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Meu Quintal - edna cassal

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“... Entre bambu que entrelaça e me abraça<br />

Florefesta não me sinto tão só<br />

Viver e sentir feito árvores<br />

Virar a vida do fundo do chão ...”<br />

Cissa Regina<br />

O livro “<strong>Meu</strong> <strong>Quintal</strong>” nasceu de exposição homônima.<br />

À primeira vista parecia não ter grandes pretensões,<br />

mas foi colhendo depoimentos dos visitantes de diferentes idades e realidades<br />

que chegamos a crer no que as imagens associadas às poesias<br />

poderiam suscitar - isso resgatava alguns lampejos da alma,<br />

ou seja, aquele brotinho frágil das crianças necessitava de um apoio e,<br />

nos mais velhos,<br />

aquela semente que parecia ter se perdido desde a infância necessitava ser cultivada.<br />

É esta a exata função do artista e do escritor,<br />

trazer à tona sementes que pareciam sufocadas e regar as plantas novas.<br />

Com o respaldo valioso desta gente dividindo suas verdades,<br />

tomamos a coragem de transformar a exposição em livro, eis aqui<br />

“<strong>Meu</strong> <strong>Quintal</strong>.”<br />

Realização Incentivador Apoio Institucional<br />

Projeto beneficiado pela LIC - nº 3.648 - (Lei de Incentivo à Cultura) Decreto nº 132/2005<br />

<strong>Meu</strong><br />

<strong>Quintal</strong><br />

Um olhar atento ao verde que ainda temos<br />

Edna Cassal Cissa Regina Luciane Recieri


<strong>Meu</strong> <strong>Quintal</strong><br />

Um olhar atento ao verde que ainda temos<br />

Todos nós podemos<br />

através da arte<br />

modificar atitudes e<br />

transformar<br />

nossos caminhos,<br />

ideias e vivências.


Ficha Técnica<br />

Editoração eletrônica: Marcus Alem<br />

Ilustração e edição de imagem: Edna Cassal<br />

Poemas: Cissa Regina e Luciane Recieri<br />

Revisão: Luciane Recieri<br />

Edição de arte: Edna Cassal<br />

MEU QUINTAL - Um olhar atento ao verde que ainda temos<br />

Impressão e acabamento: JAC EDITORA<br />

<strong>Meu</strong> <strong>Quintal</strong><br />

Um olhar atento ao verde que ainda temos<br />

Edna Cassal Cissa Regina Luciane Recieri<br />

Incentivador<br />

Realização<br />

Apoio Institucional<br />

Projeto beneficiado pela LIC - nº 3.648 - (Lei de Incentivo à Cultura) Decreto nº 132/2005


Prefácio<br />

A dimensão da sensibilidade de Edna Cassal, colorista mútua e artista de<br />

força puramente instintiva, é observável em suas experiências pictórias e gráficas.<br />

Desperta a matéria inerte e conduz para a ação direta, abre a janela para um<br />

imenso quintal: o meu, o seu, o Eu, o jardim de todos. Uma revelação provocando<br />

o confronto com a integridade do ser.<br />

Amilton Damas - Artista plástico<br />

Nas poesias de Cissa Regina existe uma integração da natureza e de seu<br />

mundo interior. Utiliza com rara sensibilidade os recursos de estilo, uma<br />

confluência de imagens de incontidas projeções que destacam a plenitude de<br />

poder sonhar um tempo novo dentro da NATUREZA: é o comum das coisas,<br />

a vida em seu cotidiano que se recompõe em cada galho verde, se renovando<br />

em sementes, uma raiz fincada na terra, momento poético, o cheiro<br />

adocicado do capim numa selva de concreto, o brilho fantasiado de luz e sol<br />

numa libélula, a manhã não repetida, pois criada com suavidade pela virtude<br />

da linguagem. São pequenas obras-primas que apenas poderiam ser criadas<br />

num momento de encantamento da poeta renascendo diante da natureza<br />

através do poder de transformação das palavras.<br />

Carlos Bueno Guedes - Poeta, escritor e crítico literário<br />

Luciane Recieri ainda não sabe quem é literalmente. Possivelmente nunca<br />

saiba, dou testemunho disso. Como Emily Dickinson, Delmira Agustini e<br />

Safo, parece-me que não presta muita atenção no estilo, na sintaxe recomendável,<br />

na medida do parágrafo, da frase, da estrofe, do verso, em nada. Livre<br />

desses pesares inúteis escreve, diz, reivindica, acaricia, lacrimeja, faz amor e<br />

doces ódios pelo fato de se sentir defraudada com a injustiça e apaixonada<br />

pela vida. Essa vida que lhe custa, que a reclama, que a rejeita, que abraça sua<br />

intimidade e a despoja das palavras durante semanas inteiras. Alguém precisa<br />

dizer à Luciane que se ela não escreve falta alguma coisa de imprescindível<br />

para o humano acontecer. Precisam lhe reclamar que, quando ela desaparece<br />

em gestação doce e atormentada, a crônica poética se esvazia, a poesia narrativa<br />

emudece.<br />

Raúl Fitipaldi - Jornalista e editor geral do Portal Desacato


Notas das autoras<br />

Todos tivemos um quintal - o da nossa infância, das brincadeiras,<br />

da liberdade e da inocência, do cheiro bom vindo<br />

da cozinha, da família numerosa. Hoje esse espaço de convivência<br />

e lazer foi substituído pelas praças, parques, campos<br />

e praias. Assim como nem toda família tem um quintal, nem<br />

toda cidade tem um espaço tão rico quanto nosso Viveiro,<br />

por esta razão o considero como o quintal de Jacareí e fonte<br />

de minha inspiração. Primeiramente resultou numa exposição<br />

na Secretaria de Educação, logo dando origem a este livro.<br />

Este santuário ecológico, pulmão de Jacareí, localiza-se a poucos<br />

minutos do centro urbano, mas muito além do cotidiano<br />

repetitivo, quente e abafado entre cimento e asfalto, por isso<br />

somos privilegiados - podemos observar um ecossistema riquíssimo,<br />

natureza refrescante, farmácia viva! O murmúrio<br />

tímido de suas importantes nascentes, a explosão de sons<br />

multicores das aves e a paz das borboletas e abelhas fazem<br />

oposição à turbulência da cidade.<br />

Deixo, portanto, meu convite e um alerta:<br />

Olhe atentamente para o verde que ainda temos. Nosso quintal<br />

comum que é o planeta Terra necessita de proteção. Partindo<br />

de nós, através de pequenas mudanças de hábito poderemos<br />

criar nova consciência e nos protegermos de catástrofes<br />

anunciadas.<br />

Edna Cassal<br />

Tudo que se pode dizer do feito é sobre a sintonia das artes<br />

falada, escrita, pintada, desenhada, enfim, visualizada de todas<br />

as formas. Esse é o motivo e o porquê desta obra. Poder<br />

provocar emoção e ao mesmo tempo trazer a mensagem é o<br />

mesmo que liberar o grito de salvação da nossa própria sobrevivência.<br />

O que queremos provar é que todos nós podemos<br />

através da arte, modificar atitudes e transformar nossos<br />

caminhos, ideias e vivências.<br />

6 7<br />

Cissa Regina<br />

O livro “<strong>Meu</strong> <strong>Quintal</strong>” nasceu de exposição homônima. À<br />

primeira vista parecia não ter grandes pretensões, mas foi colhendo<br />

depoimentos dos visitantes de diferentes idades e realidades<br />

que chegamos a crer no que as imagens associadas às<br />

poesias poderiam suscitar - isso resgatava alguns lampejos da<br />

alma, ou seja, aquele brotinho frágil das crianças necessitava<br />

de um apoio e, nos mais velhos, aquela semente que parecia<br />

ter se perdido desde a infância necessitava ser cultivada.<br />

É esta a exata função do artista e do escritor, trazer à tona<br />

sementes que pareciam sufocadas e regar as plantas novas.<br />

Com o respaldo valioso desta gente dividindo suas verdades,<br />

tomamos a coragem de transformar a exposição em livro, eis<br />

aqui “<strong>Meu</strong> <strong>Quintal</strong>.”<br />

Luciane Recieri


Agradecimentos<br />

À Prefeitura Municipal e à Fundação Cultural de Jacarehy “José Maria de Abreu.”<br />

À empresa incentivadora Fibria.<br />

À Secretaria Municipal de Educação e à Secretaria do Meio Ambiente.<br />

Ao Viveiro Municipal.<br />

À Biblioteca Municipal “Macedo Soares” e ao Museu de Antropologia do Vale<br />

do Paraíba (MAV).<br />

Aos amigos e colaboradores:<br />

Amilton Damas, Adriano Barbosa, Rose Sarto, Carlos Medici, Marcos Franco,<br />

Raico Rafael, grupo Colcha de Retalhos, Jarbas Mattos, Rita, Reni, Cláudia, Dani,<br />

Rose, Ednéia, Killian, João, Edson, Rildo e Paula Silva Recieri.<br />

Ao Marcus Alem, Nicolas Alem e em especial Alcides Cassal que tantos segredos<br />

de quintal me ensinou.<br />

(Edna Cassal)<br />

Agradeço à minha mãe Brígida que gostava, cultivava e falava com as flores.<br />

(Cissa Regina)<br />

Agradeço este hoje “gestado” nestes tantos anos que vivi e, dentro deles, toda<br />

essa gente que encontrei e à Elisabeth Rabello Recieri, minha sobrinha.<br />

(Luciane Recieri)


Nicolas Alem<br />

Sumário<br />

Musa do <strong>Quintal</strong> .......................................................................... 12<br />

Sapo Júnior .................................................................................. 14<br />

Camelô ........................................................................................ 16<br />

Borboleta ..................................................................................... 18<br />

A Tarde ........................................................................................ 20<br />

Passarinhos .................................................................................. 22<br />

Orvalho ........................................................................................ 24<br />

Berceuse ...................................................................................... 26<br />

Bailarina ...................................................................................... 28<br />

Outono ........................................................................................ 30<br />

Em Vermelho .............................................................................. 32<br />

Água ............................................................................................ 34<br />

Chuva .......................................................................................... 36<br />

Manhãs e Tardes ......................................................................... 38<br />

Sapeca ......................................................................................... 40<br />

Menina ........................................................................................ 42<br />

Campestre ................................................................................... 44<br />

Viagem ........................................................................................ 46<br />

Memória ...................................................................................... 48<br />

Cantador ...................................................................................... 50<br />

Santo Remédio ............................................................................ 52<br />

Libélula ....................................................................................... 54<br />

Terrena ........................................................................................ 56<br />

Raízes da Terra ............................................................................ 58<br />

Ser Árvore ................................................................................... 60<br />

Manhã, Fogo, Um Canto do Chão .............................................. 62<br />

Luzes ........................................................................................... 64<br />

Morada ........................................................................................ 66<br />

O Viveiro ..................................................................................... 68<br />

Biografia de Cissa e Luciane ....................................................... 70<br />

Biografia de Edna ........................................................................ 72


A musa do quintal espia quieta<br />

por cima das cercas,<br />

mãos postas,<br />

escorrendo luz entre tantos dedos,<br />

mas tantos que nem sei quantos.<br />

Luciane Recieri<br />

12 13


Gosto de ouvir a previsão do tempo.<br />

As chuvas esparsas, nebulosidades<br />

e a direção dos ventos, porém<br />

mais que tudo isso gosto de seu coaxar,<br />

condômino ilustre e cada vez mais raro.<br />

Luciane Recieri<br />

14 15


16 17<br />

<strong>Meu</strong> quintal é<br />

banca de camelô<br />

com seus<br />

berloques e cores.<br />

Luciane Recieri


Translúcida se debate...<br />

Ela precisava mais que açúcar: era de doce liberdade.<br />

Pego um copo não tão bonito como as asas que quis ver<br />

de perto.<br />

Enclausurei-a por uns instantes a borboleta<br />

Ah, se a vida não fosse tão frágil, tão bonita<br />

Deixava-a comigo naquele frêmito bater de asinhas.<br />

Jamais se libertaria se eu não quisesse,<br />

Mas a vida, a vida escoa tão fácil que afastei a mão da<br />

boca e ela num sussurro achou logo o céu que naquela<br />

hora nem era mais negro de chuva...<br />

Era azul, azul.<br />

18 19<br />

Luciane Recieri


No escuro bóiam bolas de luz,<br />

flashes furta-cor do fruto<br />

que nem sei qual era.<br />

O que deixava o frutinho mais delicado<br />

era o açúcar que roubava na cozinha.<br />

Atrás do silêncio,<br />

um rastro de meninice na tarde.<br />

Luciane Recieri<br />

20 21


Depois da grande chuva lá estava<br />

Luciane Recieri<br />

23<br />

Amuado e cinzento<br />

E quando a chuva vem, despenca<br />

O jeito é devolver pro céu<br />

Que é lugar de passarinho.<br />

De onde veio? Não sei<br />

Penso que é brinquedo esse bichinho<br />

Que os anjos esquecem nas árvores do quintal


O orvalho escorre pela boca vegetal e fecunda<br />

algo lá dentro, tão dentro que explode em outras<br />

bocas vegetais<br />

e assim vai pela vida inteira:<br />

flor e fruto; fruto e flor.<br />

Luciane Recieri<br />

24 25


Queres colo<br />

De divã, de acalanto<br />

Divã são caules<br />

Metafóricos, sustentam folhas<br />

Simples folhas<br />

Acalanto, próximo à haste<br />

Que sustenta tudo que cansa em mim<br />

Nos caules que te estendo<br />

Parecerás dormir. Parecerei divagar<br />

Na haste em que te pouso<br />

ficarás próximo<br />

à minha boca<br />

Acima de meu coração ouvirás<br />

O que não posso calar em vida<br />

Silêncio...<br />

Aconcheguei-te em berço,<br />

braços e canto.<br />

Berceuse,<br />

acalanto para despontar sobre ti<br />

seis borboletas amarelas.<br />

Luciane Recieri<br />

26 27


Vejo a pequena bailarina<br />

Nada deve à de Degas,<br />

Negra menina<br />

Bronze eterno<br />

A bailarina vegetal baila<br />

Tutu, tule branco<br />

Faz avesso o vento<br />

Voa menina! Janela em fora<br />

Flus de seda o corpo de baile<br />

some na tarde que inclina<br />

Recolho uma<br />

A mão feito redoma<br />

Assim como quem rouba<br />

Procuro um canto para lhe apreciar<br />

Creator Spiritus<br />

Assopro-lhe: vai!<br />

Vaga bailarina<br />

Há vida sobre os campos.<br />

28 29<br />

Luciane Recieri


Percebo o outono pelo cheiro e tom do vento. Os<br />

grilos fazem um cri-crilar diferente e fora de hora,<br />

a vida assim tem cheiro de colchão de capim<br />

novo. As árvores, um tanto caducas, me confundem<br />

a pouca sabedoria acerca de tuas vidinhas<br />

secretas, fechadas e solitárias. O que viria já veio:<br />

descem não sei de onde aquelas lagartas, futuras<br />

borboletas que vão caminhando pelas calçadas<br />

procurando abrigo para trocar de roupa.<br />

30 31<br />

Luciane Recieri


32 33<br />

Luciane Recieri


Primeira luz: limão,<br />

bolhas de champanha,<br />

mamão cristalizado.<br />

Euforia da água!<br />

Se não há antes haverá depois?<br />

Derrama a nascente toda luz.<br />

Luciane Recieri<br />

35


O dia nasceu<br />

com cara de jornal<br />

— Gris, poético, cotidiano,<br />

sem gracinha, enlamaçado,<br />

pouco — as figuras<br />

do dia se moviam<br />

atrapalhadas<br />

no frio da janela<br />

No jornal,<br />

pontinhos de tinta,<br />

depois figuras<br />

de cimento<br />

no rápido do dia<br />

Impressionistas<br />

tresloucados<br />

na manhã de chuva.<br />

Luciane Recieri<br />

36 37


(para as nuvens)<br />

(para as manhãs)<br />

Tento um desenho a dedo<br />

No ar<br />

Passagem do vento eleva a pena<br />

Nunca vi nada mais leve...<br />

Nada tem. Tudo tem. Toda ela sobe, desce.<br />

Arabescos do incerto<br />

E que coisa no mundo é certa?<br />

Coisa nenhuma, diz o vento<br />

Continuo o desenho<br />

Traço coração num estrato<br />

Cúmulo<br />

Sim, cúmulos... Absurdos!<br />

É que sempre gostei mais dos cirros<br />

Por conta do gelo<br />

Porque sempre gostei do que não se entende<br />

Do que é alto<br />

Do que é grave<br />

Do que é verde<br />

Demais.<br />

Colho o dia<br />

Nada muda neste vazio silencioso<br />

Apenas o marombar da abelha<br />

corta o azul da tarde<br />

O vento com ruído de avião é longe.<br />

(para a chuva)<br />

(para as tardes)<br />

A chuva vai se repetir<br />

Já me cansei dela<br />

Insetos voam baixo<br />

outros se recolhem<br />

Cessou a brisa<br />

Abafa um pouco<br />

Tudo é solene e cinza<br />

O céu que é gigante não muda tanto assim<br />

A vida... Ah vida!<br />

Pequenina e muito mais transitória.<br />

38 39<br />

As coisas bonitas desta vida<br />

deveriam vir em outdoors<br />

Simples as coisas num avesso gigante<br />

tombado na tarde<br />

Simples folhas do livro chamado mundo<br />

Deste e não de outro colhidas ao acaso<br />

Palavras soltas...<br />

palavras são...<br />

dadaísmo.<br />

Luciane Recieri


Sapeca<br />

Menina sapeca<br />

Corria no mato<br />

Sem sapato<br />

Com pé de carrapato<br />

Em busca do sapo,<br />

gato, pato<br />

E nariz de tatu<br />

Zombeteira trepava na árvore<br />

Atrás de goiaba, amora brava, jabuticaba<br />

Casinha inventada<br />

Sem laço de fita boneca de palha<br />

Boneca bordada<br />

Cabelo de lã<br />

Menina prendada<br />

Prendia a aranha<br />

Na caixinha de linha<br />

Seu rosto brilhava<br />

Eu era sua fã<br />

Cissa Regina<br />

40 41


Menina<br />

À Pascoalina<br />

Menina da paz<br />

Cheia de Luz<br />

Teceu teu amor<br />

No tear da canção<br />

Menina da Luz<br />

Cheia de paz<br />

Teceu tua história<br />

Na terra feito flor<br />

Plantada no chão<br />

Menina do som<br />

Onde foste morar?<br />

Um vento passou<br />

E não me deu tempo<br />

De te encontrar<br />

Menina do sol<br />

Ilumina a visão<br />

Retira os espinhos<br />

42 43<br />

Transformando pedra em pão<br />

Menina do sonho<br />

Eu não sei rezar<br />

Mas peço aos anjos<br />

Que me emprestem asas<br />

E eu possa voar<br />

Cissa Regina


Campestre<br />

Sou Ana Rosa<br />

Do Campo<br />

Da roça do canaviá<br />

Minha mão tá calejada<br />

De tanto a enxada puxá<br />

Antes do sol nascê<br />

Ponho-me a levantá<br />

Ouvindo o canto do pássaro<br />

<strong>Meu</strong> amigo sabiá<br />

Depois faço o café<br />

Pro meu amô levantá<br />

Enquanto ele toca a viola<br />

Por mor de eu me alegrá<br />

Desta vida nada importo<br />

Eu vivo sempre a cantá<br />

Cada corda que a viola toca<br />

<strong>Meu</strong> coração se põe a pulá<br />

De tristeza nem me alembro<br />

Lembrança deixo pra lá<br />

Dos fios que veve longe<br />

Pras banda da capitá<br />

44 45<br />

Sou Ana Rosa do campo<br />

E vivo do grão plantá<br />

Não troco a vida na roça<br />

Por uma da capitá<br />

Nasci na campina no mato<br />

Na roça quero ficá<br />

Cissa Regina


Viagem<br />

Sou amiga do vento<br />

Moinho da madrugada<br />

Sou poeira dos sonhos<br />

Que voam em cada estrada<br />

Voo longe sem rumo<br />

Solta em meu pensamento<br />

Até chegar a hora<br />

De entregar ao alento<br />

Alma corpo tempo<br />

Cissa Regina<br />

46 47


Memória<br />

À minha mãe<br />

Hoje não planto mais flores<br />

Nem minhas mãos<br />

Amassam a massa do pão<br />

<strong>Meu</strong>s pés Ah! Tão cansados<br />

Não reconhecem a poeira do chão<br />

<strong>Meu</strong> coração agigantado<br />

Não comporta no peito<br />

Tanta respiração<br />

De quase um século corrido<br />

De tantos sonhos vividos<br />

De tanta lida luta labuta<br />

De uma jornada sem fim<br />

Hoje não colho mais flores<br />

Só meus olhos falam<br />

Porque minha voz<br />

Vem se perdendo no tempo<br />

E cada minuto da história<br />

Desta vivência infinita<br />

Que trago da minha vida<br />

Sementes desta memória<br />

São flores no meu jardim.<br />

48 49<br />

Cissa Regina


Cantador<br />

Ah! Se eu pudesse voar<br />

Voaria além do infinito<br />

Só pra ouvir teu canto cantado<br />

Plantado dentro de um grito<br />

Teu canto é gota que cai<br />

Como chuva e até no deserto<br />

Inunda a alma do povo<br />

Que habita todo universo<br />

Ah! Seu eu pudesse falar<br />

Falaria a língua dos deuses, é certo!<br />

Porquanto me ponho a calar<br />

Ouvindo teu canto em verso<br />

Teu canto tem tanta alegria<br />

E brota certeza no peito<br />

Que a vida é a melhor romaria<br />

Mas o homem a tem sobre o leito<br />

Ah! Se eu pudesse viver<br />

Viveria cantando, é certo!<br />

Porquanto me ponho a calar<br />

E morro dentro de um verso!<br />

Cissa Regina<br />

50 51


Santo Remédio<br />

Nasceu do chão<br />

O santo remédio<br />

Trazendo aos homens<br />

Cura em formato de cores<br />

Quando evocou o azul<br />

O menino quis ser pássaro<br />

Quis ser árvore no verde<br />

No marrom a terra<br />

Quis ser vento no branco<br />

Espalhando brancura<br />

E a cura virá do chão<br />

Basta cultivar o homem<br />

Pois o ouro já foi esgotado<br />

Só resta uma única semente<br />

E um solo sacrificado.<br />

52 53<br />

Cissa Regina


Libélula<br />

Olho nos olhos cristalinos<br />

Da libélula pousada<br />

No varal do meu quintal<br />

Suas asas cintilantes<br />

Refletidas pelo sol<br />

Dourando o tato<br />

Seguro firme fio a fio<br />

No balanço acalanto<br />

Permaneço estática<br />

Sem espanto sem espantá-la<br />

Sinto que a libélula é soberana<br />

Nas manhãs nos quintais<br />

Resiste e vive<br />

Porque acredita no sol<br />

Cissa Regina<br />

54 55


Terrena<br />

Sinto sob<br />

<strong>Meu</strong>s pés<br />

O gosto fértil<br />

De doce terra<br />

Em pleno cio<br />

Sirvo-me<br />

Deste teu solo<br />

Fecundo e farto<br />

Face a face<br />

Funda a flor<br />

Somar é equação<br />

Do homem<br />

A terra fala<br />

Quando derrama<br />

De gota em gota<br />

Teu puro pó<br />

Em minhas mãos<br />

Cissa Regina<br />

56 57


Arado<br />

Sou da terra<br />

Desde que nasci<br />

Desenterrei raízes<br />

Semeei sementes<br />

Sensatas sensíveis<br />

Ao solo som e sol<br />

Lapidei a árvore<br />

E esculpi o homem<br />

Invoquei palavras<br />

Raízes da Terra<br />

E construí poemas<br />

Arado<br />

Serei da terra<br />

Até a morte<br />

<strong>Meu</strong>s passos<br />

Estarão libertados<br />

Minhas mãos<br />

Sempre dadas<br />

Solidárias com a vida<br />

Com o homem e a terra<br />

Cissa Regina<br />

58 59


Ser Árvore<br />

Sou árvore do asfalto<br />

Nascida entre pedras<br />

Trago na raiz a busca<br />

E procura da terra<br />

<strong>Meu</strong>s braços oferecem<br />

Sombras sobre viventes<br />

Assim como despoluo<br />

O ar sobrevivente<br />

Sou árvore democrata<br />

Tenho direito<br />

De me desfolhar<br />

Nas ruas sobre calçadas<br />

Orvalhar pelo chão<br />

De manhã na madrugada<br />

Exalar todo perfume<br />

Em troca de nada<br />

Ser bem tratada<br />

Por mães deseducadas<br />

Toda árvore precisa<br />

Ser gente amada.<br />

60 61<br />

Cissa Regina


Manhã<br />

Quero a manhã<br />

Que não amanheça<br />

Como as outras<br />

Sempre iguais<br />

Quero a manhã<br />

Renovada Embalada<br />

No cheiro de mato<br />

Capim cheiroso<br />

Pata de vaca<br />

Palha de milho<br />

Mão de pilão<br />

Cissa Regina<br />

62 63<br />

Fogo<br />

Ninguém detém o fogo<br />

Se arde a chama<br />

Nem a água em seu dilúvio<br />

Ninguém a detém<br />

Nem o vapor veloz do vento<br />

Nem a lágrima quando me vem<br />

Um Canto do Chão<br />

Cada flor com seu perfume<br />

Cada canto cantochão<br />

Até o ipê espalha cores<br />

Povo unido é povo são<br />

Cissa Regina<br />

Cissa Regina


Luzes<br />

(À uma velha árvore)<br />

Teu tronco envergado<br />

<strong>Meu</strong> coração rasgado<br />

Tu caminhas em direção à luz<br />

Eu parada esperando encontrar a paz<br />

Teu tronco entrelaçado<br />

Nu em teus braços<br />

Desamparados<br />

Quer alcançar teu verde véu<br />

Transcender<br />

Invadir o céu<br />

Onde encontrarás tão simplesmente<br />

Luminosidade.<br />

Cissa Regina<br />

64 65


Morada<br />

Quero morar lá na mata<br />

Junto ao povo do pé do cipó<br />

Entre bambu<br />

que entrelaça e me abraça<br />

Florefesta não me sinto tão só<br />

Viver e sentir feito árvores<br />

Virar a vida do fundo do chão<br />

Ao som do batuque<br />

E canto da casca<br />

Fazer da terra missão,<br />

Espalhar a dança do vento<br />

Encantar do inverno ao verão.<br />

Faço parte do povo da mata<br />

Também tenho tronco,<br />

Raízes, até coração<br />

Trago o fogo a fome e o talho<br />

Certeza certeira que do broto<br />

Nasceu a vara e depois<br />

Também a flor<br />

Entender sobre todas as lendas<br />

Que pra mudar<br />

A história da terra<br />

Só a coragem não basta<br />

Tem que ter determinação<br />

Traço firme da rosa em botão<br />

Vou me mudar lá pra mata<br />

Pra juntar toda folha do chão<br />

No embalo da ventania<br />

Inventar uma nova canção<br />

Vida viver viverá vivendo<br />

Vim ver<br />

Longe, longe, longe...<br />

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Cissa Regina


O Viveiro Municipal<br />

O Viveiro Municipal de Jacareí é um fragmento da<br />

Mata Atlântica localizado a 70 quilômetros de São<br />

Paulo.<br />

Abriga espécies variadas da flora brasileira, como o<br />

pau-brasil, o jequitibá, a palmeira ateleia entre espécies<br />

da Ásia e da África.<br />

Estes exemplares formam trilhas num espaço verde<br />

de 600 mil metros quadrados.<br />

O Viveiro funciona há mais de 20 anos no bairro Campo Grande.<br />

Habitat de pequenos mamíferos e vários pássaros como tucanos, pica-paus e papagaios,<br />

o espaço conta com cinco nascentes e ainda produz mudas de plantas medicinais.<br />

Possui ainda o Núcleo de Educação Ambiental, que tem como objetico trabalhar<br />

com a sensibilização sobre a importância de respeitar e preservar a natureza.<br />

Farmácia Viva – Dentro do Viveiro Municipal existem<br />

canteiros com plantas medicinais como camomila, alecrim<br />

e melissa. Essas plantas têm grande valor terapêutico e são<br />

muito utilizadas pela população, porém ainda estão sendo<br />

feitos estudos rigorosos para comprovação terapêutica e<br />

eficácia.<br />

Visitas monitoradas, para grupos de estudantes e terceira idade,<br />

devem ser agendadas pelo telefone (12) 3953-3917<br />

Endereço: Rua Theófilo Teodoro Rezende, n.º 39 - Campo Grande<br />

Jacareí – São Paulo – SP<br />

Entrada gratuita.<br />

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Biografias<br />

Cecília Regina de Abreu Dellape Luciane Recieri<br />

Nascida em Jacareí-SP, é casada com Reinaldo Dellape,<br />

tem quatro filhos e dois netos.<br />

Pratica poesia desde a idade escolar, mas somente depois de adulta começa a dar<br />

importância para tal.<br />

Poemas publicados em jornais:<br />

- Casinha (Folha de São Paulo) 1975<br />

- Gigante de Aço (Valeparaibano) 1983<br />

- Anjos Armados (Visão) 2001<br />

- Raízes da Terra (Diário de Jacareí) 2002<br />

Poemas publicados em Antologias:<br />

- Raízes da Terra (Poesia na Praça) 1990<br />

- Resgate<br />

Coletânea Poética Jacarehy:<br />

- Terra Mãe (1991)<br />

Concurso Nacional de Poesia Menotti Del Picchia:<br />

- Retorno (Mostra de Poesia Falada) 1988<br />

Poemas musicados:<br />

- Me deixa Andar 1985 (Músico: José Inácio Machado)<br />

- Estrela Viajante 1985 (Músico: Wilson Carlos de Abreu Câmara)<br />

- Menina - 2009 (Músico: Alexandre Freitas)<br />

Poesias premiadas:<br />

- A cidade é assim (Placa de Prata) 1986<br />

- Raízes da terra (Troféu Henrique de Macedo) 1987<br />

- Terrena (Placa de Prata - Troféu Escola Agrícola) 1989<br />

- Memória (Troféu Jacaré) recebeu menção honrosa com a poesia Memória 2010<br />

pela Academia Jacareyense de Letras.<br />

Nasceu em Poá-SP em 1° de março de 1968.<br />

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Não foi na escola que aprendeu a ler, mas no boteco do Belga, o Pedro<br />

Zvidzaudstraat. Deu-se ali o primeiro contato com as letras,<br />

num tempo em que criança não tinha livros nem nascia em hospital. Talvez tenha<br />

sido no mesmo boteco onde Pedro pesou seus parcos 2470 kg que tenha inventado seu estilo: de olhos<br />

fixos no teto, juntou as mil possibilidades que um “simples” nome poderia dar.<br />

Aprendeu a ler de tudo e continuou escrevendo, tentando descrever nas mãos, braços, camisetas e muros<br />

o sentido de seu mundo. Nunca mostrou a ninguém, salvo o que era anônimo, pois pseudônimos nunca<br />

usou, acha cafona.<br />

Em 1998 foi premiada em São Paulo com um conto infantil o que lhe rendeu uma viagem aos EUA, mas<br />

recusou.<br />

Em 2006 começou a divulgar na internet suas crônicas. Sendo “consagrada” poeta pelos amigos achou<br />

que deveria fazer jus ao título então não parou mais de escrever.<br />

Em 2008, descoberta pela gente do Sul foi convidada a escrever na revista virtual Desacato onde recebeu<br />

no mesmo ano o Prêmio Volódia Teitelboim.<br />

Em 2009 recebeu uma menção honrosa na categoria contos pela AJL.<br />

Em 2010 participou da exposição “<strong>Meu</strong> <strong>Quintal</strong>” colocando rodapés em algumas obras de Edna Cassal.


Edna Cassal<br />

Nascida em 1957, Jacareí-SP.<br />

Artista plástica e arte-educadora.<br />

Trabalhou com gravura em serigrafia de produção<br />

alternativa e independente.<br />

Participou de várias exposições nas categorias coletiva e individual. Na<br />

categoria itinerante participou em escolas municipais com o projeto “As<br />

Cores do Jardim”.<br />

Em 2009 participou da Mostra d’Arte Contemporanea<br />

– Nel Colore, Napoli – Itália.<br />

Atualmente participa de oficinas de Reciclagem e Arte no Parque da Cidade<br />

de Jacareí e aulas de desenho e pintura em seu ateliê.<br />

Ilustrou o livro Design de Pensamentos de Bárbara de Paula.<br />

Autora do projeto artístico e literário “<strong>Meu</strong> <strong>Quintal</strong>”.<br />

Teve formação profissional com os artistas: Tuneu (Antonio Carlos Rodrigues),<br />

Selma Daffré, Rubens Matuk, Regiane Cayre, Luiz Castañon,<br />

Cirton Genaro, Margarida Holler, Kika Antunes e Cesar Baio.<br />

Área de atuação:<br />

Desenho, pintura, instalação, arte e mídia, webdesign e animação.<br />

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