14.06.2013 Views

1 Todo abuso é sexual O objetivo desse texto é debater o ... - conpdl

1 Todo abuso é sexual O objetivo desse texto é debater o ... - conpdl

1 Todo abuso é sexual O objetivo desse texto é debater o ... - conpdl

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

estado de desamparo sentido diversas vezes pela criança diante de um adulto frio como a<br />

tempestade. Mais uma vez <strong>é</strong> o elemento líquido – a onda, a tempestade – que vem traduzir<br />

esses afetos maternos de difícil retenção.<br />

David então começa a manifestar seu ódio aos 15 anos. Rouba o carro, responde os<br />

pais: <strong>é</strong> agressivo, bate as portas, não conversa. Isso faz com que ele seja levado ao psicanalista.<br />

David o representa como o coelho de Alice, sempre com um relógio na mão. Numa cena, o<br />

analista lhe diz: “você tem vivido num incrível mundo de besteiras, David. Ningu<strong>é</strong>m fala a<br />

verdade para você. Mas eu vou falar a verdade. Está preparado? Sua mãe não ama você. Me<br />

desculpe, David. É a verdade. Ela não ama você.” (Small, 2010: 255‐7). As páginas que se<br />

seguem mostram paisagens chuvosas (ibid.: 262‐267) at<strong>é</strong> que a chuva vai serenando e apenas<br />

sobram as marcas da chuva sobre o chão. David vivencia sua análise de forma muito positiva.<br />

Ele reconhece que seu analista preocupa‐se com ele e que o tratava como “um filho<br />

predileto”. Ao longo de sua análise, David ia se encontrando e sua família “parecia se esfacelar<br />

rapidamente” (ibid.: 272).<br />

O que uma análise produz do ponto de vista da responsabilidade? Não se trata de dizer<br />

que uma análise faz o sujeito assumir a responsabilidade pelos seus atos. Se assim fosse, ela<br />

não iria ser diferente de algum tratamento moral ou religioso. Trata‐se, antes, de fazê‐lo<br />

pensar em como tem respondido aos desejos dos outros e aos seus próprios. Respostas que<br />

são uma maneira de “submeter‐se a uma <strong>é</strong>tica que está para al<strong>é</strong>m da psicanálise ou <strong>é</strong> anterior<br />

a ela” (Carvalho, 2011), de compor com o outro e consigo mesmo melhores pactos de<br />

convivência. “Melhores” quer dizer, nesse con<strong>texto</strong>, pactos menos comprometidos com o<br />

recalcamento, acordos onde o papel de cada um fique mais claro e regras de convivência mais<br />

abertas ao reconhecimento do desejo como algo singular (isto <strong>é</strong>, cada um reconhecendo o<br />

outro como outro mesmo e não como um outro eu obrigado a seguir aquilo que eu desejo para<br />

ele).<br />

David, ao compreender que sua mãe não o amava, pode elaborar uma resposta mais<br />

interessante do que o pacto de silêncio e ódio que o mantinha unido a ela. Num último sonho<br />

relatado, ele sonha que está dentro de uma casa e seu carrinho de controle remoto fica preso<br />

lá fora. Ele vê sua mãe varrendo um caminho que leva at<strong>é</strong> o asilo no qual sua vó materna está<br />

internada. Sua mãe o convida para ir at<strong>é</strong> o asilo. Ele não vai. Observem que o menino de 6<br />

anos que perde o carrinho de controle remoto ainda está na cena, mas agora ele consegue<br />

responder ao chamado da mãe – de repetir a loucura materna – com uma recusa sem angústia<br />

e sem violência.<br />

“Não fui” (Small, 2010: 327): <strong>é</strong> com essa frase que David termina seu relato. Talvez<br />

algu<strong>é</strong>m possa dizer que a resposta marcada pela negativa seja uma resposta menor, ainda<br />

6

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!