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Revista Funed - Fundação Ezequiel Dias

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GESTÃO, CIÊNCIA & SAÚDE<br />

REVISTA DA FUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS<br />

Volume 3, número 2, julho/dezembro de 2008<br />

<strong>Funed</strong> – <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong><br />

Belo Horizonte<br />

Periódico semestral


É<br />

com grande satisfação que avançamos<br />

com a revista científica da <strong>Funed</strong>,<br />

Gestão, Ciência & Saúde, lançando<br />

o terceiro número e caminhando em busca da sua<br />

indexação na rede Scielo (scientific eletronic library<br />

online) e na Bireme (biblioteca virtual em saúde), centro<br />

especializado da Organização Pan-Americana da<br />

Saúde, em colaboração com os Ministérios da Saúde<br />

e da Educação e com a Secretaria da Saúde e Universidade<br />

Federal do Estado de São Paulo.<br />

Mais contentamento sentimos pelo registro de valorosas<br />

contribuições em várias áreas do conhecimento<br />

relacionadas à saúde pública, vindas de diversas instituições<br />

atuantes nessa esfera.<br />

As contribuições da casa vêm de representantes do Centro<br />

de Informação Científica, Histórica e Cultural com a<br />

descrição da homenagem pelo centenário da <strong>Fundação</strong><br />

<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> e o registro das principais comemorações<br />

ocorridas durante o ano de 2007, importantes eventos<br />

científicos, históricos e tecnológicos, que mobilizaram<br />

todos os servidores, destacando a vitória de uma instituição<br />

pública que agregou nos seus mais de cem anos de<br />

existência conhecimento científico e valores sociais.<br />

A colaboração da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento<br />

trata de alguns aspectos relativos à utilização<br />

de espécies vegetais no desenvolvimento<br />

de fitofármacos e fitoterápicos, assim como da regulamentação<br />

brasileira para esses medicamentos,<br />

demonstrando o interesse da instituição para a bioprospecção<br />

de produtos naturais vegetais, a exemplo<br />

de vários países desenvolvidos, para a produção de<br />

novos fármacos.<br />

A Diretoria do Instituto Octávio Magalhães apresenta<br />

duas relevantes contribuições, relatos das atividades<br />

de vigilância sanitária de alimentos: a que avalia a influência<br />

do inóculo de Aspergillus parasiticus na produção<br />

de aflatoxinas, fungos contaminantes de uma grande<br />

variedade de alimentos cujas toxinas apresentam<br />

atividades carcinogênica, teratogênica e mutagênica,<br />

ilustrada, experimentalmente, em grãos de amendoim,<br />

e aquela que descreve o papel do Laboratório Central<br />

de Saúde Pública de Minas Gerais (LACEN-MG) na<br />

investigação de surtos de toxinfecções alimentares por<br />

enterotoxinas, permitindo estabeler uma análise de,<br />

risco dos produtos alimentícios e gerando informações<br />

orientadoras de programas para a produção e comercialização<br />

de alimentos no território nacional.<br />

Foi convidada a participar deste número a consultora<br />

nacional para vigilância sanitária da Organização Pan-<br />

Americana da Saúde com uma excelente contribuição<br />

que avalia o regulamento técnico das boas práticas<br />

para a fabricação de medicamentos como instrumento<br />

de vigilância sanitária nacional por meio do método<br />

de análise documental participativa, centrada nos<br />

aspectos de suficiência, abrangência e compreensão<br />

textual, e concluí que esse instrumento exige melhorias,<br />

recomendando a adequação da apresentação e a<br />

complementação de seu conteúdo temático, a revisão<br />

do nível de detalhamento e a adoção de providências<br />

visando superar algumas falhas documentais.<br />

A Universidade Federal de Minas Gerais, convidada<br />

a participar do terceiro número da Gestão, Ciência<br />

& Saúde, apresenta uma revisão sobre os aspectos<br />

conceituais e históricos do currículo da Faculdade de<br />

Medicina, desde a sua criação em 1941, as modificações<br />

ocorridas em 1975, ainda em funcionamento,<br />

acarretando estagnação e retrocesso, e refere-se à<br />

nova transformação curricular em curso, proposta<br />

pelo Ministério da Educação do Brasil. O primeiro autor<br />

dessa revisão recebeu a “Homenagem Personalidade<br />

Médica Mineira 2008”, na categoria Atividade<br />

Docente, reconhecida pela Associação Médica, pelo<br />

Conselho Regional de Medicina e pelo Sindicato dos<br />

Médicos do Estado de Minas Gerais.<br />

Outro destaque deste volume é o representante da Fhemig,<br />

que abrilhanta nossa <strong>Revista</strong> com um artigo original<br />

que relata a importância da racionalidade de gestão<br />

sobre a saúde financeira de hospitais que lidam com<br />

vítimas com lesões cardiovasculares, ilustrado com dados<br />

do Hospital João XXIII, fortalecendo o papel da auditoria<br />

de contas para o setor assistencial de saúde.<br />

Finalizando temos a contribuição da Pontifícia Universidade<br />

Católica de Minas Gerais, que apresenta parte<br />

da história das ciências naturais em nosso País destacando<br />

como marco responsável pelo conhecimento dos<br />

produtos naturais brasileiros, bem como de seus usos<br />

e propriedades, a vinda de Dona Maria Leopoldina ao<br />

Brasil acompanhada pela missão científica que incluía<br />

os dois cientistas referenciados no texto e que instaura<br />

um período áureo de viagens científicas, dando início à<br />

profícua pesquisa acerca da flora e fauna brasileiras.<br />

A meta da Gestão, Ciência & Saúde de registrar e divulgar<br />

o conhecimento desenvolvido na nossa e demais<br />

instituições atuantes em saúde pública faz parte da missão<br />

da <strong>Funed</strong> de “participar da construção do Sistema<br />

Único de Saúde, protegendo e promovendo a saúde”.<br />

Que este número incentive a participação da comunidade<br />

científica com novas contribuições importantes<br />

na área do conhecimento das ciências da saúde!<br />

Thais Viana de Freitas<br />

Coordenação Editorial<br />

APRESENTAÇÃO


EXPEDIENTE<br />

Coordenação Editorial<br />

Editora: Thais Viana de Freitas<br />

Representante <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>:<br />

Carlos Alberto Pereira Gomes<br />

Conselho Editorial Científico<br />

Anna Bárbara de Freitas Carneiro Proietti<br />

Presidente da <strong>Fundação</strong> Centro de<br />

Hematologia e Hemoterapia de Minas<br />

Gerais - HEMOMINAS<br />

Armando da Silva Cunha Júnior<br />

Professor do Departamento de Produtos<br />

Farmacêuticos da Faculdade<br />

de Farmácia da Universidade Federal<br />

de Minas Gerais<br />

Benedito Scaranci<br />

Superintendente de Epidemiologia<br />

da Secretaria de Estado de Saúde<br />

Carlos Alberto Pereira Tavares<br />

Pró-Reitor de Pesquisa da Universidade<br />

Federal de Minas Gerais<br />

Carlos Alberto Tagliati<br />

Professor do Departamento de<br />

Análises Clínicas e Toxicológicas<br />

da Faculdade de da Faculdade de<br />

Farmácia da Universidade Federal<br />

de Minas Gerais<br />

Edson Perini<br />

Professor do Departamento de<br />

Farmácia Social da Faculdade de da<br />

Faculdade de Farmácia da Universidade<br />

Federal de Minas Gerais<br />

Eugênio Vilaça Mendes<br />

Consultor da Secretaria de Estado<br />

de Saúde de Minas Gerais<br />

Evaldo Ferreira Vilela<br />

Secretário-Adjunto da Secretaria<br />

de Estado de Ciência, Tecnologia e<br />

Ensino Superior de Minas Gerais<br />

Francisco de Assis Acurcio<br />

Professor do Departamento de<br />

Farmácia Social da Faculdade de da<br />

Faculdade de Farmácia da Universidade<br />

Federal de Minas Gerais<br />

Geraldo Luchesi<br />

Consultor da Câmara dos Deputados<br />

Federais<br />

José Geraldo de Freitas Drumond<br />

Presidente da <strong>Fundação</strong> de Amparo<br />

a Pesquisa do Estado de Minas<br />

Gerais – FAPEMIG<br />

Josiano Gomes Chaves<br />

Diretor de Desenvolvimento Estratégico<br />

e Pesquisa da <strong>Fundação</strong> Hospitalar<br />

do Estado de Minas Gerais<br />

- FHEMIG<br />

Lin Chih Cheng<br />

Professor do Departamento de Engenharia<br />

de Produção da Faculdade de<br />

Engenharia da Universidade Federal<br />

de Minas Gerais<br />

Luiz Fernando Lima Reis<br />

Diretor de Pós-Graduação do Centro<br />

de Pesquisa e Ensino da <strong>Fundação</strong><br />

Antônio Prudente (Hospital do Câncer<br />

A. C. Camargo)<br />

Mário Neto Borges<br />

Diretor Científico da <strong>Fundação</strong> de<br />

Amparo a Pesquisa do Estado de<br />

Minas Gerais – FAPEMIG<br />

Orenzio Soler<br />

Consultor da Organização Pan-Americana<br />

da Saúde<br />

Paulo Eduardo Mayorga Borges<br />

Professor do Departamento de<br />

Produção e Controle de Medicamentos<br />

da Faculdade de Farmácia da<br />

Universidade Federal do Rio Grande<br />

do Sul<br />

Paulo Lee Hoo<br />

Diretor do Centro de Biotecnologia<br />

do Instituto Butantan<br />

Rosane Marques Crespo Costa<br />

Presidente da <strong>Fundação</strong> de Educação<br />

para o Trabalho de Minas Gerais<br />

– UTRAMIG<br />

Comitê Editorial Executivo<br />

Marina de Castro Figueiredo<br />

Assessora de Comunicação Social<br />

da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong><br />

Anna Maria Leite Pereira de Andrade<br />

Chefe do Centro de Informação<br />

Científica, Histórica e Cultural da<br />

<strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong><br />

Revisores contribuintes<br />

Ana Maria Arruda Lana<br />

(Universidade Federal de Minas Gerais)<br />

Flávio Diniz Capanema<br />

(<strong>Fundação</strong> Hospitalar do Estado de<br />

Minas Gerais)<br />

Gecernir Colen<br />

(Universidade Federal de Minas Gerais)<br />

João Carlos Pinto <strong>Dias</strong><br />

(Centro de Pesquisas René Rachou<br />

– Fio Cruz)<br />

Luiz Simeão do Carmo<br />

(Universidade Federal de Minas Gerais)<br />

Maria de Fátima Fassy<br />

(<strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>)<br />

Maria Helena Savino<br />

(<strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>)<br />

Maria Mercedes Silva Petres<br />

(Pontifícia Universidade Católica de<br />

Minas Gerais)<br />

Mônica Maria Oliveira Pinho Cerqueira<br />

(Universidade Federal de Minas Gerais)<br />

Myrna Sabino<br />

(Instituto Adolfo Lutz)<br />

Patrícia Machado de Oliveira<br />

(Universidade Federal dos Vales do<br />

Jequetinhonha e Mucuri)<br />

Rita de Cássia Marques<br />

(Universidade Federal de Minas Gerais)<br />

Roberto Marini Ladeira<br />

(<strong>Fundação</strong> Hospitalar do Estado de<br />

Minas Gerais)<br />

Solange de Oliveira Bicalho<br />

(Pontifícia Universidade Católica de<br />

Minas Gerais)<br />

Tânia Maria de Almeida Alves<br />

(Centro de Pesquisas René Rachou<br />

– Fiocruz)<br />

Gestão, Ciência & Saúde - <strong>Revista</strong><br />

da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong><br />

Periódico semestral dedicado à publicação<br />

de conteúdo técnico-científico com<br />

informações que contribuam significativamente<br />

para o conhecimento nas<br />

ciências da saúde e gestão, aberto à<br />

contribuição da comunidade científica e<br />

distribuído a leitores de todo o País.<br />

Criação, Editoração Eletrônica e<br />

Produção Gráfica<br />

Rodrigo Cardoso de Araújo<br />

Impressão<br />

Autêntica Editora<br />

Tiragem<br />

800 exemplares<br />

Endereço para Correspondência<br />

Conselho Editorial Científico da Gestão,<br />

Ciência & Saúde – <strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong><br />

<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong><br />

Centro de Informação Científica, Histórica<br />

e Cultural<br />

<strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong><br />

Rua Conde Pereira Carneiro, 80 - Bairro<br />

Gameleira<br />

30 510-010, Belo Horizonte/MG<br />

gestaocienciaesaude@funed.mg.gov.br


<strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>: 100 anos de história<br />

Fabiana Melo Neves -------------------------------------------------------------------------------------------- 7<br />

Utilização de espécies vegetais para o desenvolvimento de medicamentos:<br />

fitofármacos e fitoterápicos<br />

Carolina Paula de Souza Moreira<br />

Vera Lúcia de Almeida ---------------------------------------------------------------------------------------- 17<br />

Influência do tamanho do inóculo de esporos de Aspergillus parasiticus<br />

na produção de aflotoxinas em amendoim (Arachis hypogaea L.)<br />

Guilherme Prado<br />

Jovita Eugênia Gazzinelli Cruz Madeira<br />

Vanessa Andréa Drummond Morais<br />

Marize Silva de Oliveira<br />

Mabel Caldeira de Andrade<br />

Robson de Assis Souza<br />

Ignácio José de Godoy<br />

Joenes Mucci Peluzio<br />

Raphael Sanzio Pimenta ------------------------------------------------------------------------------------ 29<br />

Detecção de enterotoxinas estafilocócicas e de linhagens enterotoxigênicas<br />

em alimentos envolvidos em surtos de toxinfecção alimentar<br />

Ricardo Souza <strong>Dias</strong><br />

Ana Carolina Cordeiro Soares<br />

Camilla dos Santos Pinheiro<br />

Leandro Leão Faúla ------------------------------------------------------------------------------------------- 37<br />

O regulamento técnico das boas práticas para a fabricação de medicamentos<br />

(RDC-210/03) como instrumento de vigilância sanitária nacional<br />

Éji Pons Machado --------------------------------------------------------------------------------------------- 45<br />

O Curriculum e o currículo médico da UFMG<br />

Ari de Pinho Tavares<br />

Roberto Assis Ferreira ---------------------------------------------------------------------------------------- 57<br />

Tomada de decisões para o trauma cardiovascular: contribuições da<br />

auditoria a partir de um estudo feito no Hospital João XXIII/Fhemig<br />

Ricardo Costa-Val<br />

Maria Cristina Marques -------------------------------------------------------------------------------------- 71<br />

A vinda de Maria Leopoldina para o Brasil e o avanço das ciências<br />

naturais: um olhar sobre a obra de Martius e Spix<br />

Maria Raquel Joana dos Reis<br />

Renata Vieira da Cunha<br />

Vanessa Regina de Queiroz -------------------------------------------------------------------------------- 81<br />

SUMÁRIO


6 Gestão, Ciência & Saúde


<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

FUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS: 100 ANOS DE HISTÓRIA<br />

FOUNDATION EZEQUIEL DIAS: 100 YEARS OF HISTORY<br />

Fabiana Melo Neves<br />

Historiadora, Especialista em História da Ciência pela UFMG, Historiadora do Centro de Informação Científica<br />

Histórica e Cultural da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, fabiana@funed.mg.gov.br<br />

RESUMO<br />

Apresenta-se, neste artigo, o quadro histórico das<br />

origens da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, com o intuito de<br />

registrar as comemorações do centenário de uma das<br />

maiores instituições de ciência, saúde e pesquisa do<br />

País. O resgate e o registro da sua história contribuem<br />

para a preservação da memória institucional, pois não<br />

há identidade sem memória.<br />

Palavras-chave: História, Saúde Pública, Memória,<br />

Ciência<br />

ABSTRACT<br />

This article presents the historical roots of the<br />

<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> Foundation, with the intent to register<br />

the celebrations of the centenary of one of<br />

the most prestigious health and science research<br />

institution in this country. The recovery and record<br />

of its history contribute for the preservation of the<br />

Institution memory.<br />

Keywords: History, Public Health, Memory, Science<br />

7


8 Gestão, Ciência & Saúde<br />

1. INTRODUçãO<br />

Tempo de comemorações e recordações. Tempo<br />

de histórias e memórias. Assim, foi o ano de 2007<br />

na <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> (<strong>Funed</strong>). Ano em que<br />

a Instituição comemorou o seu centenário. Momento<br />

em que o passado foi recuperado pelo<br />

presente, por meio de diversos eventos institucionais,<br />

reafirmando sua identidade e seu papel<br />

social na saúde pública.<br />

Historicamente, a <strong>Funed</strong> tem investigado no tempo<br />

e no espaço o seu processo de construção e<br />

formação, observando que tanto a memória tem<br />

sido construída com base nas narrativas do presente<br />

quanto a história tem se tornado o resultado<br />

de experiências que se acumularam ao longo<br />

do tempo. Dessa forma, a <strong>Funed</strong> atribui sentido<br />

ao seu processo de criação e ao papel desempenhado<br />

na saúde coletiva.<br />

2 - AS ORIGENS<br />

O século XIX foi marcado por períodos de grandes<br />

mudanças políticas, econômicas, culturais e<br />

sociais no Brasil. O contato com os países europeus,<br />

a introdução de conceitos positivistas e<br />

evolucionistas, aliados às novas aspirações da<br />

nascente república e da industrialização, promoveram<br />

o surgimento das primeiras instituições<br />

científicas no País. Essas entidades focalizavam<br />

a aplicação dos resultados nas necessidades brasileiras,<br />

na exploração dos recursos naturais, na<br />

expansão agrícola e no saneamento urbano e de<br />

portos.<br />

Várias instituições foram criadas, principalmente<br />

em São Paulo e no Rio de Janeiro, para dar suporte<br />

ao desenvolvimento da economia nacional.<br />

Em 1899, foi criado o Instituto Soroterápico Municipal,<br />

instalado na antiga Fazenda de Manguinhos,<br />

no Rio de Janeiro. Com o objetivo de fabricar<br />

o soro antipestoso e cuidar de uma violenta<br />

epidemia de peste bubônica no Porto de Santos,<br />

Tinha como diretor-geral o Barão de Pedro Afonso<br />

e como diretor-técnico o jovem bacteriologista<br />

Oswaldo Cruz.<br />

Em 1902, Oswaldo Cruz assumiu a direção geral<br />

do novo Instituto e selecionou <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> como<br />

seu assistente. O Instituto ampliou suas atividades<br />

e investiu, principalmente, na formação de recursos<br />

humanos, como Miguel Couto, Carlos Chagas,<br />

Marques Lisboa, <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, entre outros.<br />

Em 1905, <strong>Ezequiel</strong> foi então nomeado Diretor de Higiene<br />

do Laboratório Bacteriológico do Rio de Janeiro<br />

e encaminhado para o Maranhão, onde passou a<br />

desenvolver estudos sobre o Beribéri. Após alguns<br />

meses regressou para o Rio de Janeiro em razão do<br />

agravamento do seu estado de saúde, mas deixou<br />

no Maranhão um completo laboratório de pesquisa,<br />

além de ensinamentos experimentais sobre serviços<br />

de higiene pública de saúde. Por recomendação médica<br />

e em caráter definitivo, seguiu imediatamente<br />

para Belo Horizonte, cujo clima era considerado saudável<br />

para o tratamento da sua doença.<br />

Em Minas Gerais, o clima não estava diferente; a nova<br />

capital do Estado, Belo Horizonte, acabava de nascer<br />

a partir da visão moderna e progressista da república.<br />

A cidade fora planejada de acordo com os ditames<br />

científicos da época, respirava salubridade e modernidade,<br />

era uma cidade em sintonia com o seu tempo.<br />

Na medida em que a economia agrícola e a pecuária<br />

ganhavam força e se desenvolviam no Estado de<br />

Minas Gerais, surgiam pragas agrícolas, doenças<br />

bovinas e moléstias humanas que reduziam<br />

a capacidade da mão de obra produtiva e o andamento<br />

do desenvolvimento regional e nacional,<br />

sendo necessário combater as pragas do campo<br />

para não atingir os animais, e conseqüentemente<br />

o crescimento econômico, e o meio urbano.<br />

Depois de um ano instalado na nova capital mineira<br />

e com expressiva melhora, Oswaldo Cruz<br />

convidou <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> para dirigir a primeira filial<br />

do Instituto Manguinhos em Belo Horizonte.<br />

A inauguração do Instituto Filial de Manguinhos,<br />

em 1907, veio demonstrar e reafirmar os novos<br />

conceitos de ciência e de saúde, se dedicando<br />

à pesquisa e ao combate das pragas que ameaçavam<br />

o desenvolvimento econômico do Estado<br />

e da nova capital. Ao mesmo tempo, o Instituto<br />

revelava novos pesquisadores, que lutavam para<br />

semear e fazer florescer o espírito científico em<br />

Belo Horizonte. Em 3 de agosto de 1907 foi inaugurada<br />

em Belo Horizonte, na Rua da Bahia, onde<br />

hoje funciona a biblioteca pública do Estado, a<br />

primeira filial do Instituto Manguinhos (FIG. 1).


FIGURA 1 - Instituto filial de Manguinhos na Rua da<br />

Bahia em Belo Horizonte- 1907. Acervo do Centro de<br />

Informação Científica Histórica e Cultural - <strong>Funed</strong><br />

Para a implantação da filial, o governo de Minas<br />

cedeu na Praça da Liberdade, do lado esquerdo<br />

do Palácio da Liberdade, uma casa de aparência<br />

modesta, que foi adaptada pelo o arquiteto português<br />

Luís de Morais, o mesmo que projetou o castelo<br />

mourisco de Manguinhos no Rio de Janeiro.<br />

Nos três primeiros anos, a atividade da filial se<br />

limitava à produção de linfas vacínicas contra as<br />

diferentes moléstias dos criadores de suíno, de<br />

gado bovino e eqüino e ao preparo e conservação<br />

do soro antidiftérico e anticarbunculoso.<br />

Em abril de 1910, o raio de ação da filial se ampliou<br />

após uma visita de Oswaldo Cruz a Belo Horizonte<br />

para uma conversa com o diretor de higiene do Estado<br />

de Minas Gerais, Zoroastro Alvarenga. A instituição<br />

começou a preparar vacinas antivariólicas e<br />

de peste da Manqueira e se encarregou de realizar<br />

exames necessários ao diagnóstico de doenças e de<br />

assuntos de higiene de Belo Horizonte.<br />

Nesse momento também foi anexada à filial a Fazenda<br />

do Leitão, hoje a região do Museu Abílio Barreto,<br />

para instalar uma enfermaria veterinária e um posto<br />

de observação. Na fazenda seriam examinados os<br />

animais suspeitos de doenças e se fariam experiências<br />

de profilaxia e terapêutica. Durante esse período<br />

o Instituto realizou inúmeros trabalhos, pesquisas e<br />

exames relacionados aos problemas rurais, como febre<br />

aftosa, peste dos polmões, moléstia de chagas,<br />

escorpionismo, entre outros. Haja visto que Minas foi<br />

um dos primeiros Estados da nação a ter uma insti-<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

tuição científica para auxiliar no desenvolvimento da<br />

indústria pastoril, seu grande forte na época.<br />

Em fevereiro de 1918 foi assinado o contrato entre<br />

o governo de Minas e o Instituto Oswaldo Cruz Filial<br />

para o funcionamento do serviço antiofídico em Minas<br />

Gerais. O Posto Antiofídico tinha a função de colher<br />

o veneno das serpentes que lhe eram enviadas<br />

pelos fazendeiros. Esse veneno era remetido para o<br />

Instituto Butantan, que retornava com o soro antiofídico.<br />

As serpentes raras ou desconhecidas ficavam<br />

no posto para estudo científico. Os materiais para<br />

captura das serpentes e as propagandas dos meios<br />

de luta contra o ofidismo eram fornecidos pelo Instituto<br />

filial. Em troca, o Estado de Minas Gerais cederia<br />

um terreno ao lado da filial, executaria as obras<br />

de construção e subvencionaria o Instituto com uma<br />

verba mensal para manutenção do posto.<br />

A filial de Manguinhos foi uma espécie de berço da<br />

comunidade científica em Minas Gerais, pois promovia,<br />

como no Rio de Janeiro, reuniões semanais na<br />

biblioteca ou na casa de <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, geralmente<br />

às quintas-feiras, para discutir artigos científicos nacionais<br />

e estrangeiros. No café com biscoitos compareciam<br />

médicos, estudantes, pesquisadores e professores<br />

para resumir e comentar os artigos científicos<br />

recém-chegados da Europa (FIG. 2). Há indícios de<br />

que esses saraus contribuíram para a criação da Faculdade<br />

de Medicina, em 1911, o que iniciou uma colaboração<br />

duradoura que uniu a pesquisa, a produção<br />

e o ensino e deu início à discussão da necessidade de<br />

uma instituição para o tratamento e pesquisa do câncer<br />

em Minas Gerais. Em 1920, o Instituto Radium é<br />

criado por Borges da Costa, notável cirurgião também<br />

formado em Maguinhos.<br />

Em 1922, <strong>Ezequiel</strong> morreu de tuberculose. Octávio<br />

Magalhães assumiu a direção da filial e verificou que<br />

a situação financeira do Instituto não era muito boa,<br />

com um balanço financeiro em déficit e uma baixa<br />

renda. Magalhães fez um estudo das possibilidades<br />

de crescimento e das necessidades da Instituição.<br />

Começou seu trabalho procurando melhorar os contratos<br />

de venda de produtos e ampliou a produção<br />

de novas vacinas e soros capazes de aumentar a<br />

renda e obter novos clientes. Depois propôs a reformulação<br />

do contrato com o Instituto Butantan, pois<br />

havia uma desproporção entre o soro conseguido<br />

pelo veneno remetido e o soro devido aos fazendeiros<br />

pelas cobras enviadas por eles.<br />

9


10 Gestão, Ciência & Saúde<br />

FIGURA 2 - Reunião de cientistas. De pé, da esquerda<br />

para direita: Eugênio Sousa e Silva, Irineu Lisboa, J.<br />

Aroeira Neves, Odorico Nines. Sentado: Henrique Marques<br />

Lisboa, <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, Octávio Magalhães, Eurico<br />

Vilela. Acervo do Centro de Informação Científica Histórica<br />

e Cultural-<strong>Funed</strong><br />

As viagens ao interior do Estado eram um pontochave<br />

no papel do Instituto, além de ser uma herança<br />

dos mestres Oswaldo Cruz e <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>.<br />

Pesquisavam-se doenças humanas e de animais,<br />

de Chagas, escorpionismo, ofidismo, esquistossomose,<br />

bouba, varíola e outras. Por meio das excursões,<br />

também se colecionava e resgatava materiais<br />

de análise científica. Os elementos recolhidos eram<br />

organizados para a montagem de uma geografia<br />

médica e veterinária de Minas Gerais e dava ao<br />

Instituto condições e elementos de combate aos diferentes<br />

ramos da patologia.<br />

Aos poucos o Instituto <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> introduzia melhorias<br />

para obter novos produtos e conseqüentemente<br />

mais renda. Começou a preparar sulfato de cobre para<br />

o tratamento da febre aftosa, a vacina contra o “mal<br />

triste das aves” (tifose aviária), o soluto de urotropina<br />

para epitelioma das aves e a vacina contra a pneumonterite<br />

dos bezerros ou “peste dos pulmões”. (6)<br />

Em 1931 os exames microbiológicos aumentaram<br />

significativamente, tornando-se uma importante fonte<br />

de matéria-prima para as pesquisas epidemiológicas.<br />

Os estudos visavam o desenvolvimento de atividades<br />

preventivas no controle das doenças e, para tanto, o<br />

Instituto realizava o estudo e os diagnósticos epidemiológicos,<br />

além dos trabalhos de pesquisa científica,<br />

que geraram inúmeros artigos publicados nas melhores<br />

revistas nacionais e estrangeiras.<br />

Apesar do aumento das atividades, o Instituto enfrentava<br />

grandes dificuldades financeiras na liberação de<br />

recursos do governo federal. Assim, Octávio Magalhães<br />

reivindicou a transferência da Instituição para a<br />

jurisdição de Minas Gerais. Em 1936 o processo concluído,<br />

o governo anunciou a ampliação do Instituto e<br />

a mudança para a Fazenda Gameleira.<br />

Em 1940, com a implantação do Instituto na Fazenda<br />

Gameleira, o governo de Minas sonhava em exercer<br />

o papel de escola modelo de saúde pública e de<br />

centro de pesquisa e cultura biológica por todo o Estado<br />

de Minas, pelo País e pelo mundo. Para tanto,<br />

aumentou a produção de soros, vacinas, produtos<br />

químicos e biológicos para hospitais e para as campanhas<br />

sanitárias dentro de suas fronteiras. Prontificou-se<br />

a investir, a manter e a custear o Instituto,<br />

prometendo medidas para ampliar e desenvolver<br />

seus produtos, sempre visando a defesa humana, a<br />

vegetal e a animal daquele Estado.<br />

Em 1941, o então interventor de Minas, Benedito Valadares,<br />

proíbe as atividades de pesquisa desenvolvidas<br />

em Bambuí pelos pesquisadores do Instituto Biológico<br />

<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>. Decreta uma reforma radical de toda a<br />

estrutura da Instituição e anuncia Antônio Valadares<br />

Bahia, seu parente, como o novo diretor do Instituto<br />

Biológico. Magalhães apresenta um relatório detalhado<br />

do andamento das atividades do Instituto e se despede.<br />

Nesse momento, a Instituição perde seu fio condutor,<br />

não havendo mais intercâmbio com os pesquisadores<br />

e os ensinamentos da escola de Oswaldo Cruz.<br />

Uma nova fase se inaugurou com a saída de Octávio<br />

Magalhães do Instituto. Na época o governo de Minas<br />

visava o combate das novas endemias, “transformou o<br />

Instituto num centro de fabricação de vacinas e soros<br />

para o consumo do Estado” (6) em detrimento das outras<br />

atividades da Instituição. Aos poucos, seus inúmeros<br />

pesquisadores deixavam a Instituição por falta de<br />

incentivo, e as atividades de pesquisa foram se atrofiando<br />

aos poucos.<br />

Apesar do grande número de produtos fabricados pelo<br />

Instituto, a década de 1950 foi marcada pela estagnação<br />

da indústria farmacêutica nacional. Ao mesmo tempo<br />

em que o mundo vivia as inovações tecnológicas,<br />

principalmente os antibióticos, ocorriam o estímulo à<br />

entrada de capital e produto estrangeiro no País, levando<br />

ao quadro de dependência tecnológica e industrial<br />

dos laboratórios e instituições de ciências brasileiras.


3 - A MODERNIZAçãO<br />

Na década de 1960, com a retomada da indústria nacional,<br />

foi criado pelo governo federal o Grupo Executivo<br />

da Indústria Farmacêutica (GEIFAR) que tinha como diretriz<br />

realizar ações que fortalecessem a produção farmacêutica<br />

nacional e, por conseqüência, a redução do<br />

custo dos medicamentos. No mesmo período também<br />

foi estabelecido a Relação Nacional de Medicamentos<br />

Essenciais (RENAME) que determinou que os órgãos<br />

da administração pública federal somente adquirissem<br />

medicamentos indicados nessa relação, e a aquisição<br />

deveria ser feita, preferencialmente, em laboratórios<br />

públicos ou privados de capital nacional.<br />

FIGURA 3 - Fábrica de Medicamentos da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong><br />

<strong>Dias</strong> 1980. Acervo do Centro de Informação Científica<br />

Histórica e Cultural-<strong>Funed</strong><br />

Dentro dessa linha, o Instituto <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> amplia sua<br />

cesta de produtos biológicos, passando a oferecer também<br />

outros fármacos (Figura 3). Mas as políticas voltadas<br />

para a área de medicamentos visavam apenas<br />

o fortalecimento da produção em detrimento de outras<br />

áreas, sendo que as “primeiras ações que associavam<br />

o desenvolvimento da indústria farmacêutica à garantia<br />

do acesso da população ao remédio ocorreram somente<br />

após a crise do modelo de assistência social”. (3)<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

A década de 1970 foi o período em que os investimentos<br />

do governo na indústria farmacêutica foram<br />

maiores. A produção industrial no Instituto era moderna<br />

e estava a todo vapor, a <strong>Funed</strong> ficou em terceiro<br />

lugar nacional em produção de fármacos (FIG. 4). Ao<br />

mesmo tempo o Instituto agregava ao seu patrimônio<br />

a Escola de Saúde Pública de Minas Gerais para dar<br />

suporte às suas atividades, além de se transformar de<br />

instituto em fundação, a <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>.<br />

FIGURA 4 - Parque industrial da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong><br />

<strong>Dias</strong> – 1970. Acervo do Centro de Informação Científica<br />

Histórica e Cultural - <strong>Funed</strong><br />

Para dar suporte à política desenvolvimentista, o governo<br />

federal criou a Central de Medicamentos (CEME)<br />

para promover e organizar o fornecimento dos medicamentos<br />

àqueles que não tivessem condições de<br />

adquiri-los, com o objetivo de regular a produção e a<br />

distribuição de medicamentos dos laboratórios farmacêuticos<br />

subordinados ou vinculados aos Ministérios.<br />

Sua principal finalidade estava em implantar progressivamente<br />

a substituição das importações por meio<br />

da implantação de uma proposta de autonomia para<br />

o setor químico-farmacêutico e da consolidação de um<br />

sistema estatal de produção de medicamentos essenciais<br />

(7).<br />

Nesse contexto a <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> passou<br />

a receber apoio técnico, equipamentos e recursos<br />

financeiros da CEME permitindo, assim, o desenvolvimento<br />

de um sistema fabril de medicamentos essenciais<br />

para a saúde pública.<br />

Apesar da crescente produção nacional de medicamentos<br />

essenciais, não havia um consumo homogêneo dos<br />

fármacos. A falta de uma política integrada que permitisse<br />

11


12 Gestão, Ciência & Saúde<br />

um trabalho entre a união, os Estados e os municípios<br />

com as Instituições oficiais, promoviam o desperdício<br />

de muitas unidades em detrimento de outros medicamentos.<br />

Somente na década de 1990 há um redirecionamento<br />

dessa produção para o Sistema Único de<br />

Saúde (SUS). (2)<br />

A crise nacional da produção de soros na década de<br />

1980 forçou o Ministério da Saúde a investir nos institutos<br />

nacionais. A <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> convidou o<br />

bioquímico especialista em veneno, o professor Carlos<br />

Ribeiro Diniz para reativar as atividades de pesquisa<br />

da Instituição, estagnada desde a década de 1940.<br />

O professor Diniz implantou uma nova visão de pesquisa<br />

científica, reestruturou e ampliou os laboratórios e as<br />

linhas de pesquisa, além de incentivar a capacitação dos<br />

pesquisadores. Aos poucos as pesquisa desenvolvidas<br />

na <strong>Funed</strong> voltaram a ter prestígio nacional e internacional.<br />

A <strong>Funed</strong> incorporou ao seu patrimônio a Fazenda São<br />

Judas Tadeu, área de preservação ambiental, doado pelo<br />

governo do de Minas Gerais, para ampliar a produção de<br />

imunobiológicos. Os laboratórios de análise epidemiológica<br />

e sanitária ampliaram suas atividades para todo o<br />

Estado, reativando serviços antes estagnados e criando<br />

outros. E a Escola de Saúde (ESMIG) qualifica e capacita<br />

os profissionais de saúde do Estado.<br />

Na década de 1990 a instituição enfrentou grandes<br />

desafios e dificuldades financeiras. Com os olhos voltados<br />

para a indústria farmacêutica, a <strong>Funed</strong> parecia<br />

ter encontrado a auto-suficiência, mas o restante da<br />

<strong>Fundação</strong> pedia socorro. A falta de investimento nos<br />

laboratórios de análise epidemiológica e sanitária,<br />

em equipamentos e infra-estrutura era grande.<br />

Em 2003, o novo governo de Minas Gerais implantou<br />

uma reforma política no Estado, denominada choque<br />

de gestão, que visava à redução imediata de custos<br />

e a efetivação de um novo desenho institucional mais<br />

moderno e dinâmico. O objetivo era a promoção e o<br />

desenvolvimento mediante a reversão de quadros<br />

de déficits orçamentários por intermédio da busca e<br />

da implementação de novos modelos de gestão.<br />

Na <strong>Funed</strong> houve uma grande mudança em todas as<br />

áreas da instituição, vários laboratórios de análise epidemiológica<br />

e de vigilância sanitária foram reformados,<br />

ampliados e modernizados. A instituição tornou-se referência<br />

nacional tanto na produção de soros e medicamentos<br />

como na realização de pesquisas no campo<br />

de saúde pública, na formação e na capacitação de<br />

recursos humanos para o SUS e no monitoramento<br />

das ações de vigilância sanitária, epidemiológica e ambiental,<br />

além de bater recordes na produção de medicamentos,<br />

com mais de 1 bilhão de unidade (FIG. 5).<br />

Figura 5 - Fábrica de Medicamentos da <strong>Fundação</strong> Eze-<br />

quiel <strong>Dias</strong>. Acervo da Assessoria de Comunicação Social.<br />

Foto: Léo Drumond/ Agência Nitro<br />

Nesse complexo quadro histórico, a <strong>Funed</strong> completa<br />

100 anos de vida sendo uma das maiores instituições<br />

de ciência, saúde e tecnologia do País.<br />

4 - O CENTENÁRIO<br />

As comemorações dos 100 anos da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong><br />

<strong>Dias</strong>, intitulada “Saúde direito de todos”, no ano<br />

de 2007, incluíram uma série de eventos ligados à<br />

promoção da saúde, da ciência e da valorização da<br />

história institucional.<br />

No mês de janeiro de 2007, foram criadas seis comissões<br />

temáticas internas para promover os festejos<br />

durante o ano. Cada comissão era responsável<br />

por um evento e tinha um patrono que fora presidente<br />

da instituição e que estava sendo homenageado<br />

pelo trabalho que foi desenvolvido na época.<br />

No primeiro momento foi realizado um concurso para<br />

a escolha da logomarca símbolo do centenário. Depois<br />

da seleção, várias peças gráficas foram elaboradas<br />

para divulgação da imagem institucional e do<br />

ano comemorativo.<br />

Ao mesmo tempo foi feito uma parceria com a Universidade<br />

Federal de Minas Gerais (UFMG) para a


elaboração de um livro sobre a história da <strong>Funed</strong>.<br />

Uma vasta pesquisa histórica e documental foi realizada<br />

para a elaboração da obra. Inúmeros arquivos,<br />

instituições de pesquisa e funcionários antigos foram<br />

acionados, na busca de novos registros sobre a memória<br />

institucional. Juntamente com o livro, a UFMG<br />

realizou uma amostra fotográfica que remonta, seu<br />

desenvolvimento histórico, científico e tecnológico no<br />

cuidado com a saúde pública.<br />

Em 3 de agosto de 2007, data do aniversário da <strong>Funed</strong>,<br />

com a presença do Secretário de Saúde, do Presidente<br />

da instituição e de diversas autoridades, ocorreu a abertura<br />

oficial das comemorações. A reinauguração do auditório<br />

central, mais moderno e estruturado, o lançamento do<br />

livro: <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>: Um século de promoção<br />

e proteção á saúde, a abertura da exposição fotográfica<br />

no hall principal e o lançamento do cartão telefônico com<br />

a imagem da <strong>Funed</strong> fizeram parte do evento. Houve uma<br />

grande festa confraternização para recepcionar os convidados,<br />

os funcionários e os servidores aposentados que<br />

participaram e fizeram parte da sua trajetória.<br />

A partir da abertura oficial eclodiram diversos outros<br />

eventos. Entre eles o IV Fórum de Ciência e Tecnologia,<br />

com discussões sobre os avanços tecnológicos e<br />

pesquisas que podem gerar produtos e serviços mais<br />

eficientes em saúde pública, como os biofármacos,<br />

medicamentos produzido a partir de organismos vivos.<br />

Em parceria com a ANBio sediou, a <strong>Funed</strong> o<br />

Workshop Internacional de Biossegurança, evento<br />

que reuniu diversos profissionais do mundo<br />

para discutir o cultivo geneticamente modificado e<br />

a evolução dos marcos regulatórios. Promoveu o<br />

seminário Rumo a Excelência-Qualidade e Biossegurança,<br />

em que foi discutida a importância da atuação<br />

dos laboratórios de saúde pública na implantação do<br />

regulamento sanitário internacional e a relevância dos<br />

ensaios de proficiência na gestão da qualidade.<br />

Em setembro, a <strong>Funed</strong> lançou o concurso de redação<br />

para estudantes do ensino médio e da graduação, com<br />

o tema “<strong>Funed</strong>: Há um Século Protegendo e Promovendo<br />

Saúde”, com o objetivo de conscientizar e valorizar<br />

o importante papel social que a instituição exerce e<br />

exerceu na saúde coletiva ao longo desses 100 anos.<br />

Mantendo a preservação da memória viva, a <strong>Fundação</strong><br />

<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> realizou uma sessão solene de<br />

inauguração da pintura do retrato do Prof. Amílcar<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

Viana Martins para compor a galeria de notáveis da<br />

presidência da <strong>Funed</strong>. Juntamente com a solenidade,<br />

foi aberta ao público uma mostra fotográfica em<br />

homenagem ao importante cientista mineiro, que<br />

trabalhou e contribuiu com diversas pesquisas científicas<br />

realizadas no instituto, além de participar da<br />

construção e consagração da ciência da <strong>Funed</strong>.<br />

Amílcar Martins começou a trabalhar no Instituto<br />

<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> em 1924 e desenvolveu importantes<br />

pesquisas de interesse para a saúde pública, como<br />

a Doença de Chagas, a esquistossomose e a febre<br />

maculosa. Foi professor da Faculdade de Medicina de<br />

Minas Gerais, participou da Segunda Guerra Mundial<br />

e dirigiu diversos órgãos de pesquisa e ensino na área<br />

da saúde, além de ter feito uma das maiores e mais<br />

completas coleções de Flebótomos do mundo.<br />

Em novembro, a Instituição organizou o seminário<br />

“Gestão ambiental: Compromisso de todos. <strong>Funed</strong><br />

rumo à sustentabilidade”, com o objetivo de discutir o<br />

Plano de Gerenciamento de Resíduos do Serviço de<br />

Saúde (PGRSS), com o lançamento de uma cartilha.<br />

Debateu temas relacionados à legislação ambiental,<br />

licenciamento e à redução do uso de materiais descartáveis.<br />

Também foi apresentado aos funcionários<br />

o projeto “Minha Caneca”, para sensibilizar os trabalhadores<br />

sobre o uso excessivo de copos descartáveis.<br />

Foi distribuída uma sacola de lixo para os carros<br />

e uma caneca a cada funcionário.<br />

As comemorações do centenário foram um marco na<br />

Instituição, pois mobilizaram todos os funcionários,<br />

além de sediar importantes eventos científicos, históricos<br />

e tecnológicos que contribuíram para o desenvolvimento<br />

e para a preservação da memória da<br />

saúde pública.<br />

5 - CONCLUSãO<br />

“Aqueles que perdem suas origens, perdem sua<br />

identidade também” (1).<br />

A celebração do centenário da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong><br />

<strong>Dias</strong> foi muito mais do que uma comemoração institucional.<br />

Representou a vitória de uma empresa<br />

que agregou ao longo do tempo conhecimento científico<br />

e valores sociais. Poucas instituições no Brasil<br />

completam 100 anos de vida, atuando da mesma<br />

forma e em pleno vigor, apesar dos inúmeros percalços<br />

pelo caminho.<br />

13


14 Gestão, Ciência & Saúde<br />

A história da <strong>Funed</strong> justifica o seu importante papel<br />

na saúde pública e na luta em defesa do social. Hoje<br />

revigorada, suas ações se multiplicam e ultrapassam<br />

fronteiras, sempre em busca da excelência e da qualidade<br />

dos serviços prestados.<br />

A instituição tem uma história que está sendo construída<br />

diariamente e, preservar a sua memória, é contribuir<br />

para a preservação da saúde pública. Assim,<br />

“acompanhar a dinâmica da história, registrando-a<br />

para as futuras gerações, possibilitará às instituições<br />

um novo olhar sobre si mesmas, conscientizando-se<br />

de sua responsabilidade e do seu compromisso com<br />

a sociedade” (8).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

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valor y uso. Barcelona: Ariel, 1997.<br />

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1957.<br />

7. MEDICI, A.C, OLIVEIRA, F de & BELTRãO,<br />

K.I. A política de medicamentos no Brasil. Rio de<br />

Janeiro: Escola nacional de ciências estatísticas/<br />

Instituto Brasileiro de geografia e estatística. 1991<br />

8. NASSAR, Paulo. Relações Públicas na construção<br />

da responsabilidade histórica e no resgate<br />

da memória institucional das organizações. São<br />

Caetano do Sul: Editora difusão. 2007.<br />

9. SCHWARTZMAN, Simon. Formação da comunidade<br />

científica no Brasil. São Paulo e Rio de<br />

Janeiro: Cia. Editora Nacional e FINEP,1979.<br />

10. SERRA, O. Questões de identidade cultural.<br />

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São Paulo: Brasiliense, 1984.p.97-123.<br />

11. STARLING, Heloisa et al. <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong><br />

dias: um século de promoção proteção á saúde.<br />

Belo Horizonte:Editora UFMG,2007.<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

15


16 Gestão, Ciência & Saúde


<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

UTILIZAÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DE MEDICAMENTOS:<br />

FITOFÁRMACOS E FITOTERÁPICOS<br />

USE OF PLANT SPECIES FOR THE DEVELOPMENT OF MEDICINES: PHYTOMEDICINES<br />

AND PHYTOTHERAPICS<br />

Carolina Paula de Souza Moreira 1 , Vera Lúcia de Almeida 2<br />

1 Graduada em Farmácia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestre em Ciências da Saúde pelo<br />

Centro de Pesquisas René Rachou – Fiocruz, Pesquisadora no Serviço de Bioprospecção Farmacêutica, Divisão<br />

de Ciências Farmacêuticas, Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento, <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, carolina.<br />

moreira@funed.mg.gov.br; 2 Graduada em Farmácia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestre em<br />

Química pela Universidade Federal de Minas Gerais, Pesquisadora no Serviço de Bioprospecção Farmacêutica,<br />

Divisão de Ciências Farmacêuticas, Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento, <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>,<br />

vera.almeida@funed.mg.gov.br<br />

RESUMO<br />

As plantas têm sido utilizadas para o tratamento de<br />

doenças desde o início da humanidade e ainda hoje<br />

constituem uma fonte inestimável de produtos naturais,<br />

os quais são empregados no desenvolvimento<br />

de fitofármacos, além da utilização para a produção<br />

de fitoterápicos. Este trabalho descreve o desenvolvimento<br />

de fitofármacos e fitoterápicos, bem como<br />

a regulamentação brasileira de medicamentos fitoterápicos.<br />

Palavras-chave: Fitoterápicos, Fitofármacos, Produtos<br />

Naturais<br />

ABSTRACT<br />

Plants have been used to treat diseases since<br />

the beginning of mankind and are still an invaluable<br />

source of natural products that are used for<br />

the development of phytomedicine. In addition,<br />

they can also be used for the production of phytotherapics.<br />

This review has focussed attention<br />

on the development of phytomedicine and phytotherapics<br />

as well as on the Brazilian legislation<br />

regarding phytotherapics.<br />

Keywords: Phytotherapics, Phytomedicine, Natural<br />

Products<br />

17


18 Gestão, Ciência & Saúde<br />

1. INTRODUçãO<br />

O homem sempre buscou na natureza a cura para<br />

as suas doenças. Um dos primeiros relatos sobre<br />

o uso de plantas medicinais vem da Mesopotâmia<br />

em 2600 a.C. (26).<br />

A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece<br />

que 80% da população dos países em<br />

desenvolvimento utilizam práticas tradicionais<br />

na atenção primária à saúde, e 85% dessa parcela<br />

fazem uso de plantas ou de preparações<br />

delas (5,14,44). Além do mais as plantas são a<br />

base da medicina tradicional praticada por milhares<br />

de anos em países como a China e a<br />

Índia (32).<br />

As plantas podem ser utilizadas na terapêutica<br />

como fitofármacos e fitoterápicos (ou fitomedicamento).<br />

Os fitofármacos utilizam compostos isolados<br />

de plantas como matéria-prima. Os fitoterápicos,<br />

por sua vez, são medicamentos obtidos<br />

empregando exclusivamente matérias-primas vegetais.<br />

Não se considera fitoterápico aquele que<br />

contém substâncias ativas isoladas de qualquer<br />

origem (19).<br />

Este artigo tem como objetivo tratar de alguns<br />

aspectos relativos à utilização de espécies vegetais<br />

no desenvolvimento de medicamentos,<br />

abrangendo tanto os aspectos gerais do isolamento<br />

de produtos naturais bioativos e sua participação<br />

na elaboração de fitofármacos quanto<br />

o emprego de material vegetal na produção de<br />

fitoterápicos.<br />

2. PRODUTOS NATURAIS NA BUSCA DE<br />

FÁRMACOS<br />

Apesar dos avanços em técnicas utilizadas na<br />

busca de novos fármacos como a química combinatória,<br />

técnicas de planejamento racional, quimioinformática<br />

e bioinformática, os produtos naturais<br />

(PN’s) continuam a ser uma importante fonte<br />

de novos compostos bioativos (13,37). O GRAF. 1<br />

mostra a influência dos produtos naturais como<br />

fonte de novas substâncias bioativas no período<br />

de 1981-2006 (33).<br />

GRÁFICO 1 - Fontes de novas substâncias bioativas no período<br />

de 1981-2006 (n= 983). N produto natural; DN derivados<br />

vindos de produtos naturais; S substância totalmente sintética;<br />

S* substância sintética, mas grupo farmacofórico vindo de PN.<br />

Fonte: Newman, 2008 (33).<br />

A descoberta de novas técnicas de síntese, como a<br />

síntese em larga escala e a química combinatória,<br />

com a promessa de geração rápida de grandes coleções<br />

de substâncias, as quais poderiam ser testadas<br />

utilizando bioensaios em larga escala (HTS – High<br />

Throughput Screening) acarretou em um declínio<br />

na pesquisa de PN. No entanto, nos últimos tempos<br />

tem-se observado um interesse crescente no uso de<br />

plantas na busca por novos fármacos (33).<br />

O desenvolvimento de novas técnicas de isolamento,<br />

identificação e bioensaios tem contribuído para o renascimento<br />

da busca por PN bioativos. É possível citar:<br />

1.<br />

2.<br />

3.<br />

Avanços em métodos cromatográficos que têm<br />

levado ao aumento da capacidade de separação<br />

e isolamento das substâncias. Além disso, o acoplamento<br />

às técnicas espectrométricas (métodos<br />

hifenados) possibilitou a identificação online das<br />

substâncias, ou seja, identificação das substâncias<br />

em misturas complexas sem a necessidade<br />

de isolamento e purificação das mesmas. Esse<br />

método é conhecido como desreplicação e evita a<br />

“redescoberta” de compostos já conhecidos (13).<br />

Avanços na tecnologia de elucidação estrutural,<br />

como técnicas modernas de ressonância magnética<br />

nuclear (RMN) pulsada e espectrometria<br />

de massa, têm facilitado a determinação estrutural<br />

dos compostos isolados.<br />

O desenvolvimento de bioensaios automatizados,<br />

específicos e seletivos, que podem avaliar<br />

rapidamente e de forma economicamente viável<br />

frações e extratos vegetais (30) e facilitar a determinação<br />

da atividade biológica e a toxicidade<br />

de extratos, frações e substâncias puras.


4.<br />

5.<br />

Em 2005 o mercado mundial de fármacos originados<br />

de plantas foi estimado em aproximadamente<br />

U$ 18 bilhões. Espera-se que em<br />

2011 a arrecadação seja de cerca de U$ 26<br />

bilhões, representando uma média de crescimento<br />

de 6,6% entre 2006 e 2011 (37).<br />

Em contraste à relevância dos PN e seu crescente<br />

uso como fonte de novas substâncias<br />

bioativas, existe uma lacuna no conhecimento<br />

das plantas quando comparadas com a diversidade<br />

existente. São conhecidas aproximadamente<br />

400.000 espécies de plantas no<br />

mundo, sendo que apenas 10% delas foram<br />

caracterizadas quimicamente. Dessa forma,<br />

existe um potencial inexplorado de plantas<br />

como fonte de novas substâncias químicas<br />

(NCEs) (5,23).<br />

3. VANTAGENS E DESVANTAGENS DO<br />

USO DE PRODUTOS NATURAIS NA BUSCA<br />

DE FÁRMACOS<br />

Os compostos de origem natural desempenham<br />

papéis importantes na indústria de fármacos:<br />

1.<br />

2.<br />

3.<br />

4.<br />

5.<br />

São fonte de fármacos cuja síntese é difícil<br />

e inviável do ponto de vista econômico. Diferentes<br />

classes químicas de PN originaram<br />

diferentes fármacos de distintas classes terapêuticas,<br />

como, por exemplo, a morfina, a<br />

pilocarpina, a hipericina e os digitálicos (4).<br />

Podem ser utilizados, na produção de medicamentos<br />

como mistura de uma determinada classe<br />

de substâncias, extratos ou planta in natura.<br />

Podem ser utilizados, como precursores para<br />

a síntese de fármacos (alguns compostos são<br />

modificados por métodos químicos ou biológicos<br />

para produzir drogas mais potentes).<br />

São utilizados como adjuvantes farmacêuticos<br />

na produção de medicamentos.<br />

Podem ser utilizados como protótipos para a<br />

síntese de novos medicamentos (38). Vários<br />

fatores favorecem o uso de PN como protótipos<br />

de novas substâncias bioativas: sua grande diversidade<br />

estrutural, com estruturas complexas<br />

com vários estereocentros e grupos funcionais<br />

diferentes; a singularidade das moléculas e a<br />

diversidade de mecanismos de ação presentes<br />

(5,13). Além do mais, os PNs têm sido selecionados<br />

por pressão evolutiva, assim podem interagir<br />

com uma grande variedade de proteínas<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

e alvos biológicos (18). Podemos citar como<br />

exemplo o alcalóide quinina, isolado das cascas<br />

de espécies de Cinchona, que deu origem<br />

aos derivados antimaláricos cloroquina e mefloquina<br />

obtidos por modificação molecular (26).<br />

Existem vários fatores limitantes no uso de PN na<br />

busca de fármacos, quando comparados ao uso<br />

de compostos sintéticos, como, por exemplo:<br />

1.<br />

2.<br />

3.<br />

4.<br />

5.<br />

As substâncias bioativas estão presentes em<br />

pequenas concentrações nas plantas e normalmente<br />

como misturas de compostos com<br />

características químicas e físicas muito similares,<br />

o que dificulta o seu isolamento (25).<br />

A quantidade da substância ativa isolada muitas<br />

vezes é insuficiente para sua utilização nas<br />

várias etapas do desenvolvimento de fármaco.<br />

A identificação da espécie vegetal pode ser incorreta,<br />

o que impossibilita sua recoleta (30).<br />

As substâncias ativas presentes em pequenas<br />

quantidades podem não ser detectadas,<br />

uma vez que são utilizados extratos brutos<br />

nos processos de triagem.<br />

Interações entre os componentes da mistura (antagonismo,<br />

sinergismo) podem ocorrer, levando<br />

a resultados que algumas vezes não são observados<br />

quando se testa a substância pura (46).<br />

4. PROCEDIMENTOS GERAIS PARA OB-<br />

TENçãO DE SUBSTÂNCIAS BIOATIVAS<br />

Embora as plantas possam conter centenas de<br />

metabólitos secundários, apenas os que estão<br />

em maior concentração são geralmente isolados,<br />

identificados e testados biologicamente (46). O<br />

processo para o isolamento e a identificação de<br />

novas substâncias bioativas originadas de plantas<br />

pode ser caro e demorado. A metodologia geral<br />

empregada pode ser observada na Figura 2.<br />

4.1.Seleção da planta e da coleta<br />

Várias abordagens podem ser utilizadas para seleção<br />

da espécie a ser estudada, entre elas podemos citar a<br />

randômica, a etnofarmacológica, a quimiotaxonômica e<br />

a observação ecológica (28). Na primeira abordagem,<br />

a escolha da planta é realizada sem um critério específico.<br />

A desvantagem desse método é o grande número<br />

de plantas testadas, sendo um processo oneroso. No<br />

segundo método, a seleção da espécie é feita segundo<br />

19


20 Gestão, Ciência & Saúde<br />

o uso farmacológico por uma determinada população,<br />

o que muitas vezes tem levado a melhores<br />

resultados (34). Em quimiotaxonomia, as espécies<br />

são coletadas a partir de grupo vegetal, família<br />

ou gênero previamente definido de acordo com a<br />

classe de PN de interesse (38,47). A observação<br />

ecológica é um método baseado na observação do<br />

meio ambiente e as interações entre os indivíduos.<br />

Por exemplo, a constatação de ausência de predadores<br />

em áreas infestadas com herbívoros pode<br />

indicar a presença de compostos de defesa (5).<br />

As características das plantas (como, por exemplo,<br />

infestação de insetos, ciclo vegetativo), o local e a<br />

época de coleta devem ser cuidadosamente anotados,<br />

uma vez que a concentração dos metabólitos<br />

secundários pode ser alterada segundo o ciclo<br />

vegetativo da planta e as condições ambientais. A<br />

planta coletada deve ser cuidadosamente identificada,<br />

catalogada e a exsicata depositada em herbário<br />

certificado. O material vegetal coletado deve<br />

ser separado, identificado, seco e armazenado em<br />

local adequado (45).<br />

Solicitação de coletas aos órgãos competentes<br />

Preparo do material vegetal<br />

Extração<br />

Análise fitoquímica preliminar e triagem dos extratos<br />

Elucidação<br />

estrutural<br />

Fracionamento biomonitorado<br />

Substâncias puras<br />

Síntese de<br />

análogos<br />

Estudos de<br />

toxicidade<br />

Estudos de<br />

SAR e<br />

QSAR<br />

FIGURA 2 - Metodologia geral para o isolamento, a identificação e a determinação de atividade biológica de produtos<br />

naturais.<br />

É importante ressaltar que a partir da Medida Provisória<br />

nº 2.186-16 de 2001, regulamentada pelos Decretos<br />

nº 3945/01, nº 4946/03, nº 5439/05 e nº 6159/07,<br />

as atividades que visem isolar, identificar, obter informações<br />

de substâncias provenientes do metabolismo<br />

dos seres vivos (componentes do patrimônio genético)<br />

com a finalidade de pesquisa, desenvolvimento<br />

tecnológico ou bioprospecção, bem como a remessa<br />

do patrimônio genético e o acesso ao conhecimento<br />

tradicional existente no País, passaram a depender<br />

de autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio<br />

Genético (CGEM) e do IBAMA (11).<br />

4.2. Preparo de extratos<br />

Os métodos de extração podem ser classificados<br />

em métodos a frio ou a quente. São métodos de<br />

extração a frio: percolação, maceração, extração<br />

com microondas e extração com fluido supercrítico<br />

(36,40). Entre os métodos de extração a quente<br />

pode-se citar a extração utilizando aparelho de soxlet,<br />

a decocção e a infusão (38). A escolha do método<br />

de extração irá depender da parte da planta a


ser extraída, do metabólito secundário de interesse<br />

e da capacidade técnica do laboratório.<br />

A extração pode ser feita com um solvente específico,<br />

com misturas de solvente, ou mesmo utilizando<br />

extração fracionada com aumento de polaridade de<br />

acordo com a série eluotrópica (36). A escolha do<br />

solvente se baseia em critérios como características<br />

da substância a ser extraída, adequação tecnológica<br />

(facilidade de remoção, riscos de inflamabilidade)<br />

e toxicidade (38). Quando as substâncias<br />

presentes na planta não são conhecidas é comum<br />

à utilização do etanol como solvente para obtenção<br />

de extrato, tendo em vista sua característica de extrair<br />

substâncias de diferentes polaridades (16).<br />

4.3. Análise fitoquímica preliminar e triagem<br />

dos extratos<br />

A análise fitoquímica preliminar tem como objetivo<br />

verificar de forma rápida quais as principais classes<br />

de PN presentes na espécie em estudo. Os testes<br />

de caracterização são, geralmente, realizados com<br />

os extratos empregando-se soluções de reagentes<br />

que resultam no desenvolvimento de coloração ou<br />

precipitação características de cada classe (38).<br />

Os extratos obtidos são testados em modelos preditivos<br />

para a atividade biológica selecionada. Em razão<br />

do grande número de amostras a serem analisadas,<br />

os ensaios devem ser simples, rápidos, reprodutíveis<br />

e de baixo custo (16,23). No entanto, apenas aqueles<br />

extratos com substâncias mais potentes e/ou em maior<br />

concentração irão apresentar resultados positivos.<br />

A triagem em coleções de extratos vegetais, geralmente,<br />

é mais trabalhosa e problemática do que em<br />

coleções de substâncias sintéticas. Isso pode ser explicado<br />

se levarmos em consideração a complexidade<br />

dos extratos vegetais, o desconhecimento dos compostos<br />

presentes neles e as propriedades químicas e<br />

físicas indesejáveis de substâncias existentes nos extratos<br />

que podem influenciar os resultados biológicos<br />

de uma maneira não específica, como por exemplo, a<br />

precipitação de proteínas pelos taninos (13).<br />

4.4. Fracionamento biomonitorado<br />

Até alguns anos atrás, o objetivo dos fitoquímicos<br />

era basicamente isolar novos compostos, elucidar<br />

suas estrutura e publicar os resultados obtidos. Hoje<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

tem-se procurado cada vez mais isolar substâncias<br />

bioativas ou mesmo determinar possíveis atividades<br />

biológicas para as substâncias isoladas. Assim, o<br />

isolamento de substâncias tem sido monitorado por<br />

bioensaios in vitro (3,13,17,24).<br />

Os extratos que apresentaram atividade biológica devem<br />

passar por processos de semipurificação. Entre<br />

os processos existentes podemos citar a partição e<br />

a coluna filtrante. O objetivo desses procedimentos é<br />

separar os compostos por diferença de polaridade.<br />

O processo de separação e isolamento pode ser algo<br />

longo e tedioso. O isolamento de PN geralmente combina<br />

várias técnicas de separação. A escolha dos métodos<br />

de separação está relacionada com o tipo de extrato<br />

a ser trabalhado; com a solubilidade, a volatilidade, a<br />

estabilidade das substâncias a serem separadas e as<br />

condições de infraestrutura do laboratório. Os métodos<br />

escolhidos devem ser rápidos, não devem levar à decomposição<br />

das substâncias presentes no extrato, não<br />

devem ocasionar perda do material ou a formação de<br />

artefato. As técnicas de separação mais utilizadas são<br />

os métodos cromatográficos (40).<br />

4.5. Identificação, modificações estruturais e<br />

aspectos toxicológicos<br />

Na identificação dos compostos isolados se utilizam<br />

as técnicas espectrométricas na região do ultravioleta<br />

e infravermelho, espectrometria de massas, RMN<br />

1H e 13C. As informações fornecidas por cada um<br />

destes métodos isoladamente e o cruzamento desses<br />

dados por meio das análises dos espetros obtidos<br />

permitem a elucidação estrutural das substâncias.<br />

A química computacional tem sido usada como uma<br />

ferramenta no estudo fitoquímico de PNs e auxiliado<br />

no trabalho de identificação das substâncias isoladas.<br />

Atualmente, programas computacionais são empregados<br />

na identificação dos compostos isolados pela<br />

comparação de dados espectrométricos obtidos com<br />

os de bancos de dados públicos, comerciais e/ou<br />

próprios (in house). Podemos citar como exemplos<br />

os bancos NMRShiftDB (39) e o ACD/CNMR (1).<br />

Processos como a desreplicação têm facilitado o processo<br />

de estudo fitoquímico de uma espécie. Nesse<br />

processo é feito uma pré-triagem para detectar compostos<br />

conhecidos. As “impressões digitais” (fingerprint)<br />

dos dados espectrais são utilizadas para a busca<br />

21


22 Gestão, Ciência & Saúde<br />

de similaridade nos bancos de dados disponíveis (39).<br />

Nos últimos anos, tem sido visto um desenvolvimento<br />

notável dos métodos cromatográficos analíticos e<br />

preparativos, bem como das técnicas espectrométricas.<br />

O acoplamento das técnicas de separação com<br />

as de identificação (técnicas hifenadas) tem diminuído<br />

o tempo e o custo no descobrimento de NCE. As<br />

cromatografias líquida (CL) e gasosa (CG) têm sido<br />

acopladas com diferentes detectores: espectrômetro<br />

de massas (CL/EM e CG/EM), arranjo de diodos<br />

(CL/UV), IV (CL/IV e CG/IV) e RMN (CL/RMN). Esses<br />

aparelhos também podem ser acoplados a bioensaios<br />

online (23).<br />

Modificação estrutural, estudos de correlação estrutura-atividade<br />

(SAR) e estudos de correlação<br />

estrutura-atividade quantitativa (QSAR) podem ser<br />

realizados para melhorar as propriedades farmacocinéticas<br />

e/ou farmacodinâmicas da substância bioativa.<br />

A modificação molecular racionalmente dirigida é<br />

o método mais utilizado para otimizar estas propriedades.<br />

Muitas mudanças podem ser introduzidas na<br />

molécula dependendo de seus grupos funcionais.<br />

5. FITOFÁRMACO<br />

O desenvolvimento de um fármaco é um processo<br />

caro e demorado, levando em média de 12 a 24 anos<br />

da descoberta de uma substância bioativa até o seu<br />

lançamento no mercado (27).<br />

Para a obtenção de um fitofármaco é necessário seguir<br />

várias etapas conforme a Figura 3. A primeira<br />

etapa é a descoberta de novas substâncias bioativas<br />

(composto líder) como descrito previamente. O<br />

desenvolvimento do fármaco é a segunda etapa.<br />

Seleção de material<br />

vegetal<br />

Ensaios clínicos<br />

e registros<br />

Candidato a fármaco<br />

Obtenção de extratos<br />

Testes farmacológicos, toxicológicos<br />

e farmacocinéticos<br />

O novo composto (composto líder) pode não ter as<br />

propriedades farmacodinâmicas, farmacocinéticas<br />

e químicas adequadas para ser utilizado como um<br />

fármaco. Nesse caso, é necessário realizar modificações<br />

moleculares no composto líder obtendo um<br />

candidato a fármaco com características adequadas.<br />

Posteriormente, esse candidato passará pela fase<br />

de desenvolvimento que compreende as etapas de<br />

síntese ou extração e isolamento em maior escala, a<br />

determinação da formulação e a fase pré-clínica.<br />

A primeira preocupação dos testes pré-clínicos é<br />

mostrar a eficácia da substância em estudo. Comprovada<br />

a efetividade, quantificado o efeito principal<br />

e os efeitos colaterais, é necessário a realização dos<br />

testes de toxicidade.<br />

Esses testes têm como objetivo detectar reações<br />

produzidas pelo uso do produto tanto desencadeadas<br />

pela administração acidental de doses excessivas<br />

como as conseqüentes do acúmulo causado por<br />

um desbalanceamento entre a dose administrada,<br />

o metabolismo e a eliminação do fármaco. A duração<br />

dos testes toxicológicos é variável. Eles podem<br />

ser classificados em dois tipos: toxicidade aguda e<br />

a toxicidade crônica. Alguns estudos de toxicidade<br />

em longo prazo têm características especificas e são<br />

considerados como estudos complementares, como<br />

por exemplo, os testes de teratogenicidade, mutagenicidade,<br />

carcinogenidade, indução de hábito, etc. (38)<br />

A próxima etapa consiste nos ensaios clínicos que são<br />

divididos em 4 fases(Fases I, a IV). A legislação brasileira<br />

(Resolução 1996/96) regulamenta as etapas de<br />

pesquisa na fase clínica. Se o candidato a fármaco<br />

for aprovado na fase clínica (27), pode-se entrar com<br />

pedido de registro de um novo fármaco na ANVISA.<br />

Isolamento guiado por bioensaios<br />

e identificação<br />

Obtenção de<br />

composto líder<br />

Modificação de<br />

composto líder<br />

FIGURA 3 - Metodologia geral para o isolamento, identificação e determinação de atividade biológica de produtos naturais


6. FITOTERÁPICOS<br />

Além de fornecer produtos naturais que são empregados<br />

direta ou indiretamente no desenvolvimento<br />

de medicamentos (fitofármacos), as plantas também<br />

são utilizadas na medicina tradicional.<br />

Plantas medicinais são aquelas que possuem tradição<br />

de uso em uma população ou comunidade<br />

e são capazes de prevenir, aliviar ou curar enfermidades<br />

(14,41). No Brasil, a medicina popular e<br />

o conhecimento específico sobre o uso de plantas<br />

são resultado de uma série de influências culturais,<br />

como a dos colonizadores europeus, dos indígenas<br />

e dos africanos (2).<br />

Grande parte da população mundial utiliza plantas<br />

medicinais na atenção primária à saúde (14,44).<br />

No Brasil, não se sabe com exatidão o número de<br />

pessoas que utilizam as plantas, mas, seguramente,<br />

essa tendência mundial também é seguida.<br />

Apesar de ser uma prática antiga, a utilização de<br />

plantas medicinais e de fitoterápicos sofreu um grande<br />

declínio, principalmente no Ocidente, com o apogeu<br />

da química medicinal a partir da década de 1940.<br />

Nesse período, o fármaco com valor era aquele que<br />

correspondia a uma substância pura com efeitos terapêuticos<br />

e secundários bem determinados, cuja<br />

provável interação farmacológica com outro fármaco<br />

poderia ser estudada, caso fosse necessário o uso<br />

de ambos simultaneamente (46).<br />

Atualmente o interesse em fitoterápicos vem crescendo,<br />

até mesmo em países desenvolvidos, por<br />

serem tratados com uma alternativa mais saudável<br />

ou menos danosa de tratamento. Em países em desenvolvimento,<br />

o crescimento é resultante do difícil<br />

acesso aos centros de atendimento hospitalar e a<br />

medicamentos farmacoquímicos, da fácil obtenção<br />

de plantas medicinais e da grande tradição do seu<br />

uso (2,13,15,20,42).<br />

Outro fator relevante para o crescimento do setor é<br />

o aprimoramento da tecnologia farmacêutica, com<br />

métodos modernos de identificação, determinação e<br />

quantificação de compostos químicos, o que permitiu<br />

um melhor controle de qualidade na fabricação<br />

de fitoterápicos, assim como os avanços e a normatização<br />

nas pesquisas de avaliação farmacológica e<br />

toxicológica (46).<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

Algumas das vantagens dos fitoterápicos que atualmente<br />

justificam seu uso são: (a) efeitos sinérgicos; (b) associação<br />

de mecanismos por compostos agindo em alvos<br />

moleculares diferentes; (c) menores riscos de efeitos colaterais;<br />

(d) menores custos de pesquisa (46).<br />

Os fitoterápicos sempre apresentaram uma parcela<br />

significativa do mercado de medicamentos. O setor<br />

movimenta globalmente US$ 21,7 bilhões por ano (15).<br />

Entre 2003 e 2006, o segmento de fitoterápicos no Brasil<br />

faturou aproximadamente R$ 2 bilhões com a venda<br />

de 123 milhões de unidades farmacêuticas (20).<br />

A ampliação do consumo levou à normatização do<br />

setor com implementação e constante revisão de<br />

normas técnicas para a produção e comercialização<br />

de fitoterápicos visando garantir a segurança no uso,<br />

eficácia terapêutica e qualidade do produto (20).<br />

No Brasil, a regulamentação dos medicamentos fitoterápicos<br />

industrializados é realizada pela Agência<br />

Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão<br />

federal do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária,<br />

responsável pelo registro de medicamentos e outros<br />

produtos destinados à saúde. Todos os fitoterápicos<br />

industrializados devem ser registrados na ANVISA<br />

antes de serem comercializados, a fim de garantir<br />

que a população tenha acesso a medicamentos seguros,<br />

eficazes e de qualidade comprovada.<br />

A RDC nº 48/04 é a principal legislação atual que regulamenta<br />

o registro de fitoterápicos. Nela são estabelecidos<br />

todos os requisitos necessários para a sua concessão,<br />

os quais se baseiam na garantia de qualidade.<br />

As avaliações abrangem a matéria-prima vegetal, os<br />

derivados de droga vegetal e o produto final, o medicamento<br />

fitoterápico. Essa resolução define droga vegetal<br />

como “planta medicinal ou suas partes, após processos<br />

de coleta, estabilização e secagem, podendo<br />

ser íntegra, rasurada, triturada ou pulverizada” e fitoterápico<br />

como sendo “medicamento obtido empregandose,<br />

exclusivamente, matérias-primas vegetais ativas,<br />

não podendo ser adicionada nenhuma substância ativa<br />

isolada, caracterizado pelo conhecimento da eficácia e<br />

dos riscos de seu uso, assim como pela reprodutibilidade<br />

e constância de qualidade” (6).<br />

A ANVISA reconhece uma lista de drogas vegetais<br />

para as quais a indústria tem a permissão de obter<br />

o registro simplificado para o fitoterápico preparado<br />

com essa matéria-prima (RE nº 89/04). Essa lista é<br />

23


24 Gestão, Ciência & Saúde<br />

composta por espécies vegetais com maior número<br />

de estudos científicos, não havendo necessidade<br />

de validar as indicações terapêuticas e segurança<br />

de uso (7). Constam nessa lista 34 espécies vegetais,<br />

a maioria plantas exóticas originárias de outros<br />

países, sobretudo da Europa e América do Norte,<br />

onde as espécies vegetais locais são alvo de maior<br />

número de investigação científica. Caso o fitoterápico<br />

não integre a “Lista de registro simplificado de<br />

fitoterápicos”, cabe à indústria farmacêutica, para o<br />

lançamento de um fitoterápico no mercado nacional,<br />

entre outras exigências, comprovar a segurança e a<br />

eficácia do produto. Para essa comprovação é possível<br />

seguir três diferentes caminhos, a saber:<br />

1.<br />

2.<br />

3.<br />

A primeira opção, que por ser a mais onerosa é<br />

a menos utilizada pela indústria, consiste na realização<br />

de testes de segurança (toxicologia préclínica<br />

e clínica) e de eficácia terapêutica (farmacologia<br />

pré-clínica e clínica) do medicamento.<br />

Vale ressaltar que, nos últimos anos, essa opção<br />

fez com que houvesse uma aproximação das<br />

empresas com os centros de pesquisas brasileiros,<br />

possibilitando a realização de parcerias para<br />

a execução de alguns desses estudos (14,35).<br />

A segunda opção permite que a indústria farmacêutica<br />

utilize a apresentação de monografias da<br />

droga vegetal presente na formulação do medicamento,<br />

que atestem sobre sua segurança e<br />

eficácia. Para se certificar da seriedade dessas<br />

monografias, a ANVISA publicou uma “Lista de<br />

referências bibliográficas para avaliação de segurança<br />

e eficácia de medicamentos fitoterápicos”<br />

(RE nº 88/04), colocando as referências dentro<br />

de um elenco de pontuação, de acordo com a<br />

“qualidade científica” da obra. Dessa forma, para<br />

o laboratório farmacêutico possa comprovar a segurança<br />

e a eficácia do fitoterápico por meio de<br />

apresentação de estudos descritos nessas obras,<br />

o produto deve atingir, no mínimo, seis pontos,<br />

conferidos de acordo com a escala de pontuação<br />

das referências (8). Nesse caso, grande parte das<br />

obras refere-se a compêndios internacionais que<br />

contemplam estudos realizados principalmente<br />

com plantas de origem européia (35).<br />

A terceira opção é a apresentação de um levantamento<br />

etnofarmacológico ou de documentações<br />

tecnocientíficas que avaliem a indicação de uso, a<br />

coerência com relação às indicações terapêuticas<br />

propostas, a ausência de risco tóxico ao usuário<br />

e a comprovação de uso seguro por um período<br />

igual ou superior a vinte anos (6). Para a pesquisa<br />

de um novo medicamento fitoterápico, partindo do<br />

conhecimento tradicional associado, o tempo de<br />

desenvolvimento desse produto poderá ser significativamente<br />

reduzido. Como exemplo, pode-se<br />

citar o caso do Acheflan®, primeiro medicamento<br />

fitoterápico pesquisado e desenvolvido totalmente<br />

no Brasil, elaborado com o extrato oleoso de<br />

Cordia verbenacea DC. (Varronia verbenacea<br />

(DC.) Borhidi) e indicado no tratamento de tendinite<br />

crônica e de dores musculares (26).<br />

Um grande fator limitante para o desenvolvimento<br />

de novos fitoterápicos é que a maioria das plantas<br />

em uso popular não se encontra descrita em códigos<br />

oficiais (formulários e farmacopéias), não havendo<br />

estudos sobre as mesmas. Nesse contexto, investir<br />

nos códigos oficiais cuja finalidade é a elaboração<br />

de monografias que privilegiem desde o cultivo até à<br />

determinação de doses clínicas poderá representar a<br />

saída para a indústria nacional e para os centros de<br />

produção institucionais (41). Dessa forma, além de<br />

atender às necessidades básicas de saúde, serão<br />

geradas vagas de trabalho no campo e nos centros<br />

industriais, impulsionado a economia do País.<br />

O governo brasileiro, atento ao crescimento do mercado<br />

de fitoterápicos e ciente dos problemas enfrentados<br />

pela indústria nacional no que diz respeito ao<br />

lançamento de novos produtos, publicou em 2006<br />

duas frentes de apoio ao setor de plantas medicinais<br />

e fitoterápicos. A primeira foi a Portaria Ministerial<br />

MS/GM nº 971, de 3 de maio de 2006, que aprova a<br />

Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares<br />

(PNPIC) no SUS (9), e a segunda foi o Decreto<br />

nº 5.813, de 22 de junho de 2006, que aprova a<br />

Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos<br />

(PNPMF) e dá outras providências (12).<br />

Ambas apresentam em suas diretrizes o incentivo à<br />

pesquisa e ao desenvolvimento com relação ao uso<br />

de plantas medicinais e fitoterápicos, priorizando<br />

a biodiversidade do País. Além disso, estimulam a<br />

adoção da fitoterapia nos programas de saúde pública.<br />

Espera-se com isso um aumento no número<br />

de fitoterápicos registrados no País, principalmente<br />

com base em espécies nativas (14).<br />

O Brasil apresenta pelo menos três características<br />

favoráveis à consolidação da indústria farmacêutica<br />

nacional baseada em produtos naturais de plantas:


competência científica instalada no País (com grupos<br />

de pesquisa de renome nacional e internacional), sua<br />

enorme biodiversidade (19% da flora mundial) e a grande<br />

diversidade cultural das populações tradicionais,<br />

com extensa utilização de plantas medicinais. Segundo<br />

especialistas, essa conjunção de fatores deveria ser<br />

mais bem explorada para o desenvolvimento de uma<br />

bioindústria competitiva e inovadora o País (26).<br />

Os fitoterápicos têm sido contemplados com o apoio<br />

do governo brasileiro e o estímulo das agências de<br />

saúde nacional e internacional. Entretanto, esse setor<br />

necessita do estabelecimento de parcerias entre<br />

os laboratórios privados e os centros de pesquisa e,<br />

acima de tudo, de editais de fomento à área, para que<br />

o mercado nacional se expanda e a população seja beneficiada<br />

com medicamentos de custo mais baixo, de<br />

boa qualidade e que resgatem a cultura popular.<br />

7. CONCLUSãO<br />

A pesquisa para o desenvolvimento de fitofármacos<br />

é um processo caro e longo, compreendendo as<br />

fases de descoberta, de desenvolvimento e de comercialização.<br />

No Brasil, as pesquisas para a busca<br />

de novas substâncias bioativas vindas de plantas<br />

ocorrem principalmente nas universidades e centros<br />

de pesquisa, demonstrando competência científica<br />

e técnica para atuar na fase de descoberta com<br />

grande sucesso. A segunda e a terceira fases devem<br />

ocorrer nas indústrias, tornando-se necessária uma<br />

maior interação entre esse segmentos e os centros<br />

de pesquisa e as universidades.<br />

O desenvolvimento de fitoterápicos inclui várias etapas<br />

e envolve um processo interdisciplinar, multidisciplinar<br />

e interinstitucional. As áreas de conhecimento<br />

envolvidas vão desde antropologia botânica, botânica,<br />

agronomia, ecologia, química, fitoquímica, farmacologia,<br />

toxicologia, biotecnologia, clínica médica, química<br />

orgânica até tecnologia farmacêutica.<br />

O desenvolvimento e a produção de fitoterápicos<br />

podem ser uma grande oportunidade para a indústria<br />

nacional de fármacos, principalmente quando se<br />

considera a grande biodiversidade brasileira, além<br />

do reconhecido potencial científico aqui existente.<br />

No entanto, existem alguns problemas, tais como<br />

a necessidade de investimento público-privado no<br />

setor e a dificuldade de obtenção de matéria-prima<br />

padronizada e de boa qualidade.<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

A prospecção ética da biodiversidade, visando agregar<br />

ciência e tecnologia a seus produtos, passa a<br />

ser de importância estratégica para os países em desenvolvimento<br />

como o Brasil, sendo um instrumento<br />

tanto para a descoberta de alternativas para o tratamento<br />

de doenças típicas desses países como para<br />

estimular o crescimento de suas economias.<br />

AGRADECIMENTOS<br />

As autoras agradecem a Dra. Cláudia Gontijo Silva e<br />

ao Dr. Júlio César <strong>Dias</strong> Lopes pela ajuda na elaboração<br />

deste trabalho e pela leitura exaustiva do texto.<br />

25


26 Gestão, Ciência & Saúde<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

1. ACD/CNMR DB Add-on, ACDLabs, Inc., Toronto, 2002.<br />

2. AQUINO, D. et al. Nível de conhecimento sobre<br />

riscos e benefícios do uso de plantas medicinais e<br />

fitoterápicos de uma comunidade do Recife — PE.<br />

<strong>Revista</strong> de Enfermagem UFPE On Line, v.1, n.1,<br />

p. 107-110, 2007. Disponível em: http://www.ufpe.<br />

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INFLUÊNCIA DO TAMANHO DO INÓCULO DE ESPOROS DE Aspergillus parasiticus NA<br />

PRODUÇÃO DE AFLATOXINAS EM AMENDOIM (Arachis hypogaea L.)<br />

INFLUENCE OF INOCULUM SIZE OF Aspergillus parasiticus SPORES ON AFLATOXINS<br />

PRODUCTION IN PEANUT (Arachis hypogaea L.)<br />

Guilherme Prado 1 , Jovita Eugênia Gazzinelli Cruz Madeira 2 , Vanessa Andrea Drummond Morais 3 ,<br />

Marize Silva de Oliveira 4 , Mabel Caldeira de Andrade 5 , Robson de Assis Souza 6 , Ignácio José de<br />

Godoy 7 , Joenes Mucci Peluzio 8 , Raphael Sanzio Pimenta 9<br />

1 Farmacêutico-Bioquímico, Doutor, <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> (<strong>Funed</strong>), gui@funed.mg.gov.br; 2 Bióloga, PhD,<br />

<strong>Funed</strong>, jovi@funed.mg.gov.br; 3 Bióloga, Mestre, <strong>Funed</strong>, vam@funed.mg.gov.br; 4 Bióloga, Mestre, <strong>Funed</strong>,<br />

mar@funed.mg.gov.br; 5 Bióloga, <strong>Funed</strong>, mabel@funed.mg.gov.br; 6 Bolsista Iniciação Científica Institucional<br />

<strong>Funed</strong>-Fapemig, robson.asouza@gmail.com; 7 Engenheiro Agrônomo, Doutor, Instituto Agronômico de Campinas,<br />

ijgodoy@iac.sp.gov.br; 8 Engenheiro Agrônomo, Doutor, Universidade Federal do Tocantins, joenesp@<br />

udu.br; 9 Biólogo, Doutor, Universidade Federal do Tocantins, biorapha@yahoo.com.br<br />

RESUMO<br />

Aflatoxinas são produtos do metabolismo secundário<br />

dos fungos filamentosos Aspergillus flavus, A.<br />

parasiticus e A. nomius, formados em grande variedade<br />

de alimentos e que apresentam atividade carcinogênica,<br />

teratogênica e mutagênica. A influência<br />

do tamanho do inóculo fúngico na produção de aflatoxinas<br />

foi avaliada em amendoim autoclavado (121 ºC<br />

por 20 min), cultivares IAC Caiapó e IAC Runner<br />

886, produzidos no Instituto Agronômico de Campinas<br />

em 2005/2006. Uma cepa de A. parasiticus<br />

foi semeada em meio Czapek contido em placa de<br />

Petri e incubação por sete dias a 25 ºC. Transferiuse<br />

parte do cultivo para o meio GYEP e incubou-se<br />

a 25 ºC durante sete dias para esporulação. A suspensão<br />

de esporos foi preparada adicionando-se<br />

solução de Tween 80 0,1%, sendo a concentração<br />

determinada em Câmara de Neubauer e ajustada<br />

para 10 3 , 10 4 , 10 5 e 10 6 esporos mL -1 . Após inoculação<br />

em grãos de amendoim e incubação durante<br />

sete dias a 25 ºC, efetuou-se a quantificação das<br />

aflatoxinas por cromatografia em camada delgada<br />

(densitometria/366 nm). Observou-se uma maior<br />

produção de aflatoxinas B 1 , B 2 , G 1 e G 2 na concentração<br />

de 10 3 esporos mL -1 . Os menores níveis de<br />

aflatoxinas foram encontrados em 10 6 esporos mL -1 .<br />

Em concentrações elevadas do inóculo fúngico, a<br />

diminuição do processo de esporulação e a possibilidade<br />

de decomposição mais intensa das aflatoxinas,<br />

podem explicar essa diferença na produção<br />

das aflatoxinas em amendoim.<br />

Palavras-chave: Aflatoxinas, Amendoim, Aspergillus<br />

parasiticus, Concentração de Esporos<br />

.<br />

ABSTRACT<br />

Aflatoxins are potent carcinogenic, teratogenic,<br />

mutagenic agents, produced as secondary<br />

metabolites by the filamentous fungus Aspergillus<br />

flavus, A. parasiticus and A. nomius on<br />

big variety of food products. The influence of<br />

the inoculum size on the aflatoxin production<br />

was evaluated in autoclaved peanuts (121 0 C<br />

by 20min), cultivars IAC Caiapó and IAC Runner<br />

886, produced in Instituto Agronômico of<br />

Campinas in 2005/2006. A. parasiticus isolate<br />

was inoculated in Petri dishes with Czapeck<br />

media for seven days at 25 0 C, followed by<br />

inoculation in GYEP media at 25 0 C for seven<br />

days. The spores were collected and placed in<br />

a 0.1% Tween 80 solution, counted in a Neubauer<br />

chamber and adjusted to 10 3 , 10 4 , 10 5 and<br />

10 6 spores mL -1 . After peanut seeds were inoculated<br />

and incubated for seven days at 25 0 C<br />

and the aflatoxins were quantified by thin layer<br />

chromatography (densitometry/366nm). The highest<br />

production of aflatoxins B 1 , B 2 , G 1 and G 2<br />

was observed in the concentration of 10 3 spores<br />

mL -1 . The lowest levels of aflatoxins were found<br />

in 10 6 spores mL -1 . At higher concentrations of<br />

inoculum, the decrease of sporulation process<br />

and the possibility of more intense aflatoxin desintegration,<br />

explain this difference in aflatoxin<br />

production in peanuts.<br />

Keywords: Aflatoxins, Peanuts, Aspergillus, Spores<br />

Concentration<br />

29


30 Gestão, Ciência & Saúde<br />

1. INTRODUçãO<br />

Os fungos estão amplamente distribuídos no solo,<br />

nas plantas, na matéria orgânica em decomposição,<br />

na água, no ar e na poeira. Conseqüentemente,<br />

produtos não processados de origem animal e<br />

vegetal podem tornar-se contaminados com uma<br />

ampla variedade de espécies. Sob condições favoráveis<br />

de temperatura e umidade, os fungos podem<br />

crescer em diferentes tipos de alimentos, como cereais,<br />

carne, leite, frutas, vegetais e grãos e causar<br />

deterioração (3,10,24).<br />

Aflatoxinas são produtos do metabolismo secundário<br />

de Aspergillus flavus, A. parasiticus e A. nomius<br />

formados na maioria dos casos após a fase<br />

do crescimento exponencial do fungo, sendo descritas<br />

como de atividade imunossupressora, teratogênica<br />

e hepatocarcinogênica. As aflatoxinas<br />

são um grupo de pelo menos 16 ou 17 substâncias,<br />

derivados bisfuranoisocumarínicos, sendo<br />

as aflatoxinas B 1 , B 2 , G 1 e G 2 as quatro principais<br />

naturalmente produzidas. A aflatoxina B 1 , entre<br />

todas as aflatoxinas, é usualmente a toxina de<br />

maior ocorrência e concentração presente nos<br />

alimentos, tendo sido classificada como provável<br />

carcinógeno para seres humanos pela International<br />

Agency for Research on Cancer (2,26).<br />

O crescimento fúngico e a resultante produção de<br />

aflatoxinas é conseqüência da interação entre fungo,<br />

hospedeiro e ambiente. A combinação apropriada<br />

desses fatores determina o grau de colonização do<br />

substrato, o tipo e a quantidade de micotoxina que<br />

será produzida. As publicações sobre a incidência<br />

de aflatoxinas em alimentos naturais e processados,<br />

principalmente em amendoim, relatam níveis que<br />

atingem freqüentemente de 1 a 10 ng g -1 , mas podem<br />

ocasionalmente ser detectados na faixa de 10 a<br />

100 ng g -1 ou superiores (6,12,20,21).<br />

Muitos estudos têm sido desenvolvidos para se<br />

determinar os fatores que infuenciam a produção<br />

de aflatoxinas em alimentos. Esses incluem temperatura,<br />

disponibilidade de água no substrato<br />

(expressa como atividade de água), umidade relativa<br />

do ar, natureza e composição do substrato,<br />

espécie do fungo, composição da atmosfera (relação<br />

de níveis de oxigênio e dióxido de carbono),<br />

presença de substâncias inibidoras, microbiota<br />

competidora, umidade do solo, práticas agrícolas,<br />

dano por insetos e armazenamento em condições<br />

inadequadas. Poucos são os trabalhos, entretanto,<br />

que têm procurado relacionar a concentração<br />

de esporos de fungos aflatoxigênicos e a produção<br />

de aflatoxinas (16,17).<br />

O objetivo deste estudo foi determinar in vitro a<br />

influência do tamanho do inóculo fúngico e a produção<br />

de aflatoxinas, empregando-se uma cepa<br />

aflatoxigênica, em diferentes concentrações, cultivada<br />

em dois tipos de amendoim.<br />

2. METODOLOGIA<br />

2.1 Isolado fúngico<br />

Foi utilizada a cepa de Aspergillus parasiticus IMI<br />

242695 (International Mycological Institute, Inglaterra)<br />

isolada de produtos alimentícios, comprovadamente<br />

produtora de aflatoxinas. Essa cepa<br />

encontra-se depositada na coleção de cultura de<br />

fungos do Laboratório de Micologia da <strong>Fundação</strong><br />

<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>.<br />

2.2 Amendoim<br />

Utilizaram-se neste trabalho aproximadamente<br />

seis kg de grãos de amendoim, cultivares IAC<br />

Caiapó e IAC Runner 886, produzidos no Instituto<br />

Agronômico de Campinas (SP), safra 2005/2006.<br />

2.3 Preparação dos inóculos<br />

A.parasiticus foi inoculado em meio Czapek (nitrato<br />

de sódio 4%, cloreto de potássio 1%, sulfato<br />

de magnésio 1%, sulfato ferroso 0,02%, fosfato<br />

de potássio dibásico 2%, sacarose 3%, sulfato de<br />

zinco 1%, sulfato de cobre 0,5%, agar 2%) em<br />

placa de Petri e incubado a 25 °C por 7 dias. Seguiu-se<br />

a inoculação no meio GYEP (glicose 2%,<br />

extrato de levedura 0,3% e peptona 1%) e incubação<br />

a 25 °C por 7 dias. A suspensão de esporos<br />

foi preparada adicionando-se solução de Tween<br />

80 0,1% ao cultivo e a contagem de esporos foi<br />

feita em Câmara de Neubauer e ajustada para<br />

10 3 , 10 4 , 10 5 e 10 6 esporos mL -1 .<br />

2.4 Inoculação<br />

A partir das suspensões de esporos preparadas,<br />

procedeu-se, em cinco repetições, a inoculação


de 5 mL de cada uma das suspensões de esporos<br />

em 15 g de amendoim em grão, contidos em erlenmeyers<br />

de 125 mL, previamente autoclavados<br />

a 121 ºC durante 20 min. Os cultivos foram incubados<br />

a 25 ºC por um período de sete dias.<br />

2.5 Soluções padrão de aflatoxinas<br />

Para a quantificação das aflatoxinas em cromatografia<br />

em camada delgada foram utilizadas as<br />

seguintes concentrações: aflatoxina B1 (0,88<br />

µg mL -1 ), aflatoxina B2 (1,00 µg mL -1 ), aflatoxina<br />

G1 (1,22 µg mL -1 ) e aflatoxina G2 (0,84 µg<br />

mL-1), que foram preparadas a partir da diluição<br />

das soluções estoque em benzeno:acetonitrila<br />

(98:2, v/v) de acordo com a AOAC (1).<br />

2.6 Quantificação das aflatoxinas<br />

O método empregado foi o descrito por Valente<br />

Soares e Rodriguez-Amaya (25) e validado por<br />

Prado (22). As aflatoxinas foram separadas e identificadas<br />

por cromatografia em camada delgada<br />

(CCD), em placas de sílica gel 60G, 20 x 20 cm<br />

(Merck), sem indicador fluorescente, com espessura<br />

de 0,25 mm, utilizando-se como fase móvel<br />

tolueno:acetato de etila:clorofórmio:ácido fórmico<br />

(70:50:50:20, v/v/v/v), como recomendado por Gimeno<br />

(11). Os extratos das amostras para CCD<br />

foram ressuspendidos em benzeno:acetonitrila<br />

(98:2), em volumes que variavam de 200 µL a 2<br />

mL. Para aplicação na placa de cromatografia de<br />

camada delgada foram utilizados volumes que<br />

variaram de 2 a 10 µL. Para a elaboração das<br />

curvas de calibração foram utilizados volumes<br />

das soluções padrões na faixa de 2 a 10 µL, sempre<br />

com um mínimo de quatro concentrações.<br />

A quantificação das aflatoxinas foi feita por medidas<br />

das intensidades das fluorescências dos<br />

spots das amostras e de padrões, em densitômetro<br />

Shimadzu, modelo CS9301PC, com lâmpada<br />

de xenônio, em leitura linear, feixe 0,4 x 5,0 mm e<br />

com alta sensibilidade de fluorescência. Os níveis<br />

de aflatoxinas nas amostras foram calculados a<br />

partir do cálculo das áreas dos picos das aflatoxinas<br />

referentes aos extratos das amostras e das<br />

soluções padrões de aflatoxinas.<br />

2.7 Análise estatística<br />

O delineamento experimental utilizado foi inteira-<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

mente casualizado, com cinco repetições e oito<br />

tratamentos. Os tratamentos foram instalados<br />

em um esquema fatorial constituído pelas quatro<br />

concentrações de esporos e dois cultivares de<br />

amendoim. Os resultados obtidos das concentrações<br />

das aflatoxina B 1 , B 2 , G 1 e G 2 sofreram<br />

transformações logarítmicas, uma vez que foi<br />

observada instabilidade da resposta, isto é, aumento<br />

da proporcionalidade entre as médias dos<br />

grupos experimentais e seus respectivos desvios<br />

padrões, configurando a não conformidade com<br />

os pré-requisitos exigidos para a análise de variância.<br />

Os dados obtidos foram submetidos à análise<br />

de variância e comparação das médias pelo<br />

teste de Tukey (p


32 Gestão, Ciência & Saúde<br />

TABELA 2 – Níveis de aflatoxina B 1 (µg Kg -1 ) produzidos por<br />

Aspergillus parasiticus IMI 242695, em função da concentração<br />

de esporos (esporos mL -1 ) em amendoim autoclavado,<br />

cultivares IAC Runner 886 e IAC Caiapó.<br />

Concentração de<br />

esporos<br />

(esporos mL -1 )<br />

Cultivar<br />

IAC Runner 886 IAC Caiapó<br />

Aflatoxina B 1 (µg Kg-1)*<br />

10 6 3872Cb 5300Ba<br />

10 5 5282BCb 7322Ba<br />

10 4 6558Bb 14819Aa<br />

10 3 15254Aa 16224Aa<br />

* Média de 5 repetições<br />

Na linha, as médias seguidas pela mesma letra minúscula,<br />

e na coluna, pela mesma letra maiúscula, não diferem entre<br />

si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.<br />

TABELA 3 – Níveis de aflatoxina G 1 (µg Kg -1 ) produzidos por<br />

Aspergillus parasiticus IMI 242695, em função da concentração<br />

de esporos (esporos mL -1 ) em amendoim autoclavado,<br />

cultivares IAC Runner 886 e IAC Caiapó.<br />

Concentração de<br />

esporos<br />

(esporos mL -1 )<br />

Cultivar<br />

IAC Runner 886 IAC Caiapó<br />

Aflatoxina G 1 (µg Kg -1 )*<br />

10 6 13890Aa 14785Aa<br />

10 5 15747Aa 20516Aa<br />

10 4 14223Aa 7793Bb<br />

10 3 40166Ba 43397Ba<br />

* Média de 5 repetições<br />

Na linha, as médias seguidas pela mesma letra minúscula,<br />

e na coluna, pela mesma letra maiúscula, não diferem entre<br />

si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.<br />

TABELA 4 – Níveis de aflatoxina B 2 (µg Kg -1 ) produzidos por<br />

Aspergillus parasiticus IMI 242695, em função da concentração<br />

de esporos (esporos mL -1 ) em amendoim autoclavado,<br />

cultivares IAC Runner 886 e IAC Caiapó.<br />

Concentração de<br />

esporos<br />

(esporos mL -1 )<br />

IAC Runner<br />

886<br />

Cultivar<br />

Aflatoxina B 2 (µg Kg -1 )*<br />

IAC Caiapó Média<br />

10 6 251 326 288A<br />

10 5 266 487 377A<br />

10 4 416 678 547B<br />

10 3 540 1875 1708C<br />

Média 368b 842a<br />

* Média de 5 repetições<br />

Na linha, as médias seguidas pela mesma letra minúscula,<br />

e na coluna, pela mesma letra maiúscula, não diferem entre<br />

si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.<br />

TABELA 5 – Níveis de aflatoxina G 2 (µg Kg -1 ) produzida por<br />

Aspergillus parasiticus IMI 242695, em função da concentração<br />

de esporos (esporos mL -1 ) em amendoim autoclavado,<br />

cultivares IAC Runner 886 e IAC Caiapó.<br />

Concentração de<br />

esporos<br />

(esporos mL -1 )<br />

IAC Runner<br />

886<br />

Cultivar<br />

IAC Caiapó<br />

Aflatoxina G 2 (µg Kg -1 )*<br />

Média<br />

10 6 1115,4 857 986A<br />

10 5 1440,2 1496 1468B<br />

10 4 2018,8 2225 2121C<br />

10 3 2486,8 2363 2425C<br />

Média 1765 1735<br />

* Média de 5 repetições<br />

Na linha, as médias seguidas pela mesma letra minúscula,<br />

e na coluna, pela mesma letra maiúscula, não diferem entre<br />

si, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.<br />

As concentrações das aflatoxinas B 1 , B 2 , G 1 e G 2 aumentaram<br />

com o decréscimo do tamanho do inóculo<br />

do A. parasiticus em ambos os cultivares de amendoim,<br />

IAC Caiapó e IAC Runner 886. As aflatoxinas<br />

B 1 e G 1 foram produzidas em maior quantidade quando<br />

comparadas com as concentrações obtidas para<br />

as aflatoxinas B 2 e G 2 , sendo a aflatoxina G 1 a toxina<br />

mais sintetizada pelo A. parasiticus.<br />

Os níveis de aflatoxinas foram maiores no cultivar IAC<br />

Caiapó quando comparados aos obtidos no IAC Runner<br />

886, com exceção para a aflatoxina G 2 na concentração<br />

do inóculo de 10 6 esporos mL -1 . Entretanto, foi<br />

encontrada diferença significativa apenas para aflatoxina<br />

G 1 na concentração de 10 4 esporos mL -1 e para<br />

aflatoxina B 1 nas concentrações de 10 6 , 10 5 e 10 4 esporos<br />

mL -1 , revelando que ambos os cultivares foram<br />

susceptíveis à ação do A. parasiticus nas condições<br />

experimentais executadas.<br />

A influência do tamanho do inóculo no crescimento<br />

e na produção de aflatoxinas foi relatado inicialmente<br />

por Sharma et al. (23) e Odamtten et al.<br />

(19), em meio sintético e milho, respectivamente.<br />

Esses autores observaram que redução do inóculo<br />

fúngico proporcionava aumento na produção<br />

de aflatoxinas. Em populações menores de fungos,<br />

foi observada uma maior expansão lateral<br />

nos substratos estudados durante o crescimento<br />

do micélio, o que resultava em maiores rendimentos<br />

de aflatoxinas. Segundo Farkas (8), em altos


níveis do inóculo fúngico, a diminuição do processo<br />

de esporulação, que está relacionado ao metabolismo<br />

secundário dos fungos e a possibilidade<br />

de decomposição mais intensa das aflatoxinas,<br />

são fatores que podem explicar essa diferença<br />

na produção de aflatoxinas. Karunaratne e Bullerman<br />

(15) observaram esse mesmo fenômeno<br />

em arroz. Os maiores níveis de aflatoxinas foram<br />

produzidos na concentração de 10 3 esporos mL -1 .<br />

Variações na quantidade de aflatoxinas foram<br />

também reportadas por Clavero et al. (5) quando<br />

A. parasiticus NRRL 2667 foi inoculado em amendoim,<br />

cultivar Florunner, em concentrações de 10 2 ,<br />

10 4 e 10 6 esporos mL -1 . Os maiores níveis foram<br />

encontrados no inóculo de 10 2 esporos mL -1 . Prado<br />

(22) observou maior produção de aflatoxina B 1 em<br />

amendoim, cultivar Tatu Vermelho, após inoculação<br />

com A. flavus na concentração de 10 3 esporos<br />

mL -1 . Mais recentemente, Gunterus et al. (13)<br />

também demonstraram uma relação inversa entre<br />

o tamanho do inoculo de A. parasiticus e o nível<br />

de aflatoxina B 1 , após inoculação em amendoim,<br />

cultivar Georgia Green. O inóculo de 10 2 esporos<br />

mL -1 proporcionou o maior acúmulo de aflatoxina,<br />

quando comparado às concentrações de 10 6 , 10 5<br />

e 10 4 esporos mL -1 .<br />

Os resultados descritos para outras micotoxinas são<br />

variáveis. Etcheverry et al. (7) observaram que o tamanho<br />

do inóculo do Fusarium graminearum ITEM<br />

124 não afetava a produção de desoxinivalenol e zearalenona,<br />

após inoculação em milho. Chulze et al.<br />

(4) verificaram que os maiores níveis de fumonisina<br />

em milho foram produzidos quando a concentração<br />

do inóculo do Fusarium moniliforme M7075 era 10 5<br />

e 10 6 esporos mL -1 e os menores para 10 2 esporos<br />

mL -1 . Em cevada, os níveis de ocratoxina A encontrados<br />

foram superiores na concentração de 10 5 esporos<br />

mL -1 quando comparados na de 10 3 esporos mL -1<br />

de Aspergillus ochraceus 58968. Entretanto, não foi<br />

observada diferença significativa entre os níveis de<br />

ocratoxina A obtidos, quando a inoculação foi efetuada<br />

com o A. ochraceus SLV e o Penicilium viridicatum<br />

M93 (14). Recentemente, Morales et al. (18)<br />

verificaram em maçã, após inoculação de diferentes<br />

espécies de Penicilium expansum, nas concentrações<br />

de 10 4 e 10 6 esporos mL -1 , que o acúmulo de<br />

patulina era afetado pela temperatura, pelo tamanho<br />

do inóculo e pela espécie testada. A 20 ºC, o isolado<br />

UdLTA-3.72 produziu uma quantidade maior de patulina<br />

na concentração de 10 4 esporos mL -1 quando<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

comparado a 10 6 esporos mL -1 .<br />

O grau de contaminação de grãos por fungos é<br />

tradicionalmente utilizado como uma medida da<br />

qualidade. Imagina-se que contagens baixas de<br />

fungos (10 1 - 10 3 esporos g -1 ) representam uma<br />

maior segurança quando comparado a contagens<br />

elevadas (10 6 esporos g -1 ). Os resultados obtidos<br />

demonstraram que a produção de aflatoxinas, em<br />

amendoim, pode ocorrer na presença de fungos<br />

toxigênicos, mesmo em baixas concentrações.<br />

Ressalta-se, portanto, a importância de controlar<br />

as condições de umidade e temperatura nas etapas<br />

de colheita, pós-colheita e armazenamento,<br />

minimizando-se, assim, o crescimento fúngico e a<br />

produção de aflatoxinas.<br />

4. CONCLUSÕES<br />

Os cultivares de amendoim IAC Caiapó e IAC Runner<br />

886 foram susceptíveis ao crescimento do fungo filamentoso<br />

A. parasiticus IMI 242695, não havendo evidências<br />

claras de diferenças entre os cultivares, uma<br />

vez que houve produção significativa das aflatoxinas<br />

B 1 , B 2 , G 1 e G 2 , nas condições experimentais desenvolvidas,<br />

com ambos os genótipos. Foi observada a<br />

produção de aflatoxinas com todas as concentrações<br />

do inóculo fúngico.<br />

AGRADECIMENTOS<br />

Os autores agradecem à FAPEMIG (<strong>Fundação</strong> de<br />

Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais –<br />

CBB 1375/05) e ao CNPq (Processo 401790/2005-3)<br />

pelo apoio financeiro.<br />

33


34 Gestão, Ciência & Saúde<br />

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<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

35


36 Gestão, Ciência & Saúde


<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

DETECÇÃO DE ENTEROTOXINAS ESTAFILOCÓCICAS E DE LINHAGENS ENTEROTOXIGÊ-<br />

NICAS EM ALIMENTOS ENVOLVIDOS EM SURTOS DE TOXINFECÇÃO ALIMENTAR<br />

DETECTION OF STAPHYLOCOCCAL ENTEROTOXINS AND ENTEROTOXIGENIC STRAINS IN FOO-<br />

DS INVOLVED IN FOOD POISONING OUTBREAKS<br />

Ricardo Souza <strong>Dias</strong> 1 , Ana Carolina Cordeiro Soares 2 , Camilla dos Santos Pinheiro 3 , Leandro Leão Faúla 4<br />

1 Biólogo, mestre em Ciência de Alimentos, doutor em Ciências Biológicas, pesquisador no Laboratório<br />

de Enterotoxinas, Divisão de Vigilância Sanitária (Divisa), Diretoria do Instituto Octávio<br />

Magalhães (DIOM) , <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> (<strong>Funed</strong>), professor no Centro Universitário Metodista<br />

Izabela Hendrix, Belo Horizonte, ricardo.dias@funed.mg.gov.br; 2 Médica Veterinária, analista de<br />

Saúde e Tecnologia, Laboratório de Enterotoxinas, Divisa, DIOM, <strong>Funed</strong>; 3 Técnica em Saúde e<br />

Tecnologia, Laboratório de Enterotoxinas, Divisa, DIOM, <strong>Funed</strong>; 4 Médico Veterinário, analista de<br />

Saúde e Tecnologia, professor no Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, Belo Horizonte<br />

RESUMO<br />

De janeiro de 2006 a julho de 2008 foram investigados 139 surtos de toxinfecção<br />

alimentar ocorridos em 73 municípios mineiros. Aproximadamente<br />

2800 pessoas foram envolvidas e 1738 apresentaram manifestações<br />

clínicas. Sobras de 323 alimentos foram analisadas no Laboratório<br />

de Enterotoxinas – FUNED – (LACEN – MG). Sessenta e quatro surtos<br />

(46,0%) foram confirmados como intoxicação estafilocócica e com registro<br />

do envolvimento de 1418 pessoas. Desse total, 724 apresentaram<br />

predominantemente diarréia e vômito com período de incubação inferior<br />

a seis horas. O isolamento e a quantificação do microrganismo foram<br />

de acordo com a metodologia descrita pelo “Compendium of Methods<br />

for the Microbiological Examination of Foods” (2001). Noventa e uma<br />

amostras de alimentos foram submetidas à pesquisa de enterotoxinas<br />

pelo método “Enzyme Linked Fluorescent Assay” (ELISA-ELFA) e simultaneamente<br />

pelo método “Optimum Sensitive Plate” (OSP) para as<br />

enterotoxinas SEA, SEB, SEC e SED, também utilizado para a verificação<br />

do potencial enterotoxigênico das linhagens isoladas. Vinte e cinco<br />

(39,1%) surtos foram confirmados pela presença, nos alimentos, de<br />

enterotoxinas e Estafilococos coagulase positiva (>10 5 UFC/g), em sua<br />

maioria produtoras SEA, seguida da SEC e SEB. Em 37 (57,8%) surtos<br />

a confirmação se deu pela presença de enterotoxinas nos alimentos,<br />

porém o microrganismo não foi isolado; a SEA foi a toxina detectada<br />

com maior freqüência. Do total de alimentos testados quanto à presença<br />

de enterotoxinas pelos dois métodos, 35 (38,5%) foram negativos e 17<br />

(18,7%) positivos. Em 31 (34,1%) amostras a enterotoxina foi detectada<br />

pelo método OSP, porém todas negativas quando testadas pelo método<br />

ELISA-ELFA. Em oito (8,0%) amostras a enterotoxina foi detectada pelo<br />

método ELISA-ELFA com resultado negativo para o OSP. Em todos os<br />

surtos confirmados, os sinais, os sintomas e o período de incubação<br />

foram característicos de intoxicação estafilocócica. Entre as doenças<br />

transmitidas por alimentos, as intoxicações estafilocócicas representam<br />

uma parcela expressiva das notificações de surtos ocorridos nos municípios<br />

mineiros. Assim, o estabelecimento da análise de risco para os<br />

produtos alimentícios e a geração de dados estatísticos sobre o cenário<br />

das doenças transmitidas por alimentos proporcionam informações ao<br />

Ministério da Saúde que contribuem para o desenvolvimento de programas<br />

voltados à produção e à comercialização de alimentos seguros em<br />

todo o território nacional.<br />

Palavras-chave: Enterotoxinas Estafilocócicas, Intoxicação Alimentar,<br />

Surto de Intoxicação Estafilocócica<br />

ABSTRACT<br />

From January 2006 to July 2008, a hundred and thirty eight food poisoning<br />

outbreaks occurred in 73 municipalities in the state of Minas Gerais<br />

were investigated. Approximately 2800 individuals were involved<br />

in which 1738 became ill. Three hundreds twenty three left-over food<br />

involved in the outbreak were collected and analyzed at the Laboratory<br />

of Enterotoxins – FUNED – (Lacen – MG). Sixty four cases (46.0%)<br />

were confirmed as staphylococcal food poisoning with 1418 individuals<br />

affected of which 724 experienced predominantly diarrhea and vomit<br />

within six hours after eating the contaminated food. The detection of the<br />

pathogen followed the methods described in “Compendium of Methods<br />

for the Microbiological Examination of Foods” (2001). Ninety one food<br />

samples were assayed, in parallel for the presence of the enterotoxins<br />

using the “Enzyme-Linked Fluorescent Assay” (ELISA-ELF) and the<br />

“Optimum Sensitivity Plate” OSP” for detecting to SEA, SEB, SEC, and<br />

SED. The OSP method was used to enterotoxin testing by Staphylococcus<br />

strains isolated from foods. In 25 cases (39.1%), enterotoxins<br />

and strains of Staphylococcus coagulase positive (>10 5 cfu/g) were detected<br />

the majority of them was SEA producers, followed by SEC and<br />

SEB. In thirty seven (57.8%) cases toxins were detected in the food<br />

samples tested but no strain was isolated, SEA was the toxin most frequently<br />

detected. In 35 (38.5%) food samples no toxin was detected by<br />

both methods. Enterotoxins were detected in 31 (34.1%) samples by<br />

the OSP method but were negative by the ELISA-ELF. In eight (8.0%)<br />

samples enterotoxin were detected by the ELISA-ELF but not by the<br />

OSP method. In all confirmed cases the clinical signs, symptoms, and<br />

incubation periods were characteristic of staphylococcal intoxication.<br />

Regarding foodborne diseases the staphylococcal intoxications represent<br />

an expressive part of the notified outbreaks in the municipalities<br />

of the State of Minas Gerais. Therefore, establishing a risk analysis<br />

protocol for food products as well as generating statistical data about<br />

the scenery of foodborne diseases will provide the necessary information<br />

to local, state and federal health authorities to develop programs<br />

aimed at ensuring the commercialization of safe food products in the<br />

national territory.<br />

Keywords: Staphylococcal Enterotoxins, Outbreak of Food Poisoning,<br />

Staphylococcal Food Poisoning<br />

37


38 Gestão, Ciência & Saúde<br />

1. INTRODUçãO<br />

As doenças transmitidas por alimentos (DTA) são de<br />

ocorrência mundial e têm como principal causa, em cerca<br />

de 90% dos casos, a contaminação bacteriana. São<br />

responsáveis por surtos de pequenas, médias e grandes<br />

proporções, representando um problema de saúde<br />

pública (18). Em razão da ingestão de alimentos contendo<br />

microrganismos patogênicos e/ou seus metabólitos<br />

tóxicos, as DTA têm como principal característica o desenvolvimento<br />

de sinais e sintomas entéricos. A síndrome<br />

pode ser auto-limitante, mas em alguns casos pode<br />

evoluir para quadros graves, resultando em óbito.<br />

De acordo com a análise dos dados publicados pelo<br />

Food and Drug Administration, Center for Food Safety<br />

& Applied Nutrition, nos Estados Unidos, as DTA acometem<br />

aproximadamente 76 milhões de indivíduos,<br />

resultando em 325 mil hospitalizações e 5.200 mortes<br />

a cada ano (16).<br />

Embora no Brasil o número de notificações seja crescente,<br />

ele ainda é subestimado. Os indivíduos muitas<br />

vezes não relacionam os sinais e os sintomas apresentados<br />

à ingestão de alimentos, pois geralmente a<br />

síndrome é de curta duração e o período de incubação<br />

varia de minutos a alguns dias. Com isso as pessoas<br />

envolvidas acabam por não procurar os serviços<br />

de saúde e, quando procuram, profissionais de saúde<br />

não notificam os casos às autoridades sanitárias.<br />

Entre as DTA, a intoxicação causada por bactérias<br />

do gênero Staphylococcus representa uma das principais<br />

causas de gastrenterites relacionadas à ingestão<br />

de enterotoxinas pré-formadas no alimento (12).<br />

Devido a sua ampla distribuição na natureza, à capacidade<br />

de se desenvolver em variações de temperatura<br />

(7 a 48,5ºC) (19), pH (4.2 a 9.3) (5) e em elevada<br />

concentração de cloreto de sódio (15%), o Staphylococcus<br />

apresenta um potencial risco de contaminação<br />

de diversos alimentos, seja durante o preparo, o<br />

processamento ou seja durante a estocagem.<br />

Nesse sentido, para uma criteriosa investigação de<br />

surtos de toxinfecções alimentares relacionadas a<br />

esse microrganismo, torna-se necessário que não apenas<br />

seja feita a identificação da espécie envolvida, verificado<br />

o potencial enterotoxigênico da mesma e sua<br />

correlação com a dose infectante (igual ou superior a<br />

10 5 UFC/g), mas que sejam detectadas as enterotoxinas<br />

nas sobras dos alimentos consumidos.<br />

As enterotoxinas pertencem ao grupo das exotoxinas,<br />

são proteínas de baixo peso molecular (24000<br />

a 30000 Daltons) sintetizadas por algumas espécies<br />

de Staphylococcus, em especial pelo S. aureus.<br />

Apresentam atividade biológica similar e uma homologia<br />

na seqüência de aminoácidos que varia entre<br />

30% e 86% (14). Os genes que codificam sua síntese<br />

podem ser de origem cromossomal ou plasmidial<br />

e podem ser transferidos de uma célula a outra por<br />

meio de bacteriófagos atenuados (1). De acordo com<br />

Loir et al. (16) já foram descritas até o momento vinte<br />

diferentes enterotoxinas, dessas, 16 sorologicamente<br />

caracterizadas como (SEs) A, B, C e suas formas<br />

variantes, D, E, e I; além das G, H, J, K, L, M, N, O, P,<br />

e Q. Quatro outras (R, S, T, e U) foram identificadas,<br />

porém, pouco caracterizadas.<br />

A ingestão de enterotoxinas estafilocócicas resulta<br />

no desencadeamento de vômitos e diarréia, e em<br />

alguns casos observa-se o desenvolvimento de dor<br />

abdominal, sudorese, tremor e queda da pressão<br />

sangüínea (13). A síndrome surge entre 30 minutos<br />

e seis horas após a ingestão do alimento contendo a<br />

toxina pré-formada. O quadro clínico caracteriza-se<br />

por uma intoxicação alimentar de evolução rápida e<br />

auto-limitante (22), mas pode ser grave, levando a<br />

pessoa acometida à necessidade de cuidados médicos.<br />

Em alguns casos o quadro do paciente pode<br />

evoluir para o óbito.<br />

A gravidade da intoxicação alimentar depende da<br />

susceptibilidade do individuo à enterotoxina, da<br />

quantidade ingerida e do histórico de saúde da pessoa<br />

envolvida (18). Casos mais graves estão relacionados<br />

a crianças e idosos, que muitas vezes<br />

necessitam de intervenção médica ou até mesmo<br />

hospitalização (20).<br />

A contaminação dos alimentos por seres humanos<br />

é a principal causa das intoxicações de origem estafilocócica,<br />

pois o microrganismo é encontrado nas<br />

narinas de 20 a 30% dos indivíduos, sendo que o<br />

número de portadores intermitentes do microrganismo<br />

corresponde a 60% da população (17). A contaminação<br />

dos alimentos é decorrente principalmente<br />

de manipuladores com poucos critérios de higiene,<br />

mas a ocorrência de surtos também está relacionada<br />

às falhas de conservação dos alimentos, como<br />

refrigeração inadequada, aos períodos longos entre<br />

o preparo e o consumo e a tratamentos térmicos<br />

inadequados (13), como também à qualidade da


matéria-prima.<br />

Considerando o impacto socioeconômico das doenças<br />

transmitidas por alimentos em nosso meio, tornase<br />

cada vez mais necessária a ação conjunta dos laboratórios<br />

de saúde pública e vigilância sanitária na<br />

geração de dados estatísticos para que o Ministério<br />

da Saúde tenha o conhecimento sobre a participação<br />

do microrganismo nas DTA no âmbito nacional.<br />

Assim, o objetivo deste trabalho foi caracterizar<br />

a participação de linhagens enterotoxigênicas de<br />

Staphylococcus spp nos surtos de toxinfecção de<br />

origem alimentar ocorridos nos diferentes municípios<br />

do Estado de Minas Gerais.<br />

2. METODOLOGIA<br />

Realizou-se um estudo epidemiológico retrospectivo<br />

dos surtos de toxinfecção alimentar ocorridos em diferentes<br />

municípios mineiros, no período de janeiro<br />

de 2006 a julho de 2008.<br />

Após a notificação do surto, os fiscais do Serviço<br />

de Vigilância Sanitária do município iniciaram a investigação.<br />

As pessoas envolvidas foram entrevistadas<br />

para o preenchimento da ficha de inquérito<br />

epidemiológico. Sobras dos alimentos consumidos<br />

foram coletadas e encaminhadas para o Serviço de<br />

Microbiologia de Produtos (DIVISA) da <strong>Fundação</strong><br />

<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> (LACEN-MG) onde foram analisadas.<br />

A análise dos dados epidemiológicos (sinais e sintomas,<br />

período de incubação, características das pessoas<br />

envolvidas etc) proporcionou a indicação dos<br />

possíveis alimentos suspeitos e dos agentes responsáveis<br />

pelos surtos ocorridos. Para os surtos característicos<br />

de intoxicação estafilocócica, os alimentos<br />

foram submetidos à quantificação do microrganismo<br />

(UFC/g ou mL), à pesquisa de enterotoxinas e à verificação<br />

do potencial enterotoxigênico das linhagens<br />

isoladas.<br />

Para a etapa de isolamento e quantificação, 25 gramas<br />

ou quantidade disponível do alimento envolvido<br />

foram analisadas de acordo com a metodologia descrita<br />

no “Compendium of Methods for the Microbiological<br />

Examination of Foods” (15). As colônias com<br />

crescimento típico e atípico em ágar Baird-Parker,<br />

após o período de incubação (48h a 36°C), foram contadas,<br />

e a espécie determinada por meio das provas<br />

de coagulase, termonuclease (Tnase), fermentação<br />

de manitol e de maltose e produção de hemólise. Em<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

paralelo, o alimento foi submetido ao protocolo de<br />

extração para a pesquisa de enterotoxinas pelo método<br />

imunoenzimático “Enzyme Linked Fluorescent<br />

Assay” (ELFA) empregando o sistema automatizado<br />

VIDAS® Staph enterotoxin II (BioMérieux). Também<br />

foi utilizado simultaneamente ao ELISA o método<br />

de imunodifusão em gel, “Optimum Sensitive Plate”<br />

(OSP) descrito por Robbins et al, (1974) (21) para<br />

a pesquisa e identificação das enterotoxinas (SEA,<br />

SEB, SEC e SED) no alimento e para a verificação<br />

do potencial enterotoxigênico das cepas isoladas de<br />

acordo com Hallander (1965) (10).<br />

3. RESULTADOS E DISCUSSãO<br />

Foram notificados 139 surtos ocorridos em 73 municípios,<br />

destes, 64 (46,0%) confirmados como intoxicação<br />

estafilocócica. A freqüência média de ocorrência<br />

nesse período foi de 27 notificações a cada<br />

período (Figura 1).<br />

nº de surtos analisados<br />

35<br />

30<br />

25<br />

20<br />

15<br />

10<br />

5<br />

0<br />

JAN - JUL<br />

2006<br />

AGO - DEZ<br />

2006<br />

JAN - JUL<br />

2007<br />

AGO - DEZ<br />

2007<br />

JAN - JUL<br />

2008<br />

Período: semestre<br />

FIGURA 1 - Freqüência de surtos de intoxicação estafilocócica<br />

ocorridos em Minas Gerais no período de janeiro de<br />

2006 a julho de 2008<br />

Trezentas e vinte e três amostras de alimentos foram<br />

coletadas pelos fiscais sanitários e, de acordo com a<br />

análise das fichas de inquérito epidemiológico, aproximadamente<br />

2800 pessoas, entre crianças, jovens<br />

e adultos foram envolvidas, 1738 apresentaram manifestações<br />

clínicas e três óbitos foram registrados<br />

neste período. Acredita-se que o número de pessoas<br />

envolvidas/acometidas seja ainda maior, uma vez<br />

que em 38 (38,4%) notificações esses dados não<br />

foram informados.<br />

As manifestações clínicas predominantes foram em<br />

geral diarréia e vômito, seguidos de febre e dores<br />

abdominais com período de incubação médio de oito<br />

39


40 Gestão, Ciência & Saúde<br />

horas, variando de 30 minutos a 24 horas. Para os<br />

surtos confirmados como intoxicação estafilocócica,<br />

o período de incubação foi inferior a seis horas. Os<br />

alimentos suspeitos mais freqüentes foram queijos,<br />

refeições prontas e produtos de confeitaria, o que<br />

sugere possíveis falhas na seleção da matéria-prima,<br />

processamento e armazenamento, o que resultaria<br />

na contaminação dos mesmos. Para Peresi et<br />

al, (18) alimentos submetidos à extensa manipulação<br />

e aqueles mantidos à temperatura ambiente por<br />

longos períodos estão entre os mais relacionados<br />

à ocorrência de surtos. Os alimentos foram considerados<br />

impróprios para o consumo em virtude da<br />

presença de Staphylococcus coagulase positiva<br />

com contagem igual ou superior a 105UFC/g e/ou<br />

enterotoxina(s) caracterizando-os como potencialmente<br />

capazes de causar intoxicação alimentar. Dos<br />

surtos confirmados como intoxicação estafilocócica,<br />

aproximadamente 1418 pessoas foram envolvidas,<br />

destas, 724 apresentaram sinais e sintomas característicos<br />

da enfermidade, com a predominância de<br />

diarréia e vômito. Metade das fichas de inquérito epidemiológico<br />

não apresentava informações sobre o<br />

número de pessoas expostas/doentes, o que eleva<br />

consideravelmente o número de pessoas envolvidas<br />

nos surtos de toxinfecção pelo microrganismo.<br />

Os casos de óbito registrados nesse período não<br />

foram relacionados à intoxicação estafilocócica, as<br />

análises dos resultados revelaram a presença de Salmonella<br />

em um dos episódios. Os alimentos associados<br />

às outras duas mortes apresentaram resultados<br />

satisfatórios para os parâmetros microbiológicos pesquisados,<br />

indicando que outros possíveis fatores estariam<br />

associados à ocorrência das mesmas. Nos Estados<br />

Unidos, estima-se que as doenças transmitidas<br />

por alimentos sejam responsáveis por duas mortes a<br />

cada ano (17). Embora relatos de óbito por ingestão<br />

de enterotoxinas estafilocócicas sejam raros, quando<br />

ocorrem estão relacionados a fatores como idade,<br />

estado nutricional das pessoas envolvidas, quantidade<br />

de enterotoxinas ingerida, entre outros. No Brasil,<br />

Carmo et al. (6) registraram a ocorrência, em um único<br />

surto, de 16 óbitos de crianças e idosos resultantes<br />

da ingestão de alimentos contendo elevada dose de<br />

enterotoxina A (SEA). Segundo os autores, os indivíduos<br />

que consumiram em torno de 500 gramas de<br />

alimentos teriam ingerido aproximadamente 3 mg de<br />

enterotoxina. De acordo com a literatura, a SEA está<br />

entre as enterotoxinas identificadas com maior freqüência<br />

em surtos de intoxicação alimentar. Para Even-<br />

son et al. (9) a presença de SEA na amostra de leite<br />

achocolatado envolvida em um surto de intoxicação<br />

alimentar foi a responsável pelo episódio ocorrido.<br />

Do total de surtos caracterizados como intoxicação estafilocócica<br />

(n=64), em 25 (39,1%) foi detectada a presença<br />

de linhagens enterotoxigênicas de estafilococos coagulase<br />

positiva (>10 5 UFC/g) e de enterotoxinas nas sobras<br />

dos alimentos consumidos. As linhagens produtoras de<br />

enterotoxina A (SEA) foram as isoladas com maior freqüência,<br />

seguida da SEC e SEB. Em dois surtos foram<br />

encontradas elevadas contagens (>10 5 UFC/g) do microrganismo,<br />

mas as enterotoxinas SEA, SEB, SEC e SED<br />

não foram detectadas quando testadas pelo método OSP<br />

(Figuras 2 e 3).<br />

nº de surtos analisados<br />

FIGURA 2 - Toxinfecção alimentar causadas por Estafilococos<br />

coagulase positiva e/ou enterotoxinas ocorridos em Minas<br />

Gerais no período de janeiro de 2006 a julho de 2008<br />

nº de surtos analisados<br />

70<br />

60<br />

50<br />

40<br />

30<br />

20<br />

10<br />

0<br />

16<br />

14<br />

12<br />

10<br />

8<br />

6<br />

4<br />

2<br />

0<br />

Enterotoxinas<br />

Estafilococos<br />

coag. pos<br />

Estafilococos<br />

coag. pos +<br />

Enterotoxinas<br />

Enterotoxinas detectadas - OSP - (indução)<br />

Total de<br />

surtos confirmados<br />

Enterotoxinas testadas - OSP - (SEA, SEB, SEC, SED)<br />

Estafilococos coag. pos (>100.000UFC/g)<br />

APENAS<br />

SEA<br />

APENAS<br />

SEC<br />

SEA+<br />

SEB<br />

SEA+<br />

SEC<br />

SEA+<br />

SED<br />

SEA+<br />

SEB+<br />

SEC<br />

FIGURA 3 - Perfil enterotoxigênico de linhagens de Staphylococcus<br />

isoladas dos alimentos envolvidos nos surtos<br />

de toxinfecção ocorridos em Minas Gerais no período de<br />

janeiro de 2006 a julho de 2008


A análise dos resultados sugere a possibilidade<br />

da presença de outras enterotoxinas ou a sensibilidade<br />

do método por não detectar baixas concentrações.<br />

Casman & Bennett (1965) (7) utilizaram<br />

o método para a pesquisa de enterotoxinas em<br />

alimentos. Segundo os autores, quando se utiliza<br />

antígeno padrão com elevado grau de pureza<br />

(95%) a sensibilidade do método gera em torno<br />

de 1µg de toxina/mL, o que corresponde à quantidade<br />

de toxina necessária para a formação da<br />

linha de precipitação.<br />

A cocção é uma das etapas de processamento a<br />

que os alimentos geralmente são submetidos e<br />

pode levar à redução dos contaminantes microbianos<br />

devido à injúria ou morte celular. Ao contrário<br />

das células, as enterotoxinas estafilocócicas são<br />

relativamente estáveis a tratamentos térmicos;<br />

segundo Bergdoll (4), é necessário o aquecimento<br />

a 100ºC, por 30 minutos para destruir toxinas<br />

brutas. Para Holečková et al. (11) a estabilidade<br />

térmica garante a integridade da proteína e de<br />

sua atividade biológica. Assim, do total de surtos<br />

confirmados pela presença de enterotoxinas<br />

e microrganismo+enterotoxinas (n=62) em 37<br />

(59,7%) foram detectadas enterotoxinas nas sobras<br />

dos alimentos, embora o microrganismo não<br />

tenha sido isolado. A SEA foi a toxina detectada<br />

com maior freqüência, estando presente mesmo<br />

quando detectadas mais de uma enterotoxina em<br />

um mesmo surto (Figura 4).Para quantidade de<br />

enterotoxina inferior a 50ng/g de alimento, a utilização<br />

de técnicas de radioimunoensaio (RIA), de<br />

aglutinação e métodos imunoenzimáticos (ELISA)<br />

nº de surtos analisados<br />

70<br />

60<br />

50<br />

40<br />

30<br />

20<br />

10<br />

0<br />

APENAS<br />

SEA<br />

APENAS<br />

SEB<br />

APENAS<br />

SEC<br />

SEA + SEB<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

têm sido indicadas devido à especificidade e sensibilidade<br />

que as mesmas apresentam. Mas de<br />

acordo com Bergdoll (1990) (4), normalmente a<br />

quantidade de enterotoxina presente em alimentos<br />

envolvidos em surtos de toxinfecção alimentar<br />

é facilmente detectável uma vez que se encontra<br />

em concentrações que variam de 1 a 5µg/g de alimento.<br />

Quando comparados os métodos de detecção de<br />

enterotoxinas testados nos sobrenadantes obtidos<br />

da extração realizada em 91 amostras de<br />

alimentos (OSP x ELISA-ELFA) (Figura 5), a concordância<br />

para os resultados negativos ocorreu<br />

em 35 (38,5%) alimentos e resultados positivos<br />

em 17 (18,7%). Pelo método OSP foi detectada<br />

a presença de enterotoxinas em 31 (34,1%)<br />

amostras analisadas, porém todas elas negativas<br />

quando testadas pelo método ELISA-ELFA. Em<br />

apenas oito amostras (8,0%) foi detectada enterotoxina<br />

pelo método ELISA-ELFA com resultado<br />

negativo para o OSP. Dos surtos analisados, as<br />

características dos alimentos envolvidos, sinais,<br />

sintomas apresentados pelas pessoas acometidas<br />

e o curto período de incubação indicavam se<br />

tratar de intoxicação estafilocócica.<br />

Embora o método imunoenzimático (ELISA) apresente<br />

uma sensibilidade de pelo menos 1ng/mL (3),<br />

sensibilidade superior à apresentada pelo método<br />

de imunodifusão em gel (OSP) que pode chegar a<br />

100ng/mL (4), resultados positivos para o método de<br />

ELISA podem ocorrer na presença de concentrações<br />

não tóxicas de enterotoxinas. Assim, torna-se neces-<br />

SEA + SEC<br />

SEA + SED<br />

Enterotoxinas SEA, SEB, SEC, SED testadas pelo método OSP - extração<br />

SEB + SEC ELISA TOTAL<br />

FIGURA 4 - Frequência de enterotoxinas detectadas nos alimentos envolvidos nos surtos de toxinfecção ocorridos em Minas<br />

Gerais no período de janeiro de 2006 a julho de 2008<br />

41


42 Gestão, Ciência & Saúde<br />

nº de surtos analisados<br />

100<br />

90<br />

80<br />

70<br />

60<br />

50<br />

40<br />

30<br />

20<br />

10<br />

0<br />

Negativo em<br />

ambos<br />

Positivo em<br />

ambos<br />

sário determinar não só a presença, mas a quantidade<br />

de enterotoxinas para fins de reprovação do<br />

produto. De acordo com Asao et al. (2) há poucos estudos<br />

sobre a dose de enterotoxina necessária para<br />

desencadear os sinais e sintomas entéricos em seres<br />

humanos. Segundo os autores, ao analisarem amostras<br />

de produtos lácteos envolvidos em um surto de<br />

toxinfecção alimentar envolvendo aproximadamente<br />

13420 pessoas, foi possível estimar que 20-100ng<br />

de SEA tenha sido a quantidade necessária para desencadear<br />

a síndrome. Raj e Bergdoll (19), ao estudar<br />

o efeito da enterotoxina SEB em estudantes<br />

voluntários jovens, constataram que a ingestão de<br />

aproximadamente 1,0 µg é suficiente para desencadear<br />

grave gastrenterite. De acordo com Evenson et<br />

al. (9) nanogramas (100-200ng) de SEA é suficiente<br />

para desencadear os sintomas agudos da doença.<br />

Ambos os métodos testados para a pesquisa de enterotoxinas<br />

nos alimentos apresentam interferentes<br />

que podem comprometer o resultado. Enquanto resultados<br />

falso-negativos para o método “OSP” possam<br />

ocorrer devido ao processamento térmico em<br />

que o alimento é submetido tornando as toxinas sorologicamente<br />

não reativas (3), o método de detecção<br />

pelo “ELISA” pode levar a resultados falso-negativos<br />

devido à presença de possíveis interferentes como<br />

substâncias não imunológicas ligadas à matriz.<br />

Diante dos dados apresentados, observa-se que,<br />

entre as doenças transmitidas por alimentos, as in-<br />

OSP pos/ELI-<br />

SA neg.<br />

Detecção de Enterotoxinas (extração)<br />

OSP neg/<br />

ELISA pos.<br />

Total de<br />

alimentos<br />

FIGURA 5 - Detecção de enterotoxinas em alimentos envolvidos nos surtos de toxinfecção ocorridos em Minas<br />

Gerais no período de janeiro de 2006 a julho de 2008: “OSP” x “ELISA-ELFA”<br />

toxicações estafilocócicas representam uma parcela<br />

expressiva no número de notificações de surtos<br />

ocorridos nos municípios mineiros. A quantificação,<br />

a verificação do potencial enterotoxigênico das linhagens<br />

isoladas e a pesquisa de enterotoxinas nos<br />

alimentos envolvidos são procedimentos imprescindíveis<br />

para a elucidação dos surtos causados pelo<br />

microrganismo.<br />

O estabelecimento da análise de risco para os produtos<br />

alimentícios, assim como a geração de dados<br />

estatísticos sobre o cenário das doenças transmitidas<br />

por alimentos, proporcionarão informações<br />

necessárias ao Ministério da Saúde para o desenvolvimento<br />

de programas voltados à produção e à<br />

comercialização de alimentos seguros em todo o<br />

território nacional.


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Staphylococcus aureus isolated from meat and diary<br />

products. International Journal of Microbiology, [S.I],<br />

115, p. 290-296, 2007.<br />

18. PERESI, J.T.M. et al. Surtos de doenças transmitidas<br />

por alimentos contaminados por Staphylococcus<br />

aureus, ocorridos no período de dezembro de<br />

2001 a abril de 2003, na região de São José do Rio<br />

Preto – SP. <strong>Revista</strong> do Instituto Adolfo Lutz, [s.i], v.<br />

63, n. 2, p. 232-237, jul.- dez. 2004.<br />

19. RAJ, H.D & BERGDOLL, M.S. Effect of enterotoxina<br />

B on human volunteers. Journal of Bacteriology<br />

[s.n], v.98, p.833-834, 1969.<br />

43


44 Gestão, Ciência & Saúde<br />

20. RICHARDS, M.S. et al. Investigation of a Staphylococcal<br />

food poisoning outbreak in a centralizes<br />

school lunch program. Public Health Reports, v. 108,<br />

n. 6, p. 765-771, nov. - dez. 1993.<br />

21. ROBBINS, R., GOULD, S., BERGDOLL, M.S.<br />

Detecting the enterogenicity of Staphylococcus aureus<br />

strains. Applied Microbiology., v.28, p.946-950,<br />

1974.<br />

22. RODRIGUES, K.L. et al. Intoxicação estafilocócica<br />

em restaurante institucional. Ciência Rural, v. 34,<br />

n. 1, p. 297-299, jan. – fev., 2004.<br />

23. SCHMITT,M; SCHULER,U; SCMIDT-LORENZ,W.<br />

Temperature limits of growth, Tnase, and enterotoxina<br />

production of Staphylococcus aureus strains isolated<br />

from foods. International Journal of Food Microbiology<br />

[s.i], v.11, p.1-19, 1990.


RESUMO<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

O REGULAMENTO TÉCNICO DAS BOAS PRÁTICAS<br />

PARA A FABRICAÇÃO DE MEDICAMENTOS (RDC–210/03)<br />

COMO INSTRUMENTO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA NACIONAL<br />

CRITICAL APPRAISAL OF THE TECHNICAL REGULATIONS GOVERNING GOOD MANUFACTU-<br />

RING PRACTICES FOR PHARMACEUTICAL PRODUCTS (RDC-210/03) AS A INSTRUMENT OF<br />

NATIONAL PUBLIC HEALTH<br />

Este trabalho avaliou o Regulamento Técnico das Boas<br />

Práticas para a Fabricação de Medicamentos vigente<br />

(RDC–210/03) como instrumento de vigilância sanitária<br />

nacional, cuja aplicação destina-se a assegurar a qualidade<br />

final dos medicamentos, incidindo sobre a competitividade<br />

empresarial nacional e internacional, fornecendo<br />

informações ao setor produtivo para implementação das<br />

Boas Práticas e subsidiando a verificação de seu cumprimento<br />

pelos órgãos competentes.<br />

Adotou-se o método de análise documental participativa,<br />

centrada em três aspectos do Regulamento: suficiência,<br />

abrangência e compreensão textual. Selecionaram-se 15<br />

diretrizes para fundamentar a apreciação da suficiência;<br />

critérios históricos e técnicos orientaram a escolha das três<br />

diretrizes utilizadas no exame da abrangência; e para o entendimento<br />

do texto, recorreu-se à comparação entre sua<br />

redação e a de seus antecessores.<br />

A avaliação demonstrou insuficiência temática, amplitude<br />

de conteúdo com escassez de procedimentos específicos<br />

e compreensão textual deficiente.<br />

Este estudo concluiu que o Regulamento, como instrumento<br />

de vigilância sanitária, exige aprimoramento. Assim,<br />

no que diz respeito à suficiência, sugere a adequação<br />

da disposição e complementação do conteúdo temático;<br />

em relação à abrangência, cita melhorias no conteúdo; e<br />

quanto à compreensão textual, aconselha providências<br />

visando a superar as falhas documentais constatadas.<br />

Palavras-chave: Boas Práticas de Fabricação. Medicamentos.<br />

Saúde Pública. Vigilância Sanitária. Indústria Farmacêutica<br />

Éji Pons Machado<br />

Graduada em Farmácia e Farmácia-Bioquímica pela Universidade Federal do<br />

Rio Grande do Sul, Mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública<br />

da Universidade de São Paulo, Consultora Nacional para Vigilância Sanitária da<br />

Organização Pan-Americana da Saúde / Organização Mundial da Saúde,<br />

ponseji@bra.ops-oms.org ejipons@gmail.com<br />

ABSTRACT<br />

This Study has the objective of evaluating the current<br />

Good Manufacturing Practices (GMP) in the Pharmaceutical<br />

Industry, RDC-210/03 as a instrument of National<br />

Public Health to assure that the final products possess the<br />

requisite quality for medicaments as well as commercial<br />

competitiveness, both nationally and internationally and<br />

avail enough information to enable the production sector<br />

to implement GMP in its factory processes and allow the<br />

Authorities to verify compliance.<br />

The Study covers 15 GMP directives in Pharmaceutical<br />

Manufacturing. In order to select criteria for analysis the<br />

existing literature and the translation of the original GMP<br />

Directives were examined. The work comprised three analytical<br />

stages evaluating (i) sufficiency (ii) the level and<br />

depth of detail and (iii) comprehension of the text - a Portuguese<br />

translation of the original GMP Directives.<br />

The Document is insufficient as an Industry Directive. It<br />

presents amplitude of content with lack of specific procedures.<br />

Comprehension of the text is poor.<br />

The study concludes that the Document, as a health surveillance<br />

instrument, requires enhancement. Thus, regarding<br />

to the sufficiency, it suggests a provision adaptation<br />

and a complementation of the thematic content; with regard<br />

to the coverage, it cites improvements in the content;<br />

and concerning the textual comprehension, it advises measures<br />

aiming to overcome the documentary deficiencies<br />

found.<br />

Keywords: Good Manufacturing Practices, Pharmaceutical<br />

Products, Public Health, Health Surveillance, Pharmaceutical<br />

industry<br />

45


46 Gestão, Ciência & Saúde<br />

1. INTRODUçãO<br />

A comercialização de medicamentos diferencia-se<br />

sobremaneira pelo fato do usuário quase não possuir<br />

elementos para avaliar previamente sua qualidade e,<br />

desta, depender a promoção, proteção ou recuperação<br />

de sua saúde. Embora concreta e demonstrável,<br />

apenas os aspectos da qualidade perceptíveis pelos<br />

sentidos físicos são passíveis de verificação independente<br />

de saberes específicos; dependentes, no entanto,<br />

do conhecimento prévio e, em muitos casos, da<br />

violação da embalagem primária. Além disso, somente<br />

após o uso do medicamento é possível verificar a<br />

ocorrência ou não do efeito esperado. Assim, ainda<br />

que existam fatores concorrentes, como, por exemplo,<br />

o estágio e a gravidade da situação saúde/doença,<br />

bem como a correta prescrição e acompanhamento<br />

profissional, a administração de um medicamento<br />

pode abreviar, prolongar, agravar ou impedir a correção<br />

almejada, dependendo de sua qualidade.<br />

A produção de medicamentos em larga escala, desvinculada<br />

da prescrição médica, expôs problemas<br />

que apesar da evolução dos setores regulado e regulador<br />

ainda persistem. Os últimos vinte anos testemunharam<br />

esforços sanitários crescentes, acompanhados<br />

de desenvolvimento científico e tecnológico,<br />

historicamente inéditos. Porém, não obstante esse<br />

cenário positivo, os riscos inerentes aos problemas e<br />

as limitações da Vigilância Sanitária no cumprimento<br />

efetivo de seu papel revelam uma situação de carência<br />

que impõe providências, dirigindo nosso olhar ao<br />

arcabouço legal e às ações de vigilância sanitária,<br />

remetendo-nos às Boas Práticas para a Fabricação<br />

de Medicamentos como objeto direto deste estudo e<br />

à qualidade, como seu objeto indireto.<br />

TABELA 1 - Diretrizes para Boas Práticas de Fabricação para medicamentos, selecionadas para avaliação do Regulamento Técnico<br />

das Boas Práticas para a Fabricação de Medicamentos (RDC-210/03), como instrumento de vigilância sanitária nacional.<br />

TÍTULO<br />

Regulamento Técnico das Boas Práticas para a Fabricação de<br />

Medicamentos (RDC-210/03)<br />

Good Manufacturing Practices for Pharmaceutical Products: main<br />

principles.<br />

Regulamento Técnico das Boas Práticas para a Fabricação de Medicamentos<br />

(RDC-134/01)<br />

ORIGEM /ANO DE<br />

PUBLICAçãO<br />

IDENTIFICAçãO<br />

NO TEXTO<br />

Brasil / 2003 Regulamento<br />

Organização Mundial<br />

da Saúde / 2003<br />

OMS/03<br />

Brasil / 2001 RDC-134/01<br />

Guia de Boas Práticas para a Fabricação de Produtos Farmacêuticos Brasil / 1994 GUIA/94<br />

Good Manufacturing Practices for Pharmaceutical Products<br />

Organização Mundial<br />

da Saúde / 1992<br />

OMS/92<br />

Guía de Normas de Correcta Fabricación de Medicamentos de la<br />

Comunidad Europea<br />

Buenas Prácticas de Manufactura de Productos Farmacéuticos<br />

Comunidade Econômica<br />

Européia / 1992<br />

Mercado do Cone Sul<br />

/ 2000<br />

CEE/92<br />

MERCOSUL/00<br />

Good Manufacturig Practices for Drug Manufacturers and Importers<br />

/ Bonnes Pratiques de Fabrication pour les Fabricats et les<br />

Importateurs de Drogues<br />

Canadá / 1982 CANADÁ/82<br />

Buenas Prácticas de Manufactura para la fabricación de productos<br />

faarmacéuticos<br />

Colômbia / 1996 COLÔMBIA/96<br />

Normas de Buenas Prácticas de Fabricación para la Industria Farmacéutica<br />

Venezuela / 1990 VENEZUELA/90<br />

Reglamento de Buenas Practicas de manufactura para La Fabricación<br />

y La Inspección em La Industria Farmacéutica<br />

Costa Rica / 1993 COSTA RICA/93<br />

Current Good Manufacturing Practice for finished Pharmaceuticals Estados Unidos / 1996 EUA/96<br />

Buenas Practicas de Producción Farmaceéutica Cuba / 1992 CUBA/92<br />

Bonnes Pratiques de Fabrication França / 1995 FRANÇA/95<br />

Guía de Procedimientos Adecuados de Manufactura Farmacéutica México / 1986 MÉXICO/86


Este estudo foi inicialmente escrito como dissertação<br />

de mestrado apresentada à Faculdade de Saúde<br />

Pública da Universidade de São Paulo, em 2002,<br />

avaliando criticamente as diretrizes de Boas Práticas<br />

para a Fabricação de Medicamentos (RDC-134/01)<br />

(1), vigentes à época, como instrumento de vigilância<br />

sanitária nacional.<br />

Da prática profissional da autora em vigilância sanitária<br />

emergiam três perguntas que relacionavam as informações<br />

contidas no regulamento em questão com<br />

sua aplicabilidade, considerando o estágio tecnológico<br />

e a diversificação do parque fabril farmacêutico<br />

nacional, cujas respostas suficiência, abrangência<br />

e compreensão textual representaram os aspectos<br />

que definiram a conformação deste trabalho.<br />

Assim, sem a pretensão de teorizar sobre técnica<br />

farmacêutica, as avaliações desses três aspectos<br />

compõem, em conjunto, a avaliação crítica das diretrizes<br />

vigentes (RDC-210/03) (2), daqui em diante,<br />

nomeada Regulamento, como instrumento capaz de<br />

suportar a adequação da cadeia produtiva às necessidades<br />

de saúde da população.<br />

2. METODOLOGIA<br />

O conhecimento prévio de diretrizes de Boas Práticas<br />

para Fabricação (BPF) definiu o material (apresentado<br />

e identificado na Tabela 1) e a análise comparativa<br />

como base para as avaliações. As etapas<br />

deste estudo estão representadas na Figura 1. Os<br />

achados iniciais apontaram para a perspectiva qualitativa<br />

como foco metodológico, embora tenham sido<br />

utilizados recursos quantitativos como suporte à fundamentação<br />

argumentativa resultante das análises<br />

comparativas realizadas.<br />

A suficiência foi avaliada mediante análise de convergências<br />

e divergências totais e parciais das informações<br />

por assunto, a qual estabeleceu a correspondência<br />

temática entre as diretrizes estudadas. Para<br />

avaliação da abrangência foram analisados tendência<br />

e detalhamento, sendo o material reduzido mediante<br />

combinação dos resultados da etapa anterior com o<br />

atendimento de dois dos critérios: i) convergências ou<br />

divergências técnicas ou legais relevantes; ii) representatividade;<br />

iii) particularização técnica ou legal. Para<br />

avaliação da compreensão textual, da leitura ordenada<br />

do Regulamento (2), identificaram-se características<br />

que facilitavam, dificultavam ou alteravam sua inter-<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

pretação em relação ao regulamento anterior, quais<br />

sejam: organização do conteúdo, precisão da redação<br />

e exatidão da terminologia. Para tanto, foram necessárias<br />

as etapas adicionais: revisão da tradução do original<br />

em inglês da OMS/92 (26) que resultou no texto<br />

do GUIA/94 (8); análise comparativa entre os textos do<br />

GUIA/94 (8) e da RDC-134/01 (1); análise comparativa<br />

entre os textos da RDC-134/01 (1) e do Regulamento<br />

(2). Quanto à organização do conteúdo, analisaram-se:<br />

superposição, supressão e acréscimo de informações,<br />

substituição de termos, modificação da redação e continuidade<br />

do conteúdo. Em relação à precisão da redação,<br />

analisaram-se: coerência técnica e legal entre<br />

as informações apresentadas no Regulamento (2), e<br />

destas com as apresentadas nos principais regulamentos<br />

relacionados (5,6,7,9,10,11,12,22,23,24,25,28,29,3<br />

0). Com referência à exatidão da terminologia foram<br />

avaliados rigor e uniformidade.<br />

3. RESULTADOS E DISCUSSãO<br />

3.1 Suficiência<br />

A suficiência é aqui representada pela capacidade<br />

de o Regulamento (2) de suprir tanto o setor produtivo<br />

quanto os órgãos competentes com informações<br />

bastantes para a fabricação de medicamentos. A<br />

avaliação da suficiência não se encerra em si mesma,<br />

evidenciando uma correlação dos resultados<br />

encontrados com a diversificação e o nível de desenvolvimento<br />

tecnológico fabril.<br />

Convergências e divergências, estabelecendo a correspondência<br />

temática evidenciaram 41 temas distintos<br />

no material estudado (Tabela 1). Dos temas com<br />

conteúdos equivalentes, consideraram-se totalmente<br />

convergentes aqueles que constavam de todas<br />

as diretrizes selecionadas (Tabela 1); parcialmente<br />

convergentes os temas com conteúdos equivalentes<br />

que constavam de, no mínimo, duas diretrizes; e divergente,<br />

o tema apresentado em apenas uma das<br />

diretrizes selecionadas.<br />

Em termos absolutos, atentando à ordem cronológica<br />

da publicação das diretrizes em estudo (Tabela<br />

1), constata-se um período de novidades temáticas<br />

que se inicia em 1982 com Canadá/82 (13) passando<br />

por: MÉXICO/86 (21), VENEZUELA /90 (30),<br />

OMS/92 (26), CUBA/92 (16), COSTA RICA/93 (15)<br />

e FRANçA/95 (19). A exceção nesse período coube<br />

ao Brasil com o GUIA/94 (8), explicada por ser<br />

47


48 Gestão, Ciência & Saúde<br />

1ª ETAPA<br />

DAS DIRETRIZES<br />

BRASIL – ORGANIZAçãO MUNDIAL DA SAÚDE – COMUNIDADE ECONÔMICA EUROPÉIA –<br />

MERCOSUL – CANADÁ – COLÔMBIA – VENEZUELA – COSTA RICA<br />

ANÁLISE TEMÁTICA DAS DIRETRIZES SELECIONADAS<br />

IDENTIFICAçãO DE CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS RELEVANTES<br />

AVALIAçãO DA SUFICIÊNCIA<br />

2ª ETAPA<br />

BRASIL – ORGANIZAçãO MUNDIAL DA SAÚDE – COMUNIDADE ECONÔMICA EUROPÉIA –ESTADOS UNIDOS<br />

ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS CONTEÚDOS DAS DIRETRIZES<br />

IDENTIFICAçãO DE CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS RELEVANTES<br />

AVALIAçãO DA ABRANGÊNCIA<br />

3ª ETAPA<br />

DA CONFORMAçãO TEXTUAL DO REGULAMENTO TÉCNICO DA RDC-210/03<br />

ANÁLISE<br />

DA ORGANIZAçãO DO<br />

CONTEÚDO<br />

ANÁLISE<br />

DA PRECISãO DA<br />

REDAçãO<br />

AVALIAçãO DA COMPREENSãO TEXTUAL<br />

ANÁLISE<br />

DA EXATIDãO DA<br />

TERMINOLOGIA<br />

FIGURA 1 - Fluxograma das etapas metodológicas da avaliação crítica do Regulamento Técnico das Boas<br />

Práticas para a Fabricação de Medicamentos (RDC-210/03).


tradução parcial da OMS/92 (26). Esse andamento<br />

é interrompido com EUA/96 (18). Também daí em<br />

diante, o Brasil foi exceção, publicando o tema Produtos<br />

Biológicos na RDC-134/01 (1).<br />

Entende-se que a inclusão de um novo tema referenda<br />

sua importância, do mesmo modo que a ausência<br />

de novidades temáticas permite supor que os temas<br />

abordados são suficientes, naquele momento, para<br />

um país ou bloco econômico. Seguindo esse raciocínio<br />

o último trabalho para atualização das diretrizes<br />

nacionais considerou o conteúdo temático vigente<br />

suficiente para a realidade do País.<br />

A análise da suficiência em termos relativos à situação<br />

do parque fabril nacional apontou a ausência<br />

de temas essenciais para assegurar a fabricação de<br />

produtos com a qualidade pretendida e a preservação<br />

do meio ambiente, como: produtos farmacêuticos<br />

não comercializáveis; produção de placebo; produção<br />

por campanha; gerenciamento de resíduos; descarte<br />

de materiais e produtos; monitoramento da qualidade<br />

pós-comercialização, entre outros. Percebe-se<br />

também a ausência de temas referentes a atividades,<br />

produção de formas farmacêuticas distintas e de produtos<br />

farmacêuticos específicos. Mesmo que alguns<br />

deles sejam disciplinados em legislações próprias, e<br />

assim devam ser em razão de sua especificidade, interfaces<br />

com as BPF podem ser apresentadas como<br />

diretrizes sem gerar conflito; ao contrário, reforçando<br />

a correlação entre os assuntos sanitários regulamentados.<br />

Além disso, sugere-se um novo tema: Comercialização<br />

de Equipamentos Novos e Usados, como<br />

mecanismo de controle – um elemento auxiliar no<br />

combate à clandestinidade e falsificação. A velocidade<br />

da evolução tecnológica, associada às exigências<br />

técnicas referentes aos parâmetros da qualidade,<br />

força a substituição de equipamentos muitas vezes<br />

em condições de funcionamento. A formação de um<br />

banco de dados nacional dos equipamentos utilizados<br />

na fabricação de medicamentos combinado com<br />

a regulamentação da comercialização de equipamentos<br />

usados facilitariam a adoção de medidas de<br />

monitoramento, dificultando a montagem de fábricas<br />

clandestinas. Porém, o mesmo silêncio que se ouviu<br />

durante um século a respeito (ou a despeito?) da<br />

propaganda de medicamentos percebe-se atualmente<br />

em relação à comercialização de equipamentos<br />

destinados à fabricação de medicamentos e demais<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

produtos para a saúde.<br />

Embora a análise da composição temática do Regulamento<br />

(2) ateste insuficiência, os resultados demonstram<br />

que essa não é sua exclusividade, sendo<br />

comum a todas diretrizes estudadas (Tabela 1).<br />

Aliás, a representatividade das diretrizes selecionadas<br />

(Tabela 1) e o fato de o Regulamento (2) situar-se<br />

em terceiro lugar quanto ao número de temas apresentados<br />

poderiam sugerir suficiência satisfatória<br />

não fosse análise comparativa das informações contidas<br />

em cada tema com relação às atuais atividades<br />

fabris, a qual apontou a necessidade de um leque<br />

mais amplo de temas a serem abordados.<br />

Os resultados da análise comparativa sugerem a necessidade<br />

de revisão do conteúdo temático considerando<br />

a realidade tecnológica e econômica de nosso<br />

parque fabril e os interesses comerciais nacionais e<br />

internacionais. Do ponto de vista didático apontam<br />

para a consideração da lógica interna da disposição<br />

temática em relação às atividades de pré-fabricação,<br />

fabricação e pós-fabricação.<br />

De fato, o momento atual registra uma atenção crescente<br />

com a qualidade, envolvendo, gradativamente,<br />

os diversos setores da sociedade, o que reforça<br />

a concepção de suficiência. Tal concepção agrega<br />

valor aos temas ausentes do Regulamento (2), destacados<br />

neste estudo como importantes.<br />

Para ilustrar a relevância da regulamentação de<br />

procedimentos de Boas Práticas relembra-se, entre<br />

os problemas de saúde pública noticiados na<br />

mídia, aquele que divulgou a comercialização de<br />

placebo em vez de anovulatório, ocorrido no Brasil,<br />

em 1998. Da mesma maneira que a mídia mundial<br />

influenciou na compilação de normas que culminaram<br />

nas atuais diretrizes de BPF, a divulgação de<br />

problemas a elas relacionados, quando referentes<br />

a um tema ainda não regulamentado, deveria representar<br />

indicador para o processo de regulamentação.<br />

Também procedimentos e situações observados<br />

durante inspeções sanitárias, registrados em<br />

relatórios ou constantes de pareceres técnicos, merecem<br />

atenção para novas regulamentações, para<br />

revisão das existentes ou para análise e gerenciamento<br />

de risco. As atividades que envolvem esses<br />

procedimentos e situações necessitam ser disciplinadas<br />

legalmente – regulamentadas na legislação<br />

sanitária; ou tecnicamente – descritas em literatura<br />

específica. Desse modo, a não-inclusão de novos<br />

49


50 Gestão, Ciência & Saúde<br />

temas na RDC-134/01 (1), tais como fabricação de<br />

placebo e descarte de materiais e produtos, frustrou<br />

a expectativa gerada pela divulgação de falhas<br />

verificadas pela Vigilância Sanitária, no sentido de<br />

evitar a reincidência e de prevenir a ocorrência de<br />

casos semelhantes em outros estabelecimentos<br />

produtores. A não-inclusão desses temas no Regulamento<br />

(2) reforçou essa frustração.<br />

Reconhece-se nas convergências temáticas totais<br />

a possibilidade de padronização das diretrizes, representada<br />

pela equivalência técnica entre os certificados<br />

de BPF emitidos por países diferentes. Essa<br />

equivalência, ao mesmo tempo em que desempenha<br />

um papel facilitador na avaliação da qualidade<br />

do produto, se presente atesta competitividade comercial<br />

e ausente, aponta para ações de orientação<br />

ou verificação do cumprimento das diretrizes por<br />

parte dos órgãos de vigilância sanitária.<br />

Parece mesmo que o embasamento dessa avaliação<br />

está contido no inter-relacionamento das observações<br />

decorrentes da análise temática:<br />

a) a composição temática não é justificada em nenhuma<br />

das diretrizes estudadas;<br />

b) a inclusão de novos temas indica o reconhecimento<br />

de sua importância;<br />

c) a publicação de diretrizes sem novidades temáticas<br />

sugere que os temas regulamentados são suficientes<br />

até aquele momento;<br />

d) a representatividade da amostra estudada (Tabela<br />

1) no contexto mundial pressupõe sustentação<br />

dos resultados.<br />

Dessa representatividade, infere-se que as convergências<br />

e as divergências temáticas verificadas delineiam<br />

o panorama das BPF, traduzem tendências<br />

comerciais e direcionam as ações de vigilância sanitária<br />

para transações nacionais e internacionais.<br />

Logo, as não-conformidades constatadas pelos serviços<br />

de vigilância sanitária, se analisadas e categorizadas,<br />

podem se constituir em valiosas informações<br />

com vistas a aproximar-se da suficiência das<br />

diretrizes regulamentadas.<br />

Pelo exposto, o cenário da suficiência convida à reflexão<br />

quanto à necessidade da revisão do conteúdo<br />

temático e de sua lógica de disposição. Ante a reconhecida<br />

qualidade da legislação sanitária brasileira,<br />

acredita-se que a complementação temática reforça<br />

o comprometimento mútuo entre os setores regulado<br />

e regulador e facilita a avaliação do cumprimento<br />

das BPF. Considera-se, ainda, que uma ampla<br />

cobertura temática contribui para a diminuição das<br />

não-conformidades verificadas em inspeções sanitárias,<br />

influenciando no impacto por elas causado.<br />

3.2 Abrangência<br />

Entendendo-se a abrangência de um tema como a amplitude<br />

de seu conteúdo, foram analisadas as características:<br />

tendência ¾ traduzida pelo índice de convergências<br />

e divergências e detalhamento ¾ mensurado<br />

em níveis de acordo com a particularização.<br />

Selecionou-se para esta etapa, do grupo em que<br />

predominaram convergências: CEE/92 (20), pela representatividade<br />

como bloco econômico; do grupo<br />

com divergências relevantes: EUA/96 (18), por apresentarem<br />

indícios de serem, tecnicamente, as mais<br />

detalhadas; OMS/03 (27), por representarem organismo<br />

das Nações Unidas, transcendendo fronteiras<br />

e blocos econômicos. Consideraram-se convergentes<br />

totais as informações coincidentes nas abordagens<br />

principal e secundária; convergentes parciais<br />

as informações coincidentes somente na abordagem<br />

principal e divergentes as não-coincidentes quando<br />

comparados temas equivalentes.<br />

Quanto às convergências, somadas as totais e as parciais,<br />

são altos os índices apresentados em relação<br />

à OMS/03 [94,45%] (27) e à CEE/92 [83,34%] (17),<br />

com detalhamento predominantemente equivalente:<br />

OMS/03 [83,33%] (27) e CEE/92 [72,22%] (17). Com<br />

respeito às divergências ¾ OMS/03 [5,55%] (27) e<br />

CEE/92 [16,67%] (17) ¾ os resultados da análise<br />

qualitativa demonstraram que as mesmas se devem<br />

quase que exclusivamente às informações acrescidas,<br />

em virtude da predominância de equivalência<br />

no detalhamento das informações com referência à<br />

OMS/03 [83,33%] (27) e à CEE/92 [72,22%] (17) (Tabela<br />

3). Altos índices de convergência tendem à uniformidade<br />

nas inspeções sanitárias, tão importante<br />

quão necessária para a consolidação de transações<br />

comerciais de medicamentos com qualidade, segurança<br />

e efetividade equivalentes.<br />

Em relação a EUA/96 (18), as diretrizes nacionais


(2) apresentam 50% de seu texto mais detalhado e<br />

22,23 % com particularização equivalente (Tabela 3).<br />

Portanto, apenas 27,77% das BPF nacionais (2) são<br />

menos detalhadas do que as norte-americanas (18).<br />

Divergentes em 33,33% (Tabela 3), a análise qualitativa<br />

demonstrou que a divergência não é devida ao<br />

detalhamento, mas à suficiência (composição temática):<br />

maior nas nacionais (2) do que nas americanas<br />

(18), conforme se verifica na Tabela 2.<br />

Merece destaque o fato de que a análise comparativa<br />

utilizada nesse estudo, além de relacionar convergências<br />

e divergências, coloca em evidência presença e<br />

ausência de informações nas diretrizes selecionadas<br />

(Tabela 1). Atenção ao detalhamento das informações<br />

caracteriza cuidado com os procedimentos apresentados,<br />

influindo no padrão das informações oferecidas,<br />

embora sejam respeitadas as diferenças culturais<br />

existentes entre países e as relações internacionais<br />

que regem a harmonização e a adoção de normas<br />

em blocos econômicos e organismos internacionais.<br />

Em relação à aplicação das diretrizes, detalhamento<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

TABELA 2 - Número e percentagem de temas contemplados pelas diretrizes estudadas.<br />

DIRETRIZES PARA BPF<br />

eficiente impede a condução por caminhos diversos,<br />

não deixando os procedimentos técnicos vulneráveis<br />

ao conhecimento, à criatividade e à lisura de executores<br />

e gestores das BPF.<br />

A combinação da análise da tendência e do detalhamento<br />

do Regulamento (2) em relação às diretrizes<br />

comparadas (27,17,18) mostra um nível de<br />

abrangência compatível com a implementação e a<br />

verificação do cumprimento das diretrizes, objetivos<br />

explicitados nas Considerações Gerais da OMS/92<br />

(26) e OMS/03 (27).<br />

No entanto, não é demais observar que as análises<br />

qualitativas desvelaram lacunas que merecem ser<br />

examinadas para que não resultem em brechas regulamentares<br />

nem comprometam a integridade das<br />

diretrizes nacionais (2). Ilustra-se essa observação<br />

com o relato: quando do primeiro trabalho de atualização<br />

das diretrizes nacionais (8), cujo resultado foi a<br />

RDC-134/01 (1), foi suprimida a exigência de conhecimentos<br />

específicos para o pessoal principal, como<br />

TEMAS CONTEMPLADOS<br />

SIM NãO TOTAL<br />

Nº % Nº % Nº %<br />

OMS/03 17 41,46 24 58,53 41 100,00<br />

Regulamento 18 43,90 23 56,10 41 100,00<br />

RDC-134/01 18 43,90 23 56,10 41 100,00<br />

GUIA/94 17 41,46 24 58,53 41 100,00<br />

0MS/92 18 43,90 23 56,10 41 100,00<br />

CEE/92 19 46,34 22 53,65 41 100,00<br />

MERCOSUL/00 17 41,46 24 58,53 41 100,00<br />

CANADÁ/82 14 34,15 27 65,85 41 100,00<br />

COLOMBIA/96 18 43,90 23 56,10 41 100,00<br />

VENEZUELA/90 16 39,02 25 60,97 41 100,00<br />

COSTA RICA/93 11 26,83 30 73,17 41 100,00<br />

EUA/96 11 26,83 30 73,17 41 100,00<br />

CUBA/96 07 17,07 34 82,92 41 100,00<br />

FRANçA/95 23 56,10 18 43,90 41 100,00<br />

MÉXICO/86 12 29,27 29 70,73 41 100,00<br />

51


52 Gestão, Ciência & Saúde<br />

TABELA 3 - Número e percentagem da tendência e do detalhamento do conteúdo dos temas apresentados no Regulamento<br />

Técnico das Boas Práticas para a Fabricação de Medicamentos (RDC-210/03) em relação aos conteúdos dos<br />

temas correspondentes contemplados nas diretrizes comparadas para avaliação da abrangência<br />

TENDÊNCIA<br />

DETALHAMENTO<br />

DO REGULAMENTO<br />

NÍVEIS DOS<br />

CONTEÚDOS<br />

ciências farmacêuticas e tecnologia. Tal supressão<br />

foi mantida no Regulamento (2). No entanto, a OMS<br />

na edição de 2003 (27) manteve a mesma recomendação<br />

referente aos conhecimentos profissionais específicos<br />

do pessoal principal, existente em OMS/92<br />

(26) e suprimida nas nacionais (1,2). Em suas considerações<br />

gerais verifica-se a informação de que as<br />

diretrizes recomendadas pela OMS (26,27) podem<br />

sofrer adaptações almejando satisfazer necessidades<br />

individuais, com a devida validação. A compensação<br />

dessas adaptações com a validação restringe essa<br />

flexibilidade aos procedimentos. O Brasil substituiu as<br />

especificações de conhecimento por qualificações de<br />

escolaridade previstas pela legislação vigente e experiência<br />

prática. Porém, relatórios de inspeção sanitária<br />

registram departamentos de empresas fabris sob<br />

a responsabilidade de profissionais sem aqueles conhecimentos<br />

específicos em seus currículos universitários,<br />

realidade que merece cuidado, bem como avaliação<br />

da tendência e do desempenho, considerando<br />

a situação do País no cenário mundial.<br />

Nesse contexto, pode-se afirmar que a preponderância<br />

de convergências, mostra diretrizes nacionais<br />

(2) consoantes com mercados regulados ¾ Europa<br />

e América do Norte.<br />

3.3 Compreensão Textual<br />

CONVERGÊNCIA<br />

TOTAL<br />

CONVERGÊNCIA<br />

PARCIAL<br />

Regulamento<br />

X<br />

OMS/03<br />

Tão importante quanto suficiência e abrangência é o<br />

juízo correto das diretrizes regulamentadas. Percebe-se<br />

a compreensão como a combinação da interpretação<br />

objetiva – apreensão do texto, com a inter-<br />

Regulamento<br />

X<br />

CEE/92<br />

Regulamento<br />

X<br />

EUA/96<br />

TOTAL<br />

DE<br />

TEMAS<br />

Nº % Nº % Nº % Nº %<br />

16 88,90 11 61,11 02 11,11 18 100,00<br />

01 5,55 04 22,23 10 55,55 18 100,00<br />

DIVERGÊNCIA 01 5,55 03 16,67 06 33,33 18 100,00<br />

EQUIVALENTE 15 83,33 13 72,22 04 22,23 18 100,00<br />

MAIOR 03 16,67 05 27,78 09 50,00 18 100,00<br />

MENOR 00 00,00 00 00,00 05 27,77 18 100,00<br />

pretação subjetiva – apreensão do contexto, ambas<br />

diretamente relacionadas à redação das informações.<br />

Regionalismos e significados distintos para um mesmo<br />

termo, embora próximos, podem exacerbar sutilezas,<br />

e aliados ao processamento intelectual-individual<br />

e progressivo, destacam a importância da redação e<br />

impedem a circunscrição da avaliação da compreensão<br />

textual e o esgotamento de sua exploração neste<br />

estudo, o qual tem a intenção de propiciar uma discussão<br />

sobre a conformação mais adequada para diretrizes<br />

de Boas Práticas.<br />

Quanto à organização do conteúdo, a primeira característica<br />

analisada ¾ superposição é aqui atribuída<br />

a qualquer informação repetida em dois ou<br />

mais itens independentemente da seção na qual<br />

se encontram. Normalmente, as informações para<br />

Boas Práticas são apresentadas em itens, sendo<br />

alguns subdivididos em alíneas. Entende-se que<br />

a superposição pode sugerir ausência de análise<br />

sistemática do texto ou servir de reforço. Porém,<br />

no último caso faz-se necessário esclarecimento<br />

para preservar a qualidade do texto e evitar entendimento<br />

dúbio, errôneo, excessivo ou provocar<br />

desconforto ao leitor. Foram também analisadas:<br />

supressão ¾ informações não repassadas da<br />

RDC-134/01 (1) para o Regulamento (2); acréscimo<br />

¾ informações aditadas ao Regulamento (2);<br />

substituição de termos, expressões ou informações<br />

e mudança na redação com alteração ou não<br />

na compreensão do Regulamento (2) em relação à<br />

RDC-134/01 (1). Uma ou mais dessas características<br />

são verificadas em aproximadamente 12% do


Regulamento (2). Dessa percentagem, pouco mais<br />

de 20% alteram a compreensão.<br />

A análise da continuidade ¾ disposição lógica do<br />

conteúdo evidenciou fragmentação dos assuntos<br />

com informações complementares em itens distintos<br />

e não consecutivos, dificultando a visualização do<br />

conjunto das recomendações e obrigando a busca<br />

em diversas partes do documento para conhecimento<br />

de um determinado assunto, pois a ausência de<br />

índice remissivo pressupõe informações integrais<br />

sob títulos específicos.<br />

A combinação dos resultados qualitativos e quantitativos<br />

da organização do conteúdo do Regulamento<br />

(2) nos remete ao refinamento lógico reconhecido<br />

como próprio das Boas Práticas. A disposição dos<br />

temas e de seus conteúdos, bem como a apresentação<br />

e informações para busca, constituem tópicos<br />

importantes na conformação textual. A particularização<br />

de cada tema aliada à sua fragmentação pode<br />

resultar em morosidade nas consultas ou em informações<br />

incompletas. Destaca-se que dificuldades<br />

na utilização do Regulamento (2) prejudicam a difusão<br />

de seu conhecimento.<br />

Segunda característica da compreensão textual analisada:<br />

precisão da redação. Entende-se que uma redação<br />

coerente não contradiz ou vai de encontro a<br />

disposições, informações ou afirmações técnicas ou<br />

legais vigentes. Analisou-se a coerência interna do<br />

Regulamento (2) e sua coerência externa em função<br />

da hierarquia e da data de publicação da legislação<br />

e de documentos consultados relacionados (3,4,6,<br />

7,9,11,12,22,23,24,25,26,27). Exemplifica-se com o<br />

assunto prazo de validade.<br />

O GUIA/94 (8) recomendava a utilização de matériasprimas<br />

somente “dentro dos prazos de validade”. Porém,<br />

um mês após a adoção do GUIA/94 (8), foram<br />

regulamentadas as BPF para Indústrias Farmoquímicas<br />

(9), facultando a determinação do prazo de validade<br />

para matérias-primas. Ambas as recomendações:<br />

farmacêuticas e farmoquímicas ainda vigoram.<br />

Da exatidão da terminologia. Se aceitarmos o rigor<br />

como pano de fundo para a variação na interpretação,<br />

parece possível que a definição de<br />

termos inexatos minimize ou supere diferenças<br />

na interpretação transferindo o foco de discussões<br />

inconclusas para pontos que tragam maior<br />

contribuição às BPF. Sugere-se, para harmoni-<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

zar discórdias que remontam ao estabelecimento<br />

inicial das BPF, a elaboração de um glossário<br />

desses termos. Note-se que as BPF afirmam: “O<br />

conteúdo dos documentos não pode ser ambíguo:<br />

o título, a natureza e o seu objetivo devem ser<br />

apresentados de forma clara, precisa e corretos.”<br />

Ora, se os documentos referentes à fabricação<br />

de medicamentos devem contemplar essas particularidades,<br />

que dizer das próprias diretrizes que<br />

recomendam estas condições?<br />

Exemplifica-se o rigor da terminologia com a informação<br />

das responsabilidades geralmente atribuídas<br />

e/ou compartilhadas pelos responsáveis pela produção<br />

e pelo controle da qualidade. A OMS evidencia<br />

sua característica de organismo internacional, facultando<br />

aos países a possibilidade de adequação. Porém,<br />

a manutenção do termo geralmente no GUIA/94<br />

(8), na RDC-134/01 (1) e no Regulamento (2), na ausência<br />

de outro motivo não percebido nesse estudo,<br />

transparece compreensão vaga.<br />

Quanto à uniformidade, exemplifica-se pela utilização<br />

de 11 termos diferentes passíveis do mesmo<br />

significado: procedimento operacional padrão. Combinada<br />

com a ausência de sinonímia no glossário,<br />

transmite a idéia de indisciplina, não condizente com<br />

Boas Práticas, permitindo supor que a experiência<br />

profissional e o conhecimento prévio sobre o tema<br />

respondem pelas interpretações corretas.<br />

4. CONSIDERAçÕES FINAIS<br />

Cabe lembrar que a OMS considera as diretrizes<br />

para BPF um dos elementos técnicos que, juntamente<br />

com os regulatórios e a base jurídica, forma<br />

o sistema da qualidade cujo objetivo é fornecer ao<br />

usuário um produto em conformidade com especificações<br />

e normas estabelecidas.<br />

Ponderando as BPF como normas críticas em relação<br />

ao sistema da qualidade, deduz-se que a composição<br />

temática, as lacunas desveladas na análise da tendência<br />

e do detalhamento e possíveis falhas devidas<br />

à alteração na compreensão podem apresentar resultados<br />

passíveis de desencadear ações desnecessárias<br />

ou incorretas do ponto de vista da vigilância à<br />

saúde. Numa retroalimentação, na medida em que as<br />

diretrizes de Boas Práticas representam suporte para<br />

realização de inspeções sanitárias, a avaliação dos<br />

resultados dessas inspeções, associada à verificação<br />

53


54 Gestão, Ciência & Saúde<br />

da qualidade dos medicamentos pela rede de laboratórios<br />

de saúde pública, fundamenta a concessão e<br />

o cancelamento de autorização para funcionamento<br />

de empresas, o registro de produtos e a certificação<br />

em Boas Práticas. Além disso, os dados levantados<br />

nas inspeções sanitárias complementam a análise do<br />

risco relacionado aos medicamentos.<br />

Como breve reflexão, lembra-se que a padronização<br />

das Boas Práticas regulamentadas como equivalência<br />

técnica dos certificados de BPF para os diversos<br />

países que já os instituíram é uma forma de diminuir<br />

as barreiras alfandegárias, possibilitando incrementar<br />

as transações comerciais internacionais e as<br />

ações de orientação e de verificação do cumprimento<br />

das diretrizes, por parte dos órgãos de vigilância<br />

sanitária.<br />

Destaca-se que a correlação entre o estabelecimento<br />

de diretrizes técnicas e sua aplicabilidade cimenta<br />

a credibilidade do organismo regulador nos âmbitos<br />

nacional e internacional e reflete visão estratégica.<br />

Assim, no contexto das avaliações da suficiência, da<br />

abrangência e da compreensão textual, entende-se<br />

que as diretrizes nacionais vigentes de Boas Práticas<br />

para a Fabricação de Medicamentos, como instrumento<br />

de vigilância sanitária, necessitam revisão<br />

e requerem aprimoramento.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

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Brasil. 13ª ed. Brasília, 2000.<br />

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11. BRASIL. Portaria Nº500, de 09/10/97. DOU, Brasília,<br />

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1992.<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

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1992.<br />

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1994. v.4.<br />

23. SANTAFÉ DE BOGOTÁ. La calidad: factor determinante<br />

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Santich IR, editora. OPS, 1993. v.3.<br />

24. SANTAFÉ DE BOGOTÁ. Organización y personal:<br />

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In: Santich IR, editora. OPS, 1993. v.6.<br />

25. SANTAFÉ DE BOGOTÁ. Programa nacional de<br />

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Santich IR, editora. OPS, 1993. v.2.<br />

26. SUIÇA. Thirty-second report, Annex 1, Genebra,<br />

1992.<br />

27. SUIÇA. Thirty-eigth report, Annex 6, Genebra,<br />

2003.<br />

28. URUGUAI. Resolução Nº78/99. Grupo Mercado<br />

Comum, 1999.<br />

29. URUGUAI. Resolução Nº79/99. Grupo Mercado<br />

Comum, 1999.<br />

30. VENEZUELA. Normas de Buenas Prácticas de<br />

Fabricación para la Industria Farmacéutica, 1990.<br />

55


56 Gestão, Ciência & Saúde


RESUMO<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

O CURRICULUM E O CURRÍCULO MÉDICO DA UFMG*<br />

THE CURRICULUM AND THE UFMG MEDICAL CURRICULUM<br />

O artigo faz uma síntese dos principais conceitos<br />

em relação a educação, educação médica, currículo<br />

e currículo médico. Faz também uma revisão<br />

dos aspectos conceituais e históricos do currículo<br />

da Faculdade de Medicina da Universidade Federal<br />

de Minas Gerais, desde sua criação em 1910, e das<br />

suas profundas modificações ocorridas em 1975 e<br />

que ainda estão em funcionamento, da estagnação<br />

e do retrocesso dessas modificações. Refere-se à<br />

nova transformação curricular que atualmente está<br />

em estudo, orientada pelas novas diretrizes curriculares<br />

do curso médico, propostas pelos Ministérios<br />

da Educação e da Saúde do Brasil.<br />

Palavras-chave: Educação; Educação Médica; Currículo<br />

Médico<br />

Ari de Pinho Tavares 1 , Roberto Assis Ferreira 2<br />

1 Médico, Especialista em Clínica Médica, Mestre em Fisiologia pelo ICB da UFMG, Doutor em<br />

Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da UFMG, Professor Adjunto do Departamento de Clínica<br />

Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, atavares@task.com.br; 2 Médico, Especialista<br />

em Pediatria e em Medicina do Adolescente, Doutor em Pediatria pela Faculdade de Medicina da<br />

UFMG, Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG.<br />

ABSTRACT<br />

*O presente artigo é parte da Tese de Doutorado “O currículo paralelo dos estudantes de<br />

medicina da UFMG”, do primeiro autor sob a orientação do segundo, defendida em setembro<br />

de 2006, no programa de Pós-graduação em Clínica Médica do Departamento de<br />

Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG.<br />

The article is a summary of the main concepts in<br />

relation to education, medical education, curriculum<br />

and medical curriculum. There is also a review<br />

of conceptual and historical aspects of the curriculum<br />

of the School of Medicine of the Federal<br />

University of Minas Gerais, since it was created in<br />

1910, and the profound alterations in 1975, which<br />

are still valid, as well as the stagnation and retreat<br />

of these modifications. It refers to the new curricular<br />

transformation which is currently under study,<br />

guided by the new curricular guidelines of the medical<br />

course, laid down by the Brazilian Ministry of<br />

Education and Healthy.<br />

Keywords: Education, Medical Education, Medical<br />

Curriculum<br />

57


58 Gestão, Ciência & Saúde<br />

1. INTRODUçãO<br />

A educação tem sido tradicionalmente descrita – de<br />

maneira otimista – como um processo de aperfeiçoamento,<br />

de desenvolvimento, de libertação e de igualdade<br />

social das pessoas.<br />

De acordo com Briani a educação refere-se ao “processo<br />

de desenvolvimento da capacidade física,<br />

intelectual e moral da criança e do ser humano em<br />

geral, visando à sua melhor integração individual e<br />

social” (4). Para Saltini, “é um processo que permite<br />

ao homem chegar a ser sujeito de sua própria ação<br />

em harmonia com o si mesmo e não apenas o objeto<br />

de outros sujeitos; um meio para que o homem possa<br />

se construir como pessoa, em termos de sendo e<br />

não de tendo; uma iniciação à crítica, interpretação e<br />

transformação do mundo” (23).<br />

Desde década de 1970 visões críticas têm visto a<br />

educação sob novos ângulos e abalado fortemente<br />

as visões otimistas de até então. Elas apontam o sistema<br />

educacional como instrumento de reprodução<br />

social e como mecanismo de manutenção e perpetuação<br />

das diferenças sociais e econômicas (6; 24).<br />

Segundo Ferreira (6) os estudos sobre a reprodução<br />

receberam posteriormente diversas críticas; entretanto,<br />

essas não impediram que apontassem os<br />

limites da educação na transformação social. Dessa<br />

maneira, as perspectivas otimistas ficaram abaladas<br />

e a educação passou a ser considerada também<br />

como instrumento de reprodução social.<br />

Em relação aos objetivos da educação médica, considerada<br />

essencialmente e com as características<br />

próprias da educação de adultos, são classicamente<br />

colocados como de natureza cognitiva (conhecimento),<br />

psicomotoras (habilidades) e comportamentais<br />

(atitudes)<br />

Os objetivos cognitivos seriam aqueles ligados a<br />

aquisição, elaboração e organização de informações<br />

por meio do acesso ao conhecimento existente. Nesse<br />

processo, o aprendiz refaz, reconstrói e resignifica<br />

o próprio conhecimento A grande dificuldade para<br />

estudantes e professores fica a cargo da enorme<br />

massa de informações disponíveis, que se torna obsoleta<br />

cada vez mais rápido, e das dificuldades de<br />

separar o relevante do supérfluo.<br />

Os objetivos psicomotores são relacionados à<br />

aquisição de habilidades que permitirão ao futuro<br />

médico o bom exercício profissional. Eles incluem<br />

desde as habilidades necessárias à relação médico<br />

paciente até as habilidades relacionadas aos<br />

procedimentos técnicos envolvidos nas mais diversas<br />

especialidades e da extensa e cada vez<br />

mais complexa aparelhagem de uso em diagnóstico<br />

e tratamento médicos.<br />

Os objetivos comportamentais completam a formação<br />

médica e são mais sutis de se analisar e compreender.<br />

Eles estão relacionados às relações entre<br />

pessoas que a atividade médica exige, qual seja a<br />

relação entre o médico e seus pacientes e as relações<br />

entre o médico, seus colegas e os diversos outros<br />

profissionais que comporão as equipes de saúde<br />

nas quais o médico irá trabalhar.<br />

Os comportamentos e valores que devem ser agregados<br />

ao futuro profissional médico, principalmente<br />

os de ordem moral e ética freqüentemente são adquiridos<br />

nas vivências do dia a dia do seu aprendizado<br />

e na observação dos comportamentos de seus<br />

mestres e preceptores, possivelmente menos do que<br />

nos cursos de ética e outros relacionados, inseridos<br />

no currículo formal (10).<br />

O citado autor lembra o ambiente de intensa pressão<br />

emocional a que é submetido o estudante de<br />

medicina ao longo de seu curso, com o enorme volume<br />

de novos conhecimentos que tem de adquirir,<br />

as exigências que progressivamente a comunidade<br />

e a família passam a fazer de sua atuação e no<br />

plano pessoal o desafio do enfrentamento do uso<br />

de álcool ou drogas. Também o próprio currículo<br />

médico acrescenta fortes componentes de tensão<br />

e ansiedade com os primeiros estudos da anatomia<br />

humana em cadáveres, os primeiros contatos com<br />

os pacientes e suas carregadas cores emocionais,<br />

passando pelo sistema de avaliação adotado pela<br />

faculdade, sem falar na extensa e estafante atividade<br />

extracurricular que os estudantes freqüentemente<br />

exercem. Outros elementos de tensão estão<br />

ligados à perda progressiva da visão romântica e<br />

glamurizada da medicina e do conhecimento das<br />

muitas limitações pessoais e profissionais que ele<br />

vê em seus professores, nele mesmo e na própria<br />

ciência médica, à medida que caminha no curso.<br />

Propõe Gonçalves que:


[...] por último e acima de tudo, deve o professor<br />

ter incorporada à sua personalidade<br />

a sensibilidade para compreender que condições<br />

psicológicas e emocionais negativas<br />

perturbam o processo de aprendizagem, o<br />

que obriga o professor a assumir, como um<br />

dos objetivos educacionais a serem buscados,<br />

o equilíbrio psicoemocional do estudante.<br />

Sem que esta condição seja atendida, haverá<br />

dificuldade de grau variável, mas sempre<br />

considerável, de adquirir conhecimentos, desenvolver<br />

habilidades e incorporar comportamentos,<br />

sabidamente os três objetivos tradicionais<br />

da educação médica (10).<br />

2. O CURRICULUM E O CURRÍCULO MÉDICO<br />

A palavra “currículo” (curriculum) é de origem latina<br />

e significa percurso, carreira, ato de percorrer.<br />

Alguns autores citam a sua utilização por Platão e<br />

Aristóteles para descrever os temas ensinados no<br />

período clássico da civilização grega. Outros procuram<br />

a origem da palavra em alguma universidade<br />

européia da Idade Média ou no sistema educacional<br />

medieval dos jesuítas (12; 2).<br />

Na literatura da educação, em geral, e no entendimento<br />

diário e comum da maioria dos professores e<br />

alunos, o termo “currículo” se refere ao conjunto de<br />

disciplinas ou conteúdos de um curso geralmente<br />

representado por uma grade de disciplinas onde se<br />

explicitam os conteúdos, as ementas, os créditos, se<br />

obrigatória ou optativa, as respectivas cargas horárias,<br />

sua distribuição pelos períodos acadêmicos.<br />

O estudo mais formal do currículo realizado por Bobbit<br />

ocorreu nos Estados Unidos a partir da segunda década<br />

de século passado com o processo da massificação<br />

da educação, industrialização e urbanização.<br />

Segundo o autor os modelos de currículo escolar<br />

tomavam como modelo institucional a fábrica, e sua<br />

inspiração teórica, a administração cientifica do taylorismo,<br />

e onde o processo educacional era o de input e<br />

output fabris com objetivos, métodos e procedimentos<br />

especificados e resultados mensuráveis (3).<br />

Em fins da década de 1940 consolida-se o modelo<br />

proposto por Bobbitt com a publicação da obra de Tyler,<br />

Princípios básicos do currículo e que vão dominar<br />

esse campo até os fins da década de 1980. Para Ty-<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

ler, quatro questões básicas deveriam ser respondidas<br />

pelo currículo: Que objetivos educacionais deve a<br />

escola atingir? Que experiências educacionais podem<br />

ser oferecidas que tenham possibilidades de alcançar<br />

esses propósitos? Como organizar eficientemente essas<br />

experiências educacionais? Como podemos ter a<br />

certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados?<br />

(currículo – ensino e instrução – avaliação) (3).<br />

O currículo – incluindo o currículo médico – pode<br />

ser entendido de várias maneiras, desde como o<br />

mero texto escrito ou uma grade de disciplinas e<br />

de cargas horárias até o “tudo” que ocorre na escola<br />

ou na universidade. A visão mais focada em<br />

um desses dois pólos de interpretação pode levar<br />

a simplificações ou à tentativa de se controlar um<br />

infinito número de variáveis que, nos dois extremos,<br />

leva à chance de fracasso na tentativa do entendimento<br />

das dimensões e utilidades do currículo e da<br />

possibilidade de seu contínuo aperfeiçoamento (12).<br />

O tema fica ainda mais controverso quando, em<br />

1968, Philip Jackson publica de uma obra de grande<br />

impacto, intitulada Life in classroom. Nessa surge a<br />

expressão “currículo oculto” e, com ela, a consideração<br />

dos profissionais de educação de que certos fatores<br />

não prescritos no currículo se combinam para<br />

dar um sabor específico à vida da sala de aula [...],<br />

que incidem na eficácia do prescrito.<br />

[...] nessa perspectiva, a área de currículo deixa<br />

de ser vista apenas como meramente técnica<br />

e voltada para as questões de procedimentos,<br />

técnicas e métodos e passa a incluir<br />

uma concepção crítica, guiada por questões<br />

sociológicas, políticas e epistemológicas. As<br />

questões do como (metodológicas) passam<br />

a ser importantes apenas na medida em que<br />

estejam relacionadas ao porquê das formas<br />

de organização do conhecimento escolar. O<br />

currículo, portanto, é considerado um artefato<br />

social e cultural. Isto é, o currículo se localiza<br />

no âmbito das determinações sociais,<br />

históricas e de seu contexto. Não é um elemento<br />

transcendente e atemporal, mas tem<br />

uma história, vinculada a formas específicas<br />

de organização da sociedade e da educação.<br />

O currículo está implicado em relações de<br />

poder; transmite visões sociais particulares e<br />

interessadas; produz identidades individuais<br />

e sociais específicas. O currículo é uma área<br />

59


60 Gestão, Ciência & Saúde<br />

contestada, é uma arena política (12).<br />

Aplle outro reconhecido estudioso da área, ratifica que:<br />

[...] o currículo nunca é apenas um conjunto<br />

neutro de conhecimentos, que simplesmente<br />

está sendo utilizado nos textos e nas salas<br />

de aula de uma nação. Ele sempre faz parte<br />

de uma seleção de alguém, da visão de algum<br />

grupo acerca do que seja conhecimento<br />

legítimo. É produto das tensões, conflitos e<br />

concessões culturais, políticas e econômicas<br />

que organizam um povo (1).<br />

No caso da medicina e da questão da reprodução<br />

do currículo e da prática médica, assim se expressam<br />

Siqueira e Salgado, citados por Ferreira (6).<br />

“O currículo funciona historicamente como instrumento<br />

político para conservar e servir aos<br />

interesses econômicos externos a ele, e que o<br />

controlam. Em contrapartida o currículo pode<br />

ser instrumento político de mudança social na<br />

medida em que se faz consciente e politicamente<br />

viável, nesta direção. Neste caso far-seá<br />

não só viável, mas viável para atender às necessidades<br />

sociais, escapando ao controle dos<br />

interesses econômicos externos. Este escape<br />

será obviamente fugaz no tempo e microscópico<br />

no espaço, ou seja, inviável em termos significativos,<br />

exceto se ocorreram reestruturações<br />

econômico-sociais gerais, na mesma direção”.<br />

A visão de currículo e de projeto pedagógico do Fórum<br />

de Pró-Reitores de Graduação das Universidades<br />

Brasileiras (ForGRAD) foi explicitada no documento<br />

“Política Nacional de Graduação”:<br />

A organização curricular, que prevê as ações<br />

pedagógicas regulares do curso, elemento<br />

fundamental de um Projeto Pedagógico,<br />

é hoje orientada por Diretrizes Curriculares<br />

Nacionais que superam os estreitos contornos<br />

de currículos mínimos obrigatórios, possibilitando<br />

uma organização curricular com<br />

relativa liberdade e flexibilidade. Neste novo<br />

contexto, a organização curricular preverá<br />

permeabilidade em relação às transformações<br />

que ocorrem no mundo científico e nos<br />

processos sociais, a interdisciplinaridade, a<br />

formação sintonizada com a realidade social,<br />

a perspectiva de uma educação continuada<br />

ao longo da vida, a articulação teoria-prática<br />

presente na indissociabilidade entre ensino,<br />

pesquisa e extensão (7).<br />

Já a visão de currículo da extensão universitária<br />

pode ser encontrada no Plano Nacional de Extensão<br />

que assim se expressa:<br />

Quanto ao ensino, discute-se e aprofunda-se<br />

um novo conceito de sala de aula, que não se<br />

limite ao espaço físico da dimensão tradicional,<br />

mas compreenda todos os espaços, dentro<br />

e fora da universidade, em que se realiza o<br />

processo histórico-social com suas múltiplas<br />

determinações, passando a expressar um<br />

conteúdo multi, inter e transdisciplinar, como<br />

exigência decorrente da própria prática (8).<br />

O “currículo nulo” é aquilo que é parte do currículo,<br />

mas não tem aplicabilidade nem utilidade aparente,<br />

chegando-se a considerar como materiais e conteúdos<br />

supérfluos (16).<br />

Os autores classificam o “currículo nulo” em uma série<br />

de categorias, entre as quais destacamos as seguintes,<br />

a nosso ver mais relevantes para o currículo médico:<br />

•<br />

•<br />

•<br />

•<br />

•<br />

Currículo nulo por ramificação: são elementos<br />

programáticos ampliados em demasia e com pouca<br />

utilidade e aplicabilidade durante o exercício<br />

profissional.<br />

Currículo nulo por preferência do professor: refere-se<br />

a aspectos de um tema específico que são<br />

detalhados ao máximo por escolha ou preferência<br />

pessoal de professores, alunos ou instituição educativa,<br />

cuja aplicabilidade prática não tem correspondência<br />

no tempo dedicado ao mesmo.<br />

Currículo nulo por falta de preparo do professor:<br />

situações em que o professor está pouco preparado<br />

ou tem pouca experiência no assunto.<br />

Currículo nulo por defasagem do conhecimento:<br />

produz-se quando são abordados conhecimentos<br />

necessários e relevantes ou de grande aplicabilidade<br />

mas com conteúdo defasado ou obsoleto.<br />

Currículo nulo por falhas metodológicas: são situações<br />

em que o processo de ensino/aprendizagem<br />

pode ser prejudicado por desconhecimento


•<br />

•<br />

•<br />

•<br />

dos professores, geralmente excelentes profissionais,<br />

das bases metodológicas da educação.<br />

Currículo nulo por falta de experiência profissional:<br />

atualmente a contratação de professores<br />

universitários se dá fortemente baseada na<br />

titulação acadêmica e no currículo dos candidatos<br />

e com pouca consideração pela experiência<br />

profissional prévia na carreira de origem do candidato.<br />

Em medicina isso pode acarretar professores<br />

excelentemente preparados do ponto de<br />

vista da pesquisa, mas pouco preparados nos<br />

aspectos ligados à atividade profissional e que<br />

serão muito relevantes na preparação dos alunos<br />

futuros médicos.<br />

Currículo nulo por novidade: a inclusão de temas<br />

e mesmo de disciplinas nos currículos simplesmente<br />

porque são novidades pode levar a<br />

confusão e mesmo a total perda de tempo se<br />

sua inclusão não é precedida de análise criteriosa<br />

de sua aplicabilidade e relevância.<br />

Currículo nulo por tradição: são situações em que<br />

temas e mesmo disciplinas são mantidos simplesmente<br />

porque sempre estiveram lá, ou pela importância<br />

e poder do professor, independentemente<br />

de sua importância para o futuro profissional.<br />

Currículo nulo por falta de coordenação: referese<br />

aos casos de repetição desnecessária de temas,<br />

em várias disciplinas, por falta de sintonia<br />

entre professores e coordenadores.<br />

Os autores se referem a muitas outras formas de<br />

“currículo nulo”, de maior ou menor importância<br />

para o currículo médico, e todos nós podemos facilmente<br />

nos lembrar de numerosos outros aspectos<br />

do processo de ensino/aprendizagem médico que<br />

acarretam perdas de tempo e recursos.<br />

O “currículo paralelo” é definido por Rego (20) como<br />

“o conjunto de atividades extracurriculares que os<br />

alunos (de medicina) desenvolvem, subvertendo,<br />

na maioria das vezes a estrutura curricular formal<br />

estabelecida pela faculdade”.<br />

O aprendizado do “currículo paralelo”, freqüentemente<br />

não colocado de forma rotineira nos currículos<br />

formais dos cursos médicos, é, inegavelmente,<br />

ferramenta de grande valor para o estudante e fu-<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

turamente para o egresso, no seu trabalho como<br />

profissional. É um importante complemento aos<br />

currículos formais e tem o potencial de transformálo<br />

– naquilo que é um “caminho” ou “percurso” na<br />

sua uni ou bidimensionalidade – numa trajetória tridimensional,<br />

visualizada mais como um campo de<br />

possibilidades.<br />

[...] a noção de flexibilidade curricular está,<br />

de forma mais profunda, ligada à idéia de um<br />

processo ativo e dinâmico de ensino-aprendizagem.<br />

Isso implica uma mudança paradigmática<br />

em relação ao currículo que deixa<br />

de ser um curso linear de atividades para ser<br />

compreendido segundo a idéia de um campo<br />

de possibilidades, um percurso que não<br />

é totalmente pré-definido e que se constrói<br />

segundo o acompanhamento continuo e a<br />

oferta de vivências significativas: “um espaço<br />

vivencial” – do qual tanto professores quanto<br />

alunos são arquitetos e onde reciprocamente<br />

co-ordenam as suas experiências. Estas práticas<br />

devem ser, portanto, vivências abertas<br />

e consideradas sob os seguintes critérios:<br />

(a) pelo seu potencial de provocar sínteses<br />

coerentes de experiências que os estudantes<br />

realizam em todos os domínios de sua vida<br />

– relacionando, por exemplo as suas atividades<br />

escolares e extra-escolares; (b) pelo<br />

seu potencial de abrir “janelas” para outros<br />

domínios e (c) pelo seu potencial de despertar<br />

a curiosidade em relação a pontos que<br />

extrapolam o âmbito da própria vivência, mas<br />

podem ser destacados e aprofundados pelo<br />

aluno por conta própria. Isso significa deslocar<br />

o conhecimento já feito para o conhecimento<br />

em vias de formação (11).<br />

O relatório Flexner publicado em 1910 teve profunda<br />

influência na elaboração dos currículos das escolas<br />

médicas norte-americanas e, a partir daí, no<br />

resto do mundo;<br />

[...] em 1910 a Associação Médica Americana<br />

(AMA) encomendou a <strong>Fundação</strong> Carnegie<br />

um estudo sobre as 160 escolas médicas<br />

que funcionavam então nos Estados Unidos<br />

com as mais diversas filosofias de ensino,<br />

financiamentos, estrutura de laboratórios e<br />

hospitais, padrão de professores etc. O convite<br />

se baseou num estudo prévio realizado<br />

61


62 Gestão, Ciência & Saúde<br />

pelo Conselho de Educação Médica da Associação<br />

Americana de Escolas de Medicina<br />

(AAMC) que em 1906 inspecionou as 160<br />

escolas médicas e tendo chegado a conclusão<br />

da aprovação de 82, 46 com problemas<br />

solucionáveis e 32 inaceitáveis.<br />

Após a discussão desses resultados com a<br />

Associação Médica Americana (AMA), essa<br />

por razões de ordem ética optou por não<br />

publicar os resultados e convidar um grupo<br />

externo para conduzir uma investigação semelhante<br />

o que efetivamente se configurou<br />

com o convite à <strong>Fundação</strong> Carnegie que por<br />

sua vez convidou a Abraham Flexner para realizar<br />

o estudo (21; 9).<br />

De uma maneira geral as propostas decorrentes do<br />

relatório Flexner consignaram um modelo de ensino<br />

médico cujas principais características foram:<br />

a) sólida formação em ciências básicas nos primeiros<br />

anos do curso (anatomia, fisiologia, bioquímica,<br />

farmacologia, histoembriologia, bacteriologia e patologia);<br />

b) pouca ênfase nos aspectos de prevenção e promoção<br />

da saúde e concentração nos aspectos de<br />

atenção médica individual;<br />

c) valorização da aprendizagem dentro do ambiente<br />

hospitalar, recomendando-se que as escolas tivessem<br />

seu próprio hospital de ensino e considerando<br />

impróprio o uso de outros serviços;<br />

d) recomendação para que o hospital de ensino contasse<br />

com um corpo clínico próprio e permanente;<br />

e) limitação da assistência ambulatorial apenas aos<br />

casos que precisavam de internação;<br />

f) organização minuciosa da assistência médica em<br />

cada especialidade;<br />

g) ensino da assistência obstétrica dentro do hospital<br />

e não fora dele;<br />

h) recomendação para que o hospital de ensino<br />

contasse com número grande de leitos para cada<br />

aluno: quatrocentos leitos para cinqüenta estudantes<br />

(21; 9).<br />

Nas últimas décadas, projetos, encontros e conferências<br />

internacionais como as Conferências de<br />

Vina Del Mar (Chile 1955), e de Tehualcan (México,<br />

1956) introduziram as experiências da medicina<br />

preventiva e social nos currículos médicos com a<br />

coordenação e participação da OPAS. Em 1978 é<br />

realizada a Conferência de Alma Ata na Rússia que<br />

propõe a meta da “Saúde para todos no ano 2000”,<br />

adotando a estratégia da atenção primaria em saúde.<br />

(6; 14, 15, 13).<br />

Também congressos mundiais de educação médica<br />

(I e II Conferências Mundiais de Educação Médica<br />

de Edimburgo) propõem recomendações para<br />

ação e apelo à cooperação internacional em resposta<br />

às varias situações que estão à espera de<br />

mudanças, todas no sentido da missão social e da<br />

implementação de currículos que visem a terminalidade<br />

da formação de um médico geral, bem como<br />

a implantação de um novo modelo de assistir e de<br />

cuidar da saúde das pessoas em sua integralidade<br />

(6; 14, 15, 13).<br />

No Brasil a ABEM (Associação Brasileira de Educação<br />

Médica), a FEPAFEM (Federação Pan-Americana<br />

de Faculdades e Escolas Médicas), o CFM<br />

(Conselho Federal de Medicina) a CINAEM (Comissão<br />

Interinstitucional Nacional de Avaliação das<br />

Escolas Médicas) e outras entidades de classe e<br />

de educação médica propõem diversos projetos e<br />

resoluções no sentido de modificações no ensino<br />

médico visando uma medicina mais integral e um<br />

melhor atendimento de saúde da população. Mais<br />

recentemente aparecem, na década de 1980 e 1990,<br />

os projetos IDA e UNI, financiados pela <strong>Fundação</strong><br />

Kellogg, baseados nas estratégias da integração<br />

docente-assistencial e na aproximação dos cursos<br />

médicos com as realidades de saúde das comunidades<br />

e das escolas médicas (6; 14, 15, 13).<br />

Nessa mesma linha destacam-se o movimento de<br />

reforma sanitária e a promulgação da constituição<br />

de 1988 com a consagração da saúde como direito<br />

de todos e dever do Estado, a criação do SUS (Sistema<br />

Único de Saúde) e a criação da estratégia do<br />

PSF (Programa de Saúde da Família), para implantar<br />

e gerenciar as atividades da atenção primaria de<br />

saúde à população, a aproximação dos ministérios<br />

da Saúde e da Educação e a construção da real<br />

possibilidade de parceria das escolas médicas e os<br />

serviços assistenciais públicos.


Nos primeiros anos do século XXI são promulgadas<br />

as Diretrizes Curriculares dos cursos da área da<br />

saúde e do curso médico que oferecem a oportunidade<br />

da criação de um novo paradigma na formação<br />

do médico, com ênfase numa formação ética, generalista,<br />

crítica, humanista e reflexiva, capaz de responder<br />

às necessidades de promoção, prevenção,<br />

recuperação e reabilitação da saúde da população,<br />

com capacidade resolutiva e de auto-atualização,<br />

de trabalhar em equipe multiprofissional, com pouca<br />

dependência em equipamento e hospital e com<br />

uma visão integral dos problemas de saúde do ser<br />

humano (6; 14, 15, 13).<br />

Todo esse conjunto de iniciativas vem criando as<br />

condições de se modificar o modelo “flexneriano”<br />

de formação médica ainda predominante, biologicista,<br />

individualista, baseado na especialização, na<br />

utilização intensiva de tecnologias e no hospital,<br />

considerado superado, insuficiente e responsável<br />

por boa parte dos problemas da atenção à saúde<br />

das populações e substituí-lo por um novo modelo<br />

mais integral, humano e menos equipamento e<br />

hospital-dependente (6; 14; 15, 13).<br />

3. O CURRÍCULO MÉDICO DA UFMG<br />

O currículo da Faculdade de Medicina da UFMG,<br />

que começou a funcionar em 1911, foi inspirado no<br />

da Escola de Medicina do Rio de Janeiro. A partir<br />

de então veio sofrendo mudanças representadas,<br />

praticamente, por sucessivos acréscimos de novas<br />

disciplinas básicas e de especialidades médicas.<br />

Na década de 1950 introduziu-se a importante área<br />

da Medicina Preventiva, que cresceu de maneira<br />

contínua até o currículo atual.<br />

Em 1964 a Faculdade funcionou por 10 anos com<br />

um currículo experimental de cinco anos de duração,<br />

que não se manteve.<br />

Em 1967 extinguiram-se as cátedras e instituíramse<br />

os departamentos, e em 1969 foi implantado o<br />

regime de tempo integral e dedicação exclusiva<br />

para professores.<br />

Em 1968 foi criado o Instituto de Ciências Biológicas<br />

(ICB), com o desligamento das cadeiras básicas<br />

do ciclo profissional.<br />

Em 1975, após quatro anos de discussões, come-<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

çou a funcionar um novo currículo que previa, entre<br />

outras mudanças, fusão de disciplinas, adaptação<br />

do ambulatório para atendimento em dois turnos,<br />

adequação de laboratórios e serviço de radiologia,<br />

ampliação do quadro docente e instalação do atendimento<br />

extramural. Em 1978 iniciaram-se as atividades<br />

do Internato do 11º e 12º períodos, incluindo<br />

a experiência pioneira do Internato Rural.<br />

As disciplinas do Ciclo Básico, 1º ao 4º períodos,<br />

foram mantidas como já estruturadas no Instituto de<br />

Ciência Biológicas (ICB). Esse currículo, com algumas<br />

modificações, a partir de 1994, se mantém até<br />

o momento atual (5).<br />

Atualmente, a Faculdade de Medicina recebe 320<br />

alunos por ano, divididos em duas entradas de 160<br />

cada por semestre.<br />

O curso é oferecido em 12 períodos, os quatro primeiros,<br />

cursados no curso básico no Instituto de<br />

Ciências Biológicas (ICB), e os oito restantes, no<br />

curso profissional, já na Faculdade de Medicina.<br />

4. O CURRÍCULO MÉDICO DA UFMG DE 1975<br />

Em junho de 1974, foi realizado um seminário<br />

de ensino médico da Faculdade de Medicina da<br />

UFMG, com o objetivo de sistematizar as propostas<br />

da mudança curricular que seria implantada a partir<br />

de 1975, que incluiu a participação de alunos,<br />

professores do ciclo básico e profissional, técnicos<br />

da OPS/OMS e representantes dos órgãos de planejamento<br />

da Universidade e do Governo de Minas<br />

Gerais. O seminário fez uma série de recomendações<br />

e estratégias para a reformulação do currículo,<br />

suas adaptações necessárias durante a fase de<br />

convivência com o currículo antigo e sua completa<br />

implantação, a partir de 1975.<br />

Entre as recomendações, as seguintes foram consideradas<br />

como os marcos conceituais mais importantes,<br />

e, pela sua significância e atualidade, reproduzimos<br />

na íntegra:<br />

A Educação Médica deve ter como base um<br />

sistema em que a estrutura de atenção é voltada<br />

para os problemas de saúde prevalentes<br />

na comunidade em que vai atuar o futuro<br />

médico. A escola de medicina é apenas um<br />

subsistema, a quem cabe assumir a parte<br />

63


64 Gestão, Ciência & Saúde<br />

que lhe toca na responsabilidade pela atenção<br />

à saúde da comunidade. O sistema principal<br />

é constituído pela Universidade, através<br />

da integração do currículo médico a outras<br />

unidades da área da saúde e de ciências humanas,<br />

e pelos serviços de saúde existentes<br />

na comunidade.<br />

A política e o planejamento da formação de<br />

médicos devem ter como referência a integração<br />

do processo de aprendizagem com<br />

o Sistema de Atenção Médica, tomando a<br />

nosologia, as necessidades saúde da população<br />

e a própria estrutura dos serviços de<br />

saúde como objeto de estudo. A política de<br />

Educação Médica deve, ainda, explicitar as<br />

relações da Universidade com a Sociedade,<br />

bem como os níveis de participação e responsabilidade<br />

de cada um na busca de soluções<br />

para os problemas de saúde da comunidade<br />

em que está inserida.<br />

Tendo em vista a realidade de saúde da<br />

área servida pela Faculdade de Medicina da<br />

UFMG, o objetivo prioritário de seu curso de<br />

graduação deverá ser a formação de um médico<br />

generalista, policlínico, capaz de prestar<br />

a assistência primária de saúde e de exercer<br />

a medicina comunitária. Este médico deverá<br />

aplicar, na realização de seu trabalho, conhecimentos<br />

básicos das ciências do comportamento<br />

e da realidade sócio-econômica que o<br />

envolve, bem como exercer atitudes críticas<br />

permanentes em relação à dinâmica nosológica<br />

e aos sistemas existentes de prestação<br />

de serviços de saúde.<br />

A formação deste profissional deverá ser fruto<br />

de sua própria atuação, formalmente supervisionada<br />

pele Faculdade, na prestação de<br />

serviços de saúde, especialmente no campo<br />

da Medicina Comunitária.<br />

Colocada assim a questão, o médico preparado<br />

para dar respostas eficientes à demanda<br />

da comunidade a que assiste deve ter<br />

presente que o instrumental técnico de que<br />

dispõe muitas vezes não soluciona inteiramente<br />

os problemas, e que dada a complexidade<br />

de sua gênese, essa solução exige<br />

o concurso de outros profissionais. Portanto<br />

o médico deve ser formado na consciência<br />

da relatividade de seu papel na solução de<br />

problemas de saúde e da necessidade de<br />

desenvolver atitudes favoráveis ao trabalho<br />

integrado com outros profissionais. O generalista<br />

assim formado deveria dispor ainda<br />

de bases coerentes para uma especialização<br />

não deformante (25).<br />

Salgado (22) pondera que seriam cinco os pontos<br />

centrais do currículo de 1975:<br />

•<br />

•<br />

•<br />

•<br />

em primeiro lugar, o ensino médico não<br />

pode ser improvisado, amadorístico ou<br />

imitativo; em decorrência, foram realizados<br />

estudos diagnósticos prévios de<br />

1971 a 1975 e que continuaram posteriormente;<br />

em segundo lugar, o ensino tem como<br />

princípio não perguntar ao professor e ao<br />

aluno o que a escola deve ensinar; alunos<br />

e professores devem procurar esta<br />

resposta na realidade e nas necessidades<br />

sociais, às quais a escola deve responder;<br />

como terceiro ponto, o atendimento das<br />

necessidades sociais deve ser avaliado<br />

de forma contínua, assim em vez de surgir<br />

um currículo como produto acabado,<br />

resulta um processo de desenvolvimento<br />

curricular; como conseqüência, o processo<br />

para avançar exige seminários de<br />

ensino, comissão de avaliação interdisciplinar<br />

como o NAP (Núcleo de Assessoramento<br />

Pedagógico);<br />

como quarto elemento, as habilidades, os<br />

conhecimentos e as atitudes adquiridas,<br />

principalmente, através do atendimento<br />

ambulatorial precoce de adultos e crianças,<br />

permitem graduar o médico geral,<br />

não apenas capaz de atender à maioria<br />

das necessidades de saúde, mas também<br />

capaz de se adaptar ao mercado de<br />

trabalho atual e futuro; a integração com<br />

o sistema de assistencial e a inserção<br />

precoce do aluno na atividade assistencial<br />

é essencial;


•<br />

por fim, como quinto ponto, o novo ensino<br />

é adequado não apenas à realidade de<br />

saúde, mas à realidade econômica do Brasil;<br />

exige pouco investimento de capital,<br />

exceto em infra-estrutura, e se concentra<br />

na utilização de recursos humanos.<br />

O currículo implantado em 1975 foi e ainda é sujeito<br />

à intensa controvérsia na Faculdade de Medicina<br />

da UFMG, e vários autores tiveram a oportunidade<br />

de fazer sua avaliação crítica sobre o tema. Pela<br />

importância da proposta de mudança curricular de<br />

1975 e como síntese da mesma, destacamos as<br />

considerações abaixo, da extensa revisão sobre o<br />

tema de Ferreira (6):<br />

[...] a mudança do curso médico da UFMG,<br />

implantada a partir de 1975, diferiu bastante<br />

das reformas anteriores do currículo desta<br />

faculdade. A proposta foi construída com a<br />

participação de alunos e professores, foram<br />

ouvidos egressos e houve a colaboração de<br />

profissionais de outras áreas do conhecimento,<br />

fora do setor saúde. Deu-se assim, caráter<br />

amplo e inovador ao projeto. Os fundamentos<br />

apoiaram-se em princípios e objetivos que ultrapassaram<br />

os limites habituais do ensino<br />

médico. Houve investimento na análise das<br />

condições e dos problemas internos da Faculdade,<br />

procurando-se, no entanto, dar respostas<br />

aos desafios colocados para o ensino<br />

e a prática da medicina na segunda metade<br />

do século XX.<br />

O currículo de 75, mesmo assumindo a forma<br />

de modelo pedagógico, estabelece como<br />

alvo a prática médica, representada por seu<br />

paradigma científico e pelo modelo assistencial<br />

na qual estava inserida.<br />

O debate, que desde então se estabeleceu,<br />

procurou destacar, quase sempre, se a prática<br />

e o ensino médico estavam fundamentados nos<br />

aspectos biológicos ou nos sociais. Portanto,<br />

se o currículo era biocêntrico ou sociocêntrico.<br />

Quanto ao conteúdo pedagógico, por exemplo,<br />

estava em causa: se o ensino deveria<br />

estar centrado no aluno ou no professor, na<br />

prática hospitalar ou na prática assistencial<br />

comunitária. O ensino da UFMG até então<br />

estimulara a prática tecnológica especializa-<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

da à qual se contrapunham a medicina geral<br />

e a atenção primária, consagradas pouco<br />

tempo após na conferência sobre cuidados<br />

primários em Alma-Ata, em 1978.<br />

A necessidade de superar o modelo Flexner<br />

de educação médica tornou-se a posição majoritária,<br />

na medida que amadurecia o projeto<br />

de mudança. O modelo Flexner estabelecia<br />

condições idealizadas para o ensino como<br />

laboratórios de pesquisa e hospital universitário<br />

modelo, dando prioridade à formação<br />

científica sobre a prática social, modelo inviável<br />

para a UFMG naquele momento.<br />

O objetivo que se constituiu na UFMG não<br />

foi encontrar novo modelo pedagógico para<br />

a educação médica, mas sim comprometer<br />

a formação médica com as necessidades de<br />

saúde da população. O modelo pedagógico,<br />

em decorrência, seria flexível e subordinado<br />

aos objetivos do projeto.<br />

O médico formado dentro deste modelo devia<br />

compreender e ajudar a transformar as condições<br />

de saúde existentes. Propunha-se um<br />

currículo engajado e comprometido com a realidade<br />

médico-social. A educação biocêntrica<br />

devia ser superada tornando-se sociocêntrica.<br />

Ou seja, o ensino que até então dava<br />

prioridade aos conteúdos biológicos, seria<br />

substituído, integrando o curso com a prática<br />

assistencial. O aprendizado tornar-se-ia<br />

simultâneo ao equacionamento e respostas<br />

aos problemas concretos de saúde.<br />

Como viabilizar o projeto? O estudante se<br />

vincularia à realidade de saúde, inserindo o<br />

ensino no sistema assistencial. Professor e<br />

aluno seriam deslocados da prática modelar<br />

– própria do Flexner – e integrariam o sistema<br />

assistencial não como atividade esporádica,<br />

de uma ou outra disciplina como ocorria, em<br />

geral, com a integração docente-assistencial.<br />

O ensino médico e o sistema assistencial<br />

deviam ter conexão orgânica, como aspecto<br />

central da atividade curricular. Assim, todo o<br />

currículo seria construído em integração com<br />

a prática assistencial (6).<br />

Em resumo, o currículo médico de 1975 apresenta-<br />

65


66 Gestão, Ciência & Saúde<br />

va propostas radicais e pioneiras de modificações,<br />

como aprendizado eminentemente prático, o atendimento<br />

ambulatorial em unidades básicas de saúde<br />

municipais, internatos em hospitais públicos e<br />

privados e o internato rural. Nas suas bases teóricas<br />

estavam incluídas as pretensões de questionar<br />

não apenas o paradigma médico dominante (Flexner),<br />

mas também o modelo pedagógico prevalente<br />

em educação médica. Tinha a intenção de formar<br />

médicos com características de “terminalidade” e<br />

“generalistas” e, portanto, mais de acordo com as<br />

necessidades de saúde da população e as possibilidades<br />

de financiamento governamentais (25, 6).<br />

Se quisermos um resumo ainda mais sintético,<br />

poderíamos usar a frase de efeito que era lema<br />

daquela época: “o ensino é subproduto da boa assistência”<br />

(19).<br />

Atualmente, o processo de mudança curricular de<br />

1975 é considerado estagnado e mesmo em retrocesso,<br />

assim, considera-se que a proposta de<br />

ensino médico na UFMG, tal como originalmente<br />

concebida, começou a se descaracterizar, em torno<br />

de 1986, deixando de evoluir e mesmo entrando<br />

em regressão.<br />

[...] de fato, algumas evidências confirmam<br />

essas opiniões: o sistema de cuidados progressivos<br />

avança parcialmente no Hospital<br />

das Clínicas; o processo de integração com<br />

o sistema de saúde se faz lentamente; não<br />

ocorre a reorganização departamental subordinada<br />

à nova concepção de ensino e<br />

assistência; não se incorporam novos modelos<br />

pedagógicos que podiam fazer avançar a<br />

integração vertical – ciclo básico, ciclo profissional<br />

– como o uso de algumas técnicas<br />

de ensino baseado em problemas; a preparação<br />

dos professores, inclusive dos novos<br />

contratados, é insuficiente, e estes trazem<br />

concepções pessoais ao ensino; o currículo<br />

continuo, considerado peça chave da subordinação<br />

do ensino à assistência, foi interrompido<br />

em 1986 (6).<br />

5. PROPOSTAS PARA UM NOVO CURRÍCU-<br />

LO MÉDICO DA UFMG<br />

Mais recentemente a Faculdade de Medicina da<br />

UFMG foi selecionada, em 2002, para o programa<br />

PROMED, que é uma proposta de apoio às escolas<br />

médicas que queiram, voluntariamente, adequar<br />

seus processos de ensino, sua produção de conhecimento<br />

e de serviços às necessidades do sistema<br />

de saúde do país. O objetivo é estimular as escolas<br />

médicas na busca de excelência técnica e relevância<br />

social (17).<br />

O PROMED é uma ação interministerial coordenada<br />

(MS/MEC), que reafirma as orientações contidas<br />

nas Diretrizes Curriculares dos Cursos Médicos,<br />

no sentido de que esses devem formar profissionais<br />

com competência para terem postura ética, visão<br />

humanística, senso de responsabilidade social<br />

e compromisso com a cidadania; orientação para<br />

a proteção, promoção da saúde e prevenção das<br />

doenças; orientação para atuar em nível primário e<br />

secundário de atenção e resolver com qualidade os<br />

problemas prevalentes de saúde (17).<br />

Na Faculdade de Medicina da UFMG foi criado um<br />

projeto específico para implantar e gerenciar os recursos<br />

e idéias do PROMED, com o nome de Projeto<br />

Recriar, que se encontra em processo de discussão<br />

pela comunidade da Faculdade (19).<br />

No último seminário do Projeto Recriar definiram-se<br />

como pontos de atenção na condução das mudanças,<br />

para o futuro, e ainda integralmente válidos a<br />

necessidade de avaliação, acompanhamento e atualizações<br />

coerentes com os princípios fundamentais,<br />

“inegociáveis” da mudança curricular de 1975:<br />

•<br />

•<br />

•<br />

a pessoa (paciente-coletividade) como sujeito<br />

da assistência médica;<br />

o cenário de prática como realidade e não<br />

como cena ou simulação;<br />

a integralidade da assistência médica (18).<br />

Recentemente, em novembro de 2005, foi criado<br />

pelos Ministérios da Saúde e da Educação o Pró-<br />

Saúde (18). “Este programa envolve 89 projetos de<br />

graduação em Enfermagem, Medicina e Odontologia,<br />

bem como as Secretarias Municipais de Saúde<br />

dos municípios relacionados a esses Projetos. O<br />

Pró-Saúde tem a perspectiva de que os processos<br />

de reorientação da formação ocorram simultaneamente<br />

em distintos eixos, em direção à situação<br />

desejada apontada pelas Instituições de Ensino


Superior (IES), que antevê uma escola integrada<br />

ao serviço público de saúde e que dê respostas às<br />

necessidades concretas da população brasileira na<br />

formação de recursos humanos, na produção do<br />

conhecimento e na prestação de serviços, em todos<br />

esses casos direcionados a construir o fortalecimento<br />

do SUS. Essa iniciativa visa à aproximação<br />

entre a formação de graduação no País e as necessidades<br />

da atenção básica, que se traduzem no<br />

Brasil pela estratégia de Saúde da Família.<br />

O distanciamento entre os mundos acadêmicos e o<br />

da prestação real dos serviços de saúde vem sendo<br />

apontado em todo mundo como um dos responsáveis<br />

pela crise do setor da Saúde. No momento em que a<br />

comunidade global toma consciência da importância<br />

dos trabalhadores de saúde e se prepara para uma<br />

década em que os recursos humanos serão valorizados,<br />

a formação de profissionais mais capazes de<br />

desenvolverem uma assistência humanizada e de<br />

alta qualidade e resolutividade será impactante até<br />

mesmo para os custos do SUS, na medida em que<br />

a experiência internacional aponta que profissionais<br />

gerais são capazes de resolver custos relacionados<br />

a 4/5 dos casos sem recorrer à propedêutica complementar,<br />

cada dia mais custosa.<br />

O Brasil tem uma notável experiência em aproximação<br />

entre a academia e os serviços, mas essa<br />

ainda está muito aquém do que seria necessário.<br />

Projetos experimentais, vinculados a pequena parte<br />

das escolas de medicina, odontologia e enfermagem,<br />

deveriam se expandir e tornar-se o centro do<br />

processo de ensino e aprendizagem “(18).<br />

De uma maneira tradicional, a profissão médica e a<br />

formação de novos médicos e médicas foram, durante<br />

muitos séculos, fundamentadas na idéia do<br />

modelo do “médico-sacerdote”, muito baseadas na<br />

relação de acolhimento, de ajuda, de compaixão, na<br />

valorização do método clínico, da observação e da<br />

reflexão, na formação de uma boa relação médicopaciente<br />

e que para muitos ainda formam a base na<br />

qual se apóia a boa prática e a boa educação médica,<br />

e pouco em ciência, laboratório e tecnologia.<br />

A partir das primeiras décadas do século passado,<br />

no processo de trabalho e de formação de novos<br />

profissionais, surgiu o chamado modelo “flexneriano”,<br />

ou “modelo biomédico”, nascido nos EUA,<br />

fortemente baseado e dependente da metodologia<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

científica, da especialização, de exames de laboratório,<br />

do hospital e de novos aparelhos cada vez<br />

mais sofisticados e caros. Esse modelo obteve<br />

esmagador sucesso, predominou e se tornou hegemônico<br />

também nas escolas médicas do mundo<br />

ocidental: poderia ser chamado do modelo do<br />

“médico-cientista”.<br />

Para muitos observadores e críticos da cena da profissão<br />

e da pedagogia médicas, o modelo do “médico-cientista”,<br />

apesar de suas inegáveis qualidades<br />

e sucesso, vem se tornando um modelo desgastado<br />

e em exaustão, não só porque médicos e pacientes<br />

começam a perceber, cada vez com maior clareza,<br />

que na própria concepção do modelo reside boa<br />

parte dos problemas que têm tornado crescentes<br />

os conflitos da relação médico paciente, gerando<br />

franca e generalizada insatisfação com o mesmo,<br />

mas também pelos insuportáveis custos que o uso<br />

do modelo acarreta.<br />

Uma boa aposta para o futuro é que ocorrerá uma<br />

síntese entre o modelo do “médico-sacerdote” e<br />

o do “médico-cientista”, aproveitando o que há de<br />

melhor em cada um deles, harmonizando os diversos<br />

pontos de vista da profissão e da pedagogia<br />

médicas, criando uma medicina mais equilibrada,<br />

menos conflituosa, com uma face mais humana e<br />

que resgate a verdadeira importância do médico e<br />

o real valor da medicina.<br />

Não deixa de ser auspicioso que, atualmente, esses<br />

princípios estejam colocados nas diretrizes curriculares<br />

dos cursos da área da saúde em geral, e<br />

da profissão médica em particular, propostas pelo<br />

Ministério da Educação do Brasil, e façam parte<br />

também do ideário e da prática do Sistema Único<br />

de Saúde, criado pela Constituição de 1988, e do<br />

Programa de Saúde da Família.<br />

67


68 Gestão, Ciência & Saúde<br />

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69


70 Gestão, Ciência & Saúde


<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

TOMADA DE DECISÕES PARA O TRAUMA CARDIOVASCULAR: CONTRIBUIÇÕES DA AUDI-<br />

TORIA A PARTIR DE UM ESTUDO FEITO NO HOSPITAL JOÃO XXIII/FHEMIG<br />

MAKING DECISION ON CARDIOVASCULAR TRAUMA: AUDIT CONTRIBUTIONS BASED UPON A<br />

JOãO XXIII HOSPITAL/FHEMIG STUDY<br />

RESUMO<br />

O trauma não é apenas um desafio biológico, mas também econômico.<br />

Inserido nesse contexto, o trauma cardiovascular é cada vez mais<br />

discutido, particularmente em seus aspectos epidemiológicos, fisiopatológicos<br />

e terapêuticos. No entanto, a visão e a tomada de decisões<br />

terapêuticas centradas na racionalidade econômica não têm sido<br />

abordadas, principalmente pela classe médica, na mesma proporção,<br />

o que requer ações e práticas administrativas que sejam capazes de<br />

mudar esse paradigma. Não há dúvidas de que devemos lutar para<br />

salvar nossos pacientes, mas não se pode “matar” a saúde financeira<br />

institucional. Torna-se relevante, portanto, a constante avaliação dos<br />

principais fatores que influenciam no aumento dos custos envolvidos<br />

e medidas capazes de minimizá-los. O objetivo deste artigo é o de<br />

demonstrar o custo e o impacto financeiro referente à primeira abordagem<br />

cirúrgica em vítimas com lesões cardiovasculares admitidos<br />

no Hospital João XXIII/FHEMIG, projetando-os para o setor de saúde<br />

assistencial brasileiro, e discutir propostas a partir da realidade vivenciada.<br />

Trata-se de um estudo com aprovação ética, retrospectivo, de<br />

coorte e descritivo realizado a partir da auditoria de contas hospitalares<br />

referentes a 70 prontuários catalogados pelo Serviço de Trauma<br />

Cardiovascular entre os anos de 2004 e 2006. Cinco (7,14%) prontuários<br />

foram excluídos por má qualidade técnica. Os dados analisados<br />

revelaram correlação de proporcionalidade direta entre o impacto<br />

financeiro e topografia anatômica das lesões e exponencial com as<br />

variáveis hemoderivados e/ou de prótese vascular, além de corroborar<br />

com evidências do alto impacto que o mesmo provoca nos custos<br />

Institucionais, calculados em R$ 103.614,96 ($60.949,97) e estimados<br />

em R$ 185.888,21 ($109.346,0) para o setor privado, implicando uma<br />

defasagem potencial de 44% caso não fossem tomadas medidas<br />

atenuadoras por parte da instituição. No entanto, e apesar de essas<br />

diminuírem a defasagem econômica, é necessário aperfeiçoá-las e<br />

acompanhá-las por equipe multidisciplinar e de modo contínuo. Este<br />

estudo fortalece a importância da auditoria de contas para o setor assistencial<br />

de saúde e a ampliação da transmissão do saber que não<br />

seja puramente biológico, mas também daquele com foco na racionalidade<br />

de gestão e na saúde financeira Institucional.<br />

Palavras-chave: Trauma, Lesão Cardiovascular, Auditoria, Tomada de<br />

Decisões, Gestão<br />

Ricardo Costa-Val 1 , Maria Cristina Marques 2<br />

1 Titular da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, Titular do Colégio Brasileiro de<br />

Cirurgiões, Mestre e Doutor em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais, Cirurgião<br />

Titular do Hospital João XXIII/FHEMIG, Professor de Bioética do Curso de Medicina do Centro<br />

Universitário de Belo Horizonte, ricardocostaval@hotmail.com; 2 Enfermeira, Pós-Graduada em<br />

Auditória em Sistemas de Saúde pela Faculdade São Camilo de Belo Horizonte, Gerente Administrativa<br />

da <strong>Fundação</strong> Hospitalar do Estado de Minas Gerais<br />

ABSTRACT<br />

Trauma is not only a serious problem for the human being, but also<br />

for financial health system all over the world. Inside this context,<br />

cardiovascular trauma has been approached even more, but on<br />

epidemiologic and biologic concepts than administratively, which<br />

urges in behaviors capable of paradigm`s shift. We must labor in<br />

favor of our patients, but we can`t dye our Institution. So, it is relevant<br />

a continuous and critical analysis about Trauma assistance<br />

in all aspects. The aim of this article is to analyze the expenses<br />

and impact of the first surgical approach in cardiovascular victims<br />

admitted at Hospital João XXIII/FHEMIG and stimulated reflections<br />

based upon on personnel experiences. It is about an ethical<br />

approved study, retrospective and descriptive from audit did in 70<br />

eligible patients enrolled by Cardiovascular Service. Five (7,14%)<br />

patients files were excluded for bad qualities records. Indeed, the<br />

data showed direct and exponential relationship between costs<br />

and anatomic topographic and blood/vascular prosthesis utilization<br />

and emphasizes the huge economic impact of these serious<br />

problem, estimated in R$109.346,00 for private system, 44% sliding<br />

scale for the Institution based on the endowment from Brazilian<br />

Public System ($60.949,97), which obliged the institutions to<br />

create others ways to minimized it. Therefore, these actions needed<br />

continuously improvement and also, be made by a multidisciplinary<br />

task force. These study allowed to conclude that the audit<br />

in health system is a must and evidences to necessity to spread<br />

a knowledge assistance focus not only on biological aspects but<br />

also on the vision that economic healthy Institutional needs to be<br />

chased by all.<br />

Keywords: Trauma, Cardiovascular Lesion, Expenses, Audit,<br />

Making Decision, Administration<br />

71


72 Gestão, Ciência & Saúde<br />

1. INTRODUçãO E REFERENCIAL TEÓRICO<br />

O trauma é um dos maiores desafios mundiais da<br />

era moderna para as práticas assistenciais de saúde<br />

pelo fato de provocar grande impacto nas taxas<br />

de morbimortalidade e por causar expressiva<br />

repercussão econômica na assistência à saúde.<br />

Seu poder de devastação se faz significativamente<br />

maior nos países em desenvolvimento. No Brasil,<br />

morreram mais de um milhão de pessoas em<br />

conseqüência da violência urbana e de acidentes<br />

de trânsito na década de 1990. E mais, apenas<br />

no ano de 2003, os hospitais públicos e conveniados<br />

ao Sistema Único de Saúde (SUS) internaram<br />

753.304 vítimas diretamente relacionadas ao<br />

tema, com um custo hospitalar 27% maior do que<br />

todas as internações por todas as outras causas<br />

juntas (13,19,25).<br />

Se avaliar esse grande problema público de saúde<br />

tem sido difícil tarefa, seja nos grandes centros<br />

urbanos, seja nas zonas rurais, por inúmeros<br />

fatores, tais como ausência de padronização<br />

de coleta dos dados e sub-notificações, quiçá o<br />

próprio trauma cardiovascular, que se correlaciona<br />

com altas taxas de mortalidade pré-hospitalar<br />

(1,19,21,31,33,36). Destarte tais obstáculos, o<br />

Hospital João XXIII/FHEMIG de Belo Horizonte<br />

vem progressivamente registrando uma crescente<br />

incidência de lesões cardiovasculares graves<br />

(8,9,14,29) e levando essa informação a público.<br />

A proposta deste estudo se baseou na reconhecida<br />

importância da Auditoria de Contas para as instituições<br />

hospitalares e órgãos gestores de saúde<br />

pública e/ou privada, já que a mesma possibilita a<br />

análise técnica e a identificação de situações administrativas<br />

inadequadas. Ao realizar análise pericial<br />

dos procedimentos hospitalares após a alta<br />

do paciente, a mesma permite ainda a avaliação<br />

sistemática da qualidade da assistência à saúde<br />

e a garantia de um pagamento justo, mediante a<br />

cobrança adequada (11,20,26).<br />

No entanto, não é incomum nos depararmos com<br />

desperdícios e perdas, seja no mau planejamento<br />

assistencial, seja na utilização indevida de materiais,<br />

equipamentos e dos recursos humanos,<br />

sendo essa a principal relevância do estudo apresentado<br />

e que poderá fomentar novos estudos de<br />

interesse institucional e nacional.<br />

2. OBJETIVOS<br />

2.1. Objetivo geral<br />

Demonstrar o custo e o impacto financeiro referente à<br />

primeira abordagem cirúrgica em vítimas com lesões cardiovasculares<br />

admitidos no Hospital João XXIII/FHEMIG,<br />

projetando-os para o setor de saúde assistencial brasileiro,<br />

e discutir propostas a partir da realidade vivenciada.<br />

•<br />

•<br />

•<br />

•<br />

2.2. Objetivos específicos<br />

Averiguar a qualidade das folhas de sala referentes<br />

à abordagem operatória inicial dos pacientes<br />

com lesão cardiovascular admitidos no Hospital<br />

João XXIII/FHEMIG, detectando falhas, e propor<br />

ações institucionais benéficas;<br />

Avaliar os principais insumos que aumentaram o custo<br />

da primeira abordagem terapêutica desses doentes;<br />

Contabilizar o montante repassado pelo Sistema<br />

Único de Saúde e projetar o custo e o impacto<br />

financeiro do trauma cardiovascular para o atual<br />

sistema brasileiro de saúde privada;<br />

Contribuir para a literatura científica relacionada<br />

ao tema, seja na esfera assistencial, seja na<br />

administrativa.<br />

3. METODOLOGIA<br />

3.1. Modelo de estudo e casuística<br />

Trata-se de um estudo retrospectivo de coorte e descritivo<br />

aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa<br />

da FHEMIG, registro CEP/FHEMIG 575, vinculado<br />

ao Conselho Nacional de Pesquisa em Seres Humanos<br />

– CONEP, feito com base na análise de contas<br />

hospitalares de 70 prontuários catalogados pelo<br />

Serviço de Trauma Cardiovascular entre os anos de<br />

2004 – 2006. Não há conflitos de interesse neste estudo.<br />

3.2. Critérios de inclusão<br />

Foram considerados critérios de elegibilidade a concordância<br />

entre os diagnósticos e os códigos de procedimentos<br />

do Sistema Único de Saúde, além dos materiais<br />

utilizados exclusivamente no centro cirúrgico do Hospital<br />

João XXIII/FHEMIG registrados na folha de sala e nos


prontuários dos pacientes conforme supracitado.<br />

3.3. Critérios de exclusão<br />

Foram excluídos da análise dos custos: prontuários<br />

preenchidos de forma incorreta e/ou dúbia; prontuários<br />

pertencentes a pacientes que tinham lesão<br />

isolada de artéria e/ou veia de médio e pequeno calibre,<br />

definindo-se previamente para este estudo que<br />

enquadravam nessas condições as seguintes estruturas<br />

vasculares: artéria e/ou veia radial, artéria e/<br />

ou veia ulnar, vasos dos quirodáctilos, artéria dorsal<br />

anterior, vasos dos pododáctilos, artéria temporal,<br />

veia jugular externa, veia cefálica e/ou basílica, veia<br />

safena magna e/ou safena parva bem como suas<br />

tributárias e vasos intra-abdominais de menor porte<br />

detectados pela laparotomia exploradora; todos os<br />

dados referentes aos procedimentos propedêuticos<br />

e/ou terapêuticos e respectivos materiais realizados<br />

fora centro cirúrgico.<br />

3.4. Variáveis e parâmetros para análise<br />

A estimativa do custo referente à primeira abordagem<br />

operatória, em reais, levou em consideração<br />

todos os materiais médico-hospitalares, incluindo<br />

medicamentos, órteses e prótese, gases medicinais<br />

e hemoderivados utilizados. Estratificaram-se ainda<br />

os resultados por topografias anatômicas das lesões<br />

e por clínicas cirúrgicas. Por outro lado, não foram<br />

computados gastos relacionados a depreciações<br />

de equipamentos, uso de sala cirúrgica, internação<br />

e remunerações aos profissionais da saúde. O repasse<br />

financeiro teve como parâmetro os valores<br />

referentes aos códigos de procedimentos do Sistema<br />

Único de Saúde – SUS/2007 e a Planilha de<br />

Registro de Preços de Material Médico-Hospitalar da<br />

FHEMIG/2006. A projeção para o setor assistencial<br />

de saúde se baseou no Índice Referencial de Medicamentos<br />

– Brasíndice/2007 e no Índice de Material<br />

Médico Hospitalar da União Nacional das Instituições<br />

de Auto Gestão em Saúde – Unidas/2006.<br />

4. RESULTADOS<br />

Dos 70 prontuários analisados, cinco (7,14%) foram<br />

excluídos em razão da má qualidade técnica das informações<br />

registradas nas folhas de sala. Dos 65 casos<br />

analisados, houve apenas lesões cardiovasculares em<br />

34 (52,3%) e outras associadas com injúrias de outros<br />

órgãos ou estruturas que exigiram intervenção em 31<br />

(47,7%) casos, sendo cirurgia geral (41,9%), ortopedia<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

(35,5%), cirurgia plástica (19,4%) e neurocirurgia (3,2%).<br />

O custo referente a todos os procedimentos cirúrgicos<br />

realizados no centro cirúrgico estimado para o setor<br />

privado de saúde seria de R$ 185.888,21 (mediana<br />

de R$ 2.236,55; ± R$ 1.546,34) e o repasse financeiro<br />

feito pelo Sistema Único de Saúde para o hospital<br />

foi de R$ 103.614,96 (mediana de R$ 1.432,88; ± R$<br />

909,8), projetando uma defasagem de 44,3% caso<br />

a instituição não tivesse adotado pregão eletrônico,<br />

compra de materiais em lotes e negociação preferencial<br />

com o setor industrial.<br />

No entanto não houve homogeneidade dos valores<br />

financeiros referentes à projeção para o setor privado<br />

e nem para o repasse financeiro feito pelo Sistema<br />

Único de Saúde, conforme Figuras 1 e 2.<br />

FIGURA 1 - Dispersão dos valores do custo operatório<br />

total, em reais, projetado para o setor privado de saúde,<br />

segundo o Brasíndice e Unidas, para todos os casos registrados<br />

pelo Serviço de Trauma CCV no Hospital João<br />

XXIII/FHEMIG, entre os anos de 2004-2006.<br />

FIGURA 2 - Dispersão dos valores do repasse do Sistema<br />

Único de Saúde, em reais, para todos os casos registrados<br />

pelo Serviço de Trauma CCV no Hospital João XXIII/FHE-<br />

MIG, entre os anos de 2004-2006.<br />

73


74 Gestão, Ciência & Saúde<br />

Levando-se em consideração apenas os casos<br />

com lesões cardiovasculares, o custo total<br />

projetado para o sistema privado de saúde e<br />

o repasse financeiro feito pelo Sistema Único<br />

de Saúde e seus impactos sobre o custo total<br />

foram, respectivamente, de R$ 96.171,32 (impacto<br />

de 52%) e de R$ 42.904,27 (impacto de<br />

41%). E quando se analisaram os casos com<br />

lesões cardiovasculares associadas a outras<br />

lesões, computou-se que houve uma pequena<br />

redução do custo total e no impacto financeiro<br />

(R$ 89.716,89 e 48%, respectivamente) para o<br />

setor privado e um ganho significativo em relação<br />

ao repasse público (R$ 60.710, 69 e 59%,<br />

respectivamente). No entanto, as Tabelas de 1<br />

a 3 demonstram, claramente, como a utilização<br />

de sangue ou próteses vasculares encarecem,<br />

numa proporção direta para apenas uma dessas<br />

variáveis e de maneira exponencial para a associação<br />

delas. Novamente, a associação entre<br />

lesões cardiovasculares com lesões de outros<br />

órgãos ou sistemas minimizou esse impacto.<br />

TABELA 1 - Descrição comparativa entre a projeção<br />

do custo operatório total e seu impacto para o setor<br />

privado de saúde, segundo o Brasíndice e Unidas, com<br />

o valor financeiro repassado pelo SUS, em reais e em<br />

percentagem, nos casos exclusivos da CCV que utilizaram<br />

apenas hemoderivados registrados pelo Serviço<br />

de Trauma CCV no Hospital João XXIII/FHEMIG, entre<br />

os anos de 2004-2006.<br />

Caso<br />

Custo<br />

Total<br />

Repasse<br />

SUS<br />

% do<br />

repasse<br />

22 2472,76 373,58 15,11%<br />

30* 4548,91 373,58 8,21%<br />

32** 3890,74 373,58 9,60%<br />

38 2185,10 358,58 16,41%<br />

46 1858,59 358,58 19,29%<br />

49 3.345,75 358,58 10,72%<br />

TOTAL 18.301,85 2.196,48<br />

Impacto<br />

nos custos<br />

(%)<br />

9,8% 2,1%<br />

Mediana<br />

13%<br />

*Utilizou papa de hemácias e plasma fresco<br />

**Utilizou papa de hemácias, plasma fresco e concentrado de plaquetas<br />

TABELA 2 - Descrição comparativa entre a projeção do custo<br />

operatório total e seu impacto para o setor privado de saúde,<br />

segundo o Brasíndice e Unidas, com o valor financeiro repassado<br />

pelo SUS, em reais e em percentagem, nos casos da<br />

CCV com outras clínicas que utilizaram apenas hemoderivados<br />

registrados pelo Serviço de Trauma CCV no Hospital João<br />

XXIII/FHEMIG, entre os anos de 2004-2006.<br />

Caso<br />

Custo<br />

Total<br />

Repasse<br />

SUS<br />

% do<br />

repasse<br />

36 4455,32 1190,65 26,72%<br />

43 3086,64 386,06 12,51%<br />

56* 3549,68 1630,88 45,94%<br />

TOTAL 11.091,64 3.207,59<br />

Impacto<br />

nos custos<br />

(%)<br />

5,1% 3,1%<br />

*Utilizou papa de hemácias e plasma fresco<br />

Mediana<br />

27%<br />

TABELA 3: Descrição comparativa entre a projeção do custo<br />

operatório total e seu impacto, para o setor privado de saúde,<br />

segundo o Brasíndice e Unidas, com o valor financeiro repassado<br />

pelo SUS, em reais e em percentagem, papa todos os<br />

casos que utilizaram hemoderivados e prótese vascular de<br />

P.T.F.E.® registrados pelo Serviço de Trauma CCV no Hospital<br />

João XXIII/FHEMIG, entre os anos de 2004-2006.<br />

Caso<br />

Custo<br />

Total<br />

Repasse<br />

SUS<br />

% do<br />

repasse<br />

5 5712,13 2435,26 42,63%<br />

7 7108,10 2157,06 30,35%<br />

17 7015,63 1718,28 24,49%<br />

23* 4310,38 1622,08 37,63%<br />

26* 4263,03 1863,40 43,71%<br />

27* 5493,32 2068,00 37,65%<br />

29 4566,83 1893,03 41,45%<br />

33* 4293,51 1718,28 40,02%<br />

34* 4901,53 2223,68 45,37%<br />

45 3221,43 1622,08 50,35%<br />

60 4345,67 4494,55 103,43%<br />

65* 5264,85 1718,28 32,64%<br />

TOTAL 60.496,41 25.333,98<br />

Impacto<br />

nos custos<br />

(%)<br />

*Somente CCV.<br />

33% 25%<br />

Mediana<br />

41%


Contrariando dogmas prévios, a utilização do cateter<br />

de Fogarty® não exerceu impacto significativo<br />

(15 casos no total, custo de R$ 40.762,99 e impacto<br />

de 22% para a projeção sobre o setor privado<br />

e R$ 30.799,44 e impacto de 30% para o repasse<br />

público), independentemente da associação com as<br />

variáveis: associação de lesões, hemoderivados e<br />

prótese. Por fim, quando foi analisada a correlação<br />

entre topografia anatômica da lesão vascular com as<br />

outras variáveis descritas, se observaram na seguinte<br />

ordem crescente de custo e impacto financeiro, tomando<br />

como base a margem percentual em relação<br />

à projeção sobre o sistema privado de saúde:<br />

•<br />

•<br />

•<br />

Lesões abdominais e de membros inferiores – 38<br />

casos (58%), custo de R$ 109.734,72 e impacto<br />

de 59% para a projeção sobre o setor privado e<br />

custo de R$ 62.654,43 e impacto de 60,5% para<br />

o repasse público);<br />

Lesões nos membros superiores – 16 casos<br />

(25%), custo de R$ 27.784,90 e impacto de 15%<br />

para a projeção sobre o setor privado e custo de<br />

R$ 24.343,96 e impacto de 23,5% para o repasse<br />

público);<br />

Lesões cervico-torácicas – 11 casos (17%), custo<br />

de R$ 48.368,59 e impacto de 26% para a projeção<br />

sobre o setor privado e custo de R$ 16.616,57<br />

e impacto de 16% para o repasse público).<br />

Notório se faz mencionar que todos esses dados devem<br />

ser interpretados sob o prisma de número do<br />

respectivo percentual sobre o número de casos absolutos<br />

para cada item.<br />

5. DISCUSSãO<br />

O modelo de estudo proposto mostrou-se adequado<br />

para com os objetivos previamente vislumbrados e<br />

a casuística de 70 prontuários, que representa 2/3<br />

de todos os casos registrados, e fortalece a validade<br />

externa do estudo. Ademais, a utilização de tabelas<br />

para análise dos custos recentes para ambos os setores<br />

assistenciais minimiza erros sistemáticos.<br />

Trauma, pandemia que reflete por meio de seus aspectos<br />

epidemiológicos as diversidades de cada região,<br />

país e sociedades. Trata-se ainda de agravo à<br />

saúde que exige atenção especial, além de ações<br />

contínuas e multidisciplinares, até com a participação<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

ativa de toda sociedade civil (27,28). Apesar de prevalecer<br />

a difusão de saberes baseados em estudos<br />

que tomarem como base a experiência militar estrangeira<br />

(18,19,23,31,34) e das dificuldades em estudos<br />

epidemiológicos inerentes ao assunto, é evidente a<br />

progressiva produção nacional de estudos a respeito<br />

do tema (1-5,7-9,24,29). Mas acima de tudo, este estudo,<br />

que é fruto de um trabalho de conclusão (MCM),<br />

associado com outra publicação sobre o tema (10),<br />

consolida a visão de um dos autores (RCV) tomada<br />

há mais de uma década e reflete a postura do próprio<br />

Serviço de Cirurgia Cardiovascular do Hospital João<br />

XXIII/FHEMIG. Ao longo dos anos, vieram a público<br />

mais de uma centena de artigos (3,6-10,29), palestras,<br />

exposições e cursos que analisaram as diversas<br />

facetas do trauma cardiovascular. É de se destacar a<br />

recente publicação em nome da instituição e em uma<br />

das mais conceituadas revistas científicas da América<br />

Latina, talvez a maior casuística mundial prospectiva<br />

e de apenas um único centro hospitalar sobre trauma<br />

cardiovascular ocorrido exclusivamente em civis<br />

(10), corroborando com a necessidade de nos atermos<br />

não só à produção científica estrangeira, mas<br />

também com a realidade de nossa sociedade (1,4-<br />

7,9-10,24,33-36).<br />

A assistência à saúde centrada na racionalidade<br />

administrativa com qualidade, humanização, aperfeiçoamento<br />

dos recursos humanos e materiais é<br />

marca registrada em todos bons gestores. Abraçado<br />

ao atual paradigma mundial, o Governo de Minas<br />

Gerais, por meio de inúmeras ações, como o acordo<br />

interno de resultados, vem investido, cobrando, auxiliando<br />

e estimulando suas diversas instituições e organizações,<br />

na busca da excelência de gestão (15).<br />

À semelhança de outras Fundações Estaduais engajadas<br />

no setor Saúde, a FHEMIG e suas diretorias,<br />

particularmente a de Desenvolvimento Estratégico e<br />

Pesquisa, de Ensino e Desenvolvimento de Pessoas<br />

e a de Planejamento Gestão e Finanças apóiam a<br />

busca de novos saberes que possibilitem a verdadeira<br />

e necessária efetivação dos postulados inerentes<br />

a todos os setores que se lidam com o setor da saúde,<br />

sem dúvida, o mais importante de qualquer sociedade<br />

humana, pois, apesar de ser tido que saúde<br />

não é tudo, certamente tudo é nada sem saúde.<br />

Inserido dentro do universo das boas práticas institucionais,<br />

a auditoria se revela ferramenta fundamental<br />

para a política do Sistema Integrado de Gestão<br />

75


76 Gestão, Ciência & Saúde<br />

Hospitalar. A análise dos espelhos de conta de cada<br />

prontuário em estudo, no qual consta em detalhe a<br />

conta, composta de Serviços Hospitalares (SH), Serviços<br />

Profissionais (SP), órteses e próteses (OPME)<br />

e ainda Serviços Auxiliares de Diagnóstico e Terapêutico<br />

(SADT) auxilia no árduo combate contra uma<br />

das principais dificuldades em se aprimorar a assistência<br />

à saúde que reside na incapacidade, individual<br />

ou coletiva, de se aplicar as concepções teóricas<br />

assimiladas (11,20,26).<br />

Entender as incertas e discretas nuanças existentes<br />

entre uma instituição hospitalar vinculada ao Sistema<br />

Único de Saúde (SUS) e que não repassa recursos<br />

financeiros por ato cirúrgico exige acurácia<br />

ao se lidar com dados e explica o motivo de se ter<br />

excluído dos custos apresentados os valores dos<br />

Serviços Profissionais inerentes a cada código e<br />

não terem sido analisados os gastos em razão dos<br />

exames realizados fora do centro cirúrgico, sem dúvida<br />

possível fator de confusão, já que o repasse<br />

financeiro referente aos mesmos não discrimina o<br />

setor do hospital no qual estes foram realizados.<br />

De igual modo, a exclusão dos custos indiretos, entendidos<br />

como o uso ou a depreciação de materiais<br />

permanentes, se deve ao fato de que esses são extremamente<br />

variáveis e, de certa forma, difíceis de<br />

serem quantificados. No entanto, deve-se fazer, então,<br />

uma análise crítica de que o denominado custo<br />

total não levou em consideração tais variáveis.<br />

A eliminação de apenas cinco prontuários por má qualidade<br />

dos registros condiz com uma hegemonia positiva<br />

no setor. No entanto, algumas deficiências foram<br />

detectadas, e sugestões que visam à melhoria dos<br />

registros foram repassadas segundo a hierarquia da<br />

Instituição, corroborando de imediato a importância de<br />

estudos do gênero (11-12,16-17,20,22,26,32). Notório<br />

se faz mencionar a dificuldade por parte do médico em<br />

entender e preencher adequadamente o registro de<br />

suas ações, técnicas e/ou administrativas. Essa realidade<br />

é conseqüência direta da histórica e universal<br />

ausência de disciplinas na graduação e nos programas<br />

de residência que abordem o assunto. A perpetuação<br />

dessa maneira errônea curricular faz com que o profissional<br />

médico, elemento universal na assistência a<br />

saúde, não tenha de maneira geral a menor capacidade<br />

de gerir adequadamente as instituições de saúde.<br />

A classe não sabe, por exemplo, dizer o significado os<br />

códigos dos procedimentos que realiza.<br />

Urge ensinar a esses profissionais que nosso Sistema<br />

Único de Saúde repassa os recursos referentes a cirurgias<br />

realizadas, por meio de pacotes identificados<br />

pelos códigos de procedimentos, composta de códigos<br />

subdivididos em duas partes. O código básico<br />

é estruturado com oito dígitos assim denominados:<br />

XX.YYY.ZZ-D, que possuem diferentes significados,<br />

a saber: XX indica a especialidade, YYY o procedimento,<br />

ZZ o órgão ou região anatômica e D o dígito<br />

verificador, como por exemplo, o código 48.020.05-2,<br />

que se refere a: tratamento cirúrgico de lesão vascular<br />

traumática de membro inferior unilateral. Do contrário,<br />

grande fonte potencial de glosas e perdas financeiras<br />

legítimas se originam na fonte do registro.<br />

A pequena diferença entre os valores dos códigos de<br />

procedimentos lançados no espelho da conta e a tabela<br />

dos códigos por procedimentos pagos pelo SUS<br />

residem no fato de as taxas de longa permanência<br />

estarem embutidas nos Serviços Hospitalares e de<br />

haver adicional de 50% repassado para o Hospital<br />

João XXIII por se tratar de um centro especializado<br />

no atendimento de urgências e emergências, denominado<br />

pelo SUS de Índice de Valorização Hospitalar.<br />

Além disso, observou-se em mais de 30% das folhas<br />

de sala o inadequado registro referente ao ato médico<br />

e/ou a sub-notificação em virtude do absoluto desconhecimento<br />

das regras dessa atividade. Apesar de<br />

existir no hospital equipe composta de profissionais da<br />

enfermagem, secretárias e ainda setores especializados<br />

que corrigem esses registros, é necessário enfatizar<br />

novamente que não obstante a correção desses<br />

erros esteja acompanhada de atritos e desgastes, ela<br />

consume precioso tempo em razão de não se enquadrar<br />

mais no cenário vigente (11,20,26).<br />

A autorização de internação hospitalar (AIH) é o instrumento<br />

que deflagra a cobrança da conta hospitalar<br />

do paciente e que permite a inclusão de até cinco<br />

procedimentos por cada ato operatório realizado a<br />

cada 24 horas. Mas é pertinente explicar aspectos<br />

que merecem atenção especial, a saber: a necessidade<br />

de se conhecer as regras referentes à remuneração<br />

(em percentual decrescente dos valores), os<br />

procedimentos de diferentes especialidades médicas<br />

realizadas no mesmo ato operatório (que levam em<br />

consideração, também, a via de acesso cirúrgico) e<br />

ao código designado politraumatizado (39.000.00-1).<br />

Tais fatos explicam, em parte, a heterogeneidade observada<br />

nos dois gráficos de dispersão dos valores


dos custos totais, mesmo quando havia códigos de<br />

procedimentos semelhantes.<br />

Já a opção por se projetar o cálculo do custo operatório<br />

total da primeira abordagem cirúrgica para o<br />

setor privado se baseou no fato de que a FHEMIG<br />

trabalha com o sistema de pregão eletrônico, com<br />

validade máxima de um ano, atitude que, sem dúvida,<br />

é responsável por significativa economia para a<br />

mesma, pois a salutar concorrência existente entre<br />

as indústrias do setor reduziu os custos dos medicamentos<br />

na ordem de 20% e de 10% a 42% para as<br />

órteses/próteses, quando comparadas com as tabelas<br />

BRASÍNDICE e das UNIDAS, respectivamente.<br />

Um sistema de custo com ênfase gerencial e de<br />

apoio à gestão dos departamentos produtivos deve<br />

informar não apenas quanto custa, mas também por<br />

que custa, para que custa e como custa o objeto de<br />

análise. Diante disso, ficou evidente que se deve<br />

promover, de imediato, na instituição campanhas<br />

esclarecedoras da necessidade do uso judicioso da<br />

utilização de hemoderivados e das próteses vasculares,<br />

principalmente quando ocorrerem lesões<br />

vasculares isoladas. Nunca é demais lembrar que<br />

os recursos financeiros destinados à saúde são finitos,<br />

independentemente de quem paga (11-12,16-<br />

17,20,22,26,32).<br />

Deve-se registrar, apesar de não se justificar em sua<br />

plenitude, que o excesso de trabalho imposto aos<br />

profissionais da saúde, particularmente à classe médica,<br />

independentemente do motivo, contribui para<br />

as graves falhas registradas, mesmo que corrigidas<br />

posteriormente.<br />

Finalmente, a vivência de anos no setor e a constante<br />

reflexão do tema permitem destacar ainda a necessidade<br />

de ações positivas, das quais se destacam:<br />

•<br />

•<br />

•<br />

A adoção de medidas que erradiquem a concepção<br />

de ilhas inter e intra-profissionais;<br />

O estreitamento e o aprimoramento das comunicações<br />

entre o setor administrativo, em especial<br />

das diretorias com a massa crítica de trabalhadores,<br />

identidade única e de qualquer instituição;<br />

A adoção de uma política que verdadeiramente<br />

valorize os bons profissionais, não apenas entendida<br />

como uma remuneração digna, mas também<br />

com melhoria das condições de trabalho;<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

•<br />

•<br />

A constante aquisição de recursos tecnológicos,<br />

muitas vezes só adquiridos anos depois de<br />

sua consolidação mundial e/ou de ações nãocoletivas<br />

previamente tomadas;<br />

77<br />

A adoção de uma política justa em detrimento<br />

da permuta política desleal, parte da imoralidade<br />

reinante da atual conjuntura brasileira associada<br />

ainda à adoção de programas educativos e fomentadores<br />

de pesquisas conforme a pluralidade<br />

do contingente humano.<br />

Não há a menor dúvida que a vida humana não poderá<br />

jamais e de modo algum deixar de ser o foco de<br />

todas as nossas ações. No entanto, evitar a morte<br />

das instituições devida a uma má gestão precisa ser<br />

também alvo de todos (26,28,36,37).<br />

6. CONCLUSÕES<br />

Este estudo fortaleceu a importância da auditoria<br />

para o setor assistencial de saúde e a ampliação da<br />

transmissão do saber que não seja puramente biológico,<br />

mas também com foco na racionalidade de<br />

gestão, na administração igualitária e na saúde financeira<br />

institucional.


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80 Gestão, Ciência & Saúde


<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

A VINDA DE MARIA LEOPOLDINA PARA O BRASIL E O AVANÇO DAS CIÊNCIAS NATURAIS:<br />

UM OLHAR SOBRE A OBRA DE MARTIUS E SPIX<br />

THE DEVELOPMENT OF NATURAL SCIENCES IN BRAZIL DUE TO THE COMING OF THE<br />

BRAZILIAN ARCHDUCHESS MARIA LEOPOLDINA: A LOOK OVER MARTIU’S AND SPIX’S WRITINGS<br />

RESUMO<br />

Maria Raquel Joana dos Reis¹, Renata Vieira da Cunha², Vanessa Regina de Queiroz³<br />

1 Graduanda em História pela PUC Minas, gerente administrativa do Pré-Vestibular Chromos<br />

Venda Nova, kakauhistoria@yahoo.com.br; 2 Graduanda em História pela PUC Minas, estagiária<br />

do Centro de Documentação e Memória do Fundo Cristão para a crianças, nata_cunha@hotmail.<br />

com; 3 Advogada, graduanda em História pela PUC Minas, professora de inglês do Number One<br />

Idiomas, vrqcoord@gmail.com.<br />

Este trabalho tem como objetivo demonstrar o quanto<br />

a vinda da família real portuguesa para o Brasil,<br />

em 1808, seguida da vinda da Arquiduquesa Maria<br />

Leopoldina, em 1817, contribuíram para o avanço<br />

das Ciências Naturais em nosso País. O estudo foi<br />

feito com base na revisão bibliográfica de autores<br />

que abordam as diversas transformações advindas<br />

da mudança da capital lusa para os trópicos e<br />

também as atividades desenvolvidas pelo grupo de<br />

cientistas que integravam a comitiva de Leopoldina.<br />

Dentre eles, destacamos a grande contribuição oferecida<br />

por João Batista von Spix e Carlos Filipe von<br />

Martius – dois naturalistas bávaros que se consagraram<br />

por suas consistentes pesquisas acerca da<br />

flora e da fauna local. O estudo revela a importância<br />

do início do século XIX como um tempo de grandes<br />

avanços no campo científico brasileiro, pois uma vez<br />

que se encontrava fechado para o mundo, em razão<br />

do Pacto Colonial, a partir de então, o Brasil passou<br />

por mudanças que marcaram profundamente o curso<br />

de sua história.<br />

Palavras-chave: 1808, Maria Leopoldina, Spix, Martius,<br />

Ciências Naturais<br />

ABSTRACT<br />

This paper aims to demonstrate how the arrival of the<br />

Portuguese royal family to Brasil in 1808, followed<br />

by the arrival of Archeduchess Maria Leopoldina, in<br />

1817, contributed to the advancement of Natural<br />

Sciences in our contry. The study was based on tha<br />

literature review of authors who address the various<br />

changes from the change of the Portuguese capital<br />

for the tropics and also the activities developed by<br />

the group of scientists that made the group of Leopoldina.<br />

Among them, we highlight the great contribution<br />

offered by John the Baptist von Spix and Karl Friedrich<br />

von Martius – two Bavarian naturalists which are<br />

consecrated by its consistent research about the local<br />

flora and fauna. The study shows the importance<br />

of the beginning of thr nineteenth century as a time<br />

of great advances in the scientific field in Brazil, because<br />

until then this area was closed to the world because<br />

of the colonial pact, nut from that time in Brazil<br />

has experienced profound changes that marked the<br />

course of our history.<br />

Keywords: 1808, Maria Leopoldina, Spix, Martius, Natural<br />

Sciences<br />

81


82 Gestão, Ciência & Saúde<br />

1. INTRODUçãO<br />

O presente artigo tem por objetivo analisar a contribuição<br />

feita por Maria Leopoldina nos avanços<br />

das ciências no Brasil no início do século XIX. É no<br />

contexto da transferência da Corte Portuguesa para<br />

o Brasil no ano de 1817 que Maria Leopoldina vem<br />

para o nosso País para casar-se com D. Pedro, príncipe<br />

regente. Por esse fato, praticamente toda a historiografia<br />

construída em torno da princesa austríaca<br />

dedicou-se a retratar mais sua conturbada vida pessoal<br />

e sua participação no cenário político nacional,<br />

esquecendo-se do papel por ela desempenhado no<br />

incentivo às Ciências Naturais no Brasil.<br />

Tal omissão pode ser compreendida considerando a<br />

exclusão do gênero feminino da historiografia tradicional,<br />

tanto brasileira quanto mundial, uma vez que no<br />

que diz respeito à mais alta esfera da nobreza imperial,<br />

a mulher, sempre quando referida em estudos, era associada<br />

apenas ao cuidado com o marido e os filhos.<br />

No entanto, Leopoldina resistiu a esse estereótipo desempenhando<br />

um papel significativo como transmissora<br />

de conhecimentos do mundo europeu para o Brasil,<br />

já que veio para o País à frente de uma missão científica.<br />

Antes da chegada desses estudiosos, as viagens<br />

para conhecimento da natureza brasileira eram realizadas<br />

por pessoas com pouca ou nenhuma especialização<br />

propriamente científica. Esse cenário transformou-se<br />

após 1817, principalmente com a chegada dos<br />

cientistas Martius e Spix.<br />

Percebendo essa lacuna historiográfica, propomonos<br />

a estudar o tema: “A vinda de Maria Leopoldina<br />

para o Brasil e o avanço das Ciências Naturais: Um<br />

olhar sobre a obra de Martius e Spix”. Objetivamos<br />

ainda desenvolver ao longo deste trabalho uma análise<br />

acerca das inúmeras “emancipações” conquistadas<br />

pelo Brasil a partir da vinda da Corte de Dom<br />

João tanto no âmbito político, econômico, social e<br />

cultural quanto no científico, principalmente na área<br />

das Ciências Naturais.<br />

2. METODOLOGIA<br />

Tomando como referencial teórico livros que contextualizam<br />

o Brasil no início do século XIX, desenvolveremos<br />

a primeira parte do texto que apresentará uma<br />

visão geral dos acontecimentos históricos, tanto europeus<br />

quanto brasileiros, com o objetivo de analisar as<br />

transformações que a chegada de Maria Leopoldina<br />

provocou na colônia lusa, principalmente no que tange<br />

ao avanço das Ciências Naturais aqui.<br />

Já a segunda parte do artigo denominada “A chegada<br />

de Spix e Martius” analisará grande parte do<br />

trabalho realizado por esses dois cientistas naturais.<br />

Para tanto, foram utilizados como fundamentação<br />

teórica livros e artigos virtuais que relatam os três<br />

anos de pesquisas (1817-1820) realizadas em território<br />

brasileiro pelos dois pesquisadores.<br />

Concluiremos nosso artigo atribuindo maior relevância<br />

à organização e à impressão da monumental Flora<br />

Brasiliensis, iniciada em 1840 por von Martius e<br />

que ainda hoje é considerada uma obra fundamental<br />

para os estudiosos da Botânica.<br />

3. DESENVOLVIMENTO<br />

3.1. 1808: Rupturas, permanências e desdobramentos<br />

de um novo contexto brasileiro instaurado.<br />

A corte portuguesa transferiu-se para o Brasil em razão<br />

de um conjunto de circunstâncias pelas quais atravessava<br />

a Europa. Entre esses acontecimentos destacase<br />

a invasão de Napoleão Bonaparte em vários países<br />

europeus. O príncipe regente português Dom João tinha<br />

consciência de que seu reino seria invadido pelo<br />

exército francês. Apoiado pelo governo inglês o futuro<br />

Rei de Portugal deixou-se convencer e transferiu sua<br />

Corte para o Brasil, garantindo a Inglaterra, em contrapartida,<br />

favorecimentos nas alfândegas brasileiras (8).<br />

É importante explanarmos acerca de como era o Brasil<br />

em 1808 para entendermos a dimensão e o impacto<br />

causado pela instalação da Corte portuguesa. Em relação<br />

à questão geográfica, o Brasil de 1808 tinha quase<br />

a mesma extensão territorial de hoje, com exceção do<br />

Acre, comprado da Bolívia em 1903, e de algumas regiões<br />

que constituem o sul do País hoje em dia. A maior<br />

parte da população estava concentrada nas áreas litorâneas<br />

dos atuais Estados da Bahia e do Rio de Janeiro<br />

e também nas regiões interioranas de Minas Gerais, por<br />

exemplo. Essa ocupação populacional fortuita devia-se<br />

aos maiores atrativos econômicos desses locais. A população<br />

indígena era bem maior do que é hoje, e o número<br />

de escravos africanos somava cerca de um terço<br />

do total de habitantes do País. Mantida por três séculos<br />

no atraso, a colônia era composta por áreas isoladas,<br />

distantes e estranhas entre si, as quais se transforma-


am radicalmente com a chegada da Corte (4).<br />

Dentre as mudanças ocorridas no período joanino<br />

destacam-se: a transferência da sede político-administrativa<br />

para o Brasil; a abertura dos portos às nações<br />

amigas de Portugal; a revogação da proibição<br />

imposta em 1785 de se instalarem manufaturas no<br />

Brasil; a assinatura dos tratados de 1810; a criação<br />

de Ministérios e Tribunais; a criação da casa da Moeda,<br />

do Banco do Brasil, do Jardim Botânico, do Teatro<br />

Real, da Imprensa Real, da Academia Real Militar,<br />

da Academia Real de Belas Artes e da Biblioteca<br />

Real. É válido ressaltar a chegada à cidade do Rio<br />

de Janeiro, em 1816, da Missão Artística Francesa,<br />

que tinha por finalidade implementar as artes úteis<br />

no País, por meio da criação de uma Escola Real de<br />

Ciências, Artes e Ofícios (9).<br />

O ano de 1808 também pode ser entendido como um<br />

marco significativo na história da cultura científica do<br />

Brasil. Entre 1808 e 1821 inaugurou-se um ciclo de<br />

viagens e expedições científicas, à testa das quais especialistas<br />

eminentes de várias partes do mundo puseram<br />

seu saber a serviço do conhecimento da flora, da<br />

fauna, da geografia, da geologia, da paleontologia e da<br />

etnologia dessa porção do Novo Continente (1).<br />

Essas expedições científicas ganharam grande força<br />

principalmente na época em que a arquiduquesa Carolina<br />

Josefa Leopoldina, filha do Imperador Francisco<br />

II e de Maria Teresa da Sicília, veio para o Brasil<br />

com a incumbência de unir a Áustria – seu país de<br />

origem – a Portugal – pátria de seu futuro marido, D.<br />

Pedro. E como um traço importante de sua personalidade,<br />

podemos citar a grande paixão que a princesa<br />

revelava pelas Ciências Naturais e pelas artes. Já<br />

em relação à educação da arquiduquesa, pode-se<br />

dizer que foi baseada em princípios firmes e tradicionais,<br />

aliás, como praticamente todas as mulheres<br />

da nobreza européia da época. Esses princípios, segundo<br />

June Hahner (5), não eram válidos só para as<br />

mulheres européias, mas para praticamente todas,<br />

independente da região que habitavam.<br />

O início do século XIX foi um período muito conturbado<br />

na Europa, em virtude dos desdobramentos das<br />

invasões napoleônicas, como já foi citado anteriormente,<br />

e, por isso, Portugal tentou estabelecer contatos<br />

diretos com outras grandes potências, como a<br />

Áustria, a Prússia e a Rússia, objetivando diminuir<br />

a dependência de que estava sujeita à Inglaterra.<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

Nesse contexto, a forma mais comum de assegurar<br />

uma aliança entre dois países era por meio do matrimônio.<br />

Sendo assim, diplomatas portugueses propuseram<br />

aos Habsburgos o casamento do príncipe<br />

regente de Bragança com a arquiduquesa austríaca.<br />

O contrato matrimonial foi assinado no dia 26 de novembro<br />

de 1816 e o casamento por procuração foi<br />

marcado para o dia 13 de maio de 1817.<br />

Leopoldina era um bom exemplo de uma arquiduquesa<br />

da família Habsburgo educada com perfeição.<br />

Ela aceitava as regras de uma estrita etiqueta e,<br />

sem resistir, cumpria com os deveres que lhe eram<br />

impostos. Esses deveres incluíam o casamento, o<br />

nascimento de filhos, a promoção do Estado no qual<br />

fosse viver e a subordinação de sua própria vida<br />

em prol dos interesses do mesmo. Porém, apesar<br />

de toda a educação tradicional que recebeu, não se<br />

pode subestimar a importância que Maria Leopoldina<br />

representou para o desenvolvimento da cultura e<br />

da educação científica no Brasil.<br />

Registros afirmam que Maria Leopoldina tinha aulas de<br />

Ciências Naturais, inclusive Botânica, Mineralogia, Astronomia<br />

e Física, assim como de Religião, Desenho,<br />

História, Francês, Italiano e Música. O gosto de Maria<br />

Leopoldina pelas ciências cresceu juntamente com ela,<br />

em grande parte pelo fato de seu pai ser um amante da<br />

Botânica. Quando emigrou para a colônia portuguesa<br />

Maria Leopoldina, levou com ela 42 caixas do tamanho<br />

de um indivíduo contendo o seu enxoval, sua biblioteca,<br />

suas coleções e os presentes para a casa real (6).<br />

Entretanto, a futura Imperatriz do Brasil não veio para o<br />

País sozinha; pelo contrário, seguiram-lhe vários naturalistas<br />

ingleses, franceses e de outras regiões européias<br />

que tinham por objetivo catalogar cada descoberta que<br />

fizessem por aqui. Como chefe da expedição científica<br />

que a acompanhou, foi nomeado o professor João Cristian<br />

Mikan, que era botânico e etnólogo, e juntamente<br />

com ele vieram: o médico e naturalista João Emanuel<br />

Pohl, o paisagista Tomás Ender, o pintor de plantas João<br />

Buchberger, o jardineiro Henrique Guilherme Schoft e o<br />

caçador Domingos Socher. Dois cientistas bávaros também<br />

foram indicados para fazerem parte da comitiva<br />

que acompanhava a princesa: Carlos Frederico Filipe<br />

von Martius e João Batista Von Spix. Tudo o que descobriam<br />

era detalhado em diários que posteriormente<br />

transformaram-se em livros (3).<br />

De acordo com Lorelai Kury (7), pesquisadora em<br />

História das Ciências, durante boa parte do período<br />

83


84 Gestão, Ciência & Saúde<br />

colonial até a abertura dos portos em 1808, pelo príncipe<br />

D. João, as viagens para conhecimento da natureza<br />

foram realizadas com pouca ou nenhuma especialização<br />

propriamente científica. Para ela, a relativa<br />

escassez de relatos de viajantes sobre a América portuguesa<br />

se explica igualmente pelo zelo de Portugal<br />

em tentar conservar sua colônia longe da cobiça das<br />

potências rivais. Nada que pudesse conter informações<br />

úteis sobre o Brasil podia ser publicado. Até esse<br />

momento, início do século XIX, pode-se afirmar que o<br />

mundo pouco conhecia a respeito da flora, da fauna<br />

e da geografia brasileira, tendo conhecimento apenas<br />

dos poucos trabalhos realizados pela missão científica<br />

de Nassau 1 no século XVII.<br />

3.2. A chegada de Spix e Martius<br />

João Batista Von Spix e Carlos Filipe Von Martius,<br />

foram dois cientistas da Baviera que integraram a<br />

comitiva da arquiduquesa de Habsburgo e que se<br />

destacaram entre o ilustre grupo de cientistas europeus<br />

que vieram para o Brasil estudar a fauna e a<br />

flora local. Spix e Martius, como são popularmente<br />

conhecidos, chegaram ao Brasil em 1817, sendo<br />

responsáveis pela exploração e coleta dos mais diversos<br />

materiais encontrados durante o tempo da<br />

expedição, em um momento em que quase todos os<br />

países da Europa também haviam mandado seus<br />

representantes por intermédio de cientistas, colecionadores<br />

e empalhadores. Spix, que nasceu em 9 de<br />

fevereiro de 1781, chegou ao Brasil com 36 anos.<br />

Tendo se doutorado aos 19 anos, era filho de um<br />

boticário e professor, natural de Hochstedt Aisch, na<br />

alta Francônia. Naquela época já era bastante reconhecido<br />

na Europa, tendo sido também o primeiro<br />

zoólogo que trabalhava na região amazônica. Foi<br />

responsável por parte fundamental e básica de nosso<br />

conhecimento atual sobre a fauna do continente,<br />

especialmente sobre animais vertebrados. Antes da<br />

chegada ao Brasil, trabalhou para a Academia de<br />

Ciências por alguns anos. Nesse período, desenvolveu<br />

importantes trabalhos sobre anatomia morfológica,<br />

biologia evolutiva e história natural, que lhe<br />

deram fundamentos para empreendimentos científicos<br />

futuros. Trabalhou ainda como conservador do<br />

Museu de Munique.<br />

Seu companheiro de viagem, Martius, nasceu em<br />

Erlangen, Munique, em 17 de abril de 1794. Tendo<br />

se doutorado aos 20 anos de idade, chegou ao<br />

Brasil com apenas 23. Trabalhou como médico, botânico<br />

e antropólogo, sendo reconhecido como fundador<br />

da etnografia brasileira e como um dos mais<br />

importantes alemães que estudaram o País, especialmente<br />

a região da Amazônia.<br />

De acordo com Ernest Josef Fittkau (2), zoólogo e<br />

estudioso das obras de Spix, os dois cientistas uniram-se<br />

apenas para a expedição científica ao Brasil,<br />

e o grande sucesso da mesma é mérito de ambos.<br />

Spix, por ser o mais velho e mais experiente,<br />

atuou como chefe das pesquisas, sendo também<br />

o responsável pela elaboração dos relatórios que<br />

deveriam ser enviados ao rei da Baviera, sogro do<br />

pai de Leopoldina. Durante os três anos de viagem,<br />

ambos percorreram uma extensão de 10.000 quilômetros,<br />

não se limitando apenas ao litoral do Rio de<br />

Janeiro. Enveredaram pelo interior de Minas Gerais<br />

e de São Paulo, passando pela Bahia, por Pernambuco,<br />

pelo Piauí, pelo Maranhão, pelo Pará e pelo<br />

Amazonas. E como nos afirma Barreto: “sem se limitarem<br />

às respectivas especialidades, coligiram,<br />

também, material sobre economia, geografia, medicina,<br />

clima, condições sociais e etnológicas” (1).<br />

Após todo esse percurso, de labor infatigável e de<br />

muitos riscos, no dia 15 de junho de 1820 embarcaram<br />

para a Baviera, tendo reunido um acervo de<br />

aproximadamente 6.500 variedades de flora, 85 espécimes<br />

de mamíferos, 350 de aves, 130 de anfíbios,<br />

116 de peixes e 2.700 de insetos.<br />

Uma vez na pátria, Spix e Martius se reuniram para a<br />

elaboração da obra que consagrou a viagem, conhecida<br />

como “Viagem pelo Brasil” (10), escrita em três<br />

volumes, de 1823 a 1831, e que, em virtude da morte<br />

de Spix, no ano de 1826, foi terminada por Martius.<br />

Spix retornou da viagem em condições precárias de<br />

saúde, pois havia contraído esquistossomose, fato que<br />

teria sido a causa de sua morte na Europa, seis anos<br />

depois. Entretanto, apesar de se sentir muito fraco,<br />

1 Johann Moritz of Nassau-Siegen, mais conhecido pelo nome “brasileiro”, Maurício de Nassau, foi governante da colônia holandesa<br />

no Nordeste do Brasil, com capital em Recife, de 1637 a 1644. Sua administração tornou-se conhecida pelos trabalhos<br />

de cientistas e artistas que o acompanharam e, sob seu patrocínio, exploraram e pintaram a nova terra, suas belezas naturais e<br />

seus habitantes. Humanista, Nassau estimulou as ciências e as artes. Fez construir um observatório astronômico, criou um jardim<br />

botânico e trouxe em sua comitiva mestres da pintura flamenga, como Frans Post e Albert Eckout, além de diversos artistas<br />

e cientistas, convidados a se juntar a ele num grande projeto que definiu como “exploração profunda e universal da terra”.


continuou a desenvolver seus projetos, publicando inúmeros<br />

trabalhos acerca do material coletado no Brasil.<br />

Assim, seis anos mais tarde, Spix havia completado as<br />

descrições de cerca de quinhentas espécies de moluscos<br />

e vertebrados colecionados, apresentando também<br />

estudos sobre macacos, tartarugas, morcegos, sapos,<br />

aves, cobras e lagartos. Logo após sua morte, sob a<br />

supervisão de Martius, que tomou conta de tudo o que<br />

o companheiro deixou, e contando com o apoio de outros<br />

cientistas, foram ainda publicados alguns trabalhos<br />

referentes a moluscos, peixes e insetos.<br />

Já Martius obteve grande sucesso na continuação<br />

de seus estudos, sendo inclusive nomeado titular da<br />

cadeira de Botânica da Universidade de Munique.<br />

Dotado de uma cultura extraordinária, desenvolveu<br />

trabalhos em diversas áreas, como, por exemplo, etnografia,<br />

folclore brasileiro e estudos das línguas indígenas.<br />

Além disso, o referido naturalista escreveu<br />

um livro sobre a história antiga e moderna do Brasil,<br />

que tratava da vida política, dos assuntos civis, eclesiásticos<br />

e literários do País. Esse livro foi encomendado<br />

pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro<br />

(IHGB) nos anos de 1840. Todavia, as obras mais<br />

importantes de Martius são, sem dúvida alguma, as<br />

relativas à sua especialidade, a botânica brasileira.<br />

Sendo a obra mais consagrada de Martius a famosa<br />

“Flora Brasiliensis”, que abrange 40 volumes. E para<br />

compreendermos a magnitude dessa obra no cenário<br />

científico, recorremos novamente a Barreto, (1)<br />

quando sintetiza sua organização nas seguintes palavras:<br />

iniciada por ele (Martius) em 1840 e continuada<br />

até a sua morte (1868); foi depois prosseguida por<br />

Augusto Guilerme Eichler e Inácio Urban e terminada<br />

em 1906, portanto 66 anos após Martius havê-la<br />

iniciado. Nela colaboraram 65 botânicos, na maioria<br />

cientistas da língua alemã, mas também alguns de<br />

outras nacionalidades, inclusive brasileiros. Escrita<br />

em latim, contém 20.753 páginas e 3.811 gravuras.<br />

Apesar das descobertas posteriores de milhares de<br />

plantas, a Flora Brasiliensis continua sendo a obra<br />

fundamental sistemática da nossa botânica.<br />

Financiado pelo imperador Ferdinando I da Áustria,<br />

pelo rei Ludovico I da Baviera e por D. Pedro II, imperador<br />

do Brasil, o projeto contém em sua maioria<br />

descrições de angiospermas brasileiras. A disposição<br />

textual da coleção é composta por colunas (duas<br />

em cada página) que descrevem minuciosamente<br />

o sistema de classificação da vegetação brasileira<br />

criada por Martius.<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

Desde 1852, o Governo Brasileiro vinha patrocinando<br />

sua publicação, de alto custo pelas características<br />

editoriais, com uma quantia de dez contos de<br />

réis; por isso, a publicação levava impressão “Sublevatum<br />

Populi Brasiliensis Liberalitale”<br />

A precariedade dos recursos de captação de imagens<br />

tornou importante a presença de diversos artistas<br />

para a produção dos desenhos que compõem a<br />

Flora Brasiliensis, feitos a bico de pena. As edições<br />

da Flora Brasiliensis no Brasil são raríssimas e geralmente<br />

ficam trancadas sem acesso nas bibliotecas<br />

que as possuem. O Centro de Informação Científica<br />

Histórica e Cultural da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> é um<br />

desses poucos lugares que guardam essa majestosa<br />

coleção, precisamente nove fascículos.<br />

Os avanços tecnológicos permitiram que recentemente<br />

fosse disponibilizada, de forma gratuita, a<br />

versão eletrônica do livro no endereço .<br />

Para a grande maioria dos<br />

autores consultados, a Flora Brasiliensis é considerada<br />

uma obra prima da botânica, ou seja, o livro em<br />

que se encontram os registros mais antigos sobre a<br />

taxonomia de plantas brasileiras. Representa, ainda,<br />

a mais extensa reunião de descrições sobre a flora<br />

do País. E é justamente por todas essas contribuições<br />

que Martius é reconhecido como um dos mais<br />

ilustres conhecedores de sua especialidade, e em<br />

função da morte prematura de Spix, acabou sendo<br />

também o mais congratulado pelos sucessos da expedição<br />

ao Brasil.<br />

4. CONCLUSãO<br />

Se durante muito tempo as viagens científicas ao Brasil<br />

foram uma exceção, em meados do século XVIII a<br />

situação se transformou. O movimento de ilustração<br />

em Portugal deflagrou um processo de valorização<br />

dos produtos naturais das colônias portuguesas, em<br />

especial a do nosso País.<br />

Diante de tal realidade, a metrópole lusa começou a<br />

desenvolver uma política que influenciava a organização<br />

de expedições científicas ao território brasileiro,<br />

visando ao conhecimento dos produtos da natureza,<br />

bem como de seus usos e propriedades.<br />

No ano de 1817, quando a Princesa Leopoldina, em<br />

companhia de ilustres cientistas, também aportou<br />

em terras brasileiras, ocorreu uma ressignificação do<br />

85


86 Gestão, Ciência & Saúde<br />

tema que ora nos ocupa. E por meio da análise das<br />

obras de Martius e Spix encontramos dados que comprovam<br />

ainda que o início do século XIX é, de fato,<br />

um tempo de grandes avanços no campo científico,<br />

marcado por constantes permanências e rupturas,<br />

evidenciadas pelo próprio curso da História. Assim,<br />

apesar sabermos que tal episódio ocorrido entre os<br />

anos 1807-1808 não deve ser considerado somente<br />

a partir de perspectivas positivas, pode-se concluir<br />

que inegavelmente trata-se de um marco sem precedentes<br />

na história nacional, responsável por um<br />

período de grandes questionamentos internos, que<br />

provocou um “novo descobrimento do Brasil” e que,<br />

levado aos últimos termos, acabou culminando com<br />

o processo de nossa emancipação política ante a<br />

metrópole portuguesa em 1822.<br />

Contudo, pode-se concluir que a transferência da<br />

Corte portuguesa para o Brasil, assim como a vinda<br />

de D. Maria Leopoldina – acompanhada pela missão<br />

científica que incluía os dois grandes cientistas<br />

trabalhados no presente texto –, colaborou de forma<br />

bastante significativa para a transformação do contexto<br />

até então vigente, instaurando assim, um período<br />

áureo para as viagens científicas em nosso País.<br />

AGRADECIMENTOS<br />

Às professoras Maria Mercedes Silva Petres e Solange<br />

de Oliveira Bicalho, do curso de História da<br />

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, que<br />

gentilmente se dispuseram a revisar nosso texto.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

1. BARRETO, Célia de Barros. Viajantes, naturalistas<br />

e artistas estrangeiros. In: HOLANDA, Sérgio Buarque<br />

de (Org.). História Geral da Civilização Brasileira:<br />

O Processo de emancipação. Tomo II: O Brasil<br />

monárquico. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,<br />

2003, v. 3, p. 136-150.<br />

2. FITKAU, Ernst Josef. Johann Baptist Ritter von<br />

Spix: primeiro zoólogo de Munique e pesquisador<br />

no Brasil. Disponível em: Acesso em: 16 maio<br />

2008.<br />

3. GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca,<br />

um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram<br />

Napoleão e mudaram a História de Portugal e<br />

do Brasil. São Paulo: Planeta, 2007, 414 p.<br />

4. GOMES, Laurentino; NOGUEIRA, Marcos. O Brasil<br />

surreal que Dom João encontrou: negros donos<br />

de escravos em Minas, chuvas de esgoto em Salvador<br />

e um índio rei da Amazônia. De norte a sul,<br />

uma viagem pelo inacreditável país que existia antes<br />

de 1808. In: <strong>Revista</strong> Super Interessante. Edição 251<br />

– Abril de 2008. p. 65-73<br />

5. HAHNER, June E. A mulher no Brasil. Tradução<br />

Eduardo F. Alves. Coleção Retratos do Brasil. Rio de<br />

Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, v.112, 175 p.<br />

6. HAM, Clúdia Reichl A imperatriz Leopoldina e sua<br />

contribuição para o Brasil. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2008.<br />

7. KURY, Lorelai. B. Viajantes e naturalistas do século<br />

XIX. In: Paulo Roberto Pereira. (Org.). Brasiliana<br />

da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: <strong>Fundação</strong> Biblioteca<br />

Nacional/Nova Fronteira, 2001, p. 59-77.<br />

8. LIMA, Manuel de Oliveira. D. João VI no Brasil. 3.<br />

ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.<br />

9. NEVES, Lúcia Bastos Pereira das. A missão artística<br />

francesa. Disponível em < http://catalogos.<br />

bn.br/redememoria/missfrancesa.html>. Acesso em<br />

12 maio 2008.<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

10. SPIX; MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820.<br />

Tradução Lúcia Furquim Lahmeyer. São Paulo: Ed.<br />

Da Universidade de São Paulo, 1981, v. 3, 326 p.<br />

87


88 Gestão, Ciência & Saúde


INSTRUçÕES PARA COLABORADORES E<br />

NORMAS PARA PUBLICAçãO<br />

1- OBJETIVOS<br />

Gestão, Ciência & Saúde – <strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong><br />

<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> é um periódico semestral, dedicado<br />

à publicação de conteúdo técnico-científico, com<br />

informações que contribuam significativamente<br />

para o conhecimento nas ciências da saúde e da<br />

gestão. Editada pela <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong> – <strong>Funed</strong>,<br />

a <strong>Revista</strong> tem como objetivo divulgar resultados<br />

de investigações científicas tanto básicas como<br />

aplicadas. Propõe-se a promover o debate científico,<br />

contribuindo de forma eficaz para garantir o<br />

resgate e a preservação da memória da ciência, a<br />

consolidação de áreas do conhecimento e para a<br />

melhor comunicação de resultados à comunidade<br />

científica e à sociedade.<br />

2- ESTRUTURAÇÃO BÁSICA<br />

A <strong>Revista</strong> será multidisciplinar com contribuições<br />

da comunidade científica por meio da publicação<br />

de artigos originais; relatos de experiência/caso;<br />

história da saúde pública; resenhas de livros, artigos,<br />

dissertações e teses; relatórios de reuniões<br />

ou oficinas de trabalho e de pesquisa; comentários<br />

das instituições de saúde de Estado e revisões.<br />

Os trabalhos das diversas categorias devem ser<br />

inéditos e se destinarem exclusivamente à <strong>Revista</strong>.<br />

•<br />

Artigos originais<br />

Textos que contenham relatos completos de estudos<br />

ou pesquisas concluídas e colaborações assemelhadas.<br />

Devem apresentar, no máximo, vinte<br />

páginas impressas, excetuando figuras, tabelas e<br />

anexos.<br />

•<br />

Relatos de experiência/caso<br />

Textos que apresentem experiências nos temas de<br />

saúde, ciência e gestão, em que o resultado é anterior<br />

ao interesse de sua divulgação ou a ocorrência<br />

dos resultados não é planejada. Inclui novas técnicas,<br />

terapias, diagnóstico, patologias, materiais e<br />

soluções inovadoras para problemas especiais. Devem<br />

apresentar, no máximo, vinte páginas impres-<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

sas, excetuando figuras, tabelas e anexos.<br />

•<br />

História da saúde pública<br />

Relatos sobre fatos e personalidades que contribuíram<br />

para a história da saúde pública e de<br />

disciplinas afins. Devem apresentar, no máximo,<br />

vinte páginas impressas, excetuando figuras, tabelas<br />

e anexos.<br />

•<br />

Resenhas de livros, artigos, dissertações<br />

e teses<br />

Análises críticas para a divulgação de opiniões<br />

de pesquisadores e técnicos sobre textos publicados<br />

nas modalidades citadas referentes a temas<br />

atuais de sua especialidade, cujo conteúdo<br />

se enquadre nos objetivos da <strong>Revista</strong>. Devem<br />

apresentar, no máximo, dez páginas impressas<br />

excetuando figuras, tabelas e anexos.<br />

•<br />

Relatórios de reuniões ou oficinas de trabalho<br />

e de pesquisa<br />

Textos sobre a discussão de temas relevantes<br />

em saúde, ciência e gestão, com recomendações<br />

e conclusões. Devem apresentar, no máximo,<br />

dez páginas impressas, excetuando figuras,<br />

tabelas e anexos.<br />

•<br />

Comentários das instituições de saúde do<br />

Estado de Minas Gerais<br />

Textos expressando a opinião em breve relato<br />

sobre temas relevantes da atualidade nas áreas<br />

de saúde, ciência e gestão. Devem apresentar, no<br />

máximo, quinze páginas impressas, excetuando<br />

figuras, tabelas e anexos.<br />

•<br />

Revisão<br />

Síntese crítica de conhecimentos disponíveis<br />

sobre determinado tema, mediante análise e<br />

interpretação de bibliografia pertinente. Devem<br />

apresentar, no máximo, vinte páginas impressas,<br />

excetuando figuras, tabelas e anexos.<br />

Outras modalidades podem ser aceitas desde que<br />

aprovadas pelo Conselho Editorial Científico.<br />

89


90 Gestão, Ciência & Saúde<br />

3- INSTRUÇÕES GERAIS PARA AUTORES<br />

•<br />

Submissão de trabalhos<br />

Os trabalhos devem ser encaminhados por meio<br />

de carta, assinada pelo autor responsável pela<br />

correspondência, ao Conselho Editorial Científico<br />

da Gestão, Ciência & Saúde – <strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong><br />

<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>.<br />

A carta deve descrever a categoria do trabalho e<br />

conter declaração de concordância com a cessão<br />

de direitos autorais. Tabelas e figuras publicadas<br />

em outros periódicos devem ter a fonte citada.<br />

A carta deve indicar o nome, endereço, números<br />

de telefone, fax e e-mail do autor para o qual a<br />

correspondência deve ser enviada.<br />

O endereço postal é Conselho Editorial Científico<br />

da Gestão, Ciência & Saúde – <strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong><br />

<strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>/ Centro de Informação Científica,<br />

Histórica e Cultural/ <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>/<br />

Rua Conde Pereira Carneiro, 80 – Bairro Gameleira/<br />

Cep 30. 510-010, Belo Horizonte/MG.<br />

Após aprovação final o trabalho deverá ser reencaminhado<br />

para o endereço eletrônico gestaocienciaesaude@funed.mg.gov.br.<br />

Os trabalhos submetidos são arbitrados por pelo<br />

menos dois revisores pertencentes ao quadro de<br />

colaboradores da <strong>Revista</strong>. Os autores são responsáveis<br />

pelas informações contidas nos trabalhos<br />

e pelo ineditismo dos mesmos. Somente<br />

serão aceitos trabalhos que se destinem exclusivamente<br />

à <strong>Revista</strong>.<br />

•<br />

Apresentação do manuscrito:<br />

Os trabalhos deverão ser encaminhados em três cópias,<br />

redigidos em português, digitados no programa<br />

Word for Windows, versão 6.0 ou superior, fonte Arial,<br />

tamanho 12, entrelinha espaço duplo, com margens<br />

superior de 3 cm e inferior e laterais de 2,5 cm, respeitando-se<br />

o número máximo de páginas indicadas<br />

por categoria, incluindo referências bibliográficas e excluindo<br />

figuras, tabelas e anexos. Todas as páginas do<br />

texto devem ser numeradas a partir da página de identificação<br />

(página de rosto) com numeração no início da<br />

página (cabeçalho) e alinhamento à direita. As figuras,<br />

tabelas e anexos devem ser numerados conforme cita-<br />

das no texto e auto-explicativas, no total máximo de<br />

cinco (05), e serão impressas em preto e branco.<br />

No preparo do trabalho original será observada,<br />

sempre que possível, a seguinte estrutura:<br />

Página de rosto: Título do artigo – em português<br />

e inglês em letras maiúsculas e sem abreviaturas.<br />

Nome(s) do(s) autor(es): por extenso, com<br />

indicação da formação acadêmica profissional,<br />

títulos acadêmicos, função que exercem atualmente,<br />

nome da instituição a que pertencem,<br />

endereço eletrônico (pelo menos do autor responsável<br />

pela correspondência).<br />

Resumo: em português e inglês, com no máximo<br />

350 palavras. O formato do resumo deve ser<br />

o narrativo, destacando objetivos, métodos básicos<br />

adotados, resultados e conclusões mais<br />

relevantes. Não devem constar abreviaturas.<br />

Palavras-chave: podem ser utilizados até seis<br />

descritores que identifiquem o conteúdo do artigo,<br />

se possível baseados no DECS (Descritores<br />

em Ciências da Saúde), disponível no www.<br />

bireme.br terminologia em saúde e consulta ao<br />

DECS, em português e inglês.<br />

•<br />

Texto:<br />

Seguir estrutura formal para trabalhos científicos,<br />

numeradas com algarismos arábicos, compreendendo:<br />

•<br />

1. Introdução;<br />

• 2. Desenvolvimento (a critério do autor):<br />

exemplo: metodologia, resultados alcançados,<br />

discussão. Além do texto, poderão<br />

constar, até, no máximo, cinco tabelas,<br />

figuras ou anexos auto-explicativos e numerados<br />

conforme citados no texto, que<br />

serão impressos em preto e branco.<br />

•<br />

•<br />

3. Conclusão.<br />

Agradecimentos: (opcional)<br />

C<br />

• itações Bibliográficas no texto: mencionar<br />

apenas o número recebido pelo documento<br />

na listagem da Referência Bibliográfica<br />

(ordem alfabética). Esse numeral


será entre parênteses e sem nenhum efeito<br />

(não sobre ou subescritar).<br />

• Referências Bibliográficas: deverão ser ordenadas<br />

alfabeticamente e numeradas (algarismos<br />

arábicos), redigidas também em espaço<br />

duplo. Devem obedecer ao estilo e à pontuação<br />

das normas da ABNT NBR 6023.<br />

Dúvidas com relação às normas, consultar pelo<br />

endereço eletrônico: aleite@funed.mg.gov.br<br />

<strong>Revista</strong> da <strong>Fundação</strong> <strong>Ezequiel</strong> <strong>Dias</strong>, v. 3, n. 2, jul./dez. 2008<br />

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