15.06.2013 Views

Prova testemunhal - Tribunal da Relação de Guimarães

Prova testemunhal - Tribunal da Relação de Guimarães

Prova testemunhal - Tribunal da Relação de Guimarães

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O falso testemunho insere-se no contexto geral <strong>da</strong> mentira. A mentira funciona aqui como<br />

uma agressão ao outro (ou a si próprio, quando se trata <strong>de</strong> uma auto-mentira), e a psicanálise<br />

encara-a precisamente como um “retorno <strong>da</strong> agressão”.<br />

Há vários tipos <strong>de</strong> mentira: (i) a mentira social, (ii) a mentira piedosa, (iii) a mentira<br />

procrastinadora, e (iiii) a mentira maliciosa.<br />

(i) A mentira social (também conheci<strong>da</strong> como branca ou benigna) está omnipresente nas<br />

relações sociais, muitas vezes disfarça<strong>da</strong> sob a forma <strong>de</strong> subtis clichés. É a base <strong>da</strong> hipocrisia, <strong>da</strong><br />

crítica e <strong>da</strong> maledicência. To<strong>da</strong> a gente mente, e os que afirmam que não mentem estão a mentir.<br />

As crianças são instruí<strong>da</strong>s na simulação social e na mentira conveniente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo. Apesar<br />

<strong>de</strong> tudo, temos <strong>de</strong> olhar para esta mentira com uma certa con<strong>de</strong>scendência. Afinal se a ver<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

fosse sempre usa<strong>da</strong> por certo que criaríamos conflitos permanentemente e por todo o lado, com as<br />

consequências nefastas que facilmente se antolham. O sempre sarcástico Oscar Wil<strong>de</strong>, dizia<br />

mesmo que “muita sinceri<strong>da</strong><strong>de</strong> é uma coisa perigosa, muita sinceri<strong>da</strong><strong>de</strong> é absolutamente fatal”.<br />

Assim, a mentira social po<strong>de</strong> funcionar, e em muitos casos seguramente que funciona, como<br />

medi<strong>da</strong> a<strong>da</strong>ptativa do indivíduo às condicionantes socioculturais. (ii) A mentira piedosa é<br />

pratica<strong>da</strong> normalmente em relação às pessoas que nos são significativas. Visa evitar um<br />

sofrimento inútil a essas pessoas. Tal mentira compreen<strong>de</strong>-se e provavelmente <strong>de</strong>verá até ser<br />

estimula<strong>da</strong> em certos casos. (iii) A mentira procrastinadora é aquela que é força<strong>da</strong> pelas<br />

circunstâncias, sem que o indivíduo queira realmente faltar à ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Traduz-se num adiamento<br />

<strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. O indivíduo mente apenas porque, pon<strong>de</strong>rados os prós e os contras, conclui que é<br />

preferível para si sobrestar na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas não tem o intuito <strong>de</strong> permanecer in<strong>de</strong>fini<strong>da</strong>mente na<br />

mentira, apenas espera pela ocasião <strong>de</strong> a neutralizar com a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. É comum nas relações<br />

conjugais e laborais frustra<strong>da</strong>s, muitas vezes funcionando como vindicta. (iiii) A mentira<br />

maliciosa é dolosa. É aqui que se situa o testemunho falso. A pessoa sabe que está a mentir, fá-lo<br />

<strong>de</strong>libera<strong>da</strong>mente, com o propósito <strong>de</strong> enganar e prejudicar terceiros ou, pelo menos, com a<br />

consciência <strong>de</strong> que os po<strong>de</strong>rá prejudicar.<br />

Mas, restringindo agora o assunto ao contexto judicial, po<strong>de</strong> perguntar-se: por que razão<br />

uma pessoa, mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> prestar um juramento formal e conhecer as consequências legais<br />

inerentes à falsi<strong>da</strong><strong>de</strong>, falta <strong>de</strong>libera<strong>da</strong>mente à ver<strong>da</strong><strong>de</strong>? Todos teremos respostas óbvias para esta<br />

pergunta, mas eu faço notar que a questão está, <strong>de</strong> certa forma, mal coloca<strong>da</strong>. Na reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a<br />

questão <strong>de</strong>ve ser posta nestes termos: o que é que leva a testemunha a faltar à ver<strong>da</strong><strong>de</strong>?

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!