Guardados da Memória - Academia Brasileira de Letras
Guardados da Memória - Academia Brasileira de Letras
Guardados da Memória - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Com Bernanos no Brasil<br />
colégios, <strong>de</strong> uma dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> sem par: equivalia em França a um curso <strong>de</strong> especialização...<br />
Certa vez procurou-me aborrecido com Tristão <strong>de</strong> Athay<strong>de</strong>, por cuja inteligência,<br />
cultura e virtu<strong>de</strong>s pessoais tinha fascinação, só porque o gran<strong>de</strong> Alceu<br />
achava, com a sinceri<strong>da</strong><strong>de</strong> que o caracteriza, pouco provável uma vitória <strong>da</strong><br />
Inglaterra sobre o Eixo.<br />
Dos escritores brasileiros conhecia alguns. Achava uma <strong>de</strong>lícia as <strong>Memória</strong>s <strong>de</strong><br />
um sargento <strong>de</strong> milícias, e prezava, em particular, os livros <strong>de</strong> Lima Barreto. Pouco<br />
conhecia <strong>da</strong> literatura <strong>de</strong> Portugal. Quando lhe <strong>de</strong>i A relíquia, do Eça, exultou;<br />
achou-a <strong>de</strong>liciosa e me disse:<br />
– S’il avait écrit en français, il aurait été connu <strong>da</strong>ns le mon<strong>de</strong> entier...<br />
Suas diferenças com certa parte do clero eram notórias. Não tolerava os<br />
jesuítas...<br />
De uma feita, fui encontrá-lo chorando <strong>de</strong> emoção: vinha ele a cavalo, quando<br />
um <strong>de</strong>sses jornaleirinhos anônimos que faziam ponto na Estação, correu a<br />
seu encontro, fazendo-lhe sinal que parasse... E o jornaleiro – um pretinho –<br />
abria o Correio <strong>da</strong> Manhã, e lhe mostrava qualquer coisa a seu respeito... Era um<br />
ro<strong>da</strong>pé, cujo título, em letras maiores e mais fortes, chamou a atenção do menino:<br />
HOMENAGEM A BERNANOS, <strong>de</strong>sse crítico extraordinário, o Sr.<br />
Álvaro Lins. Aquele gesto para Bernanos – o interesse <strong>de</strong> um pobre menino<br />
pela sua pessoa – valia mais do que uma alta con<strong>de</strong>coração...<br />
Escrevia sempre num café, hábito <strong>de</strong> que nunca se livrou: e quanto mais forte<br />
fosse o barulho, mais ruidoso o movimento, mais se sentia à vonta<strong>de</strong>. Em Barbacena<br />
tinha a sua rodinha: o saudoso professor Honório Armond, príncipe dos<br />
poetas mineiros, cujos versos em francês encantavam-no e que ele recitava <strong>de</strong><br />
cor; seu médico, o Dr. Galdino Abranches, clínico <strong>de</strong> nomea<strong>da</strong>, um pouco afastado<br />
<strong>da</strong> profissão, e filósofo <strong>de</strong> idéias próprias; Monsieur Brut, francês radicado<br />
havia anos no Brasil e dono <strong>da</strong> tecelagem Franco-Mineira, <strong>de</strong> Barbacena. Era<br />
muito amigo do Dr. Paulo <strong>da</strong> Rocha Lagoa, cuja espantosa cultura científica e<br />
vasta erudição consi<strong>de</strong>rava como <strong>da</strong>s maiores que conhecera. Este juizo <strong>de</strong>ixou-o<br />
ele gravado com a sua bela letra bor<strong>da</strong><strong>da</strong>, num dos livros que lhe ofereceu.<br />
235