variedade de proteínas<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
e alvos biológicos (18). Podemos citar como<br />
exemplo o alcalóide quinina, isolado das cascas<br />
de espécies de Cinchona, que deu origem<br />
aos derivados antimaláricos cloroquina e mefloquina<br />
obtidos por modificação molecular (26).<br />
Existem vários fatores limitantes no uso de PN na<br />
busca de fármacos, quando comparados ao uso<br />
de compostos sintéticos, como, por exemplo:<br />
1.<br />
2.<br />
3.<br />
4.<br />
5.<br />
As substâncias bioativas estão presentes em<br />
pequenas concentrações nas plantas e normalmente<br />
como misturas de compostos com<br />
características químicas e físicas muito similares,<br />
o que dificulta o seu isolamento (25).<br />
A quantidade da substância ativa isolada muitas<br />
vezes é insuficiente para sua utilização nas<br />
várias etapas do desenvolvimento de fármaco.<br />
A identificação da espécie vegetal pode ser incorreta,<br />
o que impossibilita sua recoleta (30).<br />
As substâncias ativas presentes em pequenas<br />
quantidades podem não ser detectadas,<br />
uma vez que são utilizados extratos brutos<br />
nos processos de triagem.<br />
Interações entre os componentes da mistura (antagonismo,<br />
sinergismo) podem ocorrer, levando<br />
a resultados que algumas vezes não são observados<br />
quando se testa a substância pura (46).<br />
4. PROCEDIMENTOS GERAIS PARA OB-<br />
TENçãO DE SUBSTÂNCIAS BIOATIVAS<br />
Embora as plantas possam conter centenas de<br />
metabólitos secundários, apenas os que estão<br />
em maior concentração são geralmente isolados,<br />
identificados e testados biologicamente (46). O<br />
processo para o isolamento e a identificação de<br />
novas substâncias bioativas originadas de plantas<br />
pode ser caro e demorado. A metodologia geral<br />
empregada pode ser observada na Figura 2.<br />
4.1.Seleção da planta e da coleta<br />
Várias abordagens podem ser utilizadas para seleção<br />
da espécie a ser estudada, entre elas podemos citar a<br />
randômica, a etnofarmacológica, a quimiotaxonômica e<br />
a observação ecológica (28). Na primeira abordagem,<br />
a escolha da planta é realizada sem um critério específico.<br />
A desvantagem desse método é o grande número<br />
de plantas testadas, sendo um processo oneroso. No<br />
segundo método, a seleção da espécie é feita segundo<br />
19
20 Gestão, Ciência & Saúde<br />
o uso farmacológico por uma determinada população,<br />
o que muitas vezes tem levado a melhores<br />
resultados (34). Em quimiotaxonomia, as espécies<br />
são coletadas a partir de grupo vegetal, família<br />
ou gênero previamente definido de acordo com a<br />
classe de PN de interesse (38,47). A observação<br />
ecológica é um método baseado na observação do<br />
meio ambiente e as interações entre os indivíduos.<br />
Por exemplo, a constatação de ausência de predadores<br />
em áreas infestadas com herbívoros pode<br />
indicar a presença de compostos de defesa (5).<br />
As características das plantas (como, por exemplo,<br />
infestação de insetos, ciclo vegetativo), o local e a<br />
época de coleta devem ser cuidadosamente anotados,<br />
uma vez que a concentração dos metabólitos<br />
secundários pode ser alterada segundo o ciclo<br />
vegetativo da planta e as condições ambientais. A<br />
planta coletada deve ser cuidadosamente identificada,<br />
catalogada e a exsicata depositada em herbário<br />
certificado. O material vegetal coletado deve<br />
ser separado, identificado, seco e armazenado em<br />
local adequado (45).<br />
Solicitação de coletas aos órgãos competentes<br />
Preparo do material vegetal<br />
Extração<br />
Análise fitoquímica preliminar e triagem dos extratos<br />
Elucidação<br />
estrutural<br />
Fracionamento biomonitorado<br />
Substâncias puras<br />
Síntese de<br />
análogos<br />
Estudos de<br />
toxicidade<br />
Estudos de<br />
SAR e<br />
QSAR<br />
FIGURA 2 - Metodologia geral para o isolamento, a identificação e a determinação de atividade biológica de produtos<br />
naturais.<br />
É importante ressaltar que a partir da Medida Provisória<br />
nº 2.186-16 de 2001, regulamentada pelos Decretos<br />
nº 3945/01, nº 4946/03, nº 5439/05 e nº 6159/07,<br />
as atividades que visem isolar, identificar, obter informações<br />
de substâncias provenientes do metabolismo<br />
dos seres vivos (componentes do patrimônio genético)<br />
com a finalidade de pesquisa, desenvolvimento<br />
tecnológico ou bioprospecção, bem como a remessa<br />
do patrimônio genético e o acesso ao conhecimento<br />
tradicional existente no País, passaram a depender<br />
de autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio<br />
Genético (CGEM) e do IBAMA (11).<br />
4.2. Preparo de extratos<br />
Os métodos de extração podem ser classificados<br />
em métodos a frio ou a quente. São métodos de<br />
extração a frio: percolação, maceração, extração<br />
com microondas e extração com fluido supercrítico<br />
(36,40). Entre os métodos de extração a quente<br />
pode-se citar a extração utilizando aparelho de soxlet,<br />
a decocção e a infusão (38). A escolha do método<br />
de extração irá depender da parte da planta a
ser extraída, do metabólito secundário de interesse<br />
e da capacidade técnica do laboratório.<br />
A extração pode ser feita com um solvente específico,<br />
com misturas de solvente, ou mesmo utilizando<br />
extração fracionada com aumento de polaridade de<br />
acordo com a série eluotrópica (36). A escolha do<br />
solvente se baseia em critérios como características<br />
da substância a ser extraída, adequação tecnológica<br />
(facilidade de remoção, riscos de inflamabilidade)<br />
e toxicidade (38). Quando as substâncias<br />
presentes na planta não são conhecidas é comum<br />
à utilização do etanol como solvente para obtenção<br />
de extrato, tendo em vista sua característica de extrair<br />
substâncias de diferentes polaridades (16).<br />
4.3. Análise fitoquímica preliminar e triagem<br />
dos extratos<br />
A análise fitoquímica preliminar tem como objetivo<br />
verificar de forma rápida quais as principais classes<br />
de PN presentes na espécie em estudo. Os testes<br />
de caracterização são, geralmente, realizados com<br />
os extratos empregando-se soluções de reagentes<br />
que resultam no desenvolvimento de coloração ou<br />
precipitação características de cada classe (38).<br />
Os extratos obtidos são testados em modelos preditivos<br />
para a atividade biológica selecionada. Em razão<br />
do grande número de amostras a serem analisadas,<br />
os ensaios devem ser simples, rápidos, reprodutíveis<br />
e de baixo custo (16,23). No entanto, apenas aqueles<br />
extratos com substâncias mais potentes e/ou em maior<br />
concentração irão apresentar resultados positivos.<br />
A triagem em coleções de extratos vegetais, geralmente,<br />
é mais trabalhosa e problemática do que em<br />
coleções de substâncias sintéticas. Isso pode ser explicado<br />
se levarmos em consideração a complexidade<br />
dos extratos vegetais, o desconhecimento dos compostos<br />
presentes neles e as propriedades químicas e<br />
físicas indesejáveis de substâncias existentes nos extratos<br />
que podem influenciar os resultados biológicos<br />
de uma maneira não específica, como por exemplo, a<br />
precipitação de proteínas pelos taninos (13).<br />
4.4. Fracionamento biomonitorado<br />
Até alguns anos atrás, o objetivo dos fitoquímicos<br />
era basicamente isolar novos compostos, elucidar<br />
suas estrutura e publicar os resultados obtidos. Hoje<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
tem-se procurado cada vez mais isolar substâncias<br />
bioativas ou mesmo determinar possíveis atividades<br />
biológicas para as substâncias isoladas. Assim, o<br />
isolamento de substâncias tem sido monitorado por<br />
bioensaios in vitro (3,13,17,24).<br />
Os extratos que apresentaram atividade biológica devem<br />
passar por processos de semipurificação. Entre<br />
os processos existentes podemos citar a partição e<br />
a coluna filtrante. O objetivo desses procedimentos é<br />
separar os compostos por diferença de polaridade.<br />
O processo de separação e isolamento pode ser algo<br />
longo e tedioso. O isolamento de PN geralmente combina<br />
várias técnicas de separação. A escolha dos métodos<br />
de separação está relacionada com o tipo de extrato<br />
a ser trabalhado; com a solubilidade, a volatilidade, a<br />
estabilidade das substâncias a serem separadas e as<br />
condições de infraestrutura do laboratório. Os métodos<br />
escolhidos devem ser rápidos, não devem levar à decomposição<br />
das substâncias presentes no extrato, não<br />
devem ocasionar perda do material ou a formação de<br />
artefato. As técnicas de separação mais utilizadas são<br />
os métodos cromatográficos (40).<br />
4.5. Identificação, modificações estruturais e<br />
aspectos toxicológicos<br />
Na identificação dos compostos isolados se utilizam<br />
as técnicas espectrométricas na região do ultravioleta<br />
e infravermelho, espectrometria de massas, RMN<br />
1H e 13C. As informações fornecidas por cada um<br />
destes métodos isoladamente e o cruzamento desses<br />
dados por meio das análises dos espetros obtidos<br />
permitem a elucidação estrutural das substâncias.<br />
A química computacional tem sido usada como uma<br />
ferramenta no estudo fitoquímico de PNs e auxiliado<br />
no trabalho de identificação das substâncias isoladas.<br />
Atualmente, programas computacionais são empregados<br />
na identificação dos compostos isolados pela<br />
comparação de dados espectrométricos obtidos com<br />
os de bancos de dados públicos, comerciais e/ou<br />
próprios (in house). Podemos citar como exemplos<br />
os bancos NMRShiftDB (39) e o ACD/CNMR (1).<br />
Processos como a desreplicação têm facilitado o processo<br />
de estudo fitoquímico de uma espécie. Nesse<br />
processo é feito uma pré-triagem para detectar compostos<br />
conhecidos. As “impressões digitais” (fingerprint)<br />
dos dados espectrais são utilizadas para a busca<br />
21
22 Gestão, Ciência & Saúde<br />
de similaridade nos bancos de dados disponíveis (39).<br />
Nos últimos anos, tem sido visto um desenvolvimento<br />
notável dos métodos cromatográficos analíticos e<br />
preparativos, bem como das técnicas espectrométricas.<br />
O acoplamento das técnicas de separação com<br />
as de identificação (técnicas hifenadas) tem diminuído<br />
o tempo e o custo no descobrimento de NCE. As<br />
cromatografias líquida (CL) e gasosa (CG) têm sido<br />
acopladas com diferentes detectores: espectrômetro<br />
de massas (CL/EM e CG/EM), arranjo de diodos<br />
(CL/UV), IV (CL/IV e CG/IV) e RMN (CL/RMN). Esses<br />
aparelhos também podem ser acoplados a bioensaios<br />
online (23).<br />
Modificação estrutural, estudos de correlação estrutura-atividade<br />
(SAR) e estudos de correlação<br />
estrutura-atividade quantitativa (QSAR) podem ser<br />
realizados para melhorar as propriedades farmacocinéticas<br />
e/ou farmacodinâmicas da substância bioativa.<br />
A modificação molecular racionalmente dirigida é<br />
o método mais utilizado para otimizar estas propriedades.<br />
Muitas mudanças podem ser introduzidas na<br />
molécula dependendo de seus grupos funcionais.<br />
5. FITOFÁRMACO<br />
O desenvolvimento de um fármaco é um processo<br />
caro e demorado, levando em média de 12 a 24 anos<br />
da descoberta de uma substância bioativa até o seu<br />
lançamento no mercado (27).<br />
Para a obtenção de um fitofármaco é necessário seguir<br />
várias etapas conforme a Figura 3. A primeira<br />
etapa é a descoberta de novas substâncias bioativas<br />
(composto líder) como descrito previamente. O<br />
desenvolvimento do fármaco é a segunda etapa.<br />
Seleção de material<br />
vegetal<br />
Ensaios clínicos<br />
e registros<br />
Candidato a fármaco<br />
Obtenção de extratos<br />
Testes farmacológicos, toxicológicos<br />
e farmacocinéticos<br />
O novo composto (composto líder) pode não ter as<br />
propriedades farmacodinâmicas, farmacocinéticas<br />
e químicas adequadas para ser utilizado como um<br />
fármaco. Nesse caso, é necessário realizar modificações<br />
moleculares no composto líder obtendo um<br />
candidato a fármaco com características adequadas.<br />
Posteriormente, esse candidato passará pela fase<br />
de desenvolvimento que compreende as etapas de<br />
síntese ou extração e isolamento em maior escala, a<br />
determinação da formulação e a fase pré-clínica.<br />
A primeira preocupação dos testes pré-clínicos é<br />
mostrar a eficácia da substância em estudo. Comprovada<br />
a efetividade, quantificado o efeito principal<br />
e os efeitos colaterais, é necessário a realização dos<br />
testes de toxicidade.<br />
Esses testes têm como objetivo detectar reações<br />
produzidas pelo uso do produto tanto desencadeadas<br />
pela administração acidental de doses excessivas<br />
como as conseqüentes do acúmulo causado por<br />
um desbalanceamento entre a dose administrada,<br />
o metabolismo e a eliminação do fármaco. A duração<br />
dos testes toxicológicos é variável. Eles podem<br />
ser classificados em dois tipos: toxicidade aguda e<br />
a toxicidade crônica. Alguns estudos de toxicidade<br />
em longo prazo têm características especificas e são<br />
considerados como estudos complementares, como<br />
por exemplo, os testes de teratogenicidade, mutagenicidade,<br />
carcinogenidade, indução de hábito, etc. (38)<br />
A próxima etapa consiste nos ensaios clínicos que são<br />
divididos em 4 fases(Fases I, a IV). A legislação brasileira<br />
(Resolução 1996/96) regulamenta as etapas de<br />
pesquisa na fase clínica. Se o candidato a fármaco<br />
for aprovado na fase clínica (27), pode-se entrar com<br />
pedido de registro de um novo fármaco na ANVISA.<br />
Isolamento guiado por bioensaios<br />
e identificação<br />
Obtenção de<br />
composto líder<br />
Modificação de<br />
composto líder<br />
FIGURA 3 - Metodologia geral para o isolamento, identificação e determinação de atividade biológica de produtos naturais
6. FITOTERÁPICOS<br />
Além de fornecer produtos naturais que são empregados<br />
direta ou indiretamente no desenvolvimento<br />
de medicamentos (fitofármacos), as plantas também<br />
são utilizadas na medicina tradicional.<br />
Plantas medicinais são aquelas que possuem tradição<br />
de uso em uma população ou comunidade<br />
e são capazes de prevenir, aliviar ou curar enfermidades<br />
(14,41). No Brasil, a medicina popular e<br />
o conhecimento específico sobre o uso de plantas<br />
são resultado de uma série de influências culturais,<br />
como a dos colonizadores europeus, dos indígenas<br />
e dos africanos (2).<br />
Grande parte da população mundial utiliza plantas<br />
medicinais na atenção primária à saúde (14,44).<br />
No Brasil, não se sabe com exatidão o número de<br />
pessoas que utilizam as plantas, mas, seguramente,<br />
essa tendência mundial também é seguida.<br />
Apesar de ser uma prática antiga, a utilização de<br />
plantas medicinais e de fitoterápicos sofreu um grande<br />
declínio, principalmente no Ocidente, com o apogeu<br />
da química medicinal a partir da década de 1940.<br />
Nesse período, o fármaco com valor era aquele que<br />
correspondia a uma substância pura com efeitos terapêuticos<br />
e secundários bem determinados, cuja<br />
provável interação farmacológica com outro fármaco<br />
poderia ser estudada, caso fosse necessário o uso<br />
de ambos simultaneamente (46).<br />
Atualmente o interesse em fitoterápicos vem crescendo,<br />
até mesmo em países desenvolvidos, por<br />
serem tratados com uma alternativa mais saudável<br />
ou menos danosa de tratamento. Em países em desenvolvimento,<br />
o crescimento é resultante do difícil<br />
acesso aos centros de atendimento hospitalar e a<br />
medicamentos farmacoquímicos, da fácil obtenção<br />
de plantas medicinais e da grande tradição do seu<br />
uso (2,13,15,20,42).<br />
Outro fator relevante para o crescimento do setor é<br />
o aprimoramento da tecnologia farmacêutica, com<br />
métodos modernos de identificação, determinação e<br />
quantificação de compostos químicos, o que permitiu<br />
um melhor controle de qualidade na fabricação<br />
de fitoterápicos, assim como os avanços e a normatização<br />
nas pesquisas de avaliação farmacológica e<br />
toxicológica (46).<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
Algumas das vantagens dos fitoterápicos que atualmente<br />
justificam seu uso são: (a) efeitos sinérgicos; (b) associação<br />
de mecanismos por compostos agindo em alvos<br />
moleculares diferentes; (c) menores riscos de efeitos colaterais;<br />
(d) menores custos de pesquisa (46).<br />
Os fitoterápicos sempre apresentaram uma parcela<br />
significativa do mercado de medicamentos. O setor<br />
movimenta globalmente US$ 21,7 bilhões por ano (15).<br />
Entre 2003 e 2006, o segmento de fitoterápicos no Brasil<br />
faturou aproximadamente R$ 2 bilhões com a venda<br />
de 123 milhões de unidades farmacêuticas (20).<br />
A ampliação do consumo levou à normatização do<br />
setor com implementação e constante revisão de<br />
normas técnicas para a produção e comercialização<br />
de fitoterápicos visando garantir a segurança no uso,<br />
eficácia terapêutica e qualidade do produto (20).<br />
No Brasil, a regulamentação dos medicamentos fitoterápicos<br />
industrializados é realizada pela Agência<br />
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão<br />
federal do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária,<br />
responsável pelo registro de medicamentos e outros<br />
produtos destinados à saúde. Todos os fitoterápicos<br />
industrializados devem ser registrados na ANVISA<br />
antes de serem comercializados, a fim de garantir<br />
que a população tenha acesso a medicamentos seguros,<br />
eficazes e de qualidade comprovada.<br />
A RDC nº 48/04 é a principal legislação atual que regulamenta<br />
o registro de fitoterápicos. Nela são estabelecidos<br />
todos os requisitos necessários para a sua concessão,<br />
os quais se baseiam na garantia de qualidade.<br />
As avaliações abrangem a matéria-prima vegetal, os<br />
derivados de droga vegetal e o produto final, o medicamento<br />
fitoterápico. Essa resolução define droga vegetal<br />
como “planta medicinal ou suas partes, após processos<br />
de coleta, estabilização e secagem, podendo<br />
ser íntegra, rasurada, triturada ou pulverizada” e fitoterápico<br />
como sendo “medicamento obtido empregandose,<br />
exclusivamente, matérias-primas vegetais ativas,<br />
não podendo ser adicionada nenhuma substância ativa<br />
isolada, caracterizado pelo conhecimento da eficácia e<br />
dos riscos de seu uso, assim como pela reprodutibilidade<br />
e constância de qualidade” (6).<br />
A ANVISA reconhece uma lista de drogas vegetais<br />
para as quais a indústria tem a permissão de obter<br />
o registro simplificado para o fitoterápico preparado<br />
com essa matéria-prima (RE nº 89/04). Essa lista é<br />
23
24 Gestão, Ciência & Saúde<br />
composta por espécies vegetais com maior número<br />
de estudos científicos, não havendo necessidade<br />
de validar as indicações terapêuticas e segurança<br />
de uso (7). Constam nessa lista 34 espécies vegetais,<br />
a maioria plantas exóticas originárias de outros<br />
países, sobretudo da Europa e América do Norte,<br />
onde as espécies vegetais locais são alvo de maior<br />
número de investigação científica. Caso o fitoterápico<br />
não integre a “Lista de registro simplificado de<br />
fitoterápicos”, cabe à indústria farmacêutica, para o<br />
lançamento de um fitoterápico no mercado nacional,<br />
entre outras exigências, comprovar a segurança e a<br />
eficácia do produto. Para essa comprovação é possível<br />
seguir três diferentes caminhos, a saber:<br />
1.<br />
2.<br />
3.<br />
A primeira opção, que por ser a mais onerosa é<br />
a menos utilizada pela indústria, consiste na realização<br />
de testes de segurança (toxicologia préclínica<br />
e clínica) e de eficácia terapêutica (farmacologia<br />
pré-clínica e clínica) do medicamento.<br />
Vale ressaltar que, nos últimos anos, essa opção<br />
fez com que houvesse uma aproximação das<br />
empresas com os centros de pesquisas brasileiros,<br />
possibilitando a realização de parcerias para<br />
a execução de alguns desses estudos (14,35).<br />
A segunda opção permite que a indústria farmacêutica<br />
utilize a apresentação de monografias da<br />
droga vegetal presente na formulação do medicamento,<br />
que atestem sobre sua segurança e<br />
eficácia. Para se certificar da seriedade dessas<br />
monografias, a ANVISA publicou uma “Lista de<br />
referências bibliográficas para avaliação de segurança<br />
e eficácia de medicamentos fitoterápicos”<br />
(RE nº 88/04), colocando as referências dentro<br />
de um elenco de pontuação, de acordo com a<br />
“qualidade científica” da obra. Dessa forma, para<br />
o laboratório farmacêutico possa comprovar a segurança<br />
e a eficácia do fitoterápico por meio de<br />
apresentação de estudos descritos nessas obras,<br />
o produto deve atingir, no mínimo, seis pontos,<br />
conferidos de acordo com a escala de pontuação<br />
das referências (8). Nesse caso, grande parte das<br />
obras refere-se a compêndios internacionais que<br />
contemplam estudos realizados principalmente<br />
com plantas de origem européia (35).<br />
A terceira opção é a apresentação de um levantamento<br />
etnofarmacológico ou de documentações<br />
tecnocientíficas que avaliem a indicação de uso, a<br />
coerência com relação às indicações terapêuticas<br />
propostas, a ausência de risco tóxico ao usuário<br />
e a comprovação de uso seguro por um período<br />
igual ou superior a vinte anos (6). Para a pesquisa<br />
de um novo medicamento fitoterápico, partindo do<br />
conhecimento tradicional associado, o tempo de<br />
desenvolvimento desse produto poderá ser significativamente<br />
reduzido. Como exemplo, pode-se<br />
citar o caso do Acheflan®, primeiro medicamento<br />
fitoterápico pesquisado e desenvolvido totalmente<br />
no Brasil, elaborado com o extrato oleoso de<br />
Cordia verbenacea DC. (Varronia verbenacea<br />
(DC.) Borhidi) e indicado no tratamento de tendinite<br />
crônica e de dores musculares (26).<br />
Um grande fator limitante para o desenvolvimento<br />
de novos fitoterápicos é que a maioria das plantas<br />
em uso popular não se encontra descrita em códigos<br />
oficiais (formulários e farmacopéias), não havendo<br />
estudos sobre as mesmas. Nesse contexto, investir<br />
nos códigos oficiais cuja finalidade é a elaboração<br />
de monografias que privilegiem desde o cultivo até à<br />
determinação de doses clínicas poderá representar a<br />
saída para a indústria nacional e para os centros de<br />
produção institucionais (41). Dessa forma, além de<br />
atender às necessidades básicas de saúde, serão<br />
geradas vagas de trabalho no campo e nos centros<br />
industriais, impulsionado a economia do País.<br />
O governo brasileiro, atento ao crescimento do mercado<br />
de fitoterápicos e ciente dos problemas enfrentados<br />
pela indústria nacional no que diz respeito ao<br />
lançamento de novos produtos, publicou em 2006<br />
duas frentes de apoio ao setor de plantas medicinais<br />
e fitoterápicos. A primeira foi a Portaria Ministerial<br />
MS/GM nº 971, de 3 de maio de 2006, que aprova a<br />
Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares<br />
(PNPIC) no SUS (9), e a segunda foi o Decreto<br />
nº 5.813, de 22 de junho de 2006, que aprova a<br />
Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos<br />
(PNPMF) e dá outras providências (12).<br />
Ambas apresentam em suas diretrizes o incentivo à<br />
pesquisa e ao desenvolvimento com relação ao uso<br />
de plantas medicinais e fitoterápicos, priorizando<br />
a biodiversidade do País. Além disso, estimulam a<br />
adoção da fitoterapia nos programas de saúde pública.<br />
Espera-se com isso um aumento no número<br />
de fitoterápicos registrados no País, principalmente<br />
com base em espécies nativas (14).<br />
O Brasil apresenta pelo menos três características<br />
favoráveis à consolidação da indústria farmacêutica<br />
nacional baseada em produtos naturais de plantas:
competência científica instalada no País (com grupos<br />
de pesquisa de renome nacional e internacional), sua<br />
enorme biodiversidade (19% da flora mundial) e a grande<br />
diversidade cultural das populações tradicionais,<br />
com extensa utilização de plantas medicinais. Segundo<br />
especialistas, essa conjunção de fatores deveria ser<br />
mais bem explorada para o desenvolvimento de uma<br />
bioindústria competitiva e inovadora o País (26).<br />
Os fitoterápicos têm sido contemplados com o apoio<br />
do governo brasileiro e o estímulo das agências de<br />
saúde nacional e internacional. Entretanto, esse setor<br />
necessita do estabelecimento de parcerias entre<br />
os laboratórios privados e os centros de pesquisa e,<br />
acima de tudo, de editais de fomento à área, para que<br />
o mercado nacional se expanda e a população seja beneficiada<br />
com medicamentos de custo mais baixo, de<br />
boa qualidade e que resgatem a cultura popular.<br />
7. CONCLUSãO<br />
A pesquisa para o desenvolvimento de fitofármacos<br />
é um processo caro e longo, compreendendo as<br />
fases de descoberta, de desenvolvimento e de comercialização.<br />
No Brasil, as pesquisas para a busca<br />
de novas substâncias bioativas vindas de plantas<br />
ocorrem principalmente nas universidades e centros<br />
de pesquisa, demonstrando competência científica<br />
e técnica para atuar na fase de descoberta com<br />
grande sucesso. A segunda e a terceira fases devem<br />
ocorrer nas indústrias, tornando-se necessária uma<br />
maior interação entre esse segmentos e os centros<br />
de pesquisa e as universidades.<br />
O desenvolvimento de fitoterápicos inclui várias etapas<br />
e envolve um processo interdisciplinar, multidisciplinar<br />
e interinstitucional. As áreas de conhecimento<br />
envolvidas vão desde antropologia botânica, botânica,<br />
agronomia, ecologia, química, fitoquímica, farmacologia,<br />
toxicologia, biotecnologia, clínica médica, química<br />
orgânica até tecnologia farmacêutica.<br />
O desenvolvimento e a produção de fitoterápicos<br />
podem ser uma grande oportunidade para a indústria<br />
nacional de fármacos, principalmente quando se<br />
considera a grande biodiversidade brasileira, além<br />
do reconhecido potencial científico aqui existente.<br />
No entanto, existem alguns problemas, tais como<br />
a necessidade de investimento público-privado no<br />
setor e a dificuldade de obtenção de matéria-prima<br />
padronizada e de boa qualidade.<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
A prospecção ética da biodiversidade, visando agregar<br />
ciência e tecnologia a seus produtos, passa a<br />
ser de importância estratégica para os países em desenvolvimento<br />
como o Brasil, sendo um instrumento<br />
tanto para a descoberta de alternativas para o tratamento<br />
de doenças típicas desses países como para<br />
estimular o crescimento de suas economias.<br />
AGRADECIMENTOS<br />
As autoras agradecem a Dra. Cláudia Gontijo Silva e<br />
ao Dr. Júlio César <strong>Dias</strong> Lopes pela ajuda na elaboração<br />
deste trabalho e pela leitura exaustiva do texto.<br />
25
26 Gestão, Ciência & Saúde<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
1. ACD/CNMR DB Add-on, ACDLabs, Inc., Toronto, 2002.<br />
2. AQUINO, D. et al. Nível de conhecimento sobre<br />
riscos e benefícios do uso de plantas medicinais e<br />
fitoterápicos de uma comunidade do Recife — PE.<br />
<strong>Revista</strong> de Enfermagem UFPE On Line, v.1, n.1,<br />
p. 107-110, 2007. Disponível em: http://www.ufpe.<br />
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<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
INFLUÊNCIA DO TAMANHO DO INÓCULO DE ESPOROS DE Aspergillus parasiticus NA<br />
PRODUÇÃO DE AFLATOXINAS EM AMENDOIM (Arachis hypogaea L.)<br />
INFLUENCE OF INOCULUM SIZE OF Aspergillus parasiticus SPORES ON AFLATOXINS<br />
PRODUCTION IN PEANUT (Arachis hypogaea L.)<br />
Guilherme Prado 1 , Jovita Eugênia Gazzinelli Cruz Madeira 2 , Vanessa Andrea Drummond Morais 3 ,<br />
Marize Silva de Oliveira 4 , Mabel Caldeira de Andrade 5 , Robson de Assis Souza 6 , Ignácio José de<br />
Godoy 7 , Joenes Mucci Peluzio 8 , Raphael Sanzio Pimenta 9<br />
1 Farmacêutico-Bioquímico, Doutor, <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> (<strong>Funed</strong>), gui@funed.mg.gov.br; 2 Bióloga, PhD,<br />
<strong>Funed</strong>, jovi@funed.mg.gov.br; 3 Bióloga, Mestre, <strong>Funed</strong>, vam@funed.mg.gov.br; 4 Bióloga, Mestre, <strong>Funed</strong>,<br />
mar@funed.mg.gov.br; 5 Bióloga, <strong>Funed</strong>, mabel@funed.mg.gov.br; 6 Bolsista Iniciação Científica Institucional<br />
<strong>Funed</strong>-Fapemig, robson.asouza@gmail.com; 7 Engenheiro Agrônomo, Doutor, Instituto Agronômico de Campinas,<br />
ijgodoy@iac.sp.gov.br; 8 Engenheiro Agrônomo, Doutor, Universidade Federal do Tocantins, joenesp@<br />
udu.br; 9 Biólogo, Doutor, Universidade Federal do Tocantins, biorapha@yahoo.com.br<br />
RESUMO<br />
Aflatoxinas são produtos do metabolismo secundário<br />
dos fungos filamentosos Aspergillus flavus, A.<br />
parasiticus e A. nomius, formados em grande variedade<br />
de alimentos e que apresentam atividade carcinogênica,<br />
teratogênica e mutagênica. A influência<br />
do tamanho do inóculo fúngico na produção de aflatoxinas<br />
foi avaliada em amendoim autoclavado (121 ºC<br />
por 20 min), cultivares IAC Caiapó e IAC Runner<br />
886, produzidos no Instituto Agronômico de Campinas<br />
em 2005/2006. Uma cepa de A. parasiticus<br />
foi semeada em meio Czapek contido em placa de<br />
Petri e incubação por sete dias a 25 ºC. Transferiuse<br />
parte do cultivo para o meio GYEP e incubou-se<br />
a 25 ºC durante sete dias para esporulação. A suspensão<br />
de esporos foi preparada adicionando-se<br />
solução de Tween 80 0,1%, sendo a concentração<br />
determinada em Câmara de Neubauer e ajustada<br />
para 10 3 , 10 4 , 10 5 e 10 6 esporos mL -1 . Após inoculação<br />
em grãos de amendoim e incubação durante<br />
sete dias a 25 ºC, efetuou-se a quantificação das<br />
aflatoxinas por cromatografia em camada delgada<br />
(densitometria/366 nm). Observou-se uma maior<br />
produção de aflatoxinas B 1 , B 2 , G 1 e G 2 na concentração<br />
de 10 3 esporos mL -1 . Os menores níveis de<br />
aflatoxinas foram encontrados em 10 6 esporos mL -1 .<br />
Em concentrações elevadas do inóculo fúngico, a<br />
diminuição do processo de esporulação e a possibilidade<br />
de decomposição mais intensa das aflatoxinas,<br />
podem explicar essa diferença na produção<br />
das aflatoxinas em amendoim.<br />
Palavras-chave: Aflatoxinas, Amendoim, Aspergillus<br />
parasiticus, Concentração de Esporos<br />
.<br />
ABSTRACT<br />
Aflatoxins are potent carcinogenic, teratogenic,<br />
mutagenic agents, produced as secondary<br />
metabolites by the filamentous fungus Aspergillus<br />
flavus, A. parasiticus and A. nomius on<br />
big variety of food products. The influence of<br />
the inoculum size on the aflatoxin production<br />
was evaluated in autoclaved peanuts (121 0 C<br />
by 20min), cultivars IAC Caiapó and IAC Runner<br />
886, produced in Instituto Agronômico of<br />
Campinas in 2005/2006. A. parasiticus isolate<br />
was inoculated in Petri dishes with Czapeck<br />
media for seven days at 25 0 C, followed by<br />
inoculation in GYEP media at 25 0 C for seven<br />
days. The spores were collected and placed in<br />
a 0.1% Tween 80 solution, counted in a Neubauer<br />
chamber and adjusted to 10 3 , 10 4 , 10 5 and<br />
10 6 spores mL -1 . After peanut seeds were inoculated<br />
and incubated for seven days at 25 0 C<br />
and the aflatoxins were quantified by thin layer<br />
chromatography (densitometry/366nm). The highest<br />
production of aflatoxins B 1 , B 2 , G 1 and G 2<br />
was observed in the concentration of 10 3 spores<br />
mL -1 . The lowest levels of aflatoxins were found<br />
in 10 6 spores mL -1 . At higher concentrations of<br />
inoculum, the decrease of sporulation process<br />
and the possibility of more intense aflatoxin desintegration,<br />
explain this difference in aflatoxin<br />
production in peanuts.<br />
Keywords: Aflatoxins, Peanuts, Aspergillus, Spores<br />
Concentration<br />
29
30 Gestão, Ciência & Saúde<br />
1. INTRODUçãO<br />
Os fungos estão amplamente distribuídos no solo,<br />
nas plantas, na matéria orgânica em decomposição,<br />
na água, no ar e na poeira. Conseqüentemente,<br />
produtos não processados de origem animal e<br />
vegetal podem tornar-se contaminados com uma<br />
ampla variedade de espécies. Sob condições favoráveis<br />
de temperatura e umidade, os fungos podem<br />
crescer em diferentes tipos de alimentos, como cereais,<br />
carne, leite, frutas, vegetais e grãos e causar<br />
deterioração (3,10,24).<br />
Aflatoxinas são produtos do metabolismo secundário<br />
de Aspergillus flavus, A. parasiticus e A. nomius<br />
formados na maioria dos casos após a fase<br />
do crescimento exponencial do fungo, sendo descritas<br />
como de atividade imunossupressora, teratogênica<br />
e hepatocarcinogênica. As aflatoxinas<br />
são um grupo de pelo menos 16 ou 17 substâncias,<br />
derivados bisfuranoisocumarínicos, sendo<br />
as aflatoxinas B 1 , B 2 , G 1 e G 2 as quatro principais<br />
naturalmente produzidas. A aflatoxina B 1 , entre<br />
todas as aflatoxinas, é usualmente a toxina de<br />
maior ocorrência e concentração presente nos<br />
alimentos, tendo sido classificada como provável<br />
carcinógeno para seres humanos pela International<br />
Agency for Research on Cancer (2,26).<br />
O crescimento fúngico e a resultante produção de<br />
aflatoxinas é conseqüência da interação entre fungo,<br />
hospedeiro e ambiente. A combinação apropriada<br />
desses fatores determina o grau de colonização do<br />
substrato, o tipo e a quantidade de micotoxina que<br />
será produzida. As publicações sobre a incidência<br />
de aflatoxinas em alimentos naturais e processados,<br />
principalmente em amendoim, relatam níveis que<br />
atingem freqüentemente de 1 a 10 ng g -1 , mas podem<br />
ocasionalmente ser detectados na faixa de 10 a<br />
100 ng g -1 ou superiores (6,12,20,21).<br />
Muitos estudos têm sido desenvolvidos para se<br />
determinar os fatores que infuenciam a produção<br />
de aflatoxinas em alimentos. Esses incluem temperatura,<br />
disponibilidade de água no substrato<br />
(expressa como atividade de água), umidade relativa<br />
do ar, natureza e composição do substrato,<br />
espécie do fungo, composição da atmosfera (relação<br />
de níveis de oxigênio e dióxido de carbono),<br />
presença de substâncias inibidoras, microbiota<br />
competidora, umidade do solo, práticas agrícolas,<br />
dano por insetos e armazenamento em condições<br />
inadequadas. Poucos são os trabalhos, entretanto,<br />
que têm procurado relacionar a concentração<br />
de esporos de fungos aflatoxigênicos e a produção<br />
de aflatoxinas (16,17).<br />
O objetivo deste estudo foi determinar in vitro a<br />
influência do tamanho do inóculo fúngico e a produção<br />
de aflatoxinas, empregando-se uma cepa<br />
aflatoxigênica, em diferentes concentrações, cultivada<br />
em dois tipos de amendoim.<br />
2. METODOLOGIA<br />
2.1 Isolado fúngico<br />
Foi utilizada a cepa de Aspergillus parasiticus IMI<br />
242695 (International Mycological Institute, Inglaterra)<br />
isolada de produtos alimentícios, comprovadamente<br />
produtora de aflatoxinas. Essa cepa<br />
encontra-se depositada na coleção de cultura de<br />
fungos do Laboratório de Micologia da <strong>Fundação</strong><br />
<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>.<br />
2.2 Amendoim<br />
Utilizaram-se neste trabalho aproximadamente<br />
seis kg de grãos de amendoim, cultivares IAC<br />
Caiapó e IAC Runner 886, produzidos no Instituto<br />
Agronômico de Campinas (SP), safra 2005/2006.<br />
2.3 Preparação dos inóculos<br />
A.parasiticus foi inoculado em meio Czapek (nitrato<br />
de sódio 4%, cloreto de potássio 1%, sulfato<br />
de magnésio 1%, sulfato ferroso 0,02%, fosfato<br />
de potássio dibásico 2%, sacarose 3%, sulfato de<br />
zinco 1%, sulfato de cobre 0,5%, agar 2%) em<br />
placa de Petri e incubado a 25 °C por 7 dias. Seguiu-se<br />
a inoculação no meio GYEP (glicose 2%,<br />
extrato de levedura 0,3% e peptona 1%) e incubação<br />
a 25 °C por 7 dias. A suspensão de esporos<br />
foi preparada adicionando-se solução de Tween<br />
80 0,1% ao cultivo e a contagem de esporos foi<br />
feita em Câmara de Neubauer e ajustada para<br />
10 3 , 10 4 , 10 5 e 10 6 esporos mL -1 .<br />
2.4 Inoculação<br />
A partir das suspensões de esporos preparadas,<br />
procedeu-se, em cinco repetições, a inoculação
de 5 mL de cada uma das suspensões de esporos<br />
em 15 g de amendoim em grão, contidos em erlenmeyers<br />
de 125 mL, previamente autoclavados<br />
a 121 ºC durante 20 min. Os cultivos foram incubados<br />
a 25 ºC por um período de sete dias.<br />
2.5 Soluções padrão de aflatoxinas<br />
Para a quantificação das aflatoxinas em cromatografia<br />
em camada delgada foram utilizadas as<br />
seguintes concentrações: aflatoxina B1 (0,88<br />
µg mL -1 ), aflatoxina B2 (1,00 µg mL -1 ), aflatoxina<br />
G1 (1,22 µg mL -1 ) e aflatoxina G2 (0,84 µg<br />
mL-1), que foram preparadas a partir da diluição<br />
das soluções estoque em benzeno:acetonitrila<br />
(98:2, v/v) de acordo com a AOAC (1).<br />
2.6 Quantificação das aflatoxinas<br />
O método empregado foi o descrito por Valente<br />
Soares e Rodriguez-Amaya (25) e validado por<br />
Prado (22). As aflatoxinas foram separadas e identificadas<br />
por cromatografia em camada delgada<br />
(CCD), em placas de sílica gel 60G, 20 x 20 cm<br />
(Merck), sem indicador fluorescente, com espessura<br />
de 0,25 mm, utilizando-se como fase móvel<br />
tolueno:acetato de etila:clorofórmio:ácido fórmico<br />
(70:50:50:20, v/v/v/v), como recomendado por Gimeno<br />
(11). Os extratos das amostras para CCD<br />
foram ressuspendidos em benzeno:acetonitrila<br />
(98:2), em volumes que variavam de 200 µL a 2<br />
mL. Para aplicação na placa de cromatografia de<br />
camada delgada foram utilizados volumes que<br />
variaram de 2 a 10 µL. Para a elaboração das<br />
curvas de calibração foram utilizados volumes<br />
das soluções padrões na faixa de 2 a 10 µL, sempre<br />
com um mínimo de quatro concentrações.<br />
A quantificação das aflatoxinas foi feita por medidas<br />
das intensidades das fluorescências dos<br />
spots das amostras e de padrões, em densitômetro<br />
Shimadzu, modelo CS9301PC, com lâmpada<br />
de xenônio, em leitura linear, feixe 0,4 x 5,0 mm e<br />
com alta sensibilidade de fluorescência. Os níveis<br />
de aflatoxinas nas amostras foram calculados a<br />
partir do cálculo das áreas dos picos das aflatoxinas<br />
referentes aos extratos das amostras e das<br />
soluções padrões de aflatoxinas.<br />
2.7 Análise estatística<br />
O delineamento experimental utilizado foi inteira-<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
mente casualizado, com cinco repetições e oito<br />
tratamentos. Os tratamentos foram instalados<br />
em um esquema fatorial constituído pelas quatro<br />
concentrações de esporos e dois cultivares de<br />
amendoim. Os resultados obtidos das concentrações<br />
das aflatoxina B 1 , B 2 , G 1 e G 2 sofreram<br />
transformações logarítmicas, uma vez que foi<br />
observada instabilidade da resposta, isto é, aumento<br />
da proporcionalidade entre as médias dos<br />
grupos experimentais e seus respectivos desvios<br />
padrões, configurando a não conformidade com<br />
os pré-requisitos exigidos para a análise de variância.<br />
Os dados obtidos foram submetidos à análise<br />
de variância e comparação das médias pelo<br />
teste de Tukey (p
32 Gestão, Ciência & Saúde<br />
TABELA 2 – Níveis de aflatoxina B 1 (µg Kg -1 ) produzidos por<br />
Aspergillus parasiticus IMI 242695, em função da concentração<br />
de esporos (esporos mL -1 ) em amendoim autoclavado,<br />
cultivares IAC Runner 886 e IAC Caiapó.<br />
Concentração de<br />
esporos<br />
(esporos mL -1 )<br />
Cultivar<br />
IAC Runner 886 IAC Caiapó<br />
Aflatoxina B 1 (µg Kg-1)*<br />
10 6 3872Cb 5300Ba<br />
10 5 5282BCb 7322Ba<br />
10 4 6558Bb 14819Aa<br />
10 3 15254Aa 16224Aa<br />
* Média de 5 repetições<br />
Na linha, as médias seguidas pela mesma letra minúscula,<br />
e na coluna, pela mesma letra maiúscula, não diferem entre<br />
si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.<br />
TABELA 3 – Níveis de aflatoxina G 1 (µg Kg -1 ) produzidos por<br />
Aspergillus parasiticus IMI 242695, em função da concentração<br />
de esporos (esporos mL -1 ) em amendoim autoclavado,<br />
cultivares IAC Runner 886 e IAC Caiapó.<br />
Concentração de<br />
esporos<br />
(esporos mL -1 )<br />
Cultivar<br />
IAC Runner 886 IAC Caiapó<br />
Aflatoxina G 1 (µg Kg -1 )*<br />
10 6 13890Aa 14785Aa<br />
10 5 15747Aa 20516Aa<br />
10 4 14223Aa 7793Bb<br />
10 3 40166Ba 43397Ba<br />
* Média de 5 repetições<br />
Na linha, as médias seguidas pela mesma letra minúscula,<br />
e na coluna, pela mesma letra maiúscula, não diferem entre<br />
si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.<br />
TABELA 4 – Níveis de aflatoxina B 2 (µg Kg -1 ) produzidos por<br />
Aspergillus parasiticus IMI 242695, em função da concentração<br />
de esporos (esporos mL -1 ) em amendoim autoclavado,<br />
cultivares IAC Runner 886 e IAC Caiapó.<br />
Concentração de<br />
esporos<br />
(esporos mL -1 )<br />
IAC Runner<br />
886<br />
Cultivar<br />
Aflatoxina B 2 (µg Kg -1 )*<br />
IAC Caiapó Média<br />
10 6 251 326 288A<br />
10 5 266 487 377A<br />
10 4 416 678 547B<br />
10 3 540 1875 1708C<br />
Média 368b 842a<br />
* Média de 5 repetições<br />
Na linha, as médias seguidas pela mesma letra minúscula,<br />
e na coluna, pela mesma letra maiúscula, não diferem entre<br />
si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.<br />
TABELA 5 – Níveis de aflatoxina G 2 (µg Kg -1 ) produzida por<br />
Aspergillus parasiticus IMI 242695, em função da concentração<br />
de esporos (esporos mL -1 ) em amendoim autoclavado,<br />
cultivares IAC Runner 886 e IAC Caiapó.<br />
Concentração de<br />
esporos<br />
(esporos mL -1 )<br />
IAC Runner<br />
886<br />
Cultivar<br />
IAC Caiapó<br />
Aflatoxina G 2 (µg Kg -1 )*<br />
Média<br />
10 6 1115,4 857 986A<br />
10 5 1440,2 1496 1468B<br />
10 4 2018,8 2225 2121C<br />
10 3 2486,8 2363 2425C<br />
Média 1765 1735<br />
* Média de 5 repetições<br />
Na linha, as médias seguidas pela mesma letra minúscula,<br />
e na coluna, pela mesma letra maiúscula, não diferem entre<br />
si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.<br />
As concentrações das aflatoxinas B 1 , B 2 , G 1 e G 2 aumentaram<br />
com o decréscimo do tamanho do inóculo<br />
do A. parasiticus em ambos os cultivares de amendoim,<br />
IAC Caiapó e IAC Runner 886. As aflatoxinas<br />
B 1 e G 1 foram produzidas em maior quantidade quando<br />
comparadas com as concentrações obtidas para<br />
as aflatoxinas B 2 e G 2 , sendo a aflatoxina G 1 a toxina<br />
mais sintetizada pelo A. parasiticus.<br />
Os níveis de aflatoxinas foram maiores no cultivar IAC<br />
Caiapó quando comparados aos obtidos no IAC Runner<br />
886, com exceção para a aflatoxina G 2 na concentração<br />
do inóculo de 10 6 esporos mL -1 . Entretanto, foi<br />
encontrada diferença significativa apenas para aflatoxina<br />
G 1 na concentração de 10 4 esporos mL -1 e para<br />
aflatoxina B 1 nas concentrações de 10 6 , 10 5 e 10 4 esporos<br />
mL -1 , revelando que ambos os cultivares foram<br />
susceptíveis à ação do A. parasiticus nas condições<br />
experimentais executadas.<br />
A influência do tamanho do inóculo no crescimento<br />
e na produção de aflatoxinas foi relatado inicialmente<br />
por Sharma et al. (23) e Odamtten et al.<br />
(19), em meio sintético e milho, respectivamente.<br />
Esses autores observaram que redução do inóculo<br />
fúngico proporcionava aumento na produção<br />
de aflatoxinas. Em populações menores de fungos,<br />
foi observada uma maior expansão lateral<br />
nos substratos estudados durante o crescimento<br />
do micélio, o que resultava em maiores rendimentos<br />
de aflatoxinas. Segundo Farkas (8), em altos
níveis do inóculo fúngico, a diminuição do processo<br />
de esporulação, que está relacionado ao metabolismo<br />
secundário dos fungos e a possibilidade<br />
de decomposição mais intensa das aflatoxinas,<br />
são fatores que podem explicar essa diferença<br />
na produção de aflatoxinas. Karunaratne e Bullerman<br />
(15) observaram esse mesmo fenômeno<br />
em arroz. Os maiores níveis de aflatoxinas foram<br />
produzidos na concentração de 10 3 esporos mL -1 .<br />
Variações na quantidade de aflatoxinas foram<br />
também reportadas por Clavero et al. (5) quando<br />
A. parasiticus NRRL 2667 foi inoculado em amendoim,<br />
cultivar Florunner, em concentrações de 10 2 ,<br />
10 4 e 10 6 esporos mL -1 . Os maiores níveis foram<br />
encontrados no inóculo de 10 2 esporos mL -1 . Prado<br />
(22) observou maior produção de aflatoxina B 1 em<br />
amendoim, cultivar Tatu Vermelho, após inoculação<br />
com A. flavus na concentração de 10 3 esporos<br />
mL -1 . Mais recentemente, Gunterus et al. (13)<br />
também demonstraram uma relação inversa entre<br />
o tamanho do inoculo de A. parasiticus e o nível<br />
de aflatoxina B 1 , após inoculação em amendoim,<br />
cultivar Georgia Green. O inóculo de 10 2 esporos<br />
mL -1 proporcionou o maior acúmulo de aflatoxina,<br />
quando comparado às concentrações de 10 6 , 10 5<br />
e 10 4 esporos mL -1 .<br />
Os resultados descritos para outras micotoxinas são<br />
variáveis. Etcheverry et al. (7) observaram que o tamanho<br />
do inóculo do Fusarium graminearum ITEM<br />
124 não afetava a produção de desoxinivalenol e zearalenona,<br />
após inoculação em milho. Chulze et al.<br />
(4) verificaram que os maiores níveis de fumonisina<br />
em milho foram produzidos quando a concentração<br />
do inóculo do Fusarium moniliforme M7075 era 10 5<br />
e 10 6 esporos mL -1 e os menores para 10 2 esporos<br />
mL -1 . Em cevada, os níveis de ocratoxina A encontrados<br />
foram superiores na concentração de 10 5 esporos<br />
mL -1 quando comparados na de 10 3 esporos mL -1<br />
de Aspergillus ochraceus 58968. Entretanto, não foi<br />
observada diferença significativa entre os níveis de<br />
ocratoxina A obtidos, quando a inoculação foi efetuada<br />
com o A. ochraceus SLV e o Penicilium viridicatum<br />
M93 (14). Recentemente, Morales et al. (18)<br />
verificaram em maçã, após inoculação de diferentes<br />
espécies de Penicilium expansum, nas concentrações<br />
de 10 4 e 10 6 esporos mL -1 , que o acúmulo de<br />
patulina era afetado pela temperatura, pelo tamanho<br />
do inóculo e pela espécie testada. A 20 ºC, o isolado<br />
UdLTA-3.72 produziu uma quantidade maior de patulina<br />
na concentração de 10 4 esporos mL -1 quando<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
comparado a 10 6 esporos mL -1 .<br />
O grau de contaminação de grãos por fungos é<br />
tradicionalmente utilizado como uma medida da<br />
qualidade. Imagina-se que contagens baixas de<br />
fungos (10 1 - 10 3 esporos g -1 ) representam uma<br />
maior segurança quando comparado a contagens<br />
elevadas (10 6 esporos g -1 ). Os resultados obtidos<br />
demonstraram que a produção de aflatoxinas, em<br />
amendoim, pode ocorrer na presença de fungos<br />
toxigênicos, mesmo em baixas concentrações.<br />
Ressalta-se, portanto, a importância de controlar<br />
as condições de umidade e temperatura nas etapas<br />
de colheita, pós-colheita e armazenamento,<br />
minimizando-se, assim, o crescimento fúngico e a<br />
produção de aflatoxinas.<br />
4. CONCLUSÕES<br />
Os cultivares de amendoim IAC Caiapó e IAC Runner<br />
886 foram susceptíveis ao crescimento do fungo filamentoso<br />
A. parasiticus IMI 242695, não havendo evidências<br />
claras de diferenças entre os cultivares, uma<br />
vez que houve produção significativa das aflatoxinas<br />
B 1 , B 2 , G 1 e G 2 , nas condições experimentais desenvolvidas,<br />
com ambos os genótipos. Foi observada a<br />
produção de aflatoxinas com todas as concentrações<br />
do inóculo fúngico.<br />
AGRADECIMENTOS<br />
Os autores agradecem à FAPEMIG (<strong>Fundação</strong> de<br />
Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais –<br />
CBB 1375/05) e ao CNPq (Processo 401790/2005-3)<br />
pelo apoio financeiro.<br />
33
34 Gestão, Ciência & Saúde<br />
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<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
35
36 Gestão, Ciência & Saúde
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
DETECÇÃO DE ENTEROTOXINAS ESTAFILOCÓCICAS E DE LINHAGENS ENTEROTOXIGÊ-<br />
NICAS EM ALIMENTOS ENVOLVIDOS EM SURTOS DE TOXINFECÇÃO ALIMENTAR<br />
DETECTION OF STAPHYLOCOCCAL ENTEROTOXINS AND ENTEROTOXIGENIC STRAINS IN FOO-<br />
DS INVOLVED IN FOOD POISONING OUTBREAKS<br />
Ricardo Souza <strong>Dias</strong> 1 , Ana Carolina Cordeiro Soares 2 , Camilla dos Santos Pinheiro 3 , Leandro Leão Faúla 4<br />
1 Biólogo, mestre em Ciência de Alimentos, doutor em Ciências Biológicas, pesquisador no Laboratório<br />
de Enterotoxinas, Divisão de Vigilância Sanitária (Divisa), Diretoria do Instituto Octávio<br />
Magalhães (DIOM) , <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> (<strong>Funed</strong>), professor no Centro Universitário Metodista<br />
Izabela Hendrix, Belo Horizonte, ricardo.dias@funed.mg.gov.br; 2 Médica Veterinária, analista de<br />
Saúde e Tecnologia, Laboratório de Enterotoxinas, Divisa, DIOM, <strong>Funed</strong>; 3 Técnica em Saúde e<br />
Tecnologia, Laboratório de Enterotoxinas, Divisa, DIOM, <strong>Funed</strong>; 4 Médico Veterinário, analista de<br />
Saúde e Tecnologia, professor no Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, Belo Horizonte<br />
RESUMO<br />
De janeiro de 2006 a julho de 2008 foram investigados 139 surtos de toxinfecção<br />
alimentar ocorridos em 73 municípios mineiros. Aproximadamente<br />
2800 pessoas foram envolvidas e 1738 apresentaram manifestações<br />
clínicas. Sobras de 323 alimentos foram analisadas no Laboratório<br />
de Enterotoxinas – FUNED – (LACEN – MG). Sessenta e quatro surtos<br />
(46,0%) foram confirmados como intoxicação estafilocócica e com registro<br />
do envolvimento de 1418 pessoas. Desse total, 724 apresentaram<br />
predominantemente diarréia e vômito com período de incubação inferior<br />
a seis horas. O isolamento e a quantificação do microrganismo foram<br />
de acordo com a metodologia descrita pelo “Compendium of Methods<br />
for the Microbiological Examination of Foods” (2001). Noventa e uma<br />
amostras de alimentos foram submetidas à pesquisa de enterotoxinas<br />
pelo método “Enzyme Linked Fluorescent Assay” (ELISA-ELFA) e simultaneamente<br />
pelo método “Optimum Sensitive Plate” (OSP) para as<br />
enterotoxinas SEA, SEB, SEC e SED, também utilizado para a verificação<br />
do potencial enterotoxigênico das linhagens isoladas. Vinte e cinco<br />
(39,1%) surtos foram confirmados pela presença, nos alimentos, de<br />
enterotoxinas e Estafilococos coagulase positiva (>10 5 UFC/g), em sua<br />
maioria produtoras SEA, seguida da SEC e SEB. Em 37 (57,8%) surtos<br />
a confirmação se deu pela presença de enterotoxinas nos alimentos,<br />
porém o microrganismo não foi isolado; a SEA foi a toxina detectada<br />
com maior freqüência. Do total de alimentos testados quanto à presença<br />
de enterotoxinas pelos dois métodos, 35 (38,5%) foram negativos e 17<br />
(18,7%) positivos. Em 31 (34,1%) amostras a enterotoxina foi detectada<br />
pelo método OSP, porém todas negativas quando testadas pelo método<br />
ELISA-ELFA. Em oito (8,0%) amostras a enterotoxina foi detectada pelo<br />
método ELISA-ELFA com resultado negativo para o OSP. Em todos os<br />
surtos confirmados, os sinais, os sintomas e o período de incubação<br />
foram característicos de intoxicação estafilocócica. Entre as doenças<br />
transmitidas por alimentos, as intoxicações estafilocócicas representam<br />
uma parcela expressiva das notificações de surtos ocorridos nos municípios<br />
mineiros. Assim, o estabelecimento da análise de risco para os<br />
produtos alimentícios e a geração de dados estatísticos sobre o cenário<br />
das doenças transmitidas por alimentos proporcionam informações ao<br />
Ministério da Saúde que contribuem para o desenvolvimento de programas<br />
voltados à produção e à comercialização de alimentos seguros em<br />
todo o território nacional.<br />
Palavras-chave: Enterotoxinas Estafilocócicas, Intoxicação Alimentar,<br />
Surto de Intoxicação Estafilocócica<br />
ABSTRACT<br />
From January 2006 to July 2008, a hundred and thirty eight food poisoning<br />
outbreaks occurred in 73 municipalities in the state of Minas Gerais<br />
were investigated. Approximately 2800 individuals were involved<br />
in which 1738 became ill. Three hundreds twenty three left-over food<br />
involved in the outbreak were collected and analyzed at the Laboratory<br />
of Enterotoxins – FUNED – (Lacen – MG). Sixty four cases (46.0%)<br />
were confirmed as staphylococcal food poisoning with 1418 individuals<br />
affected of which 724 experienced predominantly diarrhea and vomit<br />
within six hours after eating the contaminated food. The detection of the<br />
pathogen followed the methods described in “Compendium of Methods<br />
for the Microbiological Examination of Foods” (2001). Ninety one food<br />
samples were assayed, in parallel for the presence of the enterotoxins<br />
using the “Enzyme-Linked Fluorescent Assay” (ELISA-ELF) and the<br />
“Optimum Sensitivity Plate” OSP” for detecting to SEA, SEB, SEC, and<br />
SED. The OSP method was used to enterotoxin testing by Staphylococcus<br />
strains isolated from foods. In 25 cases (39.1%), enterotoxins<br />
and strains of Staphylococcus coagulase positive (>10 5 cfu/g) were detected<br />
the majority of them was SEA producers, followed by SEC and<br />
SEB. In thirty seven (57.8%) cases toxins were detected in the food<br />
samples tested but no strain was isolated, SEA was the toxin most frequently<br />
detected. In 35 (38.5%) food samples no toxin was detected by<br />
both methods. Enterotoxins were detected in 31 (34.1%) samples by<br />
the OSP method but were negative by the ELISA-ELF. In eight (8.0%)<br />
samples enterotoxin were detected by the ELISA-ELF but not by the<br />
OSP method. In all confirmed cases the clinical signs, symptoms, and<br />
incubation periods were characteristic of staphylococcal intoxication.<br />
Regarding foodborne diseases the staphylococcal intoxications represent<br />
an expressive part of the notified outbreaks in the municipalities<br />
of the State of Minas Gerais. Therefore, establishing a risk analysis<br />
protocol for food products as well as generating statistical data about<br />
the scenery of foodborne diseases will provide the necessary information<br />
to local, state and federal health authorities to develop programs<br />
aimed at ensuring the commercialization of safe food products in the<br />
national territory.<br />
Keywords: Staphylococcal Enterotoxins, Outbreak of Food Poisoning,<br />
Staphylococcal Food Poisoning<br />
37
38 Gestão, Ciência & Saúde<br />
1. INTRODUçãO<br />
As doenças transmitidas por alimentos (DTA) são de<br />
ocorrência mundial e têm como principal causa, em cerca<br />
de 90% dos casos, a contaminação bacteriana. São<br />
responsáveis por surtos de pequenas, médias e grandes<br />
proporções, representando um problema de saúde<br />
pública (18). Em razão da ingestão de alimentos contendo<br />
microrganismos patogênicos e/ou seus metabólitos<br />
tóxicos, as DTA têm como principal característica o desenvolvimento<br />
de sinais e sintomas entéricos. A síndrome<br />
pode ser auto-limitante, mas em alguns casos pode<br />
evoluir para quadros graves, resultando em óbito.<br />
De acordo com a análise dos dados publicados pelo<br />
Food and Drug Administration, Center for Food Safety<br />
& Applied Nutrition, nos Estados Unidos, as DTA acometem<br />
aproximadamente 76 milhões de indivíduos,<br />
resultando em 325 mil hospitalizações e 5.200 mortes<br />
a cada ano (16).<br />
Embora no Brasil o número de notificações seja crescente,<br />
ele ainda é subestimado. Os indivíduos muitas<br />
vezes não relacionam os sinais e os sintomas apresentados<br />
à ingestão de alimentos, pois geralmente a<br />
síndrome é de curta duração e o período de incubação<br />
varia de minutos a alguns dias. Com isso as pessoas<br />
envolvidas acabam por não procurar os serviços<br />
de saúde e, quando procuram, profissionais de saúde<br />
não notificam os casos às autoridades sanitárias.<br />
Entre as DTA, a intoxicação causada por bactérias<br />
do gênero Staphylococcus representa uma das principais<br />
causas de gastrenterites relacionadas à ingestão<br />
de enterotoxinas pré-formadas no alimento (12).<br />
Devido a sua ampla distribuição na natureza, à capacidade<br />
de se desenvolver em variações de temperatura<br />
(7 a 48,5ºC) (19), pH (4.2 a 9.3) (5) e em elevada<br />
concentração de cloreto de sódio (15%), o Staphylococcus<br />
apresenta um potencial risco de contaminação<br />
de diversos alimentos, seja durante o preparo, o<br />
processamento ou seja durante a estocagem.<br />
Nesse sentido, para uma criteriosa investigação de<br />
surtos de toxinfecções alimentares relacionadas a<br />
esse microrganismo, torna-se necessário que não apenas<br />
seja feita a identificação da espécie envolvida, verificado<br />
o potencial enterotoxigênico da mesma e sua<br />
correlação com a dose infectante (igual ou superior a<br />
10 5 UFC/g), mas que sejam detectadas as enterotoxinas<br />
nas sobras dos alimentos consumidos.<br />
As enterotoxinas pertencem ao grupo das exotoxinas,<br />
são proteínas de baixo peso molecular (24000<br />
a 30000 Daltons) sintetizadas por algumas espécies<br />
de Staphylococcus, em especial pelo S. aureus.<br />
Apresentam atividade biológica similar e uma homologia<br />
na seqüência de aminoácidos que varia entre<br />
30% e 86% (14). Os genes que codificam sua síntese<br />
podem ser de origem cromossomal ou plasmidial<br />
e podem ser transferidos de uma célula a outra por<br />
meio de bacteriófagos atenuados (1). De acordo com<br />
Loir et al. (16) já foram descritas até o momento vinte<br />
diferentes enterotoxinas, dessas, 16 sorologicamente<br />
caracterizadas como (SEs) A, B, C e suas formas<br />
variantes, D, E, e I; além das G, H, J, K, L, M, N, O, P,<br />
e Q. Quatro outras (R, S, T, e U) foram identificadas,<br />
porém, pouco caracterizadas.<br />
A ingestão de enterotoxinas estafilocócicas resulta<br />
no desencadeamento de vômitos e diarréia, e em<br />
alguns casos observa-se o desenvolvimento de dor<br />
abdominal, sudorese, tremor e queda da pressão<br />
sangüínea (13). A síndrome surge entre 30 minutos<br />
e seis horas após a ingestão do alimento contendo a<br />
toxina pré-formada. O quadro clínico caracteriza-se<br />
por uma intoxicação alimentar de evolução rápida e<br />
auto-limitante (22), mas pode ser grave, levando a<br />
pessoa acometida à necessidade de cuidados médicos.<br />
Em alguns casos o quadro do paciente pode<br />
evoluir para o óbito.<br />
A gravidade da intoxicação alimentar depende da<br />
susceptibilidade do individuo à enterotoxina, da<br />
quantidade ingerida e do histórico de saúde da pessoa<br />
envolvida (18). Casos mais graves estão relacionados<br />
a crianças e idosos, que muitas vezes<br />
necessitam de intervenção médica ou até mesmo<br />
hospitalização (20).<br />
A contaminação dos alimentos por seres humanos<br />
é a principal causa das intoxicações de origem estafilocócica,<br />
pois o microrganismo é encontrado nas<br />
narinas de 20 a 30% dos indivíduos, sendo que o<br />
número de portadores intermitentes do microrganismo<br />
corresponde a 60% da população (17). A contaminação<br />
dos alimentos é decorrente principalmente<br />
de manipuladores com poucos critérios de higiene,<br />
mas a ocorrência de surtos também está relacionada<br />
às falhas de conservação dos alimentos, como<br />
refrigeração inadequada, aos períodos longos entre<br />
o preparo e o consumo e a tratamentos térmicos<br />
inadequados (13), como também à qualidade da
matéria-prima.<br />
Considerando o impacto socioeconômico das doenças<br />
transmitidas por alimentos em nosso meio, tornase<br />
cada vez mais necessária a ação conjunta dos laboratórios<br />
de saúde pública e vigilância sanitária na<br />
geração de dados estatísticos para que o Ministério<br />
da Saúde tenha o conhecimento sobre a participação<br />
do microrganismo nas DTA no âmbito nacional.<br />
Assim, o objetivo deste trabalho foi caracterizar<br />
a participação de linhagens enterotoxigênicas de<br />
Staphylococcus spp nos surtos de toxinfecção de<br />
origem alimentar ocorridos nos diferentes municípios<br />
do Estado de Minas Gerais.<br />
2. METODOLOGIA<br />
Realizou-se um estudo epidemiológico retrospectivo<br />
dos surtos de toxinfecção alimentar ocorridos em diferentes<br />
municípios mineiros, no período de janeiro<br />
de 2006 a julho de 2008.<br />
Após a notificação do surto, os fiscais do Serviço<br />
de Vigilância Sanitária do município iniciaram a investigação.<br />
As pessoas envolvidas foram entrevistadas<br />
para o preenchimento da ficha de inquérito<br />
epidemiológico. Sobras dos alimentos consumidos<br />
foram coletadas e encaminhadas para o Serviço de<br />
Microbiologia de Produtos (DIVISA) da <strong>Fundação</strong><br />
<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> (LACEN-MG) onde foram analisadas.<br />
A análise dos dados epidemiológicos (sinais e sintomas,<br />
período de incubação, características das pessoas<br />
envolvidas etc) proporcionou a indicação dos<br />
possíveis alimentos suspeitos e dos agentes responsáveis<br />
pelos surtos ocorridos. Para os surtos característicos<br />
de intoxicação estafilocócica, os alimentos<br />
foram submetidos à quantificação do microrganismo<br />
(UFC/g ou mL), à pesquisa de enterotoxinas e à verificação<br />
do potencial enterotoxigênico das linhagens<br />
isoladas.<br />
Para a etapa de isolamento e quantificação, 25 gramas<br />
ou quantidade disponível do alimento envolvido<br />
foram analisadas de acordo com a metodologia descrita<br />
no “Compendium of Methods for the Microbiological<br />
Examination of Foods” (15). As colônias com<br />
crescimento típico e atípico em ágar Baird-Parker,<br />
após o período de incubação (48h a 36°C), foram contadas,<br />
e a espécie determinada por meio das provas<br />
de coagulase, termonuclease (Tnase), fermentação<br />
de manitol e de maltose e produção de hemólise. Em<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
paralelo, o alimento foi submetido ao protocolo de<br />
extração para a pesquisa de enterotoxinas pelo método<br />
imunoenzimático “Enzyme Linked Fluorescent<br />
Assay” (ELFA) empregando o sistema automatizado<br />
VIDAS® Staph enterotoxin II (BioMérieux). Também<br />
foi utilizado simultaneamente ao ELISA o método<br />
de imunodifusão em gel, “Optimum Sensitive Plate”<br />
(OSP) descrito por Robbins et al, (1974) (21) para<br />
a pesquisa e identificação das enterotoxinas (SEA,<br />
SEB, SEC e SED) no alimento e para a verificação<br />
do potencial enterotoxigênico das cepas isoladas de<br />
acordo com Hallander (1965) (10).<br />
3. RESULTADOS E DISCUSSãO<br />
Foram notificados 139 surtos ocorridos em 73 municípios,<br />
destes, 64 (46,0%) confirmados como intoxicação<br />
estafilocócica. A freqüência média de ocorrência<br />
nesse período foi de 27 notificações a cada<br />
período (Figura 1).<br />
nº de surtos analisados<br />
35<br />
30<br />
25<br />
20<br />
15<br />
10<br />
5<br />
0<br />
JAN - JUL<br />
2006<br />
AGO - DEZ<br />
2006<br />
JAN - JUL<br />
2007<br />
AGO - DEZ<br />
2007<br />
JAN - JUL<br />
2008<br />
Período: semestre<br />
FIGURA 1 - Freqüência de surtos de intoxicação estafilocócica<br />
ocorridos em Minas Gerais no período de janeiro de<br />
2006 a julho de 2008<br />
Trezentas e vinte e três amostras de alimentos foram<br />
coletadas pelos fiscais sanitários e, de acordo com a<br />
análise das fichas de inquérito epidemiológico, aproximadamente<br />
2800 pessoas, entre crianças, jovens<br />
e adultos foram envolvidas, 1738 apresentaram manifestações<br />
clínicas e três óbitos foram registrados<br />
neste período. Acredita-se que o número de pessoas<br />
envolvidas/acometidas seja ainda maior, uma vez<br />
que em 38 (38,4%) notificações esses dados não<br />
foram informados.<br />
As manifestações clínicas predominantes foram em<br />
geral diarréia e vômito, seguidos de febre e dores<br />
abdominais com período de incubação médio de oito<br />
39
40 Gestão, Ciência & Saúde<br />
horas, variando de 30 minutos a 24 horas. Para os<br />
surtos confirmados como intoxicação estafilocócica,<br />
o período de incubação foi inferior a seis horas. Os<br />
alimentos suspeitos mais freqüentes foram queijos,<br />
refeições prontas e produtos de confeitaria, o que<br />
sugere possíveis falhas na seleção da matéria-prima,<br />
processamento e armazenamento, o que resultaria<br />
na contaminação dos mesmos. Para Peresi et<br />
al, (18) alimentos submetidos à extensa manipulação<br />
e aqueles mantidos à temperatura ambiente por<br />
longos períodos estão entre os mais relacionados<br />
à ocorrência de surtos. Os alimentos foram considerados<br />
impróprios para o consumo em virtude da<br />
presença de Staphylococcus coagulase positiva<br />
com contagem igual ou superior a 105UFC/g e/ou<br />
enterotoxina(s) caracterizando-os como potencialmente<br />
capazes de causar intoxicação alimentar. Dos<br />
surtos confirmados como intoxicação estafilocócica,<br />
aproximadamente 1418 pessoas foram envolvidas,<br />
destas, 724 apresentaram sinais e sintomas característicos<br />
da enfermidade, com a predominância de<br />
diarréia e vômito. Metade das fichas de inquérito epidemiológico<br />
não apresentava informações sobre o<br />
número de pessoas expostas/doentes, o que eleva<br />
consideravelmente o número de pessoas envolvidas<br />
nos surtos de toxinfecção pelo microrganismo.<br />
Os casos de óbito registrados nesse período não<br />
foram relacionados à intoxicação estafilocócica, as<br />
análises dos resultados revelaram a presença de Salmonella<br />
em um dos episódios. Os alimentos associados<br />
às outras duas mortes apresentaram resultados<br />
satisfatórios para os parâmetros microbiológicos pesquisados,<br />
indicando que outros possíveis fatores estariam<br />
associados à ocorrência das mesmas. Nos Estados<br />
Unidos, estima-se que as doenças transmitidas<br />
por alimentos sejam responsáveis por duas mortes a<br />
cada ano (17). Embora relatos de óbito por ingestão<br />
de enterotoxinas estafilocócicas sejam raros, quando<br />
ocorrem estão relacionados a fatores como idade,<br />
estado nutricional das pessoas envolvidas, quantidade<br />
de enterotoxinas ingerida, entre outros. No Brasil,<br />
Carmo et al. (6) registraram a ocorrência, em um único<br />
surto, de 16 óbitos de crianças e idosos resultantes<br />
da ingestão de alimentos contendo elevada dose de<br />
enterotoxina A (SEA). Segundo os autores, os indivíduos<br />
que consumiram em torno de 500 gramas de<br />
alimentos teriam ingerido aproximadamente 3 mg de<br />
enterotoxina. De acordo com a literatura, a SEA está<br />
entre as enterotoxinas identificadas com maior freqüência<br />
em surtos de intoxicação alimentar. Para Even-<br />
son et al. (9) a presença de SEA na amostra de leite<br />
achocolatado envolvida em um surto de intoxicação<br />
alimentar foi a responsável pelo episódio ocorrido.<br />
Do total de surtos caracterizados como intoxicação estafilocócica<br />
(n=64), em 25 (39,1%) foi detectada a presença<br />
de linhagens enterotoxigênicas de estafilococos coagulase<br />
positiva (>10 5 UFC/g) e de enterotoxinas nas sobras<br />
dos alimentos consumidos. As linhagens produtoras de<br />
enterotoxina A (SEA) foram as isoladas com maior freqüência,<br />
seguida da SEC e SEB. Em dois surtos foram<br />
encontradas elevadas contagens (>10 5 UFC/g) do microrganismo,<br />
mas as enterotoxinas SEA, SEB, SEC e SED<br />
não foram detectadas quando testadas pelo método OSP<br />
(Figuras 2 e 3).<br />
nº de surtos analisados<br />
FIGURA 2 - Toxinfecção alimentar causadas por Estafilococos<br />
coagulase positiva e/ou enterotoxinas ocorridos em Minas<br />
Gerais no período de janeiro de 2006 a julho de 2008<br />
nº de surtos analisados<br />
70<br />
60<br />
50<br />
40<br />
30<br />
20<br />
10<br />
0<br />
16<br />
14<br />
12<br />
10<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
Enterotoxinas<br />
Estafilococos<br />
coag. pos<br />
Estafilococos<br />
coag. pos +<br />
Enterotoxinas<br />
Enterotoxinas detectadas - OSP - (indução)<br />
Total de<br />
surtos confirmados<br />
Enterotoxinas testadas - OSP - (SEA, SEB, SEC, SED)<br />
Estafilococos coag. pos (>100.000UFC/g)<br />
APENAS<br />
SEA<br />
APENAS<br />
SEC<br />
SEA+<br />
SEB<br />
SEA+<br />
SEC<br />
SEA+<br />
SED<br />
SEA+<br />
SEB+<br />
SEC<br />
FIGURA 3 - Perfil enterotoxigênico de linhagens de Staphylococcus<br />
isoladas dos alimentos envolvidos nos surtos<br />
de toxinfecção ocorridos em Minas Gerais no período de<br />
janeiro de 2006 a julho de 2008
A análise dos resultados sugere a possibilidade<br />
da presença de outras enterotoxinas ou a sensibilidade<br />
do método por não detectar baixas concentrações.<br />
Casman & Bennett (1965) (7) utilizaram<br />
o método para a pesquisa de enterotoxinas em<br />
alimentos. Segundo os autores, quando se utiliza<br />
antígeno padrão com elevado grau de pureza<br />
(95%) a sensibilidade do método gera em torno<br />
de 1µg de toxina/mL, o que corresponde à quantidade<br />
de toxina necessária para a formação da<br />
linha de precipitação.<br />
A cocção é uma das etapas de processamento a<br />
que os alimentos geralmente são submetidos e<br />
pode levar à redução dos contaminantes microbianos<br />
devido à injúria ou morte celular. Ao contrário<br />
das células, as enterotoxinas estafilocócicas são<br />
relativamente estáveis a tratamentos térmicos;<br />
segundo Bergdoll (4), é necessário o aquecimento<br />
a 100ºC, por 30 minutos para destruir toxinas<br />
brutas. Para Holečková et al. (11) a estabilidade<br />
térmica garante a integridade da proteína e de<br />
sua atividade biológica. Assim, do total de surtos<br />
confirmados pela presença de enterotoxinas<br />
e microrganismo+enterotoxinas (n=62) em 37<br />
(59,7%) foram detectadas enterotoxinas nas sobras<br />
dos alimentos, embora o microrganismo não<br />
tenha sido isolado. A SEA foi a toxina detectada<br />
com maior freqüência, estando presente mesmo<br />
quando detectadas mais de uma enterotoxina em<br />
um mesmo surto (Figura 4).Para quantidade de<br />
enterotoxina inferior a 50ng/g de alimento, a utilização<br />
de técnicas de radioimunoensaio (RIA), de<br />
aglutinação e métodos imunoenzimáticos (ELISA)<br />
nº de surtos analisados<br />
70<br />
60<br />
50<br />
40<br />
30<br />
20<br />
10<br />
0<br />
APENAS<br />
SEA<br />
APENAS<br />
SEB<br />
APENAS<br />
SEC<br />
SEA + SEB<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
têm sido indicadas devido à especificidade e sensibilidade<br />
que as mesmas apresentam. Mas de<br />
acordo com Bergdoll (1990) (4), normalmente a<br />
quantidade de enterotoxina presente em alimentos<br />
envolvidos em surtos de toxinfecção alimentar<br />
é facilmente detectável uma vez que se encontra<br />
em concentrações que variam de 1 a 5µg/g de alimento.<br />
Quando comparados os métodos de detecção de<br />
enterotoxinas testados nos sobrenadantes obtidos<br />
da extração realizada em 91 amostras de<br />
alimentos (OSP x ELISA-ELFA) (Figura 5), a concordância<br />
para os resultados negativos ocorreu<br />
em 35 (38,5%) alimentos e resultados positivos<br />
em 17 (18,7%). Pelo método OSP foi detectada<br />
a presença de enterotoxinas em 31 (34,1%)<br />
amostras analisadas, porém todas elas negativas<br />
quando testadas pelo método ELISA-ELFA. Em<br />
apenas oito amostras (8,0%) foi detectada enterotoxina<br />
pelo método ELISA-ELFA com resultado<br />
negativo para o OSP. Dos surtos analisados, as<br />
características dos alimentos envolvidos, sinais,<br />
sintomas apresentados pelas pessoas acometidas<br />
e o curto período de incubação indicavam se<br />
tratar de intoxicação estafilocócica.<br />
Embora o método imunoenzimático (ELISA) apresente<br />
uma sensibilidade de pelo menos 1ng/mL (3),<br />
sensibilidade superior à apresentada pelo método<br />
de imunodifusão em gel (OSP) que pode chegar a<br />
100ng/mL (4), resultados positivos para o método de<br />
ELISA podem ocorrer na presença de concentrações<br />
não tóxicas de enterotoxinas. Assim, torna-se neces-<br />
SEA + SEC<br />
SEA + SED<br />
Enterotoxinas SEA, SEB, SEC, SED testadas pelo método OSP - extração<br />
SEB + SEC ELISA TOTAL<br />
FIGURA 4 - Frequência de enterotoxinas detectadas nos alimentos envolvidos nos surtos de toxinfecção ocorridos em Minas<br />
Gerais no período de janeiro de 2006 a julho de 2008<br />
41
42 Gestão, Ciência & Saúde<br />
nº de surtos analisados<br />
100<br />
90<br />
80<br />
70<br />
60<br />
50<br />
40<br />
30<br />
20<br />
10<br />
0<br />
Negativo em<br />
ambos<br />
Positivo em<br />
ambos<br />
sário determinar não só a presença, mas a quantidade<br />
de enterotoxinas para fins de reprovação do<br />
produto. De acordo com Asao et al. (2) há poucos estudos<br />
sobre a dose de enterotoxina necessária para<br />
desencadear os sinais e sintomas entéricos em seres<br />
humanos. Segundo os autores, ao analisarem amostras<br />
de produtos lácteos envolvidos em um surto de<br />
toxinfecção alimentar envolvendo aproximadamente<br />
13420 pessoas, foi possível estimar que 20-100ng<br />
de SEA tenha sido a quantidade necessária para desencadear<br />
a síndrome. Raj e Bergdoll (19), ao estudar<br />
o efeito da enterotoxina SEB em estudantes<br />
voluntários jovens, constataram que a ingestão de<br />
aproximadamente 1,0 µg é suficiente para desencadear<br />
grave gastrenterite. De acordo com Evenson et<br />
al. (9) nanogramas (100-200ng) de SEA é suficiente<br />
para desencadear os sintomas agudos da doença.<br />
Ambos os métodos testados para a pesquisa de enterotoxinas<br />
nos alimentos apresentam interferentes<br />
que podem comprometer o resultado. Enquanto resultados<br />
falso-negativos para o método “OSP” possam<br />
ocorrer devido ao processamento térmico em<br />
que o alimento é submetido tornando as toxinas sorologicamente<br />
não reativas (3), o método de detecção<br />
pelo “ELISA” pode levar a resultados falso-negativos<br />
devido à presença de possíveis interferentes como<br />
substâncias não imunológicas ligadas à matriz.<br />
Diante dos dados apresentados, observa-se que,<br />
entre as doenças transmitidas por alimentos, as in-<br />
OSP pos/ELI-<br />
SA neg.<br />
Detecção de Enterotoxinas (extração)<br />
OSP neg/<br />
ELISA pos.<br />
Total de<br />
alimentos<br />
FIGURA 5 - Detecção de enterotoxinas em alimentos envolvidos nos surtos de toxinfecção ocorridos em Minas<br />
Gerais no período de janeiro de 2006 a julho de 2008: “OSP” x “ELISA-ELFA”<br />
toxicações estafilocócicas representam uma parcela<br />
expressiva no número de notificações de surtos<br />
ocorridos nos municípios mineiros. A quantificação,<br />
a verificação do potencial enterotoxigênico das linhagens<br />
isoladas e a pesquisa de enterotoxinas nos<br />
alimentos envolvidos são procedimentos imprescindíveis<br />
para a elucidação dos surtos causados pelo<br />
microrganismo.<br />
O estabelecimento da análise de risco para os produtos<br />
alimentícios, assim como a geração de dados<br />
estatísticos sobre o cenário das doenças transmitidas<br />
por alimentos, proporcionarão informações<br />
necessárias ao Ministério da Saúde para o desenvolvimento<br />
de programas voltados à produção e à<br />
comercialização de alimentos seguros em todo o<br />
território nacional.
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115, p. 290-296, 2007.<br />
18. PERESI, J.T.M. et al. Surtos de doenças transmitidas<br />
por alimentos contaminados por Staphylococcus<br />
aureus, ocorridos no período de dezembro de<br />
2001 a abril de 2003, na região de São José do Rio<br />
Preto – SP. <strong>Revista</strong> do Instituto Adolfo Lutz, [s.i], v.<br />
63, n. 2, p. 232-237, jul.- dez. 2004.<br />
19. RAJ, H.D & BERGDOLL, M.S. Effect of enterotoxina<br />
B on human volunteers. Journal of Bacteriology<br />
[s.n], v.98, p.833-834, 1969.<br />
43
44 Gestão, Ciência & Saúde<br />
20. RICHARDS, M.S. et al. Investigation of a Staphylococcal<br />
food poisoning outbreak in a centralizes<br />
school lunch program. Public Health Reports, v. 108,<br />
n. 6, p. 765-771, nov. - dez. 1993.<br />
21. ROBBINS, R., GOULD, S., BERGDOLL, M.S.<br />
Detecting the enterogenicity of Staphylococcus aureus<br />
strains. Applied Microbiology., v.28, p.946-950,<br />
1974.<br />
22. RODRIGUES, K.L. et al. Intoxicação estafilocócica<br />
em restaurante institucional. Ciência Rural, v. 34,<br />
n. 1, p. 297-299, jan. – fev., 2004.<br />
23. SCHMITT,M; SCHULER,U; SCMIDT-LORENZ,W.<br />
Temperature limits of growth, Tnase, and enterotoxina<br />
production of Staphylococcus aureus strains isolated<br />
from foods. International Journal of Food Microbiology<br />
[s.i], v.11, p.1-19, 1990.
RESUMO<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
O REGULAMENTO TÉCNICO DAS BOAS PRÁTICAS<br />
PARA A FABRICAÇÃO DE MEDICAMENTOS (RDC–210/03)<br />
COMO INSTRUMENTO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA NACIONAL<br />
CRITICAL APPRAISAL OF THE TECHNICAL REGULATIONS GOVERNING GOOD MANUFACTU-<br />
RING PRACTICES FOR PHARMACEUTICAL PRODUCTS (RDC-210/03) AS A INSTRUMENT OF<br />
NATIONAL PUBLIC HEALTH<br />
Este trabalho avaliou o Regulamento Técnico das Boas<br />
Práticas para a Fabricação de Medicamentos vigente<br />
(RDC–210/03) como instrumento de vigilância sanitária<br />
nacional, cuja aplicação destina-se a assegurar a qualidade<br />
final dos medicamentos, incidindo sobre a competitividade<br />
empresarial nacional e internacional, fornecendo<br />
informações ao setor produtivo para implementação das<br />
Boas Práticas e subsidiando a verificação de seu cumprimento<br />
pelos órgãos competentes.<br />
Adotou-se o método de análise documental participativa,<br />
centrada em três aspectos do Regulamento: suficiência,<br />
abrangência e compreensão textual. Selecionaram-se 15<br />
diretrizes para fundamentar a apreciação da suficiência;<br />
critérios históricos e técnicos orientaram a escolha das três<br />
diretrizes utilizadas no exame da abrangência; e para o entendimento<br />
do texto, recorreu-se à comparação entre sua<br />
redação e a de seus antecessores.<br />
A avaliação demonstrou insuficiência temática, amplitude<br />
de conteúdo com escassez de procedimentos específicos<br />
e compreensão textual deficiente.<br />
Este estudo concluiu que o Regulamento, como instrumento<br />
de vigilância sanitária, exige aprimoramento. Assim,<br />
no que diz respeito à suficiência, sugere a adequação<br />
da disposição e complementação do conteúdo temático;<br />
em relação à abrangência, cita melhorias no conteúdo; e<br />
quanto à compreensão textual, aconselha providências<br />
visando a superar as falhas documentais constatadas.<br />
Palavras-chave: Boas Práticas de Fabricação. Medicamentos.<br />
Saúde Pública. Vigilância Sanitária. Indústria Farmacêutica<br />
Éji Pons Machado<br />
Graduada em Farmácia e Farmácia-Bioquímica pela Universidade Federal do<br />
Rio Grande do Sul, Mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública<br />
da Universidade de São Paulo, Consultora Nacional para Vigilância Sanitária da<br />
Organização Pan-Americana da Saúde / Organização Mundial da Saúde,<br />
ponseji@bra.ops-oms.org ejipons@gmail.com<br />
ABSTRACT<br />
This Study has the objective of evaluating the current<br />
Good Manufacturing Practices (GMP) in the Pharmaceutical<br />
Industry, RDC-210/03 as a instrument of National<br />
Public Health to assure that the final products possess the<br />
requisite quality for medicaments as well as commercial<br />
competitiveness, both nationally and internationally and<br />
avail enough information to enable the production sector<br />
to implement GMP in its factory processes and allow the<br />
Authorities to verify compliance.<br />
The Study covers 15 GMP directives in Pharmaceutical<br />
Manufacturing. In order to select criteria for analysis the<br />
existing literature and the translation of the original GMP<br />
Directives were examined. The work comprised three analytical<br />
stages evaluating (i) sufficiency (ii) the level and<br />
depth of detail and (iii) comprehension of the text - a Portuguese<br />
translation of the original GMP Directives.<br />
The Document is insufficient as an Industry Directive. It<br />
presents amplitude of content with lack of specific procedures.<br />
Comprehension of the text is poor.<br />
The study concludes that the Document, as a health surveillance<br />
instrument, requires enhancement. Thus, regarding<br />
to the sufficiency, it suggests a provision adaptation<br />
and a complementation of the thematic content; with regard<br />
to the coverage, it cites improvements in the content;<br />
and concerning the textual comprehension, it advises measures<br />
aiming to overcome the documentary deficiencies<br />
found.<br />
Keywords: Good Manufacturing Practices, Pharmaceutical<br />
Products, Public Health, Health Surveillance, Pharmaceutical<br />
industry<br />
45
46 Gestão, Ciência & Saúde<br />
1. INTRODUçãO<br />
A comercialização de medicamentos diferencia-se<br />
sobremaneira pelo fato do usuário quase não possuir<br />
elementos para avaliar previamente sua qualidade e,<br />
desta, depender a promoção, proteção ou recuperação<br />
de sua saúde. Embora concreta e demonstrável,<br />
apenas os aspectos da qualidade perceptíveis pelos<br />
sentidos físicos são passíveis de verificação independente<br />
de saberes específicos; dependentes, no entanto,<br />
do conhecimento prévio e, em muitos casos, da<br />
violação da embalagem primária. Além disso, somente<br />
após o uso do medicamento é possível verificar a<br />
ocorrência ou não do efeito esperado. Assim, ainda<br />
que existam fatores concorrentes, como, por exemplo,<br />
o estágio e a gravidade da situação saúde/doença,<br />
bem como a correta prescrição e acompanhamento<br />
profissional, a administração de um medicamento<br />
pode abreviar, prolongar, agravar ou impedir a correção<br />
almejada, dependendo de sua qualidade.<br />
A produção de medicamentos em larga escala, desvinculada<br />
da prescrição médica, expôs problemas<br />
que apesar da evolução dos setores regulado e regulador<br />
ainda persistem. Os últimos vinte anos testemunharam<br />
esforços sanitários crescentes, acompanhados<br />
de desenvolvimento científico e tecnológico,<br />
historicamente inéditos. Porém, não obstante esse<br />
cenário positivo, os riscos inerentes aos problemas e<br />
as limitações da Vigilância Sanitária no cumprimento<br />
efetivo de seu papel revelam uma situação de carência<br />
que impõe providências, dirigindo nosso olhar ao<br />
arcabouço legal e às ações de vigilância sanitária,<br />
remetendo-nos às Boas Práticas para a Fabricação<br />
de Medicamentos como objeto direto deste estudo e<br />
à qualidade, como seu objeto indireto.<br />
TABELA 1 - Diretrizes para Boas Práticas de Fabricação para medicamentos, selecionadas para avaliação do Regulamento Técnico<br />
das Boas Práticas para a Fabricação de Medicamentos (RDC-210/03), como instrumento de vigilância sanitária nacional.<br />
TÍTULO<br />
Regulamento Técnico das Boas Práticas para a Fabricação de<br />
Medicamentos (RDC-210/03)<br />
Good Manufacturing Practices for Pharmaceutical Products: main<br />
principles.<br />
Regulamento Técnico das Boas Práticas para a Fabricação de Medicamentos<br />
(RDC-134/01)<br />
ORIGEM /ANO DE<br />
PUBLICAçãO<br />
IDENTIFICAçãO<br />
NO TEXTO<br />
Brasil / 2003 Regulamento<br />
Organização Mundial<br />
da Saúde / 2003<br />
OMS/03<br />
Brasil / 2001 RDC-134/01<br />
Guia de Boas Práticas para a Fabricação de Produtos Farmacêuticos Brasil / 1994 GUIA/94<br />
Good Manufacturing Practices for Pharmaceutical Products<br />
Organização Mundial<br />
da Saúde / 1992<br />
OMS/92<br />
Guía de Normas de Correcta Fabricación de Medicamentos de la<br />
Comunidad Europea<br />
Buenas Prácticas de Manufactura de Productos Farmacéuticos<br />
Comunidade Econômica<br />
Européia / 1992<br />
Mercado do Cone Sul<br />
/ 2000<br />
CEE/92<br />
MERCOSUL/00<br />
Good Manufacturig Practices for Drug Manufacturers and Importers<br />
/ Bonnes Pratiques de Fabrication pour les Fabricats et les<br />
Importateurs de Drogues<br />
Canadá / 1982 CANADÁ/82<br />
Buenas Prácticas de Manufactura para la fabricación de productos<br />
faarmacéuticos<br />
Colômbia / 1996 COLÔMBIA/96<br />
Normas de Buenas Prácticas de Fabricación para la Industria Farmacéutica<br />
Venezuela / 1990 VENEZUELA/90<br />
Reglamento de Buenas Practicas de manufactura para La Fabricación<br />
y La Inspección em La Industria Farmacéutica<br />
Costa Rica / 1993 COSTA RICA/93<br />
Current Good Manufacturing Practice for finished Pharmaceuticals Estados Unidos / 1996 EUA/96<br />
Buenas Practicas de Producción Farmaceéutica Cuba / 1992 CUBA/92<br />
Bonnes Pratiques de Fabrication França / 1995 FRANÇA/95<br />
Guía de Procedimientos Adecuados de Manufactura Farmacéutica México / 1986 MÉXICO/86
Este estudo foi inicialmente escrito como dissertação<br />
de mestrado apresentada à Faculdade de Saúde<br />
Pública da Universidade de São Paulo, em 2002,<br />
avaliando criticamente as diretrizes de Boas Práticas<br />
para a Fabricação de Medicamentos (RDC-134/01)<br />
(1), vigentes à época, como instrumento de vigilância<br />
sanitária nacional.<br />
Da prática profissional da autora em vigilância sanitária<br />
emergiam três perguntas que relacionavam as informações<br />
contidas no regulamento em questão com<br />
sua aplicabilidade, considerando o estágio tecnológico<br />
e a diversificação do parque fabril farmacêutico<br />
nacional, cujas respostas suficiência, abrangência<br />
e compreensão textual representaram os aspectos<br />
que definiram a conformação deste trabalho.<br />
Assim, sem a pretensão de teorizar sobre técnica<br />
farmacêutica, as avaliações desses três aspectos<br />
compõem, em conjunto, a avaliação crítica das diretrizes<br />
vigentes (RDC-210/03) (2), daqui em diante,<br />
nomeada Regulamento, como instrumento capaz de<br />
suportar a adequação da cadeia produtiva às necessidades<br />
de saúde da população.<br />
2. METODOLOGIA<br />
O conhecimento prévio de diretrizes de Boas Práticas<br />
para Fabricação (BPF) definiu o material (apresentado<br />
e identificado na Tabela 1) e a análise comparativa<br />
como base para as avaliações. As etapas<br />
deste estudo estão representadas na Figura 1. Os<br />
achados iniciais apontaram para a perspectiva qualitativa<br />
como foco metodológico, embora tenham sido<br />
utilizados recursos quantitativos como suporte à fundamentação<br />
argumentativa resultante das análises<br />
comparativas realizadas.<br />
A suficiência foi avaliada mediante análise de convergências<br />
e divergências totais e parciais das informações<br />
por assunto, a qual estabeleceu a correspondência<br />
temática entre as diretrizes estudadas. Para<br />
avaliação da abrangência foram analisados tendência<br />
e detalhamento, sendo o material reduzido mediante<br />
combinação dos resultados da etapa anterior com o<br />
atendimento de dois dos critérios: i) convergências ou<br />
divergências técnicas ou legais relevantes; ii) representatividade;<br />
iii) particularização técnica ou legal. Para<br />
avaliação da compreensão textual, da leitura ordenada<br />
do Regulamento (2), identificaram-se características<br />
que facilitavam, dificultavam ou alteravam sua inter-<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
pretação em relação ao regulamento anterior, quais<br />
sejam: organização do conteúdo, precisão da redação<br />
e exatidão da terminologia. Para tanto, foram necessárias<br />
as etapas adicionais: revisão da tradução do original<br />
em inglês da OMS/92 (26) que resultou no texto<br />
do GUIA/94 (8); análise comparativa entre os textos do<br />
GUIA/94 (8) e da RDC-134/01 (1); análise comparativa<br />
entre os textos da RDC-134/01 (1) e do Regulamento<br />
(2). Quanto à organização do conteúdo, analisaram-se:<br />
superposição, supressão e acréscimo de informações,<br />
substituição de termos, modificação da redação e continuidade<br />
do conteúdo. Em relação à precisão da redação,<br />
analisaram-se: coerência técnica e legal entre<br />
as informações apresentadas no Regulamento (2), e<br />
destas com as apresentadas nos principais regulamentos<br />
relacionados (5,6,7,9,10,11,12,22,23,24,25,28,29,3<br />
0). Com referência à exatidão da terminologia foram<br />
avaliados rigor e uniformidade.<br />
3. RESULTADOS E DISCUSSãO<br />
3.1 Suficiência<br />
A suficiência é aqui representada pela capacidade<br />
de o Regulamento (2) de suprir tanto o setor produtivo<br />
quanto os órgãos competentes com informações<br />
bastantes para a fabricação de medicamentos. A<br />
avaliação da suficiência não se encerra em si mesma,<br />
evidenciando uma correlação dos resultados<br />
encontrados com a diversificação e o nível de desenvolvimento<br />
tecnológico fabril.<br />
Convergências e divergências, estabelecendo a correspondência<br />
temática evidenciaram 41 temas distintos<br />
no material estudado (Tabela 1). Dos temas com<br />
conteúdos equivalentes, consideraram-se totalmente<br />
convergentes aqueles que constavam de todas<br />
as diretrizes selecionadas (Tabela 1); parcialmente<br />
convergentes os temas com conteúdos equivalentes<br />
que constavam de, no mínimo, duas diretrizes; e divergente,<br />
o tema apresentado em apenas uma das<br />
diretrizes selecionadas.<br />
Em termos absolutos, atentando à ordem cronológica<br />
da publicação das diretrizes em estudo (Tabela<br />
1), constata-se um período de novidades temáticas<br />
que se inicia em 1982 com Canadá/82 (13) passando<br />
por: MÉXICO/86 (21), VENEZUELA /90 (30),<br />
OMS/92 (26), CUBA/92 (16), COSTA RICA/93 (15)<br />
e FRANçA/95 (19). A exceção nesse período coube<br />
ao Brasil com o GUIA/94 (8), explicada por ser<br />
47
48 Gestão, Ciência & Saúde<br />
1ª ETAPA<br />
DAS DIRETRIZES<br />
BRASIL – ORGANIZAçãO MUNDIAL DA SAÚDE – COMUNIDADE ECONÔMICA EUROPÉIA –<br />
MERCOSUL – CANADÁ – COLÔMBIA – VENEZUELA – COSTA RICA<br />
ANÁLISE TEMÁTICA DAS DIRETRIZES SELECIONADAS<br />
IDENTIFICAçãO DE CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS RELEVANTES<br />
AVALIAçãO DA SUFICIÊNCIA<br />
2ª ETAPA<br />
BRASIL – ORGANIZAçãO MUNDIAL DA SAÚDE – COMUNIDADE ECONÔMICA EUROPÉIA –ESTADOS UNIDOS<br />
ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS CONTEÚDOS DAS DIRETRIZES<br />
IDENTIFICAçãO DE CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS RELEVANTES<br />
AVALIAçãO DA ABRANGÊNCIA<br />
3ª ETAPA<br />
DA CONFORMAçãO TEXTUAL DO REGULAMENTO TÉCNICO DA RDC-210/03<br />
ANÁLISE<br />
DA ORGANIZAçãO DO<br />
CONTEÚDO<br />
ANÁLISE<br />
DA PRECISãO DA<br />
REDAçãO<br />
AVALIAçãO DA COMPREENSãO TEXTUAL<br />
ANÁLISE<br />
DA EXATIDãO DA<br />
TERMINOLOGIA<br />
FIGURA 1 - Fluxograma das etapas metodológicas da avaliação crítica do Regulamento Técnico das Boas<br />
Práticas para a Fabricação de Medicamentos (RDC-210/03).
tradução parcial da OMS/92 (26). Esse andamento<br />
é interrompido com EUA/96 (18). Também daí em<br />
diante, o Brasil foi exceção, publicando o tema Produtos<br />
Biológicos na RDC-134/01 (1).<br />
Entende-se que a inclusão de um novo tema referenda<br />
sua importância, do mesmo modo que a ausência<br />
de novidades temáticas permite supor que os temas<br />
abordados são suficientes, naquele momento, para<br />
um país ou bloco econômico. Seguindo esse raciocínio<br />
o último trabalho para atualização das diretrizes<br />
nacionais considerou o conteúdo temático vigente<br />
suficiente para a realidade do País.<br />
A análise da suficiência em termos relativos à situação<br />
do parque fabril nacional apontou a ausência<br />
de temas essenciais para assegurar a fabricação de<br />
produtos com a qualidade pretendida e a preservação<br />
do meio ambiente, como: produtos farmacêuticos<br />
não comercializáveis; produção de placebo; produção<br />
por campanha; gerenciamento de resíduos; descarte<br />
de materiais e produtos; monitoramento da qualidade<br />
pós-comercialização, entre outros. Percebe-se<br />
também a ausência de temas referentes a atividades,<br />
produção de formas farmacêuticas distintas e de produtos<br />
farmacêuticos específicos. Mesmo que alguns<br />
deles sejam disciplinados em legislações próprias, e<br />
assim devam ser em razão de sua especificidade, interfaces<br />
com as BPF podem ser apresentadas como<br />
diretrizes sem gerar conflito; ao contrário, reforçando<br />
a correlação entre os assuntos sanitários regulamentados.<br />
Além disso, sugere-se um novo tema: Comercialização<br />
de Equipamentos Novos e Usados, como<br />
mecanismo de controle – um elemento auxiliar no<br />
combate à clandestinidade e falsificação. A velocidade<br />
da evolução tecnológica, associada às exigências<br />
técnicas referentes aos parâmetros da qualidade,<br />
força a substituição de equipamentos muitas vezes<br />
em condições de funcionamento. A formação de um<br />
banco de dados nacional dos equipamentos utilizados<br />
na fabricação de medicamentos combinado com<br />
a regulamentação da comercialização de equipamentos<br />
usados facilitariam a adoção de medidas de<br />
monitoramento, dificultando a montagem de fábricas<br />
clandestinas. Porém, o mesmo silêncio que se ouviu<br />
durante um século a respeito (ou a despeito?) da<br />
propaganda de medicamentos percebe-se atualmente<br />
em relação à comercialização de equipamentos<br />
destinados à fabricação de medicamentos e demais<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
produtos para a saúde.<br />
Embora a análise da composição temática do Regulamento<br />
(2) ateste insuficiência, os resultados demonstram<br />
que essa não é sua exclusividade, sendo<br />
comum a todas diretrizes estudadas (Tabela 1).<br />
Aliás, a representatividade das diretrizes selecionadas<br />
(Tabela 1) e o fato de o Regulamento (2) situar-se<br />
em terceiro lugar quanto ao número de temas apresentados<br />
poderiam sugerir suficiência satisfatória<br />
não fosse análise comparativa das informações contidas<br />
em cada tema com relação às atuais atividades<br />
fabris, a qual apontou a necessidade de um leque<br />
mais amplo de temas a serem abordados.<br />
Os resultados da análise comparativa sugerem a necessidade<br />
de revisão do conteúdo temático considerando<br />
a realidade tecnológica e econômica de nosso<br />
parque fabril e os interesses comerciais nacionais e<br />
internacionais. Do ponto de vista didático apontam<br />
para a consideração da lógica interna da disposição<br />
temática em relação às atividades de pré-fabricação,<br />
fabricação e pós-fabricação.<br />
De fato, o momento atual registra uma atenção crescente<br />
com a qualidade, envolvendo, gradativamente,<br />
os diversos setores da sociedade, o que reforça<br />
a concepção de suficiência. Tal concepção agrega<br />
valor aos temas ausentes do Regulamento (2), destacados<br />
neste estudo como importantes.<br />
Para ilustrar a relevância da regulamentação de<br />
procedimentos de Boas Práticas relembra-se, entre<br />
os problemas de saúde pública noticiados na<br />
mídia, aquele que divulgou a comercialização de<br />
placebo em vez de anovulatório, ocorrido no Brasil,<br />
em 1998. Da mesma maneira que a mídia mundial<br />
influenciou na compilação de normas que culminaram<br />
nas atuais diretrizes de BPF, a divulgação de<br />
problemas a elas relacionados, quando referentes<br />
a um tema ainda não regulamentado, deveria representar<br />
indicador para o processo de regulamentação.<br />
Também procedimentos e situações observados<br />
durante inspeções sanitárias, registrados em<br />
relatórios ou constantes de pareceres técnicos, merecem<br />
atenção para novas regulamentações, para<br />
revisão das existentes ou para análise e gerenciamento<br />
de risco. As atividades que envolvem esses<br />
procedimentos e situações necessitam ser disciplinadas<br />
legalmente – regulamentadas na legislação<br />
sanitária; ou tecnicamente – descritas em literatura<br />
específica. Desse modo, a não-inclusão de novos<br />
49
50 Gestão, Ciência & Saúde<br />
temas na RDC-134/01 (1), tais como fabricação de<br />
placebo e descarte de materiais e produtos, frustrou<br />
a expectativa gerada pela divulgação de falhas<br />
verificadas pela Vigilância Sanitária, no sentido de<br />
evitar a reincidência e de prevenir a ocorrência de<br />
casos semelhantes em outros estabelecimentos<br />
produtores. A não-inclusão desses temas no Regulamento<br />
(2) reforçou essa frustração.<br />
Reconhece-se nas convergências temáticas totais<br />
a possibilidade de padronização das diretrizes, representada<br />
pela equivalência técnica entre os certificados<br />
de BPF emitidos por países diferentes. Essa<br />
equivalência, ao mesmo tempo em que desempenha<br />
um papel facilitador na avaliação da qualidade<br />
do produto, se presente atesta competitividade comercial<br />
e ausente, aponta para ações de orientação<br />
ou verificação do cumprimento das diretrizes por<br />
parte dos órgãos de vigilância sanitária.<br />
Parece mesmo que o embasamento dessa avaliação<br />
está contido no inter-relacionamento das observações<br />
decorrentes da análise temática:<br />
a) a composição temática não é justificada em nenhuma<br />
das diretrizes estudadas;<br />
b) a inclusão de novos temas indica o reconhecimento<br />
de sua importância;<br />
c) a publicação de diretrizes sem novidades temáticas<br />
sugere que os temas regulamentados são suficientes<br />
até aquele momento;<br />
d) a representatividade da amostra estudada (Tabela<br />
1) no contexto mundial pressupõe sustentação<br />
dos resultados.<br />
Dessa representatividade, infere-se que as convergências<br />
e as divergências temáticas verificadas delineiam<br />
o panorama das BPF, traduzem tendências<br />
comerciais e direcionam as ações de vigilância sanitária<br />
para transações nacionais e internacionais.<br />
Logo, as não-conformidades constatadas pelos serviços<br />
de vigilância sanitária, se analisadas e categorizadas,<br />
podem se constituir em valiosas informações<br />
com vistas a aproximar-se da suficiência das<br />
diretrizes regulamentadas.<br />
Pelo exposto, o cenário da suficiência convida à reflexão<br />
quanto à necessidade da revisão do conteúdo<br />
temático e de sua lógica de disposição. Ante a reconhecida<br />
qualidade da legislação sanitária brasileira,<br />
acredita-se que a complementação temática reforça<br />
o comprometimento mútuo entre os setores regulado<br />
e regulador e facilita a avaliação do cumprimento<br />
das BPF. Considera-se, ainda, que uma ampla<br />
cobertura temática contribui para a diminuição das<br />
não-conformidades verificadas em inspeções sanitárias,<br />
influenciando no impacto por elas causado.<br />
3.2 Abrangência<br />
Entendendo-se a abrangência de um tema como a amplitude<br />
de seu conteúdo, foram analisadas as características:<br />
tendência ¾ traduzida pelo índice de convergências<br />
e divergências e detalhamento ¾ mensurado<br />
em níveis de acordo com a particularização.<br />
Selecionou-se para esta etapa, do grupo em que<br />
predominaram convergências: CEE/92 (20), pela representatividade<br />
como bloco econômico; do grupo<br />
com divergências relevantes: EUA/96 (18), por apresentarem<br />
indícios de serem, tecnicamente, as mais<br />
detalhadas; OMS/03 (27), por representarem organismo<br />
das Nações Unidas, transcendendo fronteiras<br />
e blocos econômicos. Consideraram-se convergentes<br />
totais as informações coincidentes nas abordagens<br />
principal e secundária; convergentes parciais<br />
as informações coincidentes somente na abordagem<br />
principal e divergentes as não-coincidentes quando<br />
comparados temas equivalentes.<br />
Quanto às convergências, somadas as totais e as parciais,<br />
são altos os índices apresentados em relação<br />
à OMS/03 [94,45%] (27) e à CEE/92 [83,34%] (17),<br />
com detalhamento predominantemente equivalente:<br />
OMS/03 [83,33%] (27) e CEE/92 [72,22%] (17). Com<br />
respeito às divergências ¾ OMS/03 [5,55%] (27) e<br />
CEE/92 [16,67%] (17) ¾ os resultados da análise<br />
qualitativa demonstraram que as mesmas se devem<br />
quase que exclusivamente às informações acrescidas,<br />
em virtude da predominância de equivalência<br />
no detalhamento das informações com referência à<br />
OMS/03 [83,33%] (27) e à CEE/92 [72,22%] (17) (Tabela<br />
3). Altos índices de convergência tendem à uniformidade<br />
nas inspeções sanitárias, tão importante<br />
quão necessária para a consolidação de transações<br />
comerciais de medicamentos com qualidade, segurança<br />
e efetividade equivalentes.<br />
Em relação a EUA/96 (18), as diretrizes nacionais
(2) apresentam 50% de seu texto mais detalhado e<br />
22,23 % com particularização equivalente (Tabela 3).<br />
Portanto, apenas 27,77% das BPF nacionais (2) são<br />
menos detalhadas do que as norte-americanas (18).<br />
Divergentes em 33,33% (Tabela 3), a análise qualitativa<br />
demonstrou que a divergência não é devida ao<br />
detalhamento, mas à suficiência (composição temática):<br />
maior nas nacionais (2) do que nas americanas<br />
(18), conforme se verifica na Tabela 2.<br />
Merece destaque o fato de que a análise comparativa<br />
utilizada nesse estudo, além de relacionar convergências<br />
e divergências, coloca em evidência presença e<br />
ausência de informações nas diretrizes selecionadas<br />
(Tabela 1). Atenção ao detalhamento das informações<br />
caracteriza cuidado com os procedimentos apresentados,<br />
influindo no padrão das informações oferecidas,<br />
embora sejam respeitadas as diferenças culturais<br />
existentes entre países e as relações internacionais<br />
que regem a harmonização e a adoção de normas<br />
em blocos econômicos e organismos internacionais.<br />
Em relação à aplicação das diretrizes, detalhamento<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
TABELA 2 - Número e percentagem de temas contemplados pelas diretrizes estudadas.<br />
DIRETRIZES PARA BPF<br />
eficiente impede a condução por caminhos diversos,<br />
não deixando os procedimentos técnicos vulneráveis<br />
ao conhecimento, à criatividade e à lisura de executores<br />
e gestores das BPF.<br />
A combinação da análise da tendência e do detalhamento<br />
do Regulamento (2) em relação às diretrizes<br />
comparadas (27,17,18) mostra um nível de<br />
abrangência compatível com a implementação e a<br />
verificação do cumprimento das diretrizes, objetivos<br />
explicitados nas Considerações Gerais da OMS/92<br />
(26) e OMS/03 (27).<br />
No entanto, não é demais observar que as análises<br />
qualitativas desvelaram lacunas que merecem ser<br />
examinadas para que não resultem em brechas regulamentares<br />
nem comprometam a integridade das<br />
diretrizes nacionais (2). Ilustra-se essa observação<br />
com o relato: quando do primeiro trabalho de atualização<br />
das diretrizes nacionais (8), cujo resultado foi a<br />
RDC-134/01 (1), foi suprimida a exigência de conhecimentos<br />
específicos para o pessoal principal, como<br />
TEMAS CONTEMPLADOS<br />
SIM NãO TOTAL<br />
Nº % Nº % Nº %<br />
OMS/03 17 41,46 24 58,53 41 100,00<br />
Regulamento 18 43,90 23 56,10 41 100,00<br />
RDC-134/01 18 43,90 23 56,10 41 100,00<br />
GUIA/94 17 41,46 24 58,53 41 100,00<br />
0MS/92 18 43,90 23 56,10 41 100,00<br />
CEE/92 19 46,34 22 53,65 41 100,00<br />
MERCOSUL/00 17 41,46 24 58,53 41 100,00<br />
CANADÁ/82 14 34,15 27 65,85 41 100,00<br />
COLOMBIA/96 18 43,90 23 56,10 41 100,00<br />
VENEZUELA/90 16 39,02 25 60,97 41 100,00<br />
COSTA RICA/93 11 26,83 30 73,17 41 100,00<br />
EUA/96 11 26,83 30 73,17 41 100,00<br />
CUBA/96 07 17,07 34 82,92 41 100,00<br />
FRANçA/95 23 56,10 18 43,90 41 100,00<br />
MÉXICO/86 12 29,27 29 70,73 41 100,00<br />
51
52 Gestão, Ciência & Saúde<br />
TABELA 3 - Número e percentagem da tendência e do detalhamento do conteúdo dos temas apresentados no Regulamento<br />
Técnico das Boas Práticas para a Fabricação de Medicamentos (RDC-210/03) em relação aos conteúdos dos<br />
temas correspondentes contemplados nas diretrizes comparadas para avaliação da abrangência<br />
TENDÊNCIA<br />
DETALHAMENTO<br />
DO REGULAMENTO<br />
NÍVEIS DOS<br />
CONTEÚDOS<br />
ciências farmacêuticas e tecnologia. Tal supressão<br />
foi mantida no Regulamento (2). No entanto, a OMS<br />
na edição de 2003 (27) manteve a mesma recomendação<br />
referente aos conhecimentos profissionais específicos<br />
do pessoal principal, existente em OMS/92<br />
(26) e suprimida nas nacionais (1,2). Em suas considerações<br />
gerais verifica-se a informação de que as<br />
diretrizes recomendadas pela OMS (26,27) podem<br />
sofrer adaptações almejando satisfazer necessidades<br />
individuais, com a devida validação. A compensação<br />
dessas adaptações com a validação restringe essa<br />
flexibilidade aos procedimentos. O Brasil substituiu as<br />
especificações de conhecimento por qualificações de<br />
escolaridade previstas pela legislação vigente e experiência<br />
prática. Porém, relatórios de inspeção sanitária<br />
registram departamentos de empresas fabris sob<br />
a responsabilidade de profissionais sem aqueles conhecimentos<br />
específicos em seus currículos universitários,<br />
realidade que merece cuidado, bem como avaliação<br />
da tendência e do desempenho, considerando<br />
a situação do País no cenário mundial.<br />
Nesse contexto, pode-se afirmar que a preponderância<br />
de convergências, mostra diretrizes nacionais<br />
(2) consoantes com mercados regulados ¾ Europa<br />
e América do Norte.<br />
3.3 Compreensão Textual<br />
CONVERGÊNCIA<br />
TOTAL<br />
CONVERGÊNCIA<br />
PARCIAL<br />
Regulamento<br />
X<br />
OMS/03<br />
Tão importante quanto suficiência e abrangência é o<br />
juízo correto das diretrizes regulamentadas. Percebe-se<br />
a compreensão como a combinação da interpretação<br />
objetiva – apreensão do texto, com a inter-<br />
Regulamento<br />
X<br />
CEE/92<br />
Regulamento<br />
X<br />
EUA/96<br />
TOTAL<br />
DE<br />
TEMAS<br />
Nº % Nº % Nº % Nº %<br />
16 88,90 11 61,11 02 11,11 18 100,00<br />
01 5,55 04 22,23 10 55,55 18 100,00<br />
DIVERGÊNCIA 01 5,55 03 16,67 06 33,33 18 100,00<br />
EQUIVALENTE 15 83,33 13 72,22 04 22,23 18 100,00<br />
MAIOR 03 16,67 05 27,78 09 50,00 18 100,00<br />
MENOR 00 00,00 00 00,00 05 27,77 18 100,00<br />
pretação subjetiva – apreensão do contexto, ambas<br />
diretamente relacionadas à redação das informações.<br />
Regionalismos e significados distintos para um mesmo<br />
termo, embora próximos, podem exacerbar sutilezas,<br />
e aliados ao processamento intelectual-individual<br />
e progressivo, destacam a importância da redação e<br />
impedem a circunscrição da avaliação da compreensão<br />
textual e o esgotamento de sua exploração neste<br />
estudo, o qual tem a intenção de propiciar uma discussão<br />
sobre a conformação mais adequada para diretrizes<br />
de Boas Práticas.<br />
Quanto à organização do conteúdo, a primeira característica<br />
analisada ¾ superposição é aqui atribuída<br />
a qualquer informação repetida em dois ou<br />
mais itens independentemente da seção na qual<br />
se encontram. Normalmente, as informações para<br />
Boas Práticas são apresentadas em itens, sendo<br />
alguns subdivididos em alíneas. Entende-se que<br />
a superposição pode sugerir ausência de análise<br />
sistemática do texto ou servir de reforço. Porém,<br />
no último caso faz-se necessário esclarecimento<br />
para preservar a qualidade do texto e evitar entendimento<br />
dúbio, errôneo, excessivo ou provocar<br />
desconforto ao leitor. Foram também analisadas:<br />
supressão ¾ informações não repassadas da<br />
RDC-134/01 (1) para o Regulamento (2); acréscimo<br />
¾ informações aditadas ao Regulamento (2);<br />
substituição de termos, expressões ou informações<br />
e mudança na redação com alteração ou não<br />
na compreensão do Regulamento (2) em relação à<br />
RDC-134/01 (1). Uma ou mais dessas características<br />
são verificadas em aproximadamente 12% do
Regulamento (2). Dessa percentagem, pouco mais<br />
de 20% alteram a compreensão.<br />
A análise da continuidade ¾ disposição lógica do<br />
conteúdo evidenciou fragmentação dos assuntos<br />
com informações complementares em itens distintos<br />
e não consecutivos, dificultando a visualização do<br />
conjunto das recomendações e obrigando a busca<br />
em diversas partes do documento para conhecimento<br />
de um determinado assunto, pois a ausência de<br />
índice remissivo pressupõe informações integrais<br />
sob títulos específicos.<br />
A combinação dos resultados qualitativos e quantitativos<br />
da organização do conteúdo do Regulamento<br />
(2) nos remete ao refinamento lógico reconhecido<br />
como próprio das Boas Práticas. A disposição dos<br />
temas e de seus conteúdos, bem como a apresentação<br />
e informações para busca, constituem tópicos<br />
importantes na conformação textual. A particularização<br />
de cada tema aliada à sua fragmentação pode<br />
resultar em morosidade nas consultas ou em informações<br />
incompletas. Destaca-se que dificuldades<br />
na utilização do Regulamento (2) prejudicam a difusão<br />
de seu conhecimento.<br />
Segunda característica da compreensão textual analisada:<br />
precisão da redação. Entende-se que uma redação<br />
coerente não contradiz ou vai de encontro a<br />
disposições, informações ou afirmações técnicas ou<br />
legais vigentes. Analisou-se a coerência interna do<br />
Regulamento (2) e sua coerência externa em função<br />
da hierarquia e da data de publicação da legislação<br />
e de documentos consultados relacionados (3,4,6,<br />
7,9,11,12,22,23,24,25,26,27). Exemplifica-se com o<br />
assunto prazo de validade.<br />
O GUIA/94 (8) recomendava a utilização de matériasprimas<br />
somente “dentro dos prazos de validade”. Porém,<br />
um mês após a adoção do GUIA/94 (8), foram<br />
regulamentadas as BPF para Indústrias Farmoquímicas<br />
(9), facultando a determinação do prazo de validade<br />
para matérias-primas. Ambas as recomendações:<br />
farmacêuticas e farmoquímicas ainda vigoram.<br />
Da exatidão da terminologia. Se aceitarmos o rigor<br />
como pano de fundo para a variação na interpretação,<br />
parece possível que a definição de<br />
termos inexatos minimize ou supere diferenças<br />
na interpretação transferindo o foco de discussões<br />
inconclusas para pontos que tragam maior<br />
contribuição às BPF. Sugere-se, para harmoni-<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
zar discórdias que remontam ao estabelecimento<br />
inicial das BPF, a elaboração de um glossário<br />
desses termos. Note-se que as BPF afirmam: “O<br />
conteúdo dos documentos não pode ser ambíguo:<br />
o título, a natureza e o seu objetivo devem ser<br />
apresentados de forma clara, precisa e corretos.”<br />
Ora, se os documentos referentes à fabricação<br />
de medicamentos devem contemplar essas particularidades,<br />
que dizer das próprias diretrizes que<br />
recomendam estas condições?<br />
Exemplifica-se o rigor da terminologia com a informação<br />
das responsabilidades geralmente atribuídas<br />
e/ou compartilhadas pelos responsáveis pela produção<br />
e pelo controle da qualidade. A OMS evidencia<br />
sua característica de organismo internacional, facultando<br />
aos países a possibilidade de adequação. Porém,<br />
a manutenção do termo geralmente no GUIA/94<br />
(8), na RDC-134/01 (1) e no Regulamento (2), na ausência<br />
de outro motivo não percebido nesse estudo,<br />
transparece compreensão vaga.<br />
Quanto à uniformidade, exemplifica-se pela utilização<br />
de 11 termos diferentes passíveis do mesmo<br />
significado: procedimento operacional padrão. Combinada<br />
com a ausência de sinonímia no glossário,<br />
transmite a idéia de indisciplina, não condizente com<br />
Boas Práticas, permitindo supor que a experiência<br />
profissional e o conhecimento prévio sobre o tema<br />
respondem pelas interpretações corretas.<br />
4. CONSIDERAçÕES FINAIS<br />
Cabe lembrar que a OMS considera as diretrizes<br />
para BPF um dos elementos técnicos que, juntamente<br />
com os regulatórios e a base jurídica, forma<br />
o sistema da qualidade cujo objetivo é fornecer ao<br />
usuário um produto em conformidade com especificações<br />
e normas estabelecidas.<br />
Ponderando as BPF como normas críticas em relação<br />
ao sistema da qualidade, deduz-se que a composição<br />
temática, as lacunas desveladas na análise da tendência<br />
e do detalhamento e possíveis falhas devidas<br />
à alteração na compreensão podem apresentar resultados<br />
passíveis de desencadear ações desnecessárias<br />
ou incorretas do ponto de vista da vigilância à<br />
saúde. Numa retroalimentação, na medida em que as<br />
diretrizes de Boas Práticas representam suporte para<br />
realização de inspeções sanitárias, a avaliação dos<br />
resultados dessas inspeções, associada à verificação<br />
53
54 Gestão, Ciência & Saúde<br />
da qualidade dos medicamentos pela rede de laboratórios<br />
de saúde pública, fundamenta a concessão e<br />
o cancelamento de autorização para funcionamento<br />
de empresas, o registro de produtos e a certificação<br />
em Boas Práticas. Além disso, os dados levantados<br />
nas inspeções sanitárias complementam a análise do<br />
risco relacionado aos medicamentos.<br />
Como breve reflexão, lembra-se que a padronização<br />
das Boas Práticas regulamentadas como equivalência<br />
técnica dos certificados de BPF para os diversos<br />
países que já os instituíram é uma forma de diminuir<br />
as barreiras alfandegárias, possibilitando incrementar<br />
as transações comerciais internacionais e as<br />
ações de orientação e de verificação do cumprimento<br />
das diretrizes, por parte dos órgãos de vigilância<br />
sanitária.<br />
Destaca-se que a correlação entre o estabelecimento<br />
de diretrizes técnicas e sua aplicabilidade cimenta<br />
a credibilidade do organismo regulador nos âmbitos<br />
nacional e internacional e reflete visão estratégica.<br />
Assim, no contexto das avaliações da suficiência, da<br />
abrangência e da compreensão textual, entende-se<br />
que as diretrizes nacionais vigentes de Boas Práticas<br />
para a Fabricação de Medicamentos, como instrumento<br />
de vigilância sanitária, necessitam revisão<br />
e requerem aprimoramento.
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13/07/01. DOU, Brasília, 16 jul. 2001. Seção I.<br />
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25. SANTAFÉ DE BOGOTÁ. Programa nacional de<br />
control y vigilância sanitária de medicamentos. In:<br />
Santich IR, editora. OPS, 1993. v.2.<br />
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27. SUIÇA. Thirty-eigth report, Annex 6, Genebra,<br />
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28. URUGUAI. Resolução Nº78/99. Grupo Mercado<br />
Comum, 1999.<br />
29. URUGUAI. Resolução Nº79/99. Grupo Mercado<br />
Comum, 1999.<br />
30. VENEZUELA. Normas de Buenas Prácticas de<br />
Fabricación para la Industria Farmacéutica, 1990.<br />
55
56 Gestão, Ciência & Saúde
RESUMO<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
O CURRICULUM E O CURRÍCULO MÉDICO DA UFMG*<br />
THE CURRICULUM AND THE UFMG MEDICAL CURRICULUM<br />
O artigo faz uma síntese dos principais conceitos<br />
em relação a educação, educação médica, currículo<br />
e currículo médico. Faz também uma revisão<br />
dos aspectos conceituais e históricos do currículo<br />
da Faculdade de Medicina da Universidade Federal<br />
de Minas Gerais, desde sua criação em 1910, e das<br />
suas profundas modificações ocorridas em 1975 e<br />
que ainda estão em funcionamento, da estagnação<br />
e do retrocesso dessas modificações. Refere-se à<br />
nova transformação curricular que atualmente está<br />
em estudo, orientada pelas novas diretrizes curriculares<br />
do curso médico, propostas pelos Ministérios<br />
da Educação e da Saúde do Brasil.<br />
Palavras-chave: Educação; Educação Médica; Currículo<br />
Médico<br />
Ari de Pinho Tavares 1 , Roberto Assis Ferreira 2<br />
1 Médico, Especialista em Clínica Médica, Mestre em Fisiologia pelo ICB da UFMG, Doutor em<br />
Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da UFMG, Professor Adjunto do Departamento de Clínica<br />
Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, atavares@task.com.br; 2 Médico, Especialista<br />
em Pediatria e em Medicina do Adolescente, Doutor em Pediatria pela Faculdade de Medicina da<br />
UFMG, Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG.<br />
ABSTRACT<br />
*O presente artigo é parte da Tese de Doutorado “O currículo paralelo dos estudantes de<br />
medicina da UFMG”, do primeiro autor sob a orientação do segundo, defendida em setembro<br />
de 2006, no programa de Pós-graduação em Clínica Médica do Departamento de<br />
Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG.<br />
The article is a summary of the main concepts in<br />
relation to education, medical education, curriculum<br />
and medical curriculum. There is also a review<br />
of conceptual and historical aspects of the curriculum<br />
of the School of Medicine of the Federal<br />
University of Minas Gerais, since it was created in<br />
1910, and the profound alterations in 1975, which<br />
are still valid, as well as the stagnation and retreat<br />
of these modifications. It refers to the new curricular<br />
transformation which is currently under study,<br />
guided by the new curricular guidelines of the medical<br />
course, laid down by the Brazilian Ministry of<br />
Education and Healthy.<br />
Keywords: Education, Medical Education, Medical<br />
Curriculum<br />
57
58 Gestão, Ciência & Saúde<br />
1. INTRODUçãO<br />
A educação tem sido tradicionalmente descrita – de<br />
maneira otimista – como um processo de aperfeiçoamento,<br />
de desenvolvimento, de libertação e de igualdade<br />
social das pessoas.<br />
De acordo com Briani a educação refere-se ao “processo<br />
de desenvolvimento da capacidade física,<br />
intelectual e moral da criança e do ser humano em<br />
geral, visando à sua melhor integração individual e<br />
social” (4). Para Saltini, “é um processo que permite<br />
ao homem chegar a ser sujeito de sua própria ação<br />
em harmonia com o si mesmo e não apenas o objeto<br />
de outros sujeitos; um meio para que o homem possa<br />
se construir como pessoa, em termos de sendo e<br />
não de tendo; uma iniciação à crítica, interpretação e<br />
transformação do mundo” (23).<br />
Desde década de 1970 visões críticas têm visto a<br />
educação sob novos ângulos e abalado fortemente<br />
as visões otimistas de até então. Elas apontam o sistema<br />
educacional como instrumento de reprodução<br />
social e como mecanismo de manutenção e perpetuação<br />
das diferenças sociais e econômicas (6; 24).<br />
Segundo Ferreira (6) os estudos sobre a reprodução<br />
receberam posteriormente diversas críticas; entretanto,<br />
essas não impediram que apontassem os<br />
limites da educação na transformação social. Dessa<br />
maneira, as perspectivas otimistas ficaram abaladas<br />
e a educação passou a ser considerada também<br />
como instrumento de reprodução social.<br />
Em relação aos objetivos da educação médica, considerada<br />
essencialmente e com as características<br />
próprias da educação de adultos, são classicamente<br />
colocados como de natureza cognitiva (conhecimento),<br />
psicomotoras (habilidades) e comportamentais<br />
(atitudes)<br />
Os objetivos cognitivos seriam aqueles ligados a<br />
aquisição, elaboração e organização de informações<br />
por meio do acesso ao conhecimento existente. Nesse<br />
processo, o aprendiz refaz, reconstrói e resignifica<br />
o próprio conhecimento A grande dificuldade para<br />
estudantes e professores fica a cargo da enorme<br />
massa de informações disponíveis, que se torna obsoleta<br />
cada vez mais rápido, e das dificuldades de<br />
separar o relevante do supérfluo.<br />
Os objetivos psicomotores são relacionados à<br />
aquisição de habilidades que permitirão ao futuro<br />
médico o bom exercício profissional. Eles incluem<br />
desde as habilidades necessárias à relação médico<br />
paciente até as habilidades relacionadas aos<br />
procedimentos técnicos envolvidos nas mais diversas<br />
especialidades e da extensa e cada vez<br />
mais complexa aparelhagem de uso em diagnóstico<br />
e tratamento médicos.<br />
Os objetivos comportamentais completam a formação<br />
médica e são mais sutis de se analisar e compreender.<br />
Eles estão relacionados às relações entre<br />
pessoas que a atividade médica exige, qual seja a<br />
relação entre o médico e seus pacientes e as relações<br />
entre o médico, seus colegas e os diversos outros<br />
profissionais que comporão as equipes de saúde<br />
nas quais o médico irá trabalhar.<br />
Os comportamentos e valores que devem ser agregados<br />
ao futuro profissional médico, principalmente<br />
os de ordem moral e ética freqüentemente são adquiridos<br />
nas vivências do dia a dia do seu aprendizado<br />
e na observação dos comportamentos de seus<br />
mestres e preceptores, possivelmente menos do que<br />
nos cursos de ética e outros relacionados, inseridos<br />
no currículo formal (10).<br />
O citado autor lembra o ambiente de intensa pressão<br />
emocional a que é submetido o estudante de<br />
medicina ao longo de seu curso, com o enorme volume<br />
de novos conhecimentos que tem de adquirir,<br />
as exigências que progressivamente a comunidade<br />
e a família passam a fazer de sua atuação e no<br />
plano pessoal o desafio do enfrentamento do uso<br />
de álcool ou drogas. Também o próprio currículo<br />
médico acrescenta fortes componentes de tensão<br />
e ansiedade com os primeiros estudos da anatomia<br />
humana em cadáveres, os primeiros contatos com<br />
os pacientes e suas carregadas cores emocionais,<br />
passando pelo sistema de avaliação adotado pela<br />
faculdade, sem falar na extensa e estafante atividade<br />
extracurricular que os estudantes freqüentemente<br />
exercem. Outros elementos de tensão estão<br />
ligados à perda progressiva da visão romântica e<br />
glamurizada da medicina e do conhecimento das<br />
muitas limitações pessoais e profissionais que ele<br />
vê em seus professores, nele mesmo e na própria<br />
ciência médica, à medida que caminha no curso.<br />
Propõe Gonçalves que:
[...] por último e acima de tudo, deve o professor<br />
ter incorporada à sua personalidade<br />
a sensibilidade para compreender que condições<br />
psicológicas e emocionais negativas<br />
perturbam o processo de aprendizagem, o<br />
que obriga o professor a assumir, como um<br />
dos objetivos educacionais a serem buscados,<br />
o equilíbrio psicoemocional do estudante.<br />
Sem que esta condição seja atendida, haverá<br />
dificuldade de grau variável, mas sempre<br />
considerável, de adquirir conhecimentos, desenvolver<br />
habilidades e incorporar comportamentos,<br />
sabidamente os três objetivos tradicionais<br />
da educação médica (10).<br />
2. O CURRICULUM E O CURRÍCULO MÉDICO<br />
A palavra “currículo” (curriculum) é de origem latina<br />
e significa percurso, carreira, ato de percorrer.<br />
Alguns autores citam a sua utilização por Platão e<br />
Aristóteles para descrever os temas ensinados no<br />
período clássico da civilização grega. Outros procuram<br />
a origem da palavra em alguma universidade<br />
européia da Idade Média ou no sistema educacional<br />
medieval dos jesuítas (12; 2).<br />
Na literatura da educação, em geral, e no entendimento<br />
diário e comum da maioria dos professores e<br />
alunos, o termo “currículo” se refere ao conjunto de<br />
disciplinas ou conteúdos de um curso geralmente<br />
representado por uma grade de disciplinas onde se<br />
explicitam os conteúdos, as ementas, os créditos, se<br />
obrigatória ou optativa, as respectivas cargas horárias,<br />
sua distribuição pelos períodos acadêmicos.<br />
O estudo mais formal do currículo realizado por Bobbit<br />
ocorreu nos Estados Unidos a partir da segunda década<br />
de século passado com o processo da massificação<br />
da educação, industrialização e urbanização.<br />
Segundo o autor os modelos de currículo escolar<br />
tomavam como modelo institucional a fábrica, e sua<br />
inspiração teórica, a administração cientifica do taylorismo,<br />
e onde o processo educacional era o de input e<br />
output fabris com objetivos, métodos e procedimentos<br />
especificados e resultados mensuráveis (3).<br />
Em fins da década de 1940 consolida-se o modelo<br />
proposto por Bobbitt com a publicação da obra de Tyler,<br />
Princípios básicos do currículo e que vão dominar<br />
esse campo até os fins da década de 1980. Para Ty-<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
ler, quatro questões básicas deveriam ser respondidas<br />
pelo currículo: Que objetivos educacionais deve a<br />
escola atingir? Que experiências educacionais podem<br />
ser oferecidas que tenham possibilidades de alcançar<br />
esses propósitos? Como organizar eficientemente essas<br />
experiências educacionais? Como podemos ter a<br />
certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados?<br />
(currículo – ensino e instrução – avaliação) (3).<br />
O currículo – incluindo o currículo médico – pode<br />
ser entendido de várias maneiras, desde como o<br />
mero texto escrito ou uma grade de disciplinas e<br />
de cargas horárias até o “tudo” que ocorre na escola<br />
ou na universidade. A visão mais focada em<br />
um desses dois pólos de interpretação pode levar<br />
a simplificações ou à tentativa de se controlar um<br />
infinito número de variáveis que, nos dois extremos,<br />
leva à chance de fracasso na tentativa do entendimento<br />
das dimensões e utilidades do currículo e da<br />
possibilidade de seu contínuo aperfeiçoamento (12).<br />
O tema fica ainda mais controverso quando, em<br />
1968, Philip Jackson publica de uma obra de grande<br />
impacto, intitulada Life in classroom. Nessa surge a<br />
expressão “currículo oculto” e, com ela, a consideração<br />
dos profissionais de educação de que certos fatores<br />
não prescritos no currículo se combinam para<br />
dar um sabor específico à vida da sala de aula [...],<br />
que incidem na eficácia do prescrito.<br />
[...] nessa perspectiva, a área de currículo deixa<br />
de ser vista apenas como meramente técnica<br />
e voltada para as questões de procedimentos,<br />
técnicas e métodos e passa a incluir<br />
uma concepção crítica, guiada por questões<br />
sociológicas, políticas e epistemológicas. As<br />
questões do como (metodológicas) passam<br />
a ser importantes apenas na medida em que<br />
estejam relacionadas ao porquê das formas<br />
de organização do conhecimento escolar. O<br />
currículo, portanto, é considerado um artefato<br />
social e cultural. Isto é, o currículo se localiza<br />
no âmbito das determinações sociais,<br />
históricas e de seu contexto. Não é um elemento<br />
transcendente e atemporal, mas tem<br />
uma história, vinculada a formas específicas<br />
de organização da sociedade e da educação.<br />
O currículo está implicado em relações de<br />
poder; transmite visões sociais particulares e<br />
interessadas; produz identidades individuais<br />
e sociais específicas. O currículo é uma área<br />
59
60 Gestão, Ciência & Saúde<br />
contestada, é uma arena política (12).<br />
Aplle outro reconhecido estudioso da área, ratifica que:<br />
[...] o currículo nunca é apenas um conjunto<br />
neutro de conhecimentos, que simplesmente<br />
está sendo utilizado nos textos e nas salas<br />
de aula de uma nação. Ele sempre faz parte<br />
de uma seleção de alguém, da visão de algum<br />
grupo acerca do que seja conhecimento<br />
legítimo. É produto das tensões, conflitos e<br />
concessões culturais, políticas e econômicas<br />
que organizam um povo (1).<br />
No caso da medicina e da questão da reprodução<br />
do currículo e da prática médica, assim se expressam<br />
Siqueira e Salgado, citados por Ferreira (6).<br />
“O currículo funciona historicamente como instrumento<br />
político para conservar e servir aos<br />
interesses econômicos externos a ele, e que o<br />
controlam. Em contrapartida o currículo pode<br />
ser instrumento político de mudança social na<br />
medida em que se faz consciente e politicamente<br />
viável, nesta direção. Neste caso far-seá<br />
não só viável, mas viável para atender às necessidades<br />
sociais, escapando ao controle dos<br />
interesses econômicos externos. Este escape<br />
será obviamente fugaz no tempo e microscópico<br />
no espaço, ou seja, inviável em termos significativos,<br />
exceto se ocorreram reestruturações<br />
econômico-sociais gerais, na mesma direção”.<br />
A visão de currículo e de projeto pedagógico do Fórum<br />
de Pró-Reitores de Graduação das Universidades<br />
Brasileiras (ForGRAD) foi explicitada no documento<br />
“Política Nacional de Graduação”:<br />
A organização curricular, que prevê as ações<br />
pedagógicas regulares do curso, elemento<br />
fundamental de um Projeto Pedagógico,<br />
é hoje orientada por Diretrizes Curriculares<br />
Nacionais que superam os estreitos contornos<br />
de currículos mínimos obrigatórios, possibilitando<br />
uma organização curricular com<br />
relativa liberdade e flexibilidade. Neste novo<br />
contexto, a organização curricular preverá<br />
permeabilidade em relação às transformações<br />
que ocorrem no mundo científico e nos<br />
processos sociais, a interdisciplinaridade, a<br />
formação sintonizada com a realidade social,<br />
a perspectiva de uma educação continuada<br />
ao longo da vida, a articulação teoria-prática<br />
presente na indissociabilidade entre ensino,<br />
pesquisa e extensão (7).<br />
Já a visão de currículo da extensão universitária<br />
pode ser encontrada no Plano Nacional de Extensão<br />
que assim se expressa:<br />
Quanto ao ensino, discute-se e aprofunda-se<br />
um novo conceito de sala de aula, que não se<br />
limite ao espaço físico da dimensão tradicional,<br />
mas compreenda todos os espaços, dentro<br />
e fora da universidade, em que se realiza o<br />
processo histórico-social com suas múltiplas<br />
determinações, passando a expressar um<br />
conteúdo multi, inter e transdisciplinar, como<br />
exigência decorrente da própria prática (8).<br />
O “currículo nulo” é aquilo que é parte do currículo,<br />
mas não tem aplicabilidade nem utilidade aparente,<br />
chegando-se a considerar como materiais e conteúdos<br />
supérfluos (16).<br />
Os autores classificam o “currículo nulo” em uma série<br />
de categorias, entre as quais destacamos as seguintes,<br />
a nosso ver mais relevantes para o currículo médico:<br />
•<br />
•<br />
•<br />
•<br />
•<br />
Currículo nulo por ramificação: são elementos<br />
programáticos ampliados em demasia e com pouca<br />
utilidade e aplicabilidade durante o exercício<br />
profissional.<br />
Currículo nulo por preferência do professor: refere-se<br />
a aspectos de um tema específico que são<br />
detalhados ao máximo por escolha ou preferência<br />
pessoal de professores, alunos ou instituição educativa,<br />
cuja aplicabilidade prática não tem correspondência<br />
no tempo dedicado ao mesmo.<br />
Currículo nulo por falta de preparo do professor:<br />
situações em que o professor está pouco preparado<br />
ou tem pouca experiência no assunto.<br />
Currículo nulo por defasagem do conhecimento:<br />
produz-se quando são abordados conhecimentos<br />
necessários e relevantes ou de grande aplicabilidade<br />
mas com conteúdo defasado ou obsoleto.<br />
Currículo nulo por falhas metodológicas: são situações<br />
em que o processo de ensino/aprendizagem<br />
pode ser prejudicado por desconhecimento
•<br />
•<br />
•<br />
•<br />
dos professores, geralmente excelentes profissionais,<br />
das bases metodológicas da educação.<br />
Currículo nulo por falta de experiência profissional:<br />
atualmente a contratação de professores<br />
universitários se dá fortemente baseada na<br />
titulação acadêmica e no currículo dos candidatos<br />
e com pouca consideração pela experiência<br />
profissional prévia na carreira de origem do candidato.<br />
Em medicina isso pode acarretar professores<br />
excelentemente preparados do ponto de<br />
vista da pesquisa, mas pouco preparados nos<br />
aspectos ligados à atividade profissional e que<br />
serão muito relevantes na preparação dos alunos<br />
futuros médicos.<br />
Currículo nulo por novidade: a inclusão de temas<br />
e mesmo de disciplinas nos currículos simplesmente<br />
porque são novidades pode levar a<br />
confusão e mesmo a total perda de tempo se<br />
sua inclusão não é precedida de análise criteriosa<br />
de sua aplicabilidade e relevância.<br />
Currículo nulo por tradição: são situações em que<br />
temas e mesmo disciplinas são mantidos simplesmente<br />
porque sempre estiveram lá, ou pela importância<br />
e poder do professor, independentemente<br />
de sua importância para o futuro profissional.<br />
Currículo nulo por falta de coordenação: referese<br />
aos casos de repetição desnecessária de temas,<br />
em várias disciplinas, por falta de sintonia<br />
entre professores e coordenadores.<br />
Os autores se referem a muitas outras formas de<br />
“currículo nulo”, de maior ou menor importância<br />
para o currículo médico, e todos nós podemos facilmente<br />
nos lembrar de numerosos outros aspectos<br />
do processo de ensino/aprendizagem médico que<br />
acarretam perdas de tempo e recursos.<br />
O “currículo paralelo” é definido por Rego (20) como<br />
“o conjunto de atividades extracurriculares que os<br />
alunos (de medicina) desenvolvem, subvertendo,<br />
na maioria das vezes a estrutura curricular formal<br />
estabelecida pela faculdade”.<br />
O aprendizado do “currículo paralelo”, freqüentemente<br />
não colocado de forma rotineira nos currículos<br />
formais dos cursos médicos, é, inegavelmente,<br />
ferramenta de grande valor para o estudante e fu-<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
turamente para o egresso, no seu trabalho como<br />
profissional. É um importante complemento aos<br />
currículos formais e tem o potencial de transformálo<br />
– naquilo que é um “caminho” ou “percurso” na<br />
sua uni ou bidimensionalidade – numa trajetória tridimensional,<br />
visualizada mais como um campo de<br />
possibilidades.<br />
[...] a noção de flexibilidade curricular está,<br />
de forma mais profunda, ligada à idéia de um<br />
processo ativo e dinâmico de ensino-aprendizagem.<br />
Isso implica uma mudança paradigmática<br />
em relação ao currículo que deixa<br />
de ser um curso linear de atividades para ser<br />
compreendido segundo a idéia de um campo<br />
de possibilidades, um percurso que não<br />
é totalmente pré-definido e que se constrói<br />
segundo o acompanhamento continuo e a<br />
oferta de vivências significativas: “um espaço<br />
vivencial” – do qual tanto professores quanto<br />
alunos são arquitetos e onde reciprocamente<br />
co-ordenam as suas experiências. Estas práticas<br />
devem ser, portanto, vivências abertas<br />
e consideradas sob os seguintes critérios:<br />
(a) pelo seu potencial de provocar sínteses<br />
coerentes de experiências que os estudantes<br />
realizam em todos os domínios de sua vida<br />
– relacionando, por exemplo as suas atividades<br />
escolares e extra-escolares; (b) pelo<br />
seu potencial de abrir “janelas” para outros<br />
domínios e (c) pelo seu potencial de despertar<br />
a curiosidade em relação a pontos que<br />
extrapolam o âmbito da própria vivência, mas<br />
podem ser destacados e aprofundados pelo<br />
aluno por conta própria. Isso significa deslocar<br />
o conhecimento já feito para o conhecimento<br />
em vias de formação (11).<br />
O relatório Flexner publicado em 1910 teve profunda<br />
influência na elaboração dos currículos das escolas<br />
médicas norte-americanas e, a partir daí, no<br />
resto do mundo;<br />
[...] em 1910 a Associação Médica Americana<br />
(AMA) encomendou a <strong>Fundação</strong> Carnegie<br />
um estudo sobre as 160 escolas médicas<br />
que funcionavam então nos Estados Unidos<br />
com as mais diversas filosofias de ensino,<br />
financiamentos, estrutura de laboratórios e<br />
hospitais, padrão de professores etc. O convite<br />
se baseou num estudo prévio realizado<br />
61
62 Gestão, Ciência & Saúde<br />
pelo Conselho de Educação Médica da Associação<br />
Americana de Escolas de Medicina<br />
(AAMC) que em 1906 inspecionou as 160<br />
escolas médicas e tendo chegado a conclusão<br />
da aprovação de 82, 46 com problemas<br />
solucionáveis e 32 inaceitáveis.<br />
Após a discussão desses resultados com a<br />
Associação Médica Americana (AMA), essa<br />
por razões de ordem ética optou por não<br />
publicar os resultados e convidar um grupo<br />
externo para conduzir uma investigação semelhante<br />
o que efetivamente se configurou<br />
com o convite à <strong>Fundação</strong> Carnegie que por<br />
sua vez convidou a Abraham Flexner para realizar<br />
o estudo (21; 9).<br />
De uma maneira geral as propostas decorrentes do<br />
relatório Flexner consignaram um modelo de ensino<br />
médico cujas principais características foram:<br />
a) sólida formação em ciências básicas nos primeiros<br />
anos do curso (anatomia, fisiologia, bioquímica,<br />
farmacologia, histoembriologia, bacteriologia e patologia);<br />
b) pouca ênfase nos aspectos de prevenção e promoção<br />
da saúde e concentração nos aspectos de<br />
atenção médica individual;<br />
c) valorização da aprendizagem dentro do ambiente<br />
hospitalar, recomendando-se que as escolas tivessem<br />
seu próprio hospital de ensino e considerando<br />
impróprio o uso de outros serviços;<br />
d) recomendação para que o hospital de ensino contasse<br />
com um corpo clínico próprio e permanente;<br />
e) limitação da assistência ambulatorial apenas aos<br />
casos que precisavam de internação;<br />
f) organização minuciosa da assistência médica em<br />
cada especialidade;<br />
g) ensino da assistência obstétrica dentro do hospital<br />
e não fora dele;<br />
h) recomendação para que o hospital de ensino<br />
contasse com número grande de leitos para cada<br />
aluno: quatrocentos leitos para cinqüenta estudantes<br />
(21; 9).<br />
Nas últimas décadas, projetos, encontros e conferências<br />
internacionais como as Conferências de<br />
Vina Del Mar (Chile 1955), e de Tehualcan (México,<br />
1956) introduziram as experiências da medicina<br />
preventiva e social nos currículos médicos com a<br />
coordenação e participação da OPAS. Em 1978 é<br />
realizada a Conferência de Alma Ata na Rússia que<br />
propõe a meta da “Saúde para todos no ano 2000”,<br />
adotando a estratégia da atenção primaria em saúde.<br />
(6; 14, 15, 13).<br />
Também congressos mundiais de educação médica<br />
(I e II Conferências Mundiais de Educação Médica<br />
de Edimburgo) propõem recomendações para<br />
ação e apelo à cooperação internacional em resposta<br />
às varias situações que estão à espera de<br />
mudanças, todas no sentido da missão social e da<br />
implementação de currículos que visem a terminalidade<br />
da formação de um médico geral, bem como<br />
a implantação de um novo modelo de assistir e de<br />
cuidar da saúde das pessoas em sua integralidade<br />
(6; 14, 15, 13).<br />
No Brasil a ABEM (Associação Brasileira de Educação<br />
Médica), a FEPAFEM (Federação Pan-Americana<br />
de Faculdades e Escolas Médicas), o CFM<br />
(Conselho Federal de Medicina) a CINAEM (Comissão<br />
Interinstitucional Nacional de Avaliação das<br />
Escolas Médicas) e outras entidades de classe e<br />
de educação médica propõem diversos projetos e<br />
resoluções no sentido de modificações no ensino<br />
médico visando uma medicina mais integral e um<br />
melhor atendimento de saúde da população. Mais<br />
recentemente aparecem, na década de 1980 e 1990,<br />
os projetos IDA e UNI, financiados pela <strong>Fundação</strong><br />
Kellogg, baseados nas estratégias da integração<br />
docente-assistencial e na aproximação dos cursos<br />
médicos com as realidades de saúde das comunidades<br />
e das escolas médicas (6; 14, 15, 13).<br />
Nessa mesma linha destacam-se o movimento de<br />
reforma sanitária e a promulgação da constituição<br />
de 1988 com a consagração da saúde como direito<br />
de todos e dever do Estado, a criação do SUS (Sistema<br />
Único de Saúde) e a criação da estratégia do<br />
PSF (Programa de Saúde da Família), para implantar<br />
e gerenciar as atividades da atenção primaria de<br />
saúde à população, a aproximação dos ministérios<br />
da Saúde e da Educação e a construção da real<br />
possibilidade de parceria das escolas médicas e os<br />
serviços assistenciais públicos.
Nos primeiros anos do século XXI são promulgadas<br />
as Diretrizes Curriculares dos cursos da área da<br />
saúde e do curso médico que oferecem a oportunidade<br />
da criação de um novo paradigma na formação<br />
do médico, com ênfase numa formação ética, generalista,<br />
crítica, humanista e reflexiva, capaz de responder<br />
às necessidades de promoção, prevenção,<br />
recuperação e reabilitação da saúde da população,<br />
com capacidade resolutiva e de auto-atualização,<br />
de trabalhar em equipe multiprofissional, com pouca<br />
dependência em equipamento e hospital e com<br />
uma visão integral dos problemas de saúde do ser<br />
humano (6; 14, 15, 13).<br />
Todo esse conjunto de iniciativas vem criando as<br />
condições de se modificar o modelo “flexneriano”<br />
de formação médica ainda predominante, biologicista,<br />
individualista, baseado na especialização, na<br />
utilização intensiva de tecnologias e no hospital,<br />
considerado superado, insuficiente e responsável<br />
por boa parte dos problemas da atenção à saúde<br />
das populações e substituí-lo por um novo modelo<br />
mais integral, humano e menos equipamento e<br />
hospital-dependente (6; 14; 15, 13).<br />
3. O CURRÍCULO MÉDICO DA UFMG<br />
O currículo da Faculdade de Medicina da UFMG,<br />
que começou a funcionar em 1911, foi inspirado no<br />
da Escola de Medicina do Rio de Janeiro. A partir<br />
de então veio sofrendo mudanças representadas,<br />
praticamente, por sucessivos acréscimos de novas<br />
disciplinas básicas e de especialidades médicas.<br />
Na década de 1950 introduziu-se a importante área<br />
da Medicina Preventiva, que cresceu de maneira<br />
contínua até o currículo atual.<br />
Em 1964 a Faculdade funcionou por 10 anos com<br />
um currículo experimental de cinco anos de duração,<br />
que não se manteve.<br />
Em 1967 extinguiram-se as cátedras e instituíramse<br />
os departamentos, e em 1969 foi implantado o<br />
regime de tempo integral e dedicação exclusiva<br />
para professores.<br />
Em 1968 foi criado o Instituto de Ciências Biológicas<br />
(ICB), com o desligamento das cadeiras básicas<br />
do ciclo profissional.<br />
Em 1975, após quatro anos de discussões, come-<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
çou a funcionar um novo currículo que previa, entre<br />
outras mudanças, fusão de disciplinas, adaptação<br />
do ambulatório para atendimento em dois turnos,<br />
adequação de laboratórios e serviço de radiologia,<br />
ampliação do quadro docente e instalação do atendimento<br />
extramural. Em 1978 iniciaram-se as atividades<br />
do Internato do 11º e 12º períodos, incluindo<br />
a experiência pioneira do Internato Rural.<br />
As disciplinas do Ciclo Básico, 1º ao 4º períodos,<br />
foram mantidas como já estruturadas no Instituto de<br />
Ciência Biológicas (ICB). Esse currículo, com algumas<br />
modificações, a partir de 1994, se mantém até<br />
o momento atual (5).<br />
Atualmente, a Faculdade de Medicina recebe 320<br />
alunos por ano, divididos em duas entradas de 160<br />
cada por semestre.<br />
O curso é oferecido em 12 períodos, os quatro primeiros,<br />
cursados no curso básico no Instituto de<br />
Ciências Biológicas (ICB), e os oito restantes, no<br />
curso profissional, já na Faculdade de Medicina.<br />
4. O CURRÍCULO MÉDICO DA UFMG DE 1975<br />
Em junho de 1974, foi realizado um seminário<br />
de ensino médico da Faculdade de Medicina da<br />
UFMG, com o objetivo de sistematizar as propostas<br />
da mudança curricular que seria implantada a partir<br />
de 1975, que incluiu a participação de alunos,<br />
professores do ciclo básico e profissional, técnicos<br />
da OPS/OMS e representantes dos órgãos de planejamento<br />
da Universidade e do Governo de Minas<br />
Gerais. O seminário fez uma série de recomendações<br />
e estratégias para a reformulação do currículo,<br />
suas adaptações necessárias durante a fase de<br />
convivência com o currículo antigo e sua completa<br />
implantação, a partir de 1975.<br />
Entre as recomendações, as seguintes foram consideradas<br />
como os marcos conceituais mais importantes,<br />
e, pela sua significância e atualidade, reproduzimos<br />
na íntegra:<br />
A Educação Médica deve ter como base um<br />
sistema em que a estrutura de atenção é voltada<br />
para os problemas de saúde prevalentes<br />
na comunidade em que vai atuar o futuro<br />
médico. A escola de medicina é apenas um<br />
subsistema, a quem cabe assumir a parte<br />
63
64 Gestão, Ciência & Saúde<br />
que lhe toca na responsabilidade pela atenção<br />
à saúde da comunidade. O sistema principal<br />
é constituído pela Universidade, através<br />
da integração do currículo médico a outras<br />
unidades da área da saúde e de ciências humanas,<br />
e pelos serviços de saúde existentes<br />
na comunidade.<br />
A política e o planejamento da formação de<br />
médicos devem ter como referência a integração<br />
do processo de aprendizagem com<br />
o Sistema de Atenção Médica, tomando a<br />
nosologia, as necessidades saúde da população<br />
e a própria estrutura dos serviços de<br />
saúde como objeto de estudo. A política de<br />
Educação Médica deve, ainda, explicitar as<br />
relações da Universidade com a Sociedade,<br />
bem como os níveis de participação e responsabilidade<br />
de cada um na busca de soluções<br />
para os problemas de saúde da comunidade<br />
em que está inserida.<br />
Tendo em vista a realidade de saúde da<br />
área servida pela Faculdade de Medicina da<br />
UFMG, o objetivo prioritário de seu curso de<br />
graduação deverá ser a formação de um médico<br />
generalista, policlínico, capaz de prestar<br />
a assistência primária de saúde e de exercer<br />
a medicina comunitária. Este médico deverá<br />
aplicar, na realização de seu trabalho, conhecimentos<br />
básicos das ciências do comportamento<br />
e da realidade sócio-econômica que o<br />
envolve, bem como exercer atitudes críticas<br />
permanentes em relação à dinâmica nosológica<br />
e aos sistemas existentes de prestação<br />
de serviços de saúde.<br />
A formação deste profissional deverá ser fruto<br />
de sua própria atuação, formalmente supervisionada<br />
pele Faculdade, na prestação de<br />
serviços de saúde, especialmente no campo<br />
da Medicina Comunitária.<br />
Colocada assim a questão, o médico preparado<br />
para dar respostas eficientes à demanda<br />
da comunidade a que assiste deve ter<br />
presente que o instrumental técnico de que<br />
dispõe muitas vezes não soluciona inteiramente<br />
os problemas, e que dada a complexidade<br />
de sua gênese, essa solução exige<br />
o concurso de outros profissionais. Portanto<br />
o médico deve ser formado na consciência<br />
da relatividade de seu papel na solução de<br />
problemas de saúde e da necessidade de<br />
desenvolver atitudes favoráveis ao trabalho<br />
integrado com outros profissionais. O generalista<br />
assim formado deveria dispor ainda<br />
de bases coerentes para uma especialização<br />
não deformante (25).<br />
Salgado (22) pondera que seriam cinco os pontos<br />
centrais do currículo de 1975:<br />
•<br />
•<br />
•<br />
•<br />
em primeiro lugar, o ensino médico não<br />
pode ser improvisado, amadorístico ou<br />
imitativo; em decorrência, foram realizados<br />
estudos diagnósticos prévios de<br />
1971 a 1975 e que continuaram posteriormente;<br />
em segundo lugar, o ensino tem como<br />
princípio não perguntar ao professor e ao<br />
aluno o que a escola deve ensinar; alunos<br />
e professores devem procurar esta<br />
resposta na realidade e nas necessidades<br />
sociais, às quais a escola deve responder;<br />
como terceiro ponto, o atendimento das<br />
necessidades sociais deve ser avaliado<br />
de forma contínua, assim em vez de surgir<br />
um currículo como produto acabado,<br />
resulta um processo de desenvolvimento<br />
curricular; como conseqüência, o processo<br />
para avançar exige seminários de<br />
ensino, comissão de avaliação interdisciplinar<br />
como o NAP (Núcleo de Assessoramento<br />
Pedagógico);<br />
como quarto elemento, as habilidades, os<br />
conhecimentos e as atitudes adquiridas,<br />
principalmente, através do atendimento<br />
ambulatorial precoce de adultos e crianças,<br />
permitem graduar o médico geral,<br />
não apenas capaz de atender à maioria<br />
das necessidades de saúde, mas também<br />
capaz de se adaptar ao mercado de<br />
trabalho atual e futuro; a integração com<br />
o sistema de assistencial e a inserção<br />
precoce do aluno na atividade assistencial<br />
é essencial;
•<br />
por fim, como quinto ponto, o novo ensino<br />
é adequado não apenas à realidade de<br />
saúde, mas à realidade econômica do Brasil;<br />
exige pouco investimento de capital,<br />
exceto em infra-estrutura, e se concentra<br />
na utilização de recursos humanos.<br />
O currículo implantado em 1975 foi e ainda é sujeito<br />
à intensa controvérsia na Faculdade de Medicina<br />
da UFMG, e vários autores tiveram a oportunidade<br />
de fazer sua avaliação crítica sobre o tema. Pela<br />
importância da proposta de mudança curricular de<br />
1975 e como síntese da mesma, destacamos as<br />
considerações abaixo, da extensa revisão sobre o<br />
tema de Ferreira (6):<br />
[...] a mudança do curso médico da UFMG,<br />
implantada a partir de 1975, diferiu bastante<br />
das reformas anteriores do currículo desta<br />
faculdade. A proposta foi construída com a<br />
participação de alunos e professores, foram<br />
ouvidos egressos e houve a colaboração de<br />
profissionais de outras áreas do conhecimento,<br />
fora do setor saúde. Deu-se assim, caráter<br />
amplo e inovador ao projeto. Os fundamentos<br />
apoiaram-se em princípios e objetivos que ultrapassaram<br />
os limites habituais do ensino<br />
médico. Houve investimento na análise das<br />
condições e dos problemas internos da Faculdade,<br />
procurando-se, no entanto, dar respostas<br />
aos desafios colocados para o ensino<br />
e a prática da medicina na segunda metade<br />
do século XX.<br />
O currículo de 75, mesmo assumindo a forma<br />
de modelo pedagógico, estabelece como<br />
alvo a prática médica, representada por seu<br />
paradigma científico e pelo modelo assistencial<br />
na qual estava inserida.<br />
O debate, que desde então se estabeleceu,<br />
procurou destacar, quase sempre, se a prática<br />
e o ensino médico estavam fundamentados nos<br />
aspectos biológicos ou nos sociais. Portanto,<br />
se o currículo era biocêntrico ou sociocêntrico.<br />
Quanto ao conteúdo pedagógico, por exemplo,<br />
estava em causa: se o ensino deveria<br />
estar centrado no aluno ou no professor, na<br />
prática hospitalar ou na prática assistencial<br />
comunitária. O ensino da UFMG até então<br />
estimulara a prática tecnológica especializa-<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
da à qual se contrapunham a medicina geral<br />
e a atenção primária, consagradas pouco<br />
tempo após na conferência sobre cuidados<br />
primários em Alma-Ata, em 1978.<br />
A necessidade de superar o modelo Flexner<br />
de educação médica tornou-se a posição majoritária,<br />
na medida que amadurecia o projeto<br />
de mudança. O modelo Flexner estabelecia<br />
condições idealizadas para o ensino como<br />
laboratórios de pesquisa e hospital universitário<br />
modelo, dando prioridade à formação<br />
científica sobre a prática social, modelo inviável<br />
para a UFMG naquele momento.<br />
O objetivo que se constituiu na UFMG não<br />
foi encontrar novo modelo pedagógico para<br />
a educação médica, mas sim comprometer<br />
a formação médica com as necessidades de<br />
saúde da população. O modelo pedagógico,<br />
em decorrência, seria flexível e subordinado<br />
aos objetivos do projeto.<br />
O médico formado dentro deste modelo devia<br />
compreender e ajudar a transformar as condições<br />
de saúde existentes. Propunha-se um<br />
currículo engajado e comprometido com a realidade<br />
médico-social. A educação biocêntrica<br />
devia ser superada tornando-se sociocêntrica.<br />
Ou seja, o ensino que até então dava<br />
prioridade aos conteúdos biológicos, seria<br />
substituído, integrando o curso com a prática<br />
assistencial. O aprendizado tornar-se-ia<br />
simultâneo ao equacionamento e respostas<br />
aos problemas concretos de saúde.<br />
Como viabilizar o projeto? O estudante se<br />
vincularia à realidade de saúde, inserindo o<br />
ensino no sistema assistencial. Professor e<br />
aluno seriam deslocados da prática modelar<br />
– própria do Flexner – e integrariam o sistema<br />
assistencial não como atividade esporádica,<br />
de uma ou outra disciplina como ocorria, em<br />
geral, com a integração docente-assistencial.<br />
O ensino médico e o sistema assistencial<br />
deviam ter conexão orgânica, como aspecto<br />
central da atividade curricular. Assim, todo o<br />
currículo seria construído em integração com<br />
a prática assistencial (6).<br />
Em resumo, o currículo médico de 1975 apresenta-<br />
65
66 Gestão, Ciência & Saúde<br />
va propostas radicais e pioneiras de modificações,<br />
como aprendizado eminentemente prático, o atendimento<br />
ambulatorial em unidades básicas de saúde<br />
municipais, internatos em hospitais públicos e<br />
privados e o internato rural. Nas suas bases teóricas<br />
estavam incluídas as pretensões de questionar<br />
não apenas o paradigma médico dominante (Flexner),<br />
mas também o modelo pedagógico prevalente<br />
em educação médica. Tinha a intenção de formar<br />
médicos com características de “terminalidade” e<br />
“generalistas” e, portanto, mais de acordo com as<br />
necessidades de saúde da população e as possibilidades<br />
de financiamento governamentais (25, 6).<br />
Se quisermos um resumo ainda mais sintético,<br />
poderíamos usar a frase de efeito que era lema<br />
daquela época: “o ensino é subproduto da boa assistência”<br />
(19).<br />
Atualmente, o processo de mudança curricular de<br />
1975 é considerado estagnado e mesmo em retrocesso,<br />
assim, considera-se que a proposta de<br />
ensino médico na UFMG, tal como originalmente<br />
concebida, começou a se descaracterizar, em torno<br />
de 1986, deixando de evoluir e mesmo entrando<br />
em regressão.<br />
[...] de fato, algumas evidências confirmam<br />
essas opiniões: o sistema de cuidados progressivos<br />
avança parcialmente no Hospital<br />
das Clínicas; o processo de integração com<br />
o sistema de saúde se faz lentamente; não<br />
ocorre a reorganização departamental subordinada<br />
à nova concepção de ensino e<br />
assistência; não se incorporam novos modelos<br />
pedagógicos que podiam fazer avançar a<br />
integração vertical – ciclo básico, ciclo profissional<br />
– como o uso de algumas técnicas<br />
de ensino baseado em problemas; a preparação<br />
dos professores, inclusive dos novos<br />
contratados, é insuficiente, e estes trazem<br />
concepções pessoais ao ensino; o currículo<br />
continuo, considerado peça chave da subordinação<br />
do ensino à assistência, foi interrompido<br />
em 1986 (6).<br />
5. PROPOSTAS PARA UM NOVO CURRÍCU-<br />
LO MÉDICO DA UFMG<br />
Mais recentemente a Faculdade de Medicina da<br />
UFMG foi selecionada, em 2002, para o programa<br />
PROMED, que é uma proposta de apoio às escolas<br />
médicas que queiram, voluntariamente, adequar<br />
seus processos de ensino, sua produção de conhecimento<br />
e de serviços às necessidades do sistema<br />
de saúde do país. O objetivo é estimular as escolas<br />
médicas na busca de excelência técnica e relevância<br />
social (17).<br />
O PROMED é uma ação interministerial coordenada<br />
(MS/MEC), que reafirma as orientações contidas<br />
nas Diretrizes Curriculares dos Cursos Médicos,<br />
no sentido de que esses devem formar profissionais<br />
com competência para terem postura ética, visão<br />
humanística, senso de responsabilidade social<br />
e compromisso com a cidadania; orientação para<br />
a proteção, promoção da saúde e prevenção das<br />
doenças; orientação para atuar em nível primário e<br />
secundário de atenção e resolver com qualidade os<br />
problemas prevalentes de saúde (17).<br />
Na Faculdade de Medicina da UFMG foi criado um<br />
projeto específico para implantar e gerenciar os recursos<br />
e idéias do PROMED, com o nome de Projeto<br />
Recriar, que se encontra em processo de discussão<br />
pela comunidade da Faculdade (19).<br />
No último seminário do Projeto Recriar definiram-se<br />
como pontos de atenção na condução das mudanças,<br />
para o futuro, e ainda integralmente válidos a<br />
necessidade de avaliação, acompanhamento e atualizações<br />
coerentes com os princípios fundamentais,<br />
“inegociáveis” da mudança curricular de 1975:<br />
•<br />
•<br />
•<br />
a pessoa (paciente-coletividade) como sujeito<br />
da assistência médica;<br />
o cenário de prática como realidade e não<br />
como cena ou simulação;<br />
a integralidade da assistência médica (18).<br />
Recentemente, em novembro de 2005, foi criado<br />
pelos Ministérios da Saúde e da Educação o Pró-<br />
Saúde (18). “Este programa envolve 89 projetos de<br />
graduação em Enfermagem, Medicina e Odontologia,<br />
bem como as Secretarias Municipais de Saúde<br />
dos municípios relacionados a esses Projetos. O<br />
Pró-Saúde tem a perspectiva de que os processos<br />
de reorientação da formação ocorram simultaneamente<br />
em distintos eixos, em direção à situação<br />
desejada apontada pelas Instituições de Ensino
Superior (IES), que antevê uma escola integrada<br />
ao serviço público de saúde e que dê respostas às<br />
necessidades concretas da população brasileira na<br />
formação de recursos humanos, na produção do<br />
conhecimento e na prestação de serviços, em todos<br />
esses casos direcionados a construir o fortalecimento<br />
do SUS. Essa iniciativa visa à aproximação<br />
entre a formação de graduação no País e as necessidades<br />
da atenção básica, que se traduzem no<br />
Brasil pela estratégia de Saúde da Família.<br />
O distanciamento entre os mundos acadêmicos e o<br />
da prestação real dos serviços de saúde vem sendo<br />
apontado em todo mundo como um dos responsáveis<br />
pela crise do setor da Saúde. No momento em que a<br />
comunidade global toma consciência da importância<br />
dos trabalhadores de saúde e se prepara para uma<br />
década em que os recursos humanos serão valorizados,<br />
a formação de profissionais mais capazes de<br />
desenvolverem uma assistência humanizada e de<br />
alta qualidade e resolutividade será impactante até<br />
mesmo para os custos do SUS, na medida em que<br />
a experiência internacional aponta que profissionais<br />
gerais são capazes de resolver custos relacionados<br />
a 4/5 dos casos sem recorrer à propedêutica complementar,<br />
cada dia mais custosa.<br />
O Brasil tem uma notável experiência em aproximação<br />
entre a academia e os serviços, mas essa<br />
ainda está muito aquém do que seria necessário.<br />
Projetos experimentais, vinculados a pequena parte<br />
das escolas de medicina, odontologia e enfermagem,<br />
deveriam se expandir e tornar-se o centro do<br />
processo de ensino e aprendizagem “(18).<br />
De uma maneira tradicional, a profissão médica e a<br />
formação de novos médicos e médicas foram, durante<br />
muitos séculos, fundamentadas na idéia do<br />
modelo do “médico-sacerdote”, muito baseadas na<br />
relação de acolhimento, de ajuda, de compaixão, na<br />
valorização do método clínico, da observação e da<br />
reflexão, na formação de uma boa relação médicopaciente<br />
e que para muitos ainda formam a base na<br />
qual se apóia a boa prática e a boa educação médica,<br />
e pouco em ciência, laboratório e tecnologia.<br />
A partir das primeiras décadas do século passado,<br />
no processo de trabalho e de formação de novos<br />
profissionais, surgiu o chamado modelo “flexneriano”,<br />
ou “modelo biomédico”, nascido nos EUA,<br />
fortemente baseado e dependente da metodologia<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
científica, da especialização, de exames de laboratório,<br />
do hospital e de novos aparelhos cada vez<br />
mais sofisticados e caros. Esse modelo obteve<br />
esmagador sucesso, predominou e se tornou hegemônico<br />
também nas escolas médicas do mundo<br />
ocidental: poderia ser chamado do modelo do<br />
“médico-cientista”.<br />
Para muitos observadores e críticos da cena da profissão<br />
e da pedagogia médicas, o modelo do “médico-cientista”,<br />
apesar de suas inegáveis qualidades<br />
e sucesso, vem se tornando um modelo desgastado<br />
e em exaustão, não só porque médicos e pacientes<br />
começam a perceber, cada vez com maior clareza,<br />
que na própria concepção do modelo reside boa<br />
parte dos problemas que têm tornado crescentes<br />
os conflitos da relação médico paciente, gerando<br />
franca e generalizada insatisfação com o mesmo,<br />
mas também pelos insuportáveis custos que o uso<br />
do modelo acarreta.<br />
Uma boa aposta para o futuro é que ocorrerá uma<br />
síntese entre o modelo do “médico-sacerdote” e<br />
o do “médico-cientista”, aproveitando o que há de<br />
melhor em cada um deles, harmonizando os diversos<br />
pontos de vista da profissão e da pedagogia<br />
médicas, criando uma medicina mais equilibrada,<br />
menos conflituosa, com uma face mais humana e<br />
que resgate a verdadeira importância do médico e<br />
o real valor da medicina.<br />
Não deixa de ser auspicioso que, atualmente, esses<br />
princípios estejam colocados nas diretrizes curriculares<br />
dos cursos da área da saúde em geral, e<br />
da profissão médica em particular, propostas pelo<br />
Ministério da Educação do Brasil, e façam parte<br />
também do ideário e da prática do Sistema Único<br />
de Saúde, criado pela Constituição de 1988, e do<br />
Programa de Saúde da Família.<br />
67
68 Gestão, Ciência & Saúde<br />
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<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
69
70 Gestão, Ciência & Saúde
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
TOMADA DE DECISÕES PARA O TRAUMA CARDIOVASCULAR: CONTRIBUIÇÕES DA AUDI-<br />
TORIA A PARTIR DE UM ESTUDO FEITO NO HOSPITAL JOÃO XXIII/FHEMIG<br />
MAKING DECISION ON CARDIOVASCULAR TRAUMA: AUDIT CONTRIBUTIONS BASED UPON A<br />
JOãO XXIII HOSPITAL/FHEMIG STUDY<br />
RESUMO<br />
O trauma não é apenas um desafio biológico, mas também econômico.<br />
Inserido nesse contexto, o trauma cardiovascular é cada vez mais<br />
discutido, particularmente em seus aspectos epidemiológicos, fisiopatológicos<br />
e terapêuticos. No entanto, a visão e a tomada de decisões<br />
terapêuticas centradas na racionalidade econômica não têm sido<br />
abordadas, principalmente pela classe médica, na mesma proporção,<br />
o que requer ações e práticas administrativas que sejam capazes de<br />
mudar esse paradigma. Não há dúvidas de que devemos lutar para<br />
salvar nossos pacientes, mas não se pode “matar” a saúde financeira<br />
institucional. Torna-se relevante, portanto, a constante avaliação dos<br />
principais fatores que influenciam no aumento dos custos envolvidos<br />
e medidas capazes de minimizá-los. O objetivo deste artigo é o de<br />
demonstrar o custo e o impacto financeiro referente à primeira abordagem<br />
cirúrgica em vítimas com lesões cardiovasculares admitidos<br />
no Hospital João XXIII/FHEMIG, projetando-os para o setor de saúde<br />
assistencial brasileiro, e discutir propostas a partir da realidade vivenciada.<br />
Trata-se de um estudo com aprovação ética, retrospectivo, de<br />
coorte e descritivo realizado a partir da auditoria de contas hospitalares<br />
referentes a 70 prontuários catalogados pelo Serviço de Trauma<br />
Cardiovascular entre os anos de 2004 e 2006. Cinco (7,14%) prontuários<br />
foram excluídos por má qualidade técnica. Os dados analisados<br />
revelaram correlação de proporcionalidade direta entre o impacto<br />
financeiro e topografia anatômica das lesões e exponencial com as<br />
variáveis hemoderivados e/ou de prótese vascular, além de corroborar<br />
com evidências do alto impacto que o mesmo provoca nos custos<br />
Institucionais, calculados em R$ 103.614,96 ($60.949,97) e estimados<br />
em R$ 185.888,21 ($109.346,0) para o setor privado, implicando uma<br />
defasagem potencial de 44% caso não fossem tomadas medidas<br />
atenuadoras por parte da instituição. No entanto, e apesar de essas<br />
diminuírem a defasagem econômica, é necessário aperfeiçoá-las e<br />
acompanhá-las por equipe multidisciplinar e de modo contínuo. Este<br />
estudo fortalece a importância da auditoria de contas para o setor assistencial<br />
de saúde e a ampliação da transmissão do saber que não<br />
seja puramente biológico, mas também daquele com foco na racionalidade<br />
de gestão e na saúde financeira Institucional.<br />
Palavras-chave: Trauma, Lesão Cardiovascular, Auditoria, Tomada de<br />
Decisões, Gestão<br />
Ricardo Costa-Val 1 , Maria Cristina Marques 2<br />
1 Titular da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, Titular do Colégio Brasileiro de<br />
Cirurgiões, Mestre e Doutor em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais, Cirurgião<br />
Titular do Hospital João XXIII/FHEMIG, Professor de Bioética do Curso de Medicina do Centro<br />
Universitário de Belo Horizonte, ricardocostaval@hotmail.com; 2 Enfermeira, Pós-Graduada em<br />
Auditória em Sistemas de Saúde pela Faculdade São Camilo de Belo Horizonte, Gerente Administrativa<br />
da <strong>Fundação</strong> Hospitalar do Estado de Minas Gerais<br />
ABSTRACT<br />
Trauma is not only a serious problem for the human being, but also<br />
for financial health system all over the world. Inside this context,<br />
cardiovascular trauma has been approached even more, but on<br />
epidemiologic and biologic concepts than administratively, which<br />
urges in behaviors capable of paradigm`s shift. We must labor in<br />
favor of our patients, but we can`t dye our Institution. So, it is relevant<br />
a continuous and critical analysis about Trauma assistance<br />
in all aspects. The aim of this article is to analyze the expenses<br />
and impact of the first surgical approach in cardiovascular victims<br />
admitted at Hospital João XXIII/FHEMIG and stimulated reflections<br />
based upon on personnel experiences. It is about an ethical<br />
approved study, retrospective and descriptive from audit did in 70<br />
eligible patients enrolled by Cardiovascular Service. Five (7,14%)<br />
patients files were excluded for bad qualities records. Indeed, the<br />
data showed direct and exponential relationship between costs<br />
and anatomic topographic and blood/vascular prosthesis utilization<br />
and emphasizes the huge economic impact of these serious<br />
problem, estimated in R$109.346,00 for private system, 44% sliding<br />
scale for the Institution based on the endowment from Brazilian<br />
Public System ($60.949,97), which obliged the institutions to<br />
create others ways to minimized it. Therefore, these actions needed<br />
continuously improvement and also, be made by a multidisciplinary<br />
task force. These study allowed to conclude that the audit<br />
in health system is a must and evidences to necessity to spread<br />
a knowledge assistance focus not only on biological aspects but<br />
also on the vision that economic healthy Institutional needs to be<br />
chased by all.<br />
Keywords: Trauma, Cardiovascular Lesion, Expenses, Audit,<br />
Making Decision, Administration<br />
71
72 Gestão, Ciência & Saúde<br />
1. INTRODUçãO E REFERENCIAL TEÓRICO<br />
O trauma é um dos maiores desafios mundiais da<br />
era moderna para as práticas assistenciais de saúde<br />
pelo fato de provocar grande impacto nas taxas<br />
de morbimortalidade e por causar expressiva<br />
repercussão econômica na assistência à saúde.<br />
Seu poder de devastação se faz significativamente<br />
maior nos países em desenvolvimento. No Brasil,<br />
morreram mais de um milhão de pessoas em<br />
conseqüência da violência urbana e de acidentes<br />
de trânsito na década de 1990. E mais, apenas<br />
no ano de 2003, os hospitais públicos e conveniados<br />
ao Sistema Único de Saúde (SUS) internaram<br />
753.304 vítimas diretamente relacionadas ao<br />
tema, com um custo hospitalar 27% maior do que<br />
todas as internações por todas as outras causas<br />
juntas (13,19,25).<br />
Se avaliar esse grande problema público de saúde<br />
tem sido difícil tarefa, seja nos grandes centros<br />
urbanos, seja nas zonas rurais, por inúmeros<br />
fatores, tais como ausência de padronização<br />
de coleta dos dados e sub-notificações, quiçá o<br />
próprio trauma cardiovascular, que se correlaciona<br />
com altas taxas de mortalidade pré-hospitalar<br />
(1,19,21,31,33,36). Destarte tais obstáculos, o<br />
Hospital João XXIII/FHEMIG de Belo Horizonte<br />
vem progressivamente registrando uma crescente<br />
incidência de lesões cardiovasculares graves<br />
(8,9,14,29) e levando essa informação a público.<br />
A proposta deste estudo se baseou na reconhecida<br />
importância da Auditoria de Contas para as instituições<br />
hospitalares e órgãos gestores de saúde<br />
pública e/ou privada, já que a mesma possibilita a<br />
análise técnica e a identificação de situações administrativas<br />
inadequadas. Ao realizar análise pericial<br />
dos procedimentos hospitalares após a alta<br />
do paciente, a mesma permite ainda a avaliação<br />
sistemática da qualidade da assistência à saúde<br />
e a garantia de um pagamento justo, mediante a<br />
cobrança adequada (11,20,26).<br />
No entanto, não é incomum nos depararmos com<br />
desperdícios e perdas, seja no mau planejamento<br />
assistencial, seja na utilização indevida de materiais,<br />
equipamentos e dos recursos humanos,<br />
sendo essa a principal relevância do estudo apresentado<br />
e que poderá fomentar novos estudos de<br />
interesse institucional e nacional.<br />
2. OBJETIVOS<br />
2.1. Objetivo geral<br />
Demonstrar o custo e o impacto financeiro referente à<br />
primeira abordagem cirúrgica em vítimas com lesões cardiovasculares<br />
admitidos no Hospital João XXIII/FHEMIG,<br />
projetando-os para o setor de saúde assistencial brasileiro,<br />
e discutir propostas a partir da realidade vivenciada.<br />
•<br />
•<br />
•<br />
•<br />
2.2. Objetivos específicos<br />
Averiguar a qualidade das folhas de sala referentes<br />
à abordagem operatória inicial dos pacientes<br />
com lesão cardiovascular admitidos no Hospital<br />
João XXIII/FHEMIG, detectando falhas, e propor<br />
ações institucionais benéficas;<br />
Avaliar os principais insumos que aumentaram o custo<br />
da primeira abordagem terapêutica desses doentes;<br />
Contabilizar o montante repassado pelo Sistema<br />
Único de Saúde e projetar o custo e o impacto<br />
financeiro do trauma cardiovascular para o atual<br />
sistema brasileiro de saúde privada;<br />
Contribuir para a literatura científica relacionada<br />
ao tema, seja na esfera assistencial, seja na<br />
administrativa.<br />
3. METODOLOGIA<br />
3.1. Modelo de estudo e casuística<br />
Trata-se de um estudo retrospectivo de coorte e descritivo<br />
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa<br />
da FHEMIG, registro CEP/FHEMIG 575, vinculado<br />
ao Conselho Nacional de Pesquisa em Seres Humanos<br />
– CONEP, feito com base na análise de contas<br />
hospitalares de 70 prontuários catalogados pelo<br />
Serviço de Trauma Cardiovascular entre os anos de<br />
2004 – 2006. Não há conflitos de interesse neste estudo.<br />
3.2. Critérios de inclusão<br />
Foram considerados critérios de elegibilidade a concordância<br />
entre os diagnósticos e os códigos de procedimentos<br />
do Sistema Único de Saúde, além dos materiais<br />
utilizados exclusivamente no centro cirúrgico do Hospital<br />
João XXIII/FHEMIG registrados na folha de sala e nos
prontuários dos pacientes conforme supracitado.<br />
3.3. Critérios de exclusão<br />
Foram excluídos da análise dos custos: prontuários<br />
preenchidos de forma incorreta e/ou dúbia; prontuários<br />
pertencentes a pacientes que tinham lesão<br />
isolada de artéria e/ou veia de médio e pequeno calibre,<br />
definindo-se previamente para este estudo que<br />
enquadravam nessas condições as seguintes estruturas<br />
vasculares: artéria e/ou veia radial, artéria e/<br />
ou veia ulnar, vasos dos quirodáctilos, artéria dorsal<br />
anterior, vasos dos pododáctilos, artéria temporal,<br />
veia jugular externa, veia cefálica e/ou basílica, veia<br />
safena magna e/ou safena parva bem como suas<br />
tributárias e vasos intra-abdominais de menor porte<br />
detectados pela laparotomia exploradora; todos os<br />
dados referentes aos procedimentos propedêuticos<br />
e/ou terapêuticos e respectivos materiais realizados<br />
fora centro cirúrgico.<br />
3.4. Variáveis e parâmetros para análise<br />
A estimativa do custo referente à primeira abordagem<br />
operatória, em reais, levou em consideração<br />
todos os materiais médico-hospitalares, incluindo<br />
medicamentos, órteses e prótese, gases medicinais<br />
e hemoderivados utilizados. Estratificaram-se ainda<br />
os resultados por topografias anatômicas das lesões<br />
e por clínicas cirúrgicas. Por outro lado, não foram<br />
computados gastos relacionados a depreciações<br />
de equipamentos, uso de sala cirúrgica, internação<br />
e remunerações aos profissionais da saúde. O repasse<br />
financeiro teve como parâmetro os valores<br />
referentes aos códigos de procedimentos do Sistema<br />
Único de Saúde – SUS/2007 e a Planilha de<br />
Registro de Preços de Material Médico-Hospitalar da<br />
FHEMIG/2006. A projeção para o setor assistencial<br />
de saúde se baseou no Índice Referencial de Medicamentos<br />
– Brasíndice/2007 e no Índice de Material<br />
Médico Hospitalar da União Nacional das Instituições<br />
de Auto Gestão em Saúde – Unidas/2006.<br />
4. RESULTADOS<br />
Dos 70 prontuários analisados, cinco (7,14%) foram<br />
excluídos em razão da má qualidade técnica das informações<br />
registradas nas folhas de sala. Dos 65 casos<br />
analisados, houve apenas lesões cardiovasculares em<br />
34 (52,3%) e outras associadas com injúrias de outros<br />
órgãos ou estruturas que exigiram intervenção em 31<br />
(47,7%) casos, sendo cirurgia geral (41,9%), ortopedia<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
(35,5%), cirurgia plástica (19,4%) e neurocirurgia (3,2%).<br />
O custo referente a todos os procedimentos cirúrgicos<br />
realizados no centro cirúrgico estimado para o setor<br />
privado de saúde seria de R$ 185.888,21 (mediana<br />
de R$ 2.236,55; ± R$ 1.546,34) e o repasse financeiro<br />
feito pelo Sistema Único de Saúde para o hospital<br />
foi de R$ 103.614,96 (mediana de R$ 1.432,88; ± R$<br />
909,8), projetando uma defasagem de 44,3% caso<br />
a instituição não tivesse adotado pregão eletrônico,<br />
compra de materiais em lotes e negociação preferencial<br />
com o setor industrial.<br />
No entanto não houve homogeneidade dos valores<br />
financeiros referentes à projeção para o setor privado<br />
e nem para o repasse financeiro feito pelo Sistema<br />
Único de Saúde, conforme Figuras 1 e 2.<br />
FIGURA 1 - Dispersão dos valores do custo operatório<br />
total, em reais, projetado para o setor privado de saúde,<br />
segundo o Brasíndice e Unidas, para todos os casos registrados<br />
pelo Serviço de Trauma CCV no Hospital João<br />
XXIII/FHEMIG, entre os anos de 2004-2006.<br />
FIGURA 2 - Dispersão dos valores do repasse do Sistema<br />
Único de Saúde, em reais, para todos os casos registrados<br />
pelo Serviço de Trauma CCV no Hospital João XXIII/FHE-<br />
MIG, entre os anos de 2004-2006.<br />
73
74 Gestão, Ciência & Saúde<br />
Levando-se em consideração apenas os casos<br />
com lesões cardiovasculares, o custo total<br />
projetado para o sistema privado de saúde e<br />
o repasse financeiro feito pelo Sistema Único<br />
de Saúde e seus impactos sobre o custo total<br />
foram, respectivamente, de R$ 96.171,32 (impacto<br />
de 52%) e de R$ 42.904,27 (impacto de<br />
41%). E quando se analisaram os casos com<br />
lesões cardiovasculares associadas a outras<br />
lesões, computou-se que houve uma pequena<br />
redução do custo total e no impacto financeiro<br />
(R$ 89.716,89 e 48%, respectivamente) para o<br />
setor privado e um ganho significativo em relação<br />
ao repasse público (R$ 60.710, 69 e 59%,<br />
respectivamente). No entanto, as Tabelas de 1<br />
a 3 demonstram, claramente, como a utilização<br />
de sangue ou próteses vasculares encarecem,<br />
numa proporção direta para apenas uma dessas<br />
variáveis e de maneira exponencial para a associação<br />
delas. Novamente, a associação entre<br />
lesões cardiovasculares com lesões de outros<br />
órgãos ou sistemas minimizou esse impacto.<br />
TABELA 1 - Descrição comparativa entre a projeção<br />
do custo operatório total e seu impacto para o setor<br />
privado de saúde, segundo o Brasíndice e Unidas, com<br />
o valor financeiro repassado pelo SUS, em reais e em<br />
percentagem, nos casos exclusivos da CCV que utilizaram<br />
apenas hemoderivados registrados pelo Serviço<br />
de Trauma CCV no Hospital João XXIII/FHEMIG, entre<br />
os anos de 2004-2006.<br />
Caso<br />
Custo<br />
Total<br />
Repasse<br />
SUS<br />
% do<br />
repasse<br />
22 2472,76 373,58 15,11%<br />
30* 4548,91 373,58 8,21%<br />
32** 3890,74 373,58 9,60%<br />
38 2185,10 358,58 16,41%<br />
46 1858,59 358,58 19,29%<br />
49 3.345,75 358,58 10,72%<br />
TOTAL 18.301,85 2.196,48<br />
Impacto<br />
nos custos<br />
(%)<br />
9,8% 2,1%<br />
Mediana<br />
13%<br />
*Utilizou papa de hemácias e plasma fresco<br />
**Utilizou papa de hemácias, plasma fresco e concentrado de plaquetas<br />
TABELA 2 - Descrição comparativa entre a projeção do custo<br />
operatório total e seu impacto para o setor privado de saúde,<br />
segundo o Brasíndice e Unidas, com o valor financeiro repassado<br />
pelo SUS, em reais e em percentagem, nos casos da<br />
CCV com outras clínicas que utilizaram apenas hemoderivados<br />
registrados pelo Serviço de Trauma CCV no Hospital João<br />
XXIII/FHEMIG, entre os anos de 2004-2006.<br />
Caso<br />
Custo<br />
Total<br />
Repasse<br />
SUS<br />
% do<br />
repasse<br />
36 4455,32 1190,65 26,72%<br />
43 3086,64 386,06 12,51%<br />
56* 3549,68 1630,88 45,94%<br />
TOTAL 11.091,64 3.207,59<br />
Impacto<br />
nos custos<br />
(%)<br />
5,1% 3,1%<br />
*Utilizou papa de hemácias e plasma fresco<br />
Mediana<br />
27%<br />
TABELA 3: Descrição comparativa entre a projeção do custo<br />
operatório total e seu impacto, para o setor privado de saúde,<br />
segundo o Brasíndice e Unidas, com o valor financeiro repassado<br />
pelo SUS, em reais e em percentagem, papa todos os<br />
casos que utilizaram hemoderivados e prótese vascular de<br />
P.T.F.E.® registrados pelo Serviço de Trauma CCV no Hospital<br />
João XXIII/FHEMIG, entre os anos de 2004-2006.<br />
Caso<br />
Custo<br />
Total<br />
Repasse<br />
SUS<br />
% do<br />
repasse<br />
5 5712,13 2435,26 42,63%<br />
7 7108,10 2157,06 30,35%<br />
17 7015,63 1718,28 24,49%<br />
23* 4310,38 1622,08 37,63%<br />
26* 4263,03 1863,40 43,71%<br />
27* 5493,32 2068,00 37,65%<br />
29 4566,83 1893,03 41,45%<br />
33* 4293,51 1718,28 40,02%<br />
34* 4901,53 2223,68 45,37%<br />
45 3221,43 1622,08 50,35%<br />
60 4345,67 4494,55 103,43%<br />
65* 5264,85 1718,28 32,64%<br />
TOTAL 60.496,41 25.333,98<br />
Impacto<br />
nos custos<br />
(%)<br />
*Somente CCV.<br />
33% 25%<br />
Mediana<br />
41%
Contrariando dogmas prévios, a utilização do cateter<br />
de Fogarty® não exerceu impacto significativo<br />
(15 casos no total, custo de R$ 40.762,99 e impacto<br />
de 22% para a projeção sobre o setor privado<br />
e R$ 30.799,44 e impacto de 30% para o repasse<br />
público), independentemente da associação com as<br />
variáveis: associação de lesões, hemoderivados e<br />
prótese. Por fim, quando foi analisada a correlação<br />
entre topografia anatômica da lesão vascular com as<br />
outras variáveis descritas, se observaram na seguinte<br />
ordem crescente de custo e impacto financeiro, tomando<br />
como base a margem percentual em relação<br />
à projeção sobre o sistema privado de saúde:<br />
•<br />
•<br />
•<br />
Lesões abdominais e de membros inferiores – 38<br />
casos (58%), custo de R$ 109.734,72 e impacto<br />
de 59% para a projeção sobre o setor privado e<br />
custo de R$ 62.654,43 e impacto de 60,5% para<br />
o repasse público);<br />
Lesões nos membros superiores – 16 casos<br />
(25%), custo de R$ 27.784,90 e impacto de 15%<br />
para a projeção sobre o setor privado e custo de<br />
R$ 24.343,96 e impacto de 23,5% para o repasse<br />
público);<br />
Lesões cervico-torácicas – 11 casos (17%), custo<br />
de R$ 48.368,59 e impacto de 26% para a projeção<br />
sobre o setor privado e custo de R$ 16.616,57<br />
e impacto de 16% para o repasse público).<br />
Notório se faz mencionar que todos esses dados devem<br />
ser interpretados sob o prisma de número do<br />
respectivo percentual sobre o número de casos absolutos<br />
para cada item.<br />
5. DISCUSSãO<br />
O modelo de estudo proposto mostrou-se adequado<br />
para com os objetivos previamente vislumbrados e<br />
a casuística de 70 prontuários, que representa 2/3<br />
de todos os casos registrados, e fortalece a validade<br />
externa do estudo. Ademais, a utilização de tabelas<br />
para análise dos custos recentes para ambos os setores<br />
assistenciais minimiza erros sistemáticos.<br />
Trauma, pandemia que reflete por meio de seus aspectos<br />
epidemiológicos as diversidades de cada região,<br />
país e sociedades. Trata-se ainda de agravo à<br />
saúde que exige atenção especial, além de ações<br />
contínuas e multidisciplinares, até com a participação<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
ativa de toda sociedade civil (27,28). Apesar de prevalecer<br />
a difusão de saberes baseados em estudos<br />
que tomarem como base a experiência militar estrangeira<br />
(18,19,23,31,34) e das dificuldades em estudos<br />
epidemiológicos inerentes ao assunto, é evidente a<br />
progressiva produção nacional de estudos a respeito<br />
do tema (1-5,7-9,24,29). Mas acima de tudo, este estudo,<br />
que é fruto de um trabalho de conclusão (MCM),<br />
associado com outra publicação sobre o tema (10),<br />
consolida a visão de um dos autores (RCV) tomada<br />
há mais de uma década e reflete a postura do próprio<br />
Serviço de Cirurgia Cardiovascular do Hospital João<br />
XXIII/FHEMIG. Ao longo dos anos, vieram a público<br />
mais de uma centena de artigos (3,6-10,29), palestras,<br />
exposições e cursos que analisaram as diversas<br />
facetas do trauma cardiovascular. É de se destacar a<br />
recente publicação em nome da instituição e em uma<br />
das mais conceituadas revistas científicas da América<br />
Latina, talvez a maior casuística mundial prospectiva<br />
e de apenas um único centro hospitalar sobre trauma<br />
cardiovascular ocorrido exclusivamente em civis<br />
(10), corroborando com a necessidade de nos atermos<br />
não só à produção científica estrangeira, mas<br />
também com a realidade de nossa sociedade (1,4-<br />
7,9-10,24,33-36).<br />
A assistência à saúde centrada na racionalidade<br />
administrativa com qualidade, humanização, aperfeiçoamento<br />
dos recursos humanos e materiais é<br />
marca registrada em todos bons gestores. Abraçado<br />
ao atual paradigma mundial, o Governo de Minas<br />
Gerais, por meio de inúmeras ações, como o acordo<br />
interno de resultados, vem investido, cobrando, auxiliando<br />
e estimulando suas diversas instituições e organizações,<br />
na busca da excelência de gestão (15).<br />
À semelhança de outras Fundações Estaduais engajadas<br />
no setor Saúde, a FHEMIG e suas diretorias,<br />
particularmente a de Desenvolvimento Estratégico e<br />
Pesquisa, de Ensino e Desenvolvimento de Pessoas<br />
e a de Planejamento Gestão e Finanças apóiam a<br />
busca de novos saberes que possibilitem a verdadeira<br />
e necessária efetivação dos postulados inerentes<br />
a todos os setores que se lidam com o setor da saúde,<br />
sem dúvida, o mais importante de qualquer sociedade<br />
humana, pois, apesar de ser tido que saúde<br />
não é tudo, certamente tudo é nada sem saúde.<br />
Inserido dentro do universo das boas práticas institucionais,<br />
a auditoria se revela ferramenta fundamental<br />
para a política do Sistema Integrado de Gestão<br />
75
76 Gestão, Ciência & Saúde<br />
Hospitalar. A análise dos espelhos de conta de cada<br />
prontuário em estudo, no qual consta em detalhe a<br />
conta, composta de Serviços Hospitalares (SH), Serviços<br />
Profissionais (SP), órteses e próteses (OPME)<br />
e ainda Serviços Auxiliares de Diagnóstico e Terapêutico<br />
(SADT) auxilia no árduo combate contra uma<br />
das principais dificuldades em se aprimorar a assistência<br />
à saúde que reside na incapacidade, individual<br />
ou coletiva, de se aplicar as concepções teóricas<br />
assimiladas (11,20,26).<br />
Entender as incertas e discretas nuanças existentes<br />
entre uma instituição hospitalar vinculada ao Sistema<br />
Único de Saúde (SUS) e que não repassa recursos<br />
financeiros por ato cirúrgico exige acurácia<br />
ao se lidar com dados e explica o motivo de se ter<br />
excluído dos custos apresentados os valores dos<br />
Serviços Profissionais inerentes a cada código e<br />
não terem sido analisados os gastos em razão dos<br />
exames realizados fora do centro cirúrgico, sem dúvida<br />
possível fator de confusão, já que o repasse<br />
financeiro referente aos mesmos não discrimina o<br />
setor do hospital no qual estes foram realizados.<br />
De igual modo, a exclusão dos custos indiretos, entendidos<br />
como o uso ou a depreciação de materiais<br />
permanentes, se deve ao fato de que esses são extremamente<br />
variáveis e, de certa forma, difíceis de<br />
serem quantificados. No entanto, deve-se fazer, então,<br />
uma análise crítica de que o denominado custo<br />
total não levou em consideração tais variáveis.<br />
A eliminação de apenas cinco prontuários por má qualidade<br />
dos registros condiz com uma hegemonia positiva<br />
no setor. No entanto, algumas deficiências foram<br />
detectadas, e sugestões que visam à melhoria dos<br />
registros foram repassadas segundo a hierarquia da<br />
Instituição, corroborando de imediato a importância de<br />
estudos do gênero (11-12,16-17,20,22,26,32). Notório<br />
se faz mencionar a dificuldade por parte do médico em<br />
entender e preencher adequadamente o registro de<br />
suas ações, técnicas e/ou administrativas. Essa realidade<br />
é conseqüência direta da histórica e universal<br />
ausência de disciplinas na graduação e nos programas<br />
de residência que abordem o assunto. A perpetuação<br />
dessa maneira errônea curricular faz com que o profissional<br />
médico, elemento universal na assistência a<br />
saúde, não tenha de maneira geral a menor capacidade<br />
de gerir adequadamente as instituições de saúde.<br />
A classe não sabe, por exemplo, dizer o significado os<br />
códigos dos procedimentos que realiza.<br />
Urge ensinar a esses profissionais que nosso Sistema<br />
Único de Saúde repassa os recursos referentes a cirurgias<br />
realizadas, por meio de pacotes identificados<br />
pelos códigos de procedimentos, composta de códigos<br />
subdivididos em duas partes. O código básico<br />
é estruturado com oito dígitos assim denominados:<br />
XX.YYY.ZZ-D, que possuem diferentes significados,<br />
a saber: XX indica a especialidade, YYY o procedimento,<br />
ZZ o órgão ou região anatômica e D o dígito<br />
verificador, como por exemplo, o código 48.020.05-2,<br />
que se refere a: tratamento cirúrgico de lesão vascular<br />
traumática de membro inferior unilateral. Do contrário,<br />
grande fonte potencial de glosas e perdas financeiras<br />
legítimas se originam na fonte do registro.<br />
A pequena diferença entre os valores dos códigos de<br />
procedimentos lançados no espelho da conta e a tabela<br />
dos códigos por procedimentos pagos pelo SUS<br />
residem no fato de as taxas de longa permanência<br />
estarem embutidas nos Serviços Hospitalares e de<br />
haver adicional de 50% repassado para o Hospital<br />
João XXIII por se tratar de um centro especializado<br />
no atendimento de urgências e emergências, denominado<br />
pelo SUS de Índice de Valorização Hospitalar.<br />
Além disso, observou-se em mais de 30% das folhas<br />
de sala o inadequado registro referente ao ato médico<br />
e/ou a sub-notificação em virtude do absoluto desconhecimento<br />
das regras dessa atividade. Apesar de<br />
existir no hospital equipe composta de profissionais da<br />
enfermagem, secretárias e ainda setores especializados<br />
que corrigem esses registros, é necessário enfatizar<br />
novamente que não obstante a correção desses<br />
erros esteja acompanhada de atritos e desgastes, ela<br />
consume precioso tempo em razão de não se enquadrar<br />
mais no cenário vigente (11,20,26).<br />
A autorização de internação hospitalar (AIH) é o instrumento<br />
que deflagra a cobrança da conta hospitalar<br />
do paciente e que permite a inclusão de até cinco<br />
procedimentos por cada ato operatório realizado a<br />
cada 24 horas. Mas é pertinente explicar aspectos<br />
que merecem atenção especial, a saber: a necessidade<br />
de se conhecer as regras referentes à remuneração<br />
(em percentual decrescente dos valores), os<br />
procedimentos de diferentes especialidades médicas<br />
realizadas no mesmo ato operatório (que levam em<br />
consideração, também, a via de acesso cirúrgico) e<br />
ao código designado politraumatizado (39.000.00-1).<br />
Tais fatos explicam, em parte, a heterogeneidade observada<br />
nos dois gráficos de dispersão dos valores
dos custos totais, mesmo quando havia códigos de<br />
procedimentos semelhantes.<br />
Já a opção por se projetar o cálculo do custo operatório<br />
total da primeira abordagem cirúrgica para o<br />
setor privado se baseou no fato de que a FHEMIG<br />
trabalha com o sistema de pregão eletrônico, com<br />
validade máxima de um ano, atitude que, sem dúvida,<br />
é responsável por significativa economia para a<br />
mesma, pois a salutar concorrência existente entre<br />
as indústrias do setor reduziu os custos dos medicamentos<br />
na ordem de 20% e de 10% a 42% para as<br />
órteses/próteses, quando comparadas com as tabelas<br />
BRASÍNDICE e das UNIDAS, respectivamente.<br />
Um sistema de custo com ênfase gerencial e de<br />
apoio à gestão dos departamentos produtivos deve<br />
informar não apenas quanto custa, mas também por<br />
que custa, para que custa e como custa o objeto de<br />
análise. Diante disso, ficou evidente que se deve<br />
promover, de imediato, na instituição campanhas<br />
esclarecedoras da necessidade do uso judicioso da<br />
utilização de hemoderivados e das próteses vasculares,<br />
principalmente quando ocorrerem lesões<br />
vasculares isoladas. Nunca é demais lembrar que<br />
os recursos financeiros destinados à saúde são finitos,<br />
independentemente de quem paga (11-12,16-<br />
17,20,22,26,32).<br />
Deve-se registrar, apesar de não se justificar em sua<br />
plenitude, que o excesso de trabalho imposto aos<br />
profissionais da saúde, particularmente à classe médica,<br />
independentemente do motivo, contribui para<br />
as graves falhas registradas, mesmo que corrigidas<br />
posteriormente.<br />
Finalmente, a vivência de anos no setor e a constante<br />
reflexão do tema permitem destacar ainda a necessidade<br />
de ações positivas, das quais se destacam:<br />
•<br />
•<br />
•<br />
A adoção de medidas que erradiquem a concepção<br />
de ilhas inter e intra-profissionais;<br />
O estreitamento e o aprimoramento das comunicações<br />
entre o setor administrativo, em especial<br />
das diretorias com a massa crítica de trabalhadores,<br />
identidade única e de qualquer instituição;<br />
A adoção de uma política que verdadeiramente<br />
valorize os bons profissionais, não apenas entendida<br />
como uma remuneração digna, mas também<br />
com melhoria das condições de trabalho;<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
•<br />
•<br />
A constante aquisição de recursos tecnológicos,<br />
muitas vezes só adquiridos anos depois de<br />
sua consolidação mundial e/ou de ações nãocoletivas<br />
previamente tomadas;<br />
77<br />
A adoção de uma política justa em detrimento<br />
da permuta política desleal, parte da imoralidade<br />
reinante da atual conjuntura brasileira associada<br />
ainda à adoção de programas educativos e fomentadores<br />
de pesquisas conforme a pluralidade<br />
do contingente humano.<br />
Não há a menor dúvida que a vida humana não poderá<br />
jamais e de modo algum deixar de ser o foco de<br />
todas as nossas ações. No entanto, evitar a morte<br />
das instituições devida a uma má gestão precisa ser<br />
também alvo de todos (26,28,36,37).<br />
6. CONCLUSÕES<br />
Este estudo fortaleceu a importância da auditoria<br />
para o setor assistencial de saúde e a ampliação da<br />
transmissão do saber que não seja puramente biológico,<br />
mas também com foco na racionalidade de<br />
gestão, na administração igualitária e na saúde financeira<br />
institucional.
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79
80 Gestão, Ciência & Saúde
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A VINDA DE MARIA LEOPOLDINA PARA O BRASIL E O AVANÇO DAS CIÊNCIAS NATURAIS:<br />
UM OLHAR SOBRE A OBRA DE MARTIUS E SPIX<br />
THE DEVELOPMENT OF NATURAL SCIENCES IN BRAZIL DUE TO THE COMING OF THE<br />
BRAZILIAN ARCHDUCHESS MARIA LEOPOLDINA: A LOOK OVER MARTIU’S AND SPIX’S WRITINGS<br />
RESUMO<br />
Maria Raquel Joana dos Reis¹, Renata Vieira da Cunha², Vanessa Regina de Queiroz³<br />
1 Graduanda em História pela PUC Minas, gerente administrativa do Pré-Vestibular Chromos<br />
Venda Nova, kakauhistoria@yahoo.com.br; 2 Graduanda em História pela PUC Minas, estagiária<br />
do Centro de Documentação e Memória do Fundo Cristão para a crianças, nata_cunha@hotmail.<br />
com; 3 Advogada, graduanda em História pela PUC Minas, professora de inglês do Number One<br />
Idiomas, vrqcoord@gmail.com.<br />
Este trabalho tem como objetivo demonstrar o quanto<br />
a vinda da família real portuguesa para o Brasil,<br />
em 1808, seguida da vinda da Arquiduquesa Maria<br />
Leopoldina, em 1817, contribuíram para o avanço<br />
das Ciências Naturais em nosso País. O estudo foi<br />
feito com base na revisão bibliográfica de autores<br />
que abordam as diversas transformações advindas<br />
da mudança da capital lusa para os trópicos e<br />
também as atividades desenvolvidas pelo grupo de<br />
cientistas que integravam a comitiva de Leopoldina.<br />
Dentre eles, destacamos a grande contribuição oferecida<br />
por João Batista von Spix e Carlos Filipe von<br />
Martius – dois naturalistas bávaros que se consagraram<br />
por suas consistentes pesquisas acerca da<br />
flora e da fauna local. O estudo revela a importância<br />
do início do século XIX como um tempo de grandes<br />
avanços no campo científico brasileiro, pois uma vez<br />
que se encontrava fechado para o mundo, em razão<br />
do Pacto Colonial, a partir de então, o Brasil passou<br />
por mudanças que marcaram profundamente o curso<br />
de sua história.<br />
Palavras-chave: 1808, Maria Leopoldina, Spix, Martius,<br />
Ciências Naturais<br />
ABSTRACT<br />
This paper aims to demonstrate how the arrival of the<br />
Portuguese royal family to Brasil in 1808, followed<br />
by the arrival of Archeduchess Maria Leopoldina, in<br />
1817, contributed to the advancement of Natural<br />
Sciences in our contry. The study was based on tha<br />
literature review of authors who address the various<br />
changes from the change of the Portuguese capital<br />
for the tropics and also the activities developed by<br />
the group of scientists that made the group of Leopoldina.<br />
Among them, we highlight the great contribution<br />
offered by John the Baptist von Spix and Karl Friedrich<br />
von Martius – two Bavarian naturalists which are<br />
consecrated by its consistent research about the local<br />
flora and fauna. The study shows the importance<br />
of the beginning of thr nineteenth century as a time<br />
of great advances in the scientific field in Brazil, because<br />
until then this area was closed to the world because<br />
of the colonial pact, nut from that time in Brazil<br />
has experienced profound changes that marked the<br />
course of our history.<br />
Keywords: 1808, Maria Leopoldina, Spix, Martius, Natural<br />
Sciences<br />
81
82 Gestão, Ciência & Saúde<br />
1. INTRODUçãO<br />
O presente artigo tem por objetivo analisar a contribuição<br />
feita por Maria Leopoldina nos avanços<br />
das ciências no Brasil no início do século XIX. É no<br />
contexto da transferência da Corte Portuguesa para<br />
o Brasil no ano de 1817 que Maria Leopoldina vem<br />
para o nosso País para casar-se com D. Pedro, príncipe<br />
regente. Por esse fato, praticamente toda a historiografia<br />
construída em torno da princesa austríaca<br />
dedicou-se a retratar mais sua conturbada vida pessoal<br />
e sua participação no cenário político nacional,<br />
esquecendo-se do papel por ela desempenhado no<br />
incentivo às Ciências Naturais no Brasil.<br />
Tal omissão pode ser compreendida considerando a<br />
exclusão do gênero feminino da historiografia tradicional,<br />
tanto brasileira quanto mundial, uma vez que no<br />
que diz respeito à mais alta esfera da nobreza imperial,<br />
a mulher, sempre quando referida em estudos, era associada<br />
apenas ao cuidado com o marido e os filhos.<br />
No entanto, Leopoldina resistiu a esse estereótipo desempenhando<br />
um papel significativo como transmissora<br />
de conhecimentos do mundo europeu para o Brasil,<br />
já que veio para o País à frente de uma missão científica.<br />
Antes da chegada desses estudiosos, as viagens<br />
para conhecimento da natureza brasileira eram realizadas<br />
por pessoas com pouca ou nenhuma especialização<br />
propriamente científica. Esse cenário transformou-se<br />
após 1817, principalmente com a chegada dos<br />
cientistas Martius e Spix.<br />
Percebendo essa lacuna historiográfica, propomonos<br />
a estudar o tema: “A vinda de Maria Leopoldina<br />
para o Brasil e o avanço das Ciências Naturais: Um<br />
olhar sobre a obra de Martius e Spix”. Objetivamos<br />
ainda desenvolver ao longo deste trabalho uma análise<br />
acerca das inúmeras “emancipações” conquistadas<br />
pelo Brasil a partir da vinda da Corte de Dom<br />
João tanto no âmbito político, econômico, social e<br />
cultural quanto no científico, principalmente na área<br />
das Ciências Naturais.<br />
2. METODOLOGIA<br />
Tomando como referencial teórico livros que contextualizam<br />
o Brasil no início do século XIX, desenvolveremos<br />
a primeira parte do texto que apresentará uma<br />
visão geral dos acontecimentos históricos, tanto europeus<br />
quanto brasileiros, com o objetivo de analisar as<br />
transformações que a chegada de Maria Leopoldina<br />
provocou na colônia lusa, principalmente no que tange<br />
ao avanço das Ciências Naturais aqui.<br />
Já a segunda parte do artigo denominada “A chegada<br />
de Spix e Martius” analisará grande parte do<br />
trabalho realizado por esses dois cientistas naturais.<br />
Para tanto, foram utilizados como fundamentação<br />
teórica livros e artigos virtuais que relatam os três<br />
anos de pesquisas (1817-1820) realizadas em território<br />
brasileiro pelos dois pesquisadores.<br />
Concluiremos nosso artigo atribuindo maior relevância<br />
à organização e à impressão da monumental Flora<br />
Brasiliensis, iniciada em 1840 por von Martius e<br />
que ainda hoje é considerada uma obra fundamental<br />
para os estudiosos da Botânica.<br />
3. DESENVOLVIMENTO<br />
3.1. 1808: Rupturas, permanências e desdobramentos<br />
de um novo contexto brasileiro instaurado.<br />
A corte portuguesa transferiu-se para o Brasil em razão<br />
de um conjunto de circunstâncias pelas quais atravessava<br />
a Europa. Entre esses acontecimentos destacase<br />
a invasão de Napoleão Bonaparte em vários países<br />
europeus. O príncipe regente português Dom João tinha<br />
consciência de que seu reino seria invadido pelo<br />
exército francês. Apoiado pelo governo inglês o futuro<br />
Rei de Portugal deixou-se convencer e transferiu sua<br />
Corte para o Brasil, garantindo a Inglaterra, em contrapartida,<br />
favorecimentos nas alfândegas brasileiras (8).<br />
É importante explanarmos acerca de como era o Brasil<br />
em 1808 para entendermos a dimensão e o impacto<br />
causado pela instalação da Corte portuguesa. Em relação<br />
à questão geográfica, o Brasil de 1808 tinha quase<br />
a mesma extensão territorial de hoje, com exceção do<br />
Acre, comprado da Bolívia em 1903, e de algumas regiões<br />
que constituem o sul do País hoje em dia. A maior<br />
parte da população estava concentrada nas áreas litorâneas<br />
dos atuais Estados da Bahia e do Rio de Janeiro<br />
e também nas regiões interioranas de Minas Gerais, por<br />
exemplo. Essa ocupação populacional fortuita devia-se<br />
aos maiores atrativos econômicos desses locais. A população<br />
indígena era bem maior do que é hoje, e o número<br />
de escravos africanos somava cerca de um terço<br />
do total de habitantes do País. Mantida por três séculos<br />
no atraso, a colônia era composta por áreas isoladas,<br />
distantes e estranhas entre si, as quais se transforma-
am radicalmente com a chegada da Corte (4).<br />
Dentre as mudanças ocorridas no período joanino<br />
destacam-se: a transferência da sede político-administrativa<br />
para o Brasil; a abertura dos portos às nações<br />
amigas de Portugal; a revogação da proibição<br />
imposta em 1785 de se instalarem manufaturas no<br />
Brasil; a assinatura dos tratados de 1810; a criação<br />
de Ministérios e Tribunais; a criação da casa da Moeda,<br />
do Banco do Brasil, do Jardim Botânico, do Teatro<br />
Real, da Imprensa Real, da Academia Real Militar,<br />
da Academia Real de Belas Artes e da Biblioteca<br />
Real. É válido ressaltar a chegada à cidade do Rio<br />
de Janeiro, em 1816, da Missão Artística Francesa,<br />
que tinha por finalidade implementar as artes úteis<br />
no País, por meio da criação de uma Escola Real de<br />
Ciências, Artes e Ofícios (9).<br />
O ano de 1808 também pode ser entendido como um<br />
marco significativo na história da cultura científica do<br />
Brasil. Entre 1808 e 1821 inaugurou-se um ciclo de<br />
viagens e expedições científicas, à testa das quais especialistas<br />
eminentes de várias partes do mundo puseram<br />
seu saber a serviço do conhecimento da flora, da<br />
fauna, da geografia, da geologia, da paleontologia e da<br />
etnologia dessa porção do Novo Continente (1).<br />
Essas expedições científicas ganharam grande força<br />
principalmente na época em que a arquiduquesa Carolina<br />
Josefa Leopoldina, filha do Imperador Francisco<br />
II e de Maria Teresa da Sicília, veio para o Brasil<br />
com a incumbência de unir a Áustria – seu país de<br />
origem – a Portugal – pátria de seu futuro marido, D.<br />
Pedro. E como um traço importante de sua personalidade,<br />
podemos citar a grande paixão que a princesa<br />
revelava pelas Ciências Naturais e pelas artes. Já<br />
em relação à educação da arquiduquesa, pode-se<br />
dizer que foi baseada em princípios firmes e tradicionais,<br />
aliás, como praticamente todas as mulheres<br />
da nobreza européia da época. Esses princípios, segundo<br />
June Hahner (5), não eram válidos só para as<br />
mulheres européias, mas para praticamente todas,<br />
independente da região que habitavam.<br />
O início do século XIX foi um período muito conturbado<br />
na Europa, em virtude dos desdobramentos das<br />
invasões napoleônicas, como já foi citado anteriormente,<br />
e, por isso, Portugal tentou estabelecer contatos<br />
diretos com outras grandes potências, como a<br />
Áustria, a Prússia e a Rússia, objetivando diminuir<br />
a dependência de que estava sujeita à Inglaterra.<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
Nesse contexto, a forma mais comum de assegurar<br />
uma aliança entre dois países era por meio do matrimônio.<br />
Sendo assim, diplomatas portugueses propuseram<br />
aos Habsburgos o casamento do príncipe<br />
regente de Bragança com a arquiduquesa austríaca.<br />
O contrato matrimonial foi assinado no dia 26 de novembro<br />
de 1816 e o casamento por procuração foi<br />
marcado para o dia 13 de maio de 1817.<br />
Leopoldina era um bom exemplo de uma arquiduquesa<br />
da família Habsburgo educada com perfeição.<br />
Ela aceitava as regras de uma estrita etiqueta e,<br />
sem resistir, cumpria com os deveres que lhe eram<br />
impostos. Esses deveres incluíam o casamento, o<br />
nascimento de filhos, a promoção do Estado no qual<br />
fosse viver e a subordinação de sua própria vida<br />
em prol dos interesses do mesmo. Porém, apesar<br />
de toda a educação tradicional que recebeu, não se<br />
pode subestimar a importância que Maria Leopoldina<br />
representou para o desenvolvimento da cultura e<br />
da educação científica no Brasil.<br />
Registros afirmam que Maria Leopoldina tinha aulas de<br />
Ciências Naturais, inclusive Botânica, Mineralogia, Astronomia<br />
e Física, assim como de Religião, Desenho,<br />
História, Francês, Italiano e Música. O gosto de Maria<br />
Leopoldina pelas ciências cresceu juntamente com ela,<br />
em grande parte pelo fato de seu pai ser um amante da<br />
Botânica. Quando emigrou para a colônia portuguesa<br />
Maria Leopoldina, levou com ela 42 caixas do tamanho<br />
de um indivíduo contendo o seu enxoval, sua biblioteca,<br />
suas coleções e os presentes para a casa real (6).<br />
Entretanto, a futura Imperatriz do Brasil não veio para o<br />
País sozinha; pelo contrário, seguiram-lhe vários naturalistas<br />
ingleses, franceses e de outras regiões européias<br />
que tinham por objetivo catalogar cada descoberta que<br />
fizessem por aqui. Como chefe da expedição científica<br />
que a acompanhou, foi nomeado o professor João Cristian<br />
Mikan, que era botânico e etnólogo, e juntamente<br />
com ele vieram: o médico e naturalista João Emanuel<br />
Pohl, o paisagista Tomás Ender, o pintor de plantas João<br />
Buchberger, o jardineiro Henrique Guilherme Schoft e o<br />
caçador Domingos Socher. Dois cientistas bávaros também<br />
foram indicados para fazerem parte da comitiva<br />
que acompanhava a princesa: Carlos Frederico Filipe<br />
von Martius e João Batista Von Spix. Tudo o que descobriam<br />
era detalhado em diários que posteriormente<br />
transformaram-se em livros (3).<br />
De acordo com Lorelai Kury (7), pesquisadora em<br />
História das Ciências, durante boa parte do período<br />
83
84 Gestão, Ciência & Saúde<br />
colonial até a abertura dos portos em 1808, pelo príncipe<br />
D. João, as viagens para conhecimento da natureza<br />
foram realizadas com pouca ou nenhuma especialização<br />
propriamente científica. Para ela, a relativa<br />
escassez de relatos de viajantes sobre a América portuguesa<br />
se explica igualmente pelo zelo de Portugal<br />
em tentar conservar sua colônia longe da cobiça das<br />
potências rivais. Nada que pudesse conter informações<br />
úteis sobre o Brasil podia ser publicado. Até esse<br />
momento, início do século XIX, pode-se afirmar que o<br />
mundo pouco conhecia a respeito da flora, da fauna<br />
e da geografia brasileira, tendo conhecimento apenas<br />
dos poucos trabalhos realizados pela missão científica<br />
de Nassau 1 no século XVII.<br />
3.2. A chegada de Spix e Martius<br />
João Batista Von Spix e Carlos Filipe Von Martius,<br />
foram dois cientistas da Baviera que integraram a<br />
comitiva da arquiduquesa de Habsburgo e que se<br />
destacaram entre o ilustre grupo de cientistas europeus<br />
que vieram para o Brasil estudar a fauna e a<br />
flora local. Spix e Martius, como são popularmente<br />
conhecidos, chegaram ao Brasil em 1817, sendo<br />
responsáveis pela exploração e coleta dos mais diversos<br />
materiais encontrados durante o tempo da<br />
expedição, em um momento em que quase todos os<br />
países da Europa também haviam mandado seus<br />
representantes por intermédio de cientistas, colecionadores<br />
e empalhadores. Spix, que nasceu em 9 de<br />
fevereiro de 1781, chegou ao Brasil com 36 anos.<br />
Tendo se doutorado aos 19 anos, era filho de um<br />
boticário e professor, natural de Hochstedt Aisch, na<br />
alta Francônia. Naquela época já era bastante reconhecido<br />
na Europa, tendo sido também o primeiro<br />
zoólogo que trabalhava na região amazônica. Foi<br />
responsável por parte fundamental e básica de nosso<br />
conhecimento atual sobre a fauna do continente,<br />
especialmente sobre animais vertebrados. Antes da<br />
chegada ao Brasil, trabalhou para a Academia de<br />
Ciências por alguns anos. Nesse período, desenvolveu<br />
importantes trabalhos sobre anatomia morfológica,<br />
biologia evolutiva e história natural, que lhe<br />
deram fundamentos para empreendimentos científicos<br />
futuros. Trabalhou ainda como conservador do<br />
Museu de Munique.<br />
Seu companheiro de viagem, Martius, nasceu em<br />
Erlangen, Munique, em 17 de abril de 1794. Tendo<br />
se doutorado aos 20 anos de idade, chegou ao<br />
Brasil com apenas 23. Trabalhou como médico, botânico<br />
e antropólogo, sendo reconhecido como fundador<br />
da etnografia brasileira e como um dos mais<br />
importantes alemães que estudaram o País, especialmente<br />
a região da Amazônia.<br />
De acordo com Ernest Josef Fittkau (2), zoólogo e<br />
estudioso das obras de Spix, os dois cientistas uniram-se<br />
apenas para a expedição científica ao Brasil,<br />
e o grande sucesso da mesma é mérito de ambos.<br />
Spix, por ser o mais velho e mais experiente,<br />
atuou como chefe das pesquisas, sendo também<br />
o responsável pela elaboração dos relatórios que<br />
deveriam ser enviados ao rei da Baviera, sogro do<br />
pai de Leopoldina. Durante os três anos de viagem,<br />
ambos percorreram uma extensão de 10.000 quilômetros,<br />
não se limitando apenas ao litoral do Rio de<br />
Janeiro. Enveredaram pelo interior de Minas Gerais<br />
e de São Paulo, passando pela Bahia, por Pernambuco,<br />
pelo Piauí, pelo Maranhão, pelo Pará e pelo<br />
Amazonas. E como nos afirma Barreto: “sem se limitarem<br />
às respectivas especialidades, coligiram,<br />
também, material sobre economia, geografia, medicina,<br />
clima, condições sociais e etnológicas” (1).<br />
Após todo esse percurso, de labor infatigável e de<br />
muitos riscos, no dia 15 de junho de 1820 embarcaram<br />
para a Baviera, tendo reunido um acervo de<br />
aproximadamente 6.500 variedades de flora, 85 espécimes<br />
de mamíferos, 350 de aves, 130 de anfíbios,<br />
116 de peixes e 2.700 de insetos.<br />
Uma vez na pátria, Spix e Martius se reuniram para a<br />
elaboração da obra que consagrou a viagem, conhecida<br />
como “Viagem pelo Brasil” (10), escrita em três<br />
volumes, de 1823 a 1831, e que, em virtude da morte<br />
de Spix, no ano de 1826, foi terminada por Martius.<br />
Spix retornou da viagem em condições precárias de<br />
saúde, pois havia contraído esquistossomose, fato que<br />
teria sido a causa de sua morte na Europa, seis anos<br />
depois. Entretanto, apesar de se sentir muito fraco,<br />
1 Johann Moritz of Nassau-Siegen, mais conhecido pelo nome “brasileiro”, Maurício de Nassau, foi governante da colônia holandesa<br />
no Nordeste do Brasil, com capital em Recife, de 1637 a 1644. Sua administração tornou-se conhecida pelos trabalhos<br />
de cientistas e artistas que o acompanharam e, sob seu patrocínio, exploraram e pintaram a nova terra, suas belezas naturais e<br />
seus habitantes. Humanista, Nassau estimulou as ciências e as artes. Fez construir um observatório astronômico, criou um jardim<br />
botânico e trouxe em sua comitiva mestres da pintura flamenga, como Frans Post e Albert Eckout, além de diversos artistas<br />
e cientistas, convidados a se juntar a ele num grande projeto que definiu como “exploração profunda e universal da terra”.
continuou a desenvolver seus projetos, publicando inúmeros<br />
trabalhos acerca do material coletado no Brasil.<br />
Assim, seis anos mais tarde, Spix havia completado as<br />
descrições de cerca de quinhentas espécies de moluscos<br />
e vertebrados colecionados, apresentando também<br />
estudos sobre macacos, tartarugas, morcegos, sapos,<br />
aves, cobras e lagartos. Logo após sua morte, sob a<br />
supervisão de Martius, que tomou conta de tudo o que<br />
o companheiro deixou, e contando com o apoio de outros<br />
cientistas, foram ainda publicados alguns trabalhos<br />
referentes a moluscos, peixes e insetos.<br />
Já Martius obteve grande sucesso na continuação<br />
de seus estudos, sendo inclusive nomeado titular da<br />
cadeira de Botânica da Universidade de Munique.<br />
Dotado de uma cultura extraordinária, desenvolveu<br />
trabalhos em diversas áreas, como, por exemplo, etnografia,<br />
folclore brasileiro e estudos das línguas indígenas.<br />
Além disso, o referido naturalista escreveu<br />
um livro sobre a história antiga e moderna do Brasil,<br />
que tratava da vida política, dos assuntos civis, eclesiásticos<br />
e literários do País. Esse livro foi encomendado<br />
pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro<br />
(IHGB) nos anos de 1840. Todavia, as obras mais<br />
importantes de Martius são, sem dúvida alguma, as<br />
relativas à sua especialidade, a botânica brasileira.<br />
Sendo a obra mais consagrada de Martius a famosa<br />
“Flora Brasiliensis”, que abrange 40 volumes. E para<br />
compreendermos a magnitude dessa obra no cenário<br />
científico, recorremos novamente a Barreto, (1)<br />
quando sintetiza sua organização nas seguintes palavras:<br />
iniciada por ele (Martius) em 1840 e continuada<br />
até a sua morte (1868); foi depois prosseguida por<br />
Augusto Guilerme Eichler e Inácio Urban e terminada<br />
em 1906, portanto 66 anos após Martius havê-la<br />
iniciado. Nela colaboraram 65 botânicos, na maioria<br />
cientistas da língua alemã, mas também alguns de<br />
outras nacionalidades, inclusive brasileiros. Escrita<br />
em latim, contém 20.753 páginas e 3.811 gravuras.<br />
Apesar das descobertas posteriores de milhares de<br />
plantas, a Flora Brasiliensis continua sendo a obra<br />
fundamental sistemática da nossa botânica.<br />
Financiado pelo imperador Ferdinando I da Áustria,<br />
pelo rei Ludovico I da Baviera e por D. Pedro II, imperador<br />
do Brasil, o projeto contém em sua maioria<br />
descrições de angiospermas brasileiras. A disposição<br />
textual da coleção é composta por colunas (duas<br />
em cada página) que descrevem minuciosamente<br />
o sistema de classificação da vegetação brasileira<br />
criada por Martius.<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
Desde 1852, o Governo Brasileiro vinha patrocinando<br />
sua publicação, de alto custo pelas características<br />
editoriais, com uma quantia de dez contos de<br />
réis; por isso, a publicação levava impressão “Sublevatum<br />
Populi Brasiliensis Liberalitale”<br />
A precariedade dos recursos de captação de imagens<br />
tornou importante a presença de diversos artistas<br />
para a produção dos desenhos que compõem a<br />
Flora Brasiliensis, feitos a bico de pena. As edições<br />
da Flora Brasiliensis no Brasil são raríssimas e geralmente<br />
ficam trancadas sem acesso nas bibliotecas<br />
que as possuem. O Centro de Informação Científica<br />
Histórica e Cultural da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> é um<br />
desses poucos lugares que guardam essa majestosa<br />
coleção, precisamente nove fascículos.<br />
Os avanços tecnológicos permitiram que recentemente<br />
fosse disponibilizada, de forma gratuita, a<br />
versão eletrônica do livro no endereço .<br />
Para a grande maioria dos<br />
autores consultados, a Flora Brasiliensis é considerada<br />
uma obra prima da botânica, ou seja, o livro em<br />
que se encontram os registros mais antigos sobre a<br />
taxonomia de plantas brasileiras. Representa, ainda,<br />
a mais extensa reunião de descrições sobre a flora<br />
do País. E é justamente por todas essas contribuições<br />
que Martius é reconhecido como um dos mais<br />
ilustres conhecedores de sua especialidade, e em<br />
função da morte prematura de Spix, acabou sendo<br />
também o mais congratulado pelos sucessos da expedição<br />
ao Brasil.<br />
4. CONCLUSãO<br />
Se durante muito tempo as viagens científicas ao Brasil<br />
foram uma exceção, em meados do século XVIII a<br />
situação se transformou. O movimento de ilustração<br />
em Portugal deflagrou um processo de valorização<br />
dos produtos naturais das colônias portuguesas, em<br />
especial a do nosso País.<br />
Diante de tal realidade, a metrópole lusa começou a<br />
desenvolver uma política que influenciava a organização<br />
de expedições científicas ao território brasileiro,<br />
visando ao conhecimento dos produtos da natureza,<br />
bem como de seus usos e propriedades.<br />
No ano de 1817, quando a Princesa Leopoldina, em<br />
companhia de ilustres cientistas, também aportou<br />
em terras brasileiras, ocorreu uma ressignificação do<br />
85
86 Gestão, Ciência & Saúde<br />
tema que ora nos ocupa. E por meio da análise das<br />
obras de Martius e Spix encontramos dados que comprovam<br />
ainda que o início do século XIX é, de fato,<br />
um tempo de grandes avanços no campo científico,<br />
marcado por constantes permanências e rupturas,<br />
evidenciadas pelo próprio curso da História. Assim,<br />
apesar sabermos que tal episódio ocorrido entre os<br />
anos 1807-1808 não deve ser considerado somente<br />
a partir de perspectivas positivas, pode-se concluir<br />
que inegavelmente trata-se de um marco sem precedentes<br />
na história nacional, responsável por um<br />
período de grandes questionamentos internos, que<br />
provocou um “novo descobrimento do Brasil” e que,<br />
levado aos últimos termos, acabou culminando com<br />
o processo de nossa emancipação política ante a<br />
metrópole portuguesa em 1822.<br />
Contudo, pode-se concluir que a transferência da<br />
Corte portuguesa para o Brasil, assim como a vinda<br />
de D. Maria Leopoldina – acompanhada pela missão<br />
científica que incluía os dois grandes cientistas<br />
trabalhados no presente texto –, colaborou de forma<br />
bastante significativa para a transformação do contexto<br />
até então vigente, instaurando assim, um período<br />
áureo para as viagens científicas em nosso País.<br />
AGRADECIMENTOS<br />
Às professoras Maria Mercedes Silva Petres e Solange<br />
de Oliveira Bicalho, do curso de História da<br />
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, que<br />
gentilmente se dispuseram a revisar nosso texto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
1. BARRETO, Célia de Barros. Viajantes, naturalistas<br />
e artistas estrangeiros. In: HOLANDA, Sérgio Buarque<br />
de (Org.). História Geral da Civilização Brasileira:<br />
O Processo de emancipação. Tomo II: O Brasil<br />
monárquico. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,<br />
2003, v. 3, p. 136-150.<br />
2. FITKAU, Ernst Josef. Johann Baptist Ritter von<br />
Spix: primeiro zoólogo de Munique e pesquisador<br />
no Brasil. Disponível em: Acesso em: 16 maio<br />
2008.<br />
3. GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca,<br />
um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram<br />
Napoleão e mudaram a História de Portugal e<br />
do Brasil. São Paulo: Planeta, 2007, 414 p.<br />
4. GOMES, Laurentino; NOGUEIRA, Marcos. O Brasil<br />
surreal que Dom João encontrou: negros donos<br />
de escravos em Minas, chuvas de esgoto em Salvador<br />
e um índio rei da Amazônia. De norte a sul,<br />
uma viagem pelo inacreditável país que existia antes<br />
de 1808. In: <strong>Revista</strong> Super Interessante. Edição 251<br />
– Abril de 2008. p. 65-73<br />
5. HAHNER, June E. A mulher no Brasil. Tradução<br />
Eduardo F. Alves. Coleção Retratos do Brasil. Rio de<br />
Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, v.112, 175 p.<br />
6. HAM, Clúdia Reichl A imperatriz Leopoldina e sua<br />
contribuição para o Brasil. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2008.<br />
7. KURY, Lorelai. B. Viajantes e naturalistas do século<br />
XIX. In: Paulo Roberto Pereira. (Org.). Brasiliana<br />
da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: <strong>Fundação</strong> Biblioteca<br />
Nacional/Nova Fronteira, 2001, p. 59-77.<br />
8. LIMA, Manuel de Oliveira. D. João VI no Brasil. 3.<br />
ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.<br />
9. NEVES, Lúcia Bastos Pereira das. A missão artística<br />
francesa. Disponível em < http://catalogos.<br />
bn.br/redememoria/missfrancesa.html>. Acesso em<br />
12 maio 2008.<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
10. SPIX; MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820.<br />
Tradução Lúcia Furquim Lahmeyer. São Paulo: Ed.<br />
Da Universidade de São Paulo, 1981, v. 3, 326 p.<br />
87
88 Gestão, Ciência & Saúde
INSTRUçÕES PARA COLABORADORES E<br />
NORMAS PARA PUBLICAçãO<br />
1- OBJETIVOS<br />
Gestão, Ciência & Saúde – <strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong><br />
<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> é um periódico semestral, dedicado<br />
à publicação de conteúdo técnico-científico, com<br />
informações que contribuam significativamente<br />
para o conhecimento nas ciências da saúde e da<br />
gestão. Editada pela <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> – <strong>Funed</strong>,<br />
a <strong>Revista</strong> tem como objetivo divulgar resultados<br />
de investigações científicas tanto básicas como<br />
aplicadas. Propõe-se a promover o debate científico,<br />
contribuindo de forma eficaz para garantir o<br />
resgate e a preservação da memória da ciência, a<br />
consolidação de áreas do conhecimento e para a<br />
melhor comunicação de resultados à comunidade<br />
científica e à sociedade.<br />
2- ESTRUTURAÇÃO BÁSICA<br />
A <strong>Revista</strong> será multidisciplinar com contribuições<br />
da comunidade científica por meio da publicação<br />
de artigos originais; relatos de experiência/caso;<br />
história da saúde pública; resenhas de livros, artigos,<br />
dissertações e teses; relatórios de reuniões<br />
ou oficinas de trabalho e de pesquisa; comentários<br />
das instituições de saúde de Estado e revisões.<br />
Os trabalhos das diversas categorias devem ser<br />
inéditos e se destinarem exclusivamente à <strong>Revista</strong>.<br />
•<br />
Artigos originais<br />
Textos que contenham relatos completos de estudos<br />
ou pesquisas concluídas e colaborações assemelhadas.<br />
Devem apresentar, no máximo, vinte<br />
páginas impressas, excetuando figuras, tabelas e<br />
anexos.<br />
•<br />
Relatos de experiência/caso<br />
Textos que apresentem experiências nos temas de<br />
saúde, ciência e gestão, em que o resultado é anterior<br />
ao interesse de sua divulgação ou a ocorrência<br />
dos resultados não é planejada. Inclui novas técnicas,<br />
terapias, diagnóstico, patologias, materiais e<br />
soluções inovadoras para problemas especiais. Devem<br />
apresentar, no máximo, vinte páginas impres-<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
sas, excetuando figuras, tabelas e anexos.<br />
•<br />
História da saúde pública<br />
Relatos sobre fatos e personalidades que contribuíram<br />
para a história da saúde pública e de<br />
disciplinas afins. Devem apresentar, no máximo,<br />
vinte páginas impressas, excetuando figuras, tabelas<br />
e anexos.<br />
•<br />
Resenhas de livros, artigos, dissertações<br />
e teses<br />
Análises críticas para a divulgação de opiniões<br />
de pesquisadores e técnicos sobre textos publicados<br />
nas modalidades citadas referentes a temas<br />
atuais de sua especialidade, cujo conteúdo<br />
se enquadre nos objetivos da <strong>Revista</strong>. Devem<br />
apresentar, no máximo, dez páginas impressas<br />
excetuando figuras, tabelas e anexos.<br />
•<br />
Relatórios de reuniões ou oficinas de trabalho<br />
e de pesquisa<br />
Textos sobre a discussão de temas relevantes<br />
em saúde, ciência e gestão, com recomendações<br />
e conclusões. Devem apresentar, no máximo,<br />
dez páginas impressas, excetuando figuras,<br />
tabelas e anexos.<br />
•<br />
Comentários das instituições de saúde do<br />
Estado de Minas Gerais<br />
Textos expressando a opinião em breve relato<br />
sobre temas relevantes da atualidade nas áreas<br />
de saúde, ciência e gestão. Devem apresentar, no<br />
máximo, quinze páginas impressas, excetuando<br />
figuras, tabelas e anexos.<br />
•<br />
Revisão<br />
Síntese crítica de conhecimentos disponíveis<br />
sobre determinado tema, mediante análise e<br />
interpretação de bibliografia pertinente. Devem<br />
apresentar, no máximo, vinte páginas impressas,<br />
excetuando figuras, tabelas e anexos.<br />
Outras modalidades podem ser aceitas desde que<br />
aprovadas pelo Conselho Editorial Científico.<br />
89
90 Gestão, Ciência & Saúde<br />
3- INSTRUÇÕES GERAIS PARA AUTORES<br />
•<br />
Submissão de trabalhos<br />
Os trabalhos devem ser encaminhados por meio<br />
de carta, assinada pelo autor responsável pela<br />
correspondência, ao Conselho Editorial Científico<br />
da Gestão, Ciência & Saúde – <strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong><br />
<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>.<br />
A carta deve descrever a categoria do trabalho e<br />
conter declaração de concordância com a cessão<br />
de direitos autorais. Tabelas e figuras publicadas<br />
em outros periódicos devem ter a fonte citada.<br />
A carta deve indicar o nome, endereço, números<br />
de telefone, fax e e-mail do autor para o qual a<br />
correspondência deve ser enviada.<br />
O endereço postal é Conselho Editorial Científico<br />
da Gestão, Ciência & Saúde – <strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong><br />
<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>/ Centro de Informação Científica,<br />
Histórica e Cultural/ <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>/<br />
Rua Conde Pereira Carneiro, 80 – Bairro Gameleira/<br />
Cep 30. 510-010, Belo Horizonte/MG.<br />
Após aprovação final o trabalho deverá ser reencaminhado<br />
para o endereço eletrônico gestaocienciaesaude@funed.mg.gov.br.<br />
Os trabalhos submetidos são arbitrados por pelo<br />
menos dois revisores pertencentes ao quadro de<br />
colaboradores da <strong>Revista</strong>. Os autores são responsáveis<br />
pelas informações contidas nos trabalhos<br />
e pelo ineditismo dos mesmos. Somente<br />
serão aceitos trabalhos que se destinem exclusivamente<br />
à <strong>Revista</strong>.<br />
•<br />
Apresentação do manuscrito:<br />
Os trabalhos deverão ser encaminhados em três cópias,<br />
redigidos em português, digitados no programa<br />
Word for Windows, versão 6.0 ou superior, fonte Arial,<br />
tamanho 12, entrelinha espaço duplo, com margens<br />
superior de 3 cm e inferior e laterais de 2,5 cm, respeitando-se<br />
o número máximo de páginas indicadas<br />
por categoria, incluindo referências bibliográficas e excluindo<br />
figuras, tabelas e anexos. Todas as páginas do<br />
texto devem ser numeradas a partir da página de identificação<br />
(página de rosto) com numeração no início da<br />
página (cabeçalho) e alinhamento à direita. As figuras,<br />
tabelas e anexos devem ser numerados conforme cita-<br />
das no texto e auto-explicativas, no total máximo de<br />
cinco (05), e serão impressas em preto e branco.<br />
No preparo do trabalho original será observada,<br />
sempre que possível, a seguinte estrutura:<br />
Página de rosto: Título do artigo – em português<br />
e inglês em letras maiúsculas e sem abreviaturas.<br />
Nome(s) do(s) autor(es): por extenso, com<br />
indicação da formação acadêmica profissional,<br />
títulos acadêmicos, função que exercem atualmente,<br />
nome da instituição a que pertencem,<br />
endereço eletrônico (pelo menos do autor responsável<br />
pela correspondência).<br />
Resumo: em português e inglês, com no máximo<br />
350 palavras. O formato do resumo deve ser<br />
o narrativo, destacando objetivos, métodos básicos<br />
adotados, resultados e conclusões mais<br />
relevantes. Não devem constar abreviaturas.<br />
Palavras-chave: podem ser utilizados até seis<br />
descritores que identifiquem o conteúdo do artigo,<br />
se possível baseados no DECS (Descritores<br />
em Ciências da Saúde), disponível no www.<br />
bireme.br terminologia em saúde e consulta ao<br />
DECS, em português e inglês.<br />
•<br />
Texto:<br />
Seguir estrutura formal para trabalhos científicos,<br />
numeradas com algarismos arábicos, compreendendo:<br />
•<br />
1. Introdução;<br />
• 2. Desenvolvimento (a critério do autor):<br />
exemplo: metodologia, resultados alcançados,<br />
discussão. Além do texto, poderão<br />
constar, até, no máximo, cinco tabelas,<br />
figuras ou anexos auto-explicativos e numerados<br />
conforme citados no texto, que<br />
serão impressos em preto e branco.<br />
•<br />
•<br />
3. Conclusão.<br />
Agradecimentos: (opcional)<br />
C<br />
• itações Bibliográficas no texto: mencionar<br />
apenas o número recebido pelo documento<br />
na listagem da Referência Bibliográfica<br />
(ordem alfabética). Esse numeral
será entre parênteses e sem nenhum efeito<br />
(não sobre ou subescritar).<br />
• Referências Bibliográficas: deverão ser ordenadas<br />
alfabeticamente e numeradas (algarismos<br />
arábicos), redigidas também em espaço<br />
duplo. Devem obedecer ao estilo e à pontuação<br />
das normas da ABNT NBR 6023.<br />
Dúvidas com relação às normas, consultar pelo<br />
endereço eletrônico: aleite@funed.mg.gov.br<br />
<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />
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