1 museu ibérico de arqueologia e arte de abrantes AT
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<strong>AT</strong><br />
1 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
<strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
antevisão i v
promotores<br />
câmara municipal<br />
<strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Presi<strong>de</strong>nte<br />
Maria do Céu Albuquerque<br />
fundação estrada<br />
Presi<strong>de</strong>nte<br />
João Lourenço Sigalho Estrada<br />
coor<strong>de</strong>nação geral do projeto<br />
Isilda Jana<br />
museologia e história da <strong>arte</strong><br />
Fernando António Baptista Pereira<br />
<strong>arqueologia</strong><br />
Luiz Oosterbeek<br />
(coor<strong>de</strong>nação)<br />
Davi<strong>de</strong> Delfino<br />
Gustavo Portocarrero<br />
Álvaro Batista<br />
Filomena Gaspar<br />
textos<br />
Álvaro Batista<br />
Fernando António Baptista Pereira<br />
Luiz Oosterbeek<br />
Davi<strong>de</strong> Delfino<br />
Gustavo Portocarrero<br />
Rui Oliveira Lopes<br />
Luís Jorge Gonçalves<br />
catálogo<br />
Paulo Passos<br />
Gabinete <strong>de</strong> Comunicação / CMA<br />
fotografia<br />
Fernando Sá Baio<br />
Gabinete <strong>de</strong> Comunicação / CMA<br />
montagem museográfica <strong>de</strong> peças<br />
José Manuel Frazão<br />
produção <strong>de</strong> lettering<br />
Gabinete <strong>de</strong> Comunicação / CMA<br />
impressão<br />
Tipografia Central do Entroncamento, Lda<br />
isbn<br />
978-972-9133-41-1<br />
<strong>de</strong>pósito legal<br />
311943/10<br />
2<br />
em pedra:<br />
lascar, polir,<br />
gravar,<br />
esculpir…<br />
3 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
antevisão i v
4<br />
pedras<br />
que falam<br />
A pedra é a matéria-prima mais antiga,<br />
mais abundante e mais perene.<br />
É, por isso, uma ótima testemunha<br />
das formas <strong>de</strong> vida das comunida<strong>de</strong>s<br />
humanas ao longo dos tempos.<br />
Por isso, esta exposição escolheu a pedra<br />
como tema, aqui apresentado através<br />
<strong>de</strong> uma seleção cuidada nas várias<br />
coleções que compõem o MIAA:<br />
<strong>arqueologia</strong> da coleção do Museu<br />
D. Lopo <strong>de</strong> Almeida, <strong>arte</strong> sacra e objetos<br />
diversos da Coleção Estrada, um relógio<br />
<strong>de</strong> sol <strong>de</strong> Ch<strong>arte</strong>rs <strong>de</strong> Almeida e pinturas<br />
<strong>de</strong> pedras e muros tão do gosto <strong>de</strong> Maria<br />
Lucília Moita.<br />
“EM PEDRA: lascar, polir, gravar,<br />
esculpir…” é já a iv Antevisão do Museu<br />
Ibérico <strong>de</strong> Arqueologia e Arte e mostra<br />
que o MIAA não é ainda um edifício<br />
com uma exposição permanente,<br />
mas é já um projeto em execução,<br />
através das quatro antevisões,<br />
<strong>de</strong> uma exposição antológica da obra<br />
<strong>de</strong> Ch<strong>arte</strong>rs <strong>de</strong> Almeida e <strong>de</strong> duas<br />
Jornadas Internacionais do MIAA<br />
com a publicação das respetivas Atas.<br />
5 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
O projeto da 1ª fase do Museu está<br />
concluído. Prevê a recuperação,<br />
a remo<strong>de</strong>lação e musealização<br />
do Convento <strong>de</strong> São Domingos.<br />
Desta forma se preserva o património<br />
edificado que constitui o próprio<br />
convento, <strong>de</strong>stinando-o a uma função<br />
nobre.<br />
Mas esta exposição não se fecha sobre<br />
ela própria ou sobre as peças que a<br />
compõem. Pelo contrário, é p<strong>arte</strong> inteira<br />
<strong>de</strong> um projeto em execução que não<br />
é local, mas, no mínimo, regional<br />
e aberto numa dimensão global.<br />
O MIAA – Museu Ibérico <strong>de</strong> Arqueologia<br />
e Arte é um investimento cultural<br />
que preten<strong>de</strong> ser um <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> futuro,<br />
uma aposta <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
Esta IV Antevisão permite-nos,<br />
mais uma vez, olhar para <strong>de</strong>ntro<br />
das coleções e, através <strong>de</strong>las,<br />
espreitar esse futuro em construção.<br />
Maria do Céu Albuquerque<br />
Presi<strong>de</strong>nte da Câmara Municipal<br />
<strong>de</strong> Abrantes<br />
“Um monte <strong>de</strong> pedras<br />
<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser um monte<br />
<strong>de</strong> pedras no momento<br />
em que um único<br />
homem o contempla,<br />
nascendo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le<br />
a imagem <strong>de</strong> uma<br />
catedral.”<br />
Antoine <strong>de</strong> Saint-Exupéry
antevisão 4<br />
pedras para a estruturação<br />
do futuro do Médio Tejo<br />
A antevisão 4 do MIAA tem lugar num<br />
contexto, há muito percepcionável, <strong>de</strong><br />
crise sistémica, que obriga a repensar<br />
todas as esferas <strong>de</strong> intervenção e<br />
organização da socieda<strong>de</strong>. Vivemos ainda,<br />
em 2012, um ciclo <strong>de</strong> incerteza, marcado<br />
por uma instabilida<strong>de</strong> crescente. Uma<br />
leitura superficial e comum centra as<br />
atenções nos “mercados” mas…o que são<br />
esses mercados? Na verda<strong>de</strong>, são pessoas,<br />
em boa p<strong>arte</strong> especuladores mas não só,<br />
e no essencial pessoas.<br />
E porque se comportam <strong>de</strong>sta forma<br />
voraz e suicidária?<br />
A resposta não po<strong>de</strong> ser encontrada<br />
olhando apenas os mercados. Na verda<strong>de</strong>,<br />
vivemos mais um episódio <strong>de</strong> uma crise<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sestruturação longa, larvar, que teve<br />
o seu início simbólico em 1970, quando<br />
os EUA, face à primeira crise petrolífera,<br />
terminaram com a parida<strong>de</strong> dólar/ouro.<br />
Nessa ocasião, começou o fim do sistema<br />
monetário internacional, concebido após<br />
a II Guerra Mundial em Bretton Woods.<br />
Sim, vale a pena olhar o passado, recente<br />
e remoto, para enten<strong>de</strong>r o presente, e um<br />
<strong>museu</strong> é antes <strong>de</strong> mais isso mesmo: um<br />
treino para apren<strong>de</strong>r a olhar o passado,<br />
para nos vermos no passado; um exercício<br />
<strong>de</strong> humilda<strong>de</strong>, na verda<strong>de</strong>.<br />
O sistema económico alicerçado no<br />
mercado mundial, na industrialização e na<br />
livre concorrência conheceu, nos últimos<br />
200 anos, várias crises cíclicas (explicadas<br />
pelos <strong>de</strong>sequilíbrios <strong>de</strong> oferta e procura<br />
e caracterizadas pela incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
escoamento <strong>de</strong> exce<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> produção<br />
em <strong>de</strong>terminadas regiões), mas viveu,<br />
também, duas <strong>de</strong>pressões profundas:<br />
entre 1873 e 1896, que está na origem<br />
do gran<strong>de</strong> surto migratório da Europa<br />
para as Américas, bem como <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />
conflitos militares e revoluções (<strong>de</strong> que<br />
Portugal experimentou a chamada “crise<br />
do mapa cor-<strong>de</strong>-rosa”); e entre 1914 e 1947<br />
(marcada pelas duas guerras mundiais).<br />
Estas <strong>de</strong>pressões, além da violência que<br />
as acompanhou, re<strong>de</strong>finiram fronteiras<br />
e o mapa geo-estratégico: na primeira,<br />
emergiram os EUA e o Japão como<br />
nações capazes <strong>de</strong> disputar a primazia<br />
às potências europeias; na segunda a<br />
Europa inverteu posição com os EUA,<br />
que passaram a ser a principal potência<br />
mundial num cenário <strong>de</strong> consolidação<br />
do bloco soviético.<br />
A questão que muitos se colocam é:<br />
a actual crise é uma crise cíclica, ou<br />
uma nova <strong>de</strong>pressão? Parece evi<strong>de</strong>nte<br />
que o que afecta o sistema global não<br />
é um problema <strong>de</strong> não escoamento <strong>de</strong><br />
produção, ou seja, um problema resolúvel<br />
pelo incremento nos investimentos e pela<br />
regulação dos sistemas <strong>de</strong> distribuição,<br />
mas algo mais profundo: quebra da<br />
natalida<strong>de</strong>, pressão insustentável das<br />
tecnologias sobre o ambiente, inovação<br />
tecnológica <strong>de</strong> menor consumo energético<br />
menos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da mão-<strong>de</strong>-obra e<br />
facilmente <strong>de</strong>slocalizável, importância<br />
crescente das matérias primas raras,<br />
migrações massivas, colapso <strong>de</strong> Estados,...<br />
Todos estes ingredientes se assemelham<br />
ao caldo <strong>de</strong> crise <strong>de</strong> 1873 ou <strong>de</strong> 1914,<br />
sobretudo na sua expressão mais imediata:<br />
o empobrecimento das classes médias em<br />
vastas regiões e a emergência <strong>de</strong> outras<br />
dinâmicas sociais.<br />
E o que tem tudo isto a ver com o MIAA<br />
e a sua antevisão 4?<br />
Nesta exposição falamos <strong>de</strong> pedra, e <strong>de</strong><br />
gestos sobre a pedra. Há <strong>de</strong> factos muitas<br />
formas <strong>de</strong> olhar esta exposição, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
logo a estética é fundamental: o equilíbrio<br />
e ritmo <strong>de</strong> algumas peças que agora se<br />
apresentam é assinalável, não apenas<br />
nas formas mas no modo como a pedra<br />
também se combina, por vezes, com o<br />
ouro. Neste percurso expositivo se po<strong>de</strong><br />
ver como o senso estético não evoluem<br />
apenas com o tempo, e estão presentes<br />
em todas as épocas: senão, como explicar<br />
a complexida<strong>de</strong> gestual necessária para<br />
produzir as pequenas pontas <strong>de</strong> seta<br />
neolíticas e calcolíticas?<br />
Mas há um olhar mais arqueológico, ou<br />
tecno-económico, que é também essencial<br />
neste <strong>museu</strong>, que se quer <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e<br />
<strong>arte</strong>, ou seja, <strong>de</strong> um duplo olhar.<br />
6<br />
A antevisão 4 do MIAA tem como foco a<br />
pedra e as sequências <strong>de</strong> gestos e técnicas<br />
que permitiram nela revelar formas não<br />
evi<strong>de</strong>ntes. Ao lascar, polir, gravar ou<br />
esculpir, os <strong>arte</strong>sãos/artistas da préhistória,<br />
da época romana ou da Europa<br />
cristã medieval, foram construindo uma<br />
relação elaborada entre um conhecimento<br />
profundo das matérias primas (calcários,<br />
basaltos, sílex, mármore,…), um apuro<br />
técnico na sua transformação, uma<br />
sensibilida<strong>de</strong> contextualizada às formas e<br />
uma visão particular sobre o mundo que<br />
por essa via representavam.<br />
A exposição permite diversos percursos,<br />
e o cronológico também é fundamental,<br />
pois na produção da <strong>arte</strong> da pedra o que<br />
vemos são concretizações possíveis <strong>de</strong><br />
arquétipos que marcaram <strong>de</strong>terminadas<br />
culturas. Por isso, reencontramos “as<br />
mesmas pedras”, às vezes “os mesmos<br />
gestos”, mas o olhar do artista que<br />
já morreu é sempre distinto, e ficou<br />
fossilizado nas formas concretas que<br />
observamos.<br />
A exposição é, por isso, também um<br />
convite a olhar os <strong>de</strong>talhes, por exemplo<br />
nas gemas romanas ou na escolha<br />
do alabastro que, no Egipto antigo,<br />
prolongava uma ancestral valorização<br />
dos materiais cristalinos, como a calcite<br />
e o quartzo (que se testemunha nos<br />
enterramentos megalíticos do baixo<br />
Zêzere, entre Tomar e Abrantes).<br />
A pedra das colecções do MIAA oferece<br />
também um motivo <strong>de</strong> reflexão sobre a<br />
relação do Museu com este território do<br />
Alto Ribatejo, on<strong>de</strong> são as estruturas e<br />
objectos em pedra que constituem mais<br />
<strong>de</strong> 85% <strong>de</strong> todo o património (como se<br />
po<strong>de</strong> ver no circuito turístico regional<br />
organizado pelo Museu <strong>de</strong> Arte Pré-<br />
Histórica <strong>de</strong> Mação, que recebeu ao nome<br />
Lithos).<br />
A antevisão é por isso um convite não<br />
apenas a ver, por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong>stes objectos,<br />
as formações geológicas e os gestos que<br />
os originaram, mas também a, uma vez<br />
saindo do Castelo, olhar para os xistos<br />
7 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
e granitos que se vão <strong>de</strong>nunciando nas<br />
colinas, ou para os calcários que se<br />
enxergam mais para Oeste, e ver um<br />
conjunto <strong>de</strong> recursos que sempre foram a<br />
base do sustento das comunida<strong>de</strong>s e, por<br />
isso, também a base das suas <strong>arte</strong>s, do seu<br />
génio. Ontem…como hoje. E, por isso,<br />
um convite a re<strong>de</strong>scobrir o território, a sua<br />
diversida<strong>de</strong> e potencialida<strong>de</strong>s, tão bem<br />
conhecidas dos primeiros metalurgistas<br />
<strong>de</strong>sta região.<br />
Em tempos <strong>de</strong> crise, ver na antevisão 4<br />
a tecnologia, o conhecimento científico<br />
e a economia das socieda<strong>de</strong>s que nos<br />
prece<strong>de</strong>ram, é compreen<strong>de</strong>r como<br />
economia e cultura se não po<strong>de</strong>m separar,<br />
e que é um erro dizer que “a economia<br />
é condicional mas a cultura é que é<br />
essencial”, como já ouvimos a uns, ou que<br />
“a economia é fundamental e a cultura<br />
acessória”, como insistirão outros. A<br />
antevisão 4 é, ainda, o sublinhar <strong>de</strong> uma<br />
atitu<strong>de</strong> comportamental que se prolonga<br />
nas indústrias <strong>de</strong> hoje em Abrantes e no<br />
Médio Tejo, da economia do fazer das<br />
pedreiras às metalúrgicas à cultura do<br />
programar do Instituto Politécnico <strong>de</strong><br />
Tomar ou do Tecnopólo <strong>de</strong> Abrantes.<br />
A antevisão 4, ao revisitar culturas e<br />
civilizações que morreram, dos caçadores<br />
paleolíticos aos primeiros agricultores, da<br />
Suméria à época medieval ou do Egipto<br />
antigo ao Império Romano, é também<br />
um convite a lembrar que os momentos a<br />
complexida<strong>de</strong> tecnológica e a exuberância<br />
artística sempre andaram <strong>de</strong> mãos dadas<br />
com a economia, e que após a morte<br />
<strong>de</strong>ssas socieda<strong>de</strong>s, a pós o seu colapso<br />
económico, se forjaram outras i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />
e culturas.<br />
O MIAA vai sendo, assim, a casa não<br />
apenas das memórias, mas também dos<br />
olhares sobre o futuro, ancorados no<br />
rigoroso conhecimento do território.<br />
Lisboa, 10 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 2012<br />
Luiz Oosterbeek<br />
Instituto Politécnico <strong>de</strong> Tomar<br />
Instituto Terra e Memória<br />
Em cada bloco<br />
<strong>de</strong> mármore vejo<br />
uma estátua; vejo-a tão<br />
claramente como se<br />
estivesse na minha frente,<br />
moldada e perfeita na pose<br />
e no efeito. Tenho apenas<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sbastar as pare<strong>de</strong>s<br />
brutas que aprisionam<br />
a adorável aparição para<br />
revelá-la a outros olhos<br />
como os meus já a vêem.<br />
Michelangelo Buonarroti
8<br />
sinais da importância<br />
da pedra na evolução<br />
humana na região<br />
<strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Não é fácil falar da PEDRA, como<br />
produto da ação humana. Esta, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
sempre, tem acompanhado o homem,<br />
<strong>de</strong>ntro do seu processo <strong>de</strong> aprendizagem<br />
e evolução.<br />
Esta realida<strong>de</strong> expressa-se em diversos<br />
formatos, em diversos contextos<br />
e numa evolução cronológica, ao longo<br />
dos milénios, até que é substituída,<br />
em p<strong>arte</strong>, pelo uso do metal.<br />
A PEDRA – <strong>de</strong> simples massa <strong>de</strong>fensiva<br />
ou <strong>de</strong> ataque, a pedra serviu também<br />
como percutor e <strong>de</strong>la o homem obteve<br />
simples lascas <strong>de</strong> gumes cortantes<br />
ou instrumentos mais aprimorados,<br />
o que implicou a assimilação <strong>de</strong> diversos<br />
gestos técnicos e conceitos mentais.<br />
Na pedra o homem expressou o seu<br />
pensamento mágico-religioso. Nela<br />
o homem pintou e gravou o que então<br />
lhe ia na alma.<br />
A pedra marcou territórios, <strong>de</strong>finiu<br />
recintos rituais e sob as pedras o homem<br />
<strong>de</strong>positou os seus mortos.<br />
Centramo-nos na região que hoje<br />
habitamos - o concelho <strong>de</strong> Abrantes.<br />
Este território em torno do Tejo foi<br />
uma região apetecível para a caça, pesca,<br />
favorável à agricultura e pastorícia, fatores<br />
<strong>de</strong> sobrevivência humana e por isso, por<br />
aqui passaram e se fixaram, ao longo<br />
<strong>de</strong> muitos milhares <strong>de</strong> anos, muitos<br />
grupos humanos que nos <strong>de</strong>ixaram<br />
as suas marcas.<br />
É um pouco <strong>de</strong>ssas marcas em PEDRA<br />
que trazemos a esta exposição.<br />
Do Paleolítico começamos por observar<br />
a ca<strong>de</strong>ia operatória 1: em que um simples<br />
seixo conduz a um biface (como aconteceu<br />
no Paleolítico Superior e Médio) e a<br />
ca<strong>de</strong>ia operatória 2: em que <strong>de</strong> um núcleo<br />
se obtém uma lasca simples ou retocada<br />
(como aconteceu a partir do Paleolítico<br />
Superior).<br />
9 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Também o Levalloisense e Mustierense<br />
ocorrem no território, notório pelos<br />
núcleos ditos “carapaça <strong>de</strong> tartaruga”<br />
sobre seixo <strong>de</strong> quartzito. Aqui o seixo<br />
passou a constituir o núcleo do qual<br />
se obtinham instrumentos.<br />
Há toda uma indústria macrolítica<br />
holocénica (que se prolonga até ao<br />
Calcolítico) que se <strong>de</strong>senvolve na zona,<br />
da qual nos chegam inúmeros<br />
testemunhos.<br />
Nos finais do 6º milénio a.C. surge,<br />
no Vale do Tejo, o Neolítico. Neste<br />
período, com o advento da agricultura<br />
chega o machado <strong>de</strong> pedra polida, a enxó,<br />
a mó plana, os pesos <strong>de</strong> re<strong>de</strong> e toda uma<br />
indústria laminar a par da macrolítica.<br />
A pedra assume então um novo estatuto<br />
com o surgir <strong>de</strong> todo um espaço ritual e<br />
sepulcral. Por volta <strong>de</strong> 4000 a.C. na zona<br />
norte do concelho erguem-se monólitos,<br />
ora simples, como o menir da Medroa ou<br />
talvez mesmo o cromeleque do Alqueidão<br />
(Martinchel). O espaço dos mortos,<br />
também em 4000 a. C, ganha contornos<br />
visíveis com enterramentos individuais em<br />
torno <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s afloramentos, como o da<br />
Anta 5 da Jogada (Al<strong>de</strong>ia do Mato) e, mais<br />
tar<strong>de</strong>, enterramentos coletivos como o<br />
aqui representado pelos instrumentos<br />
<strong>de</strong> Colos – S. Facundo.<br />
O instrumento <strong>de</strong> pedra, <strong>de</strong> carácter<br />
utilitário, passa também a simbólico.<br />
Torna-se oferta que acompanha o morto<br />
na sua morada final. São as lâminas, as<br />
pontas <strong>de</strong> seta, as pontas <strong>de</strong> lança,<br />
o punhal, as alabardas, os machados <strong>de</strong><br />
pedra polida e, por último, as placas ídolo,<br />
<strong>de</strong>coradas como expressão <strong>de</strong> <strong>arte</strong>, agora<br />
funerária.<br />
Bastão <strong>de</strong> comando<br />
Ida<strong>de</strong> do Bronze<br />
Anfibolite<br />
altura (19,5 cm), comprimento (6 cm)<br />
Baton of command<br />
Bronze Age<br />
Amphibolite<br />
length (19,5 cm), width (6 cm)
O trabalho da pedra em elementos<br />
móveis, assume agora uma nova faceta<br />
ritual ou simbólica. A expressão<br />
mágico-religiosa é também uma<br />
componente do quotidiano dos vivos.<br />
Os dois “ídolos” aqui presentes falam-nos<br />
<strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>. O “ídolo fálico”, sinónimo<br />
<strong>de</strong> sexo masculino e fecundação, e o<br />
“ídolo oculado” <strong>de</strong> cariz feminino, talvez<br />
conotado com fertilida<strong>de</strong> ou imagem da<br />
Deusa-Mãe. Enquanto, que o primeiro<br />
nos remete para o mundo megalítico,<br />
cujo paralelo po<strong>de</strong>mos observar no<br />
Menir dos Sete – Monforte, o segundo<br />
parece apontar para a Andaluzia, mais<br />
propriamente para a Cultura <strong>de</strong> Los<br />
Millares, como área <strong>de</strong> origem e dispersão<br />
para Norte até ao Tejo. A <strong>arte</strong> gravada<br />
também presente é expressa por covinhas,<br />
círculos, antropomorfo, e representação<br />
solar.<br />
Com o advento da Ida<strong>de</strong> do Bronze<br />
assiste-se a uma mutação a nível do<br />
povoamento e surgem-nos povoados<br />
em locais baixos, em terrenos férteis<br />
<strong>de</strong> aluvião, próximos do Tejo. Aqui um<br />
exemplo marcante é o povoado<br />
da Pedreira, em Rio <strong>de</strong> Moinhos.<br />
O enterramento individual em urna<br />
sob mamoa <strong>de</strong> seixos, remete-nos para<br />
o enterramento individual em oposição<br />
ao coletivo do período anterior.<br />
Assiste-se a partir daqui a um crescente<br />
aumento da circulação <strong>de</strong> objetos <strong>de</strong><br />
bronze <strong>de</strong> feição Atlântica, sendo marcado<br />
ainda pelos “escon<strong>de</strong>rijos <strong>de</strong> fundidor”<br />
do Porto do Concelho (Mação) e o <strong>de</strong><br />
Barreiras do Tejo (Abrantes) <strong>de</strong>scoberto<br />
no interior <strong>de</strong> um vaso carenado. Mas a<br />
par <strong>de</strong>stes o uso da pedra assume outra<br />
faceta, agora usada para nela se verter<br />
o metal fundido e se obter o produto<br />
acabado. E aqui entra o mol<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> fundição da Pedreira.<br />
O machado <strong>de</strong> calaíte ver<strong>de</strong> oriundo<br />
do Castelo <strong>de</strong> Abrantes, remete-nos<br />
para um carácter ritual ou simbólico<br />
no mesmo período. Para igual uso nos<br />
remete, pela sua envergadura, o magnífico<br />
machado <strong>de</strong> pedra polida <strong>de</strong> secção<br />
circular.<br />
Da Ida<strong>de</strong> do Ferro expõe-se o bastão<br />
<strong>de</strong> mando, certamente também conotado<br />
com um símbolo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, na mesma<br />
linha do ídolo fálico.<br />
Com a chegada dos romanos atraídos<br />
pela riqueza mineira da Península Ibérica<br />
assistimos a um recru<strong>de</strong>scer da pedra<br />
como um material aplicado para os mais<br />
diversos usos. Um pouco por todo o<br />
concelho existem vestígios <strong>de</strong>ssa presença:<br />
duas estátuas, marcos miliários e colunas<br />
miliárias, diversas inscrições funerárias<br />
em Mouriscas e a ara anepígrafa da<br />
Pedreira, bases <strong>de</strong> colunas, pesos <strong>de</strong> lagar,<br />
mós manuárias. E um pouco por todo<br />
o território <strong>de</strong>scobriram-se estruturas<br />
<strong>de</strong> casas, lareiras, pavimentos <strong>de</strong> terra<br />
batida, <strong>de</strong> opus signinum e <strong>de</strong> tesselatum,<br />
tanques, esgotos. E já na agonia do<br />
império sepulcros tardo romano e<br />
visigóticos e estruturas habitacionais.<br />
Com a fundação da nacionalida<strong>de</strong><br />
portuguesa no solo urbano jazem<br />
sepulcros escavados na rocha, estelas<br />
funerárias, silos, elementos arquitetónicos<br />
e um sem número <strong>de</strong> <strong>de</strong>tritos acumulados<br />
ao longo <strong>de</strong> milénios <strong>de</strong> ampla ativida<strong>de</strong><br />
humana. Mas também ainda se erguem<br />
edifícios e túmulos em cuja pedra se<br />
vislumbram a marca do cinzel ou as<br />
marcas dos canteiros <strong>de</strong> outrora e que<br />
resultaram em trabalhos belíssimos como<br />
o pórtico renascentista, datado <strong>de</strong> 1548,<br />
da Igreja da Stª Casa da Misericórdia ou<br />
os túmulos góticos da família dos<br />
Almeidas, con<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Abrantes que jazem<br />
na Igreja <strong>de</strong> Stª Maria do Castelo, local<br />
<strong>de</strong>sta exposição.<br />
Esta é uma p<strong>arte</strong> da nossa herança<br />
cultural, são ecos do passado que vos<br />
convidamos a ver nesta Antevisão IV.<br />
Esta é uma p<strong>arte</strong> do acervo do Museu<br />
D. Lopo <strong>de</strong> Almeida que irá integrar<br />
o MIAA.<br />
E assim continuará a simbiose entre<br />
o homem e a PEDRA num retorno sem<br />
fim. No início talhava-a. Agora expõe<br />
o fruto <strong>de</strong>sse trabalho.<br />
Álvaro Batista<br />
Bibliografia<br />
Batista Á. (2004)<br />
Carta Arqueológica do Concelho Constância,<br />
Associação ESCORA. Constância,<br />
p. 165, nota 26<br />
Calado M. (2011)<br />
Placas <strong>de</strong> xisto a <strong>arte</strong> rupestre: a propósito<br />
da colecção estrada, in Actas das I Jornadas<br />
Internacionais do MIAA, Museu Ibérico <strong>de</strong><br />
Arqueologia e Arte <strong>de</strong> Abrantes, CMA, p. 76<br />
Félix P. (2006)<br />
O final da Ida<strong>de</strong> do Bronze e os inícios da<br />
Ida<strong>de</strong> do Ferro no Ribatejo Norte (Centro<br />
<strong>de</strong> Portugal): uma breve síntese dos dados<br />
arqueográficos. Conimbriga, Coimbra, pp.<br />
45-65<br />
Oliveira J. (s/d)<br />
A <strong>arte</strong> rupestre no contexto megalítico<br />
Norte-Alentejano<br />
10 11 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Machado<br />
Ida<strong>de</strong> do Ferro<br />
Calaíte<br />
altura (3 cm), comprimento (11 cm)<br />
Proveniência – Castelo <strong>de</strong> Abrantes<br />
Axe<br />
Iron Age<br />
Calaite<br />
length (3 cm), width (11 cm)<br />
Provenance - Castle of Abrantes
12<br />
13 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Pesos <strong>de</strong> re<strong>de</strong><br />
Ida<strong>de</strong> do Ferro<br />
Quartzito e xisto<br />
comprimento (7,3 cm), largura (5,4)<br />
Proveniência – Zambujal<br />
Fishing net weights<br />
Iron Age<br />
Quartzite and schist<br />
length (7,3 cm), width (5,4 cm)<br />
Provenance – Abrantes
3 Alabardas<br />
Calcolítico<br />
Sílex<br />
máximo: comprimento (15,4 cm), largura<br />
(14 cm)<br />
Proveniência – S. Facundo<br />
3 Halberds<br />
Chalcolithic<br />
Silex<br />
Maximum: length (15,4 cm), width (14 cm)<br />
Provenance – S. Facundo<br />
14<br />
15 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
Punhais<br />
Calcolítico<br />
Sílex<br />
máximo: comprimento (10,8 cm), largura<br />
(3,2 cm)<br />
Proveniência – S. Facundo<br />
Poignards<br />
Chalcolithic<br />
Silex<br />
maximum: length (10,8 cm), width (3,2 cm)<br />
Provenance – S. Facundo<br />
16<br />
Pontas <strong>de</strong> seta<br />
Neolítico ou Calcolítico<br />
Sílex<br />
máximo: comprimento (3,5 cm), largura<br />
(2 cm)<br />
Proveniência – S. Facundo<br />
Points of arrow<br />
Neolithic or Chalcolithic<br />
Silex<br />
maximum: length (3,5 cm), width (2 cm)<br />
Provenance – S. Facundo<br />
17 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
18<br />
19 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Lâminas<br />
Neolítico<br />
Sílex<br />
máximo: comprimento (19,5 cm), largura<br />
(2,2 cm)<br />
Proveniência – S. Facundo<br />
Bla<strong>de</strong>s<br />
Neolithic<br />
Silex<br />
Maximum: length (19,5 cm), width (2,2 cm)<br />
Provenance – S. Facundo
20<br />
21 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Machado<br />
Neolítico<br />
Anfibolite<br />
comprimento (35 cm), largura (8,2 cm)<br />
Proveniência – Castelo <strong>de</strong> Abrantes<br />
Axe<br />
Neolithic<br />
Amphibolite<br />
length (35 cm), width (8,2 cm)<br />
Provenance – Castle of Abrantes
Ídolo oculado<br />
Calcolítico<br />
Quartzito<br />
comprimento (6 cm), largura (2 cm)<br />
Proveniência – Alvega<br />
Idol with eyes<br />
Chalcolithic<br />
Quartzite<br />
length (6 cm), width (2 cm)<br />
Provenance – Alvega<br />
22<br />
Ídolo fálico<br />
Neolítico ou Calcolítico<br />
Quartzito<br />
comprimento (11,7 cm), largura (10,3 cm)<br />
Proveniência – Pego<br />
Phallic idol<br />
Neolithic or Chalcolithic<br />
Quartzite<br />
length (11,7 cm), width (10,3 cm)<br />
Provenance - Pego<br />
23 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
24<br />
25 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Mó<br />
Neolítico<br />
Sílex<br />
comprimento (45 cm), largura (29 cm)<br />
Proveniência – Abrantes<br />
Grindstone<br />
Neolithic<br />
Silex<br />
length (45 cm), width (29 cm)<br />
Provenance – Abrantes
Placa com grafitos<br />
Neolítico<br />
Xisto<br />
comprimento (14 cm), largura (12,5 cm)<br />
Proveniência – Povoado <strong>de</strong> Fontes<br />
Plaque with graffiti<br />
Neolithic<br />
Schist<br />
length (14 cm), width (12,5 cm)<br />
Provenance – Povoado das Fontes
Placa <strong>de</strong> xisto<br />
Neolítico<br />
Xisto<br />
comprimento (17,6 cm), largura (12 cm)<br />
Proveniência – S. Facundo<br />
Schist plaque<br />
Neolithic<br />
Schist<br />
length (17,6 cm), width (12 cm)<br />
Provenance – S. Facundo<br />
28<br />
29 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Placa <strong>de</strong> xisto<br />
Neolítico<br />
Xisto<br />
comprimento (15,4 cm), largura (9,1 cm)<br />
Proveniência – S. Facundo<br />
Schist plaque<br />
Neolithic<br />
Schist<br />
length (15,4 cm), width (9,1 cm)<br />
Provenance – S. Facundo
Machado<br />
Calcolítico<br />
Anfibolite<br />
comprimento (11 cm), largura (5,5 cm)<br />
Proveniência – S. Facundo<br />
Axe<br />
Chalcolithic<br />
Amphibolite<br />
length (11 cm), width (5,5 cm)<br />
Provenance – S. Facundo<br />
Enxó<br />
Calcolítico<br />
Anfibolite<br />
comprimento (8,3 cm), largura (8 cm)<br />
Proveniência – S. Facundo<br />
Adz<br />
Chalcolithic<br />
Amphibolite<br />
length (14 cm), width (12,5 cm)<br />
Provenance – S. Facundo<br />
30<br />
31 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Ca<strong>de</strong>ia operatória<br />
no Paleolitico Inferior<br />
Operational chain<br />
in the Lower Paleolithic
32<br />
Ca<strong>de</strong>ia operatória<br />
no Paleolítico Superior<br />
Operational chain<br />
in the Upper Paleolithic<br />
33 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
mais <strong>de</strong> 40.000 anos<br />
<strong>de</strong> evolução dos gestos<br />
na pedra em 3 continentes<br />
na colecção estrada<br />
Os instrumentos <strong>de</strong> pedra são dos mais<br />
importantes para a evolução do saber<br />
fazer humano. Testemunhos da unida<strong>de</strong><br />
do homem em saber transformar a forma<br />
da matéria-prima em objectos que lhe<br />
permitam não só sobreviver, mas<br />
também melhorar a própria vida,<br />
adaptar- se ao meio ambiente,<br />
e, finalmente, em manifestar a sua<br />
capacida<strong>de</strong> intelectual única entre<br />
os seres vivos, <strong>de</strong> manter e melhorar<br />
as aquisições técnicas, transmitindo<br />
<strong>de</strong> geração em geração os resultados<br />
<strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s, experimentações<br />
e soluções.<br />
O homem põe os alicerces<br />
das indústrias e das culturas:<br />
o Paleolítico<br />
Des<strong>de</strong> os períodos mais antigos<br />
da Pré-História, o homem conseguiu<br />
afinar a técnica <strong>de</strong> produção da indústria<br />
lítica, partindo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o simples gesto<br />
<strong>de</strong> “esculpir” o instrumento que precisava<br />
directamente nos seixos criando bifaces<br />
(CE3581) no Paleolítico Inferior<br />
(2,5 milhões a 200.000 anos atrás):<br />
isso diferenciou o género homo dos<br />
outros seres do reino animal, dado não<br />
só ter a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usar o que a<br />
natureza lhe oferece, como conseguem<br />
fazer alguns animais, mas também <strong>de</strong><br />
adaptar a matéria-prima às suas<br />
necessida<strong>de</strong>s.<br />
Com a invenção da técnica levallois,<br />
no Paleolítico Médio (200.000 a 30.000<br />
anos atrás), o homem conseguiu criar<br />
instrumentos mais finos e em maior<br />
quantida<strong>de</strong>, aproveitando as lascas tiradas<br />
dos seixos, e não apenas esculpindo<br />
a pedra, e retocando-as até formar<br />
pontas, lâminas, raspadores e outros<br />
instrumentos. Assim, enquanto no<br />
Paleolítico Inferior era possível, partindo<br />
<strong>de</strong> um seixo, obter uma ferramenta, com<br />
a técnica levallois foi possível obter mais<br />
ferramentas explorando um único seixo.<br />
Um outro exemplo <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> da<br />
técnica levallois, são as pontas finas<br />
e com morfologias que permitiam mais<br />
eficácia que se consegui produzir, como<br />
a CE02860 que mostra uma particular<br />
indústria lítica do norte da África<br />
oci<strong>de</strong>ntal, a Ateriense. A técnica levalllois<br />
revolucionou o modo <strong>de</strong> fazer a indústria<br />
lítica, até se afinar no <strong>de</strong>curso do<br />
Paleolítico Superior (35.000-9.000 anos<br />
atrás) com gestos cada vez mais técnicos<br />
e ricos <strong>de</strong> sabedoria, que conseguiram<br />
produzir instrumentos bastante finos<br />
e eficazes, como as pontas solutrenses<br />
(CE01305, CE01306), cujo nome vem<br />
da Cultura Solutrense que as produziu.<br />
Nascem as culturas se<strong>de</strong>ntárias<br />
e novas técnicas da pedra:<br />
o Neolítico e o Calcolítico<br />
Duas novas revoluções técnicas surgiram<br />
com o Neolítico, cerca <strong>de</strong> 8.000-7.000<br />
anos a.C.: a indústria laminar e a pedra<br />
polida. A indústria lítica laminar surgiu<br />
quando se passou a produzir lâminas<br />
a partir <strong>de</strong> um núcleo, o que permitiu<br />
a produção <strong>de</strong> instrumentos ainda<br />
mais finos e em maior quantida<strong>de</strong>.<br />
Os melhores materiais para esta nova<br />
técnica eram o sílex, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ser<br />
aquecido para ter melhores proprieda<strong>de</strong>s,<br />
e a obsidiana. Os utensílios produzidos<br />
são também testemunhos das activida<strong>de</strong>s<br />
económicas <strong>de</strong>senvolvidas.<br />
34<br />
Em primeiro lugar, a caça, <strong>de</strong> velha<br />
tradição paleolítica, on<strong>de</strong> eram cada vez<br />
mais empregues pontas para as setas,<br />
melhoradas ao longo do tempo,<br />
quer para penetrar no corpo dos animais,<br />
quer para se fixar melhor à haste<br />
da flecha (CE03568). Em alguns casos,<br />
as mesmas armas usadas para a caça,<br />
po<strong>de</strong>riam converter-se para uso bélico;<br />
tal é visível em particular nas pontas<br />
que dificultariam a extracção da flecha<br />
(CE02858, CE02859, CE02862) e cujo<br />
uso se acentuaria, com exemplares<br />
<strong>de</strong> menores dimensões, quando entre<br />
o Neolítico Final e o Calcolítico<br />
(entre o 4.000 e 2.000 anos a.C.)<br />
surgem cada vez mais instrumentos<br />
especificamente feitos para a guerra<br />
(CE03566), juntamente com os primeiros<br />
guerreiros profissionais da Cultura<br />
do Vaso Campaniforme. Outra activida<strong>de</strong><br />
que se iniciou no Neolítico era<br />
a agricultura, sobretudo no cultivo<br />
dos cereais, introduzidos na Europa<br />
a partir dos planaltos do Curdistão,<br />
e on<strong>de</strong> era necessário usar foices para<br />
cortar as plantas, nomeadamente o trigo,<br />
e recolher as espigas. Estas primeiras<br />
foices produzidas pelo homem tinham<br />
uma lâmina para cortar composta<br />
por variadas lascas <strong>de</strong> sílex triangulares,<br />
afiadas (CE03565) e encaixadas juntas no<br />
corpo da foice, feito <strong>de</strong> corno ou ma<strong>de</strong>ira.<br />
É nesta altura que surge a pedra polida,<br />
uma inovação que resultou do polimento<br />
<strong>de</strong> rochas duras com pedras abrasivas:<br />
as proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> resistência mecânica<br />
das pedras que davam para ser lascadas,<br />
como o sílex, o quartzito e a obsidiana,<br />
não prestavam para cortar as árvores<br />
durante a abertura <strong>de</strong> áreas para a<br />
agricultura, mas também para outros<br />
trabalhos como a laboração da ma<strong>de</strong>ira<br />
e a mineração com vista obtenção <strong>de</strong><br />
materiais estratégicos como o sílex e,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Calcolítico, o cobre. Portanto,<br />
o homem precisou <strong>de</strong> trabalhar pedras<br />
com maiores proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> resistência<br />
aos golpes, para construir novas<br />
ferramentas como machados e enxós.<br />
35 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
O gesto <strong>de</strong> polir pedras duras po<strong>de</strong> ser<br />
pensado como um dos mais <strong>de</strong>morados<br />
e cansativos da Pré-História: era normal<br />
a produção <strong>de</strong> um machado <strong>de</strong>morar<br />
horas, senão dias, durante os quais<br />
o continuado trabalho <strong>de</strong> esfregar a pedra<br />
dura sobre uma abrasiva (CE03580),<br />
molhada com água, po<strong>de</strong>ria causar<br />
vários calos nas mãos do trabalhador.<br />
Por isso a pedra era normalmente polida<br />
completamente só on<strong>de</strong> interessava ela<br />
ter um corte, ou seja no gume, como<br />
é possível ver nas peças CE03583,<br />
CE03586, CE03867 que provavelmente<br />
são machados para cortar árvores, tendo<br />
o gume relativamente estreito, adaptado<br />
para concentrar num só ponto toda<br />
a força do golpe, dado em sentido quase<br />
perpendicular à árvore. O cabo, em<br />
ma<strong>de</strong>ira, era unido ao talão do machado<br />
com fibras vegetais. Nos machados<br />
produzidos para uma qualquer função<br />
ritual po<strong>de</strong> observar-se um polimento<br />
mais completo, como na peça CE03578,<br />
sendo privilegiada mais a estética e a<br />
mostra da habilida<strong>de</strong> (e do empenho)<br />
do polidor. Machados feitos mais para<br />
tirar a casca dos postes ou os ramos das<br />
árvores, tinham o gume mais expandido<br />
(CE03587 e CE03588) para permitir uma<br />
maior superfície no corte dado em<br />
sentido quase paralelo à superfície<br />
a trabalhar. Finalmente, no final<br />
do Neolítico/início do Calcolítico<br />
(iv-iii milénio a.C.), apareceu um novo<br />
sistema <strong>de</strong> ligação entre o cabo e o talão,<br />
com este inserido directamente no corpo<br />
daquele. Para tal, passaram a ser<br />
produzidos machados com secção<br />
quadrangular, com lados bastante largos<br />
(CE03890), para permitir fazer a meio<br />
do corpo do machado um buraco on<strong>de</strong><br />
se pu<strong>de</strong>sse inserir o cabo (CE03547,<br />
CE03571).
Típico do Neolítico Final-Calcolítico<br />
do Sudoeste da Península Ibérica,<br />
é o uso do xisto para produzir objectos<br />
rituais, as chamadas “placas <strong>de</strong> xisto”,<br />
que faziam p<strong>arte</strong> do a<strong>de</strong>reço funerário<br />
das sepulturas em antas, e,<br />
sucessivamente, em tholoi,<br />
caracterizando uma forma <strong>de</strong> <strong>arte</strong> <strong>de</strong><br />
gravar figuras geométricas numa pedra<br />
mole, nomeadamente triângulos<br />
enchidos <strong>de</strong> linhas, até dar às placas<br />
um aspecto <strong>de</strong> figura humana. As placas<br />
<strong>de</strong> xisto eram obtidas aproveitando<br />
a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta pedra <strong>de</strong> ser cortada<br />
em placas relativamente finas, para<br />
<strong>de</strong>pois serem polidas até criar uma<br />
superfície lisa on<strong>de</strong> gravar, com pontas<br />
<strong>de</strong> pedra dura como o quartzo, os<br />
padrões <strong>de</strong>corativos. O uso <strong>de</strong>stes<br />
objectos não é claro, po<strong>de</strong>ndo representar<br />
o <strong>de</strong>funto, um <strong>de</strong>us/<strong>de</strong>usa do além,<br />
ou algo mais. A peça CE02115 é uma peça<br />
única, sendo <strong>de</strong> dimensões pouco<br />
comuns entre as placas <strong>de</strong> xisto e<br />
<strong>de</strong>notando uma excelente qualida<strong>de</strong><br />
técnica na realização das gravuras.<br />
O “ouro preto” da indústria<br />
lítica: a obsidiana<br />
Para terminar, regressa-se à pedra<br />
lascada, com as ferramentas <strong>de</strong> obsidiana,<br />
sendo que a sua circulação e produção<br />
datam a partir do vii milénio a.C. tendo<br />
permanecido até meados do II milénio<br />
d.C. nas culturas da Meso-América.<br />
É um vidro vulcânico formado durante<br />
as erupções, que não precisa <strong>de</strong> ser<br />
aperfeiçoado com tratamento térmico,<br />
como acontecia com o sílex, tendo assim<br />
condições mais que óptimas para ser<br />
trabalhado no seu estado natural.<br />
Por isso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Pré-História, foi um<br />
material muito procurado e precioso,<br />
sendo possível realizar com a obsidiana<br />
ferramentas <strong>de</strong> corte muito eficazes.<br />
Também era procurada por <strong>arte</strong>sãos<br />
hábeis no trabalho da pedra, dado a<br />
obsidiana ser um material que exige<br />
muita técnica e muita precisão, mas<br />
não <strong>de</strong>masiada força, para ser bem<br />
trabalhada: ou seja, poucos golpes,<br />
mas bem dados. Objectos neste material,<br />
que se afinado corta como um vidro,<br />
nomeadamente lâminas, pontas e facas,<br />
são conhecidos em diferentes áreas do<br />
mundo, praticamente em todos os<br />
continentes com a excepção da Austrália.<br />
A peça CE02048 é uma ponta <strong>de</strong> lança<br />
do período Asteca, dado que quer as<br />
pontas em obsidiana do neolítico<br />
europeu, quer as da Meso-América<br />
pré-Asteca, têm forma ten<strong>de</strong>ncialmente<br />
amigdaloi<strong>de</strong>. Entre o uso da obsidiana<br />
que se fez nas culturas pré-colombianas<br />
da Meso-América, havia a produção <strong>de</strong><br />
armas, como é o caso da peça exposta,<br />
bem como <strong>de</strong> punhais usados para extrair<br />
o coração das vítimas nos sacrifícios<br />
humanos.<br />
Davi<strong>de</strong> Delfino<br />
Inv. CE01040<br />
Bíface<br />
Paleolítico (600.000-200.000 a.C.)<br />
Rocha silicosa<br />
altura (13 cm), comprimento (7,4 cm),<br />
largura (3,4 cm)<br />
Biface<br />
Paleolithic (600.000-200.000 B.C.)<br />
Siliceous stone<br />
height (13 cm), length (7,4 cm),<br />
width (3,4 cm)<br />
Bibliografia<br />
BAUGH, T.G.; ERICSON, J.E. (1995)<br />
Prehistoric exchange systems in North America,<br />
II ed., New York<br />
BROGLIO, A.; KOZLOWSKY, J. (1989)<br />
Il Paleolitico. Uomo, ambiente e culture,<br />
Milano: Jaka Book<br />
CARDOSO, J.L. (2009)<br />
Pré-História <strong>de</strong> Portugal, Lisboa: Verbo<br />
CROWFOT, J. (1984)<br />
The flint industries of Gerico, in KENYON<br />
K.M.; HOLLANSD, T.A. (eds) The pottery fase<br />
of the Tell and other finds, vol. III, Londron:<br />
British Schol of Archaeology<br />
FACCHINI, F. (1993) (ed),<br />
Paleoantropologia e preistoria: origini,<br />
Paleolitico, Mesolitico, Milano: Jaca Books<br />
GADOTTI SOPHI<strong>AT</strong>I, D. (2010)<br />
Os amolhadores-polidores fixos na paisagem<br />
da Ilha <strong>de</strong> Santa Catarina, dissertação <strong>de</strong><br />
Mestrado, Tomar: Instituto Politécnico <strong>de</strong><br />
Tomar, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Trás-os-Montes e<br />
Alto Douro<br />
36<br />
GUIDI, A.; PIPERNO, M. (1992)<br />
Italia Preistorica, Bari-Roima: Laterza editore<br />
GUILLAINE, J.; ZAMMIT, J. (2001)<br />
Le sentière <strong>de</strong> la guerre: visage <strong>de</strong> la violence<br />
dans la Preistoire, Paris: Editions du Seuil<br />
HENDERSON, J. (1991)<br />
Novas perspectivas sobre velhos materiais;<br />
o significado arqueológico e as análises<br />
científicas da obsidiana, pedra, metal e vidro,<br />
Paleoecologia e Arqueologia II, Vila Nova <strong>de</strong><br />
Famalicão: Centro <strong>de</strong> Estudos Arqueológicos<br />
Famalicense: 129-172<br />
JIMENEZ, J. (2000)<br />
Los primeros conflictos bélicos en la Penisula<br />
Iberica, In ALMAGRO<br />
GORBEA, (ed) Preistoria y Antiguedad,<br />
Historia Militar <strong>de</strong> España, Madrid: Ediciones<br />
<strong>de</strong>l Labirinto, pp. 23-32<br />
37 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
LEISNER, V. (1965)<br />
Die megalithgraber <strong>de</strong>r Iberischen Halbinsel.<br />
Die Westen. Berlin: Walter De Gruyter & Co.<br />
LILLIOS, K. T. (2002)<br />
Some new views of the engraved slate plaques<br />
of southwest Iberia. Revista Portuguesa <strong>de</strong><br />
Arqueologia, 5 (2), p. 135-151.<br />
LOPEZ, P. (ed) (1988)<br />
El Neolitico en España, Madrid: Ediciones<br />
Catedra<br />
MELLAART, J. (1965)<br />
O Próximo Oriente, Lisboa: Editorial Verbo<br />
MELLAART, J. (1975)<br />
The Neolithic of he Near East, London:<br />
Thames and Hudson<br />
ROJO GUERRA, M.; GARRIDO PENA, R.;<br />
GARCIA MARTINEZ DE LAGRAN, I. (eds)<br />
(2005) El Campaniforme en la Peninsula<br />
Iberica y su contexto europeo, Valladolid:<br />
Universidad <strong>de</strong> Valladolid, Secretariado <strong>de</strong><br />
Publicaciones y Intercambio Editorial<br />
SCARRE, C. (ed) (2005)<br />
Human past. World prehistory and the<br />
<strong>de</strong>velopment of Human Societes, Londom:<br />
Thames and Hudson
Inv. CE02860<br />
Ponta <strong>de</strong> flecha<br />
África do Noroeste,<br />
Paleolítico (40.000-35.000 a.C.)<br />
Silex<br />
altura (3 cm), comprimento (5,1 cm),<br />
largura (0,8 cm)<br />
Arrowhead<br />
North-western Africa, Paleolithic<br />
(40.000-35.000 BC)<br />
Flint<br />
height (3cm), length (5,1 cm), width<br />
(0,8 cm)<br />
38<br />
39 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE01305<br />
Ponta solutrense<br />
França e Península Ibérica ,<br />
Paleolítico (22.000-18.000 a.C.)<br />
Rocha silicosa<br />
altura (6,1 cm), comprimento (1,6 cm),<br />
largura (0,4 cm)<br />
Solutrean point<br />
France and Iberian Peninsula,<br />
Paleolithic (22.000-18.000 BC)<br />
Siliceous stone<br />
height (6,1 cm), length (1,6 cm),<br />
width (0,4 cm)<br />
Inv. CE01306<br />
Ponta solutrense<br />
França e Península Ibérica,<br />
Paleolítico (22.000-18.000 a.C.)<br />
Rocha silicosa<br />
altura (5,6 cm), comprimento (1,6 cm),<br />
largura (0,4 cm)<br />
Solutrean point<br />
France and Iberian Peninsula,<br />
Paleolithic (22.000-18.000 BC)<br />
Siliceous stone<br />
height (5,6 cm), length (1,6 cm),<br />
width (0,4 cm)
Inv. CE03565<br />
Conjunto <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> foice<br />
Neolítico/Calcolítico Europeu<br />
(VI-IV milénio a.C.)<br />
Sílex<br />
média: altura (1,4 cm),<br />
comprimento (1,6 cm), largura (0,3 cm)<br />
Set of 6 teeth of sickle<br />
Neolithic/Chalcolithic Europe<br />
(VI-IV millennium BC)<br />
Flint<br />
Average: height (1,4 cm), length (1,6 cm),<br />
width (0,3 cm)<br />
Inv. CE03568<br />
Conjunto <strong>de</strong> 9 pontas triangulares<br />
Neolítico Europeu (VI-V milénio a.C.)<br />
Sílex<br />
média: altura (2 cm),<br />
comprimento (1,3 cm), largura (0,4 cm)<br />
Set of 9 triangular points<br />
European Neolithic<br />
(VI-V millennium BC)<br />
Flint<br />
Average: height (2 cm), length (1,3 cm),<br />
width (0,4 cm)<br />
40<br />
41 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
Inv. CE02858<br />
Ponta <strong>de</strong> flecha triangular<br />
Neolítico Pré-cerâmico,<br />
Mediterrâneo Oriental (VII milénio a.C.)<br />
Sílex<br />
altura (2,1 cm); comprimento (6 cm);<br />
largura (0,5 cm)<br />
Triangular arrowhead<br />
Pre-ceramic Neolithic,<br />
Eastern Mediterranean<br />
(VII millennium B.C.)<br />
Flint<br />
height (2,1 cm), length (6 cm),<br />
width (0,5 cm)<br />
Inv. CE02859<br />
Ponta <strong>de</strong> flecha triangular<br />
Neolítico (V-IV milénio a.C.)<br />
Sílex<br />
altura (1,7 cm), comprimento (6,5 cm),<br />
largura (0,6 cm)<br />
Triangular arrowhead<br />
Neolithic (V-IV millennium B.C.)<br />
Flint<br />
Dimensions: height (1,7 cm),<br />
length (6,5 cm), width (0,6 cm)<br />
Inv. CE02862<br />
Ponta <strong>de</strong> flecha triangular<br />
Neolítico (V-IV milénio a.C.)<br />
Sílex<br />
altura (3,3 cm), comprimento (7,8cm),<br />
largura (0,8 cm)<br />
Triangular arrowhead<br />
Neolithic (V-IV millennium B.C.)<br />
Flint<br />
height (3,3 cm), length (7,8 cm),<br />
width (0,8 cm)<br />
42<br />
43 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE03566<br />
Conjuntos <strong>de</strong> pontas <strong>de</strong> flecha<br />
triangulares e romboi<strong>de</strong>s<br />
Neolítico (VII milénio a.C.)<br />
Sílex<br />
altura (2,1 cm), comprimento (6 cm),<br />
largura (0,5 cm)<br />
Set of triangular and rhomboidal<br />
arrowheads<br />
Neolithic (VII millennium B.C.)<br />
Flint<br />
height (2,1 cm), length (6 cm),<br />
width (0,5 cm)
Inv. CE03586<br />
Machado<br />
Neolítico/Calcolítico Europeu<br />
(V-IV milénio a.C.)<br />
Serpentina<br />
altura (4,9 cm),<br />
comprimento (12,2 cm),<br />
largura (3,6 cm)<br />
Axe<br />
Neolithic/Chalcolithic Europe<br />
(V-IV millennium B.C.)<br />
Serpentine<br />
height (4,9 cm),<br />
length (12,2 cm),<br />
width (3,6 cm)<br />
Inv. CE03583<br />
Machado<br />
Calcolítico Europeu<br />
(IV milénio a.C.)<br />
Anfibolito<br />
altura (3,9 cm), comprimento (8,8cm),<br />
largura (3, 1cm)<br />
Axe<br />
Chalcolithic Europe<br />
(IV millennium B.C.)<br />
Amphibolite<br />
height (3,9 cm), length (8,8 cm),<br />
width (3,1 cm)<br />
Inv. CE03580<br />
Polidor<br />
Neolitico/Calcolítico Europeu<br />
(V-IV milénio a.C.)<br />
Rocha carbonática<br />
altura (5,3cm), comprimento (12,9cm),<br />
largura (3cm)<br />
Polisher<br />
Neolithic/Chalcolithic Europe<br />
(V-IV millennium B.C.)<br />
Carbonatic rock<br />
height (5,3 cm), length (12,9 cm),<br />
width (3 cm)<br />
Inv. CE03867<br />
Machado<br />
Neolitico/Calcolítico Europeu<br />
(V-IV milénio a.C.)<br />
Granito<br />
altura (4,5 cm), comprimento (11,8 cm),<br />
largura (3,7 cm)<br />
Axe<br />
Neolithic/Chalcolithic Europe (V-IV<br />
millennium B.C.)<br />
Granite<br />
height (4,5 cm), length (11,8 cm),<br />
width (3,7 cm)<br />
44<br />
Inv. CE03578<br />
Machado<br />
Neolítico/Calcolítico Europeu<br />
(V-IV milénio a.C.)<br />
Serpentina<br />
altura (4,7 cm), comprimento (11,5 cm),<br />
largura (5,9 cm)<br />
Axe<br />
Neolithic/Chalcolithic Europe<br />
(V-IV millennium BC)<br />
Serpentine<br />
height (4,7 cm), length (11,5 cm),<br />
width (5,9 cm)<br />
Inv. CE03588<br />
Machado<br />
Neolitico/Calcolítico Europeu<br />
(V-IV milénio a.C.)<br />
Anfibolito<br />
altura (6,9 cm), comprimento (10,8 cm),<br />
largura (4,1cm)<br />
Axe<br />
Neolithic/Chalcolithic Europe<br />
(V-IV millennium B.C.)<br />
Amphibolite<br />
height (6,9 cm), length (10,8 cm),<br />
width (4,1 cm)<br />
45 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE03587<br />
Machado<br />
Neolítico/Calcolítico Europeu<br />
(V-IV milénio a.C.)<br />
Anfibolíto<br />
altura (4,7 cm), comprimento (7,8 cm),<br />
largura (4,3 cm)<br />
Axe<br />
Neolithic/Chalcolithic Europe<br />
(V-IV millennium BC)<br />
Amphibolite<br />
height (7,8 cm), length (4,7 cm),<br />
width (4,3 cm)<br />
Inv. CE03890<br />
Machado<br />
Neolitico/Calcolítico Europeu<br />
(V-IV milénio a.C.)<br />
Anfibolito<br />
altura (4,7 cm), comprimento (11,4 cm),<br />
largura (4,2cm)<br />
Axe<br />
Neolithic/Chalcolithic Europe<br />
(V-IV millennium B.C.)<br />
Amphibolite<br />
height (4,7 cm), length (11,4 cm),<br />
width (4,2 cm)
Inv. CE03571<br />
Machado<br />
Neolítico da Europa Mediterrânea<br />
e Balcânica (V-IV milénio a.C.)<br />
Diorito<br />
altura (4,7 cm), comprimento (11,5 cm),<br />
largura (5,9 cm)<br />
Axe<br />
Mediterranean and Balkanic<br />
Neolithic Europe (V-IV millennium BC)<br />
Diorite<br />
Height (4,7 cm), length (11,5 cm),<br />
width (5,9 cm)<br />
46<br />
Inv. CE03547<br />
Machado<br />
Europa Mediterrânica e Oriental<br />
(meados do IV milénio a.C.)<br />
Anfibolito<br />
altura (10,2cm), comprimento (5,4cm),<br />
largura (4,2cm)<br />
Axe<br />
Mediterranean and Eastern Europe<br />
(middle of IV millennium BC)<br />
Amphibolite<br />
height (10,2 cm), length (5,4 cm),<br />
width (4,2 cm)<br />
47 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
48<br />
49 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE02115<br />
Placa <strong>de</strong> Xisto<br />
Península Ibérica (IV-III milénio a.C.)<br />
Xisto<br />
altura (36,5cm), comprimento (11,5 cm),<br />
largura (0,5 cm)<br />
Schist plaque<br />
Iberian Peninsula (IV-II millennium BC)<br />
Schist<br />
height (36,5 cm), length (11,5 cm),<br />
width (0,5 cm)
50<br />
51 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE02048<br />
Ponta <strong>de</strong> lança<br />
Cultura Asteca (XIII-XV d.C.)<br />
Obsidiana<br />
altura (3,3cm), comprimento (16,8 cm),<br />
largura (0,8 cm)<br />
Spearhead<br />
Aztec culture (XIII-XV A.D.)<br />
Obsidian<br />
height (3,3 cm), Length (16,8 cm),<br />
width (0,8 cm)
esculpir e polir a pedra<br />
no mediterrâneo<br />
e próximo oriente antigos<br />
cânones, simbolismo e técnicas<br />
As <strong>arte</strong>s ancestrais:<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Pré-história<br />
até às civilizações urbanas<br />
O corpo humano, juntamente com<br />
as figuras zoomorfas, é um dos primeiros<br />
protagonistas da <strong>arte</strong> móvel: já <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
o Paleolítico Superior aparecem objectos<br />
cultuais que representam figuras femininas,<br />
esculpidas em diferentes materiais: osso,<br />
marfim, pedra. Estas esculturas foram<br />
<strong>de</strong>nominadas “Vénus” sendo que a primeira<br />
que foi <strong>de</strong>scoberta, em 1864 no abrigo<br />
<strong>de</strong> Laugerie-Basse na França, era tão<br />
naturalística que lembrou as estátuas<br />
da <strong>de</strong>usa Vénus da <strong>arte</strong> clássica. Na verda<strong>de</strong><br />
estas “Vénus”pré-históricas não tinham<br />
muito em comum com as perfeitas<br />
proporções somáticas da escultura clássica,<br />
sendo que representavam a <strong>de</strong>usa<br />
“Terra-Mãe” com atributos somáticos<br />
exagerados, provavelmente com o fim<br />
<strong>de</strong> propiciar a fertilida<strong>de</strong>. As características<br />
<strong>de</strong>stas “Vénus” sofreram diferentes<br />
mudanças a nível estilístico com o passar<br />
do tempo: mais naturalístico no Paleolítico<br />
Superior (35.000-10.000 a.C..), esquemático<br />
no Epipaleolítico (10.000-7.000 a.C.),<br />
e seminaturalístico no Neolítico<br />
(7.000-3.000 a.C.). As “Vénus” das fases<br />
mais antigas do Neolítico, como a peça<br />
CE01233, tinham uma postura ligeiramente<br />
diferente das paleolíticas, sendo<br />
maioritariamente sentadas, com caracteres<br />
mais esquemáticos, com traços mais<br />
essenciais, limpos e claros, mas ainda<br />
mantendo os caracteres paleolíticos <strong>de</strong><br />
exagerar algumas p<strong>arte</strong>s do corpo, com<br />
os braços recolhidos no peito a enfatizar<br />
o seio e sendo ainda algumas em pedra.<br />
São iconografias que reflectem, na <strong>arte</strong><br />
móvel, a gran<strong>de</strong> passagem cultural entre<br />
caçadores-recolectores itinerantes e os<br />
pastores-agricultores se<strong>de</strong>ntários, mas<br />
mantendo algumas tradições ancestrais.<br />
No Neolítico a maioria das “Vénus” são<br />
feitas em terracota, o “novo material”<br />
que em p<strong>arte</strong> vai substituir em p<strong>arte</strong><br />
a pedra na <strong>arte</strong> móvel.<br />
A figura humana no <strong>de</strong>curso do Neolítico<br />
torna-se cada vez mais esquematizada,<br />
chegando a ser <strong>de</strong>senvolvida no<br />
Mediterrâneo Oriental um grupo<br />
<strong>de</strong> esculturas marcantes do período final<br />
do Neolítico e do inicio da Ida<strong>de</strong> do Bronze,<br />
mais precisamente nas ilhas Cícla<strong>de</strong>s<br />
(5.300-2.000 a.C.), uma das três áreas,<br />
juntamente com Creta e o Peloponeso<br />
(Grécia), on<strong>de</strong> nasceram, na Ida<strong>de</strong> do<br />
Bronze, as civilizações gregas pré-clássicas.<br />
Este fenómeno <strong>de</strong> esculturas humanas,<br />
sobretudo em mármore, marcou um dos<br />
primeiros gran<strong>de</strong>s fenómenos artísticos<br />
do Mediterrâneo produzindo os chamados<br />
“Ídolos Cicládicos”. São representações<br />
quer <strong>de</strong> homens, aparentemente músicos<br />
e guerreiros, quer <strong>de</strong> mulheres, sempre<br />
com órgãos sexuais <strong>de</strong>talhados e braços<br />
cruzados no seio. Esta última postura<br />
po<strong>de</strong> ser ainda vista como uma herança<br />
das “Vénus” pré-históricas. Ainda não é<br />
possível explicar o que representam estas<br />
esculturas (se <strong>de</strong>uses e <strong>de</strong>usas, se <strong>de</strong>funtos,<br />
se personagens com funções específicas<br />
na socieda<strong>de</strong>), sendo que a maioria dos<br />
exemplares conhecidos não tem contexto<br />
arqueológico certo, embora os poucos<br />
que po<strong>de</strong>m ser contextualizados, porque<br />
achados em escavações mo<strong>de</strong>rnas,<br />
provenham <strong>de</strong> sepulturas. Estilisticamente<br />
as centenas <strong>de</strong> ídolos cicládicos que<br />
se conhecem, são classificados em tipos<br />
“pré-canónicos”, típicos do Neolítico<br />
(maioritariamente em forma esquemática<br />
<strong>de</strong> violão) e tipos “canónicos”, típicos da<br />
Ida<strong>de</strong> do Bronze Antigo (<strong>de</strong> formas mais<br />
realistas). Estilisticamente, portanto,<br />
regressa-se no inicio da Ida<strong>de</strong> do Bronze<br />
a um certo realismo na figura humana,<br />
embora seja um realismo minimalista, como<br />
é possível ver na peça CE03026. Tecnicamente<br />
estas esculturas eram obtidas, para além<br />
<strong>de</strong> uma matéria-prima comum nas Cícla<strong>de</strong>s,<br />
o mármore, com o auxílio <strong>de</strong> outras pedras<br />
locais: obsidiana para rasgar e pedras<br />
vulcânicas para polir (particularmente a<br />
pedra pomes). Parece que alguns “ídolos”<br />
eram, originalmente, pintados<br />
nomeadamente nos olhos e na boca.<br />
52<br />
No Neolítico, a escultura não é o único<br />
eixo para o trabalho <strong>de</strong> pedras calcárias.<br />
No Próximo Oriente Antigo, no Egipto<br />
Pré-dinástico e no Mediterrâneo Oriental,<br />
são frequentemente realizados recipientes<br />
em calcário, mármore e alabastro,<br />
sobretudo em contextos do Neolítico<br />
pré-cerâmico: nas fases iniciais <strong>de</strong>ste<br />
período (vii milénio a.C.) em algumas<br />
regiões entre o Baixo Egipto, Chipre<br />
e a Palestina, há evidências <strong>de</strong> pastores<br />
e/ou agricultores que ainda não tinham<br />
cerâmica, mas que usavam contentores<br />
feitos em pedra (peça CE03499),<br />
aproveitando, portanto, um material<br />
no qual o homem tinha milhares <strong>de</strong> anos<br />
<strong>de</strong> experiência. Também em fases mais<br />
<strong>de</strong>senvolvidas do Neolítico, continua<br />
a produção <strong>de</strong> recipientes em pedra,<br />
tomando inspiração das formas cerâmicas<br />
e com uma função <strong>de</strong>sta vez sobretudo<br />
artística, envolvendo na feitura, materiais<br />
esteticamente agradáveis, como<br />
o alabastro (peça CE03504).<br />
Entretanto, em meados do ii milénio a.C,<br />
nascem na Anatólia centro-oriental e no<br />
norte <strong>de</strong> Iraque as gran<strong>de</strong>s entida<strong>de</strong>s<br />
estatais que competiram com o império<br />
egípcio pelo controlo da Próximo Oriente:<br />
os reinos <strong>de</strong> Mitanni e <strong>de</strong> Hatti (melhor<br />
conhecido como reino Hittita).<br />
Este último nasceu <strong>de</strong> uma invasão dum<br />
povo indo-europeu proveniente da Ásia<br />
Central, tendo criado um estado on<strong>de</strong><br />
a <strong>arte</strong> floresceu, nomeadamente a dos<br />
metais e da pedra. Um exemplo é a peça<br />
CE00638, representando um berrão, que<br />
na simbologia indo-europeia, juntamente<br />
com o javali, era usado para representar<br />
a força da natureza, simbolizando quer<br />
a força guerreira masculina, quer a mesma<br />
natureza brutal que a civilização humana<br />
conseguia subjugar. O estilo ainda entre<br />
o esquemático e o naturalista, mais<br />
inclinado para o primeiro, é típico<br />
da <strong>arte</strong> móvel hittita.<br />
53 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
A <strong>arte</strong> da pedra no período<br />
“orientalizante”<br />
Com o final da Ida<strong>de</strong> do Bronze<br />
e do Império Novo egípcio, da civilização<br />
micénica e do império hittita, após um<br />
período <strong>de</strong> fragmentação e instabilida<strong>de</strong><br />
política entre os sécs. xii e x a.C., a área do<br />
Levante Mediterrânico conheceu uma<br />
renovada unida<strong>de</strong> política e, em gran<strong>de</strong><br />
medida, cultural com o império assírio<br />
e a civilização fenícia. Estas duas<br />
entida<strong>de</strong>s, que sempre se relacionaram<br />
entre elas como império continental<br />
(assírios) e cida<strong>de</strong>s marítimas comerciais<br />
vassalas (fenícios), produziram uma<br />
florescente <strong>arte</strong> móvel que se difundiu<br />
ao longo do Mediterrâneo elos<br />
comerciantes e colonos fenícios entre<br />
os sécs. ix e vi a.C., constituindo o dito<br />
“fenómeno orientalizante”; difundiu-se<br />
assim, não só novos materiais e técnicas,<br />
mas também crenças, modos <strong>de</strong> vida<br />
e simbologias orientais. Entre todas as<br />
produções <strong>arte</strong>sanais, do ouro, do marfim,<br />
do vidro, da cerâmica, o trabalho em<br />
pedra teve também a sua importância.<br />
Muita inspiração para a simbologia<br />
e os padrões <strong>de</strong>corativos foram adoptados<br />
do Egipto: plantas <strong>de</strong> papiro, flores <strong>de</strong> loto,<br />
falcões, esfinges e leões inspiraram<br />
os <strong>arte</strong>sãos fenícios que trabalhavam<br />
a pedra dura. Como exemplo, veja-se<br />
um pen<strong>de</strong>nte em forma <strong>de</strong> falcão,<br />
representando o <strong>de</strong>us Hórus egípcio<br />
(CE01486); pela sua força e beleza,<br />
representava o princípio celeste, sendo<br />
um símbolo ascensional e indicando<br />
superiorida<strong>de</strong> e vitória, adquiridas<br />
ou em via <strong>de</strong> ser adquiridas. Outro<br />
pen<strong>de</strong>nte representa um leão (CE01487),<br />
símbolo do po<strong>de</strong>r, sabedoria e justiça.<br />
Ambos os pen<strong>de</strong>ntes foram feitos numa<br />
pedra dura vermelha, cor do princípio<br />
da vida e da sua força, constituindo,<br />
como tal, um amuleto do bom augúrio.<br />
No trabalho das pedras, não parou a<br />
produção <strong>de</strong> recipientes, agora mais<br />
aperfeiçoados e finos: padrões <strong>de</strong>corativos<br />
presentes também nos marfins das escolas<br />
<strong>de</strong> entalhe fenícias e assírias, aparecem<br />
também em pequenas tigelas <strong>de</strong> calcário<br />
(peça CE01096) <strong>de</strong> alta qualida<strong>de</strong><br />
escultórica, usadas para cerimoniais<br />
religiosos e domésticos, como a ostentação<br />
<strong>de</strong> produtos <strong>de</strong> luxo.<br />
Os fenícios produziram em pedra<br />
também miniaturas <strong>de</strong> recipientes, usados<br />
quer na cosmética durante o dia-a-dia,<br />
quer como p<strong>arte</strong> <strong>de</strong> a<strong>de</strong>reços funerários.<br />
Formas <strong>de</strong> unguentários, copos e <strong>de</strong><br />
ânforas são difusas ao longo das colónias e<br />
das implantações fenícias no Mediterrâneo<br />
até a Península Ibérica. A anforeta<br />
CE03048 tem uma forma próxima da das<br />
ânforas fenício-púnicas, na p<strong>arte</strong> superior,<br />
testemunhando portanto a difusão <strong>de</strong>sta<br />
<strong>arte</strong> <strong>de</strong> fazer recipientes miniaturísticos<br />
em pedra até aos sécs. vi-iv a.C..<br />
Chipre centro cultural do<br />
Mediterrâneo: a estatuária<br />
entre o “orientalizante”<br />
e o período clássico<br />
Ao longo do “fenómeno orientalizante”,<br />
a ilha <strong>de</strong> Chipre, a meio do Mediterrâneo<br />
oriental, acabou para ser um pólo <strong>de</strong><br />
atracão das variadas correntes artísticas<br />
no <strong>de</strong>curso da primeira meta<strong>de</strong><br />
do i milénio a.C. Des<strong>de</strong> os finais da Ida<strong>de</strong><br />
do Bronze, comunida<strong>de</strong>s helénicas<br />
estabeleceram-se em Chipre, para <strong>de</strong>pois<br />
os Fenícios fundarem colónias nesta ilha,<br />
rica em cobre e ma<strong>de</strong>ira para a construção<br />
naval, nos finais do séc. ix a.C.,<br />
importando os seus próprios cultos<br />
e estilos artísticos, juntamente com<br />
mo<strong>de</strong>los egípcios que eles mesmos<br />
adoptaram. Finalmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
séc. vii a.C. os reis <strong>de</strong> Chipre tornaram-se<br />
vassalos dos reis da Assíria. Todas estas<br />
confluências <strong>de</strong> culturas e influências<br />
artísticas direitas e indirectas, no espaço<br />
<strong>de</strong> 500 anos, levaram a uma produção<br />
<strong>de</strong> uma escultura particular,<br />
maioritariamente com sujeitos humanos,<br />
que contribuiu para disponibilizar<br />
mo<strong>de</strong>los para a <strong>arte</strong> grega do período<br />
pré-clássico. Estas estátuas, no caso<br />
daquelas em pedra, foram esculpidas<br />
aproveitando o calcário, muito abundante<br />
em Chipre.<br />
Inv. CE01233<br />
Estatueta <strong>de</strong> figura feminina<br />
nua grávida e sentada<br />
Próximo Oriente ou Mediterrâneo<br />
Oriental (VI milénio a.C.)<br />
Anfibolito<br />
altura (5cm), comprimento (2,9 cm),<br />
largura (2,9 cm)<br />
Statuette of a nu<strong>de</strong> female<br />
pregnant and sitting<br />
Near East or Eastern<br />
Mediterranean (VI millenium BC)<br />
Amphibolite<br />
height (5 cm), length (2,9 cm),<br />
width (2,9 cm)<br />
54<br />
Para o período dito “arcaico” <strong>de</strong> Chipre<br />
(750- 480 a.C.) a estatuária costuma<br />
incluir esculturas em calcário e terracota.<br />
Entre aquelas em calcário costumam ser<br />
representados altos dignitários e<br />
sacerdotes, com postura rígida e estática,<br />
talvez com policromia original, hoje em<br />
dia <strong>de</strong>saparecida. Entre as influências<br />
estilísticas, po<strong>de</strong>m-se contar as orientais e<br />
as egípcias: na maioria são prevalecentes<br />
as orientais, como nas peças CE03028,<br />
CE03029 e CE03030, com olhos em forma<br />
<strong>de</strong> amêndoa e barrete <strong>de</strong> feitura oriental;<br />
em alguns casos são mais evi<strong>de</strong>ntes as<br />
influências egípcias, como na peça<br />
CE03065 on<strong>de</strong> se nota o clássico nemes.<br />
Finalmente, na passagem ao período<br />
“Clássico” (480- 310 a.C.), no qual Chipre<br />
passa a estar sob domínio directo do<br />
Império Persa até à conquista da ilha por<br />
Alexandre Magno, assiste-se ao<br />
surgimento dos cânones da <strong>arte</strong> grega<br />
clássica, como um penteado mais cuidado,<br />
feições mais graciosas e uma provável<br />
policromia original (CE3027).<br />
Davi<strong>de</strong> Delfino<br />
55 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
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182-186
Inv. CE03026<br />
Ídolo Cicládico,<br />
tipo Spedos<br />
/Dokathismata<br />
Ida<strong>de</strong> do Bronze Antigo<br />
das Cícla<strong>de</strong>s- período Antigo<br />
Cicládico II (2700- 2400 a.C.)<br />
Mármore<br />
altura (23 cm), comprimento (4,1 cm),<br />
largura (2,5 cm)<br />
Cycladic Idol, type Spedos<br />
/Dokathismata<br />
Cycladic Early Bronze Age<br />
- Early Cycladic II (2700- 2400 BC)<br />
Marble<br />
Dimensions: height (23 cm),<br />
length (4,1 cm) width (2,5 cm)<br />
56<br />
57 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE03499<br />
Copo troncocónico<br />
Próximo Oriente ou Egipto<br />
(VII milénio a.C.)<br />
Mármore<br />
altura (8,8 cm), comprimento (10,1 cm),<br />
largura (10,1 cm)<br />
Troncoconic glass<br />
Near East or Egypt<br />
(VII millennium BC)<br />
Marble<br />
Dimensions: height (8,8 cm),<br />
length (10,1 cm), width (10,1 cm)
Inv. CE03504<br />
Vaso <strong>de</strong> forma cónica,<br />
sobre pé,<br />
rebordo expandido<br />
Próximo Oriente<br />
ou Egípto (II milénio a.C.)<br />
Alabastro<br />
altura (10,5 cm), comprimento (16,5 cm),<br />
largura (16,5 cm)<br />
Vessel conical shape on standing<br />
edge expan<strong>de</strong>d<br />
Near East or Egypt<br />
(II millennium BC)<br />
Alabaster<br />
height (10,5 cm), length (16,5 cm,)<br />
width (16,5 cm)<br />
58<br />
Inv. CE01096<br />
Pátera <strong>de</strong> forma ovói<strong>de</strong><br />
com <strong>de</strong>coração entalhada<br />
Síria-Palestina (900- 700 a.C.)<br />
Calcário<br />
altura (4,1 cm), comprimento (10,5 cm),<br />
largura (10,5 cm)<br />
Patera of ovoid form<br />
with carved <strong>de</strong>coration<br />
Syria- Palestine (900- 700 BC)<br />
Limestone<br />
height (4,1 cm), length (10,5 cm),<br />
width (10,5 cm)<br />
59 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
Inv. CE00638<br />
Estatueta <strong>de</strong> berrão<br />
Próximo Oriente<br />
(meados do II milénio a.C.)<br />
Rocha metamórfica<br />
altura (7,5 cm), comprimento (4,1 cm),<br />
largura (12,2cm)<br />
Statuette of boar<br />
Near East (middle II millennium BC)<br />
Metamorphic stone<br />
Dimensions: height (7,5 cm),<br />
length (4,1 cm), width (12,2 cm)<br />
60<br />
61 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE01487<br />
Pen<strong>de</strong>nte com forma <strong>de</strong> cavalo<br />
Próximo Oriente (800- 600 a.C.)<br />
Âmbar<br />
altura (1,3 cm), comprimento (1,7 cm),<br />
largura (1,7 cm)<br />
Horse-shaped pen<strong>de</strong>nt<br />
Near East (800- 600 BC)<br />
Amber<br />
Dimensions: height (1,3 cm),<br />
length (1,7 cm), width (1,7 cm)<br />
Inv. CE01486<br />
Pen<strong>de</strong>nte com forma <strong>de</strong> falcão<br />
Próximo Oriente (800- 600 a.C.)<br />
Corníola<br />
altura (1,4 cm), comprimento (1,8 cm),<br />
largura (0,6 cm)<br />
Falcon-shaped pen<strong>de</strong>nt<br />
Near East (800- 600 BC)<br />
Corniole<br />
Dimensions: height (1,4 cm),<br />
length (1,8 cm), width (0,6 cm)
Inv. CE03029<br />
Fragmento <strong>de</strong> busto feminino,<br />
com dia<strong>de</strong>ma<br />
Chipre, período arcaico (550- 500 a.C.)<br />
Calcário<br />
altura (10 cm), comprimento (6,8 cm),<br />
largura (5 cm)<br />
Fragment of female bust with<br />
dia<strong>de</strong>m<br />
Cyprus, archaic period (550- 500 BC)<br />
Limestone<br />
height (10 cm), length (6,8 cm),<br />
width (5 cm)<br />
Inv. CE03030<br />
Fragmento <strong>de</strong> busto<br />
Chipre, período arcaico (600-550 a.C.)<br />
Calcário<br />
altura (5,5 cm), comprimento (4 cm),<br />
largura (3,6 cm)<br />
Fragment of bust<br />
Cyprus, archaic period (600-550 BC)<br />
Limestone<br />
height (5,5 cm), length (4 cm)<br />
width (3,6 cm)<br />
Inv. CE03065<br />
Fragmento <strong>de</strong> busto com nemes<br />
Chipre, período arcaico (575-550 a.C.)<br />
Calcário<br />
altura (9,9 cm), comprimento (8,7 cm),<br />
largura (5,4 cm)<br />
Fragment of bust with nemes<br />
Cyprus, archaic period (575-550 BC)<br />
Limestone<br />
height (9,9 cm), length (8,7 cm),<br />
width (5,4 cm)<br />
Inv. CE03027<br />
Cabeça <strong>de</strong> estatueta<br />
Chipre (500-475 a.C.)<br />
Calcário<br />
altura (8,1 cm), comprimento (6,4 cm),<br />
largura (4,2 cm)<br />
Head of statuette<br />
Cyprus (500-475 BC)<br />
Limestone<br />
Dimensions: height (8,1 cm), length (6,4<br />
cm,) width (4,2 cm)
Inv. CE03028<br />
Fragmento <strong>de</strong> busto masculino,<br />
com barrete na cabeça<br />
Chipre, período arcaico (600-550 a.C.)<br />
Calcário<br />
altura (9,4 cm), comprimento (4,2 cm),<br />
largura (7,4 cm)<br />
Fragment of male bust,<br />
with cap on his head<br />
Cyprus, archaic period (600-550 BC)<br />
Limestone<br />
height (9,4 cm), length (4,2 cm),<br />
width (7,4 cm)<br />
64<br />
65 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE03048<br />
Jarrinho<br />
Mediterrâneo orientalizante<br />
(VI-IV a.C.)<br />
Rocha metamórfica com olivina<br />
altura (7,2 cm), comprimento (5,2 cm),<br />
largura (3,1 cm)<br />
Little jar<br />
Orientalizing Mediterranean<br />
(600- 300 BC)<br />
Metamorphic stone with olivine<br />
height (7,2 cm), length (5,2 cm),<br />
width (3,1 cm)
escultura romana<br />
clássica e paleo-cristã<br />
Apresenta-se nesta exposição um conjunto<br />
<strong>de</strong> esculturas da época romana, algumas<br />
<strong>de</strong>las provenientes <strong>de</strong> Abrantes (CMA001<br />
e CMA002), enquanto que as restantes são<br />
da Col. Estrada. A escultura remete-nos<br />
para diferentes aspectos do quotidiano<br />
das elites romanas e vamos analisar<br />
<strong>de</strong> seguida três <strong>de</strong>les.<br />
Em primeiro lugar, um plano religioso,<br />
como a estátua em mármore <strong>de</strong> uma<br />
Fortuna sentada com a sua cornucópia<br />
(CE00754). Trata-se <strong>de</strong> uma escultura<br />
doméstica que pedia à <strong>de</strong>usa das colheitas<br />
protecção ao nível da vida privada para<br />
aspectos concretos da mesma, como ter<br />
boas colheitas. À Fortuna pedia-se também<br />
sorte para aspectos mais gerais da vida.<br />
Um segundo grupo <strong>de</strong> esculturas, mais<br />
numeroso, está ligado ao imaginário da<br />
morte. Dois exemplares, <strong>de</strong> uma mulher<br />
(CE00734) e <strong>de</strong> uma criança (CE03493),<br />
po<strong>de</strong>m correspon<strong>de</strong>r a retratos <strong>de</strong> pessoas<br />
falecidas. De assinalar também dois<br />
fragmentos <strong>de</strong> sarcófagos (CE00735<br />
e CE00739), uma estela (CE03510)<br />
e um fragmento <strong>de</strong> uma composição<br />
<strong>de</strong> maior tamanho, provavelmente<br />
funerária, com uma mulher em relevo<br />
(CE00902).<br />
Finalmente, um terceiro grupo<br />
<strong>de</strong> esculturas, <strong>de</strong>sta vez no domínio<br />
público, constituído por dois exemplares<br />
<strong>de</strong> figuras femininas com manto, faltando<br />
no entanto as respectivas cabeças<br />
(CMA001 e CMA002). Foram encontradas<br />
no concelho <strong>de</strong> Abrantes e <strong>de</strong>vem ter<br />
representado <strong>de</strong>usas que estariam no fórum<br />
<strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> romana nas imediações<br />
Para terminar, estão ainda expostas duas<br />
estelas funerárias (CE00961 e CE00962),<br />
datáveis do século V e provenientes do<br />
Egipto, quando o império romano tinha<br />
como religião oficial o cristianismo,<br />
e on<strong>de</strong> são visíveis diferenças iconográficas<br />
em relação ao período anterior, como<br />
a pomba numa das mãos (o Espírito Santo)<br />
e um cacho <strong>de</strong> uvas na outra (o sangue<br />
<strong>de</strong> Cristo).<br />
Luís Jorge Gonçalves<br />
e Gustavo Portocarrero<br />
Bibliografia<br />
GROSSMAN, Janet (2003)<br />
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Yale University Press<br />
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Museum of Art, New York: Metropolitan<br />
Museum of Art<br />
Inv. CE00754<br />
Estatueta da <strong>de</strong>usa Fortuna<br />
Romano, I – II d.C.<br />
Mármore<br />
altura (38,2 cm), comprimento (19 cm),<br />
largura (12,3 cm)<br />
Statuette of Fortune god<strong>de</strong>ss<br />
Roman, I-II A.D.<br />
Marble<br />
height (38,2 cm), length (19 cm),<br />
width (12,3 cm)<br />
66<br />
67 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
Inv. CE00734<br />
Retrato feminino<br />
Romano, I - II D.C.<br />
Mármore<br />
altura (25 cm), comprimento (15,7 cm),<br />
largura (10,5 cm)<br />
Female portrait<br />
Roman, I - II A.D.<br />
Marble<br />
height (25 cm), length (15,7 cm),<br />
width (10,5 cm)<br />
68<br />
69 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE03493<br />
Cabeça <strong>de</strong> criança<br />
Romano, I - II d.C.<br />
Mármore<br />
altura (11 cm), comprimento (8,2 cm),<br />
largura (11,4 cm)<br />
Child’s head<br />
Roman, I-III A.D.<br />
Marble<br />
height (11 cm), length (8,2 cm),<br />
width (11,4 cm)
Inv. CE00735<br />
Fragmento <strong>de</strong> sarcófago<br />
Romano, III d.C.<br />
Mármore<br />
altura (29,9 cm), comprimento (27 cm),<br />
largura (12,7 cm)<br />
Fragment of sarcophagus<br />
Roman Empire, III A.D.<br />
Marble<br />
height (29,9 cm), length (27 cm),<br />
width (12,7 cm)<br />
Inv. CE00739<br />
Fragmento <strong>de</strong> sarcófago<br />
Romano, III d.C.<br />
Mármore<br />
altura (32 cm), comprimento (18 cm),<br />
largura (8,7 cm)<br />
Fragment of sarcophagus<br />
Roman, III A.D.<br />
Marble<br />
height (32 cm), length (18 cm),<br />
width (8,7 cm)<br />
70<br />
71 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
Inv. CE03510<br />
Estela funerária<br />
Romano, I-III d.C.<br />
Mármore<br />
altura (23,5 cm), comprimento (25,3 cm),<br />
largura (4,5 cm)<br />
Funerary stele<br />
Roman, I-III A.D.<br />
Marble<br />
height (23,5 cm), length (25,3 cm),<br />
width (4,5 cm)<br />
72<br />
73 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
Inv. CE00902<br />
Fragmento <strong>de</strong> placa<br />
com figura feminina<br />
em relevo<br />
Romano, I - II d.C.<br />
Mármore<br />
Dimensões: altura (31,2 cm), comprimento<br />
(14 cm), largura (5,1 cm)<br />
Fragment of plaque<br />
with female figure<br />
in relief<br />
Roman, I-III A.D.<br />
Marble<br />
height (31,2 cm), length (14 cm),<br />
width (5,1 cm)<br />
Inv. CMA001<br />
Estátua <strong>de</strong> divinda<strong>de</strong> feminina<br />
Romano, II d.C.<br />
Mármore<br />
altura (98,4 cm), comprimento (38,6 cm),<br />
largura (27,5 cm)<br />
Statue of female divinity<br />
Roman, II A.D.<br />
Marble<br />
height (98,4 cm), length (38,6 cm),<br />
width (27,5 cm)<br />
74<br />
75 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CMA002<br />
Estátua <strong>de</strong> divinda<strong>de</strong> feminina<br />
Romano, I d.C.<br />
Mármore<br />
altura (211 cm), comprimento (80,3 cm),<br />
largura (43,8 cm)<br />
Statue of female divinity<br />
Roman, I A.D.<br />
Marble<br />
height (211 cm), length (80,3 cm),<br />
width (43,8 cm)
Inv. CE00961<br />
Estela funerária<br />
Romano, V-VI d.C.<br />
Arenito<br />
altura (39 cm), comprimento (26 cm),<br />
largura (13,8 cm)<br />
Funerary stele<br />
Roman, V-VI A.D.<br />
Arenit<br />
height (39 cm), length (26 cm),<br />
width (13,8 cm)<br />
Inv. CE00962<br />
Estela funerária<br />
Romano, V-VI d.C.<br />
Arenito<br />
altura (42,5 cm), comprimento (23 cm),<br />
largura (10 cm)<br />
Funerary stele<br />
Roman, V-VI A.D.<br />
Arenit<br />
height (42,5 cm), length (23 cm),<br />
width (10 cm)<br />
76<br />
77 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
78<br />
gemas romanas<br />
da coleção estrada<br />
O uso <strong>de</strong> gemas era bastante generalizado<br />
na joalharia romana. A Col. Estrada possui<br />
um significativo conjunto <strong>de</strong> gemas<br />
romanas, apresentando-se nesta exposição<br />
algumas <strong>de</strong>las, mais concretamente aquelas<br />
que eram usadas em anéis.<br />
Muitas das gemas tinham uma imagem,<br />
sendo o método mais vulgar o da incisão.<br />
Mas em alguns casos também podiam ser<br />
camafeus, que consistiam em pedras finas<br />
cinzeladas <strong>de</strong> modo a formar uma figura<br />
em relevo com camadas sobrepostas<br />
<strong>de</strong> cores diferentes.<br />
O uso das gemas não era meramente<br />
<strong>de</strong>corativo, havendo uma enorme varieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> usos, influenciados pelo tipo <strong>de</strong> gema,<br />
cor, limpi<strong>de</strong>z, rarida<strong>de</strong> e ainda os motivos<br />
gravados na gema, numa complexa<br />
interacção entre si.<br />
Um dos usos mais vulgares dos anéis<br />
com gemas era como sinete para autenticar<br />
documentos. Outras vezes os anéis podiam<br />
ter uma função apotropaica, com vista a<br />
afugentar o mal. Já noutros ocasos os anéis<br />
po<strong>de</strong>riam representar fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>s políticas,<br />
com representação da figura a que se era<br />
fiel. Outros anéis podiam representar<br />
estatuto sócio-económico, como por<br />
exemplo os camafeus, cuja feitura era mais<br />
cuidadosa; representar antepassados;<br />
invocar a protecção <strong>de</strong> certos <strong>de</strong>uses;<br />
pertença a um grupo, como o exército;<br />
mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> comportamento; anéis<br />
<strong>de</strong> casamento; et cetera.<br />
No caso das gemas aqui expostas, como<br />
estão <strong>de</strong>scontextualizadas, não é fácil<br />
i<strong>de</strong>ntificar o uso a que se <strong>de</strong>stinavam,<br />
po<strong>de</strong>ndo haver, em alguns casos mais que<br />
uma explicação possível.<br />
79 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Os bustos masculinos (CE01204, CE02987,<br />
CE02992, CE04708 e CE04739) po<strong>de</strong>riam<br />
ser anéis <strong>de</strong> sinete com representação<br />
do dono do anel. As gemas com um<br />
escorpião (CE02574, CE02988 e CE04737)<br />
eram comummente prescritos para<br />
protecção <strong>de</strong> doença genitais. Quanto<br />
às gemas que representam um Mercúrio<br />
(CE4738 e CE04740), seriam usados<br />
para protecção <strong>de</strong> viajantes e comerciantes,<br />
sendo também prescritos contra a<br />
intoxicação. O anel com um olho<br />
representado (CE02592) <strong>de</strong>stinava-se<br />
a afastar o mau-olhado. A águia a caçar<br />
um coelho (CE03415), seria possivelmente<br />
uma forma <strong>de</strong> honrar o <strong>de</strong>us Júpiter, sendo<br />
a águia um dos seus símbolos. A gema<br />
com representação <strong>de</strong> um casal (CE04735),<br />
talvez pertencesse a um anel <strong>de</strong> casamento.<br />
O camafeu com uma mulher (CE04736),<br />
talvez representasse a sua <strong>de</strong>tentora;<br />
mostrava igualmente estatuto<br />
sócio-económico, dado os camafeus serem<br />
mais caros. O anel com um cão (CE2594),<br />
talvez tivesse um sentido psicopompo,<br />
servindo o cão para guiar a alma do morto.<br />
Já no anel <strong>de</strong> quartzo vermelho, sem<br />
qualquer <strong>de</strong>coração (CE02991), joga-se<br />
sobretudo com o variado simbolismo<br />
da cor vermelha: ardor e beleza, <strong>de</strong> força<br />
impulsiva e generosa, <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> riqueza. Por último, assinale-se<br />
dois anéis com representação <strong>de</strong> Hélio<br />
(CE02989 e CE02993), <strong>de</strong>us do sol,<br />
facilmente reconhecível, pelos raios solares<br />
na sua cabeça; aqui, o propósito seria<br />
possivelmente o <strong>de</strong> invocar Hélio<br />
para levantar o morto que usava o anel<br />
para elevá-lo ao reino etério <strong>de</strong> Selena;<br />
o simbolismo <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e juventu<strong>de</strong><br />
do quartzo vermelho das duas gemas,<br />
reforça esta interpretação.<br />
Gustavo Portocarrero<br />
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CHEVALIER, Jean;<br />
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The J. Paul Getty Museum<br />
Inv. CE01204<br />
Anel com gema<br />
com busto masculino<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Ouro e quartzo<br />
altura (2,1 cm), comprimento (2 cm),<br />
largura (1,9 cm)<br />
Ring with gem with male bust<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Gold and quartz<br />
height (2,1 cm), length (2 cm),<br />
width (1,9 cm)
Inv. CE02574<br />
Anel com gema com escorpião<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Ouro e âmbar<br />
altura (2,2 cm), comprimento (2,5 cm),<br />
largura (0,9 cm)<br />
Ring with gem with scorpion<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Gold and ambar<br />
height (2,2 cm), length (2,5 cm),<br />
width (0,9 cm)<br />
Inv. CE02592<br />
Anel com gema com olho<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Ouro e ágata<br />
altura (2,9 cm), comprimento (2,6 cm),<br />
largura (0,9 cm)<br />
Ring with gem with eye<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Gold and agate<br />
height (2,9 cm), length (2,6 cm),<br />
width (0,9 cm)<br />
Inv. CE02594<br />
Anel com gema com cão<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Ouro e azurite<br />
altura (2,3 cm), comprimento (2,1 cm),<br />
largura (1,1 cm)<br />
Ring with gem with dog<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Gold and azurite<br />
height (2,3 cm), length (2,1 cm),<br />
width (1,1 cm)<br />
Inv. CE02987<br />
Anel com gema com busto<br />
masculino<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Ouro e quartzo<br />
altura (2,7 cm), comprimento (3,1 cm),<br />
largura (1,8 cm)<br />
Ring with gem with male bust<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Gold and quartz<br />
height (2,7 cm), length (3,1 cm),<br />
width (1,8 cm)<br />
80<br />
81 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE02991<br />
Anel com gema<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Ouro e quartzo<br />
altura (2,3 cm), comprimento (2,8 cm),<br />
largura (1,7 cm)<br />
Ring with gem<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Gold and quartzo<br />
height (2,3 cm), length (2,8 cm),<br />
width (1,7 cm)<br />
Inv. CE04708<br />
Anel mo<strong>de</strong>rno com gema romana<br />
com busto masculino<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Ouro e pedra carbonática<br />
altura (2,1 cm), comprimento (2,8 cm),<br />
largura (1,6 cm)<br />
Mo<strong>de</strong>rn ring with roman gem with<br />
male bust<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Gold and carbonatic rock<br />
height (2,1 cm), length (2,8 cm),<br />
width (1,6 cm)<br />
Inv. CE02993<br />
Anel mo<strong>de</strong>rno com gema<br />
romana com Hélio<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Prata e quartzo<br />
altura (2,7 cm), comprimento (2 cm),<br />
largura (1,5 cm)<br />
Mo<strong>de</strong>rn ring with roman<br />
gem with Helios<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Silver and quartz<br />
height (2,7 cm), length (2 cm),<br />
width (1,5 cm)<br />
Inv. CE02992<br />
Anel com gema com busto<br />
masculino<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Ouro e turmalina<br />
altura (2,2 cm), comprimento (2 cm),<br />
largura (1,1 cm)<br />
Ring with gem with male bust<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Gold and tourmaline<br />
height (2,2 cm), length (2 cm),<br />
width (1,1 cm)
Inv. CE02988<br />
Anel com gema com escorpião<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Ouro e âmbar<br />
altura (2,4 cm), comprimento (2,6 cm),<br />
largura (0,9 cm)<br />
Ring with gem with scorpion<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Gold and ambar<br />
height (2,4 cm), length (2,6 cm),<br />
width (0,9 cm)<br />
Inv. CE02989<br />
Anel com gema com Hélio<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Ouro e quartzo<br />
altura (2,1 cm), comprimento (2,1 cm),<br />
largura (1,8 cm)<br />
Ring with gem with Helios<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Gold and quartz<br />
height (2,1 cm), length (2,1 cm),<br />
width (1,8 cm)<br />
82<br />
83 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE03415<br />
Anel com gema com águia<br />
caçando um coelho<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Ouro e ágata<br />
altura (2 cm), comprimento (2,3 cm),<br />
largura (1,5 cm)<br />
Ring with gem with eagle hunting<br />
a rabbit<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Gold and agate<br />
height (2 cm), length (2,3 cm),<br />
width (1,5 cm)
Inv. CE04735<br />
Gema com bustos <strong>de</strong> casal<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Jaspe<br />
altura (2,9 cm), comprimento (2,5 cm),<br />
largura (1 cm)<br />
Gem with busts of couple<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Jasper<br />
height (2,9 cm), length (2,5 cm),<br />
width (1 cm)<br />
Inv. CE04736<br />
Camafeu com busto feminino<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Ágata<br />
Dimensões: altura (1,7 cm), comprimento<br />
(0,9 cm), largura (0,8cm)<br />
Cameo with female bust<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Agate<br />
height (1,7 cm), length (0,9 cm),<br />
width (0,8 cm)<br />
Inv. CE04739<br />
Gema com busto masculino<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Ágata<br />
altura (1,5 cm), comprimento (1,2 cm),<br />
largura (0,3 cm)<br />
Gem with male bust<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Agate<br />
height (1,5 cm), length (1,2 cm),<br />
width (0,3 cm)<br />
84<br />
Inv. CE04740<br />
Gema com Mercúrio<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Quartzo<br />
altura (1,4 cm), comprimento (1,1 cm),<br />
largura (0,3 cm)<br />
Gem with Mercury<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Quartz<br />
height (1,4 cm), length (1,1 cm),<br />
width (0,3 cm)<br />
85 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE04737<br />
Gema com escorpião<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Ágata<br />
altura (1,6 cm), comprimento (1,3 cm),<br />
largura (0,6 cm)<br />
Gem with scorpion<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Agate<br />
height (1,6 cm), length (1,3 cm),<br />
width (0,6 cm)<br />
Inv. CE04738<br />
Gema com Mercúrio<br />
Romano (I-III d.C.)<br />
Quartzo<br />
altura (1,6 cm), comprimento (1,1 cm),<br />
largura (0,6 cm)<br />
Gem with Mercury<br />
Roman (I-III A.D.)<br />
Quartz<br />
height (1,6 cm), length (1,1 cm),<br />
width (0,6 cm)
ja<strong>de</strong>s da china<br />
Ao longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 7000 anos <strong>de</strong> história,<br />
as <strong>arte</strong>s da China <strong>de</strong>senvolveram-se<br />
em torno <strong>de</strong> um equilíbrio harmonioso<br />
entre o virtuosismo técnico, no domínio<br />
profundo das técnicas e dos materiais,<br />
e uma reflexão estética sobre a interacção<br />
entre o homem e o cosmos. Assim, a <strong>arte</strong><br />
chinesa prolonga-se pelas mais diversas<br />
técnicas e materiais, nomeadamente<br />
o ja<strong>de</strong>, o bronze, a laca, a seda, a pintura<br />
sobre seda, a escultura e as variadas<br />
tipologias <strong>de</strong> cerâmica, entre as quais<br />
a porcelana teve especial notorieda<strong>de</strong>.<br />
O crescimento e prosperida<strong>de</strong> das<br />
civilizações <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m absolutamente<br />
do conhecimento e <strong>de</strong>senvolvimento<br />
tecnológico que se reflecte nos principais<br />
aspectos que <strong>de</strong>terminam a estrutura social.<br />
O domínio das técnicas artísticas<br />
e dos diferentes materiais permitiu<br />
às socieda<strong>de</strong>s primitivas estabelecer uma<br />
relação estreita com o sagrado através<br />
<strong>de</strong> elaborados objectos rituais, ornamentais<br />
e funerários que dignificavam e distinguiam<br />
tanto os espíritos ancestrais como também<br />
os lí<strong>de</strong>res tribais.<br />
É neste contexto que, na formação<br />
da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural e artística da China,<br />
o conhecimento sobre as técnicas<br />
<strong>de</strong> escultura <strong>de</strong> ja<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolveram<br />
em consonância com as práticas rituais<br />
e a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> práticas cerimoniais<br />
em torno da autorida<strong>de</strong> política.<br />
A vasta maioria das culturas do Neolítico<br />
na China, que se <strong>de</strong>senvolveram no período<br />
entre 8000 e 2000 a. C., encontraram<br />
no ja<strong>de</strong> o suporte para a instrumentalização<br />
dos rituais sagrados, esculpindo um vasto<br />
imaginário <strong>de</strong> animais, figuras<br />
antropomórficas e muitos outros objectos<br />
<strong>de</strong> formas únicas, cujo significado e função<br />
se per<strong>de</strong>u no tempo. Entre as diversas<br />
socieda<strong>de</strong>s do Neolítico, a cultura<br />
Hongshan (3400 - 2300 a. C.), na região<br />
<strong>de</strong> Liaoning, Mongólia Interior,<br />
distingue-se pela larga quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> objectos <strong>de</strong> ja<strong>de</strong> encontrados em espaço<br />
fúnebre. Niuheliang terá sido uma das áreas<br />
on<strong>de</strong> a cultura Hongshan se concentrou<br />
com particular incidência.<br />
Recentes escavações arqueológicas,<br />
que <strong>de</strong>correm <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1980,<br />
permitiram obter um maior conhecimento<br />
sobre o <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico,<br />
no que respeita às ferramentas <strong>de</strong> pedra,<br />
à cerâmica e à produção <strong>de</strong> ja<strong>de</strong>s rituais,<br />
tanto ao longo do Rio Yangtze e do Rio<br />
Amarelo, como também no Noroeste<br />
da China, junto às estepes da Mongólia.<br />
Contudo, é pela execução <strong>de</strong> objectos<br />
rituais e ornamentais <strong>de</strong> ja<strong>de</strong> e pelo<br />
conhecimento das técnicas que lhe estão<br />
implícitas, que tornam a cultura Hongshan<br />
numa das mais interessantes e intrigantes<br />
culturas do Neolítico na China. Inúmeros<br />
objectos <strong>de</strong> ja<strong>de</strong>, na forma <strong>de</strong> animais,<br />
<strong>de</strong> figuras antropomórficas e também<br />
<strong>de</strong> elementos abstractos eventualmente<br />
associados perspectiva do sagrado que<br />
se expressa através da natureza, sugerem<br />
uma relativa complexida<strong>de</strong> dos rituais.<br />
Pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> ja<strong>de</strong> (huang) em forma<br />
<strong>de</strong> nuvens e orifícios que simulam uma<br />
máscara ou um rosto seriam possivelmente<br />
usados por lí<strong>de</strong>res tribais que,<br />
simultaneamente, conduziam os rituais.<br />
Aros <strong>de</strong> ja<strong>de</strong> semi-anelares e discos <strong>de</strong> ja<strong>de</strong><br />
(bi) com uma perfuração ao centro têm<br />
sido entendidos por muitos arqueólogos<br />
como sendo representações simbólicas<br />
do cosmos, baseados em interpretações<br />
mais tardias <strong>de</strong>scritas nos Clássicos<br />
contemporâneos <strong>de</strong> Confúcio e <strong>de</strong> Laozi.<br />
Pequenas esculturas <strong>de</strong> ja<strong>de</strong> na forma<br />
<strong>de</strong> tartarugas, <strong>de</strong> dragões em forma <strong>de</strong> anel,<br />
<strong>de</strong> águias e <strong>de</strong> outros pássaros são<br />
igualmente comuns nos túmulos da cultura<br />
Hongshan, mas também em outras culturas<br />
do Neolítico recente. Pensamos que<br />
a importância <strong>de</strong>stas figuras tem que ver<br />
com a capacida<strong>de</strong> que tanto os pássaros<br />
como as tartarugas têm <strong>de</strong> transitar entre<br />
dois espaços distintos - o céu e a terra<br />
e a terra e a água. Metaforicamente,<br />
representa a transição espiritual entre a vida<br />
e a morte ou, eventualmente, a viagem<br />
espiritual do lí<strong>de</strong>r tribal durante os rituais,<br />
que lhe permite comunicar com<br />
os espíritos.<br />
86<br />
87 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE03458<br />
Figura sentada Zoomórfica<br />
China, Cultura Hongshan<br />
(3500 a.C. - 2500 a.C.)<br />
Ja<strong>de</strong> Nefrite<br />
altura (6,5 cm), comprimento (2,7 cm),<br />
largura (2,2 cm)<br />
Zoomorphic seated figure<br />
China, Hongshan Culture<br />
(3500 BC - 2500 BC)<br />
Nephrite Ja<strong>de</strong><br />
height (6,5 cm), length (2,7 cm),<br />
width (2,2 cm)<br />
Inv. CE03459<br />
Figura sentada Zoomórfica<br />
China, Cultura Hongshan<br />
(3500 a.C. - 2500 a.C.)<br />
Ja<strong>de</strong> Nefrite<br />
altura (7 cm), comprimento (3,1 cm),<br />
largura (2,8 cm)<br />
Zoomorphic seated figure<br />
China, Hongshan Culture<br />
(3500 BC - 2500 BC)<br />
Nephrite Ja<strong>de</strong><br />
height (7 cm), length (3,1 cm),<br />
width (2,8 cm)
No que respeita ao conhecimento<br />
tecnológico, as ferramentas <strong>de</strong> pedra<br />
<strong>de</strong>monstram que a cultura Hongshan<br />
dominava profundamente as técnicas<br />
<strong>de</strong> polimento, <strong>de</strong> lascagem, <strong>de</strong> corte<br />
e <strong>de</strong> perfuração, para além <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>rem<br />
a uma selecção criteriosa das pedras<br />
utilizadas, na sua maioria em granito<br />
e calcário e escolhidas pela sua dureza<br />
e textura. De um modo geral, estas<br />
ferramentas <strong>de</strong> pedra seriam utilizadas<br />
na agricultura e também para cortar as<br />
peles e carne <strong>de</strong> animais domesticados.<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento da agricultura<br />
e da pecuária tem como consequência u<br />
ma estabilida<strong>de</strong> e prosperida<strong>de</strong> dos<br />
aglomerados populacionais. As técnicas<br />
utilizadas para o polimento e corte das<br />
ferramentas <strong>de</strong> pedra terão sido as mesmas<br />
aplicadas para os objectos rituais <strong>de</strong> ja<strong>de</strong>.<br />
Ao contrário do que acontecia com as<br />
pedras comuns, o ja<strong>de</strong> era consagrado<br />
apenas aos rituais sagrados ou para<br />
ornamento associado ao estatuto<br />
ou hierarquia social.<br />
A execução <strong>de</strong>stes objectos, pelas<br />
características especiais do ja<strong>de</strong> ao nível<br />
da dureza, implicava a existência <strong>de</strong> uma<br />
estrutura organizada <strong>de</strong> divisão <strong>de</strong> trabalho,<br />
envolvendo um número elevado<br />
<strong>de</strong> <strong>arte</strong>sãos especializados e com<br />
conhecimento no manuseio <strong>de</strong> ferramentas<br />
específicas para trabalhar o ja<strong>de</strong>.<br />
Presumivelmente, a maior p<strong>arte</strong> das<br />
ferramentas utilizadas para trabalhar o ja<strong>de</strong><br />
seriam feitas em ma<strong>de</strong>ira e em bambu,<br />
juntamente com abrasivos à base <strong>de</strong> areia,<br />
que permitiam perfurar e polir a superfície<br />
do objecto. Alguns arqueólogos sugerem<br />
a utilização <strong>de</strong> uma roda <strong>de</strong> esmeril,<br />
comummente <strong>de</strong>signada como pedra<br />
<strong>de</strong> amolar, montada num eixo mecanizado<br />
para cortar, <strong>de</strong>sbastar a superfície e <strong>de</strong>linear<br />
o perfil dos objectos. A fricção <strong>de</strong> cordas<br />
envolvidas numa pasta <strong>de</strong> esmeril e cristais<br />
<strong>de</strong> quartzo terá sido uma das técnicas<br />
<strong>de</strong> corte <strong>de</strong>senvolvidas pela cultura<br />
Hongshan, mas também utilizada<br />
posteriormente pela cultura Liangzhu<br />
(3200 - 2200 a. C.), que ocupou a actual<br />
área <strong>de</strong> Shanghai.<br />
A cultura Lianghzu, que emergiu<br />
na sequência do <strong>de</strong>clínio das culturas<br />
Majiabang (4000 - 3300 a. C.) e Songze,<br />
<strong>de</strong>senvolveu amplamente as técnicas <strong>de</strong><br />
trabalhar o ja<strong>de</strong>, sendo <strong>de</strong>sse período os<br />
bem conhecidos tubos prismáticos (cong)<br />
e inúmeros exemplares <strong>de</strong> discos <strong>de</strong> ja<strong>de</strong><br />
(bi), na sua maioria ornamentados<br />
com figuras e máscaras em alto-relevo.<br />
As longas perfurações dos cong e dos discos<br />
terão sido feitas com perfuradores <strong>de</strong><br />
bambu e uma mistura <strong>de</strong> água e quartzo,<br />
uma vez que estes objectos apresentam<br />
estrias elípticas ao longo da perfuração.<br />
Devido à enorme pressão exercida, a<br />
perfuração era feita alternadamente em<br />
cada um dos lados, evi<strong>de</strong>nciando uma<br />
protuberância mais ou menos a meio da<br />
abertura. A <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> ferramentas em<br />
sílex e <strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> tubarão encontrados em<br />
escavações arqueológicas, junto a objectos<br />
<strong>de</strong> ja<strong>de</strong>, permite pensar que po<strong>de</strong>rão ter<br />
sido utilizados para a ornamentação<br />
e inscrição <strong>de</strong> marcas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação<br />
dos clãs na superfície do ja<strong>de</strong>.<br />
As armas rituais e outros objectos<br />
ornamentais <strong>de</strong> ja<strong>de</strong> associados ao po<strong>de</strong>r<br />
espiritual e político, entre os quais os<br />
ceptros (zhang), os colares <strong>de</strong> contas<br />
e os peitorais (huang), tornam-se comuns<br />
durante o Neolítico recente, nomeadamente<br />
nas culturas Liangzhu, Shijiahe<br />
(2500 - 2200 a. C.) e Longshan<br />
(2500 - 2000 a. C.). Ao longo das margens<br />
do Rio Amarelo, nas actuais Províncias<br />
<strong>de</strong> Henan, Shanxi e Shandong, nas<br />
cerimónias rituais da cultura Longshan<br />
foram utilizadas armas <strong>de</strong> ja<strong>de</strong> em diversos<br />
formatos, <strong>de</strong>signadamente machados (kwei,<br />
yue e fu) e facas (dao). Normalmente,<br />
estas armas não aparentam sinais <strong>de</strong> uso,<br />
o que pressupõe que fossem utilizadas<br />
apenas nos sacrifícios durante os rituais<br />
ou presumivelmente como símbolos <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r. Efectivamente, a cultura Longshan<br />
constitui uma fronteira cultural entre<br />
o Neolítico e a Ida<strong>de</strong> do Bronze, que inicia<br />
aproximadamente por volta <strong>de</strong> 1700 a. C.<br />
com a <strong>de</strong>nominada cultura Erlitou,<br />
precisamente na mesma região ocupada<br />
pela cultura Longshan.<br />
88<br />
Acresce ainda o facto <strong>de</strong> que na cultura<br />
Erlitou e ao longo da dinastia Shang<br />
(1600 - 1045 a. C.) as armas rituais seguem<br />
os mo<strong>de</strong>los anteriores da cultura Longshan.<br />
Na realida<strong>de</strong>, enquanto durante o Neolítico<br />
os objectos <strong>de</strong> ja<strong>de</strong> são, na sua vasta<br />
maioria, objectos rituais que reflectem os<br />
aspectos relacionados com os mitos<br />
primordiais, do imaginário celestial e que<br />
indiciam a existência <strong>de</strong> práticas xamânicas,<br />
os ja<strong>de</strong>s das dinastias Shang e Zhou são<br />
objectos predominantemente ornamentais,<br />
auspiciosos e que procuram reflectir<br />
as virtu<strong>de</strong>s do homem que os ostenta.<br />
A emergência da autorida<strong>de</strong> política<br />
e <strong>de</strong> uma maior complexida<strong>de</strong> na<br />
organização social, através <strong>de</strong> um sistema<br />
<strong>de</strong> hierarquias <strong>de</strong>finidas com base na<br />
proximida<strong>de</strong> familiar ao lí<strong>de</strong>r do clã, dá<br />
lugar ao princípio do Mandato do Céu,<br />
isto é, aquele que governa sob consignação<br />
divina.<br />
Assim, durante os Shang e sobretudo<br />
os Zhou, os objectos <strong>de</strong> ja<strong>de</strong> constituem<br />
atributos da autorida<strong>de</strong> política, do estatuto<br />
social, da prosperida<strong>de</strong>, da hegemonia<br />
militar e das virtu<strong>de</strong>s morais da governação.<br />
A importância do ja<strong>de</strong>, associado às<br />
qualida<strong>de</strong>s transcen<strong>de</strong>ntais que lhe eram<br />
atribuídas pelos Shang, reflecte-se não<br />
só no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> objectos<br />
aparentemente usados para observação<br />
astronómica e, consequentemente,<br />
vocacionados para a elaboração<br />
do calendário chinês, mas também<br />
na conservação e reconhecimento do valor<br />
ancestral <strong>de</strong> objectos <strong>de</strong> ja<strong>de</strong> <strong>de</strong> culturas<br />
do Neolítico. No túmulo da Princesa Fu<br />
Hao foram encontrados vários objectos<br />
<strong>de</strong> ja<strong>de</strong> das culturas Hongshan, Liangzhu<br />
e Longshan, alguns dos quais na forma<br />
<strong>de</strong> dragões, <strong>de</strong> pássaros e alguns cong<br />
com máscaras inscritas na superfície.<br />
A nosso ver, este facto significa que<br />
presumivelmente os Shang reconheciam,<br />
respeitavam e valorizavam o conhecimento<br />
e o pensamento mítico dos seus<br />
antepassados, reactualizando esse<br />
imaginário não só através do ja<strong>de</strong> mas<br />
sobretudo através dos recipientes rituais<br />
<strong>de</strong> bronze.<br />
89 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Apesar dos avançados conhecimentos<br />
sobre as técnicas <strong>de</strong> fundição do bronze<br />
e <strong>de</strong> uma reconhecida sofisticação artística<br />
não se verifica uma significativa inovação<br />
técnica ao nível da escultura <strong>de</strong> ja<strong>de</strong>.<br />
Mesmo as ferramentas utilizadas<br />
na agricultura e em outras activida<strong>de</strong>s<br />
continuam, durante a dinastia Shang,<br />
a ser produzidas em ma<strong>de</strong>ira.<br />
Mais tar<strong>de</strong>, o auge artístico<br />
e o domínio total das técnicas da execução<br />
<strong>de</strong> objectos <strong>de</strong> ja<strong>de</strong> coincidiram com<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ferramentas<br />
em ferro, durante o início do Período<br />
dos Estados Combatentes (475 - 221 a. C.).<br />
Durante este período até à dinastia<br />
Han (206 a. C. - 220), o Confucionismo,<br />
o Taoismo e as virtu<strong>de</strong>s associadas à ética<br />
e à moral que lhes estão implícitas<br />
<strong>de</strong>sempenharam um papel vital no<br />
estabelecimento da Or<strong>de</strong>m. Os Clássicos<br />
<strong>de</strong>screvem como o ja<strong>de</strong> representava as<br />
cinco principais virtu<strong>de</strong>s inerentes à<br />
governação: a benevolência, a integrida<strong>de</strong>,<br />
a inteligência, a bravura e a confiança,<br />
e, por isso, todos os homens importantes<br />
e associados à elite <strong>de</strong>veriam usar objectos<br />
<strong>de</strong> ja<strong>de</strong>.<br />
No período subsequente à queda<br />
da dinastia Han e até à dinastia Tang<br />
(618 - 907), a importância do ja<strong>de</strong> <strong>de</strong>cresceu<br />
significativamente, na sequência da<br />
introdução do Budismo na China<br />
e da perda <strong>de</strong> influência do Confucionismo<br />
e do Taoismo junto das elites imperiais.<br />
Apenas a partir da dinastia Song<br />
(960 - 1279), com o ressurgimento da<br />
importância do Confucionismo pela mão<br />
dos gran<strong>de</strong>s filósofos Cheng Yi e Zhu Xi,<br />
é que o ja<strong>de</strong> voltou a ser apreciado pelos<br />
homens eruditos como um objecto com<br />
profundo valor simbólico. Os objectos<br />
<strong>de</strong> ja<strong>de</strong> fazem p<strong>arte</strong> dos gabinetes <strong>de</strong><br />
homens letrados, que se <strong>de</strong>dicavam<br />
à pintura, à caligrafia, à poesia, à filosofia,<br />
às questões centrais do pensamento,<br />
do Taoismo e do Confucionismo,<br />
coleccionavam estatuetas <strong>de</strong> ja<strong>de</strong> na forma<br />
<strong>de</strong> animais, flores que representavam<br />
símbolos auspiciosos associados à<br />
longevida<strong>de</strong>, à prosperida<strong>de</strong>, à fortuna<br />
e ao sucesso na carreira enquanto oficiais<br />
do Estado.
Posteriormente, durante as dinastias Ming<br />
(1368 - 1644) e Qing (1644 - 1911), sob<br />
a influência do contexto cultural dos Song,<br />
do surgimento do Neo-Confucionismo<br />
e da reformulação da organização do<br />
Estado, estes símbolos auspiciosos <strong>de</strong> ja<strong>de</strong><br />
elegantemente executados tornaram-se<br />
num dos mais apreciados objectos nos<br />
gabinetes dos homens letrados, como<br />
símbolo do seu próprio conhecimento.<br />
Ao longo das últimas dinastias, a gosto<br />
pelo ja<strong>de</strong> tornou-se cada vez mais um sinal<br />
<strong>de</strong> requinte, <strong>de</strong> conhecimento e <strong>de</strong> estatuto<br />
social, sendo utilizado nos mais diversos<br />
contextos da socieda<strong>de</strong>. A popularização<br />
do ja<strong>de</strong> foi inflamada pelo <strong>de</strong>senvolvimento<br />
das oficinas <strong>de</strong> produção que respondiam<br />
não só às encomendas <strong>de</strong> importantes<br />
figuras da socieda<strong>de</strong> chinesa mas também<br />
dos comerciantes e missionários europeus<br />
que também viram no ja<strong>de</strong> o material<br />
<strong>de</strong> eleição para a representação <strong>de</strong><br />
imaginária cristã utilizada no contexto<br />
das missões na China e no Japão e <strong>de</strong><br />
objectos exóticos enviados para figurarem<br />
nos gabinetes <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>s das<br />
principais cortes europeias.<br />
Apesar disso, o ja<strong>de</strong> continuava a ser um<br />
privilégio da família imperial, ocupando<br />
um lugar especial nas colecções do Palácio,<br />
sobretudo durante o reinado <strong>de</strong> Qianlong.<br />
O gosto do imperador pelo ja<strong>de</strong> inspirou-o<br />
a compor poesias que versavam sobre as<br />
qualida<strong>de</strong>s da pedra, encorajou-o a planear<br />
campanhas militares para a pacificação<br />
<strong>de</strong> rebel<strong>de</strong>s na província <strong>de</strong> Xinjiang, com<br />
vista a garantir o acesso ao ja<strong>de</strong> proveniente<br />
do Khotan. Alguns dos poemas <strong>de</strong><br />
Qianlong, gravados nos próprios objectos<br />
<strong>de</strong> ja<strong>de</strong>, referem que o ja<strong>de</strong> não <strong>de</strong>veria ser<br />
<strong>de</strong>sperdiçado nas mãos <strong>de</strong> <strong>arte</strong>sãos comuns.<br />
As oficinas imperiais recrutavam apenas<br />
os artistas mais hábeis, capazes <strong>de</strong> retirar<br />
da pedra as formas mais belas e <strong>de</strong> recriar<br />
no ja<strong>de</strong> os mo<strong>de</strong>los dos objectos rituais<br />
<strong>de</strong> ja<strong>de</strong> e bronze da antiguida<strong>de</strong>, das<br />
porcelanas das dinastias Tang e Song<br />
e até da pintura das colecções imperiais.<br />
Rui Oliveira Lopes<br />
Bibliografia<br />
Douglas, Janet and Yang, Jun Chang,<br />
“Materials and technology of Chinese<br />
ja<strong>de</strong>s dating to the Western Zhou period<br />
(1050 - 771)”, in Science in China Series E:<br />
Technological Sciences, volume 51, number 4,<br />
pp. 467 - 480.<br />
Guo, Da-shun,<br />
“Hongshan and related cultures”, S. Nelson<br />
(ed.) The archaeology of Northeast China.<br />
Beyond the Great Wall, London: Routledge,<br />
1995.<br />
Liu, Li and Chen, Xingcan,<br />
“Socialpolitical change from Neolithic to<br />
Bronze Age China”, in Miriam T. Stark (ed)<br />
Archaeology of Asia, Oxford: Blackwell<br />
Publishing, 2006.<br />
M. Sax, N. D. Meeks, C. Michaelson,<br />
A. P. Middleton,<br />
“The i<strong>de</strong>ntification of carving techniques on<br />
Chinese ja<strong>de</strong>”, Journal of Archaeological Science,<br />
31 (2004), pp. 1413-1428<br />
M. Sax, N. D. Meeks, J. Ambers, C. Michaelson,<br />
“The introduction of rotary incising wheels for<br />
working ja<strong>de</strong> in China”, P. Jett, (ed.) Scientific<br />
Research on the Sculptural Arts of Asia,<br />
Proceedings of the Forbes Symposium at the<br />
Freer Gallery of Art, Washington DC, (2005).<br />
Rawson Jessica (ed),<br />
Treasures from Shanghai. Ancient Chinese<br />
bronze and ja<strong>de</strong>s, London: The British Museum<br />
Press, 2009.<br />
90<br />
91 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE03460<br />
Figura sentada Zoomórfica<br />
China, Cultura Hongshan<br />
(3500 a.C. - 2500 a.C.)<br />
Ja<strong>de</strong> Nefrite<br />
altura (10,1 cm), comprimento (4,2 cm),<br />
largura (3,8 cm)<br />
Zoomorphic seated figure<br />
China, Hongshan Culture<br />
(3500 BC - 2500 BC)<br />
Nephrite Ja<strong>de</strong><br />
height (10,1 cm), length (4,2 cm),<br />
width (3,8 cm)
Inv. CE03461<br />
Figura sentada Zoomórfica<br />
China, Cultura Hongshan<br />
(3500 a.C. - 2500 a.C.)<br />
Ja<strong>de</strong> Nefrite<br />
altura (9,1 cm), comprimento (4,9 cm),<br />
largura (3,5 cm)<br />
Zoomorphic seated figure<br />
China, Hongshan Culture<br />
(3500 BC - 2500 BC)<br />
Nephrite Ja<strong>de</strong><br />
height (9,1 cm), length (4,9 cm),<br />
width (3,5 cm)<br />
Inv. CE03462<br />
Figura sentada Zoomórfica<br />
China, Cultura Hongshan<br />
(3500 a.C. - 2500 a.C.)<br />
Ja<strong>de</strong> Nefrite<br />
altura (12 cm), comprimento (7 cm),<br />
largura (4,8 cm)<br />
Zoomorphic seated figure<br />
China, Hongshan Culture<br />
(3500 BC - 2500 BC)<br />
Nephrite Ja<strong>de</strong><br />
height (15,7 cm), length (5,6 cm),<br />
width (4,8 cm)<br />
92<br />
93 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE03463<br />
Figura sentada Zoomórfica<br />
China, Cultura Hongshan<br />
(3500 a.C. - 2500 a.C.)<br />
Ja<strong>de</strong> Nefrite<br />
altura (15,7 cm), comprimento (5,6 cm),<br />
largura (3,7 cm)<br />
Zoomorphic seated figure<br />
China, Hongshan Culture<br />
(3500 BC - 2500 BC)<br />
Nephrite Ja<strong>de</strong><br />
height (15,7 cm), length (5,6 cm),<br />
width (3,7 cm)
Inv. CE03464<br />
Figura sentada Zoomórfica<br />
China, Cultura Hongshan<br />
(3500 a.C. - 2500 a.C.)<br />
Ja<strong>de</strong> Nefrite<br />
altura (12 cm), comprimento (4,6 cm),<br />
largura (5,3 cm)<br />
Zoomorphic seated figure<br />
China, Hongshan Culture<br />
(3500 BC - 2500 BC)<br />
Nephrite Ja<strong>de</strong><br />
height (12 cm), length (4,6 cm),<br />
width (5,3 cm)<br />
94<br />
Inv. CE03465<br />
Figura Zoomórfica<br />
em forma <strong>de</strong> anel<br />
China, Cultura Hongshan<br />
(3500 a.C. - 2500 a.C.)<br />
Ja<strong>de</strong> Nefrite<br />
altura (10,4 cm), comprimento (3,3 cm),<br />
largura (7,9 cm)<br />
Pig-Dragon<br />
China, Hongshan Culture<br />
(3500 BC - 2500 BC)<br />
Nephrite Ja<strong>de</strong><br />
height (10,4 cm), length (3,3 cm),<br />
width (7,9 cm)<br />
95 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CE01104<br />
Rithon<br />
China, Dinastia Qing (1644 - 1911)<br />
Serpentinite<br />
altura (10,3 cm), comprimento (19,8 cm),<br />
largura (7,8 cm)<br />
Rithon<br />
China, Qing Dynasty (1644 - 1911)<br />
Serpentinite<br />
height (10,3 cm), length (19,8 cm),<br />
width (7,8 cm)
Inv. CE00784<br />
Elefante carregando um macaco<br />
China, Dinastia Qing (1644 - 1911)<br />
Ja<strong>de</strong><br />
altura (25,3 cm), comprimento (12,2 cm),<br />
largura (4,9 cm)<br />
Elephant carrying a monkey<br />
China, Qing Dynasty (1644 - 1911)<br />
Ja<strong>de</strong><br />
height (25,3 cm), length (12,2 cm),<br />
width (4,9 cm)<br />
Inv. CE00759<br />
Xi Wang Mu.<br />
Rainha Mãe do Oci<strong>de</strong>nte<br />
China, Dinastia Qing (1644 - 1911)<br />
Ja<strong>de</strong><br />
altura (30,5 cm), comprimento (6,9 cm),<br />
largura (4,2 cm)<br />
Xi Wang Mu.<br />
Queen Mother of the West<br />
China, Qing Dynasty (1644 - 1911)<br />
Ja<strong>de</strong><br />
height (30,5 cm), length (6,9 cm),<br />
width (4,2 cm)<br />
96<br />
Inv. CE00758<br />
Lokapala<br />
China, Dinastia Qing (1644 - 1911)<br />
Ja<strong>de</strong><br />
altura (29,7 cm), comprimento (13,5 cm),<br />
largura (7 cm)<br />
Lokapala<br />
China, Qing Dynasty (1644 - 1911<br />
Ja<strong>de</strong><br />
height (29,7 cm), length (13,5 cm),<br />
width (7 cm)<br />
97 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
98<br />
escultura em pedra<br />
do gótico e do renascimento<br />
das igrejas e conventos<br />
<strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Com a colecção <strong>de</strong> imaginária medieval,<br />
renascentista e barroca, em pedra, em<br />
ma<strong>de</strong>ira e em terracota, que foi sendo<br />
recolhida na igreja <strong>de</strong> Nossa Senhora do<br />
Castelo a partir <strong>de</strong> 1922, o Museu D. Lopo<br />
<strong>de</strong> Almeida, aí instalado, podia apresentar,<br />
entre vários outros objectos <strong>de</strong> interesse,<br />
uma evolução da Escultura Portuguesa,<br />
do século XV ao século XVIII, com base<br />
em peças oriundas das igrejas e conventos<br />
extintos da cida<strong>de</strong>. Estas colecções serão,<br />
como já foi dito nas exposições anteriores,<br />
integradas no MIAA, pelo que, para esta<br />
IV Antevisão, <strong>de</strong>dicada aos materiais<br />
pétreos, seleccionámos um conjunto<br />
<strong>de</strong> estatuária e <strong>de</strong> escultura retabular<br />
em pedra dos séculos XV e XVI.<br />
Para além das duas esculturas acéfalas<br />
romanas que têm estado presentes na nave<br />
da igreja <strong>de</strong> Nossa Senhora do Castelo<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a i Antevisão do MIAA e a que se<br />
acrescentam, para esta iv Antevisão, outras<br />
peças <strong>de</strong> origem clássica, encontramos,<br />
no altar-mor, um exemplar quase único<br />
<strong>de</strong> moldura gótico-manuelina, em ma<strong>de</strong>ira,<br />
<strong>de</strong> um retábulo quinhentista, ainda in situ<br />
(subsistindo, exposta ao lado, uma das<br />
pinturas que o integrou, uma belíssima<br />
Adoração dos Magos que atribuímos<br />
à oficina <strong>de</strong> Francisco Henriques, pintor<br />
luso-flamengo com activida<strong>de</strong><br />
documentada entre 1509 e 1518) em cujo<br />
nicho central se encontra o orago da igreja,<br />
Santa Maria do Castelo, eventualmente<br />
uma imagem anterior reutilizada ou talvez<br />
mesmo coeva da armação retabular.<br />
Trata-se <strong>de</strong> uma notável escultura, com<br />
vestígios do douramento e policromia<br />
originais, <strong>de</strong> uma Nossa Senhora da<br />
Conceição (sobre um crescente lunar),<br />
com o Menino ao colo, ostentando este um<br />
gesto que faz referência ao seu aleitamento,<br />
que já aproximámos da obra atribuída ao<br />
escultor <strong>de</strong> Coimbra Diogo Pires-o-Velho,<br />
documentado <strong>de</strong> 1473 a 1514, e que parece<br />
ser, iconografica e plasticamente, uma<br />
versão, em menor escala, da principal obra<br />
documentada do mestre, a Virgem com o<br />
Menino <strong>de</strong> Leça da Palmeira, encomendada<br />
por D. Afonso V em 1478 e concluída em<br />
1481.<br />
99 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Ligeiramente anterior é a imagem<br />
quatrocentista em pedra calcária que se<br />
expõe na transição da capela-mor para<br />
a nave: a Virgem do Leite, dada como<br />
proveniente da igreja <strong>de</strong> S. Vicente,<br />
que apresenta consi<strong>de</strong>rável dimensão<br />
e excelente qualida<strong>de</strong> plástica, com restos<br />
da policromia original, aproximando-se<br />
da obra atribuída ao escultor <strong>de</strong> Coimbra<br />
João Afonso, formado nos canteiros do<br />
Mosteiro da Batalha e autor <strong>de</strong> tumulária,<br />
retábulos e imaginária avulsa,<br />
nomeadamente <strong>de</strong> várias Virgens com<br />
o Menino, activo nas décadas centrais<br />
<strong>de</strong> Quatrocentos (cerca <strong>de</strong> 1436 a cerca<br />
<strong>de</strong> 1470).<br />
Já o São Brás, proveniente <strong>de</strong> igreja não<br />
especificada, integra-se na vasta produção<br />
das oficinas <strong>de</strong> Coimbra que copiavam,<br />
num registo «menor», os receituários<br />
figurativos dos principais mestres<br />
da centúria, os já referidos João Afonso<br />
ou Diogo Pires-o-Velho. De acordo com<br />
a sua legenda, S. Brás, protector contra<br />
as doenças <strong>de</strong> garganta, enverga traje<br />
episcopal e abençoa uma criança que se<br />
havia engasgado. Por seu turno, a Santa<br />
Mártir, proveniente da igreja <strong>de</strong> S. Vicente,<br />
apresenta, para além da palma do martírio,<br />
o atributo que a i<strong>de</strong>ntificaria mutilado,<br />
presumindo-se que possa ter sido Santa<br />
Luzia, protectora contra as doenças<br />
dos olhos, ou Santa Bárbara, patrona<br />
dos artilheiros. Integra-se na produção<br />
das oficinas secundárias <strong>de</strong> Coimbra<br />
que seguem a «maneira» do atrás<br />
mencionado escultor João Afonso.<br />
Da época do Renascimento, <strong>de</strong>stacamos<br />
três conjuntos <strong>de</strong> imagens em Pedra <strong>de</strong><br />
Ançã que terão pertencido a estruturas<br />
retabulares ou a portais ou até a arcos<br />
triunfais que integrassem nichos à maneira<br />
<strong>de</strong> retábulo.
A um primeiro conjunto, eventualmente<br />
um Apostolado <strong>de</strong> um portal ou <strong>de</strong> um<br />
retábulo, pertencem a excepcional escultura<br />
representando S. Bartolomeu e um outro<br />
Apóstolo – talvez S. Pedro – a que se po<strong>de</strong><br />
associar uma outra representando um<br />
Profeta ou um Rei Mago. A primeira citada<br />
documenta, no seu rigor plástico, na pose<br />
«serpentinata» e na ousada anatomia<br />
<strong>de</strong> «esfolado», a plena assimilação<br />
do Renascimento pelas oficinas <strong>de</strong><br />
Coimbra, resultante da activida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
escultores franceses na cida<strong>de</strong>,<br />
nomeadamente Nicolau Chanterene,<br />
<strong>de</strong> 1518 a 1528.<br />
Um segundo conjunto é formado<br />
pelas representações <strong>de</strong> três dos quatro<br />
Evangelistas. Ainda que as alegadas<br />
proveniências <strong>de</strong>stas peças não sejam<br />
coinci<strong>de</strong>ntes, as suas características<br />
materiais e iconográficas parecem indicar<br />
que pertenceram ao mesmo conjunto, <strong>de</strong><br />
que falta um quarto evangelista, S. Lucas,<br />
que faria par com o S. Marcos, constituindo<br />
o S. Mateus e o S. João o outro par,<br />
<strong>de</strong>finindo possivelmente registos<br />
sobrepostos <strong>de</strong> um portal ou <strong>de</strong> um<br />
retábulo. Em especial o S. João Evangelista<br />
reflecte, na caracterização individualizada<br />
e expressiva do rosto, a disseminação<br />
do gosto renascentista pelas oficinas<br />
<strong>de</strong> Coimbra que resultou da permanência<br />
nessa cida<strong>de</strong> do já citado escultor francês<br />
Nicolau Chanterene, <strong>de</strong> 1518 a 1528.<br />
O terceiro conjunto, que se apresenta<br />
pela primeira vez, é constituído por duas<br />
estátuas sem cabeça que, ao contrário<br />
das restantes mencionadas, não são<br />
<strong>de</strong> vulto perfeito mas sim meias figuras,<br />
o que indicia a sua integração em nichos<br />
<strong>de</strong> um portal ou arco triunfal ou em nichos<br />
secundários <strong>de</strong> um retábulo. O <strong>de</strong>sgaste<br />
patente numa <strong>de</strong>las dá a enten<strong>de</strong>r que<br />
talvez estivesse exposta aos elementos.<br />
Numa <strong>de</strong>las é discernível uma filactera,<br />
atributo habitual <strong>de</strong> profetas ou sibilas.<br />
Na outra parece divisar-se um animal<br />
aos pés da figura, o que apontaria para<br />
um dos quatro evangelistas.<br />
Finalmente, apresentam-se duas imagens<br />
quinhentistas já antes mostradas em<br />
Antevisões anteriores, uma Mater Dolorosa<br />
<strong>de</strong> um Calvário, conhecida popularmente<br />
por Nossa Senhora dos Remédios, e uma<br />
Santa que i<strong>de</strong>ntificamos como Santa<br />
Catarina, próxima da maneira da oficina<br />
coimbrã <strong>de</strong> João <strong>de</strong> Ruão.<br />
Fernando António Baptista Pereira<br />
Bibliografia<br />
AA. VV.<br />
Catálogos das Exposições <strong>de</strong> Antevisão do<br />
MIAA, Abrantes, CMA, 2009, 2010 e 2011.<br />
PEREIRA, José Fernan<strong>de</strong>s Pereira (coord.)<br />
Dicionário <strong>de</strong> Escultura Portuguesa, Lisboa,<br />
Caminho, 2005, (artigos sobre escultores da<br />
Ida<strong>de</strong> Média e do Renascimento assinados<br />
por FABP).<br />
BAPTISTA PEREIRA, Fernando António<br />
«O gosto artístico dos Almeidas» in Actas do<br />
Colóquio comemorativo dos 500 Anos do Estado<br />
Português da Índia, Abrantes, CMA, 2009.<br />
100<br />
Inv. CMA003<br />
Santa Mártir<br />
Coimbra, Portugal, século XV<br />
Pedra <strong>de</strong> Ançã<br />
altura (80 cm)<br />
comprimento (29 cm)<br />
largura (21 cm)<br />
Saint Martyr<br />
Coimbra, Portugal, 15th century<br />
Limestone<br />
height (80 cm)<br />
length (29 cm)<br />
width (21 cm)<br />
101 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
Inv. CMA004<br />
S. Brás<br />
Coimbra, Portugal, século XV<br />
Pedra <strong>de</strong> Ançã<br />
altura (68 cm), comprimento (24 cm),<br />
largura (18 cm)<br />
Saint Blaise<br />
Coimbra, Portugal, 15th century<br />
Limestone<br />
height (68 cm), length (24 cm),<br />
width (18 cm)<br />
Inv. CMA024<br />
Santa Catarina<br />
Coimbra, 1.ª meta<strong>de</strong> do século XVI<br />
Pedra <strong>de</strong> ançã<br />
altura (98 cm), comprimento (30 cm),<br />
largura (38 cm)<br />
Saint Catherine<br />
Coimbra, 1st half of the 16th century<br />
Limestone<br />
height (98 cm), length (30 cm),<br />
width (38 cm)<br />
102<br />
103 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CMA021<br />
Nossa Senhora do Leite<br />
Coimbra, Portugal, século XV<br />
Pedra <strong>de</strong> Ançã<br />
altura (102 cm), comprimento (35 cm),<br />
largura (40 cm)<br />
Lady and Child<br />
Coimbra, Portugal, 15th century<br />
Limestone<br />
height (102 cm), length (35 cm),<br />
width (40 cm)
Inv. CMA022<br />
S. Bartolomeu<br />
Coimbra, Portugal,<br />
1.ª meta<strong>de</strong> do século XVI<br />
Pedra <strong>de</strong> Ançã<br />
altura (76 cm), comprimento (13 cm),<br />
largura (20 cm)<br />
Saint Bartholomew<br />
Coimbra, Portugal,<br />
1st half of the 16th century<br />
Limestone<br />
height (76 cm), length (13 cm),<br />
width (20 cm)<br />
104<br />
Inv. CMA020<br />
São Mateus Evangelista<br />
Coimbra, 1.ª meta<strong>de</strong> do século XVI<br />
Pedra <strong>de</strong> ançã<br />
altura (115 cm), comprimento (31 cm),<br />
largura (18 cm)<br />
Saint Matthew Evangelist<br />
Coimbra, 1st half of the 16th century<br />
Limestone<br />
height (115 cm), length (31 cm),<br />
width (18 cm)<br />
105 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CMA028<br />
São João Evangelista<br />
Coimbra, 1.ª meta<strong>de</strong> do século XVI<br />
Pedra <strong>de</strong> ançã<br />
altura (114 cm), comprimento (35 cm),<br />
largura (22 cm)<br />
Saint John Evangelist<br />
Coimbra, 1st half of the 16th century<br />
Limestone<br />
height (114 cm), length (35 cm),<br />
width (22 cm)
Inv. CMA123<br />
Profeta (?)<br />
Portugal, 1.ª meta<strong>de</strong> do século XVI<br />
Pedra <strong>de</strong> ançã<br />
altura (71 cm), comprimento (29 cm),<br />
largura (17 cm)<br />
Prophet (?)<br />
Portugal, 1st half of the 16th century<br />
Limestone<br />
height (71 cm), length (29 cm),<br />
width (17 cm)<br />
106<br />
107 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CMA124<br />
S. Mateus Evangelista(?)<br />
Portugal, 1.ª meta<strong>de</strong> do século XVI<br />
Pedra <strong>de</strong> ançã<br />
altura (63 cm), comprimento (18 cm),<br />
largura (17 cm)<br />
Saint Matthew Evangelist (?)<br />
Portugal, 1st half of the 16th century<br />
Limestone<br />
height (63 cm), length (18 cm),<br />
width (17 cm)
fragmentos<br />
<strong>de</strong> um retábulo pétreo<br />
do renascimento<br />
Em meados do século xx, aquando da<br />
regularização do adro da igreja <strong>de</strong> S. João,<br />
em Abrantes, foram i<strong>de</strong>ntificados cerca<br />
<strong>de</strong> 20 fragmentos <strong>de</strong> pedra calcária, com<br />
<strong>de</strong>coração quinhentista. Esses fragmentos<br />
foram recolhidos nessa altura por Diogo<br />
Oleiro e levados para o Museu Lopo<br />
<strong>de</strong> Almeida. Apresenta-se nesta exposição<br />
a maior p<strong>arte</strong> <strong>de</strong>sses fragmentos.<br />
A <strong>de</strong>coração <strong>de</strong>stes fragmentos é bastante<br />
variada. Dois <strong>de</strong>les apresentam episódios<br />
narrativos. No mais interessante <strong>de</strong> todos<br />
vê-se uma cena da Via Sacra, com Cristo<br />
levando a cruz às costas e Santa Verónica<br />
beijando a túnica do Re<strong>de</strong>ntor e ostentando<br />
um pano com a Vera Efígie do Salvador.<br />
Na mesma cena, mas num segundo registo,<br />
um soldado parece agarrar outra figura<br />
(talvez Simão Cireneu). O outro fragmento<br />
<strong>de</strong> cena narrativa mostra Maria e João<br />
juntos, olhando para o alto, o que indicia<br />
estarem a presenciar a crucificação.<br />
Há mais fragmentos com restos <strong>de</strong> figuras<br />
<strong>de</strong> possíveis cenas narrativas mas <strong>de</strong><br />
momento impossíveis <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar.<br />
Alguns dos fragmentos apresentam<br />
conchas <strong>de</strong> coroamento <strong>de</strong> nichos<br />
ou <strong>de</strong> frontões, enquanto outros<br />
apresentam diversas figuras humanas<br />
<strong>de</strong> difícil i<strong>de</strong>ntificação mas que fazem<br />
p<strong>arte</strong> dos mo<strong>de</strong>los habituais <strong>de</strong> <strong>de</strong>coração<br />
renascentista. De <strong>de</strong>stacar, ainda, nesse<br />
âmbito, um fragmento com um centauro,<br />
outro com um templete e ainda um outro<br />
com quatro cascos <strong>de</strong> um animal que seria<br />
um cavalo, mula ou burro.<br />
Não se conhece a origem dos fragmentos<br />
expostos, mas é bastante provável que<br />
pertençam a um retábulo que se encontrava<br />
no interior da igreja <strong>de</strong> S. João. De acordo<br />
com o Dicionário Geográfico do Padre Luís<br />
Cardoso, escrito em meados do século<br />
xviii, havia no interior da igreja <strong>de</strong> S. João,<br />
do lado do Evangelho, uma capela <strong>de</strong>dicada<br />
ao Santíssimo Sacramento, encontrando-se<br />
aí um retábulo <strong>de</strong> pedra (cujo para<strong>de</strong>iro era<br />
<strong>de</strong>sconhecido até à recolha dos fragmentos<br />
em meados do século xx) representando os<br />
Passos da Paixão <strong>de</strong> Cristo. Ora, pelo<br />
menos dois dos fragmentos <strong>de</strong> pedra<br />
parecem correspon<strong>de</strong>r a essa <strong>de</strong>scrição,<br />
pelo que se po<strong>de</strong> aceitar que vários <strong>de</strong>stes<br />
fragmentos pertenceram a esse retábulo,<br />
o qual foi removido da igreja talvez por<br />
se encontrar danificado, sendo então os<br />
mesmos enterrados no adro do templo.<br />
Tão pouco se conhece o autor do retábulo<br />
a que terão pertencido estes fragmentos,<br />
mas as suas características estilísticas<br />
sugerem a Escola <strong>de</strong> Coimbra e os meados<br />
ou segunda meta<strong>de</strong> do século xvi.<br />
A investigação em curso vai procurar<br />
esclarecer a estrutura narrativa e<br />
compositiva do retábulo, bem como a sua<br />
mais correcta datação e atribuição, tendo<br />
em conta a presença em Abrantes e no<br />
Sardoal <strong>de</strong> importantes escultores que<br />
estavam ocupados nas obras do Convento<br />
<strong>de</strong> Cristo, em Tomar, em meados<br />
<strong>de</strong> quinhentos.<br />
Gustavo Portocarrero<br />
Fernando António Baptista Pereira<br />
Fragmentos do retábulo<br />
da capela do Santíssimo<br />
Sacramento da igreja<br />
<strong>de</strong> S. João <strong>de</strong> Abrantes<br />
Coimbra, Portugal, século XVI<br />
Pedra <strong>de</strong> Ançã<br />
Fragments of retable<br />
of the church of S. João<br />
of Abrantes<br />
Coimbra, Portugal, 16th century<br />
Limestone<br />
Inv. CMA016a<br />
altura (79,5 cm), comprimento (63 cm),<br />
largura (30,5 cm)<br />
height (79,5 cm), length (63 cm),<br />
width (30,5 cm)<br />
Inv. CMA016b<br />
altura (67 cm), comprimento (47 cm),<br />
largura (32 cm)<br />
height (67 cm), length (47 cm),<br />
width (32 cm)<br />
Inv. CMA016c<br />
altura (69 cm), comprimento (46 cm),<br />
largura (22 cm)<br />
height (69 cm), length (46 cm),<br />
width (22 cm)<br />
Inv. CMA016d<br />
altura (53 cm), comprimento (43 cm),<br />
largura (16 cm)<br />
height (53 cm), length (43 cm),<br />
width (16 cm)<br />
Inv. CMA016e<br />
altura (47 cm), comprimento (45 cm),<br />
largura (35 cm)<br />
height (47 cm), length (45 cm),<br />
width (35 cm)<br />
Inv. CMA016f<br />
altura (66 cm), comprimento (56 cm),<br />
largura (20 cm)<br />
height (66 cm), length (56 cm),<br />
width (20 cm)<br />
Inv. CMA016g<br />
altura (85 cm), comprimento (34 cm),<br />
largura (36 cm)<br />
height (85 cm), length (34 cm),<br />
width (36 cm)<br />
Inv. CMA016h<br />
altura (54 cm), comprimento (44 cm),<br />
largura (23 cm)<br />
height (54 cm), length (44 cm),<br />
width (23 cm)<br />
Inv. CMA016i<br />
altura (34 cm), comprimento (85 cm),<br />
largura (35 cm)<br />
height (34 cm), length (85 cm),<br />
width (35 cm)<br />
Inv. CMA016j<br />
altura (39 cm), comprimento (55 cm),<br />
largura (30 cm)<br />
height (39 cm), length (55 cm),<br />
width (30 cm)<br />
Inv. CMA016l<br />
altura (41 cm), comprimento (57 cm),<br />
largura (35 cm)<br />
height (41 cm), length (57 cm),<br />
width (35 cm)<br />
Inv. CMA016q Inv. CMA016a<br />
108<br />
Inv. CMA016m<br />
altura (45 cm), comprimento (37 cm),<br />
largura (17 cm)<br />
height (45 cm), length (37 cm),<br />
width (17 cm)<br />
Inv. CMA016o<br />
altura (51 cm), comprimento (88 cm),<br />
largura (20 cm)<br />
height (51 cm), length (88 cm),<br />
width (20 cm)<br />
Inv. CMA016p<br />
altura (36 cm), comprimento (28 cm),<br />
largura (15 cm)<br />
height (36 cm), length (28 cm),<br />
width (15 cm)<br />
Inv. CMA016q<br />
altura (62 cm), comprimento (28 cm),<br />
largura (21 cm)<br />
height (62 cm), length (28 cm),<br />
width (11 cm)<br />
109 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Inv. CMA016r<br />
altura (40 cm), comprimento (32 cm),<br />
largura (22 cm)<br />
height (40 cm), length (32 cm),<br />
width (22 cm)<br />
Inv. CMA016s<br />
Dimensões: altura (24 cm), comprimento<br />
(24 cm), largura (12 cm)<br />
height (24 cm), length (24 cm),<br />
width (12 cm)
Inv. CMA016b Inv. CMA016c<br />
Inv. CMA016d Inv. CMA016e<br />
Inv. CMA016l Inv. CMA016m Inv. CMA016p Inv. CMA016o<br />
Inv. CMA016r Inv. CMA016s<br />
110<br />
Inv. CMA016f Inv. CMA016g<br />
Inv. CMA016h Inv. CMA016i Inv. CMA016j<br />
111 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
um relógio <strong>de</strong> sol<br />
<strong>de</strong> ch<strong>arte</strong>rs <strong>de</strong> almeida<br />
na capela-mor da igreja<br />
<strong>de</strong> santa maria do castelo<br />
Na exposição <strong>de</strong> Antevisão III, em que<br />
o fio condutor era o bronze como material<br />
inspirador da realização artística em<br />
diversos tempos e lugares, escolhemos três<br />
peças da primeira fase da obra <strong>de</strong> João<br />
Ch<strong>arte</strong>rs <strong>de</strong> Almeida, a que se<br />
convencionou chamar «dos bronzes»,<br />
em virtu<strong>de</strong> da predominância <strong>de</strong>ssa matéria<br />
como material <strong>de</strong>finitivo. Desta feita,<br />
perante a escolha da pedra como<br />
<strong>de</strong>nominador comum para os vários<br />
sectores da exposição da IV Antevisão, o<br />
próprio escultor sugeriu um Relógio <strong>de</strong> Sol,<br />
que <strong>de</strong>cidimos colocar no centro<br />
da capela-mor da igreja <strong>de</strong> Santa Maria<br />
do Castelo, num diálogo profícuo com<br />
os dois magníficos túmulos góticos dos<br />
Almeidas, longínquos antepassados<br />
do artista.<br />
Enquanto na fase «dos bronzes» (anos<br />
sessenta e setenta) o escultor estava<br />
interessado na flui<strong>de</strong>z das formas e dos<br />
contornos, a que não era estranho um certo<br />
organicismo prevalecente durante a sua<br />
formação, procurando uma certa<br />
dissolução do motivo mediante uma muito<br />
própria vibratilida<strong>de</strong> das superfícies aliada<br />
a uma acentuada <strong>de</strong>formação/re<strong>de</strong>finição<br />
figurativas que se não esgotavam num<br />
formalismo esteticista ou numa mera<br />
projecção gestual, antes traduziam<br />
uma vasta gama <strong>de</strong> temas e problemas.<br />
A partir dos anos oitenta, a obra <strong>de</strong><br />
Ch<strong>arte</strong>rs inflectiria noutras direcções,<br />
passando a preocupar-se mais<br />
<strong>de</strong>cisivamente com o volume e a utilizar<br />
novos materiais, como o ferro, o aço,<br />
a pedra e o betão, e re<strong>de</strong>finindo-se num<br />
quadro <strong>de</strong> abstracção geométrica e<br />
<strong>de</strong>puração formal <strong>de</strong> carácter conceptual<br />
e minimal.<br />
Um traço comum a todas as novas<br />
direcções que empreen<strong>de</strong>u, quer na<br />
escultura intimista, quer na <strong>arte</strong> para<br />
o espaço público, foi a absoluta assunção<br />
da geometria como matriz invariante<br />
no domínio do Tempo, essa mutabilida<strong>de</strong><br />
também absoluta. Assim surgiram<br />
os Relógios <strong>de</strong> Sol, na segunda meta<strong>de</strong><br />
dos anos 80, e, logo <strong>de</strong>pois, no início<br />
dos anos 90, os Diedros em Movimento,<br />
ambos <strong>de</strong> disciplina geométrica rigorosa,<br />
num esforço minimal <strong>de</strong> domínio do<br />
material, seja o mármore ou o metal,<br />
polido ou pintado, numa verda<strong>de</strong>ira<br />
cintilação da forma que transcen<strong>de</strong><br />
a matéria. Os Relógios <strong>de</strong> Sol, como<br />
o que se apresenta no centro da capela-mor,<br />
anunciavam, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, nos seus <strong>de</strong>licados<br />
chanfros e na sua verticalida<strong>de</strong>, não apenas<br />
uma relação muito especial com o Astro<br />
Rei, assinalando, em sombras projectadas<br />
no solo, o seu curso, como se fossem raios<br />
<strong>de</strong> sol petrificados, como queriam os<br />
Antigos Egípcios que fossem os seus<br />
obeliscos, mas toda uma nova dimensão,<br />
espacial e territorial, que a escultura <strong>de</strong><br />
Ch<strong>arte</strong>rs <strong>de</strong> Almeida iria prosseguir<br />
até aos nossos dias, reinventando,<br />
na nossa imaginação, o espírito dos lugares.<br />
Assim o faz o Relógio <strong>de</strong> Sol agora<br />
colocado no centro do espaço sacro<br />
e funerário da capela-mor da igreja<br />
<strong>de</strong> Santa Maria do Castelo, reequacionando<br />
as variáveis verticalida<strong>de</strong>/horizontalida<strong>de</strong>,<br />
matéria e forma, tempo e eternida<strong>de</strong>.<br />
Fernando António Baptista Pereira<br />
112<br />
113 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>
pedras, rochas<br />
e barreiras na pintura<br />
<strong>de</strong> maria lucília moita<br />
Como já foi afirmado em todos os<br />
Catálogos anteriores, no futuro MIAA,<br />
incluindo logo na primeira fase, que<br />
correspon<strong>de</strong> à recuperação e musealização<br />
do Convento <strong>de</strong> S. Domingos, a secção<br />
<strong>de</strong> Arte Contemporânea contemplará,<br />
principalmente, duas galerias <strong>de</strong>dicadas<br />
às colecções legadas ao Município <strong>de</strong><br />
Abrantes pelo Escultor Ch<strong>arte</strong>rs <strong>de</strong><br />
Almeida e pela Pintora Maria Lucília Moita.<br />
Na exposição Antevisão 1, apresentou-se,<br />
no coro-alto da igreja <strong>de</strong> Nossa Senhora<br />
do Castelo, uma curta selecção <strong>de</strong> obras<br />
dos dois artistas. Na mesma ocasião,<br />
foi inaugurada a impressionante Cida<strong>de</strong><br />
Imaginária Mar <strong>de</strong> Abrantes concebida<br />
por Ch<strong>arte</strong>s <strong>de</strong> Almeida na beira-Tejo,<br />
que, a partir <strong>de</strong> então, marcou a silhueta<br />
da cida<strong>de</strong> vista do rio.<br />
Na Antevisão 2, e no mesmo local<br />
da igreja do Castelo, privilegiou-se<br />
a pintura mais recente <strong>de</strong> Maria Lucília<br />
Moita, já realizada no século XXI<br />
e então ainda inédita, relacionando-a<br />
com segmentos do seu percurso anterior,<br />
sobretudo com a fase mais abstracta,<br />
dita «orgânica», dos anos setenta.<br />
Na Antevisão 3, escolhemos, para<br />
o mesmo local, outras importantes fases<br />
da obra <strong>de</strong> Maria Lucília Moita,<br />
a da chamada «reacção» à formação<br />
naturalista inicial da autora, <strong>de</strong> acentuada<br />
geometrização, e as imediatamente<br />
seguintes, em que a sua pintura enveredou<br />
pela experimentação e ten<strong>de</strong>u para um<br />
certo grau <strong>de</strong> abstracção, períodos que<br />
se documentavam através da paisagem<br />
e, sobretudo, do retrato que, a seu modo,<br />
respondiam aos fios condutores temáticos<br />
centrados na representação da figura<br />
humana e da Natureza que essa exposição<br />
valorizava.<br />
Nesta Antevisão 4, a primeira que<br />
se realiza após o falecimento da artista<br />
há poucos meses e que já não pô<strong>de</strong> contar<br />
com o seu sempre tão útil conselho,<br />
e novamente no Coro-Alto da igreja,<br />
<strong>de</strong>cidimos, <strong>de</strong> acordo com o fio condutor<br />
escolhido para a mostra, a pedra, privilegiar<br />
uma temática transversal a toda a obra<br />
<strong>de</strong> Maria Lucília Moita, a da representação<br />
ou evocação <strong>de</strong> pedras, rochas e barreiras,<br />
o que nos permite revisitar quase todo<br />
o seu percurso artístico.<br />
Ao longo da sua formação, realizada<br />
durante os já longínquos anos quarenta<br />
do século XX, Maria Lucília Moita<br />
absorveu as referências naturalistas que<br />
impunham um certo primado da visão<br />
exterior. Todavia, logo nas pinturas que<br />
apresentou nas suas primeiras exposições,<br />
a emergência <strong>de</strong> uma visão interiorizada<br />
do mundo visível dava os primeiros passos,<br />
pautando-se por uma busca da síntese<br />
espacial que se resolvia em gran<strong>de</strong>s planos<br />
<strong>de</strong> cor-luz. Contudo, tais realizações não<br />
satisfizeram a jovem artista e, vivendo num<br />
século <strong>de</strong> incessante experimentação<br />
<strong>de</strong> processualida<strong>de</strong>s, sentiu a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> percorrer novos caminhos, que, por<br />
vezes, passaram pelo abandono temporário<br />
da pintura, em favor da poesia.<br />
A reacção à herança naturalista da sua<br />
formação culminou na exposição realizada,<br />
em 1960, na Galeria do Diário <strong>de</strong> Notícias,<br />
em Lisboa. Nela apresentou uma série<br />
<strong>de</strong> óleos marcados por uma acentuada<br />
geometrização da forma (que <strong>de</strong>finiu<br />
como uma «procura <strong>de</strong> estrutura,<br />
<strong>de</strong> síntese») reforçada por pinceladas<br />
incisivas dadas paralelamente e por opções<br />
cromáticas <strong>de</strong> tons puros e mais lisos,<br />
como nas Rochas <strong>de</strong> São Martinho<br />
do Porto, <strong>de</strong> 1959, com que se inicia<br />
o percurso, que mostra bem os caminhos<br />
<strong>de</strong> renovação que Maria Lucília tentava<br />
percorrer.<br />
114<br />
Contudo, ninguém pareceu enten<strong>de</strong>r<br />
essa busca <strong>de</strong> uma via própria, pelo que a<br />
artista acabou por achar que entrara numa<br />
«fase <strong>de</strong> dureza» em que não se reconhecia.<br />
A segunda fase experimentalista que<br />
se seguiu, no imediato regresso à pintura,<br />
a partir <strong>de</strong> 1962, conduziu a pintora<br />
à exploração do quadro como superfície,<br />
no trabalho sobre as texturas, exaltando<br />
o matérico da própria execução pictural.<br />
Nesta época, encontramos Maria Lucília<br />
interessada em temáticas paisagísticas mas<br />
observadas <strong>de</strong> muito perto, procurando<br />
capturar nas diferentes texturas <strong>de</strong> pedras,<br />
rochas e barreiras a linguagem própria<br />
<strong>de</strong> uma pintura executada à espátula<br />
e com o pincel duro que procura alcançar<br />
a dimensão <strong>de</strong> uma visão cada vez mais<br />
interiorizada e i<strong>de</strong>ntificada com a «escrita»<br />
do fazer pictórico(na expressão da própria<br />
pintora, «como que escrevendo»...).<br />
São exemplo <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>manda as<br />
composições Pedra Castanha, Pedras<br />
da Serra da Estrela e Intimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pedra,<br />
todos <strong>de</strong> 1969, e Pedra e água e Brancos<br />
<strong>de</strong> Marvão no Inverno, <strong>de</strong> 1970.<br />
O <strong>de</strong>finitivo abandono da espátula<br />
e o regresso ao pincel haviam operado<br />
um efeito <strong>de</strong> síntese entre a experiência<br />
<strong>de</strong> geometrização da fase <strong>de</strong> revolta contra<br />
a pintura «aprendida» e a exploração<br />
matérica da escrita pictural que acabava<br />
<strong>de</strong> conquistar: em vários quadros<br />
dos inícios da década <strong>de</strong> setenta surgira<br />
uma pintura vigorosa <strong>de</strong> pinceladas largas,<br />
verticais ou horizontais, que prolongava<br />
e aprofundava uma visão cada vez mais<br />
analítica e quase microscópica da paisagem<br />
que vinha <strong>de</strong> trás e que antece<strong>de</strong>u a fase<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sintegração figural que emergiria<br />
a partir <strong>de</strong> 1974 e representou o momento<br />
<strong>de</strong> maior aproximação à abstracção<br />
no itinerário da pintora.<br />
Se em Casas espectrais, <strong>de</strong> 1972, cujo título<br />
tem origem no verso <strong>de</strong> uma poesia<br />
publicada no ano anterior («casas espectrais<br />
em cal / <strong>de</strong>sapossada / tempos temporais»), a<br />
referência é, ainda, perceptível, embora em<br />
acentuada diluição, nas composições Sem<br />
Título <strong>de</strong> 1973 e 1979 que se apresentam o<br />
caminho da abstracção parece instalar-se.<br />
115 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
No termo <strong>de</strong> uma lenta reaprendizagem<br />
dos valores expressivos da própria matéria<br />
pictural, que se verificara nos inícios da<br />
década <strong>de</strong> setenta, a experiência <strong>de</strong> regresso<br />
ao pincel fê-la <strong>de</strong>sembocar, como acabamos<br />
<strong>de</strong> ver, num tratamento cada vez mais<br />
abstractizante da forma pictural.<br />
Em sucessivas composições que se<br />
esten<strong>de</strong>ram por vários anos e <strong>de</strong>finem uma<br />
abordagem que o saudoso Lima <strong>de</strong> Freitas<br />
viria a baptizar <strong>de</strong> «orgânica», <strong>de</strong>vido<br />
às sugestões <strong>de</strong> «órgãos» e <strong>de</strong> «tecidos<br />
celulares» que se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>m dos motivos,<br />
resultantes, na realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma visão cada<br />
vez mais próxima, <strong>de</strong> tipo microscópico,<br />
do próprio real, que, assim, se<br />
«<strong>de</strong>smaterializa», a pintora explora<br />
o “vazio” aparente da tela enquanto espaço<br />
<strong>de</strong> “achamento” da própria forma, que se<br />
torna assim fragmentária, imprecisa,<br />
fugidia, porque viva e quase incapturável<br />
pela cristalização do gesto pictórico,<br />
<strong>de</strong>s-figurando ou mesmo preten<strong>de</strong>ndo<br />
abolir a própria referência.<br />
Contudo, quer nesses anos, quer mesmo<br />
posteriormente, nunca Maria Lucília Moita<br />
seria consi<strong>de</strong>rada ou se consi<strong>de</strong>raria a si<br />
própria uma pintora verda<strong>de</strong>ira ou<br />
exclusivamente abstracta, tendo, por sinal,<br />
participado tanto na exposição Abstracção<br />
Hoje como na que se intitulou Figuração<br />
Hoje, ambas organizadas na Socieda<strong>de</strong><br />
Nacional <strong>de</strong> Belas Artes, a primeira em 1975<br />
e a segunda uns meses antes, em finais <strong>de</strong> 74.<br />
Por outro lado, em diversos textos poéticos<br />
que escrevera e reunira, em 1971, na<br />
colectânea Apertado mundo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro,<br />
essa <strong>de</strong>smaterialização da referência ou<br />
a própria fragmentação do gesto, fazendo<br />
emergir o suporte, fora já anunciada,<br />
encontrando o seu equivalente ao nível<br />
da poesia numa certa <strong>de</strong>sintegração<br />
da frase pela exploração expressiva<br />
do símbolo mínimo que é cada<br />
palavra-conceito, o que levou certos<br />
críticos a falarem numa aproximação (que<br />
não era senão intuitiva) ao «concretismo»<br />
minimalista e conceptual que impregnava<br />
a melhor poesia portuguesa <strong>de</strong> então.
Ao fim <strong>de</strong> poucos anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>riva<br />
abstractizante e tendo sentido uma certa<br />
saturação, Maria Lucília Moita, sempre<br />
insatisfeita com o adquirido, reencontrou,<br />
no início da década <strong>de</strong> oitenta, a sua<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> a dois níveis, na estabilização da<br />
sua própria «escrita pictural», <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> sucessivas experimentações, voltando<br />
a ocupar todo o espaço plástico do suporte,<br />
e no «regresso» aos seus «temas» <strong>de</strong><br />
sempre, em perfeita sintonia com o intenso<br />
lirismo que a Natureza sempre <strong>de</strong>spertou<br />
na sua apurada sensibilida<strong>de</strong>. Com efeito,<br />
ao sair do momento abstracto «orgânico»,<br />
Maria Lucília regressou a um novo tipo <strong>de</strong><br />
paisagismo, cada vez mais interior, apenas<br />
tornado possível por essa incontornável<br />
experiência <strong>de</strong> ascese formal que <strong>de</strong>finira<br />
o seu percurso imediatamente anterior.<br />
Noutro lugar <strong>de</strong>monstrámos que a pintura<br />
«<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro» que Maria Lucília Moita<br />
sempre realizou mas principalmente<br />
aquela que nos últimos vinte e poucos anos<br />
apresentou respon<strong>de</strong>, <strong>de</strong> um modo faseado<br />
e na típica inquietu<strong>de</strong> do seu modo<br />
<strong>de</strong> «estar no mundo», a esse grandioso<br />
<strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato comum ao Oriente<br />
e ao Oci<strong>de</strong>nte: pintar a inesgotável riqueza<br />
da paisagem interior.<br />
A reinvenção da paisagem na última<br />
fase da obra <strong>de</strong> Maria Lucília Moita está,<br />
finalmente, representada pelas obras<br />
Barreiras do Covão <strong>de</strong> Feto, <strong>de</strong> 1984,<br />
Da minha serra, <strong>de</strong> 1986, Das Carreiras,<br />
<strong>de</strong> 1989 e por Margens do Tejo, <strong>de</strong> 1995.<br />
Em todos eles, Maria Lucília Moita<br />
coloca-nos perante uma paisagem interior<br />
que é feita da sua comunhão multifacetada<br />
com o Mundo, um mundo que a pintora<br />
insistia em querer ver e ler como um<br />
poema.<br />
Fernando António Baptista Pereira<br />
Pedras <strong>de</strong> S. Martinho do Porto<br />
1959<br />
45x58<br />
Pedra Castanha<br />
1969<br />
40x48<br />
116<br />
117 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Intimida<strong>de</strong> da Pedra<br />
1969<br />
40x48<br />
[em baixo]<br />
Pedras e água<br />
1970<br />
60x46
(Brancos <strong>de</strong>)<br />
Marvão no Inverno<br />
1970<br />
60x46<br />
s/ título<br />
1979<br />
62x45<br />
Casas espectrais<br />
1972<br />
76x64<br />
s/ título<br />
1973<br />
45x33<br />
Barreira da minha serra<br />
1986<br />
60x46<br />
Barreiras do Covão do Feto<br />
1981<br />
61x46<br />
118<br />
Margens do Tejo<br />
(Abrantes)<br />
1995<br />
73x54<br />
119 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
Das Carreiras<br />
1987<br />
37x45
120<br />
121 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong>