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O argumento de Kripke contra o materialismo identitativo particular ...

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Universida<strong>de</strong> Clássica <strong>de</strong> Lisboa<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras<br />

Departamento Filosofia<br />

Mestrado<br />

SEMINÁRIO DE ORIENTAÇÃO I<br />

Ano lectivo 2004-2005<br />

O <strong>argumento</strong> <strong>de</strong> <strong>Kripke</strong> <strong>contra</strong><br />

o <strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong><br />

Vitor Manuel Dinis Pereira


O <strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> é o monismo não-reducionista <strong>de</strong><br />

eventos: i<strong>de</strong>ntifica numericamente cada evento mental, cada portador <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s mentais<br />

como a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma dor, com cada evento físico, cada portador <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s<br />

físicas como a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma estimulação das fibras-C.<br />

Se Kawasaki (respectivamente, Dutto) po<strong>de</strong> ter simultaneamente muitas proprieda<strong>de</strong>s<br />

distintas, como a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser um cão, a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma animal doméstico,<br />

então o facto (estado <strong>de</strong> coisas) <strong>de</strong> Kawasaki (respectivamente, Dutto) ser um cão é distinto do<br />

facto (estado <strong>de</strong> coisas) <strong>de</strong> Kawasaki (respectivamente, Dutto) ser um animal doméstico, mas<br />

o evento <strong>de</strong> Kawasaki (respectivamente, Dutto) estar num certo estado correspon<strong>de</strong>nte a<br />

esses factos po<strong>de</strong> ser o mesmo.<br />

O caso <strong>de</strong> x e y terem diferentes proprieda<strong>de</strong>s e não se seguir que x e y são distintos<br />

não <strong>de</strong>ve ser confundido com o caso <strong>de</strong> x e y terem as mesmas proprieda<strong>de</strong>s e seguir-se que x<br />

e y são distintos.<br />

A indiscernibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> idênticos é: se x = y, então x e y têm as mesmas proprieda<strong>de</strong>s<br />

(ou: x e y têm as mesmas proprieda<strong>de</strong>s se x = y).<br />

A fim <strong>de</strong> apresentar o <strong>argumento</strong> <strong>de</strong> <strong>Kripke</strong> <strong>contra</strong> o <strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong><strong>particular</strong><br />

é útil distinguir entre eventos-tipo e eventos-<strong>particular</strong>es <strong>de</strong> forma a reter os<br />

segundos como aqueles acerca dos quais é a tese distintiva do <strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo<br />

<strong>particular</strong>-<strong>particular</strong>.<br />

Eventos-tipo são uma certa proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> eventos específicos ou uma certa classe<br />

<strong>de</strong> eventos específicos.<br />

Eventos-<strong>particular</strong>es são entida<strong>de</strong>s irrepetíveis ou não exemplificáveis e concretas, isto<br />

é, datáveis e situáveis no espaço.<br />

A pretensão do <strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> não é explicar, por<br />

exemplo, como é que uma pessoa tem as sensações corpóreas e experiências visuais<br />

específicas que tem ou como é que uma pessoa está no estado neurofisiológico em que está,<br />

mas <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> numérica entre cada evento mental e cada evento físico seja qual<br />

for a explicação proporcionada pela ciência relevante para as sensações corpóreas e<br />

experiências visuais específicas que uma pessoa tem ou seja qual for a explicação<br />

proporcionada pela ciência relevante para o estado neurofisiológico em que uma pessoa está.<br />

Alega-se, em <strong>de</strong>fesa do <strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong>, que o<br />

<strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> dá conta das relações causais entre mente e<br />

corpo <strong>de</strong> forma mais plausível do que qualquer outra das teses diponíveis.<br />

Suponha-se, por um lado, que mente e corpo são ontologicamente separados e<br />

causalmente estanques.<br />

Ora, a nossa intuição <strong>de</strong> que há relações causais entre mente e corpo é dificilmente<br />

acomodada.<br />

A intuição <strong>de</strong> que eventos mentais, como a ocorrência <strong>de</strong> uma dor neste momento, são<br />

causalmente responsáveis pela ocorrência <strong>de</strong> eventos físicos, como um grito súbito <strong>de</strong> dor<br />

neste momento, é dificilmente acomodada.


Se o materalista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> tiver razão, e o evento do qual são<br />

predicáveis proprieda<strong>de</strong>s mentais como a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentir uma dor é numericamente<br />

idêntico ao evento do qual são predicáveis proprieda<strong>de</strong>s físicas como a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser<br />

uma estimulação das fibras-C, o evento mental e o evento físico são um e o mesmo evento e a<br />

ocorrência do evento causalmente responsável pelo grito súbito <strong>de</strong> dor neste momento é o<br />

evento físico <strong>de</strong> uma dor ocorrer neste momento.<br />

irredutíveis.<br />

Não há <strong>particular</strong>es mentais, há proprieda<strong>de</strong>s mentais e proprieda<strong>de</strong>s físicas<br />

Mesmo um dualista como Descartes não está disposto a negar que há uma interacção<br />

causal entre a substância mental e a substância material.<br />

Pelo menos, não estamos dispostos a negar que há relações causais entre mente e<br />

corpo da mesma forma que estamos dispostos a negar que mente e corpo são<br />

ontologicamente separados.<br />

Logo, o materalismo i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> é a tese que alegadamente melhor<br />

acomoda as nossas intuições.<br />

O materalismo i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> é alegadamente a melhor explicação<br />

para termos a intuição que temos <strong>de</strong> que há relações causais entre mente e corpo.<br />

O progresso das ciências físicas, por outro lado, torna natural a assumpção <strong>de</strong> que<br />

qualquer evento físico, se pu<strong>de</strong>r ser explicado, po<strong>de</strong> ser explicado em termos puramente<br />

físicos. Parece, então, que, uma vez assumido que qualquer evento físico, se pu<strong>de</strong>r ser<br />

explicado, po<strong>de</strong> ser explicado em termos puramente físicos, somos obrigados a i<strong>de</strong>ntificar<br />

eventos mentais como eventos físicos <strong>de</strong> forma a dar conta da eficácia causal que<br />

alegadamente eventos mentais têm.<br />

São estes os pontos que a argumentação <strong>contra</strong> o materalismo i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong><strong>particular</strong><br />

não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ter em conta.<br />

Mas, alegue-se o que se alegar em <strong>de</strong>fesa do <strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<br />

-<strong>particular</strong>, os <strong>argumento</strong>s do materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> só serão efectivos se<br />

o materalismo i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> for coerente.<br />

As alegadas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s psicofísicas <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> são i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> facto?<br />

O <strong>argumento</strong> <strong>de</strong> <strong>Kripke</strong> <strong>contra</strong> o <strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> é<br />

apresentado nas pp. 146-148 <strong>de</strong> Naming and necessity.<br />

A estratégia <strong>de</strong> argumentação <strong>contra</strong> o <strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong><br />

<strong>de</strong> Saul <strong>Kripke</strong> consiste em dizer que, se o materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong><br />

tem razão, então terá <strong>de</strong> dar conta das intuições modais seguintes:<br />

parece (pelo menos logicamente, diz <strong>Kripke</strong>) possível que o evento físico, o portador<br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s físicas como a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma estimulação das fibras-C,<br />

correspon<strong>de</strong>nte ao evento mental, po<strong>de</strong> ocorrer sem o evento mental, o portador <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong>s mentais como a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma dor;<br />

parece possível que o evento mental, o portador <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s mentais como a<br />

proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma dor, correspon<strong>de</strong>nte ao evento físico, po<strong>de</strong> ocorrer sem o evento


físico, o portador <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s físicas como a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma estimulação das<br />

fibras-C.<br />

Ora, o materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> não dá conta das intuições modais,<br />

não dá conta das proprieda<strong>de</strong>s modais <strong>de</strong> eventos <strong>particular</strong>es mentais e <strong>de</strong> eventos<br />

<strong>particular</strong>es físicos.<br />

Logo, a alegada i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> psicofísica <strong>de</strong> <strong>particular</strong>es não é <strong>de</strong> facto i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre<br />

eventos <strong>particular</strong>es mentais e eventos <strong>particular</strong>es físicos.<br />

A réplica do materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> consiste em dizer que só<br />

precisa <strong>de</strong> dar conta <strong>de</strong> pelo menos uma das intuições modais, porque, para que eventos<br />

<strong>particular</strong>es mentais e eventos <strong>particular</strong>es físicos sejam <strong>de</strong> facto distintos, o materialista<br />

i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> não po<strong>de</strong> dar conta <strong>de</strong> nenhuma das duas intuições modais.<br />

O <strong>argumento</strong> que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da intuição segundo a qual parece (pelo menos<br />

logicamente, diz <strong>Kripke</strong>) possível que o evento físico, o portador <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s físicas como<br />

a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma estimulação das fibras-C, correspon<strong>de</strong>nte ao evento mental, po<strong>de</strong><br />

ocorrer sem o evento mental, o portador <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s mentais como a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser<br />

uma dor, consiste no seguinte género <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rações.<br />

Consi<strong>de</strong>re-se o evento mental, o portador <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s mentais como a<br />

proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma dor, por exemplo uma dor que João sente no instante <strong>de</strong> tempo t, e<br />

consi<strong>de</strong>re-se o correspon<strong>de</strong>nte evento físico, o portador <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s físicas como a<br />

proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma estimulação das fibras-C, por exemplo uma estimulação das fibras-<br />

-C <strong>de</strong> João no instante <strong>de</strong> tempo t.<br />

Parece logicamente possível que o evento físico, correspon<strong>de</strong>nte ao evento mental,<br />

po<strong>de</strong> ocorrer sem o evento mental.<br />

Por exemplo, o cérebro <strong>de</strong> João po<strong>de</strong> estar exactamente no mesmo estado no instante<br />

<strong>de</strong> tempo t e João não sentir qualquer dor.<br />

O <strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> não é consistente com a aparente<br />

possibilida<strong>de</strong> lógica do evento físico, correspon<strong>de</strong>nte ao evento mental, po<strong>de</strong>r ocorrer sem o<br />

evento mental.<br />

O <strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> não é consistente com a aparente<br />

possibilida<strong>de</strong> lógica <strong>de</strong> F po<strong>de</strong>r ocorrer sem D.<br />

Se D = F, então nem D po<strong>de</strong> ocorrer sem F, nem F po<strong>de</strong> ocorrer sem D, pois são uma<br />

e a mesma coisa, pelo princípio da necessida<strong>de</strong> da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />

Se o evento mental e o evento físico são idênticos, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é necessária.<br />

O materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> não po<strong>de</strong> admitir a aparente<br />

possibilida<strong>de</strong> lógica do evento físico, correspon<strong>de</strong>nte ao evento mental, po<strong>de</strong>r ocorrer sem o<br />

evento mental e continuar a partir daqui.<br />

O materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> po<strong>de</strong> argumentar que o evento mental e<br />

o evento físico são idênticos, mas a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma dor é uma proprieda<strong>de</strong><br />

contingente do evento mental.


Segundo <strong>Kripke</strong>, dificilmente o materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> po<strong>de</strong><br />

argumentar que a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma dor é uma proprieda<strong>de</strong> contingente do evento<br />

mental, pois a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma dor é uma proprieda<strong>de</strong> necessária <strong>de</strong> cada dor.<br />

O materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> po<strong>de</strong> argumentar que o evento mental e<br />

o evento físico são idênticos, mas a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma sensação é uma proprieda<strong>de</strong><br />

contingente do evento mental, pois parece logicamente possível que o correspon<strong>de</strong>nte evento<br />

físico po<strong>de</strong> ocorrer sem qualquer sensação com a qual seja plausivelmente i<strong>de</strong>ntificado.<br />

No entanto, alega <strong>Kripke</strong>, consi<strong>de</strong>re-se o evento mental ocorrente no instante <strong>de</strong> tempo<br />

t, ou outra sensação. O evento mental, ocorrente no instante <strong>de</strong> tempo t, ou outra sensação,<br />

não po<strong>de</strong> ocorrer sem ser uma sensação, da mesma maneira que um certo inventor (por<br />

exemplo, Franklin) po<strong>de</strong> existir sem ser um inventor.<br />

Logo, segundo <strong>Kripke</strong>, a estratégia adoptada pelo materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<br />

-<strong>particular</strong>, que consiste em dizer que a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma dor e a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser<br />

uma sensação são proprieda<strong>de</strong>s contingentes do evento mental, ocorrente no instante <strong>de</strong><br />

tempo t, não é bem sucedida.<br />

<strong>Kripke</strong> menciona esta estratégia por lhe parecer ser a estratégia que melhor<br />

caracteriza a argumentação materialista i<strong>de</strong>ntitativa <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong>.<br />

A suposta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> numérica entre o evento mental e o correspon<strong>de</strong>nte evento físico<br />

é, segundo o materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong>, para ser analisada segundo o<br />

paradigma da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> contingente entre Benjamin Franklin e o inventor das bifocais.<br />

O materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> argumenta que, tal como é a activida<strong>de</strong><br />

contingente que faz Benjamin Franklin ser o inventor das bifocais, é alguma proprieda<strong>de</strong><br />

contingente do evento físico que faz o evento físico ser o evento mental.<br />

A proprieda<strong>de</strong> contingente do evento físico, que faz o evento físico ser o evento<br />

mental, não é uma proprieda<strong>de</strong> não-física irredutível postulada pelo <strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo<br />

<strong>particular</strong>-<strong>particular</strong>, é, geralmente, para o materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong>, uma<br />

proprieda<strong>de</strong> estável em termos físicos ou, ao menos, tópico-neutral.<br />

Analisar a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma dor, proprieda<strong>de</strong> do evento físico, em termos <strong>de</strong><br />

papel causal do evento físico, em termos dos estímulos característicos (por exemplo, uma<br />

picada <strong>de</strong> alfinete) que o causam e dos comportamentos característicos que causa é típico do<br />

<strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> (por exemplo, Armstrong e Lewis).<br />

O materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> não <strong>de</strong>ixa, no entanto, <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r,<br />

através da análise da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma dor, proprieda<strong>de</strong> do evento físico, em termos <strong>de</strong><br />

papel causal do evento físico, que o papel causal do evento físico é uma proprieda<strong>de</strong><br />

contingente do evento físico e, logo, não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> supor que o papel causal do evento físico é<br />

uma proprieda<strong>de</strong> contingente do evento físico que é o evento mental.<br />

Ora, é absurdo supor que a dor que eu sinto agora po<strong>de</strong> ocorrer sem ser um evento<br />

mental. É absurdo supor que o evento físico não é um evento físico, pois é um evento mental e<br />

é absurdo supor que o evento mental não é um evento mental, pois é um evento físico.


A análise da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma dor, proprieda<strong>de</strong> do evento físico, em termos <strong>de</strong><br />

papel causal do evento físico reduz-se a um absurdo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do que <strong>de</strong> erronéo<br />

possa en<strong>contra</strong>r-se em termos específicos na análise da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma dor em<br />

termos <strong>de</strong> papel causal do evento físico.<br />

O <strong>argumento</strong> que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da intuição segundo a qual parece possível que o evento<br />

mental, o portador <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s mentais como a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma dor, po<strong>de</strong> ocorrer<br />

sem que o evento físico, o portador <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s físicas como a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma<br />

estimulação das fibras-C, que correspon<strong>de</strong> ao evento mental, o portador <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s<br />

mentais como a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma dor, ocorra consiste no seguinte género <strong>de</strong><br />

consi<strong>de</strong>rações.<br />

Consi<strong>de</strong>re-se o evento mental, o portador <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s mentais como a<br />

proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma dor, por exemplo uma dor que alguém sente no instante <strong>de</strong> tempo t, e<br />

consi<strong>de</strong>re-se o correspon<strong>de</strong>nte evento físico, o portador <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s físicas como a<br />

proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma estimulação das fibras-C, por exemplo uma estimulação das fibras-<br />

-C <strong>de</strong> alguém no instante <strong>de</strong> tempo t.<br />

Parece possível que o evento mental, correspon<strong>de</strong>nte ao evento físico, po<strong>de</strong> ocorrer<br />

sem o evento físico.<br />

O <strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> não é consistente com a aparente<br />

possibilida<strong>de</strong> do evento mental, correspon<strong>de</strong>nte ao evento físico, po<strong>de</strong>r ocorrer sem o evento<br />

físico.<br />

O <strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> não é consistente com a aparente<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguém sentir alguma dor sem o correspon<strong>de</strong>nte evento físico.<br />

O <strong>materialismo</strong> i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> não é consistente com a aparente<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> D po<strong>de</strong>r ocorrer sem F.<br />

Se D = F, então nem D po<strong>de</strong> ocorrer sem F, nem F po<strong>de</strong> ocorrer sem D, pois são uma<br />

e a mesma coisa, pelo princípio da necessida<strong>de</strong> da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />

Se o evento mental e o evento físico são idênticos, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é necessária.<br />

O materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> não po<strong>de</strong> admitir a aparente<br />

possibilida<strong>de</strong> do evento mental, correspon<strong>de</strong>nte ao evento físico, po<strong>de</strong>r ocorrer sem o evento<br />

físico e continuar a partir daqui.<br />

O materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> po<strong>de</strong> argumentar que o evento mental e<br />

o evento físico são idênticos, mas a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser um evento físico é uma proprieda<strong>de</strong><br />

contingente do evento físico.<br />

O materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> não po<strong>de</strong>, segundo <strong>Kripke</strong>, argumentar<br />

que a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser um evento físico é uma proprieda<strong>de</strong> contingente do evento físico,<br />

pois a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser um evento físico é uma proprieda<strong>de</strong> necessária do evento físico, é<br />

(evi<strong>de</strong>ntemente, diz <strong>Kripke</strong>) uma proprieda<strong>de</strong> essencial <strong>de</strong> F.


Não só a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser um evento físico é uma proprieda<strong>de</strong> essencial do evento<br />

físico, como a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser um evento físico <strong>de</strong> um tipo específico é uma proprieda<strong>de</strong><br />

essencial do evento físico.<br />

A configuração das células cerebrais cuja presença num dado instante <strong>de</strong> tempo t<br />

constitui a presença do evento físico, <strong>de</strong> F, é essencial ao evento físico, uma vez que na<br />

ausência da configuração das células cerebrais cuja presença num dado instante <strong>de</strong> tempo t<br />

constitui a presença do evento físico, <strong>de</strong> F, o evento físico não ocorre.<br />

O materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> precisa <strong>de</strong> argumentar que o evento<br />

mental, D, não po<strong>de</strong> ocorrer sem um tipo específico <strong>de</strong> configuração <strong>de</strong> moléculas.<br />

Se a relação entre o evento mental e o evento físico é a relação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

numérica, então o materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> precisa <strong>de</strong> argumentar que a<br />

relação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é necessária, que qualquer proprieda<strong>de</strong> essencial do evento mental tem<br />

que ser uma proprieda<strong>de</strong> essencial do evento físico.<br />

O materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> não po<strong>de</strong> aceitar simplesmente a intuição<br />

cartesiana <strong>de</strong> que o evento mental po<strong>de</strong> ocorrer sem o correspon<strong>de</strong>nte evento físico, <strong>de</strong> que o<br />

evento mental po<strong>de</strong> ocorrer sem que o evento físico, que correspon<strong>de</strong> ao evento mental,<br />

ocorra.<br />

O materialista i<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> não po<strong>de</strong> aceitar simplesmente que a<br />

presença correlativa <strong>de</strong> alguma coisa com proprieda<strong>de</strong>s mentais com o evento físico é<br />

meramente contingente e não po<strong>de</strong> aceitar simplesmente que a presença correlativa <strong>de</strong><br />

alguma coisa com proprieda<strong>de</strong>s físicas específicas com o evento mental é meramente<br />

contingente.<br />

A estratégia a adoptar pelo materialista in<strong>de</strong>ntitativo <strong>particular</strong>-<strong>particular</strong> para a <strong>de</strong>fesa<br />

da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> numérica entre o evento mental e o evento físico ser bem sucedida consiste,<br />

segundo <strong>Kripke</strong>, em explicar as intuições modais, as intuições cartesianas, mostrando que são<br />

ilusórias.<br />

Bibliografia<br />

FOSTER, John, “The Token-i<strong>de</strong>ntity Thesis”, WARNER, Richard and SZUBKA, Ta<strong>de</strong>usz<br />

(ed.), The Mind-Body Problem-A Gui<strong>de</strong> to the Current Debate,<br />

Blackwell Publishers Inc., 1996, pp. 299-310.<br />

KRIPKE, Saul A., Naming and necessity, Cambridge, Massachusetts, Harvard University<br />

Press, 1980. Em <strong>particular</strong>, pp. 146-148.

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