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SALMO 89 Osvaldo Luiz Ribeiro* O artigo interpreta o Sl ... - Oracula

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Resumo<br />

<strong>SALMO</strong> <strong>89</strong><br />

Crise e quebra din·stica como anti-cosmogonia<br />

<strong>Osvaldo</strong> <strong>Luiz</strong> Ribeiro <br />

O <strong>artigo</strong> <strong>interpreta</strong> o <strong>Sl</strong> <strong>89</strong> como s˙plica de um desalentado rei diante de grave crise<br />

din·stica davÌdica. O rei encontra-se destronado (Bí) e sem descendentes (Aí), apesar do<br />

juramento ritual de Yahweh (A), que, nos termos da tradiÁ„o mÌtico-cosmogÙnica prÛximo-<br />

oriental, nesse caso, israelita/judaÌta (B), legitima a monarquia davÌdica como rÈplica da<br />

realeza celestial do deus cosmogÙnico (X). O juramento ritual fazia ao rei e ao povo saber<br />

que a ìfidelidadeî e a ìlealdadeî de Yahweh garantiriam a perpetuidade da dinastia ñ<br />

respectivamente da ìcriaÁ„oî. O destronamento da realeza (Bí) constitui, j·, em si, uma<br />

anti-cosmogonia (B x Bí). Mas uma tragÈdia ainda maior se avizinha ñ o rei est· prÛximo da<br />

morte, e n„o tem descendente (Aí). Eis a ang˙stia das ang˙stias: onde foram parar as<br />

antigas lealdades de Yahweh, que ele, na sua fidelidade, jurara a David (A x Aí)?<br />

Palavras-chave: Cosmogonia; criaÁ„o; entronamento; rei; dinastia; <strong>Sl</strong> <strong>89</strong>.<br />

Abstract<br />

ORACULA 5.9 (2009)<br />

ISSN: 1807-8222<br />

The article interprets the Psa <strong>89</strong> as a supplication of a dispirited king before serious<br />

Davidic dynastic crisis. The king is uncrowned (Bí) and without children (Aí), despite the<br />

ritual oath of Yahweh (A), which according to near-east mythical-cosmogonic tradition, in<br />

this case, Israelite/Jewish (B), legitimizes the Davidic monarchy as replica of heavenly<br />

Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Mestre e graduado em Teologia pelo Semin·rio TeolÛgico Batista do<br />

Sul do Brasil. Professor de HermenÍutica, Epistemologia e Fenomenologia da Religi„o. EndereÁo eletrÙnico:<br />

osvaldo@ouviroevento.pro.br.


<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

royalty of the cosmogonic god (X). The ritual makes the king and the people to know that<br />

the ìfaithfulnessî and ìloyaltyî of Yahweh ensure the perpetuity of the dynasty ñ<br />

respectively of the ìcreationî. The dethronement of royalty (Bí) is already in itself an anti-<br />

cosmogony (B x Bí). But an even greater tragedy is just around the corner ñ the king is near<br />

death, and has no offspring (Aí). That is the anguish of distress: where did all the old<br />

loyalties of Yahweh that he in his fidelity had sworn to David (A x Aí)?<br />

Keywords: Cosmogony; creation; enthronement; king; dynasty; Psa <strong>89</strong>.<br />

TraduÁ„o<br />

A<br />

1 Maskil de íIteram, o ezraÌta.<br />

2a As lealdades de Yahweh perpetuamente cantarei,<br />

2b de geraÁ„o em geraÁ„o anunciarei a tua fidelidade com a minha boca.<br />

Sel·.<br />

B<br />

3a Sim, eu disse: ìperpetuamente a lealdade est· construÌda<br />

3b ñ os cÈus, estabeleceste a tua fidelidade nelesî.<br />

4a ìCortei uma alianÁa com o meu escolhido,<br />

4b jurei a David, meu servo:<br />

5a ëpara sempre, estabelecerei a tua semente,<br />

5b e construirei, de geraÁ„o em geraÁ„o, o teu tronoíî.<br />

6a E louvar„o os cÈus a tua maravilha, Yahweh,<br />

6b e a tua fidelidade, na congregaÁ„o dos santos.<br />

7a Por que quem, sobre a nuvem, È compar·vel a Yahweh?<br />

7b Semelhante a Yahweh, entre os B¸nÍ-¥ÎlÓm?<br />

8a El È temido no conselho dos santos,<br />

8b grande e terrÌvel sobre a totalidade do redor dele.<br />

9a Yahweh, Deus dos ExÈrcitos ñ quem È como tu?<br />

Forte È Yah, e a tua fidelidade est· ao redor de ti.<br />

82


10a Tu È quem dominas o soerguimento do mar,<br />

10b no levantarem-se as ondas dele, tu as aquietas.<br />

11a Tu È quem esmagaste, como ‡ carcaÁa, Rahab,<br />

11b com o braÁo da tua forÁa espalhaste os teus inimigos.<br />

12a Teus s„o os cÈus, e tua È a terra,<br />

12b o orbe e a plenitude dele tu os alicerÁaste.<br />

13a Norte e Sul tu os cortaste,<br />

13b Tabor e Hermon ao teu nome jubilam.<br />

14a Tu tens um braÁo com poder,<br />

14b forte È a tua m„o, levantada est· a sua destra.<br />

15a JustiÁa e Direito s„o a fundaÁ„o do teu trono,<br />

15b Lealdade e Verdade guardam as tuas faces.<br />

X<br />

16a As felicidades do povo È experimentarem a clarinada!<br />

16b Yahweh ñ na luz das tuas faces andar„o.<br />

17a No teu nome regozijar-se-„o todo o dia,<br />

17b e na tua justiÁa levantar-se-„o.<br />

18a Porque o orgulho da sua forÁa Ès tu,<br />

18b e pelo teu favor levantar· o nosso chifre.<br />

19a Porque de Yahweh È o nosso escudo,<br />

19b e do Santo de Israel, o nosso rei.<br />

20a Outrora, falaste em vis„o aos teus leais,<br />

20ba dizendo: ìinstalei a minha ajuda sobre o valente,<br />

20bb levantei um escolhido dentre o povo.<br />

21a Encontrei David, o meu servo ñ<br />

21b com o Ûleo de minha santidade eu o ungi ñ<br />

22a com quem a minha m„o estar· estabelecida,<br />

22b e a quem o meu braÁo firmar·.<br />

23a N„o o acossar· o inimigo,<br />

23b nem o filho da maldade o afligir·.<br />

24a Esmagarei diante das faces dele os seus agressores,<br />

24b e os que o odeiam golpearei.<br />

25a A minha fidelidade e a minha lealdade estar„o com ele,<br />

<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

83


25b e no meu nome levantar-se-· o seu chifre.<br />

26a Manterei sobre o mar a m„o dele,<br />

26b e sobre as torrentes a sua direita.<br />

27a Ele mesmo me invocar·: ëmeu pai Ès tu,<br />

27b meu deus e rocha da minha salvaÁ„oí.<br />

28a E eu ñ primogÍnito o colocarei,<br />

28b elevadÌssimo entre os reis da terra.<br />

29a Para sempre conservar-lhe-ei a minha lealdade,<br />

29b e a minha alianÁa ser· confirmada com ele.<br />

30a E manterei para sempre a semente dele,<br />

30b e o trono dele ser· como os dias dos cÈus.<br />

31a Se deixarem os filhos dele a minha lei,<br />

31b e nos meus direitos n„o andarem,<br />

32a se os meus estatutos eles violarem,<br />

32b e os meus mandamentos n„o guardarem,<br />

33a ent„o visitarei com vara a transgress„o deles,<br />

33b e com aÁoites, a sua iniq¸idade,<br />

34a mas a minha lealdade n„o retirarei de junto dele,<br />

34b e n„o desmentirei a minha fidelidade.<br />

35a N„o quebrarei a minha alianÁa,<br />

35b e o que sai dos meus l·bios n„o mudarei.<br />

36a J· jurei por minha santidade<br />

36b ñ a David n„o mentirei.<br />

37a A semente dele para sempre permanecer·,<br />

37b e o trono dele, como o sol diante de mim.<br />

38a Como a lua, ser· estabelecido perpetuamente,<br />

38b e na nuvem ele ser· confirmado.<br />

Sel·.<br />

Bí<br />

39a Mas tu rejeitaste e repudiaste.<br />

39b Indignaste-te contra o teu ungido.<br />

40a Rejeitaste a alianÁa do teu servo,<br />

40b quebraste, na terra, a sua coroa.<br />

<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

84


41a Derrubaste todas as suas muralhas,<br />

41b mantiveste suas fortificaÁıes em ruÌna.<br />

42a Saqueiam-no todos os passantes do caminho,<br />

42b serve de esc·rnio aos transeuntes.<br />

43a Levantaste a destra dos seus agressores,<br />

43b e fizeste regozijar todos os seus inimigos.<br />

44a Dobraste a folha de sua espada,<br />

44b e n„o o sustentaste na batalha.<br />

45a DestituÌste-o do seu esplendor,<br />

45b e o seu trono, na terra, derrubaste.<br />

46a Encurtaste os dias da sua mocidade,<br />

46b cobriste-o de vergonha.<br />

Sel·.<br />

Aí<br />

47a AtÈ quando, Yahweh, esconder-te-·s?<br />

47b Perpetuamente, queimar· como fogo a tua ir·?<br />

48a Recorda-te de mim ñ quantos dias?<br />

48b Sobre que mentira criaste todos os B¸nÍ-¥‰d‰m?<br />

49a Que valente viver· e n„o ver· a morte?<br />

49b Livrar· a sua garganta da m„o do Sheol?<br />

Sel·.<br />

50a Onde est„o as tuas antigas lealdades, Adonay<br />

50b ñ que juraste a David na tua fidelidade?<br />

51a Lembra-te, Adonay, do esc·rnio dos teus servos<br />

51b ñ carrego no colo todos essas numerosas gentes.<br />

52a Porque afrontaram os teus inimigos, Yahweh,<br />

52b afrontaram os passos do teu ungido.<br />

53 Bendito seja Yahweh para sempre.<br />

AmÈm e amÈm.<br />

<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

85


RelaÁıes internas das cinco seÁıes do <strong>Sl</strong> <strong>89</strong><br />

<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

Ainda que se estruture na forma de quiasmo (A ñ B ñ X ñ Bí ñ Aí) 1 , o relativo<br />

distanciamento cultural da imagÈtica retÛrica que constitui o <strong>Sl</strong> <strong>89</strong> impıe uma aproximaÁ„o<br />

metodolÛgica de cada parte da estrutura. AÌ, caminha-se, em termos metodolÛgicos,<br />

exegÈtica, fenomenolÛgica e histÛrico-socialmente. A tentativa È ìouvirî a s˙plica real a<br />

partir de seu prÛprio quadro de referÍncia.<br />

RelaÁıes internas da primeira seÁ„o ñ v. 2-5<br />

<strong>Sl</strong> <strong>89</strong>,2-5 forma uma estrutura coerente. H·, aÌ, trÍs seÁıes muito bem delineadas: A<br />

(v. 2-3), B (v. 4) e C (v. 5). O tema de A È a ìcosmogoniaî, o tema de B È a ìalianÁaî, e o<br />

tema de C È a ìdinastiaî (cf. quadro 1). O tema ìalianÁaî, de B, funciona como uma<br />

dobradiÁa, articulando, entre si, as seÁıes A e C (cf. quadro 2).<br />

Os termos-chave de A s„o ìlealdadeî e ìfidelidadeî, ìestabelecerî e ìconstruirî, e<br />

ìperpetuamenteî e ìde geraÁ„o em geraÁ„oî. O estÌquio 3a re˙ne representantes das trÍs<br />

sÈries: ìperpetuamente, a lealdade est· construÌdaî. Os termos-chave de C s„o ìsementeî e<br />

ìtronoî, ìestabelecerî e ìconstruirî, e ìpara sempreî e ìde geraÁ„o em geraÁ„oî. Dois<br />

deles, logo se vÍ, desdobram-se desde A ñ ìestabelecer/construirî e ìpara<br />

sempre/perpetuamente (`Ùl‰m/`ad-`Ùl‰m). A sÈrie ìsemente/tronoî, de C, desdobra-se a<br />

partir de B, onde o tema ìalianÁaî.<br />

cosmogonia A<br />

Quadro 1 ñ <strong>Sl</strong> <strong>89</strong>,2-5 (A, B e C)<br />

2a Cantarei perpetuamente as lealdades de Yahweh.<br />

2b Anunciarei com a minha boca, de geraÁ„o a geraÁ„o, a tua fidelidade.<br />

3a Sim, eu disse: ìperpetuamente, a lealdade est· construÌda<br />

1 Para a histÛria da pesquisa do <strong>Sl</strong> <strong>89</strong>, cf. MARTTILA, Collective Re<strong>interpreta</strong>tion in the Psalms, p. 136-144. A<br />

favor da unidade do salmo, pressuposta no presente <strong>artigo</strong>, cf. ALONSO-SCH÷KEL, BÌblia do Peregrino, p.<br />

1308 e Michael EMMEND÷RFFER. Der ferne Gott. Eine Untersuchung der alttestamentlichen Volksklagelieder vor<br />

dem Hintergrund der mesopotamischen Literatur. Mohr Siebeck: T¸bingen, 1998, apud MARTTILA, op. cit, p. 137-<br />

139). Contra o pressuposto da unidade redacional, cf. ANDERSON, Out of the depths: The Psalms Speak for Us<br />

Today, p. 85, que considera apenas os v. 5-18 como originalmente pertencentes ao salmo. O arrazoado de<br />

Alonso-Schˆkel, contudo, parece-me acertado: ìnum momento tr·gico para o rei e a dinastia, alguÈm compıe<br />

uma s˙plica na qual recorda o passado como contraste e motivaÁ„oî. A impress„o de Anderson, que Alonso-<br />

Schˆkel supera, poderia, eventualmente, ser ìexplicadaî pela tese, plausÌvel, de Mowinckel de que o<br />

redator/autor do salmo teria incluÌdo fragmentos de outro salmo (v. 2-4, 6-19 provavelmente derivado do<br />

Norte [cf. MOWINCKEL, The Psalms In Israel's Worship, p. 152]). J· Timo Veijola aposta que o salmo est·<br />

dividido em trÍs partes, cada qual proveniente de autores e Èpocas diferentes (cf. Timo VEIJOLA. Verheiflung<br />

in der Krise. Studien zur Literatur und Theologie der Exilszeit anhand des <strong>89</strong>. Psalms. Helsinki: Suomalainen<br />

Tiedeakatemia 1982, p. 34-35, apud MARTTILA. Collective Re<strong>interpreta</strong>tion in the Psalms, p. 137). Para os<br />

argumentos, cf. MARTTILA, op. cit., p. 136-144.<br />

86


3b Os cÈus ñ estabeleceste a tua fidelidade nelesî.<br />

4a ìFiz uma alianÁa com meu eleito,<br />

alianÁa B 4b e jurei a David, meu servo:<br />

5a ëpara sempre estabelecerei a tua semente,<br />

dinastia C 5b e de geraÁ„o em geraÁ„o construirei o teu tronoíî.<br />

<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

Quadro 2 ñ interconex„o entre os temas ìcosmogoniaî, ìalianÁaî e ìdinastiaî<br />

cosmogonia<br />

v. 2-3<br />

alianÁa<br />

v. 4<br />

cosmogonia<br />

v. 2-3<br />

alianÁa<br />

v. 4<br />

dinastia<br />

v. 5<br />

alianÁa<br />

v. 4<br />

dinastia<br />

Os verbos ìestabelecerî e ìconstruirî cumprem um papel importante na retÛrica<br />

imagÈtica do <strong>Sl</strong> <strong>89</strong>,2-5. Diz-se que a ìlealdade est· construÌdaî (v. 3a 2 ), ao mesmo tempo<br />

em que se afirma que ìconstruirei o teu tronoî (v. 5b). Diz-se que a ìtua fidelidadeî est·<br />

ìestabelecidaî nos ìcÈusî (v. 3b), assim como se afirma que ìpara sempre estabelecerei a<br />

tua sementeî (v. 5a). O interc‚mbio È program·tico, como se pode depreender,<br />

visualmente, do Quadro 3.<br />

O v. 4 informa que se trata da alianÁa entre Yahweh e o rei, ìeleitoî (B‰HÓr) de<br />

Yahweh. A ìalianÁaî implica em um ìjuramentoî a ìDavidî. O juramento consiste na<br />

perpetuidade da ìsementeî real (= dinastia) no trono. A fÛrmula do juramento ñ expresso<br />

no v. 5 ñ utiliza os mesmos verbos, ìestabelecerî e ìconstruirî, do v. 3:<br />

3a Perpetuamente, a lealdade est· construÌda [nos cÈus]<br />

3b [Perpetuamente] a tua fidelidade estabeleceste nos cÈus<br />

5a Para sempre estabelecerei a tua semente<br />

5b De geraÁ„o em geraÁ„o construirei o teu trono<br />

A ìcosmogoniaî e a ìdinastiaî podem ser retoricamente referidas por meio dos<br />

2 Cf. KEEL, The Symbolism of the Biblical World, p. 27, fig. 19.<br />

v. 5<br />

87


<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

mesmos verbos ñ e isso porque os dois temas s„o, em termos fenomenolÛgico-religiosos, e<br />

consoante o regime polÌtico-religioso prÛximo-oriental, intercambi·veis. A ìcosmogoniaî ñ<br />

aÌ ñ n„o constitui nem um tema ìmetafÌsico/ontolÛgicoî nem um tema<br />

ìcientÌfico/astrofÌsicoî. Cosmogonia, aÌ, constitui um termo de designaÁ„o da tradiÁ„o<br />

mÌtica e simp·tica da descriÁ„o da emergÍncia da abÛbada civilizatÛria dessa ou daquela<br />

sociedade, constituÌda, necessariamente, pela cidade (instalaÁıes), pelo rei (ordem) e pelo<br />

povo (habitantes). H·, assim, tantas ìcosmogoniasî quantos deuses houver e ìcidadesî<br />

(civilizaÁıes), e reis (dinastias) e povos. Por isso o juramento de Yahweh pode tratar a<br />

ìsemente realî e o ìtronoî como desdobramentos da ìcosmogoniaî ñ porque se trata da<br />

mesma coisa ñ o trono real È o fundamento polÌtico da criaÁ„o. Como bem parece ter bem<br />

assegurado J. S. Croatto, o mito descreve, ao inverso, a realidade das coisas histÛricas,<br />

projetando-as em si como se ele prÛprio as sobredeterminasse, quando, a rigor, È a prÛpria<br />

sociedade quem engendrou o mito e projetou-se dentro dele 3 . Mas, como tal operaÁ„o se<br />

d· por conta do recurso ‡ fundamentaÁ„o retÛrica (polÌtico-religiosa, m·gico-simp·tica e<br />

mÌtico-traditiva) da ìrealidadeî, o resultado consiste num mito que, nos seus termos,<br />

assegura essa ìrealidadeî que (se) legitima (nele).<br />

Hesed<br />

¥Èm˚n‚<br />

bnh<br />

Quadro 3 ñ interc‚mbio de termos entre A, B e C<br />

CriaÁ„o<br />

Temas propriamente din·sticos<br />

3aSim, eu disse: ìperpetuamente, a<br />

lealdade est· construÌda.<br />

3bOs cÈus ñ estabeleceste a tua fidelidade<br />

nelesî.<br />

4a ìFiz uma alianÁa com meu eleito,<br />

4b e jurei a David, meu servo:<br />

3a ìSim, eu disse: ìperpetuamente, a<br />

lealdade est· construÌda.<br />

Dinastia<br />

2aAs lealdades de Yahweh<br />

perpetuamente cantarei.<br />

2bDe geraÁ„o a geraÁ„o, anunciarei a tua<br />

fidelidade com a minha boca.<br />

5be construirei de geraÁ„o em geraÁ„o o<br />

teu tronoíî.<br />

kwn 3bOs cÈus ñ estabeleceste a tua 5a ëPara sempre estabelecerei a tua<br />

3 Cf. CROATTO, As Linguagens da ExperiÍncia Religiosa, p. 301-302.<br />

88


fidelidade nelesî. semente,<br />

Temas propriamente cosmogÙnicos<br />

CriaÁ„o<br />

Dinastia<br />

<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

Nesse sentido, o v. 2 abre a seÁ„o, bem como o salmo, declarando que,<br />

perpetuamente, se cantar„o ñ isto È, pelo ìreiî ou por um (dos) or·culo(s) da coroa (cf. v.<br />

20) ñ as lealdades e a fidelidade de Yahweh, construÌdas e estabelecidas nos cÈus. Isso<br />

significa que o rei assegura a sua convicÁ„o de perpetuidade da dinastia, tema, contudo, que<br />

apenas aparece, explicitamente, nos v. 4 e 5. Por sua vez, os v. 3 e 5 parecem trazer ‡<br />

memÛria declaraÁıes program·ticas ñ rituais ñ do rei (v. 3) e de Yahweh (v. 5),<br />

pronunciadas durante a cerimÙnia de coroaÁ„o (cf. <strong>Sl</strong> 2,7-9). Yahweh proclama(ra) o<br />

juramento de manter a dinastia no trono, ao que o rei responde asseverando a sua<br />

confianÁa no juramento, transportando-o, nesse caso, para o ambiente de seu regime<br />

mÌtico-traditivo ñ a cosmogonia (v. 2-3). Quando o rei assume o trono, o ìmundoî È<br />

ìcriadoî. 4 Trono e cosmogonia s„o construÌdos pelo mesmo gesto ritual de Yahweh 5 .<br />

A coroaÁ„o constitui um acontecimento de superaÁ„o do ìcaosî. Por um momento,<br />

n„o havia rei, logo, ìordemî, logo, ìcriaÁ„oî. Mesmo se l· estivessem a cidade e o povo,<br />

sem rei n„o h· ìcriaÁ„oî. Por isso a entronizaÁ„o tem por base ritual a cosmogonia ñ<br />

porque a figura do rei È o fundamento polÌtico da ìcriaÁ„oî. Permita-se um citado,<br />

relacionado a determinado ritual de coroaÁ„o indiano ñ o r‚jas˚ya:<br />

A terceira fase do r‚jas˚ya compreendia uma sÈrie de ritos, cujo simbolismo<br />

cosmogÙnico È amplamente sublinhado pelos textos. O rei ergue os braÁos,<br />

simbolizando assim a elevaÁ„o do axis mundi. Quando recebe a unÁ„o, o rei<br />

permanece de pÈ sobre o trono, de braÁos levantados, encarnando o eixo<br />

cÛsmico fixado no umbigo da Terra ñ ou seja, o trono, o Centro do Mundo ñ<br />

4 Para a relaÁ„o tem·tica entre ìentronizaÁ„oî e ìcosmogoniaî, cf. ELIADE, Aspectos do Mito, p. 39-50,<br />

particularmente as seÁıes ìEntronizaÁ„o e cosmogoniaî (p. 39-40) e ìAno novo e cosmogonia no PrÛximo<br />

Oriente antigoî (p. 45-47).<br />

5 Para uma leitura c˙ltico-ritual do <strong>Sl</strong> <strong>89</strong>, cf. TERRIEN, The Psalms, p. 631-639, conquanto o presente <strong>artigo</strong><br />

n„o acompanhe o ìcontextoî lit˙rgico ent„o pressuposto.<br />

<strong>89</strong>


<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

que atinge o CÈu. A aspers„o relaciona-se com as ¡guas que descem do CÈu, ao<br />

longo do axis mundi ñ ou seja, o Rei ñ a fim de fertilizar a Terra 6 .<br />

Nos termos do ritual indiano, o trono est· ligado ao cÈu por meio do tema da<br />

cosmogonia. Da mesma forma, no <strong>Sl</strong> <strong>89</strong>,2-5, o ìtronoî e os ìcÈusî est„o relacionados pela<br />

mesma tem·tica ñ ìconstruir/estabelecerî = cosmogonia. No centro dela, a ìalianÁaî ñ o<br />

rei È rei de Yahweh, rei do povo de Yahweh, do povo que Yahweh criou ñ da cosmogonia<br />

de Yahweh.<br />

RelaÁıes internas da segunda seÁ„o ñ v. 6-19<br />

Os v. 6-8 constituem uma unidade tem·tica. ì 6 Os cÈus louvar„o a tua maravilha,<br />

Yahweh, e na congregaÁ„o dos santos [louvar„o] a tua fidelidade. 7 Porque, sobre a nuvem,<br />

quem È compar·vel a Yahweh? 8 Quem È semelhante a Yahweh entre os B¸nÍ-¥ÎlÓm. El È<br />

temido no conselho dos santos ñ grande e terrÌvel sobre todos a seu redorî. A unidade<br />

tem·tica constrÛi-se por meio da referÍncia ao ambiente e aos personagens da corte celeste<br />

de Yahweh ñ o ambiente: ìcÈusî e ì(sobre a) nuvemî, e os personagens: ìcongregaÁ„o dos<br />

santosî, ìB¸nÍ-¥ÎlÓmî, ìconselho dos santosî e ìtodos a seu redorî. A imagÈtica<br />

empregada sugere que Yahweh e El, aÌ, constituam a mesma divindade ñ El nos v. 7, 8 e<br />

27, e tambÈm, Yah e ìDeus dos ExÈrcitosî (¥ÈlˆhÍ c¸b‰¥Ùt) no v. 9. Assim, Yahweh<br />

possui, nos cÈus, sobre a nuvem, a sua corte ñ os bnÍ ¥ÎlÓm, congregaÁ„o e conselho dos<br />

santos, que se encontram ‡ sua volta, imagem equivalente ‡ de 2 Re 22,19-22.<br />

O que, nos cÈus, a congregaÁ„o dos santos louva, È ìa tua maravilhaî e ìa tua<br />

fidelidadeî. ìMaravilhaî e ìfidelidadeî remontam tanto ‡ cosmogonia, quanto ‡ dinastia,<br />

temas que s„o desdobrados na seq¸Íncia da seÁ„o ñ v. 9-19. Trata-se da ìcriaÁ„oî (v. 9-13),<br />

respectivamente, do trono de Yahweh (v. 14-15), ambos culminando no trono do rei (v. 16-<br />

19 7 ). A seÁ„o fora aberta ao som das vozes da corte de Yahweh (v. 6-8), que louva o poder<br />

ìcriadorî (v. 9-13) do seu rei celeste (v. 14-15), e È fechada pelo som das vozes de regozijo<br />

do povo diante do trono do rei (v. 16-19). As estaÁıes s„o claras ñ Yahweh e sua<br />

maravilha/fidelidade ñ a ìcriaÁ„oî, maravilha cosmogÙnica ñ a realeza de Yahweh ñ a<br />

entronizaÁ„o do rei. Cosmogonia → Dinastia.<br />

6 Cf. ELIADE, . Aspectos do Mito, p. 39. Para detalhes sobre o ritual r‚jas˚ya, cf. HEESTERMAN, The Ancient<br />

Indian Royal Consecration, 1957; RESTER, Playing With Tradition, 2001.<br />

7 Cf. KELL, The Symbolism of the Biblical World, p. 113-176.<br />

90


<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

Yahweh/îDeus dos ExÈrcitos/Yah ñ quem È como ele? Abre-se, aqui, um<br />

ìmotivoî cosmogÙnico 8 . Os v. 10-11 recordam-se da ìantigaî batalha entre Yahweh e<br />

r‰hab 9 . Quatro termos representam o ìdrag„oî e suas forÁas militares ñ Mar (y‰m), as<br />

ondas do Mar, r‰hab e ìteus inimigosî ñ ou seja, r‰hab/y‰m, o ìdrag„oî, general do<br />

exÈrcito das ·guas, e estas, ìas ondas de y‰m, os seus ìguerreirosî, ìinimigosî de Yahweh<br />

(cf. JÛ 26,12-13; Is 27,1). Os verbos aplicados ‡ aÁ„o de Yahweh sobre r‰hab/y‰m<br />

denunciam o car·ter agonÌstico da cosmogonia ñ as ondas se levantam, Yahweh as aquieta;<br />

Yahweh espalha (os corpos) dos seus inimigos; Yahweh ìdominaî y‰m; Yahweh<br />

ìesmagouî (Hll ñ ìquebrarî) r‰hab. Por isso se pode dizer que ìforte È Yahî (v. 9b).<br />

O resultado da batalha cosmogÙnica È sempre o mesmo ñ a divindade ìcortaî,<br />

ìconstrÛiî, ìcriaî o (seu) mundo (particular). Yahweh venceu r‰hab/y‰m, o que significa,<br />

que, agora, ele pode ìcortarî (Br¥ ñ ìcortarî, ìesculpirî, ìconstruirî, ìcriarî) o Norte e o<br />

Sul (v. 13a). Yahweh pode, agora, cortar/construir/criar ìos cÈusî, de um lado, e de outro,<br />

a terra (v. 12a). A terra, aÌ, significa a plataforma sÛlida sobre a qual a cidade se ergue ñ<br />

ìorbeî 10 . Esse orbe e tudo o que est· nele, Yahweh os ìfundou/alicerÁouî (ysD ñ ìfundarî<br />

[cidades, cf. Ex 9,18; Js 6,26; edificaÁıes, cf. 1 Re 5,31 e 6,37, ìo templo de Salom„oî; a<br />

ìterraî cosmogÙnica, cf. JÛ 38,4]).<br />

A cosmogonia representa, para a divindade, a ìconstruÁ„oî de dois ìtronosî ñ o<br />

seu e o de seu rei. O seu, nos ìcÈusî ñ o de seu rei, no ìorbeî. Por conseguinte, apÛs a<br />

primeira ñ ìlouvor cosmogÙnico na corte de Yahwehî (v. 6-8) ñ a segunda cena faz<br />

referÍncia ‡ ìmaravilhaî ìcortada/construÌda/criadaî por Yahweh (v. 9-13), seguindo-se,<br />

agora, com naturalidade, a descriÁ„o n„o apenas do trono de Yahweh, mas de Yahweh<br />

como ìrei cosmogÙnicoî, sustentando com seu braÁo e sua m„o a forÁa de sua maravilha.<br />

Descreve-se o trono de Yahweh ñ ìJustiÁaî e ìDireitoî s„o a sua fundaÁ„o. TambÈm<br />

Alonso-Schˆkel reconhece nos v. 14-15 a descriÁ„o do trono celeste de Yahweh, um trono<br />

ìque vai montado sobre duas figuras personificadas (como os animais fant·sticos dos<br />

tronos orientais); ao passo que outras duas personificaÁıes fazem a guarda ou abrem<br />

8 Para o ìmotivoî das disputas cosmogÙnicas, cf. HUIZINGA, Homo Ludens, p. 128-129; RIBEIRO, Como<br />

que pelos chifres, 2005.<br />

9 Cf. KEEL, The Symbolism of the Biblical World, p. 46-55.<br />

10 Idem, p. 15-60.<br />

91


<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

caminhoî 11 . Entronizado, Yahweh tem o braÁo erguido (v. 14) ñ È disso que depende a<br />

perpetuidade da ìcriaÁ„oî. Por isso, assevera-se que o braÁo de Yahweh È poderoso e forte<br />

È a sua m„o, de modo que a sua destra, levantada, poder· permanecer assim por longo<br />

tempo.<br />

Se, nos cÈus, l· est· o trono de Yahweh, e, se, l·, o rei cosmogÙnico tem seu braÁo<br />

erguido, c· embaixo, no ìorbeî, o rei de Yahweh ñ ìnosso reiî (v. 19b) ñ È entronizado (v.<br />

16-19). ìFeliz È o povo que sabe aclamar-teî, traduz Alonso-Schˆkel o estÌquio de abertura<br />

da seÁ„o. Penso para alÈm disso. ìAclamar-teî (verbo + complemento), aÌ, traduz um<br />

substantivo hebraico ñ t¸r˚`‚. t¸r˚`‚ È tanto a ìaclamaÁ„oî, o ìgritoî, o ìcantoî do<br />

povo (JÛ 8,21; 33,26; <strong>Sl</strong> 27,6; Jr 20,16), eventualmente acompanhada de instrumentos<br />

musicas (<strong>Sl</strong> 33,3; 150,5) como ìsuono di corno, convocazione sacraî 12 ou militar, seja o<br />

som do öÙpar (Lv 25,9; Js 6,5.20; JÛ 39,25; <strong>Sl</strong> 47,6; Jr 4,19), seja o das H·cÙcrˆt<br />

(ìtrombetasî ñ Nm 10,2-6; 31,6; 2 Cr 13,12). Pode ser utilizado tanto sob regime<br />

metonÌmico (Nm 29,1; 1 Sm 4,5-6; Jr 49,2; Ez 21,27; Am 1,14) quanto, como ìgrito de<br />

multid„oî, associado ao som do öÙpar e/ou das H·cÙcrˆt (2 Sm 6,15; 1 Cr 15,28; 2 Cr<br />

15,14; Am 2,2; So 1,16). t¸r˚`‚ est· diretamente relacionado ‡s comemoraÁıes da<br />

fundaÁ„o do segundo templo (Ed 3,11-13) e ñ o que, no contexto do <strong>Sl</strong> <strong>89</strong>, È significativo!<br />

ñ ‡ aclamaÁ„o da realeza (Nm 23,21). Ora, a seÁ„o abre-se com a referÍncia a t¸r˚`‚ e se<br />

fecha com a referÍncia a ìreiî.<br />

A seÁ„o anterior, v. 14-15, descrevera Yahweh e seu trono celeste. A presente<br />

seÁ„o, v. 16-19, deve descrever o significado histÛrico-social de tudo isso ñ cosmogonia e<br />

realeza cosmogÙnica do deus criador: a pretendida e m·gico-simpaticamente evocada<br />

perpÈtua entronizaÁ„o do rei israelita. H·, aÌ, uma concentraÁ„o tem·tica na dinastia, mas,<br />

nem/atÈ por isso, h· reverberaÁıes do tema cosmogÙnico: ¥aörÍ h‰`‰m yÙd`Í t¸r˚`‚<br />

yhwh B¸¥Ùr-P‰n k‰ y¸hallÎk˚n ñ ìas felicidades do povo È experimentarem 13 a t¸r˚`‚,<br />

Yahweh ñ na luz das tuas faces eles caminhar„oî. O narrador expressa-se a partir da<br />

retÛrica da realeza, e descreve um povo ·vido pela entronizaÁ„o do rei (v. 16a),<br />

submetendo-se a quem ele caminha como que diante da luz das faces de Yahweh (v. 16b).<br />

11 Cf. ALONSO-SCH÷KEL, BÌblia do Peregrino, p. 1310, nota <strong>89</strong>,10-15.<br />

12 Cf. Lv 23.24b, em: NUOVISSIMA VERSIONE DELLA BIBBIA. Roma: San Paolo Edizione, 1996.<br />

13 ìExperimentaremî, cf. ALONSO-SCH÷KEL, Dicion·rio, [dy, p. 269: ìExperimentar, sentir, ter consciÍncia de:<br />

equivalÍncia ver Js 24,31 (...) Quando o objeto È bom, pode valer por gozar, desfrutarî.<br />

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<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

Dentre todos os benefÌcios retÛricos dessa avidez, os v. 17 e 18 concentram-se no orgulho<br />

decorrente da seguranÁa e da proteÁ„o que o rei lhes garante, rei que È, para o povo, ìnosso<br />

escudoî (v. 19a), e que È, efetivamente, forte (v. 18a), ìporque de Yahweh È o nosso<br />

escudo, e do Santo de Israel, o nosso reiî (v. 19).<br />

Trata-se, com os v. 16-19, da conseq¸Íncia ñ do ìcoroamentoî ñ das seÁıes<br />

anteriores ñ o louvor da corte cosmogÙnica de Yahweh (v. 6-8), louvando-o pela maravilha<br />

cosmogÙnica (v. 9-13), sobre a qual se entroniza o forte braÁo de Yahweh (v. 14-15),<br />

sustentando, a seu tempo, seu co-regente, seu rei, ìnosso reiî, ìnosso escudoî ñ que de<br />

Yahweh È (v. 16-19). Do v. 6 atÈ o v. 19, vai-se do geral para o particular, do mito fundante<br />

para a instituiÁ„o miticamente legitimada ñ vai-se da cosmogonia de Yahweh para o trono<br />

do rei de Yahweh.<br />

As relaÁıes internas da terceira seÁ„o ñ v. 20-38<br />

A terceira seÁ„o constitui-se na forma de um quiasmo A ñ X ñ Aí:<br />

A v. 20-30 juramento ritual e alianÁa din·stico-cosmogÙnicos<br />

X v. 31-35 ñ hipÛtese de quebra da alianÁa por parte da dinastia<br />

Aí v. 36-38 juramento ritual e alianÁa din·stico-cosmogÙnicos<br />

O recurso ao quiasmo indica que o centro nervoso da seÁ„o encontra-se no v. 31-35 ñ<br />

a ìhipÛtese de quebra da alianÁa por parte da dinastiaî. Em torno da seÁ„o central, as<br />

molduras superior e inferior entretecem os temas da cosmogonia e da dinastia.<br />

A moldura superior constitui-se dos v. 20-30. O tema hegemÙnico È a dinastia ñ mas o<br />

tema cosmogÙnico serve-lhe de fundamento retÛrico (cf. v. 26 e 30). Abre-se a seÁ„o com a<br />

referÍncia ao ritual de entronizaÁ„o (cf. os termos ìoutroraî, ìvis„oî, ìos teus leaisî<br />

[profetas c˙lticos] ñ v. 20a). Yahweh ìlevantaî um ìescolhidoî (b‰H˚r) do meio do povo<br />

(v. 20b). … David ñ sÌmbolo da dinastia (v. 21a). O rei È ìungidoî por Yahweh ñ significa<br />

atribuÌdo ‡ unÁ„o ritual que de que o rei È objeto (v. 21b). A m„o e o braÁo de Yahweh<br />

estar„o com ele ñ verbos ìestabelecerî (Kwn) e ìfirmarî (¥mc [piel]) (v. 22). Em<br />

conseq¸Íncia de estar o rei ìestabelecidoî e ìfirmeî, nem os inimigos n„o prevalecer„o<br />

contra ele (v. 23). Yahweh mesmo lutar· por ele (v. 24). Porque a fidelidade e a lealdade de<br />

Yahweh (cf. v. 2-5!) estar„o com o rei (v. 25a), raz„o pela qual o chifre do rei ñ seu<br />

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<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

ìorgulhoî, sua ìnobrezaî, sua ìhonraî ñ estar· ìlevantadoî. Com tamanha magnificÍncia e<br />

pompa, o prÛprio rei È posto a ensaiar o gesto cosmogÙnico de Yahweh, que, nos cÈus,<br />

tem, desde o trono, o braÁo erguido, a m„o forte, a destra, levantada ñ perpÈtuo domÌnio<br />

sobre r‰hab/y‰m (v. 9-13 + 14-15): w¸SamTÓ bayy‰m y‰dÙ ˚bann¸h‰rÙt y¸mÓnÙ ñ<br />

ìsustentarei a m„o dele sobre y‰m, e a sua destra, sobre as torrentesî (v. 26). O rei batalha<br />

as batalhas de Yahweh ñ as mesmas. Porque elas constituem, as de Yahweh, hipÛstases<br />

mÌticas para as batalhas histÛricas que o rei, eventualmente, enfrenta. Tem de vencÍ-las.<br />

Disso depende o trono, a cidade, o povo ñ a criaÁ„o. O que se promete nos v. 23-25 ñ<br />

vitÛria sobre os inimigos ñ evoca-se m·gico-simpaticamente no v. 26: a m„o do rei sobre o<br />

Mar 14 . Os inimigos histÛricos do rei constituem os inimigos primordiais de Yahweh ñ<br />

quando Yahweh os vence, o rei vence os seus. E vice-versa. Em plena batalha, o rei<br />

invocar· seu Deus-Pai, sua rocha de salvaÁ„o (v. 27) e, incontinenti, Yahweh lhe dar· a<br />

vitÛria sobre todos os reis da terra (v. 28 ñ bem entendido, sobre aqueles que o<br />

enfrentaram e foram derrotados; a perspectiva ìuniversalistaî n„o constitui regime retÛrico<br />

nas cosmogonias tradicionais). Cumprido o seu juramento ñ vencidos os inimigos do rei ñ,<br />

pode-se renovar os votos de perpetuidade do trono (v. 29): w¸SamTÓ l‰`ad zar`Ù w¸kis¥Ù<br />

KÓmÍ ö‰m‰yim ñ ìmanterei para sempre a sua semente, e o seu trono ser· como os dias<br />

dos cÈusî (v. 30). Em resumo, Yahweh escolhe seu ungido (v. 20-21), garante-lhe forÁa e<br />

vitÛria (v. 22-28) e lhe promete a perpetuidade de seu trono (v. 29-30) ñ a cosmogonia<br />

funciona, aÌ, como fundamento retÛrico da realeza e da dinastia.<br />

No centro nervoso da seÁ„o, assevera-se que, mesmo em caso de ìos filhos deleî<br />

(b‰n‰yw) ñ isto È, a ìsemente deleî (zar`Ù, v. 30), os filhos de ìDavidî (v. 21), numa<br />

palavra, a ìdinastiaî ñ quebrarem a alianÁa, ainda assim Yahweh sustentar· a dinastia<br />

ungida (v. 31-35). A dinastia pode, eventualmente, ìdeixar a minha leiî (TÙr‰tÓ), ìn„o andar<br />

nos meus direitosî (miöP‰Üay) (v. 31), ìquebrar/violar meus estatutosî (Huqqˆtay) e ìn„o<br />

guardar os meus mandamentosî (micwˆtay) (v. 32). Nesse caso, ser„o tratados com varas e<br />

aÁoites (v. 33 ñ cf. 2 Sm 7,12-14). A dinastia ser· castigada ñ mas Yahweh n„o retirar· a sua<br />

lealdade e a sua fidelidade de sobre David (v. 34 ñ cf. v. 2-3 e 2 Sm 7,15). Yahweh n„o<br />

quebrar· a sua alianÁa (v. 35a ñ cf. v. 4-5) nem mudar· o juramento que proclamou (v.<br />

14 … possÌvel imaginar que a cerimÙnia de entronizaÁ„o contivesse uma cena em que o rei permanecesse com<br />

a destra estendida ìsobreî o Mar de FundiÁ„o ñ uma estrutura do templo descrita em 2 Re 7,23 e 2 Cr 4,2 e<br />

que ìsimbolizavaî as ·guas cosmogÙnicas, as quais, segundo a cosmogonia israelita e prÛximo-oriental,<br />

recebiam dentro de si, pela forÁa do deus criador, os alicerces do orbe.<br />

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35b).<br />

<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

A seÁ„o A fora aberta por uma partÌcula adverbial ñ ¥‰z (ìoutroraî). Do mesmo modo,<br />

a seÁ„o Aí, agora, com ¥aHat, que, para a passagem, Alonso-Schˆkel propıe o sentido ìde<br />

uma vez para sempreî 15 e traduz ìuma vezî 16 . Essa partÌcula tanto recupera a memÛria do<br />

juramento din·stico de Yahweh, quanto ratifica a declaraÁ„o de Yahweh de que assume<br />

uma posiÁ„o unilateral de garantia do trono ñ mesmo que a dinastia, por sua vez, n„o<br />

assuma seus compromissos decorrentes da alianÁa. Nesse caso, faz sentido que o salmista e<br />

o rei assumam como natural a perpetuidade da dinastia, porque se fiam no juramento de<br />

Yahweh, e n„o no comportamento dos representantes da dinastia. Uma vez que Yahweh<br />

ìj·î (¥aHat ñ v. 36a) pronunciar· seu juramento ñ ìoutroraî (v. 20-21 + v. 4) ñ, ambos<br />

parecem seguros de que Yahweh n„o mentiria a David (v. 36b), de modo que ìa semente<br />

deleî ñ a dinastia! ñ ìpermanecer· para sempreî (v. 37a). O trono do rei din·stico (por<br />

Yahweh) juramentado, pode-se estar certo, ser· como o sol, diante de Yahweh (v. 37b). E,<br />

num flagrante da trama de fios cosmogÙnicos e din·sticos que entretecem mito e polÌtica,<br />

diz-se de David, do trono de David, da semente de David: K¸y‰rÎH yiKKÙn `Ùl‰m w¸`Îd<br />

BaööaHaq ne¥Èm‰n ñ ìcomo a lua, ele ser· perpetuamente estabelecido, e, na nuvem, ele<br />

ser· firmadoî. Ora ñ È ìsobre a nuvemî que est· instalada a corte celeste de Yahweh (v. 7).<br />

… aÌ tambÈm que o trono do rei est· firmado. O trono do rei È a imagem do trono de<br />

Yahweh. O mundo que Yahweh cria, o mundo que o rei cria. A cosmogonia da divindade,<br />

a cidade do rei. N„o restam mais d˙vidas ñ n„o h· possibilidade de quebra da dinastia.<br />

As relaÁıes internas da quarta seÁ„o ñ v. 39-46<br />

A quarta seÁ„o introduz a raz„o de ser de todo <strong>Sl</strong> <strong>89</strong>. Yahweh, intransitivamente,<br />

ìrejeitouî(znH) e ìrepudiouî (m¥s) (v. 39a). Indignou-se contra o ungido que escolhera (v.<br />

39b) ñ ìrejeitouî (n¥r) a alianÁa com o seu servo, a alianÁa din·stica (v. 40a ñ cf. v. 4), e,<br />

quanto ‡ coroa que pusera na cabeÁa de seu ungido, ìquebrou-aî/ìprofanou-aî (Hll) na<br />

terra (v. 40b), como fizera com r‰hab (v. 11). ìQuebrarî r‰hab fora a cosmogonia, a<br />

ìcriaÁ„oî. Quebrar a coroa do rei È seu contr·rio ñ È a descriaÁ„o. Com efeito, a cidade do<br />

rei È a criaÁ„o ñ mas, agora, derrubaram as suas muralhas, e as suas fortificaÁıes est„o<br />

mantidas como ruÌnas (v. 41). Qualquer um que passa, saqueia (v. 42a). Qualquer um que<br />

15 Cf. ALONSO-SCH÷KEL, Dicion·rio BÌblico Hebraico-PortuguÍs, p. 40.<br />

16 Cf. ALONSO-SCH÷KEL, BÌblia do Peregrino, p. 1312.<br />

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<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

passa, escarnece (v. 42b). … a destra dos inimigos do rei ñ e n„o a do seu prÛprio ungido! ñ<br />

que Yahweh levanta (v. 43a). S„o eles que se regozijam (v. 43b). Assim, a espada do rei est·<br />

t„o enfraquecida que se dobra sob o golpe da dos inimigos (v. 44a) ñ o prÛprio rei n„o tem<br />

mais forÁas (v. 44b). O rei foi destituÌdo de sua magnificÍncia ñ seu trono foi derrubado no<br />

ch„o (v. 45). Sua vida encontra-se ameaÁada (v. 46a). O rei est· coberto de vergonha (v.<br />

46b).<br />

A crise ñ a cat·strofe ñ descrita na quarta seÁ„o do salmo È a queda do trono e da<br />

coroa 17 . O rei ainda est· vivo. Mas humilhado, ultrajado. AtÈ ontem levantadas as suas<br />

m„os, sob a ìlealdadeî e a ìfidelidadeî de Yahweh, ele sentia-se e era maior do que todos<br />

os reis da terra ñ tinha a m„o sobre o Mar: sustentava a criaÁ„o! Mas, agora, suas muralhas<br />

foram todas derrubadas, e est„o l·, ainda, arruinadas. TragÈdia.<br />

As relaÁıes internas da quinta seÁ„o ñ v. 47-52<br />

O salmo comeÁara com o louvor do rei (v. 2). … concluÌdo com sua s˙plica: ìatÈ<br />

quando, Yahweh, esconder-te-·s?î (v. 47a). O tempo da vergonha parece longo. De fato,<br />

insiste-se nisso: ìperpetuamente, queimar· como fogo a tua ira?î (v. 47b). O rei parece n„o<br />

ter mais muito tempo ñ Yahweh parece ter-se esquecido dele (v. 48a). E È tanto o tempo de<br />

abandono que ameaÁa cair em descrÈdito o fundamento mÌtico de todos os fundamentos<br />

mÌticos, justamente aquele que afirma que o conjunto da realeza constitui, a um sÛ tempo,<br />

instituiÁ„o de Yahweh e fundamento da criaÁ„o: `al-m‡-öö‰w¥ B‰r‰¥t‰ kol-B¸nÍ-¥‰d‰m ñ<br />

ìsobre que mentira criaste todos os B¸nÍ-¥‰d‰m?î (v. 48b).<br />

Enquanto termo e conceito, B¸nÍ-¥‰d‰m, a seu tempo e modo, È o equivalente<br />

mon·rquico dos B¸nÍ-¥ÎlÓm celestiais (v. 7b). O salmo n„o se abre para uma extempor‚nea<br />

e helÍnico-teolÛgica ìuniversalidadeî da criaÁ„o. Como, com B¸nÍ-¥ÎlÓm, no v. 7b, estava-<br />

se diante da corte celeste do rei cosmogÙnico, com B¸nÍ-¥‰d‰m, no v. 48b, n„o se moveu<br />

um passo para alÈm da dinastia. Passagens como Dt 32,8; 2 Sm 7,14; <strong>Sl</strong> 11,4; 14:2 (= 53,3);<br />

49,3 (cf. 62,10); 58,2; 66,5; 146,3 [no singular] ñ isso se n„o j· todas as ocorrÍncias da<br />

fÛrmula ñ informam que a express„o B¸nÍ-¥‰d‰m refere-se ‡ corte real ñ ao rei, aos<br />

prÌncipes, e de resto, ao conjunto polÌtico-social relacionado ‡ realeza. Estar a coroa, assim,<br />

como est·, quebrada, partida, È contra toda a expectativa do mito din·stico-cosmogÙnico ñ<br />

17 Cf. MOWINCKEL, The Psalms In Israel's Worship, p. 48.<br />

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<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

o rei È o fundamento da criaÁ„o! Como pode faltar? Nos termos do mito din·stico-<br />

cosmogÙnico operado pela realeza, os B¸nÍ-¥‰d‰m foram ìcriadosî (Br¥) como<br />

fundamento da prÛpria ìcriaÁ„oî ñ a cidade, o rei, o povo. Como È possÌvel, ent„o, que o<br />

rei esteja coberto de vergonha, e as suas muralhas, derrubadas? E h· tanto tempo? Tudo<br />

n„o passara de uma grande mentira? Sim, porque o ìvalenteî (geber), por mais valente que<br />

seja, tem desde sempre um encontro marcado com a morte (v. 49a). Se um dia, tendo sido<br />

colocada sobre ele a ajuda de Yahweh, o rei personificara a figura do ìherÛiî (GiBBÙr ñ cf.<br />

v. 20), agora, que Yahweh o abandonou ñ e h· tanto tempo! ñ como poder· livrar a sua<br />

garganta da m„o (ìdas garrasî 18 ) do Sheol? O rei est· mais do que coberto de vergonha (cf.<br />

v. 46b). O rei est· ‡s portas da morte.<br />

Mas ñ como È possÌvel? E a ìcriaÁ„oî? E as ìantigas lealdadesî de Yahweh (v. 50a)? E<br />

o juramento de Yahweh, que Yahweh jurou na sua fidelidade (v. 50b) ñ ele È falso? O rei<br />

est· cansado. Restam-lhe apenas poucas forÁas, com as quais ele suplica a Adonay que<br />

ìlembre-seî. Mas ñ do quÍ? Segundo Alonso-Schˆkel: ìolha, Dono meu, a afronta dos teus<br />

servos, o que tenho de ag¸entar de todos os povosî 19 . Segundo a TEB: ìSenhor! pensa em<br />

teus servos ultrajados, em todo este povo sob meu encargoî 20 . Alonso-Schˆkel pensa numa<br />

cena que, segundo ele, remontaria a 2 Sm 16,5-13, ìcomo se uma multid„o se juntasse atr·s<br />

do rei e lhe lanÁasse insultosî. Isso faria dos v. 51 e 52 a express„o do mesmo argumento ñ<br />

o rei sofre a afronta dos povos. Para a TEB, contudo, os v. 50-52 constituiriam uma<br />

peroratio que d· conta de duas situaÁıes ñ a queda incompreensÌvel e paradoxal da coroa (v.<br />

50 e 52) e, n„o obstante, a sobrevivÍncia de um enorme contingente de pessoas a quem o<br />

rei tem o dever de, ainda, prestar auxÌlio:<br />

A 50a Senhor! onde est„o as tuas bondades de outrora?<br />

50b Juraras a David por tua fidelidade!<br />

X 51a Senhor! pensa em teus servos ultrajados,<br />

51b Em todo esse povo sob meu encargo.<br />

Aí 52a Teus inimigos o ultrajaram, Senhor!<br />

52b cuspindo nos passos do teu messias.<br />

Se for seguida a traduÁ„o da TEB, os v. 50 e 52 funcionariam como molduras de um<br />

18 Cf. ALONSO-SCH÷KEL, BÌblia do Peregrino, p. 1313.<br />

19 Idem.<br />

20 Cf. TRADU« O ECUM NICA DA BÕBLIA ñ TEB. 2 ed. S„o Paulo: Loyola, 1995.<br />

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<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

centro nervoso, o qual, por sua vez, apela para a misericÛrdia ñ e ‡ memÛria ñ de Yahweh,<br />

em face do fato de que o rei, ultrajado, n„o tem (mais) como cuidar, como devia, do povo a<br />

seu encargo. As molduras, nesse caso, reforÁam a peroratio afetiva, reforÁando o ultraje a que<br />

o rei, ungido de Yahweh, est· submetido (v. 52), situaÁ„o que contradiz, em todos os<br />

sentidos, as ìantigas bondadesî (ìlealdadesî ñ ainda mais forte) de Yahweh,<br />

consubstanciadas na forma do juramento din·stico-cosmogÙnico que, agora, ameaÁa<br />

romper-se definitivamente.<br />

N„o È f·cil decidir entre o ìmodeloî Alonso-Schˆkel e o ìmodeloî TEB. Tudo<br />

depende de como se interprete o estÌquio 51b. A TEB <strong>interpreta</strong> a express„o S¸¥ÎtÓ b¸HÍqÓ<br />

Kol-raBBÓm `ammÓm no sentido de o rei ter sobre seu encargo o seu povo. Pode-se<br />

homologar essa <strong>interpreta</strong>Á„o atravÈs de Nm 11,11-15. MoisÈs reclama com Yahweh por<br />

este lhe ter posto sobre as costas um peso ñ o povo. Os termos s„o equivalentes. L·, ìa<br />

totalidade deste povoî (Kol-h‰`‰m haze ñ Nm 11,11.12.13.14) ñ aqui, ìa totalidade de<br />

numerosos povosî (Kol-raBBÓm `ammÓm). L·, MoisÈs alega que Yahweh lhe dissera<br />

ìcarrega em teu coloî (S‰¥Îh˚ b¸HÍqek‰ ñ Nm 11,12), express„o que, no <strong>Sl</strong> <strong>89</strong>,51b, o rei<br />

aplicaria a si mesmo: ìcarrego no meu coloî (S¸¥ÎtÓ b¸HÍqÓ). A diferenÁa entre Nm 11,11-<br />

15 e <strong>Sl</strong> <strong>89</strong>,51 ficaria por conta do fato irÙnico de que, desalentado do encargo, MoisÈs pede<br />

a morte (v. 15), ao passo que o rei, como que tomado por um grave surto de consciÍncia de<br />

responsabilidade ìpastoralî, angustia-se com a proximidade dela (cf. V. 48-49) e o<br />

conseq¸ente abandono de seus ìcordeirinhosî.<br />

Imagem a que se pode recorrer, ainda, na tentativa de ratificar a <strong>interpreta</strong>Á„o da<br />

TEB ñ a imagem de Yahweh, como pastor, recolhendo os cordeirinhos no colo: K¸rˆ`Ë<br />

`edrÙ yir`Ë Bizrˆ`Ù y¸qaBBÎc ܸl‰¥Óm ˚b¸HÍqÙ ñ ìcomo pastor, ele pastorear· o seu<br />

rebanho; com o seu braÁo, recolher· os cordeirinhos, e os levar· no seu coloî (cf. Is 40,11).<br />

Yahweh È, aÌ, aquele que tem o domÌnio (möl ñ v. 10) e, a partir do v. 12, entra-se numa<br />

seÁ„o carregada do ìmotivoî cosmogÙnico. No <strong>Sl</strong> <strong>89</strong>, Yahweh È igualmente descrito nesses<br />

termos ñ domÌnio (möl ñ v. 10a) e majestade cosmogÙnicos. L·, Yahweh incorpora a<br />

transignificaÁ„o polÌtico-retÛrica rei-pastor, o que lhe confere o mister do cuidado de<br />

carregar os cordeirinhos no colo. No mesmo sentido, o rei pode estar retrucando, em sua<br />

s˙plica ñ Yahweh, lembra-te de meu encargo: carregar no colo essa gente toda.<br />

98


<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

Se a TEB acerta, e, seguindo-a, caminha-se bem na <strong>interpreta</strong>Á„o dos v. 50-52, o<br />

˙ltimo recurso da peroratio do rei È apelar para a necessidade que o povo tem de um<br />

ìpastorî ñ logo, de um rei. Com efeito, aÌ tambÈm se faz sentir a cat·strofe da criaÁ„o. Nos<br />

termos da tradiÁ„o din·stico-cosmogÙnica, sem a cidade, sem o rei, n„o h· ìpovoî. O <strong>Sl</strong><br />

102,17.19 est· muito bem informado disso. Ainda que Yahweh seja rei (v. 13), JerusalÈm<br />

encontra-se em ruÌnas (v. 15). O salmista argumenta que È chegada a hora de Yahweh<br />

levantar-se e reconstruir JerusalÈm (v. 14). Na seq¸Íncia, argumenta-se que, tendo Yahweh<br />

reconstruÌdo Si„o (v. 17a), ent„o o povo criado (nibr‰¥) o louvar·. Ora, n„o se pretende<br />

fazer crer que as pessoas que compıem o ìpovoî ser„o criadas, mas que a reconstruÁ„o de<br />

Si„o ìcriaî o povo, porque o conceito de ìpovoî est· ligado ‡ cosmogonia ñ sem cidade,<br />

sem povo, sem criaÁ„o. Com a reconstruÁ„o de Si„o, a ìcriaÁ„oî volta a emergir das ·guas,<br />

e o povo como que vem ‡ tona.<br />

No <strong>Sl</strong> <strong>89</strong>,39-52, a criaÁ„o desabou. Pode-se, apenas, esperar ñ mas atÈ quando? Na<br />

quarta seÁ„o (v. 39-46), o trono e a coroa, derrubados no ch„o, representam a face<br />

histÛrico-social do mito ñ a descriaÁ„o, a cat·strofe, a tragÈdia. Coisa terrÌvel ñ para o rei e<br />

para o povo. Na quinta e ˙ltima seÁ„o, o tempo vai passando irremediavelmente, o rei<br />

sente a m„o da morte a apertar-lhe a garganta, seu tempo chegando ao fim. H·, contudo,<br />

um povo enorme a ser cuidado ñ e cabe ao Rei-Pastor cuidar dele. Mas, se o rei sente o<br />

vento frio da morte a soprar-lhe as faces, quem haver· de cuidar dos cordeirinhos?<br />

Aqui deve residir toda a quest„o ñ a demanda histÛrico-social que responde pela<br />

redaÁ„o do <strong>Sl</strong> <strong>89</strong> ñ a dinastia vai ser quebrada! Pior do que a queda do trono e da coroa, È a<br />

queda do prÛprio juramento de Yahweh quanto ‡ perpetuidade da ìsementeî: ìOnde est„o<br />

as tuas antigas lealdades, Adonay ñ que juraste a David na tua fidelidade?î (v. 50). Ora, essa<br />

desesperada pergunta articula-se diretamente com o juramento de Yahweh: ìsim, eu disse:<br />

ëperpetuamente a lealdade est· construÌda ñ os cÈus, estabeleceste a tua fidelidade nelesí.<br />

ëCortei uma alianÁa com o meu escolhido, jurei a David, meu servo: para sempre<br />

estabelecerei a tua semente, e construirei de geraÁ„o em geraÁ„o o teu tronoíî (v. 3-5). Nos<br />

v. 2-5 ñ louvor. Nos v. 47-52 ñ desalento e s˙plica. E, sobretudo, uma terrÌvel expectativa<br />

da morte e da quebra da dinastia. O que deve significar, para todos os fins, que o rei n„o<br />

tem herdeiros. A sua semente, que Yahweh jurara, manter-se-ia perpetuamente no trono,<br />

n„o existe. N„o nasceu? Nasceu ñ mas morreu? Seja como for, contra tudo o que o mito<br />

dissera ter Yahweh dito e jurado, no ch„o, trono e coroa, ali na frente, a morte, e, a<br />

99


semente, cadÍ?<br />

RelaÁıes terminolÛgicas e tem·ticas interseccionais<br />

Hesed, ¥Èm˚n‚ e `Ùl‰m<br />

<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

No <strong>Sl</strong> <strong>89</strong>, termos e temas-chave estruturam todo o discurso. J· de inÌcio chama a<br />

atenÁ„o os termos ìlealdadeî (Hesed) e ìfidelidadeî (¥Èm˚n‚). Cada um deles ocorre sete<br />

vezes ñ Hesed, v. 2.3.15.25.29.34.50, e ¥Èm˚n‚, v. 2.3.6.9.25.34.50, ambos, sempre,<br />

relacionados ao mito din·stico-cosmogÙnico e expressando o car·ter inexor·vel da<br />

instituiÁ„o real. O trono e a dinastia s„o perpÈtuos (v. 2, 3, 25 [Hesed + v. 29]), ainda que a<br />

dinastia quebre a alianÁa (v. 34). E, no entanto, porque a dinastia encontra-se em risco de<br />

interromper-se, o que revela ñ paradoxo! ñ a suspens„o da Hesed e da ¥Èm˚n‚ de<br />

Yahweh, o rei quer saber ìonde est„o as tuas antigas lealdades, Adonay ñ que juraste a<br />

David na tua fidelidade?î (v. 50).<br />

Uma vez que dinastia e cosmogonia constituem elementos do mesmo conjunto,<br />

¥Èm˚n‚ aplica-se, igualmente, ‡ ìcriaÁ„oî (v. 6, 9). No v. 6, ¥Èm˚n‚ È empregado como<br />

sinÙnimo de pele¥ (ìmaravilhaî), referindo-se, ambos, ‡ ìcriaÁ„oî. O trono celeste de<br />

Yahweh, desde onde a ìcriaÁ„oî È sustentada, È guardado por Hesed ñ v. 15, aÌ se fazendo<br />

representar por uma figura fant·stica. Em resumo, È pela forÁa da ìlealdadeî e da<br />

ìfidelidadeî de Yahweh que seu prÛprio trono est· construÌdo sobre a ìmaravilhaî<br />

cosmogÙnica, dentro da qual, como seu fundamento, est· firmado e confirmado o trono de<br />

David. Cosmogonia e dinastia s„o intercambiantes, intercomunic·veis, interdependentes.<br />

Hesed e ¥Èm˚n‚ s„o a sua garantia.<br />

AtÈ quando? A pergunta suscita outra seq¸Íncia terminolÛgica em n˙mero de sete<br />

ocorrÍncias ñ advÈrbios e locuÁıes adverbiais de tempo que expressam o sentido de<br />

perpetuidade (`Ùl‰m e construÁıes, seis vezes: v. 2.3.5.29.37.38, e l‰`ad, v. 30). Na<br />

primeira seÁ„o do salmo (v. 2,3 e 5), estabelecem relaÁıes indissoci·veis com Hesed e<br />

¥Èm˚n‚. A lealdade e a fidelidade de Yahweh s„o perpÈtuas, o que se traduz na<br />

perpetuidade da dinastia (v. 29 e 30), porque, para sempre, dinastia e ìcriaÁ„oî estar„o<br />

diante de Yahweh (v. 37 e 38).<br />

100


<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

O tema da perpetuidade deixa de ser mencionado a partir do v. 39. …<br />

compreensÌvel. Seguem-se as duas seÁıes nevr·lgicas do salmo ñ a quebra da coroa e do<br />

trono (v. 39-46) e a iminente quebra da dinastia (v. 47-52). Aqui, o rei ainda apela para a<br />

ìlealdadeî e a ìfidelidadeî de Yahweh, mas a prÛpria situaÁ„o de cat·strofe e desalento em<br />

que ele se encontra parece inspirar-lhe severas d˙vidas sobre o prazo de validade do<br />

juramento (v. 50). O tempo escoa. O rei tem a m„o da morte em sua garganta.<br />

Nesses termos, ent„o, È possÌvel propor um esboÁo geral para a estrutura do <strong>Sl</strong> <strong>89</strong>:<br />

A Louvor real ñ perpetuidade da dinastia (v. 2-5) CriaÁ„o e dinastia<br />

B Cosmogonia e entronamento (v. 6-19) CriaÁ„o<br />

X Dinastia davÌdica e cosmogonia (v. 20-38) Dinastia<br />

Aí Destronamento e cosmogonia (v. 39-46) DescriaÁ„o<br />

Bí S˙plica real ñ quebra da dinastia (v. 47-52) CriaÁ„o e dinastia<br />

No centro da estrutura, a longa seÁ„o ñ rememoraÁ„o do ritual e do significado do<br />

ritual de entronamento: o trono do rei din·stico representa, sobre o orbe, o trono do Poder<br />

CosmogÙnico, sobre a nuvem, e encerra a mesma potÍncia mÌtica: a manutenÁ„o da<br />

cosmogonia. Lealdade e Fidelidade juram a David a perpetuidade de sua semente.<br />

As molduras internas, B e Bí, equivalem-se tematicamente. B trata do entronamento<br />

como fundamento da cosmogonia, ao passo que Bí descreve, justamente, o fenÙmeno<br />

inverso ñ o destronamento, o descoroamento, a cat·strofe, a descriaÁ„o, a anti-cosmogonia.<br />

As molduras externas, A e Aí, tambÈm s„o tematicamente, tambÈm<br />

terminologicamente, equivalentes. Em A, louvor real ñ em Aí, s˙plica e desalento. Em A,<br />

lealdade e fidelidade de Yahweh, o juramento divino da perpetuidade da dinastia. Em Aí, o<br />

inesperado, o tr·gico ñ deslealdade, infidelidade, quebra da alianÁa, perj˙rio? O rei est·<br />

corroÌdo de d˙vidas e ang˙stias. O que ele tem de certo, contudo, È a morte, a m„o dela a<br />

comprimir-lhe a garganta ñ e, desalento dos desalentos, ele est· sÛ. Para o Sheol n„o ser·<br />

levado apenas o rei ñ mas, definitivamente, ìas antigas lealdadesî que Adonay, na sua<br />

ìfidelidadeî, jurara a David (v. 50).<br />

101


Termos acessÛrios do motivo cosmogonia → dinastia<br />

<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

A. O termo b¸rÓt È empregado quatro vezes no <strong>Sl</strong> <strong>89</strong> ñ v. 4, 29, 35 e 40. A sÈrie de<br />

ocorrÍncias encarna a prÛpria histÛria da queda da coroa, articulando-se, a cada vez, com<br />

um verbo especÌfico. Na seÁ„o A, o rei, louvando, recorda-se da alianÁa que Yahweh<br />

ìcortouî (KrT) com seu servo, David (v. 4 ñ alianÁa e juramento). No centro do quiasmo,<br />

Yahweh assegura ao rei que a alianÁa ser· perpetuamente ìconfirmadaî (¥mn ñ v. 29), e<br />

que, ainda que a dinastia o faÁa, ele, Yahweh, n„o a quebrar· (Hll ñ v. 35 ñ alianÁa e<br />

juramento). Apesar disso, nos termos em que o descreve a seÁ„o Bí, Yahweh ìrejeitaî (n¥r)<br />

a alianÁa ñ trono e coroa s„o lanÁados por terra.<br />

B. A perpÈtua ìconfirmaÁ„oî da b¸rÓt de Yahweh com o rei davÌdico associa-se ao<br />

conjunto dos verbos transignificativos e intercambi·veis ñ ìestabelecerî (Kwn ñ v.<br />

3.5.22.38 ñ no v. 15, substantivo), ìconstruirî (Bnh ñ v. 3.5), ìalicerÁarî (ysD ñ v. 12),<br />

ìfirmarî (¥mc ñ v. 22), ìcriarî (Br¥ ñ v. 48). A fidelidade de Yahweh est· ìestabelecidaî<br />

nos cÈus (v. 3). L·, ìconstruÌdaî est· a sua fidelidade (v. 3). A semente de David ser·<br />

ìestabelecidaî para sempre (v. 5). O seu trono ser· ìconstruÌdoî de geraÁ„o em geraÁ„o (v.<br />

5). A m„o de Yahweh estar· ìestabelecidaî (v. 22). O prÛprio rei ser· ìestabelecidoî nos<br />

cÈus, como a lua (v. 38). Os fundamentos do orbe foram ìalicerÁadosî (nas ·guas<br />

cosmogÙnicas) por Yahweh (v. 12). O rei ser· ìfirmadoî pelo braÁo de Yahweh (v. 22). Os<br />

B¸nÍ-¥‰d‰m foram ìcriadosî por Yahweh (v. 48). Ora, todos esses s„o verbos que<br />

transmitem, sobretudo, a idÈia concreta de ìconstruirî, ìpÙr fundamentosî, ìalicercesî,<br />

idÈia que est· mais clara na informaÁ„o do v. 5 (ìconstruÁ„oî do trono ñ ainda que, mesmo<br />

aÌ, se esteja diante de uma met·fora para a transignificaÁ„o da perpetuidade da dinastia) e<br />

do v. 12 (Yahweh pÙs os alicerces ñ ìalicerÁouî ñ do orbe nas ·guas cosmogÙnicas).<br />

Naturalmente ñ porque ìconstruÁ„o de cidadeî e ìcosmogoniaî s„o a ìcaraî e a ìcoroaî<br />

de uma mesma moeda histÛrico-mitolÛgica. Com essa chave hermenÍutica, podem-se abrir<br />

as outras portas. A fidelidade de Yahweh, nos cÈus, a semente de David, no orbe, os B¸nÍ-<br />

¥‰d‰m, no trono s„o, todas, expressıes que remetem ‡ relaÁ„o cosmogonia/construÁ„o, de<br />

modo que o significado polÌtico-social que carregam deixa-se exprimir por meio do mito<br />

cosmogÙnico, construindo, semanticamente, uma rede de transignificaÁ„o terminolÛgico-<br />

tem·tica ñ cosmogonia/construÁ„o/monarquia. Alonso-Schˆkel est· atento ‡ presenÁa do<br />

102


<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

ìtema da construÁ„oî no <strong>Sl</strong> <strong>89</strong> 21 . Mas, ainda que, pertinentemente, mencione o Enuma elish<br />

(cosmogonia e construÁ„o de templo) e 2 Sm 7 (construÁ„o de casa-templo versus<br />

construÁ„o de casa-dinastia), pensa-se, todavia, que o ìorante quer cantar a fidelidade e a<br />

lealdade de Deus para sempre: a garantia È que tal virtude foi ëfabricadaí no cÈu e, como<br />

virtude celeste, poder· transferir-se para a terra e agir nelaî. Ora, o ìoranteî ñ seja o rei,<br />

seja o salmista ñ sabe que a ìlealdadeî e a ìfidelidadeî frustraram-se (A x Aí). A chave<br />

hermenÍutica, aÌ, È mais cultural do que uma simbologia analÛgico-metafÛrica ñ ela est·<br />

relacionada ‡s informaÁıes fenomenolÛgico-religiosas que d„o conta do regime mÌtico-<br />

traditivo com que as sociedades prÛximo-orientais operam a legitimaÁ„o polÌtico-religiosa<br />

de suas instituiÁıes, particularmente, a realeza ñ o motivo ìconstruÁ„oî inter-transignifica<br />

os temas cosmogonia (ìcriaÁ„o/construÁ„oî do ìmundo/cidadeî) e dinastia.<br />

C. Neste sentido, o verbo Hll joga muito bem esse jogo. Ele È empregado quatro<br />

vezes ñ v. 11, 32, 35 e 40. Yahweh ìquebrou/esmagouî o drag„o cosmogÙnico, r‰hab (v.<br />

11). Disso, miticamente falando, resultaram a cosmogonia, a realeza celeste de Yahweh, a<br />

dinastia davÌdica e seus compromissos com o rei cosmogÙnico. Tais compromissos<br />

poderiam, eventualmente, ser ìquebrados/violadosî (v. 32) pela dinastia, mas, ainda assim,<br />

Yahweh n„o ìquebrariaî (v. 35) a alianÁa que ele cortara com David. E, no entanto, contra<br />

a forÁa do seu juramento, Yahweh ìquebrouî (v. 40) a coroa do rei e a lanÁou na terra.<br />

Conclus„o<br />

A leitura do <strong>Sl</strong> <strong>89</strong> transporta o leitor para o coraÁ„o mÌtico-polÌtico da tradiÁ„o<br />

mon·rquica israelita/judaÌta e prÛximo-oriental ñ a relaÁ„o inter-transignificante<br />

cosmogonia → dinastia. O mito cria a plataforma operacional da cultura, e È dentro e a<br />

partir dele que as relaÁıes humanas se atualizam. Segundo o mito cosmogÙnico expresso<br />

no <strong>Sl</strong> <strong>89</strong>, Yahweh ìconstruiu/criouî o mundo depois de ìquebrar/esmagarî o drag„o<br />

cosmogÙnico r‰hab. Ato contÌnuo, constrÛi/estabelece seu trono sobre a nuvem, e, desde<br />

aÌ, constrÛi/cria a dinastia davÌdica que, sob a m„o de Yahweh, funda e sustenta a criaÁ„o.<br />

O entronamento do rei implica no juramento de Yahweh ñ a dinastia adentrar·,<br />

perpetuamente, os sÈculos, mercÍ da lealdade e da fidelidade de Yahweh em assegurar a<br />

manutenÁ„o inabal·vel de sua alianÁa din·stico-cosmogÙnica com o rei.<br />

No presente narrativo, contudo, uma cat·strofe abateu-se sobre a cosmogonia ñ o<br />

21 Cf. ALONSO-SCH÷KEL, BÌblia do Peregrino, p. 1309, nota.<br />

103


<strong>Oracula</strong> 5.9 (2009)<br />

trono caiu, a coroa, quebraram-na, o rei foi ultrajado. Os fundamentos da criaÁ„o foram<br />

transtornados. E a mais tempo do que se poderia esperar. O rei sente o h·lito da morte ñ<br />

expressamente, a m„o dela na sua garganta. Tem poucos dias. E nenhuma semente.<br />

Transtornada que fora pela quebra da coroa, significa a definitiva imers„o da criaÁ„o nas<br />

·guas cosmogÙnicas ñ para nunca mais sair de dentro delas. … o fim. O derradeiro fim.<br />

Yahweh, Yahweh ñ ìonde est„o as tuas antigas lealdades (...) ñ que juraste a David na tua<br />

fidelidade?î.<br />

ReferÍncias Bibliogr·ficas<br />

ALONSO-SCH÷KEL, LuÌs. BÌblia do Peregrino. S„o Paulo: Paulus: 2002.<br />

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104


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Fragmentos de Cultura 15.9 (2005): 1371-1383.<br />

TERRIEN, Samuel L. The Psalms: Strophic Structure and Theological Commentary. Grand Rapids:<br />

William B. Eerdmans Publishing, 2003.<br />

105

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