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o mito da revolta versus as cartas de baudelaire - UFES ...

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apresentar Charles “a todos aqueles que o conhecem, que o estimam”, pois se tornou<br />

uma anomalia no círculo sagrado, uma fonte <strong>de</strong> vergonha que <strong>de</strong>ve ser aparta<strong>da</strong>. No<br />

entanto, é forçoso constatar que pouc<strong>as</strong> famíli<strong>as</strong> do século XIX admitiriam tal<br />

comportamento. Mesmo que a família tenha sofrido transformações, mu<strong>da</strong>ndo aos<br />

poucos sua estrutura, e que não pese tanto sobre os ombros dos filhos, <strong>de</strong>ixando-os, por<br />

exemplo, escolher sua carreira, muitos valores morais continuam similares. O que<br />

percebemos claramente na correspondência <strong>de</strong> Alphonse é uma falta <strong>de</strong> entendimento<br />

<strong>da</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong> do jovem Charles. A culpa <strong>de</strong> sua possível perdição é lança<strong>da</strong> sobre a<br />

má influência dos camara<strong>da</strong>s <strong>da</strong> pensão Bailly et Lévêque, fonte <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong> libertina e<br />

<strong>de</strong>sregra<strong>da</strong>. A incompreensão dos parentes não po<strong>de</strong> ser con<strong>de</strong>na<strong>da</strong> tão facilmente. São<br />

os atos <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>ssa incompreensão que são ina<strong>de</strong>quados à individuali<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

poeta: a impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> achar um meio termo entre a autori<strong>da</strong><strong>de</strong> parental e a<br />

individuali<strong>da</strong><strong>de</strong> que se eleva. E num século em que um filho se torna objeto <strong>de</strong> amor,<br />

por exemplo, tomando-se o luto quando a criança morre (a partir <strong>de</strong> 1850), este <strong>de</strong>ve se<br />

<strong>de</strong>parar concomitantemente com expectativ<strong>as</strong> esmagador<strong>as</strong> que estão já se arraigando<br />

em uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que <strong>as</strong> consi<strong>de</strong>ram “naturais”. Ao romper com a autori<strong>da</strong><strong>de</strong> absoluta,<br />

torna-se um “mau filho” cujo peso carregará em sua vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> marginal. Quando <strong>as</strong><br />

ambições <strong>da</strong> família <strong>de</strong>smoronam:<br />

O filho se sente culpado. O adulto nunca acaba <strong>de</strong> pagar a dívi<strong>da</strong> e <strong>de</strong> remoer<br />

sua traição. Lembre-se <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire, que nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> sentir remorso em<br />

relação à mãe, ma<strong>da</strong>me Aupick. Ou Van Gogh, que, em sua correspondência<br />

com o irmão Theo, manifesta a <strong>revolta</strong> <strong>de</strong>sespera<strong>da</strong> do “mau filho”. Fonte <strong>de</strong><br />

angústia existencial, o totalitarismo familiar oitocentista é, sob muitos<br />

<strong>as</strong>pectos, profun<strong>da</strong>mente neurótico (PERROT, 2009, p. 147).<br />

Pois os dândis, boêmios, solteiros e solitários são consi<strong>de</strong>rados marginais, são suspeitos<br />

perante a missão moralista <strong>da</strong> família e <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. De form<strong>as</strong> divers<strong>as</strong>, o<br />

<strong>da</strong>ndismo e a boemia constroem um mo<strong>de</strong>lo simetricamente oposto aos i<strong>de</strong>ais<br />

burgueses. Sua relação com tempo e espaço constitui um total <strong>de</strong>srespeito à conduta<br />

exigi<strong>da</strong>: vi<strong>da</strong> noturna, sem horários, tendo a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, os cafés, <strong>as</strong> mais nov<strong>as</strong> aveni<strong>da</strong>s e<br />

p<strong>as</strong>sagens como palco. Frequentemente são indivíduos perseguidos pelos credores e<br />

oficiais <strong>de</strong> justiça, nôma<strong>de</strong>s por necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> e, <strong>as</strong>sim, não possuindo por muito tempo o<br />

sonho sagrado do lar apaziguador. O <strong>da</strong>ndismo, <strong>de</strong> origem aristocrática, toma a<br />

distinção como princípio primeiro em contraposição à tendência <strong>de</strong> m<strong>as</strong>sificação <strong>da</strong><br />

REEL – Revista Eletrônica <strong>de</strong> Estudos Literários, Vitória, s. 2, a. 6, n. 6, 2010. 13

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