Procurou-se caracterizar a função social do ... - Archer Consulting
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A Nobreza da Advocacia e o Espírito Cristão<br />
António Barreto <strong>Archer</strong> *<br />
Nos últimos tempos, a justiça tem assumi<strong>do</strong> um protagonismo mediático<br />
manifestamente excessivo. Apesar da ocorrência de alguns casos judiciais<br />
extraordinários, esta mediatização da justiça surge muito por força de uma comunicação<br />
<strong>social</strong> cada vez mais ávida de audiências, das quais depende o <strong>se</strong>u êxito económico, uma<br />
vez que este <strong>se</strong> ba<strong>se</strong>ia na previsível cedência <strong>do</strong> universo <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res aos ditames<br />
da sofisticada máquina publicitária. Os media transformam os casos judiciais, sobretu<strong>do</strong><br />
aqueles que envolvem as chamadas “figuras públicas”, em novelas de difusão permanente<br />
e em directo, nas quais os actores não são pagos e o público especta<strong>do</strong>r é trata<strong>do</strong> como<br />
uma multidão ignorante à procura de satisfazer as emoções mais básicas.<br />
Neste panorama desregra<strong>do</strong> e fortemente condicionante, a figura <strong>do</strong> advoga<strong>do</strong><br />
surge na opinião pública como uma espécie de “demónio” que, a troco de muito dinheiro<br />
e pouca <strong>se</strong>riedade, impede os já culpa<strong>do</strong>s de <strong>se</strong>rem rapidamente julga<strong>do</strong>s e condena<strong>do</strong>s<br />
pelos <strong>se</strong>us crimes hedion<strong>do</strong>s. Esta imagem <strong>do</strong> advoga<strong>do</strong> é marcada a traço ainda mais<br />
grosso pelo chocante comportamento de alguns membros da clas<strong>se</strong>, que usam e abusam<br />
deste mediatismo. São advoga<strong>do</strong>s que <strong>se</strong> inebriam com o protagonismo mediático de que<br />
são alvo, fazen<strong>do</strong> dele uma permanente e gigantesca campanha publicitária de angariação<br />
de clientes, ao arrepio das normas estatutárias que regem o exercício da profissão e em<br />
flagrante deslealdade para com os colegas que exercem a advocacia com respeito pelas<br />
normas deontológicas e teimam em queimar as pestanas a estudar os processos, as leis e a<br />
<strong>do</strong>utrina, em vez de <strong>se</strong> desmultiplicarem em entrevistas e comentários nas televisões,<br />
jornais e revistas, ou em festas <strong>do</strong> jet-<strong>se</strong>t. Estes advoga<strong>do</strong>s “mediasitas” (parasitas<br />
mediáticos da profissão) afastam-<strong>se</strong> <strong>do</strong> recato cívico e da sobriedade profissional que lhes<br />
exigiria a sua <strong>função</strong> e os preceitos deontológicos que a regem, mas a sua (aparente)<br />
importância é tão grande que nem mesmo os poderes legitimamente instituí<strong>do</strong>s são<br />
capazes de lhes fazer frente, antes <strong>se</strong> submeten<strong>do</strong> à sua vocação narcísica, por vezes com<br />
a desbragada cumplicidade de responsáveis e dirigentes.<br />
A este quadro, já de si muito negro, acrescem os propala<strong>do</strong>s exemplos de<br />
advoga<strong>do</strong>s de “sucesso” que <strong>se</strong> destacam pela habilidade com que ludibriam tu<strong>do</strong> e to<strong>do</strong>s,<br />
passan<strong>do</strong> por cima de leis e regras éticas. Não tanto pelo <strong>se</strong>u número, felizmente ainda<br />
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diminuto em termos relativos, mas pela ampliação de que são alvo com a lente <strong>se</strong>lectiva<br />
da comunicação <strong>social</strong>, que engrandece tu<strong>do</strong> o que é patológico, estes casos contribuem<br />
também para a degradação da imagem <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s.<br />
Tu<strong>do</strong> isto e mais um punha<strong>do</strong> de ideias feitas sobre a profissão, muito afastadas<br />
da sua realidade ontológica e deontológica, vêm de<strong>se</strong>nhan<strong>do</strong>, no espírito <strong>do</strong> comum<br />
cidadão, uma imagem muito deformada e negativa da advocacia. A realidade, porém, é<br />
que a advocacia é uma das mais nobres profissões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e tem um carácter co-natural<br />
ao direito. Verifica-<strong>se</strong> mesmo um paralelismo entre a gradual consciencialização da<br />
imprescindibilidade <strong>social</strong> <strong>do</strong> advoga<strong>do</strong> e a evolução das concepções jurídico-políticas<br />
rumo ao moderno Esta<strong>do</strong> de Direito e à afirmação <strong>do</strong>s direitos fundamentais <strong>do</strong>s<br />
cidadãos.<br />
A palavra Advoga<strong>do</strong> tem a sua origem no étimo latino advocatus, que significa<br />
“<strong>se</strong>r chama<strong>do</strong> para junto de alguém, em <strong>se</strong>u auxílio ou para sua protecção”. Este vocábulo<br />
latino traduziu o termo grego “paráclito”, exactamente com o mesmo significa<strong>do</strong> e que,<br />
de acor<strong>do</strong> com o Evangelho de São João, Jesus Cristo terá utiliza<strong>do</strong> para designar o<br />
Espírito Santo (Jo 14, 16). Para os primeiros Cristãos, como refere o Catecismo da Igreja<br />
Católica (§ nº 692), o Espírito Santo <strong>se</strong>ria o <strong>se</strong>u “Consola<strong>do</strong>r”, o continua<strong>do</strong>r da obra de<br />
Jesus Cristo após a Sua partida para o Céu. E consola<strong>do</strong>r significa defensor, protector,<br />
advoga<strong>do</strong>. De acor<strong>do</strong> com a Primeira Carta de São João, o próprio Cristo, supremo<br />
Consola<strong>do</strong>r da humanidade, <strong>se</strong>rá, no julgamento final, o nosso Advoga<strong>do</strong> junto <strong>do</strong> Pai (1<br />
Jo 2, 1). Mais tarde, no âmbito <strong>do</strong> culto Mariano, os Católicos atribuíram à Nossa<br />
Senhora, mãe de Jesus, o título de sua advogada, que rezam na Oração da Salve Rainha:<br />
“Eia pois, advogada nossa, es<strong>se</strong>s vossos olhos mi<strong>se</strong>ricordiosos a nós volvei…” É este o<br />
<strong>se</strong>nti<strong>do</strong> originário que a tradição Cristã atribui à palavra advoga<strong>do</strong>, que atesta bem a<br />
dignidade <strong>do</strong> <strong>se</strong>u significa<strong>do</strong>.<br />
A advocacia, enquanto <strong>função</strong> que consiste es<strong>se</strong>ncialmente na defesa de valores e<br />
interes<strong>se</strong>s alheios, terá, muito provavelmente, surgi<strong>do</strong> nos estádios mais primitivos de<br />
organização <strong>social</strong> <strong>do</strong> homem. Podemos afirmar que o primeiro advoga<strong>do</strong> foi o primeiro<br />
homem que teve a coragem e a arte de defender o <strong>se</strong>u <strong>se</strong>melhante contra a injustiça, a<br />
violência ou a fraude, utilizan<strong>do</strong> as armas da razão e da palavra. A advocacia começou<br />
por <strong>se</strong>r exercida gratuitamente, por homens bons que <strong>se</strong> destacavam <strong>social</strong>mente pela sua<br />
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erudição e capacidade oratória. Este género de advoga<strong>do</strong>s-ora<strong>do</strong>res, cujo êxito as<strong>se</strong>ntava<br />
es<strong>se</strong>ncialmente no uso da retórica e numa autoridade que lhes advinha <strong>do</strong> prestígio<br />
pessoal e político que possuíam, foi o paradigma <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> antigo, desde a Babilónia à<br />
Grécia, passan<strong>do</strong> pela Caldeia, Pérsia, Egipto e Judeia. Na Grécia antiga, ora<strong>do</strong>res<br />
famosos, como Péricles e Demóstenes, tornaram-<strong>se</strong> advoga<strong>do</strong>s consagra<strong>do</strong>s, mas, de<br />
acor<strong>do</strong> com as Leis de Dracon e Sólon (respectivamente, de 624 e 593 a.C.) só podiam<br />
advogar no areópago (tribunal) homens livres e imacula<strong>do</strong>s na sua honra. Encontram-<strong>se</strong><br />
também na antiguidade mais remota referências a filósofos e sacer<strong>do</strong>tes que<br />
de<strong>se</strong>mpenhariam a <strong>função</strong> de advoga<strong>do</strong>s. Por exemplo, no <strong>se</strong>io <strong>do</strong> povo hebraico, os<br />
sábios tinham a missão de arbitrar e resolver dúvidas na aplicação <strong>do</strong> direito, actuan<strong>do</strong><br />
preventivamente no <strong>se</strong>nti<strong>do</strong> da harmonização <strong>do</strong>s conflitos, enquanto os sacer<strong>do</strong>tes<br />
acolhiam sob a sua protecção os cidadãos per<strong>se</strong>gui<strong>do</strong>s pela ira popular, evitan<strong>do</strong> assim a<br />
vindicta privada e garantin<strong>do</strong> o funcionamento da Justiça institucionalizada.<br />
Em Roma, onde a ciência jurídica foi superiormente cultivada e aprofundada, a<br />
origem da advocacia não pode <strong>se</strong>r dissociada da criação <strong>do</strong> patronato, primeira forma<br />
institucional de protecção <strong>do</strong>s direitos de terceiros, através da qual os plebeus deviam<br />
escolher entre os patrícios um patrono para a defesa <strong>do</strong>s <strong>se</strong>us interes<strong>se</strong>s, estabelecen<strong>do</strong>-<strong>se</strong><br />
entre o patrono e o plebeu um feixe de direitos e deveres que constituía o jura patronatus.<br />
Numa fa<strong>se</strong> inicial, as qualidades oratórias eram decisivas para o de<strong>se</strong>mpenho da <strong>função</strong><br />
de patrono, mas com o decorrer <strong>do</strong>s tempos, o estu<strong>do</strong> da jurisprudência tornou-<strong>se</strong><br />
es<strong>se</strong>ncial. Só então o exercício da advocacia passou a <strong>se</strong>r oficialmente remunera<strong>do</strong>, mas a<br />
remuneração devia <strong>se</strong>r honoris causa, pelo que consistia em “honorários”, designação<br />
ainda hoje utilizada na maior parte <strong>do</strong>s paí<strong>se</strong>s. Na verdade, a filosofia romana, herdeira<br />
da grega, considerava o salário próprio <strong>do</strong> trabalho manual e, portanto, indigno <strong>do</strong><br />
patrocínio foren<strong>se</strong>, que era ti<strong>do</strong> como uma actividade de grande elevação e de carácter<br />
eminentemente altruísta.<br />
Em Portugal, no século XII, os advoga<strong>do</strong>s eram chama<strong>do</strong>s “arrazoa<strong>do</strong>res” ou<br />
“vozeiros”, uma vez que eram aqueles que nos tribunais alegavam as razões <strong>do</strong>s litigantes<br />
e emprestavam a sua voz aos que não sabiam defender-<strong>se</strong>. A advocacia era uma<br />
actividade exercida com gratuidade, profundamente marcada pelo Direito Romano e pelo<br />
Direito Canónico, matérias que eram os principais temas de estu<strong>do</strong> nas primeiras<br />
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Universidades. Na Idade Média assistiu-<strong>se</strong> a um certo declínio da advocacia, mas a partir<br />
<strong>do</strong> reina<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rei S. Luís em França, que, em 1327, criou a Ordem <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s<br />
France<strong>se</strong>s, inicia-<strong>se</strong> uma fa<strong>se</strong> de recuperação <strong>do</strong> prestígio da advocacia em toda a Europa.<br />
Porém, as nossas Ordenações Afonsinas (1446) não exigiam ainda habilitações especiais<br />
para exercer a advocacia. Só no reina<strong>do</strong> de D. Afonso V <strong>se</strong> passou a exigir que os<br />
procura<strong>do</strong>res (como eram então designa<strong>do</strong>s os advoga<strong>do</strong>s) fos<strong>se</strong>m letra<strong>do</strong>s e <strong>se</strong><br />
submetes<strong>se</strong>m a um exame. As Ordenações Manuelinas (1513) vieram permitir o exercício<br />
da advocacia aos gradua<strong>do</strong>s em Direito Civil ou Canónico <strong>se</strong>m necessidade de exame,<br />
vedan<strong>do</strong>, no entanto, es<strong>se</strong> exercício a clérigos, fidalgos e cavaleiros. A maior parte <strong>do</strong>s<br />
autores pensa que esta última regra <strong>se</strong> destinaria a evitar que a influência <strong>social</strong> destas<br />
clas<strong>se</strong>s <strong>se</strong> propagas<strong>se</strong> à administração da justiça, mas também poderá ver-<strong>se</strong> na ratio legis<br />
desta norma a velha exigência ética e deontológica da independência <strong>do</strong> advoga<strong>do</strong>. A<br />
Revolução Francesa de 1789 extinguiu a Ordem <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s. Apesar disso, os<br />
advoga<strong>do</strong>s continuaram a exercer a profissão, até que, em 1810, através de um Decreto<br />
de Napoleão, foi restabelecida a Ordem <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>s France<strong>se</strong>s. Napoleão foi força<strong>do</strong> a<br />
reconhecer a pre<strong>se</strong>nça legal <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s, justifican<strong>do</strong> essa medida, no preâmbulo <strong>do</strong><br />
<strong>se</strong>u Decreto, por <strong>se</strong>r “um <strong>do</strong>s meios mais adequa<strong>do</strong>s a manter a probidade, a correcção, o<br />
desinteres<strong>se</strong>, o ânimo de conciliação, o amor da verdade e da justiça e um zelo<br />
esclareci<strong>do</strong> na defesa <strong>do</strong>s fracos e <strong>do</strong>s oprimi<strong>do</strong>s”. A Ordem <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s Portugue<strong>se</strong>s<br />
foi criada pelo Decreto nº 11.715, de 12 de Junho de 1926, na <strong>se</strong>quência de um<br />
movimento de defesa e aglutinação da clas<strong>se</strong>, lidera<strong>do</strong> pela Associação <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s<br />
de Lisboa, cujos Estatutos, aprova<strong>do</strong>s em 1838, anunciavam como objectivo a<br />
“organização definitiva da Ordem <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s”.<br />
Esta brevíssima viagem histórica às origens da advocacia, mostra-nos que os<br />
advoga<strong>do</strong>s são os fiéis depositários <strong>do</strong> espírito Cristão e da ideia de liberdade, igualdade<br />
e fraternidade que <strong>se</strong>dimentaram a Europa e o mun<strong>do</strong>, pelo que podem e devem aspirar,<br />
pela sua compostura, integridade e competência, a <strong>se</strong>rem reconheci<strong>do</strong>s como uma<br />
verdadeira magistratura cívica. Para isso, é necessário que a Ordem <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>s<br />
de<strong>se</strong>mpenhe cabalmente a sua principal missão, que consiste em supervisionar o<br />
exercício da advocacia, as<strong>se</strong>guran<strong>do</strong> o cumprimento <strong>do</strong>s deveres deontológicos da<br />
profissão. A palavra Deontologia deriva da aglutinação de duas palavras Gregas: deontos,<br />
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que significa dever ou dever <strong>se</strong>r e logos, que significa estu<strong>do</strong> ou ciência. Trata-<strong>se</strong>,<br />
portanto, <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> ou da ciência <strong>do</strong>s deveres ou <strong>do</strong> dever <strong>se</strong>r, poden<strong>do</strong> entender-<strong>se</strong> como<br />
oposição a ontologia, que <strong>se</strong>rá o estu<strong>do</strong> ou ciência <strong>do</strong> <strong>se</strong>r. Na permanente tensão entre o<br />
“<strong>se</strong>r” e o “dever <strong>se</strong>r”, a deontologia profissional <strong>do</strong> advoga<strong>do</strong> <strong>se</strong>rá pois o conjunto de<br />
regras ético-jurídicas pelas quais este deve pautar o <strong>se</strong>u comportamento profissional e<br />
cívico. Neste âmbito, existe um conjunto de deveres <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s para com a<br />
comunidade, cujo cumprimento é es<strong>se</strong>ncial para que a profissão possa gozar da<br />
imprescindível confiança pública. Trata-<strong>se</strong> de uma ética de responsabilidade, que parte <strong>do</strong><br />
princípio que as acções individuais têm <strong>se</strong>mpre implicações no devir da colectividade<br />
<strong>social</strong>, e <strong>se</strong> fundamenta em valores colectivos de justiça <strong>social</strong> e de direito natural.<br />
Esta ideia de ética de responsabilidade está intimamente associada à noção de<br />
<strong>função</strong> <strong>social</strong>, inicialmente elaborada a propósito da propriedade na chamada <strong>do</strong>utrina<br />
<strong>social</strong> da Igreja, que <strong>se</strong> de<strong>se</strong>nvolveu no século XIX, aquan<strong>do</strong> <strong>do</strong> confronto <strong>do</strong> Evangelho<br />
com as novas estruturas de produção e as novas formas de trabalho e de propriedade na<br />
sociedade industrial moderna (JOÃO PAULO II, Encíclica Centesimus annus, nº 24).<br />
Mas a <strong>do</strong>utrina da <strong>função</strong> <strong>social</strong> da propriedade encontra a sua inspiração mais remota em<br />
S. Tomás de Aquino (Suma de Teologia), para quem “o proprietário é um procura<strong>do</strong>r da<br />
comunidade para a gestão de bens destina<strong>do</strong>s a <strong>se</strong>rvir to<strong>do</strong>s, embora pertençam a um só”.<br />
Pegan<strong>do</strong> nesta fra<strong>se</strong> de S. Tomás de Aquino e aproveitan<strong>do</strong> a significativa circunstância<br />
da palavra por ele empregue, procura<strong>do</strong>r, <strong>se</strong>r um sinónimo histórico de advoga<strong>do</strong>,<br />
podemos formular a <strong>se</strong>guinte fra<strong>se</strong> para traduzir a ideia da <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> advoga<strong>do</strong>: o<br />
advoga<strong>do</strong> é um procura<strong>do</strong>r da comunidade para a gestão <strong>do</strong>s litígios <strong>do</strong> cliente, buscan<strong>do</strong><br />
a sua resolução justa, no interes<strong>se</strong> de to<strong>do</strong>s, embora esta ocorra no interes<strong>se</strong> primário <strong>do</strong><br />
cliente.<br />
Daquilo que dis<strong>se</strong>mos, resulta evidente que a profissão de advoga<strong>do</strong>, nas diversas<br />
facetas que o <strong>se</strong>u exercício pode assumir, de<strong>se</strong>mpenha um papel <strong>social</strong> de extrema<br />
importância. O exercício livre e eticamente responsável da advocacia, com as suas<br />
prerrogativas de actuação e de independência, constitui mesmo uma indispensável<br />
garantia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito. Nos tribunais, o advoga<strong>do</strong> as<strong>se</strong>gura que, em cada uma das<br />
fa<strong>se</strong>s <strong>do</strong> processo, <strong>se</strong> prossiga no <strong>se</strong>nti<strong>do</strong> da liquidação da verdade processual. Ele não é<br />
somente o mandatário da parte, mas também um funcionário <strong>do</strong> tribunal, uma vez que lhe<br />
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compete as<strong>se</strong>gurar que a parte verá a sua causa decidida <strong>se</strong>gun<strong>do</strong> o direito e a prova, e<br />
que <strong>se</strong>rão expostos ao espírito <strong>do</strong>s juízes to<strong>do</strong>s os aspectos <strong>do</strong> assunto que <strong>se</strong>jam capazes<br />
de actuar na questão. É este o ministério que o advoga<strong>do</strong> de<strong>se</strong>mpenha livremente, visto<br />
que não é moralmente responsável pelo acto da parte em manter um pleito injusto, nem<br />
pelo erro <strong>do</strong> tribunal. Ao tribunal incumbe pesar ambos os la<strong>do</strong>s da causa, ao advoga<strong>do</strong><br />
cabe auxiliar o tribunal fazen<strong>do</strong> o que o <strong>se</strong>u cliente não poderia fazer, por míngua de<br />
disposição, saber, experiência ou aptidão.<br />
Contraponto desta responsabilidade ética e <strong>social</strong>, são as prerrogativas da<br />
advocacia e a sua consagração como profissão com dignidade constitucional. É por isso<br />
que, no mun<strong>do</strong> actual, marca<strong>do</strong> pelo terrorismo, pela guerra e pela in<strong>se</strong>gurança <strong>social</strong> e<br />
económica, <strong>se</strong> impõe uma defesa tenaz da enorme conquista que foi a afirmação histórica<br />
da dignidade da advocacia no percurso de evolução da humanidade rumo à criação e ao<br />
de<strong>se</strong>nvolvimento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito. Este é um combate colectivo es<strong>se</strong>ncial para to<strong>do</strong>s<br />
os advoga<strong>do</strong>s, desde os que agora dão os primeiros passos na profissão até aos mais<br />
velhos, cujo exemplo de dedicação profissional deverá constituir um acervo inesgotável<br />
de orgulho e motivação para os mais novos.<br />
É pois indiscutível a nobreza da profissão de advoga<strong>do</strong>. A sua origem está ligada<br />
ao próprio fundamento da civilização, porquanto parte da ideia ba<strong>se</strong> da sociabilidade,<br />
enquanto manifestação de abertura ao <strong>se</strong>melhante, que <strong>se</strong> traduz na ajuda <strong>do</strong> outro, no<br />
socorro <strong>do</strong> aflito. Para nós, que vivemos na parte ocidental <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, a advocacia<br />
encontra as suas raízes na matriz judaico-cristã que nos caracteriza culturalmente e o <strong>se</strong>u<br />
conceito reconduz-nos ao mandamento <strong>do</strong> amor ao próximo e à virtude da caridade cristã.<br />
Na sociedade tecnológica actual, a advocacia é cada vez mais complexa e multifacetada,<br />
mas é possível encontrar, em cada uma das suas diferentes formas de exercício, uma<br />
relevância ética que delimita uma <strong>função</strong> <strong>social</strong>, a qual constitui uma nota distintiva<br />
es<strong>se</strong>ncial em relação à maior parte das outras profissões.<br />
O juiz julga, em nome <strong>do</strong> povo, mas esgota-<strong>se</strong> nessa <strong>função</strong>, para a qual <strong>se</strong> <strong>se</strong>rve<br />
muitas vezes <strong>do</strong> denoda<strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong> advoga<strong>do</strong>, que lhe joeira os factos e lhe prepara os<br />
argumentos. O advoga<strong>do</strong> acon<strong>se</strong>lha, assiste, acompanha, apoia, decide também, no<br />
silêncio <strong>do</strong> <strong>se</strong>u gabinete, <strong>se</strong> aceita ou não o patrocínio daquela causa, da qual pode<br />
depender a honra, a dignidade, o património ou mesmo a vida de alguém. O advoga<strong>do</strong><br />
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complementa o juiz e irmana-<strong>se</strong> com ele na distribuição daquele bálsamo para todas as<br />
feridas, a que <strong>se</strong> chama Justiça. Apenas o médico, quan<strong>do</strong> tem nas mãos a vida de um <strong>se</strong>r<br />
humano, exercerá uma profissão de nobreza equivalente. Mas mesmo aqui, repare-<strong>se</strong> que<br />
a acção e a necessidade <strong>do</strong> médico terminam com a morte física da pessoa, enquanto a<br />
acção e a necessidade <strong>do</strong> advoga<strong>do</strong> <strong>se</strong> podem prolongar para além desta: na garantia de<br />
que as suas últimas vontades <strong>se</strong>rão cumpridas, no as<strong>se</strong>gurar de que a sua memória <strong>se</strong>rá<br />
honrada ou perpetuada, etc. Recordan<strong>do</strong> o início deste artigo, para aqueles que, como<br />
nós, acreditam no Evangelho, até mesmo depois da morte, no julgamento final da pessoa<br />
moral, a alma precisará de um Advoga<strong>do</strong>: Jesus Cristo. Sem querermos <strong>se</strong>r pretensiosos,<br />
mas dizen<strong>do</strong>-o com a humildade de quem sabe que é <strong>se</strong>rvin<strong>do</strong> que <strong>se</strong> enobrece,<br />
arriscamo-nos a afirmar que a advocacia, <strong>se</strong> exercida no absoluto respeito <strong>do</strong>s valores<br />
éticos que a enformam, é a mais nobre das profissões que um homem ou uma mulher<br />
podem exercer.<br />
* Advoga<strong>do</strong><br />
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