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Guardados da Memória - Machado de Assis

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Dom JoãoVI<br />

no Brasil<br />

<strong>Guar<strong>da</strong>dos</strong> <strong>da</strong> <strong>Memória</strong><br />

Oliveira Lima<br />

Ao fazer-se pública em Lisboa a parti<strong>da</strong> iminente <strong>da</strong> Família<br />

Real para o Brasil, foram gran<strong>de</strong>s a ânsia e a confusão, conforme<br />

relata o oficial <strong>da</strong> marinha britânica O’Neill, testemunha ocular<br />

posto que não inteiramente digna <strong>de</strong> fé <strong>de</strong>sse acontecimento memorável.<br />

Não faltariam <strong>de</strong>certo cenas dilacerantes. Muita gente quis<br />

embarcar a força, falando O’Neill na sua imaginosa narração em senhoras<br />

<strong>de</strong> distinção que se afogaram ao entrarem pela água a<strong>de</strong>ntro<br />

para alcançarem botes que as transportassem para bordo dos navios<br />

<strong>de</strong> guerra, on<strong>de</strong> não havia aliás mais lugar para os fugitivos, O que<br />

<strong>de</strong>ve ser ver<strong>da</strong><strong>de</strong> é que muita gente, não tendo tido o mesmo ensejo<br />

que a Família Real <strong>de</strong> preparar-se para a longínqua viagem, partia<br />

com a roupa do corpo, e que os navios estavam tão abarrotados que<br />

dos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes dos fi<strong>da</strong>lgos <strong>da</strong> comitiva, o maior número não encontrava<br />

sequer on<strong>de</strong> dormir. Teria o dispersar sido tal que se conta<br />

que o príncipe regente, ao chegar ao cais com o infante espanhol e<br />

um criado, num carro fechado e sem libré <strong>da</strong> corte, como lhe fora<br />

319<br />

Acadêmico<br />

fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong><br />

Ca<strong>de</strong>ira 39<br />

<strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia<br />

Brasileira <strong>de</strong><br />

Letras. Autor<br />

do clássico<br />

D. João VI<br />

no Brasil.


Oliveira Lima<br />

aconselhado para evitar as <strong>de</strong>monstrações do sentimento popular avesso à retira<strong>da</strong>,<br />

não encontrou para o receber personagem algum e, a fim <strong>de</strong> não patinhar<br />

na lama, teve que atravessar o charco sobre pranchas mal postas, sustentado<br />

por dois cabos <strong>de</strong> polícia.<br />

Estes pormenores do embarque <strong>de</strong> Dom João são <strong>da</strong>dos pela Duquesa <strong>de</strong><br />

Abrantes, cujo <strong>de</strong>poimento não é contudo completamente merecedor <strong>de</strong> crédito,<br />

e contrastam com a versão <strong>de</strong> uma gravura inglesa coeva, a qual reveste a<br />

parti<strong>da</strong> <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a soleni<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>stacando-se o coche do Paço entre magotes <strong>de</strong><br />

gente <strong>da</strong> corte e do povo que com respeito o circun<strong>da</strong>. Além <strong>da</strong> ma<strong>de</strong>ira e do<br />

cobre receberem sem protesto quaisquer burila<strong>da</strong>s, os ingleses eram interessados<br />

nesta variante porquanto o seu governo fôra no momento <strong>de</strong>cisivo o mais<br />

forte advogado <strong>da</strong> trasla<strong>da</strong>ção.<br />

Os cronistas portugueses guar<strong>da</strong>m sobre os transes <strong>da</strong> parti<strong>da</strong> <strong>da</strong> corte um<br />

silêncio curioso. Lamentam-na todos, censuram-na muitos, <strong>de</strong>sculpam-na alguns<br />

raros, mas calam no geral as peripécias que a acompanharam. Uma <strong>de</strong>scrição<br />

quase única feita pelo Viscon<strong>de</strong> do Rio Seco, particular do regente e a<br />

quem este incumbira especialmente dos aprestos <strong>da</strong> travessia, não <strong>de</strong>ixa entretanto<br />

dúvi<strong>da</strong>s sobre os genuínos sentimentos <strong>da</strong> população <strong>da</strong> capital e abonam<br />

a versão Abrantes em <strong>de</strong>trimento <strong>da</strong> versão inglesa:<br />

“O muito nobre e sempre leal povo <strong>de</strong> Lisboa, não podia familiarizar-se<br />

com a idéia <strong>da</strong> saí<strong>da</strong> d’El-Rei para os Domínios Ultramarinos... Vagando<br />

tumultuariamente pelas praças, e ruas, sem acreditar o mesmo, que via, <strong>de</strong>safogava<br />

em lágrimas, e imprecações a opressão dolorosa, que lhe abafava na<br />

arca do peito o coração inchado <strong>de</strong> suspirar: tudo para ele era horror; tudo<br />

mágoa; tudo sau<strong>da</strong><strong>de</strong>; e aquele nobre caráter <strong>de</strong> sofrimento, em que tanto<br />

tem realçado acima dos Outros povos, quase <strong>de</strong>generava em <strong>de</strong>sesperação!<br />

Era neste estado <strong>de</strong> frenesi popular, que ele [o Viscon<strong>de</strong> do Rio Seco] no seu regresso<br />

para o cais <strong>de</strong> Belém foi envolvido em uma nuvem <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros filhos,<br />

que <strong>de</strong>sacor<strong>da</strong><strong>da</strong>mente lhe pediam contas do seu chefe, do seu príncipe,<br />

do seu pai, como se ele fora o autor <strong>de</strong> um expediente, que tanto os fla-<br />

320


Dom JoãoVI no Brasil<br />

gelava! A na<strong>da</strong> se poupou para serenar a multidão; <strong>de</strong>sculpas oficiosas, protestações<br />

sinceras <strong>de</strong> que ele na<strong>da</strong> influíra para tais sucessos, preces, rogos,<br />

tudo era perdido para um povo, que no seu excesso <strong>de</strong> dor o caracterizava<br />

<strong>de</strong> instrumento do seu martírio, sem se abster <strong>de</strong> o sentenciar <strong>de</strong> traidor! Ele<br />

não foi para o seu quartel: levou-o a torrente; e no meio dos impropérios<br />

avistou a guar<strong>da</strong> que lhe fora <strong>de</strong>stina<strong>da</strong>; e reclamando a sua proteção tratou<br />

<strong>de</strong> serenar o povo, protestando-lhe que tanto era inocente do que lhe acumulavam<br />

que lhe assegurava <strong>de</strong> não embarcar visto acabar <strong>de</strong> ser nomeado<br />

quarteleiro <strong>de</strong> Junot...”<br />

A 27 <strong>de</strong> novembro anuira o príncipe regente às instâncias <strong>de</strong> Lord Strangford,<br />

o qual parece ter querido aproveitar-se <strong>da</strong>s angústias do momento –<br />

que ele porventura não antecipara tamanhas – para fazer, muito à inglesa e<br />

provavelmente por conta própria, o seu bocado <strong>de</strong> diplomacia assustadora.<br />

Aparentou, ao que consta, o enviado britânico só querer consentir na retira<strong>da</strong><br />

do príncipe regente se este prometesse abrir logo ao comércio os portos<br />

do Brasil, ce<strong>de</strong>r um à Inglaterra e estabelecer uma tarifa aduaneira insignificante<br />

para as mercadorias. Se o não conseguiu, foi em parte porque Antônio<br />

<strong>de</strong> Araújo se não <strong>de</strong>ixou intimi<strong>da</strong>r e reagiu contra a cila<strong>da</strong>, e em parte também<br />

porque se encontrava no porto <strong>de</strong> Lisboa numa esquadra russa coman<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

pelo Almirante Siniavin. Esta esquadra, não obstante a aliança existente<br />

entre os dois impérios, recusou to<strong>da</strong>via mais tar<strong>de</strong>, a acreditarmos nas queixas<br />

<strong>de</strong> Junot, fornecer-lhe auxílio para combater a insurreição portuguesa<br />

patrocina<strong>da</strong> pelos ingleses, sem no entanto conseguir escapar à captura pela<br />

esquadra inglesa quando o porto <strong>de</strong> Lisboa <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser pelo governo britânico<br />

consi<strong>de</strong>rado neutro.<br />

A 28 publicava o príncipe regente <strong>de</strong> bordo a sua <strong>de</strong>claração e a 29 singrava<br />

a esquadra para o Brasil, assistindo à parti<strong>da</strong>, refere o <strong>de</strong>spacho do Almirante<br />

Sir Sidney Smith, a força francesa que no mesmo dia ocupara a capital e se apinhava<br />

nos morros para contemplar, raivosa e impotente, a <strong>de</strong>saparição no horizonte<br />

<strong>da</strong> presa mais cobiça<strong>da</strong>.<br />

321


Oliveira Lima<br />

O’Neill insere na sua relação um inci<strong>de</strong>nte ao qual não teria por certo faltado<br />

vibração dramática, mas que, não se achando confirmado em história alguma<br />

ou por outro compilador <strong>de</strong> memórias <strong>da</strong> época, nem mesmo pela prolixa e<br />

bisbilhoteira duquesa <strong>de</strong> Abrantes, <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado fruto <strong>da</strong> sua fantasia<br />

céltica. Narra o irlandês que Junot, vindo as marchas força<strong>da</strong>s adiante do grosso<br />

<strong>da</strong>s suas tropas, chegara a Lisboa a tempo <strong>de</strong> obter do regente uma audiência que<br />

se teria realizado a bordo <strong>da</strong> nau Príncipe real, na manhã <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> novembro, com<br />

a assistência <strong>de</strong> D. Rodrigo <strong>de</strong> Souza Coutinho, a quem a aproximação política<br />

<strong>da</strong> Inglaterra ia restituir o valimento. À pergunta <strong>de</strong> Junot sobre as razões do<br />

embarque <strong>da</strong> corte e à sua estranheza <strong>da</strong> <strong>de</strong>sconfiança que semelhante ato <strong>de</strong>nunciava,<br />

Dom João haveria respondido que não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> nutrir <strong>de</strong>sconfianças<br />

<strong>de</strong> quem assim man<strong>da</strong>va invadir o seu país, e encarregado Junot <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>clarar ao imperador dos franceses que o regente <strong>de</strong> Portugal <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhava a<br />

aliança ambiciosa e a proteção traiçoeira <strong>da</strong>quele que não trepi<strong>da</strong>va em duramente<br />

qualificar <strong>de</strong> dishonourable man (a expressão fica em inglês porque corre<br />

exclusivamente por conta do Con<strong>de</strong> Thomas O’Neill).<br />

A esquadra britânica esperava fora <strong>da</strong> barra a fim <strong>de</strong> comboiar a esquadra<br />

nacional, e <strong>de</strong> muito lhe valeu no temporal que logo à saí<strong>da</strong> do porto momentaneamente<br />

a dispersou. Serenado o mar, os ingleses forneceram os navios portugueses<br />

do muito indispensável que ain<strong>da</strong> lhes faltava; executaram-se alguns<br />

reparos urgentes <strong>de</strong> avarias causa<strong>da</strong>s pela borrasca; <strong>de</strong>stacou-se para Inglaterra<br />

uma <strong>da</strong>s naus por incapaz, indo no seu lugar a Martim <strong>de</strong> Freitas e acompanhando<br />

aquela à chalupa Confiance, coman<strong>da</strong>nte Yeo, <strong>de</strong>spacha<strong>da</strong> pelo almirante<br />

para levar ao governo britânico as notícias <strong>da</strong> parti<strong>da</strong>.<br />

Lord Strangford acompanhou a frota anglo-lusa até o dia 5 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro,<br />

na altura entre Ma<strong>de</strong>ira e Açores, voltando então para a Inglaterra, don<strong>de</strong> pouco<br />

<strong>de</strong>pois embarcaria diretamente para o Rio <strong>de</strong> Janeiro. Também Sir Sidney<br />

Smith somente partiria mais tar<strong>de</strong>, a 13 <strong>de</strong> março no Foudroyant, seguido pelo<br />

Agamemnon, chegando ao Rio a 17 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1808.<br />

Apesar <strong>da</strong> assistência inglesa, as incomodi<strong>da</strong><strong>de</strong>s a bordo dos navios portugueses<br />

foram, como era natural, consi<strong>de</strong>ráveis, sobretudo para as senhoras. É<br />

322


Dom JoãoVI no Brasil<br />

suficiente referir que a bordo do Príncipe Real iam 1.600 pessoas no cálculo <strong>de</strong><br />

O’Neill. Descontando-se mesmo meta<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>-se imaginar a balbúrdia que<br />

reinaria na nau. Muita <strong>da</strong> gente dormia no tombadilho, o que em latitu<strong>de</strong>s tropicais<br />

não é um positivo <strong>de</strong>sconforto, mas o pior estava em que eram poucos<br />

os víveres. Relatando estes pormenores, o oficial britânico encarece repeti<strong>da</strong>mente<br />

a atitu<strong>de</strong> do príncipe regente que as informações ministra<strong>da</strong>s lhe pintaram<br />

muito <strong>de</strong>liberado, calmo e assente em tudo, como quem media perfeitamente o<br />

alcance do ato que estava praticando. Este ato com efeito não era apenas <strong>de</strong><br />

segurança pessoal: trazia importantíssimas conseqüências políticas.<br />

Para o Brasil o resultado <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> corte ia ser, em qualquer sentido,<br />

uma transformação. A política estrangeira <strong>de</strong> Portugal, que era essencialmente<br />

européia no caráter, tornar-se-ia <strong>de</strong> repente americana, aten<strong>de</strong>ndo ao equilíbrio<br />

político do Novo Mundo, visando ao engran<strong>de</strong>cimento territorial e valia<br />

moral <strong>da</strong> que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> ser colônia para assumir foros <strong>de</strong> nação<br />

soberana. E à nova nacionali<strong>da</strong><strong>de</strong> que assim se constituía, foi o ato do príncipe<br />

regente no extremo propício pois que lhe <strong>de</strong>u a ligação que faltava e com que<br />

só um forte po<strong>de</strong>r central e monárquico a po<strong>de</strong>ria dotar.<br />

Destarte o mostrou compreen<strong>de</strong>r perfeitamente, com o senso filosófico que<br />

distingue os historiadores alemães, o professor Han<strong>de</strong>lmann, na Universi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Kiel, ao pon<strong>de</strong>rar no seu excelente trabalho que até então representava o<br />

Brasil na<strong>da</strong> mais do que uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> geográfica forma<strong>da</strong> por províncias no<br />

fundo estranhas umas às outras; agora porém iam essas províncias fundir-se<br />

numa real uni<strong>da</strong><strong>de</strong> política, encontrando o seu centro natural na própria capital,<br />

o Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> passavam a residir o rei, a corte e o gabinete.<br />

Observam as memórias do Almirante Sir Sidney Smith que, para o governo<br />

francês, um motivo havia <strong>de</strong> fazê-lo estimar a trasla<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> família <strong>de</strong> Bragança<br />

e compensar, no seu conceito, o <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> vê-la escapar à sorte comum <strong>da</strong>s<br />

caducas casas reinantes: pelo menos se obstava com tal <strong>de</strong>liberação a que as<br />

colônias portuguesas caíssem nas mãos <strong>da</strong> Grã- Bretanha. O almirante éoprimeiro<br />

a reconhecer que essas colônias estariam <strong>de</strong> fato perdi<strong>da</strong>s para a metrópole<br />

se Dom João não emigrasse para o Brasil. Os ingleses ocupa-las-iam sob<br />

323


Oliveira Lima<br />

pretexto <strong>de</strong> as <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e, quando isto não acontecesse, a in<strong>de</strong>pendência <strong>da</strong><br />

América portuguesa se teria efetuado ao mesmo tempo e com muito menos resistência<br />

do que a <strong>da</strong> América espanhola. Retirar-se o príncipe regente para<br />

bordo <strong>da</strong> esquadra portuguesa ou britânica e <strong>da</strong>í contemplar o <strong>de</strong>senrolar dos<br />

acontecimentos, não resolvia absolutamente o problema que as circunstâncias<br />

<strong>da</strong> Europa convulsa lhe tinham criado. Ca<strong>da</strong> nova invasão do reino – e foram<br />

três – <strong>da</strong>ria origem a uma nova retira<strong>da</strong>, que já seria uma fuga, e entretanto o<br />

Brasil se anarquizaria, sem governo que o fosse e sem razão <strong>de</strong>terminante para<br />

do seu seio brotar um governo próprio. Dom João fez pois a única coisa que<br />

podia e <strong>de</strong>via fazer.<br />

Ao pisar em terras brasileiras, com o pessoal e os acessórios que o acompanhavam,<br />

o príncipe regente exclamou sem ambages que nelas vinha fun<strong>da</strong>r um<br />

novo Império. Dados o cenário e os atores, que espécie porém <strong>de</strong> monarquia<br />

podia ele criar entre nós? Aquela somente a que com efeito <strong>de</strong>u nascimento,<br />

uma monarquia híbri<strong>da</strong>, misto <strong>de</strong> absolutismo e <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia: absolutismo<br />

dos princípios, temperado pela brandura e bon<strong>da</strong><strong>de</strong> do príncipe, e <strong>de</strong>mocracia<br />

<strong>da</strong>s maneiras, corrigindo o abandono bonacheirão pela altivez instintiva do soberano.<br />

Foi esta a espécie <strong>de</strong> realeza leva<strong>da</strong> ao seu auge e tomando em consi<strong>de</strong>ração<br />

a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> do meio político, pelo Imperador Dom Pedro II, personagem<br />

em muitos traços parecido com o avô.<br />

De Dom João VI se não podia na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> esperar coisa diferente, visto por<br />

um lado o orgulho <strong>da</strong> aristocracia transplanta<strong>da</strong>, mais intimamente liga<strong>da</strong> com<br />

a Família Real, cujos sofrimentos compartilhara e cuja confiança gozava, educa<strong>da</strong><br />

nas máximas do direito divino e machuca<strong>da</strong> pela sua atual relativa modéstia<br />

<strong>de</strong> recursos em contraposição à gente abasta<strong>da</strong> <strong>da</strong> terra; e <strong>da</strong><strong>da</strong> por outro a<br />

<strong>de</strong>spretensão, que não excluía urbani<strong>da</strong><strong>de</strong> nem <strong>de</strong>ferência, gera<strong>da</strong> no intercurso<br />

menos cerimonioso e mais direto dos graúdos locais com os vice-reis<br />

representantes <strong>da</strong> suprema autori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> metrópole. Os brasileiros estavam<br />

pois inconscientemente preparados para a monarquia constitucional, assim<br />

como os portugueses tinham por seus sentimentos e interesses que se manter<br />

instintivamente aferrados à monarquia absoluta. Quando anos <strong>de</strong>pois, ao cabo<br />

324


Dom JoãoVI no Brasil<br />

do reinado americano <strong>de</strong> Dom João VI, se <strong>de</strong>u o movimento geral e impetuoso<br />

<strong>de</strong> a<strong>de</strong>são do reino ultramarino ao programa revolucionário <strong>de</strong> Lisboa, encarnado<br />

legal e or<strong>de</strong>iramente nas cortes <strong>de</strong> 1820, os brasileiros ain<strong>da</strong> seriam arrastados<br />

pela quimera liberal, ao passo que os portugueses eram instigados<br />

pelo i<strong>de</strong>al <strong>da</strong> recolonização. Des<strong>de</strong> a chega<strong>da</strong> entretanto <strong>da</strong> corte que, antes <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>generar num conflito político, uma hostili<strong>da</strong><strong>de</strong> teórica se fora levantando<br />

on<strong>de</strong> as circunstâncias tinham cavado um fosso <strong>de</strong> antipatia pessoal.<br />

Os acontecimentos levavam disso a maior culpa, sendo contudo inevitável o<br />

seu efeito. Dantes, em pleno período colonial, eram raríssimos os titulares, <strong>de</strong><br />

que só se conheciam os do velho reino, que vinham ocupar cargos <strong>da</strong> administração:<br />

por isso mesmo mais se os respeitava. Agora, a distribuição <strong>de</strong> mercês<br />

imagina<strong>da</strong> pelo príncipe regente em obediência aos impulsos do seu coração<br />

generoso e aos ditames dos seus cálculos <strong>de</strong> governo, <strong>de</strong>spertando ambições e<br />

concorrências, servilismos e invejas, ia alterar sensivelmente a situação, e com<br />

ela os costumes.<br />

Os indivíduos enobrecidos, agraciados com hábitos e comen<strong>da</strong>s, enten<strong>de</strong>riam<br />

não lhes quadrar mais comerciar, sim viver <strong>da</strong>s suas ren<strong>da</strong>s ou, melhor<br />

ain<strong>da</strong>, obter empregos do Estado. Avolumar-se-ia <strong>de</strong>sta forma o número dos<br />

funcionários públicos, com gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>speito e pronunciado rancor dos emigrantes<br />

burocratas do reino, que tinham acompanhado a Família Real ou<br />

chegavam seduzidos por essas colocações em que as frau<strong>de</strong>s multiplicavam<br />

os ganhos lícitos, muito pouco remunerados.<br />

325


PATRONOS, FUNDADORES E MEMBROS EFETIVOS<br />

DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS<br />

(Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1897)<br />

As sessões preparatórias para a criação <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras realizaram-se na sala <strong>de</strong> re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Revista Brasileira, fase III<br />

(1895-1899), sob a direção <strong>de</strong> José Veríssimo. Na primeira sessão, em 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1896, foi aclamado presi<strong>de</strong>nte <strong>Machado</strong> <strong>de</strong> <strong>Assis</strong>.<br />

Outras sessões realizaram-se na re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Revista, na Travessa do Ouvidor, n. o 31, Rio <strong>de</strong> Janeiro. A primeira sessão plenária <strong>da</strong> Instituição<br />

realizou-se numa sala do Pe<strong>da</strong>gogium, na Rua do Passeio, em 20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1897.<br />

Ca<strong>de</strong>ira Patronos Fun<strong>da</strong>dores Membros Efetivos<br />

01 A<strong>de</strong>lino Fontoura Luís Murat Ana Maria <strong>Machado</strong><br />

02 Álvares <strong>de</strong> Azevedo Coelho Neto Tarcísio Padilha<br />

03 Artur <strong>de</strong> Oliveira Filinto <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Carlos Heitor Cony<br />

04 Basílio <strong>da</strong> Gama Aluísio Azevedo Carlos Nejar<br />

05 Bernardo Guimarães Raimundo Correia José Murilo <strong>de</strong> Carvalho<br />

06 Casimiro <strong>de</strong> Abreu Teixeira <strong>de</strong> Melo Cícero Sandroni<br />

07 Castro Alves Valentim Magalhães Nelson Pereira dos Santos<br />

08 Cláudio Manuel <strong>da</strong> Costa Alberto <strong>de</strong> Oliveira Antonio Olinto<br />

09 Domingos Gonçalves <strong>de</strong> Magalhães Magalhães <strong>de</strong> Azeredo Alberto <strong>da</strong> Costa e Silva<br />

10 Evaristo <strong>da</strong> Veiga Rui Barbosa Lêdo Ivo<br />

11 Fagun<strong>de</strong>s Varela Lúcio <strong>de</strong> Mendonça Helio Jaguaribe<br />

12 França Júnior Urbano Duarte Alfredo Bosi<br />

13 Francisco Otaviano Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Taunay Sergio Paulo Rouanet<br />

14 Franklin Távora Clóvis Beviláqua Celso Lafer<br />

15 Gonçalves Dias Olavo Bilac Pe. Fernando Bastos <strong>de</strong> Ávila<br />

16 Gregório <strong>de</strong> Matos Araripe Júnior Lygia Fagun<strong>de</strong>s Telles<br />

17 Hipólito <strong>da</strong> Costa Sílvio Romero Affonso Arinos <strong>de</strong> Mello Franco<br />

18 João Francisco Lisboa José Veríssimo Arnaldo Niskier<br />

19 Joaquim Caetano Alcindo Guanabara Antonio Carlos Secchin<br />

20 Joaquim Manuel <strong>de</strong> Macedo Salvador <strong>de</strong> Mendonça Murilo Melo Filho<br />

21 Joaquim Serra José do Patrocínio Paulo Coelho<br />

22 José Bonifácio, o Moço Me<strong>de</strong>iros e Albuquerque Ivo Pitanguy<br />

23 José <strong>de</strong> Alencar <strong>Machado</strong> <strong>de</strong> <strong>Assis</strong> Zélia Gattai<br />

24 Júlio Ribeiro Garcia Redondo Sábato Magaldi<br />

25 Junqueira Freire Barão <strong>de</strong> Loreto Alberto Venancio Filho<br />

26 Laurindo Rabelo Guimarães Passos Marcos Vinicios Vilaça<br />

27 Maciel Monteiro Joaquim Nabuco Eduardo Portella<br />

28 Manuel Antônio <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Inglês <strong>de</strong> Sousa Domício Proença Filho<br />

29 Martins Pena Artur Azevedo José Mindlin<br />

30 Par<strong>da</strong>l Mallet Pedro Rabelo Néli<strong>da</strong> Piñon<br />

31 Pedro Luís Luís Guimarães Júnior Moacyr Scliar<br />

32 Araújo Porto-Alegre Carlos <strong>de</strong> Laet Ariano Suassuna<br />

33 Raul Pompéia Domício <strong>da</strong> Gama Evanildo Bechara<br />

34 Sousa Cal<strong>da</strong>s J.M. Pereira <strong>da</strong> Silva João Ubaldo Ribeiro<br />

35 Tavares Bastos Rodrigo Octavio Candido Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong><br />

36 Teófilo Dias Afonso Celso João <strong>de</strong> Scantimburgo<br />

37 Tomás Antônio Gonzaga Silva Ramos Ivan Junqueira<br />

38 Tobias Barreto Graça Aranha José Sarney<br />

39 F.A. <strong>de</strong> Varnhagen Oliveira Lima Marco Maciel<br />

40 Viscon<strong>de</strong> do Rio Branco Eduardo Prado Evaristo <strong>de</strong> Moraes Filho


Petit Trianon – Doado pelo governo francês em 1923.<br />

Se<strong>de</strong> <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras,<br />

Av. Presi<strong>de</strong>nte Wilson, 203<br />

Castelo – Rio <strong>de</strong> Janeiro – RJ


Composto em Monotype Centaur 12/16 pt; citações, 10.5/16 pt.

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