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Gilmara dos Santos Oliveira Vergara..pdf - RI UFBA - Universidade ...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – <strong>UFBA</strong><br />

FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED<br />

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO<br />

GILMARA DOS SANTOS OLIVEIRA VERGARA<br />

SER PROFESSOR: DESENHOS EXISTENCIAIS DA<br />

FORMAÇÃO DOCENTE<br />

Salvador<br />

2011


GILMARA DOS SANTOS OLIVEIRA VERGARA<br />

SER PROFESSOR: DESENHOS EXISTENCIAIS DA<br />

FORMAÇÃO DOCENTE<br />

Dissertação submetida ao Colegiado do Programa<br />

de Pós-Graduação em Educação da Faculdade<br />

de Educação da <strong>Universidade</strong> Federal da Bahia,<br />

em cumprimento parcial aos requisitos para<br />

obtenção do grau de Mestre em Educação.<br />

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ma. Roseli G. B. de Sá.<br />

Salvador<br />

2011


TERMO DE APROVAÇÃO<br />

GILMARA DOS SANTOS OLIVEIRA VERGARA<br />

SER PROFESSOR: DESENHOS EXISTENCIAIS DA<br />

FORMAÇÃO DOCENTE<br />

Dissertação apresentada em 17 de junho de 2011 como requisito parcial para a<br />

obtenção do grau de Mestre em Educação, <strong>Universidade</strong> Federal da Bahia, pela<br />

seguinte banca examinadora.<br />

Maria Roseli Gomes Brito de Sá – <strong>UFBA</strong> – Orientadora<br />

Doutora em Educação pela <strong>Universidade</strong> Federal da Bahia-FACED/<strong>UFBA</strong><br />

Cleverson Suzart Silva – <strong>UFBA</strong><br />

Doutor em Educação pela <strong>Universidade</strong> Federal da Bahia – FACED/<strong>UFBA</strong><br />

Eduardo David <strong>Oliveira</strong> – <strong>UFBA</strong><br />

Doutor em Educação pela <strong>Universidade</strong> Federal do Ceará – UFC<br />

Liege Maria Sitja Fornari – UNEB<br />

Doutora em Educação pela <strong>Universidade</strong> Federal da Bahia – FACED/<strong>UFBA</strong><br />

Salvador<br />

2011


Ao meu filho Enrico Arturo, que me fez<br />

concretizar o desejo de ser mãe e a cada dia<br />

me surpreende com criatividade, leveza e vida<br />

pulsante. Filho, cada instante, eu agradeço ao<br />

universo o maravilhoso (re) encontro com você,<br />

meu pequeno mestre, que me ensina e me faz<br />

feliz.


AGRADECIMENTOS<br />

Inicio os meus agradecimentos à vida, ao cosmo, às entidades da natureza como forças<br />

propulsoras que me impulsionaram a seguir, a ousar e a celebrar o sentido de ser e estar-<br />

-no-mundo.<br />

Agradeço a minha querida mãe Marinalva. Recordo-me de um episódio engraçado que me<br />

tocou certa vez. Numa tarde de sexta-feira, enquanto “mainha” batia um bolo como de<br />

costume, conversávamos sobre pintar ou não os cabelos brancos, e eu nas minhas<br />

compreensões, tentei convencê-la de que tamanha vaidade era exagero, e que ela deveria<br />

aceitar sua velhice. Ofendida, dona Nalva não pensou duas vezes e me deu um banho com<br />

a massa do bolo que estava preparando. Olho, no presente, para esse episódio com muita<br />

graça e, hoje, acredito que merecia mesmo aquele banho doce.<br />

Agradeço ao meu pai Alberto Cordeiro, o carinho e sua história de vida. Obrigada, pai, a<br />

confiança em me deixar trilhar meus próprios caminhos e fazer minhas escolhas;<br />

Agradeço a minha irmã Jaci, que sempre me teve como alguém capaz de grandes coisas.<br />

Lembro-me da ansiedade pelo resultado da seleção do mestrado e ela me disse ao<br />

telefone: “fique calma, você não precisa provar nada para ninguém, passando ou não, já<br />

teve a coragem de tentar!”. Binha, amo você, comadre.<br />

Agradeço ao meu irmão Gilvan, que topou o desafio de construir uma família maluca<br />

comigo e Rico, sendo companheiro do meu filhote nos momentos de ausência da mãe<br />

trabalhadora e estudante. Van, jamais vou esquecer essa força!<br />

Agradeço a Miguel Arturo e atribuo parte do meu crescimento profissional à presença<br />

dele em minha vida. Agradeço o orgulho de ser “Latina Americana” evocando meu<br />

sentido de pertença. Aos ídolos que aprendi a amar: Che Guevara, Neruda, Violeta Parra.<br />

Agradeço também me proporcionar a maravilhosa experiência de ser mãe, tendo Enrico<br />

Arturo, meu pequeno grãozinho vermelho, como os “mapuches” chilenos chamam seus<br />

filhos. Rico, filho, muito obrigada por existir e dividir a mamãe com os livros; perdoe-me<br />

pelas ausências e pelo excesso de tarefas. Amo você, filhotinho!


Agradeço a João a boa companhia e conversas que me trouxeram novas compreensões de<br />

mundo. Um presente português, um encontro de horizontes que me ajudou a perceber a<br />

formação humana como algo profundo, cheio de potencialidades e para além das<br />

fronteiras.<br />

Agradeço às amigas de curso Lívia Coelho, Aline Daiane, Adriana Dantas as deliciosas<br />

gargalhadas, em cada despedida de semestre, reunidas na Barra, beliscando petiscos e<br />

remexendo a memória com histórias e experiências engraçadas.<br />

Agradeço aos colegas Reginaldo (Regi), Lisiane Weber (Lis), Silvana, Edenice as<br />

caronas; Isa, Conceição Sobral (Ceiça) e Elizabete (Betinha), que compartilharam<br />

comigo <strong>dos</strong> momentos de angústia e incertezas pelos corredores da FACED, nos<br />

cafezinhos em intervalos das atividades;<br />

Agradeço especialmente à colega Ivana Bitencourt, uma incentivadora para as minhas<br />

buscas profissionais, sempre acreditando nas minhas façanhas e projetos de vida;<br />

Agradeço ao Professor Dante Augusto Galeffi, que de algum modo, acabou por<br />

influenciar meu caminho e minhas escolhas de pesquisa, abraçando a filosofia como<br />

forma de compreender o mundo: “sempre duvidando, sempre perguntando”. Foi com esse<br />

encantamento que me encontrei com a “Epistemologia do educar”. Dante, obrigada!<br />

À querida Teresinha Fróes Burnhan, coisa mais linda, que me inspirou a estudar a<br />

multirreferencialidade. Presente nas leituras sobre o assunto e nas discussões da<br />

disciplina “Epistemologia e construção do conhecimento” no doutorado em Difusão do<br />

Conhecimento. Teresinha, você me inspira, obrigado por existir e fazer da FACED um<br />

espaço de discussão e difusão de conhecimentos múltiplos.<br />

Agradeço às secretárias da PPG, em especial à Lene, Eliete, Valquiria, Kátia e Gal,<br />

sempre amorosas, são exemplos de funcionárias públicas que fazem questão de lembrar<br />

cada nome e de aconselhar os estudantes sobre as decisões que devem tomar. Encanto-me<br />

com a amorosidade de Gal; lembro-me certa vez quando fui fazer minha matrícula, e ela<br />

me disse: “oh, <strong>Gilmara</strong> não é melhor você pegar menos disciplinas e já ir escrevendo seu


trabalho, minha linda! Olha, você não quer primeiro conversar com sua orientadora,<br />

não?” Um cuidado visível. Menina, muito obrigada pelo apoio!<br />

Agradeço aos colegas do FEP, grupo de pesquisa em Formação em Exercício de<br />

Professores, em especial à Joselita, Paulinha, Verônica, Fabrízia, Luiza, Narciso, Ivana,<br />

Maísa, Márcea, Isis, Marcelo, Fábio. Às professoras coordenadoras do grupo, Maria<br />

Antonieta Tourinho (Tuca), Inez Carvalho e Roseli de Sá as discussões e as<br />

interrogações que me ajudaram a descobrir o desconhecido;<br />

Agradeço a minha orientadora Maria Roseli Gomes Brito de Sá – que com seu espírito<br />

materno, em vários momentos foi conselheira, preocupando-se com questões que foram<br />

além das preocupações acadêmicas. Rose, querida, obrigada por acreditar que podia<br />

fazer algo, por me acolher em sua vida. Certamente terei na minha formação as<br />

referências da profissional amorosa, dedicada, bem humorada que você é. Foi um<br />

presente tê-la por perto;<br />

Aos professores-cursistas do Programa de Formação da <strong>UFBA</strong> em Tapiramutá-BA, que<br />

me oportunizaram entrar em suas histórias, suas lembranças, suas memórias e com elas<br />

construir este trabalho de pesquisa.<br />

Agradeço ao Sr. Calixton, morador de Porto Feliz, que me alojou em sua casa, por uma<br />

noite, numa das minhas aventuras à Tapiramutá-BA.<br />

Agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal e Pesquisa de Nível Superior -<br />

CAPES a bolsa de estu<strong>dos</strong>, por período de 24 meses, que de certo fez diferença no<br />

orçamento e de estudante. Essa ajuda foi fundamental para a permanência no programa.


RESUMO<br />

Este trabalho propõe aproximações entre as três esferas existenciais da<br />

hermenêutica fenomenológica de Hans Georg Gadamer, a esfera<br />

histórica, a estética e a esfera da linguagem com relatos e experiências de<br />

docentes do Curso de Formação de Professores em Exercício oferecido<br />

pela <strong>UFBA</strong>, no município de Tapiramutá na Bahia. A formação de<br />

professores neste trabalho é concebida como fenômeno/processo<br />

multirreferencial e complexo com leituras no plano da<br />

interpretação/compreensão. Nesta proposta buscou-se nos percursos<br />

vivi<strong>dos</strong> pelos referi<strong>dos</strong> professores sua existencialidade tendo como aporte<br />

teórico e metodológico a hermenêutica fenomenológica de Gadamer. O<br />

texto e percurso desta pesquisa se inscrevem na travessia e itinerâncias<br />

de professores em exercício devolvendo à experiência o lugar de destaque<br />

na formação passando pela constatação de que o sujeito constrói o seu<br />

saber ao longo do seu percurso de vida. A formação de professores na<br />

perspectiva e da hermenêutica fenomenológica abre caminhos e<br />

possibilidades de uma epistemologia da formação em que se articulam<br />

saberes e experiências num sentido mais profundo e existencial.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Formação – Compreensão – Existência –<br />

Hermenêutica/fenomenológica


ABSTRACT<br />

This work establishes connections between the three spheres of existential<br />

phenomenological hermeneutics of Hans Georg Gadamer, the sphere of history,<br />

aesthetics and the sphere of language and stories and experiences of teachers<br />

from the Teacher Training Course offered by the Acting <strong>UFBA</strong>, in the municipality<br />

of Tapiramutá Bahia. Teacher training in this work is conceived as a process /<br />

multi-referential and complex with readings in terms of interpretation and<br />

understanding. In this proposal we sought, in journeys experienced by the<br />

teachers taking his existentialism as the theoretical and methodological<br />

phenomenological hermeneutics of Gadamer. The text and history of this survey<br />

fall in the crossing and itinerant teachers of acting experience by returning to the<br />

place in formation past the fact that the subjects build on their knowledge<br />

throughout their life course. Teacher education and the perspective of<br />

phenomenological hermeneutics opens avenues and possibilities for an<br />

epistemology of training in which they articulate knowledge and experiences in a<br />

more profound and existential.<br />

KEY WORDS: Training - Understanding - Existence - Hermeneutics /<br />

Phenomenology


SUMÁ<strong>RI</strong>O<br />

1. PARA QUE SE INICIE ...............................................................................11<br />

1.1 Primeiras palavras sobre a escolha da temática..........................12<br />

2. HO<strong>RI</strong>ZONTES METODOLÓGICOS..................................................................19<br />

2.1 Um tempo e um lugar................................................................ 20<br />

2.2 Um jeito de fazer........................................................................26<br />

3. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HERMENÊUTICA................................ 37<br />

3.1 Formação de Professores e Existência...................................44<br />

4. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SABERES DOCENTES.........................53<br />

4.1. Notas sobre multirreferencialidade.........................................63<br />

5.CAMINHOS PARA A COMPREENSÃO: GADAMER E AS TRÊS ESFERAS...69<br />

5.1 As esferas e o sentido da existência..........................................70<br />

6. A FORMAÇÃO EM NARRATIVAS DE VIDA DE PROFESSORES..................80<br />

6.1 Proposições e Travessia.............................................................81<br />

6.2 A Tradição na formação (Esfera Histórica).................................83<br />

6.3 Forma quanto à forma (Esfera Estética)...................................93<br />

6.4 A compreensão na formação (Esfera da Linguagem)...............102<br />

7. UM INSTANTE CHAMADO CONCLUSÃO.....................................................112<br />

8. REFERÊNCIAS................................................................................................119


1. PARA QUE SE INICIE...<br />

Gracias a la vida que me ha dado tanto<br />

Me ha dado la risa y me ha dado el llanto<br />

Así yo distingo dicha de quebranto<br />

Los <strong>dos</strong> materiales que forman mi canto<br />

Y el canto de ustedes que es el mismo canto<br />

Y el canto de to<strong>dos</strong> que es mi propio canto<br />

Violeta Parra<br />

O conhecimento narrado por professores, como projeção de vida, motiva-me a<br />

pensar na minha condição de formanda e formadora ao mesmo tempo. Deste<br />

modo, o esforço para elaboração deste trabalho evoca interrogações sobre meu<br />

próprio processo, libertando palavras, pensamentos, imaginação na busca de<br />

compreender o fenômeno da formação de professores no sentido hermenêutico e<br />

existencial como compreensão de mundo. Antes de tudo, sinto-me autora desta<br />

façanha, que se engendra por campos presentes na construção humana, com<br />

abertura para compreensão e interpretação de mundo.<br />

A ideia de existência presente nesta elaboração implica na compreensão de si<br />

mesmo, em que o sujeito na sua interpretação/compreensão de mundo, integra<br />

múltiplas referências e constrói sua formação trilhando o percurso histórico e<br />

cultural em que se encontra imerso. Para entender esse processo, foi necessário<br />

um mergulho em referenciais do campo da hermenêutica fenomenológica de<br />

Hans-Georg Gadamer (2002; 2007; 2008a; 2008b) – principal referência deste<br />

trabalho - acompanhado por outros nomes como Morin (1983; 2002, 2005, 2007),<br />

Antônio Nóvoa (1992a; 1992b; 2002), Galeffi (2001; 2002), Sá (2004; 2009, 2010),<br />

Josso (2004; 2008), Larrosa Bondía (2002, 2009), Tardif (2002), Cunha (1989),<br />

Candau (1997), Macedo (2002, 2010), Burnham (1998, 2001), Fagundes (2001),<br />

dentre outros nomes que me ajudaram nesta composição.


A partir desses estu<strong>dos</strong>, a dissertação foi estruturada da seguinte forma: no<br />

primeiro momento consta a introdução intitulada: Para que se inicie. Na<br />

sequência, apresenta-se o primeiro capítulo, que é o metodológico, composto por<br />

duas seções: a primeira chama-se Um tempo e um lugar..., já considerando a<br />

esfera histórica relacionada à formação com valorização do tempo e o espaço<br />

como fio condutor da experiência de formação no sentido existencial, conforme é<br />

discutido por Gadamer, inspirado em Dilthey no que se refere à historicidade.<br />

Desta forma, relaciono a escolha do tema e os lugares por onde passei na<br />

condição de formanda. Nesta seção procuro identificar, localizando em minha<br />

memória, referências que incitaram o desejo de pesquisar a temática. Na seção<br />

seguinte, que foi nomeada de Um jeito de fazer, apresento o trajeto desta<br />

pesquisa, as escolhas metodológicas e o seu acontecer.<br />

No terceiro capítulo, busquei atender a uma necessidade premente de situar a<br />

formação de professores no sentido hermenêutico, recolhendo alguns registros<br />

sobre formação num sentido não diacrônico. Por isso, o mesmo foi intitulado de<br />

Formação de professores e hermenêutica, já que houve a preocupação de<br />

ressaltar o sentido dessa formação de professores que se inscreve de modo<br />

peculiar. Como tópico deste capítulo, segue o que chamei de Formação de<br />

professores e existência em que discuto as formulações sobre o conceito de<br />

existência humana chamando-o para a formação de professores.<br />

No quarto capítulo, apresento uma discussão sobre Formação de Professores e<br />

saberes docente, que estão na vida do professor, sua singularidade, na medida<br />

em que cada professor constrói seu percurso formativo. Neste capítulo, enfatizo o<br />

chamado saber da experiência que nasce no decorrer da prática ou exercício da<br />

docência, visto que este trabalho tem como foco, exatamente, a formação de<br />

professor em exercício. Atrelado a esta ideia de multiplicidade de saberes, busco<br />

ampliar a discussão com leituras sobre a abordagem multirreferencial, no tópico<br />

que chamei de Notas sobre multirreferencialidade, compreendendo esta<br />

abordagem educativa como a possibilidade de integrar a experiência humana e a<br />

11


compreensão de mundo numa visão ontológica, considerando os diversos<br />

conhecimentos na formação humana e, em especial, de professores.<br />

O capítulo cinco é dedicado à apresentação mais detalhada das três esferas<br />

como caminhos de compreensão, conforme sugere Gadamer, em seus estu<strong>dos</strong>; e<br />

para isso, o nomeei de Caminhos para a compreensão: Gadamer e as três<br />

esferas, abordando sua relação com a formação humana. Apesar de Gadamer<br />

não ter se ocupado com estu<strong>dos</strong> sobre a formação de professores, em sua<br />

hermenêutica fenomenológica, neste capítulo, apresento essa preocupação em<br />

aproximar as três esferas propostas pelo filósofo como fundamento de sua<br />

hermenêutica com a formação de professores.<br />

No capítulo seis, A formação em narrativas de professores, a preocupação é em<br />

situar o leitor sobre o uso <strong>dos</strong> fragmentos de narrativas e adentrar propriamente<br />

na pesquisa com as interpretações das narrativas de professores em exercício<br />

participantes deste trabalho. Nele vou demonstrando o que chamo de Travessia<br />

da Formação no qual agrupo as principais referências trazidas pelos professores<br />

em seus memoriais, em matrizes constituídas conforme apresentadas nas<br />

narrativas, ficando da seguinte maneira: A tradição na formação (esfera histórica),<br />

A forma na formação (esfera estética) e A compreensão na formação (esfera da<br />

linguagem), tendo como referencial básico as formulações gadamerianas sobre<br />

as esferas apresentadas no capítulo anterior.<br />

1.1 P<strong>RI</strong>MEIRAS PALAVRAS SOBRE A ESCOLHA DA TEMÁTICA<br />

Situando historicamente meu interesse pela temática formação de professores,<br />

apesar de já vir acontecendo desde a graduação em Pedagogia, com<br />

experiências que tive como professora formadora foi no ano de 2007, nas<br />

formulações da disciplina Epistemologia do Educar com o professor Dante<br />

Augusto Galeffi que pude perceber a abrangência que circundava a ideia de<br />

12


formação de professores e se diferenciava da concepção de formação que havia<br />

construído até então. As indagações que surgiam em cada discussão me<br />

ajudaram a definir o que desejava aprofundar como estudo.<br />

Dentre tantas discussões que foram propostas, tive a oportunidade de conhecer<br />

os primeiros conceitos da hermenêutica e da fenomenologia de Husserl, termos<br />

que não conheci na graduação. A fenomenologia de Husserl e a hermenêutica de<br />

Heidegger e Gadamer são conceitos do campo da filosofia que eu desconhecia.<br />

Um <strong>dos</strong> momentos que me marcaram foi ter assistido ao filme Quem somos<br />

nós? 1 . A ideia de que o olhar do observador faz toda diferença na representação<br />

do mundo, me fez entender a formação como construção existencial do sujeito,<br />

algo ligado às experiências de ser.<br />

Este filme foi uma referência importante para que refletisse sobre a formação com<br />

referenciais mais diversifica<strong>dos</strong>, e nem por isso, menos importantes. Uma das<br />

questões com que me deparei, nesta experiência, foi algo que já me inquietava há<br />

algum tempo, com as experiências com professores de diversas localidades: ser<br />

professor não é ser apenas aplicador de técnicas pedagógicas e planos<br />

estabeleci<strong>dos</strong> por instâncias de cima para baixo, mas trata-se de um jeito de fazer<br />

que é singular de cada professor; ou seja, a formação de professores é algo<br />

profundo que aponta para o campo da existência deste ser. Entendia naquele<br />

momento que a ação pedagógica em si exigia uma apropriação e uma forma de<br />

ser e estar-no-mundo para além da racionalidade técnica ou iluminista no<br />

exercício da docência. Tal racionalidade técnica num sentido cartesiano, por<br />

exemplo, apesar de derivar do conceito de Razão, em última instância, significa o<br />

estabelecimento de uma adequação entre aquilo que é lógico em determinada<br />

realidade empírica (JAPIASSÚ, 1996, p. 69) e neste sentido, as elaborações no<br />

campo da docência a partir da compreensão hermenêutica fenomenológica vai<br />

além de práticas iluminadas e de aplicações de técnicas, mas trata-se de um<br />

diálogo deste ser-no-mundo-com-o-outro.<br />

1 O filme "Quem somos nós" faz uma aproximação entre física quântica e metafísica. A ideia de<br />

que a realidade é também uma construção do sujeito.<br />

13


A ideia de formação, mesmo que considerada vulgarmente como formatação,<br />

limitação de espaços e possibilidades, naquele momento começava a ganhar<br />

outra conotação, algo a ser investigado e isso me motivou a tomar este fenômeno<br />

como tema de estu<strong>dos</strong>, dando ênfase à existência nos percursos formativos <strong>dos</strong><br />

professores. A esse respeito, pude ampliar, com as reflexões aqui relatadas, a<br />

ideia que me era recorrente sobre a temática em questão, pois à medida em que<br />

participava da formação do outro, eu também me formava, me envolvia, conforme<br />

salienta bem Larrosa Bondia (2002, p. 19), quando diz que ―a experiência é o que<br />

nos passa, o que nos acontece, o que nos toca‖. Era esse sentido, mais profundo<br />

e existencial, que estava buscando para a palavra formação, e não a formação<br />

<strong>dos</strong> acúmulos de anos de serviço.<br />

Nas experiências que tive como formadora algumas lembranças tiveram maior<br />

relevância em meu percurso como professora. A primeira delas me reporta à<br />

<strong>Universidade</strong> Estadual de Santa Cruz - UESC, na função de ―Tutora do Programa<br />

TV Escola‖, quando atendia virtualmente cerca de 150 professores do estado da<br />

Bahia. Como jovem formadora, começava a ver com olhar crítico a precariedade<br />

da formação docente nos municípios baianos, principalmente quando se tratava<br />

de municípios distantes <strong>dos</strong> centros de formação.<br />

Em 2002, na função de coordenadora pedagógica em escolas do interior da Bahia<br />

(Una, Ilhéus) e em seguida, como mediadora pedagógica do Programa de<br />

Regularização do Fluxo Escolar, no eixo Ilhéus e Itacaré (Itaboquinhas), tive uma<br />

experiência que durou dois significativos anos (2004/2005) e que me ajudou a<br />

compreender a singularidade da formação docente para cada realidade vivida. E<br />

mesmo sem conhecer as ideias de Gadamer (2007, 2008a, 2008b) intuía já um de<br />

seus conceitos, quando o filósofo diz que ―cada indivíduo já está sempre a<br />

caminho da formação e da superação de sua naturalidade, na medida em que o<br />

mundo em que está crescendo é formado humanamente em linguagem e<br />

costume‖ (GADAMER, 2008a, p. 50).<br />

14


Nesta experiência, juntamente com as colegas de trabalho Nara e Telma, vivia o<br />

dilema de fazer cumprir as determinações de um programa no qual eu não<br />

acreditava, e ao mesmo tempo, querer contribuir com localidades tão distantes e<br />

ansiosas pela formação. As visitas mensais com reunião <strong>dos</strong> professores para<br />

estu<strong>dos</strong> era um momento festivo, sobretudo, em Itacaré e Itaboquinhas, lugares<br />

mais distantes da <strong>Universidade</strong> Estadual de Santa Cruz - UESC.<br />

Outra experiência importante que tive no meu percurso profissional foi atuar como<br />

professora substituta na UESC, acompanhando duas turmas de Pedagogia do 7º<br />

semestre, indo às escolas e ao mesmo tempo orientando sobre a docência e o<br />

fazer pedagógico das graduandas do curso. Nesta experiência, ao mesmo tempo<br />

em que tinha as primeiras práticas com a educação infantil, na Escola Suíço<br />

Brasileiro de Ilhéus – ESBI eu atuava como professora formadora na<br />

<strong>Universidade</strong>.<br />

Chegando a Salvador no ano de 2007, tive o oportuno convite para atuar no<br />

programa Jovem Aprendiz oferecido pelo SENAC. Apesar de esse contexto ser<br />

ideologicamente de caráter neoliberal, com intensos discursos de formação para<br />

atender ao mercado de trabalho, ainda assim, considero que foi nesse espaço<br />

que eu aprendi a ser professora, arquitetando minha própria formação e<br />

existência, já que, conforme Hegel (apud GADAMER, 2008 a, p.48) ―ao formar a<br />

coisa, forma-se a si mesmo‖.<br />

Desta maneira, a temática formação de professores sempre esteve presente no<br />

meu percurso formativo por me fazer pensar sobre a minha própria errância, em<br />

diferentes contextos e níveis de aplicações, com realidades muito distintas: em<br />

Ilhéus, nas dinâmicas históricas do cacau, <strong>dos</strong> coronéis; em Una, sob influência<br />

das colônias japonesas; em escolas públicas ou particulares; em Itacaré e<br />

Itaboquinhas, com o olhar ecológico nas preocupações planetárias.<br />

15


Sejam estas experiências no formato presencial, ou a distância, em esfera pública<br />

ou privada, fica visível o quanto os processos formativos de professores, de<br />

diferentes espaços, veem-se mescla<strong>dos</strong> pela própria história individual e social do<br />

tempo e lugar vivenciado pelo docente. E para compreender uma tradição e<br />

qualquer que seja o processo de formação alheio, sem dúvida, como horizonte<br />

histórico, conforme assinala Gadamer, precisamos ter sempre um horizonte para<br />

podermos nos deslocar a uma situação qualquer. (GADAMER, 2008a).<br />

A concepção de formação que vinha delineando levou-me ao encontro com o<br />

grupo de pesquisa FEP - Formação em Exercício de Professores, espaço em que<br />

conheci a proposta do Projeto Irecê, uma parceria entre a <strong>Universidade</strong> Federal<br />

da Bahia e o referido município, com o propósito de oferecer uma formação de<br />

professores, atendendo os estu<strong>dos</strong> sobre currículo desenvolvi<strong>dos</strong> por esse grupo.<br />

Nesta proposta formativa, há um esforço teórico e metodológico de<br />

interpretação/compreensão da formação de professores nos planos da<br />

multirreferencialidade, da hermenêutica fenomenológica e da complexidade.<br />

(UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA– <strong>UFBA</strong>, 2002).<br />

Essa concepção de formação que acolho como compreensão, também ressoa,<br />

neste estudo, como experiência formativa. A implicação com este trabalho me<br />

leva a refletir sobre meu percurso de formação, exercitando assim o pensamento<br />

hermenêutico e fenomenológico, já que, de acordo com Sá (2010), a<br />

característica fundamental da ideia de formação apresentada por Gadamer é a<br />

compreensão da formação como itinerância/errância.<br />

Mais do que isso, pude pensar também sobre o significado da formação humana<br />

ao ver emergir como pesquisadora iniciante, a possibilidade de estudar os<br />

processos formativos da docência. Assim, outro acontecimento importante para<br />

escolha do tema foi a participação no Simpósio Memória, (Auto) Biográfica e<br />

Formação organizado pelo GRAFHO - Grupo de Pesquisa Autobiografia<br />

Formação História Oral da <strong>Universidade</strong> Estadual da Bahia - UNEB e pelo<br />

FORMACCE – Grupo de Pesquisa em Currículo e Formação que teve como<br />

16


objetivo discutir questões teórico-metodológicas sobre estu<strong>dos</strong> com história de<br />

vida no âmbito do movimento biográfico.<br />

No caso da abordagem pensada por Gadamer – apesar do filósofo não ter se<br />

ocupado da temática formação de professores – essa concepção me ajudou a<br />

compreender a formação docente, considerando a experiência humana, a ideia de<br />

estética: já que formação carrega em sua raiz o sentido de imagem (esfera<br />

estética), a partir da valoração da ―errância‖ e das histórias de vida <strong>dos</strong> sujeitos,<br />

nas construções desses professores e das relações com sua cultura e lugar<br />

(esfera histórica), e, finalmente, a forma como esses docentes traduzem essa<br />

interpretação, esse mundo no âmbito da linguagem (esfera da linguagem).<br />

Com uso da linguagem, conforme Larrosa Bondia (2002, p. 21), ―as palavras<br />

determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas<br />

com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência,<br />

mas a partir de nossas palavras‖. Não sendo apenas palavras, a linguagem num<br />

sentido ontológico é usada para distinguir situações e diferenciá-las, conforme<br />

aponta Heidegger. O ―ser-no-mundo‖ em seu ser-aí, como o filósofo define o ser<br />

humano, vai experienciando situações e essas situações são diferenciadas<br />

através da linguagem e das distinções linguísticas com diferentes texturas de<br />

situações com as quais vivemos (DUTRA, 2002).<br />

É nesse sentido, que os sujeitos vivenciam em suas experiências e na<br />

singularidade de sua formação jogam o seu próprio jogo (SERPA, 2009) na<br />

coletividade, como ―jogo mundano de cada um, que se conjuga como jogo da<br />

arte‖, numa perspectiva do mundo que nos circunda (GADAMER, 2008a, p. 13). É<br />

este ―jogo jogado e jogante‖ da formação docente que acompanhamos como<br />

processo dinâmico, ramificado e encantador que constitui o professor e desenha a<br />

formação no seu existir.<br />

Essas formulações gadamerianas animaram-me a aprofundar o conceito de<br />

formação, com sentido hermenêutico fenomenológico, em que pela compreensão,<br />

17


os sujeitos buscam o conhecimento e arquitetam a própria construção de mundo.<br />

Considerando, ainda, que a formação passa pelo conceito de transformação,<br />

significa dizer que aquilo que era antes, não é mais, pois houve uma transição em<br />

que passado e presente se fundem no percurso existencial (GADAMER, 2007;<br />

2008a; 2008b). Compreender a formação torna-se minha intenção, pois é desta<br />

forma que me compreendo e descubro meu próprio percurso formativo.<br />

Nesta busca, assumo uma postura de compreensão com sentido conferido aos<br />

acontecimentos relata<strong>dos</strong> pelo professor em formação na sua construção<br />

pessoal/profissional. A ideia de valorizar a formação na sua forma experiencial<br />

que, de acordo com Marie-Christine Josso (2004, 2008), sem essa valorização o<br />

percurso não será considerado formação, pois formação exige sentido dado por<br />

quem a vivencia.<br />

18


2. HO<strong>RI</strong>ZONTES METODOLÓGICOS<br />

19<br />

O verdadeiro saber, o autêntico conhecimento brota<br />

do intelecto humano, da razão depurada, da<br />

inteligência em si e para si. Este conhecimento<br />

profundo, filosófico, ontológico que privilegia o saber<br />

humano como essencialmente metafísico, que<br />

constrói o mundo <strong>dos</strong> espíritos livres. Não resta<br />

dúvida que a experiência de vida também é fonte de<br />

conhecimento, mas de uma ciência prática que<br />

descobre e segue leis da natureza, que observa as<br />

diferentes atitudes comportamentais do homem<br />

através do tempo. (NIETZSCHE, 2009).<br />

O horizonte metodológico em que se inscreve esta pesquisa vem da minha<br />

itinerância como professora formadora interessada na temática formação de<br />

professores e do recorte e direcionamento <strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong> para formação com<br />

docentes em exercício de suas atividades. O universo do qual me aproximei foi de<br />

professores participantes do Programa de Formação do município de Tapiramutá,<br />

na Bahia, oferecido pela Faculdade de Educação (FACED) da <strong>Universidade</strong><br />

Federal da Bahia (<strong>UFBA</strong>) em convênio com o município.<br />

Essa proposta de formação de professores, tem ligação com a experiência<br />

formativa realizada pela <strong>UFBA</strong> no município de Irecê na Bahia, fato que procuro<br />

detalhar na seção seguinte, chamada de Um tempo e um lugar, contextualizando<br />

a implementação da proposta da <strong>Universidade</strong> neste município. O título desta<br />

seção (Um tempo e um lugar) representa a tentativa de contextualizar a idéia de<br />

curso, demonstrando a singularidade da proposta; já que não se trata da<br />

<strong>Universidade</strong> levando seus conhecimentos até o município de Irecê ou<br />

Tapiramutá, mas sim de uma experiência que considera elementos da cultura<br />

local e da realidade social presentes nesses lugares, e isso implica em mais um<br />

elemento de aprendizagem de professores.<br />

Em seguida, apresento outra seção chamada Um jeito de fazer, que também faz<br />

parte do horizonte metodológico desta pesquisa. A expressão jeito de fazer tem<br />

intenção de demonstrar que o fazer científico perpassa pela singularidade do


pesquisador, ou seja, seu jeito de escolher e fazer a pesquisa, os caminhos a<br />

serem toma<strong>dos</strong>, a escolha de abordagens dentre tantas escolhas que são feitas<br />

nesse percurso.<br />

2.1 UM TEMPO E UM LUGAR...<br />

Historicamente, a proposta de formação de professores do município de<br />

Tapiramutá na Bahia, campo de estu<strong>dos</strong> desta pesquisa, se estabelece<br />

oficialmente em novembro de 2005; Inicialmente no ano de 2001, momento em<br />

que representantes do município de Irecê procuram professores membros do FEP<br />

– Grupo de Pesquisa sobre Formação em Exercício de Professores da Faculdade<br />

de Educação da <strong>UFBA</strong> e propuseram uma parceria de formação aos professores<br />

daquele município e quiçá da região. A solicitação foi considerada oportuna para<br />

que a Faculdade de Educação colocasse em prática concepções sobre formação<br />

de professores e currículo em municípios baianos. Nesta parceria, um <strong>dos</strong> pontos<br />

fundamentais presentes na proposta é o respeito à singularidade local em<br />

proximidade com as concepções pedagógicas defendidas por este grupo de<br />

professores pesquisadores das temáticas: currículo e formação de professores da<br />

FACED-<strong>UFBA</strong>.<br />

Em 2002, inicia-se o processo de elaboração do programa com a parceria entre<br />

professores da <strong>Universidade</strong> Federal da Bahia e a Rede Municipal de Ensino de<br />

Irecê 2 . Para concretização da proposta foram necessárias inúmeras visitas de<br />

trabalho, realizadas pela Faculdade de Educação da <strong>UFBA</strong> e pelo município de<br />

Irecê, com levantamento de da<strong>dos</strong> sobre os diversos aspectos educacionais e de<br />

outros setores de influência na educação local objetivando formular a proposta de<br />

curso de modo adequado à realidade daquele município. (UNIVERSIDADE<br />

FEDERAL DA BAHIA, 2002).<br />

2 É preciso trazer referências do chamado Projeto Irecê pelo fato deste ter sido o primeiro município de<br />

atuação da <strong>Universidade</strong> Federal da Bahia – <strong>UFBA</strong>. Posteriormente com os bons resulta<strong>dos</strong> dessa experiência<br />

é que houve o convite do município vizinho, Tapiramutá, onde esta pesquisa acontece.<br />

20


Foi, então, que no primeiro semestre de 2005, a equipe do FEP – Grupo de<br />

Pesquisa em Formação em Exercício de Professores foi procurado pela Prefeitura<br />

do município de Tapiramutá, já que conhecia o trabalho no município vizinho de<br />

Irecê, e propôs a realização de uma turma de professores, ou seja, efetivamente<br />

no município de Tapiramutá o trabalho teve início no ano de 2005. Houve a<br />

participação <strong>dos</strong> representantes do município de Tapiramutá no Seminário de<br />

Encerramento do Ciclo Três do curso em Irecê. E, a partir deste evento, as<br />

negociações foram oficializadas, passando ao processo de organização das<br />

instalações, do currículo, processo seletivo <strong>dos</strong> professores da rede, dentre tantas<br />

outras tarefas de ordem institucional.<br />

O novo horizonte formativo da <strong>Universidade</strong> Federal da Bahia chama-se<br />

Tapiramutá, nome que vem de origem tupi e significa ―espera d‘Anta‖, pois<br />

antigamente o local reunia caçadores à espera desse animal, e essa marca<br />

acabou por originar o nome do lugar traduzido para a língua indígena. O<br />

município inicialmente foi habitado por índios Paiaiá e depois por caçadores que<br />

vinham em busca das tapiras (antas), presas de carne saborosa e com grande<br />

valor comercial. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, 2005).<br />

A proposta <strong>dos</strong> dois municípios tem, em sua natureza, preocupações no sentido<br />

dialógico de ser e de tratar o conhecimento e o sujeito. Busca-se, neste processo,<br />

o exercício reflexivo e interrogante, pois ao longo desta formação os professores<br />

são instiga<strong>dos</strong> a pensarem sobre sua própria formação desde o momento da<br />

seleção. E esse exercício torna-se viável por esses professores estarem em sala<br />

de aula e assumirem, na prática, a postura de serem aprendentes, na condição de<br />

cursistas, e ao mesmo tempo, ensinantes, como professores do seu município.<br />

No trabalho realizado com os professores de Tapiramutá, fiz opção pela<br />

interpretação/compreensão de fragmentos de 10 memoriais e mais algumas das<br />

histórias que chamo de ―contos de professor‖ que foram relatadas durante a<br />

oficina formativa, oferecida aos cursistas do programa como chamada inicial para<br />

as primeiras incursões no trabalho de campo. Esta oficina aconteceu no espaço<br />

<strong>UFBA</strong> em Tapiramutá, com o objetivo de discutir alguns <strong>dos</strong> conceitos<br />

21


apresenta<strong>dos</strong> por Gadamer (2007, 2008a, 2008b) como caminhos para<br />

compreensão da formação de professores no sentido existencial. Foram duas<br />

turmas formadas por professores cursistas que se interessaram pela discussão<br />

proposta. Uma turma no horário vespertino, composta por 22 alunos, e outra no<br />

noturno, com 35 professores num total de 57 professores inscritos.<br />

Durante a oficina tentei criar um clima de investigação sobre os conceitos básicos<br />

da filosofia existencial de Gadamer: hermenêutica, compreensão, estética,<br />

tradição, linguagem, formação e existencial. A tentativa se deu sempre no sentido<br />

de buscar aproximações com a realidade <strong>dos</strong> professores participantes. Com a<br />

preocupação de que os termos discuti<strong>dos</strong>, tivessem significação e não fossem<br />

vistos como elementos distantes e sem utilidade alguma na formação <strong>dos</strong><br />

professores. Minha tentativa foi pensar a compreensão, a existência, a esfera<br />

estética, a historicidade, a linguagem e a formação, conforme os professores<br />

compreendem este fenômeno de formar-se, e ao mesmo tempo, buscar o<br />

respaldo na perspectiva da filosofia gadameriana.<br />

Nesta travessia, tomei algumas narrativas de professores-cursistas e mais os<br />

memoriais de 10 participantes, sendo destaca<strong>dos</strong> fragmentos desses memoriais e<br />

das narrativas que revelaram a compreensão da formação de quem está no<br />

processo. Busquei preservar os fragmentos, identificando neles, aspectos da<br />

teoria gadameriana sobre formação e elementos da existência de ser,<br />

considerando as esferas estéticas, histórica e a linguagem. E em cada grupo de<br />

fragmentos, houve a tentativa de relacioná-los com uma das esferas, sem<br />

descartar a outra; ou seja, em alguns <strong>dos</strong> fragmentos é possível visualizar<br />

elementos de mais de uma esfera existencial, já que a intenção, neste trabalho,<br />

não foi o isolamento ou separação entre elas.<br />

É, desta forma, que num conjunto de relações recíprocas com o mundo, nos<br />

memoriais <strong>dos</strong> professores, a formação tem um sentido em condição existencial<br />

de mergulho no tempo e espaço, mediado pela linguagem, e a compreensão do<br />

presente, como condutora dessa compreensão. Nos fragmentos destaca<strong>dos</strong><br />

nesta pesquisa, aparecem elementos da formação de professores em que<br />

visualizo as esferas que compõem a existência humana conforme apresenta<br />

22


Gadamer (2008a). Estes fragmentos foram seleciona<strong>dos</strong> das ―histórias‖ contadas<br />

por professores participantes da oficina que teve como tema a Formação de<br />

professores: desenhos existenciais da docência, e que representou, como já foi<br />

dito, o ponto de partida para o trabalho de campo desta pesquisa. Nas dinâmicas<br />

da oficina, acabei percebendo que nem tudo que era contado caberia neste<br />

trabalho, então, no meio do percurso, entendi que era preciso evocar as<br />

experiências que foram suficientemente significativas para os professores e<br />

incorporá-las na proposta. Isso permitiu que eles buscassem as correntes que<br />

animaram o movimento de sua própria vida e seus processos formativos para a<br />

docência.<br />

Passado o momento da oficina, lendo os ―contos de professores‖, senti a<br />

necessidade de mergulhar um pouco mais nas experiências desses docentes –<br />

lendo seus memoriais que são escritos como dispositivo de formação, desde a<br />

seleção para ingresso no curso até a versão definitiva em forma de trabalho de<br />

conclusão do curso oferecido pela <strong>UFBA</strong>. Ao ler e reler os 10 memoriais e os<br />

―contos de professor‖ foi selecionando, então, alguns <strong>dos</strong> fragmentos que<br />

apresentavam maior proximidade com a teoria estudada, tendo o cuidado para<br />

que esses fragmentos não ficassem sem a devida contextualização. O material<br />

foi, por conseguinte, agrupado de acordo com as referências que os professores<br />

apresentaram, e, em seguida, agrupa<strong>dos</strong> em matrizes e aproximadas de cada<br />

uma das três esferas propostas por Gadamer (2007; 2008a) na compreensão da<br />

existência e formação humana.<br />

Essa aproximação das matrizes das esferas não ocorreu no sentido de<br />

enquadramento do conhecimento, até porque, o fragmento que coube numa<br />

esfera, pode perfeitamente ser pensado em outra. Tratou-se, sim, de um exercício<br />

de reflexão, compreensão da existência <strong>dos</strong> professores reveladas na escrita e<br />

sua relação com a concepção de formação na existência.<br />

Essa foi a primeira tentativa: agrupar os fragmentos de acordo com a natureza ou<br />

ênfase dada pelo autor, neste caso, o professor-cursista. Ao primeiro contato,<br />

23


efleti sobre como seria possível perceber em fragmentos a historicidade humana<br />

desse professor? E sua formação? E sua existência? Como seria identificar,<br />

nesses fragmentos, elementos que constituíssem a formação de professores, já<br />

que, o que eu como pesquisadora poderia considerar como ―inútil‖ ou fora de<br />

contexto, poderia ser de grande valor para a formação desse professor? Para<br />

isso, foi necessário estudo e elaboração sobre o conceito de experiência,<br />

existência e formação presentes nas narrativas de como o professor aprende de<br />

forma interativa, imerso numa cultura, numa sociedade, em que o sujeito constrói<br />

seu percurso de vida/formação. Nas diversas formas intencionadas de mediação<br />

com o mundo (MACEDO, 2010), percebi o vasto caminho para aprofundamentos<br />

dessa natureza e a necessidade de criação de uma epistemologia da formação.<br />

No projeto de formação de professores de Tapiramutá, uma das propostas do<br />

curso é o uso das histórias de vida como campo metodológico e estratégia de<br />

formação. Esse trabalho com histórias de vida e relatos de experiência no projeto<br />

de Tapiramutá aparece na solicitação da escrita do memorial, desde o momento<br />

da seleção <strong>dos</strong> professores. Nele, estes ressaltam as experiências vivenciadas<br />

como professores, no passado com olhar do presente, e numa perspectiva<br />

futurista de como será sua passagem pelo programa de formação oferecido.<br />

Todo o cuidado com essa narrativa apresentada deu-se em compreender as<br />

dinâmicas que se processam no desenrolar da formação de professores. Uma<br />

das minhas buscas, sobretudo, foi, exatamente, a conquista do memorial – neles<br />

sempre destacando os fragmentos escritos pelos professores, sobre suas<br />

relações com a docência, em três momentos importantes que o programa de<br />

formação solicita: ―Eu estudante‖, ―Eu professor‖ e ―Eu professor no programa‖, de<br />

acordo com a estrutura básica do memorial proposto pelo programa. Logo, nos<br />

fragmentos seleciona<strong>dos</strong>, os professores apresentam suas experiências<br />

formativas evidenciando sua aprendizagem, seu processo e percursos trilha<strong>dos</strong>,<br />

bem como, as concepções de formação e as referências incorporadas na<br />

experiência de ser professor ao longo de sua vida.<br />

24


O trabalho com história de vida e formação, na perspectiva trabalhada no<br />

programa da <strong>UFBA</strong>, e estudada aqui nesta pesquisa, vem da influência das<br />

correntes, francesa e suíça, desenvolvidas respectivamente nas <strong>Universidade</strong>s de<br />

Paris V e VII, e na <strong>Universidade</strong> de Genebra. Estes estu<strong>dos</strong> surgem em 1980,<br />

com grupos de estu<strong>dos</strong> e pesquisas preocupa<strong>dos</strong> em aprofundar as<br />

compreensões sobre a relação sujeito-em-formação. Dentre os nomes<br />

precursores desta modalidade de estu<strong>dos</strong>, destacam-se Gastón Pineau (2006),<br />

Marie Chistine Josso (2004, 2008), Pierre Dominicé (2010a, 2010b), que se<br />

preocuparam em traçar novos horizontes teóricos para o entendimento da<br />

formação humana/profissional na perspectiva ontológica da formação.<br />

Nesta perspectiva, a concepção de formação de professores, que sustenta o<br />

programa de Tapiramutá, busca valorizar a existência numa visão ontológica que<br />

permite compreender o professor, no seu tempo e espaço vivido, considerando<br />

suas lembranças, sua memória e a reconstrução da própria prática pelo<br />

conhecimento, auto-reflexão com sentido coletivo; haja vista que, conforme<br />

Macedo (2010, p. 32) ―a formação ou é relacional ou então não é formação (...)<br />

toda formação é interformação, assim como toda compreensão é<br />

intercompreensão‖.<br />

Nesse lugar, município de Tapiramutá na Bahia, professores em exercício<br />

seguem, portanto, sua trajetória de formação: ensinando e aprendendo,<br />

relacionando-se com o mundo e elaborando seu processo formativo na fusão de<br />

horizontes (GADAMER, 2008a). E, neste jogo tensionado, o desafio constante de<br />

ensinar e aprender emerge nos escritos <strong>dos</strong> professores, sejam eles postos de<br />

forma linear ou desafiando as noções de tempo e espaço, ainda assim a escrita<br />

das experiências que se formaram e transformam as identidades e as<br />

subjetividades desses professores é sempre a leitura do percurso formativo com o<br />

olhar do presente.<br />

A dinâmica proposta pelo curso recorre a um princípio básico defendido por Josso<br />

(2004), em que a formação deve ser encarada do ponto de vista do ser<br />

25


aprendente, tornando-se, esse, um conceito gerador de ―processos,<br />

temporalidade, experiência, aprendizagem, conhecimento, saber-fazer, tensões<br />

dialéticas, consciência, subjetividade, identidade‖, procurando articulação dessas<br />

vidas (JOSSO, 2004, p. 38).<br />

As histórias contadas nos escritos de professor demonstram que o ser humano<br />

cria e narra suas aventuras e histórias que simbolizam a compreensão das coisas<br />

da vida. As experiências, de que falam as ―recordações-referências‖, constituem<br />

os memoriais e outros documentos de escritas de professores, em que eles<br />

contam, não o que a vida lhes ensinou, mas o que se aprendeu experiencialmente<br />

nas circunstâncias da própria vida (JOSSO, 2004). Esses documentos são,<br />

portanto, de interesse empírico, visto que neles se apresentam as múltiplas<br />

referências que esses docentes carregam em suas experiências de<br />

vida/formação, que aparecem com foco temporário, traduzido, conforme sua<br />

importância, para aquele momento presente da sua formação profissional.<br />

2.2 UM JEITO DE FAZER...<br />

O jeito de fazer a pesquisa inicia-se dando ênfase à formação docente, tendo<br />

como proposta de trabalho a pesquisa autobiográfica no uso de memoriais de<br />

professores em exercício de sua docência. O foco é o professor em seu processo<br />

de formação, iniciada pela academia, mas, continuada pelas relações que ele<br />

estabelece, desde tempos anteriores até este momento entre os saberes da vida<br />

e a sua formação.<br />

Nesta perspectiva, a condução deste estudo se dá no plano da compreensão<br />

hermenêutica, na tentativa de analisar a compreensão do professor sobre o seu<br />

percurso formativo, que se intensifica na formação inicial e no exercício do fazer<br />

pedagógico. É, neste sentido, que Sá afirma que incorporar conceitos ou buscar<br />

compreender e lidar com a realidade de pesquisas desta natureza,<br />

26


significa romper com a forma fragmentária de tratar o<br />

conhecimento; aproximar-se do processo sem a interrupção do<br />

seu movimento, na penetração de sua intimidade, na imersão <strong>dos</strong><br />

múltiplos significa<strong>dos</strong> que vão sendo conferi<strong>dos</strong> nas<br />

(inter)relações que configuram esse processo, analisá-lo sem a<br />

interrupção de sua heterogeneidade, já que não se pode<br />

compreender o complexo apenas sob um único referencial ou<br />

paradigma específico. (SÁ, 2004, p. 129).<br />

A natureza desta pesquisa é qualitativa e se insere no campo da hermenêutica<br />

fenomenológica de Gadamer (2007, 2008a), considerando os conceitos e<br />

significa<strong>dos</strong> da compreensão e interpretação presentes nas experiências<br />

formativas de professores. A compreensão, marca desta abordagem, considera a<br />

complexidade de ser professor, trazendo suas experiências de vida para estu<strong>dos</strong><br />

de pesquisa do campo social, educacional e filosófico.<br />

De acordo com Schmidt (SCHMIDT apud DUTRA, 2002), a pesquisa com<br />

experiência de vida<br />

[...] muitas vezes, é a elaboração de elementos diversos e difusos<br />

da teoria e da experiência, elaboração construída em torno de um<br />

fenômeno. Nesse sentido, uma pesquisa concluída é o relato do<br />

percurso de um pesquisador ou de um grupo (SCHMIDT apud<br />

DUTRA, 2002, p.59).<br />

Nesta direção, as experiências de professores e as pesquisas no campo da<br />

fenomenologia existencial se encaminham numa perspectiva que enfatiza a<br />

dimensão existencial do ser humano e os significa<strong>dos</strong> vivencia<strong>dos</strong> pelo indivíduo<br />

no seu ser e estar-no-mundo.<br />

Dada a natureza desta pesquisa, foi possível optar, como metodologia de<br />

trabalho, pelo uso das histórias de vida como fonte de pesquisa, mais<br />

precisamente, a compreensão de histórias de vida que me ajudaram a<br />

compreender a formação docente. Segundo Josso (2004), o trabalho com as<br />

narrativas de vida se evidencia na exigência metodológica de pensar as<br />

dimensões existenciais da identidade a partir de uma abordagem multirreferencial<br />

que integra várias modalidades do pensamento humano (as crenças específicas,<br />

27


as crenças religiosas, esotéricas), assim como as várias dimensões de nosso ser<br />

no mundo (JOSSO, 2004).<br />

Para a fundamentação no campo da hermenêutica, recorro, como já foi dito ao<br />

longo do texto, basicamente, aos estu<strong>dos</strong> de Gadamer (2007, 2008a, 2008b), cujo<br />

pensamento encontra-se marcado pelas influências de Dilthey, Heidegger e de<br />

toda a tradição hermenêutica alemã. O filósofo procurou com seus trabalhos, em<br />

especial, a obra clássica ―Verdade e Método I e II‖, desenvolver a idéia de<br />

interpretação do ser histórico, a partir de manifestação na linguagem, uma vez<br />

que esta se apresenta como uma das esferas de base da experiência humana,<br />

compreensão da existência e fio condutor da hermenêutica (GADAMER, 2008a).<br />

Tomando como interesse esse universo de formação de professores em<br />

exercício, esta dissertação de Mestrado do Programa de Pós-graduação da<br />

FACED/<strong>UFBA</strong>, tem, entre suas justificativas, a importância de considerar, no<br />

processo de formação de professor em exercício, as suas histórias de vida, seu<br />

percurso formativo, a partir da interpretação/compreensão de fragmentos de seus<br />

memoriais produzi<strong>dos</strong> ao longo do curso de graduação. Por meio das narrativas<br />

contidas nesses memoriais, e selecionadas nos fragmentos toma<strong>dos</strong> para<br />

interpretação, é que traço meu percurso de compreensão <strong>dos</strong> processos<br />

formativos em estudo.<br />

O uso de fragmentos dessas narrativas como fonte de pesquisa torna-se<br />

significativo quando considero as palavras e seu significado para a vida, haja vista<br />

que de acordo com Larrosa Bondia (2002, p. 21), ―as palavras produzem sentido,<br />

criam realidades e, às vezes, funcionam como potentes mecanismos de<br />

subjetivação‖. E com o uso das palavras registradas nos memoriais toma<strong>dos</strong> para<br />

estudo, busquei como referencial teórico e metodológico o campo da<br />

hermenêutica fenomenológica de Hans Georg Gadamer (2007, 2008a), na busca<br />

pela compreensão dessas palavras.<br />

28


Tal aporte teórico também ajudou na construção do conceito de formação<br />

humana, quando o autor utiliza essa formação como metáfora da experiência com<br />

a arte e o sentido de formação na coletividade, na troca e fusão de horizontes. De<br />

acordo com esse autor,<br />

O modo como experimentamos uns aos outros, como<br />

experimentamos as tradições históricas, as ocorrências naturais<br />

de nossa existência e de nosso mundo, é isso que forma um<br />

universo verdadeiramente hermenêutico. Nele não estamos<br />

encerra<strong>dos</strong> como entre barreiras intransponíveis; ao contrário,<br />

estamos sempre abertos para o mundo. (GADAMER, 2008a, p.<br />

32).<br />

Nesta oportunidade, os estu<strong>dos</strong> das trajetórias docentes implicam no uso da<br />

história do professor como dado empírico, que atende de maneira satisfatória a<br />

ideia proposta por Gadamer de compreender a formação a partir do ser<br />

aprendente. Essa dinâmica demanda a (re) construção da subjetividade do ator-<br />

autor, que neste caso é o professor. Segundo Josso (2004), nesse processo de<br />

busca de si mesmo o sujeito define: ―o que narrar? Que fatos, nomes, eventos<br />

merecem destaques? O que ocultar? Como organizar as memórias que compõem<br />

as histórias a serem narradas?‖. E a cada questão levantada, este sujeito ―ator-<br />

autor‖ é levado a expressar o sentido de sua existência com as diferentes texturas<br />

de linguagem no sentido ontológico de compreensões de mundo.<br />

Para Josso (2004), que utiliza um conceito de ―existencialidade singular-plural‖,<br />

essa tentativa remete ao próprio acompanhamento do percurso da vida, vivida<br />

com as tensões permanentes entre as transformações, limitações e evolução <strong>dos</strong><br />

sonhos, <strong>dos</strong> desejos e aspirações individuais <strong>dos</strong> sujeitos. Isso confirma a relação<br />

entre singular e plural, que pretendo visualizar no projeto Tapiramutá, pois a<br />

existência humana e a formação são as bases desta construção.<br />

A autora ainda acrescenta que neste processo de construção de si, o ser-sujeito é<br />

levado a gerir essa coabitação das lógicas evolutivas e a viver, nesse processo,<br />

uma tensão entre a identidade de si e a identidade <strong>dos</strong> outros (JOSSO, 2004). A<br />

29


formação humana se apresenta não apenas pelas vias da cognição, mas em um<br />

plano de relação entre a própria construção e a construção do outro, assumindo a<br />

ideia de individual e coletivo.<br />

Segundo os estu<strong>dos</strong> de Pineau (2006), num sobrevôo contemporâneo sobre os<br />

trabalhos com histórias de vida em formação, esse tipo de trabalho ensaia uma<br />

corrente ―pesquisa-ação-formação‖ existencial, uma vez que:<br />

[...] não é exatamente uma simples técnica ou abordagem<br />

pedagógica nova, novas técnicas, biográfica e autobiográfica,<br />

antes essa possibilidade aparece com questões de fundo<br />

axiológicas, epistemológicas e éticas. Quem faz a história de vida<br />

de quem? Por quê? Para quê? Com o quê? Quando? Até onde?<br />

Em função de que regras e de quais saberes? (PINEAU, 2006, p.<br />

336).<br />

O valor da pesquisa (auto) biográfica, neste tipo de trabalho, é legitimar no mundo<br />

científico o entrelaçamento de narrativas de vida com dimensões existenciais de<br />

identidades, permitindo a integração de diversas modalidades do pensamento<br />

humano, tais como, as crenças religiosas, esotéricas, o imaginário de um modo<br />

geral, numa visão que abarca os processos formativos <strong>dos</strong> sujeitos, bem como,<br />

as várias dimensões de nosso ser no mundo (JOSSO, 2008).<br />

Nos estu<strong>dos</strong> de (auto) biografia considera-se que aquele que narra sua história de<br />

vida, narra-a para alguém. Ou seja, no processo de elaboração de uma narrativa<br />

há sempre a tentativa de se estabelecer um diálogo com o leitor, mesmo que seja<br />

com um interlocutor imaginário, como acontece com os diários íntimos. Assim, na<br />

relação com o pesquisador, quem conta a sua vida, não conta a um gravador,<br />

mas conta para alguém que será um interlocutor da voz do sujeito na pesquisa.<br />

Vale dizer que as narrativas não são relatórios de acontecimentos sem sentido,<br />

trata-se de um conjunto de acontecimentos que marcam o percurso formativo de<br />

quem as escreve. O ator-autor, de forma original apresenta sua experiência de<br />

vida através da escrita e comunica ao mundo aspectos que julga significativos<br />

presentes na sua formação (JOSSO, 2008). De acordo com <strong>Oliveira</strong> (2010), uma<br />

30


das características dessa prática de escrita de si é a integração de conhecimentos<br />

de distintos domínios e a compreensão das interconexões que moldam o sujeito.<br />

Trata-se de uma bricolagem, cujo caráter empírico envolve diferentes níveis de<br />

compreensões. (OLIVEIRA, 2010).<br />

Nas palavras de Josso (2008), a questão existencial fica evidente na formação de<br />

professores e no uso das narrativas de vida como tradução de sua existência:<br />

A história de vida narrada é, assim, uma mediação do<br />

conhecimento de si na sua existencialidade que oferece, para a<br />

reflexão do seu autor, oportunidades de tomada de consciência<br />

<strong>dos</strong> vários registros de expressão e de representação de si, assim<br />

como sobre as dinâmicas que orientam a sua formação (JOSSO,<br />

2008, p.19).<br />

A presença da existencialidade nos memoriais é elemento de originalidade<br />

exatamente por se tratar da revelação da singularidade de uma humanidade<br />

compartilhada (JOSSO, 2008). Por esse motivo, nas pesquisas com as narrativas<br />

de formação, utiliza-se com frequência, a expressão de nossa existência singular<br />

e plural: singular pelo fato de expressar o percurso de vida constituído por cada<br />

sujeito em sua singularidade, e plural por esta singularidade estar inserida numa<br />

coletividade (JOSSO, 2008). Em relação ao presente estudo, podemos afirmar<br />

que a coletividade é a própria formação de professores no Brasil e na Bahia,<br />

nesse caso <strong>dos</strong> professores, em exercício, em um determinado município baiano.<br />

Deste modo, o conhecimento de si traz um sujeito vivo e conhecedor do tempo de<br />

vida através das dinâmicas presentes no cotidiano, no contexto <strong>dos</strong> encontros e<br />

desencontros, <strong>dos</strong> principais eventos da sua vida pessoal e social, considerando<br />

o percurso formador e fundante da construção identitária. E neste sentido, a<br />

aproximação da construção identitária entre a pessoa pesquisada, confirmado a<br />

partir <strong>dos</strong> relatos biográficos ou escrita de si, traz articulação entre a vida social e<br />

aspectos psicológicos presentes no percurso social individual.<br />

31


Sobre esta questão, Galeffi chama atenção para a possibilidade de se construir<br />

uma ciência que considere a existência, que para o autor,<br />

É a maior ciência de todas, justamente porque se ocupa do único<br />

ente que necessita de cuidado e atenção absoluta: o ser humano.<br />

O maior bem não pode se encontrar fora de nós. Então, ciência é<br />

para nós o mesmo que saber-pensar, saber-ver, saber-viver-junto,<br />

saber-fazer, saber-não-saber, saber-calar, saber-falar: saber-ser.<br />

É isto mesmo, ciência é algo que nos diz respeito, como humanos,<br />

em nosso modo de ser para a liberdade de ser. Assim, o que<br />

dizemos como ciência é o nosso próprio modo de ser-consciente<br />

do que sabemos fazer com a vida — um saber-fazer com arte<br />

(GALEFFI, 2002, p. 5).<br />

O autor abre, nessa fala, uma discussão antiga sobre ciência, suas abordagens e<br />

os méto<strong>dos</strong> de pesquisas presentes no universo acadêmico. Suas preocupações<br />

vão além de coleta de da<strong>dos</strong> da realidade pesquisada e apontam para a<br />

preocupação formativa da pesquisa, com o pesquisador e o sujeito pesquisado.<br />

Sobre o método, fica claro que é necessária a predisposição do pesquisado em<br />

expor a própria vida. A ele é pedido que conte sua história, como achar melhor –<br />

nos moldes de entrevista não-estruturada. E a partir das histórias e <strong>dos</strong> elementos<br />

presentes nessas narrativas é que o pesquisador irá definir, ou escolher, qual<br />

delas fará parte do seu universo de pesquisa. Este universo da presente pesquisa<br />

foi o referido curso de Pedagogia para professores em exercício, e nele, o<br />

percurso formativo de 10 professores-cursistas em exercício da rede pública do<br />

município de Tapiramutá. Este procedimento de pesquisa foi também um<br />

procedimento didático no exercício de minha docência, já que, motivada por<br />

Josso (2004; 2008), sobre o uso de atividades formativas e da vida como<br />

dispositivo de formação, senti-me motivada a experienciar como pesquisadora,<br />

em campo, esta metodologia como trabalho de pesquisa.<br />

Esse entrelaçamento possível entre a investigação e os processos formativos<br />

encontra respaldo ainda nas formulações de Dominicé (2010b), para quem,<br />

32


A abordagem biográfica pode assim ser considerada como um<br />

lugar de confrontação de verdades construídas no decurso da<br />

existência, como um espaço onde se entrechocam reflexões sobre<br />

a formação, provenientes de diferentes percursos de vida. A<br />

investigação torna-se então a que cada um pretende. Contribui<br />

para a formação, do mesmo modo que a formação a torna<br />

possível. Assim como a nossa formação nos conduziu num<br />

determinado momento a essa investigação. (DOMINICÉ, 2010b,<br />

p. 208).<br />

Vale salientar que essa modalidade de investigação engloba a formação do<br />

pesquisador. Assim, o meu próprio processo formativo, ao tempo em que me<br />

lançou nessa investigação, foi fortalecido pelas escolhas, pelas descobertas,<br />

pelas experiências possibilitadas ao longo da investigação, a começar pela<br />

realização da atividade deflagradora da pesquisa.<br />

Inicialmente foi proposta uma oficina formativa aos professores que fazem parte<br />

do programa e solicitado, durante o processo, que eles focassem na sua<br />

formação e revelassem um ―causo‖ ou acontecimento em seu percurso formativo,<br />

fazendo o exercício proposto pelas esferas estudadas, a esfera estética, a esfera<br />

histórica e a esfera da linguagem. Essas três esferas apresentam-se como<br />

aspectos estruturantes da formação humana e, para efeito desta pesquisa, da<br />

formação de professor: a esfera estética utiliza-se dessas esferas como recurso<br />

de compreensão da forma, da contextualização do fato histórico e no uso da<br />

linguagem como tradutora ou porta voz dessa experiência.<br />

Essas três esferas, apresentadas por Gadamer (2008a), foram importantes no<br />

entendimento do processo formativo nessa perspectiva de hermenêutica pautada<br />

no aspecto ontológico. Para Gadamer, as três esferas não são fragmentadas na<br />

experiência hermenêutica, ao contrário, juntas elas compõem a formação em seu<br />

sentido existencial. Na primeira esfera, Gadamer ressalta a experiência do ser, a<br />

partir da relação com o objeto artístico que precede o próprio exercício crítico do<br />

juízo estético. Esse objeto artístico é como o filósofo se refere ao que nos cerca, e<br />

esta experiência de prazer ou desprazer, de encontro é uma das possibilidades<br />

do exercício hermenêutico fenomenológico da compreensão.<br />

33


Na segunda esfera, o filósofo anuncia a consciência de ser conduzido por<br />

tradições que apontam para o valor da história, das tradições humanas, da<br />

memória como condição existencial do ser histórico que somos. E para a última<br />

esfera, que não se distancia das duas primeiras, mas percorre as mesmas e<br />

traduz as primeiras esferas, Gadamer (2007, 2008a) refere-se à co-pertença das<br />

coisas ditas pelas vozes <strong>dos</strong> discursos, os quais são carrega<strong>dos</strong> de significa<strong>dos</strong> e<br />

tornam-se instrumentos de dominação cultural, pois revelam o caráter dominante<br />

da linguagem.<br />

Após essa oficina foram solicita<strong>dos</strong> os memoriais <strong>dos</strong> participantes, que<br />

totalizavam 57 cursistas, e, deste contingente, me propus estudar 10 memoriais<br />

do universo de professores que participaram da oficina formativa, sendo que,<br />

cinco professores-cursistas pertenciam ao primeiro semestre, e cinco, ao<br />

segundo. Vale ressaltar, que o uso da linguagem escrita como elemento fundante<br />

de uma hermenêutica existencial é traço fundamental nos estu<strong>dos</strong> de Gadamer<br />

para a formação humana – o que reforçou minha posição por fundamentar minha<br />

opção metodológica, com esse referencial, para compreensão <strong>dos</strong> memoriais e<br />

<strong>dos</strong> ―contos‖ <strong>dos</strong> professores-cursistas seleciona<strong>dos</strong> como sujeitos da pesquisa.<br />

Nos fragmentos das histórias de vida desses professores, eles demonstram que<br />

vida e formação se constroem intensamente, fundindo-se, e isso fica evidente<br />

pelo fato de ser o memorial uma narrativa de compreensões de mundo e de si, e<br />

não um relatório comum. Conforme Benjamin, narrar uma história é uma arte e<br />

um acontecimento infinito, ―pois é um acontecimento vivido, ou pelo menos<br />

encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem<br />

limites, por isso é infinito, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes<br />

e depois”. Desse modo, a narrativa, não trata apenas de uma lembrança de uma<br />

experiência, mas de uma experiência que se reconstrói à medida em que é<br />

narrada. Assim, narrar alguma coisa consiste na ―faculdade de intercambiar<br />

experiências”, e, por este motivo, Benjamin chama de ―obra aberta‖, na sua obra<br />

―O Narrador‖ (BENJAMIN apud DUTRA, 2002, p.373).<br />

34


A narrativa contempla basicamente a experiência contada pelo narrador e ouvida<br />

pelo outro; o ouvinte numa relação de interlocução, já que, ao contar aquilo que<br />

ouviu, transforma-se ele mesmo em narrador, por já ter amalgamado à sua<br />

experiência a história ouvida. Desta forma, poderia dizer que o trabalho com<br />

narrativas pode se tornar uma abordagem metodológica apropriada aos estu<strong>dos</strong><br />

que se fundamentam nas ideias da fenomenologia e na temática da existência.<br />

Através da narrativa, podemos nos aproximar da experiência de formação, tal<br />

como ela é vivida pelo narrador ou formando (DUTRA, 2002).<br />

Nesta perspectiva, o narrador não ―informa‖ sobre a sua experiência de formação;<br />

mas, especialmente, conta sobre ela, articulando o acontecido com as devidas<br />

contextualizações, dando oportunidade da escuta e da modelagem de acordo<br />

com a sua interpretação/compreensão: o que leva a experiência de si e do outro a<br />

uma maior amplitude da formação numa perspectiva de "fusão de horizontes"<br />

conforme apresenta Gadamer (2007; 2008a; 2008b). Esta expressão apresenta a<br />

complexidade das relações presentes nas narrativas, e, apesar de Gadamer não<br />

ter feito elaborações neste campo especificamente, a compreensão das narrativas<br />

como relações intercambiadas e projetadas, por si só, já se aproxima desse<br />

conceito de ―fusão de horizontes‖. De acordo com Sá (2010), interpretando<br />

Heidegger, o filósofo ―trabalha com a tensão da existência, no emergir e imergir<br />

no mundo, fazendo-se parte dele. Dessa forma, o homem não pode ser o ente<br />

que é, senão encarnado no mundo, em contínua comunhão com os outros entes‖<br />

(SÁ, 2010, p. 45).<br />

Como projeção daquilo que ainda vem e do inevitável diálogo entre os horizontes<br />

<strong>dos</strong> sujeitos envolvi<strong>dos</strong>, e mesmo do próprio horizonte de cada um, no sentido<br />

ontológico de ser e estar no mundo, há uma relação entre o presente, o passado<br />

e o futuro não de maneira linear obedecendo a uma sequência, mas numa<br />

relação anacrônica. A ideia de horizonte, portanto, aponta para o movimento da<br />

dialógica e está associado a categorias de intersubjetividade e historicidade <strong>dos</strong><br />

sujeitos, que em si mesmos são portadores de cultura e formação; ou seja, o<br />

encontro de horizontes redimensiona as possibilidades e os limites da<br />

35


objetividade e da neutralidade na investigação cultural, e isso se torna possível<br />

graças à associação da dimensão compreensiva.<br />

36


3. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HERMENÊUTICA<br />

37<br />

A quién le puedo preguntar<br />

qué vine a hacer en este mundo?<br />

Por qué me muevo sin querer,<br />

por qué no puedo estar imóvil?<br />

Por qué voy rodando si ruedas,<br />

volando sin alas ni plumas,<br />

y qué me dio por transmigrar<br />

si viven en Chile mis huesos?<br />

Pablo Neruda<br />

As primeiras informações que se tem sobre a palavra formação passeiam pelo<br />

sentido de ―formação natural‖ de órgãos ou membros, ou com referências à<br />

aparência externa ou ainda a formação produzida pela natureza como, por<br />

exemplo, a formação de montanhas, desertos etc. O conceito de formação<br />

encontra-se diretamente ligado ao conceito de cultura designando<br />

especificamente o aperfeiçoamento de aptidões e faculdades humanas.<br />

(GADAMER, 2007)<br />

Uma concepção de formação que não se constrói na forma de finalidade ou em<br />

vistas de um produto final, essa é a tentativa de Gadamer ao ―ressignificar o<br />

conceito de formação a partir da crítica à ênfase do resultado em detrimento do<br />

devir‖ (SÁ, 2010, p. 43). Esse aspecto discutido pelo autor revela que o sentido da<br />

formação não se encontra num objetivo e a mesma não pode ser desejada, a não<br />

ser que seja para compor a temática reflexiva do educador (GADAMER, 2008a).<br />

Formação é percurso e durante esse processo, de acordo com o filósofo,<br />

[...] é possível apropriar-se totalmente daquilo em que e através<br />

do que alguém é instruído. Nesse sentido, tudo que ele assimila<br />

integra-se nele. Mas na formação aquilo que foi assimilado não é<br />

como um meio que perdeu sua função. Na formação adquirida<br />

nada desaparece, tudo é preservado. A formação é um conceito<br />

genuinamente histórico, e é justamente o caráter histórico da


‗conservação‘ o que importa para a compreensão das ciências do<br />

espírito. (GADAMER, 2008a, p. 47).<br />

Buscando o sentido da palavra ―hermenêutica”, de um modo geral ela tem em sua<br />

etimologia o verbo grego hermeneuein, que se traduz normalmente como<br />

interpretar e o substantivo hermeneia, como interpretação. Assim, os textos<br />

gregos da antiguidade clássica associa<strong>dos</strong> à mitologia, de modo específico ao<br />

chamado ―[...] deus-mensageiro-alado Hermes, de cujo nome as palavras<br />

[hermeneuein, hermeneia e hermeios - esta última referente ao sacerdote do<br />

oráculo de Delfos] aparentemente derivam (ou vice-versa?)‖ (PALMER, 1997<br />

apud SÁ, 2004, p.22). Ao deus Hermes na mitologia grega – o que na cultura<br />

baiana seria equivalente a Exu, considerado o orixá da comunicação, da<br />

mensagem, aquele que é porta-voz <strong>dos</strong> deuses aos humanos de modo<br />

semelhante a Hermes – foi atribuída a Hermes a linguagem e a mediação dessa<br />

linguagem, tornando-a compreensível aos humanos.<br />

Desta forma, a função de Hermes seria a de transmutação, de ―[...] transformar<br />

tudo aquilo que ultrapassa a compreensão humana em algo que essa inteligência<br />

consiga compreender‖, ou seja, transmutar o enigma em mensagem<br />

compreensível aos homens. E como característica mítica, em Hermes não existe<br />

limitação, não há contradição, bem ou mal. Segundo Sá, nas suas formulações a<br />

partir de autores como Hermann, Hermes é ambíguo, volátil, nega a linearidade e<br />

o estático (SÁ, 2004, p.23).<br />

A formação de professores estudada a partir da hermenêutica fenomenológica,<br />

das afirmações das experiências está relacionada com situações vividas e<br />

interpretadas a partir da linguagem num sentido ontológico de reconhecimento da<br />

formação como fenômeno a ser compreendida. Desta forma, não se estuda a<br />

experiência pura e isolada, deslocada do seu tempo e espaço, já que a<br />

experiência é sempre organizada pelo sujeito que a vivenciou na sua cultura e em<br />

situações organizadas pela linguagem (DUTRA, 2002). O que implica em dizer<br />

que uma pesquisa neste campo de atuação pede o uso de méto<strong>dos</strong> aplicativos<br />

38


não generalizantes, sendo necessário pensar possibilidades e caminhos de uso<br />

das linguagens como compreensão e ensaios de novos fazeres pedagógicos.<br />

Pode-se dizer que a formação de professores ao longo da história passou por<br />

modificações significativas tomando como base o ofício de professor, os<br />

interesses sociais e culturais de cada época. De acordo com Cunha (1989),<br />

estudar o professor e a formação de professores é reconhecer o seu papel e o<br />

conhecimento de sua realidade que poderão favorecer intervenções no seu<br />

próprio desempenho. Segundo a autora, há um consenso entre pensadores<br />

brasileiros que nos leva a perceber aspectos fundamentais da formação de<br />

professores, de modo que esta formação não está restrita aos cursos de<br />

habilitação à Licenciatura; ao contrário disso, os estu<strong>dos</strong> recentes sobre formação<br />

revelam que o educador se educa na prática da docência. Este fenômeno é<br />

considerado fundamental para reorientar as pesquisas e ações referentes a esta<br />

área de conhecimento.<br />

A proposta de estudo da formação, conforme percebi nesta pesquisa depende da<br />

concepção que se tem de educação e do papel que o professor desempenha na<br />

sociedade desejada. Dentre os saberes presentes nos estu<strong>dos</strong> atuais sobre<br />

formação de professores encontra-se, além <strong>dos</strong> saberes específicos, o saber<br />

pedagógico e o saber político-social, como parte integrante da formação docente.<br />

A ênfase em um elemento ou outro é que marca a diferença entre as abordagens<br />

<strong>dos</strong> diferentes autores sobre formação de professores. (CUNHA, 1989).<br />

É importante salientar, que estu<strong>dos</strong> que colocam o professor historicamente e<br />

socialmente contextualizado, em certa medida, acabam por afirmar que o<br />

desempenho do professor e sua formação têm a ver com suas condições e<br />

experiências de vida; ou seja, há um pressuposto teórico e metodológico entre o<br />

saber e a elaboração deste saber que aponta para a experiência de ser-no-mundo<br />

conforme apontado por Heidegger (2006).<br />

39


Neste sentido, ao longo da história da educação de professores, houve uma<br />

preocupação maior em internalizar o saber do que a conscientização de que o<br />

professor é sujeito histórico produtor e portador de conhecimentos. Essa<br />

internalização <strong>dos</strong> saberes vem da influência do pensamento positivista que ao<br />

longo da história da educação definiu modelos formativos que favoreceram a ideia<br />

do ―axioma‖ da neutralidade, e, desta forma, foi ignorando as relações que os<br />

sujeitos criam com o conhecimento. (CUNHA, 1989).<br />

De acordo com Gadamer (2008a), formação tem sentido profundo, trata-se de um<br />

existencial que já na antiga tradição mística apresentou-se o termo, segundo o<br />

qual o homem traz em sua alma a imagem de Deus e deve reconstruir em si<br />

mesmo, ou seja, trata-se de um processo formativo da gênese humana. No latim,<br />

o termo equivale a formatio; em inglês, corresponde a form e formation; no<br />

alemão, o conceito é uma derivação do conceito de forma que compete com a<br />

palavra ―Bildung‖ (formação), que tem na sua raiz a ideia de forma, já que ―Bild‖<br />

significa ―imagem‖ (GADAMER, 2008a, p. 46).<br />

O conceito de formação nasce de um processo interior de formulação, mantendo<br />

um ritmo de constante evolução e aperfeiçoamento; ou seja, o conceito de<br />

formação supera, segundo Gadamer, o mero cultivo de aptidões pré-existentes, o<br />

cultivo de aptidões é o desenvolvimento daquilo que já está dado. Ao contrário, ―é<br />

possível apropriar-se totalmente daquilo que e através do que alguém é instruído‖.<br />

Ou seja, tudo que é assimilado integra-se nele, sendo integrado em seu processo<br />

formativo. Não se trata de um meio que perdeu sua função, nada desaparece,<br />

tudo é preservado, conservado, mas não no sentido de acúmulo de conhecimento<br />

e muito menos no sentido de produção de conhecimento com metáfora atrelada<br />

ao modelo fabril. (GADAMER, 2008a, p. 47).<br />

A formação de professores tem sido discutida com preocupações que abarcam,<br />

no ofício de professor, conhecimentos e técnica de ensino, que ajudam, e ao<br />

mesmo tempo surgem no exercício da docência, permitindo novos domínios das<br />

teorias pedagógicas; porém, nem sempre considerando a experiência de vida do<br />

40


professor e aquilo que ele é capaz de realizar articulando a formação na vida com<br />

relações diversas entre os saberes.<br />

Esse aprendizado do professor é construído ao longo da sua vida, e se intensifica<br />

no seu processo de escolarização direcionado à docência, nos cursos de<br />

formação e prática de ensino; um aprendizado que vem da troca de experiência<br />

com outros profissionais de educação, interação com os alunos, estu<strong>dos</strong> nos<br />

cursos de formação e em outras experiências vivenciadas por ele, bem como, no<br />

enfrentamento de problemas da prática cotidiana que resultam em saberes que<br />

compõem a formação de professores (ROMANNOWSKI, 2007). De acordo com<br />

Cunha (1989, p. 35), a vida quotidiana do professor é a ―objetivação <strong>dos</strong> valores e<br />

conhecimentos do sujeito dentro de uma circunstância‖, a essa contextualização<br />

ou circunstância do tempo e espaço Gadamer chamaria de tradição ou esfera<br />

histórica.<br />

No caso da formação oferecida pela <strong>UFBA</strong> no município de Tapiramutá, trata-se<br />

de uma experiência de caráter experimental, sendo construído com intenção de<br />

graduar professores em exercício docente na rede municipal, podendo estar<br />

ocupando cargo de dirigentes e coordenadores de Redes municipais de<br />

Educação. O respaldo legal conferido a essa intenção encontra-se no Art. 62 da<br />

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), que busca<br />

solucionar o problema da educação básica, melhorando a formação de<br />

professores, exigindo como formação mínima o ensino superior. Para isso, os<br />

centros de ensino superiores e universidades ganharam autonomia na construção<br />

de suas propostas curriculares.<br />

O curso atende segundo a uma demanda específica de formação de professores<br />

e nela tenta adequar princípios de ―contextualização, valorização do profissional<br />

da educação escolar, padrão de qualidade, gestão democrática, valorização da<br />

experiência extra-escolar e vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as<br />

práticas sociais‖. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA-<strong>UFBA</strong>, 2005, p.10).<br />

41


A concepção do curso é de formação em exercício da docência e para isso, o<br />

mesmo conta como eixo norteador do programa a práxis pedagógica, valorizando<br />

a relação espaço-tempo nas reflexões e ações do cotidiano escolar, o trabalho de<br />

cada docente e como o mesmo repercute no processo de formação e produção<br />

de conhecimento desenvolvido na coletividade.<br />

O curso tem duração mínima de três anos e conta com atividades variadas<br />

(GEACs – Grupos de Estu<strong>dos</strong> Acadêmicos, GELIT – Grupo de Estu<strong>dos</strong> em<br />

Literatura, Oficinas Formativas, Palestras, Mini Cursos etc.) e o objeto de estudo<br />

<strong>dos</strong> professores do/no curso, será o próprio processo formativo,<br />

[...] a educação em seu acontecer cotidiano, nos diversos espaços<br />

da prática social em que se processa traduzido mais<br />

especificamente, na ação docente que confere sentido e<br />

organicidade às diferentes ênfases do trabalho pedagógico, que<br />

constitui na base comum de formação <strong>dos</strong> profissionais de<br />

educação. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA-<strong>UFBA</strong>, 2005,<br />

p.10).<br />

A ideia presente na proposta é de um curso de pedagogia ligado, desde seu<br />

início, às propostas tecnológicas da informação e comunicação, contextualizando-<br />

se de forma criativa ao momento histórico contemporâneo vivenciado pela<br />

educação. Deste modo, o processo conta com âncoras como indicadores,<br />

apresenta<strong>dos</strong> a seguir na íntegra, conforme a Proposta de Formação de<br />

Professores de Tapiramutá (<strong>UFBA</strong>, 2005, p.12):<br />

Processos horizontais<br />

A hierarquia e a verticalidade, próprias de uma certa cultura pedagógica, são<br />

incompatíveis com a lógica e as pedagogias introduzidas pelas Tecnologias da<br />

Informação e Comunicação, em virtude do seu funcionamento em rede. Teríamos<br />

o que podemos chamar de profundidade horizontal.<br />

Processos coletivos<br />

Sendo uma dinâmica de rede com a participação de to<strong>dos</strong>, a produção é<br />

coletivizada.<br />

42


Centros instáveis<br />

Os processos têm uma centralidade instável. Conforme essa condição, ora o<br />

professor é o centro, ora o aluno, ora outro ator ou mesmo um elemento físico que<br />

possa ocupar o lugar central de um dado momento pedagógico.<br />

Currículo hipertextual<br />

Os sujeitos do conhecimento podem/devem construir seus percursos de<br />

aprendizagem em exercícios de interação com os outros atores do processo, com<br />

as máquinas e com os mais diversos textos.<br />

Participação efetiva<br />

Todo sujeito, para vivenciar o processo pedagógico, é convocado a participar<br />

na/da rede, sendo impraticável um mero assistir.<br />

Formação permanente e continuada<br />

O movimento acelerado transforma a todo instante as relações que são estabe-<br />

lecidas no espaço/tempo. A contemporaneidade exige um processo contínuo de<br />

tratamento de informações e, simultaneamente, uma relação com a produção<br />

permanente de novos conhecimentos diante de realidades mutantes.<br />

Cooperação<br />

Para o sistema de rede funcionar, os participantes necessariamente são<br />

convoca<strong>dos</strong> a cooperar, contribuir com o processo de produção coletiva.<br />

Simultaneidade entre a escrita e a oralidade<br />

As dinâmicas comunicacionais em rede, mesmo com o uso da escrita,<br />

expressam-se com uma alta dimensão de oralidade. Não se entenda aqui como<br />

um puro e simples resgate da oralidade típica do período da pré-escrita, mas o<br />

desenvolvimento de uma oralidade contemporânea.<br />

43


Sincronicidade na aprendizagem<br />

É importante que sejam estabelecidas conexões laterais, e não apenas<br />

seqüenciais; ou seja, a presença de relações e de senti<strong>dos</strong> simultâneos. Na<br />

verdade, é o espaço sincrônico e o tempo espacializado.<br />

Com base nessas ―âncoras‖, o curso preocupa-se com seu cumprimento desde o<br />

processo seletivo que se inicia com uma oficina formativa, em que se discute os<br />

fundamentos da prática de escrita do memorial para o processo de formação <strong>dos</strong><br />

professores 3 , sendo solicitado como critério de seleção a escrita do memorial.<br />

O Projeto de Formação de Professores de Tapiramutá na Bahia, coordenado pela<br />

<strong>UFBA</strong>, faz opção pelo uso das experiências de professor, entendendo esse<br />

processo como momento de reflexão, de autocrítica e <strong>dos</strong> instantes de<br />

compreensão, que para a formação revelam um conceito importante que é a<br />

experiência humana como formadora do sujeito professor. A formação que se<br />

constitui por meio das experiências, nos percursos, na vida e em cada instante,<br />

aparece resgatada numa relação que desconhece fronteiras entre o passado e o<br />

futuro, sendo compreendido com o olhar do presente, conforme salienta Larrosa<br />

Bondia (2002). A formação docente, por conseguinte, tem em sua natureza o<br />

sentido existencial, pois considera a vida enquanto espaço de formação humana<br />

e, neste caso, da formação de professores.<br />

3.1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E EXISTÊNCIA<br />

A perspectiva apresentada neste trabalho é demonstrar o entrelaçamento da<br />

formação acadêmica com a existência humana, sendo estas leituras a partir da<br />

hermenêutica fenomenológica. Investigando sobre existência para Heidegger e<br />

Dilthey, só o homem existe, já que, apenas ele pode compreender a sua realidade<br />

3 No vestibular da <strong>UFBA</strong>/2010.1 no município de Tapiramutá, participei da equipe de trabalho do<br />

processo seletivo <strong>dos</strong> professores, juntamente com os colegas: Ana Paula Moreira, Luiza Seixas,<br />

Maisa, Helmut Schwarzelmuller. Nesta oficina, tive contato com muitos <strong>dos</strong> professores que<br />

posteriormente fizeram parte do trabalho de campo que realizei no programa, e que,<br />

consequentemente, foram os atores desta pesquisa de mestrado.<br />

44


e o mundo que o cerca. A ideia de ―existência‖ presa ao homem é alvo de<br />

inúmeras críticas aos filósofos da existência, na medida em que os mesmos<br />

apontam que a existência constitui-se na maneira de ser que caracteriza o próprio<br />

homem na sua errância. De acordo com Macedo (2010), inspirado em Heidegger,<br />

―reside aí a sua essência, o ser-aí, na sua concretude (Dasein). Assim, é<br />

necessário existir para descobrir a existência. Como no caso da formação a<br />

existência não se explica, se compreende‖. (MACEDO, 2010, p. 157).<br />

Da perspectiva existencial e de acordo com Macedo (2010), a experiência<br />

formadora, com vista a partir da hermenêutica designada por Gadamer, tratar-se<br />

de um processo em que a pessoa elabora um sentido para atribuí-lo aos seus<br />

vivi<strong>dos</strong> e às suas experiências de vida. Neste contexto, a formação constitui-se<br />

naturalmente existencial, por se tratar de construção de sentido, de uma<br />

construção do próprio sujeito ―demandando aí uma presença interpretativa do Ser,<br />

portanto uma compreensão significativa diante de um mundo que informa, a<br />

hermenêutica e sua possibilidade de qualificar a formação nutre a prática<br />

formativa‖ (MACEDO, 2010, p.61).<br />

A leitura da hermenêutica na formação de professores como ação e ato<br />

interpretativo vem a partir de quem intenciona mediar a formação de quem se<br />

forma na sua condição de existir, visto que a presença determinante de ser e<br />

estar no mundo abrange a ideia de percurso, errância e busca pessoal do sujeito.<br />

De acordo com Macedo (2010), o fenômeno da formação, no seu acontecer, se<br />

dá com o Ser existindo em formação, refletindo e narrando sobre a sua formação<br />

e o ―estar formado‖ (MACEDO, 2010, p. 32). E de acordo com o autor,<br />

Podemos ir mais adiante, ao dizer com Heidegger que o ser-como-outro,<br />

o ser-com-o-mundo, não significa necessariamente<br />

pensarmos na presença absoluta do outro, essa coexistência já é<br />

uma estrutura essencial, ou seja, o ser-com é a nossa existência<br />

se apresentando enquanto tal, se formando enquanto tal.<br />

(MACEDO, 2010, p. 159).<br />

45


No entanto, o autor argumenta que é preciso reivindicar uma perspectiva<br />

sócioexistencial para a formação criticando o tecnicismo histórico; e Bernard<br />

Honoré (apud MACEDO, 2010, p. 28) argumenta que ―grande parte das ações em<br />

formação são quase que exclusivamente centradas nas técnicas e sua cultura‖,<br />

ou seja, técnica e cultura emergem como base direcionando para a tecnologia<br />

que se espera, ―sem reflexão relacionais, maior eficiência‖ e a ―separação entre<br />

formação pessoal e profissional continua predominando‖ (HONORÉ apud<br />

MACEDO, 2010,p. 28). Desta maneira, a formação, ainda hoje, tem seu sentido<br />

reduzido à ideia ―mecânica e a organização curricular, assim como sobre a<br />

eficiência didática, e acabam ficando apenas aí, no modelo didático-curricular<br />

mais adequado‖ (MACEDO, 2010, p. 29).<br />

A formação com sentido existencial caminha na direção da complexidade e não<br />

da simplificação <strong>dos</strong> indicadores descontextualiza<strong>dos</strong> e sem relação com as<br />

histórias de vidas <strong>dos</strong> sujeitos em formação, já que de acordo com Pineau (2000<br />

apud MACEDO, 2010, p.31), a ideia de formação parte de duas semânticas<br />

principais: ―criar, constituir, compor, conceber por integração, totalização,<br />

conjunção com sentido‖ e é essa conjunção que dá todo sentido existencial à<br />

formação, se impondo como questão vital e não apenas técnica, e enquanto<br />

função essencial exercida de forma permanente.<br />

Nesta perspectiva, Macedo (2002), inspirado em formulações de Edgar Morin,<br />

Jacques Ardoino e Paulo Freire, chama atenção para a formação com uma<br />

fundamentação sobre a criação de uma consciência da incompletude ontológica,<br />

sendo entendida a partir da expressão alemã Bildung, ―sempre transversalizada<br />

por pautas políticas, éticas, estéticas e que implicam no exercício da cidadania.‖<br />

(MACEDO, 2002, p. 117). Deste modo, trata-se de um fenômeno complexo e de<br />

grande densidade existencial a ser compreendido.<br />

De acordo com Honoré (apud MACEDO, 2010, p. 31), ―a compreensão é uma<br />

modalidade fundamental da atividade humana em via de realização. Ela é a<br />

manifestação ativa de nossa existência formativa‖. Desta maneira, sobre o termo<br />

46


formação repousa a incerteza, a indeterminação do ser no mundo que conforme<br />

Sá (2010) se apresenta em seu acontecer na ―itinerância e na errância‖ e desta<br />

forma, na formação com o sentido da existência está imbricada o conceito de<br />

coexistência, já que não fazemos esse percurso de formação sozinhos, mas,<br />

sempre na companhia de outros entes, tomando o próprio mundo como ente,<br />

conforme nos apresenta Heidegger (HEIDEGGER apud STEIN, 2005); ou seja, o<br />

ato de existir é um ato eminentemente individual e ao mesmo tempo social, é<br />

singular e plural, é dialógico em sua natureza exigindo aproximação com outros<br />

horizontes (GADAMER, 2008a).<br />

Pode ser, portanto, considerado singular, pois nele está presente a<br />

individualidade, compreensão de cada sujeito em sua estrutura e finitude. Ao<br />

mesmo tempo, é um ato social, coletivo, pois nesse processo como o andarilho do<br />

jogo de Tarot, realiza-se uma viagem com um percurso que a priori não está<br />

estabelecido, nem predestinado a um fim específico e rígido. Esta ―errância‖ é<br />

impregnada de elementos próprios das relações que este ser estabelece com<br />

outros seres e com as coisas (ABBAGNANO, 2006).<br />

Nesta construção de si mesmo, a complexidade encontra-se vinculada à<br />

existência humana, e ao procurar compreender a formação de professores, como<br />

também, em que medida a experiência de vida em sua existência é importante<br />

para a formação de docente, busco essa compreensão a partir da hermenêutica.<br />

Essa arte de interpretar, que com passar do tempo adquiriu um significado amplo,<br />

no âmbito filosófico, sob diversas formas de teoria da interpretação, dentre elas, o<br />

existencialismo, a fenomenologia e a própria hermenêutica. Os filósofos que<br />

pertencem a esta linha de pensamento se ocupam da existência humana,<br />

consideram essa existência não do ponto de vista da observação, da percepção<br />

ou do ponto de vista biológico da presença do sujeito, mas da reflexão filosófica<br />

no sentido da compreensão de mundo, e neste campo da formação como<br />

existencial. Sendo, deste modo, o homem considerado não somente enquanto<br />

organismo biológico vivo.<br />

47


Neste sentido, Abbagnano (2006) aponta para a ideia de que existir é um ato<br />

divino e existencial: é interrogar-se e ao mesmo tempo, interrogar sobre o mundo<br />

em volta, num exercício fundamental que dá sentido à vida e à formação humana;<br />

e, nesse caso, à formação de professores. De acordo com Bachelard, o homem<br />

em seu processo formativo exerce uma faculdade que lhe é própria: a de dar<br />

sentido ao mundo. E a partir do seu imaginário, ele cria e recria a vida, a religião,<br />

as filosofias, teorias etc., cria o universo a partir de símbolos e significa<strong>dos</strong> num<br />

plano imaginário atribuindo significa<strong>dos</strong>. (BACHELARD apud PITTA, 2005). Na<br />

visão de Pitta,<br />

O ser humano, assim constituído, atribui significa<strong>dos</strong> que vão bem<br />

além da funcionalidade <strong>dos</strong> atos ou objetos. (...) Aquilo que<br />

poderia parecer absolutamente natural (árvore, água, fogo...), é<br />

transformado pelas diversas culturas para adquirir significado<br />

(PITTA, 2005, p. 13).<br />

As formulações da autora me levam a perceber que formamos junto ao nosso<br />

contexto, compreendendo, indagando e elaborando e formulando compreensões<br />

sobre o mundo e suas tradições conforme Gadamer (2007, 2008a) chama<br />

atenção. Para Pitta, o imaginário é um ato criativo e propulsor da criação que<br />

impulsiona ser (no plano individual e coletivo) completo (corpo, alma, sentimentos,<br />

sensibilidade, emoção...), isso é a raiz de tudo que existe para o homem. (PITTA,<br />

2005).<br />

Essa construção, e sentido dado ao mundo pelo homem, passa pelo exercício da<br />

compreensão que nas palavras de Galeffi, trata-se ―da própria possibilidade do<br />

sentido-sendo – o acontecimento do sentido‖ (GALEFFI, 2001, p. 247). A<br />

compreensão aponta para o modo de ser mundo e pressupõe um modo de ser<br />

próprio ao homem como condição das capacidades interpretativas e formativas.<br />

Neste caminho desenhado por Galeffi, sobre compreensão, o autor apresenta<br />

algumas proposições acerca desse termo e o sentido de ser-no-mundo-com.<br />

Assim, o autor nos diz, em primeiro plano, que ―compreender é sempre prévio:<br />

pois é sempre a possibilidade humana de ser aquilo mesmo que se forma a partir<br />

48


do seu âmbito‖. Em segundo lugar, que ―a compreensão é sempre referente ao<br />

ser-no-mundo-com‖, ou seja, não há compreensão fora de quem compreende. E<br />

uma terceira proposição é que a ―compreensão é sempre produtora de<br />

interpretação‖, haja vista que interpretamos porque compreendemos. É a<br />

compreensão que possibilita a interpretação. (GALEFFI, 2001, p. 248).<br />

Desta forma, o autor coloca a compreensão no plano de ser-no-mundo-com e<br />

discorre sobre a mesma em sentido ontológico. No compreender e interpretar,<br />

neste contexto de preocupações, cabe um sentido mais do que intelectual, pois<br />

atrelado a ambos aparecem ―indicativos existenciais‖ como: ―posição, visão e<br />

concepção prévia‖ (GALEFFI, 2001, p. 254), que seria a pré-compreensão, ou<br />

compreensão antecipada, que se insere de maneira histórica e social na<br />

construção <strong>dos</strong> sujeitos a partir da linguagem.<br />

Neste contexto de preocupações, Morin (2002) apresenta um panorama sobre<br />

algumas das lacunas deixadas por este modelo de ensino centrado na formação<br />

apenas técnica. De acordo com o autor, um <strong>dos</strong> primeiros prejuízos históricos foi<br />

a ideia da ―super especialização‖, em que os saberes foram fragmenta<strong>dos</strong> para<br />

―facilitar‖ o domínio de unidades menores. Esse modelo é reflexo de um modelo<br />

econômico de divisão de trabalho que, no contexto educativo, teve impactos<br />

preocupantes no sentido da perda da noção mais abrangente, mais panorâmica<br />

do conhecimento como um todo, instaurando-se aí a lógica do não diálogo entre<br />

campos de conhecimento.<br />

Neste sentido, Morin (2003) critica a escola dizendo que ao contrário de integrar a<br />

realidade ao seu contexto e aos processos formativos<br />

na escola primária nos ensinam a isolar objetos (de seu<br />

ambiente), a separar disciplina (em vez de reconhecer suas<br />

correlações), a dissociar os problemas ao invés de reunir e<br />

integrar. Obrigam-nos a reduzir o complexo ao simples, isto é, a<br />

separar o que está ligado; a decompor, e não a recompor; e a<br />

eliminar tudo que causa desordens ou contradições em nosso<br />

entendimento. (MO<strong>RI</strong>N, 2003, p. 15)<br />

49


A compreensão, num plano de ser-no-mundo, num sentido ontológico, realiza-se<br />

no vivenciar <strong>dos</strong> múltiplos contextos, em diferentes linguagens e na convivência<br />

com a subjetividade humana a partir de diálogos e da aproximação com novos<br />

territórios de ―entre-lugares‖, de ―inter-contextos‖ e de ―inter-textos‖, valorizando a<br />

singularidades de construção. (SERPA, 2003).<br />

De acordo com Serpa (2003, p.1), essa construção envolve como aprendizagem,<br />

um processo de co-existência humana quando diz que,<br />

Devo reconhecer que me realizo, não só vivendo a tensão lúdica<br />

<strong>dos</strong> meus acontecimentos, mas também com a convivência da<br />

mesma tensão em to<strong>dos</strong> e em cada um ser humano em seus<br />

acontecimentos. (SERPA, 2003, p. 1).<br />

Essas declarações apontam para o sentido atribuído à atividade docente, por<br />

Nóvoa (1992a, 1992b, 2002), que se caracteriza pela complexidade. Desta forma,<br />

agora resta apenas deixar que as palavras, com seu caráter dialógico e seu<br />

desdobramento, revelem as dimensões presentes nas concepções de mundo de<br />

cada docente, favorecendo a compreensão de que os interpreta/compreende.<br />

A formação no sentido existencial, portanto, na sua estrutura e nas dinâmicas<br />

presentes do ato de compreender, encontra-se ―indissociável em relação à<br />

produção de senti<strong>dos</strong>, abre o caminho do sentido. Esse sentido vai abrindo o seu<br />

próprio caminho, perspectiva fundante para a autonomização vivida nos<br />

processos formativos” (MACEDO, 2010, p. 33). Na perspectiva existencial a<br />

formação apresenta seu caráter sócioexistêncial que implica necessariamente na<br />

experiência compartilhada em que o sujeito formando constrói sua formação da<br />

perspectiva ―do Ser do homem, historicamente apropriada como um estar-no-<br />

mundo-compreendendo‖ (MACEDO, 2010, p. 38) e por este motivo formação não<br />

pode ser confundida como uma simples meta educacional.<br />

50


Estas proposições acerca da formação existencial, numa perspectiva<br />

sócioexistencial, apontam para um aspecto importante da construção do<br />

conhecimento em que o mesmo se constitui de maneira existencial e social visto<br />

ser ele um fruto da criação, reflexão e especulação humana ampliando-se a ideia<br />

de conhecimento na perspectiva hermenêutica fenomenológica.<br />

Na principal obra escrita por Gadamer (2008a), Verdade e Método, o filósofo<br />

explora o debate em torno da formação na existência de ser, utilizando como<br />

eixos estruturantes de sua teoria três esferas presentes na experiência<br />

hermenêutica fenomenológica. Nesta filosofia, os traços fundamentais de uma<br />

hermenêutica filosófica são apresenta<strong>dos</strong> juntamente com a sua teoria cuja ideia<br />

central é o sentido de pertença e valorização de uma determinada tradição. A<br />

hemenêutica gadameriana coloca em evidência o fenômeno da compreensão<br />

diante da pretensa universalidade científica. Para isso, Gadamer aponta para o<br />

diálogo como atributo natural do ser humano (GADAMER, 2008b).<br />

O diálogo neste sentido ontológico e existencial do plano hermenêutico só é<br />

possível graças a linguagem, dimensão inerente ao ser humano. Essa relação<br />

dialógica é um processo pertencente às relações humanas em seu estado de<br />

compreensão. Com essa visão, Gadamer apresenta um fundamento teórico<br />

importante sobre a determinação ontológica que nada mais é do que o<br />

predomínio do modelo de conhecimento das ciências da natureza que acaba<br />

desacreditando de todas as possibilidades do conhecimento que se encontram<br />

fora dessa nova lógica de pensamento (GADAMER, 2008).<br />

A questão central desta compreensão está em negar a interpretação/<br />

compreensão no plano da universalidade, já que isso implicaria no<br />

―distanciamento da particularidade da aceitação que deixa de lado a<br />

correspondência com a própria expectativa ou à própria preferência‖ (GADAMER,<br />

2008a, p. 134). A filosofia de Gadamer, portanto, revela o que é próprio do ser<br />

humano e que só se efetiva, quando algo fica em nós. Um diálogo só se torna<br />

verdadeiramente diálogo, quando algo do outro vem ao encontro da nossa<br />

51


experiência (GADAMER, 2008a). É com esta reflexão em torno do diálogo que<br />

Gadamer justifica sua filosofia hermenêutica.<br />

Nesta direção, o sentido de diálogo, proposto por Gadamer, vem com intenção<br />

profunda ao ser humano, procurando expressar a riqueza resultante da relação<br />

entre as pessoas. Trata-se de uma relação em que não deve haver sobreposição<br />

de ideias entre interlocutores e a relação contribui com a individualidade,<br />

singularidade, a partir das histórias de vida, <strong>dos</strong> percursos de formação de cada<br />

um num movimento de aprendizado intercambiado.<br />

A hermenêutica gadameriana, nesse sentido, oferece grandes contribuições para<br />

formação de professores, apesar da intenção do filósofo ter sido para formação<br />

num sentido humano e não voltado para a docência. Sua contribuição, nesta<br />

pesquisa, está exatamente pela associação que faço entre a formação de<br />

professores – como percurso de ser professor na própria vida – com toda gama<br />

de relações pedagógicas, sociais e filosóficas numa perspectiva dialógica de ser.<br />

Nestas relações, a experiência produzida favorece o surgimento de novos<br />

horizontes construtores de infinitos saberes (CRUZ, 2010).<br />

52


4. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SABERES DOCENTES<br />

53<br />

Sou uma filha da natureza:<br />

quero pegar, sentir, tocar, ser.<br />

E tudo isso já faz parte de um todo,<br />

de um mistério.<br />

Sou uma só... Sou um ser.<br />

E deixo que você seja. Isso lhe assusta?<br />

Creio que sim. Mas vale a pena.<br />

Mesmo que doa. Dói só no começo.<br />

Clarice Lispector<br />

Alguns pesquisadores consideram os anos de 1990 como a ―década da formação<br />

docente‖, já que, nesse período, surgiram novas propostas sobre formação com a<br />

preocupação de rever a relação entre teoria e prática. A partir dessas discussões,<br />

a prática passou a assumir uma nova concepção: não mais como aplicação da<br />

teoria, mas de espaço de formação de onde emergem temas de discussão sobre<br />

a relação entre ensino e pesquisa, a realidade pedagógica, estu<strong>dos</strong> sobre a<br />

formação prática do professor, a complexidade da função docente e as<br />

preocupações com a formação durante o exercício da profissão.<br />

Uma das principais questões ligadas à formação de professores, de acordo com<br />

Candau (1997, p. 55), é a ideia de escola como locus de formação de<br />

professores, pois no dia-a-dia da escola o professor desenvolve e aprimora sua<br />

prática pedagógica, e essa afirmação é fundamental na busca de novas<br />

perspectivas na área de formação de professores no Brasil. Para que esse<br />

caminho se abra, porém, é preciso construir uma prática reflexiva identificando<br />

problemas e construindo a própria formação e o sentido de ser professor.<br />

A partir disso, a valorização <strong>dos</strong> chama<strong>dos</strong> saberes docentes vem provocando<br />

inúmeras discussões no âmbito pedagógico nos últimos anos e, de acordo com<br />

Candau (1997, p.59), essas discussões buscam responder questões como por<br />

exemplo: ―que saber possuem os professores?‖, ―são esses profissionais,


simplesmente canais de transmissão e socialização de saberes produzi<strong>dos</strong> por<br />

outros profissionais?‖, ―Constroem eles algum(ns) saber(es) específico(s)?‖, ―Que<br />

tipo de relação esses saberes têm com as chamadas ciências da educação?‖ e<br />

eu acrescento: a natureza <strong>dos</strong> saberes docente é existencial?<br />

Segundo Candau (1997), os saberes docentes se organizam em três esferas: os<br />

saberes da experiência, os saberes pedagógicos e os específicos. Já Tardif<br />

(2002) adota outra nomenclatura: saberes curriculares, saberes profissionais e os<br />

saberes da experiência. No caso <strong>dos</strong> saberes da experiência, pode-se dizer que<br />

eles abrem espaço para o reconhecimento e valorização da formação no<br />

exercício da docência, tomando a escola como espaço vital e lócus da formação,<br />

conforme apresenta Cunha (1989). Os processos de ensino e aprendizagem<br />

conferem ao professor relações com o conhecimento que são altamente<br />

complexas: o conhecimento que deseja construir na sua carreira e o<br />

conhecimento que se propõe construir com seu aluno, o conhecimento negado a<br />

este aluno, intencionalmente ou não.<br />

Os saberes da experiência são os conhecimentos que se constroem durante a<br />

prática docente, resultantes das relações que se constroem no próprio fazer. ―São<br />

saberes que brotam da experiência e são por ela validadas. Incorporam-se à<br />

vivência individual e coletiva sob forma de habitus e de habilidades, de saber<br />

fazer e saber ser‖ (CANDAU, 1997).<br />

Estes saberes são construí<strong>dos</strong> ao longo da vida pelo professor na convivência<br />

com a família, nos anos escolares, nos diferentes sistemas de ensino, no<br />

ambiente da vida cotidiana, nos livros, com os colegas de profissão, na sua<br />

própria sala de aula. Constitui-se, neste percurso formativo, a história de vida do<br />

professor, a formação docente e a práxis, sua existência enquanto sujeito,<br />

constituindo-se a formação. Sobre experiência, de acordo com Dominicé é<br />

preciso:<br />

devolver a experiência ao lugar que merece na aprendizagem <strong>dos</strong><br />

conhecimentos necessários à existência (pessoal, social e<br />

54


profissional) na certeza de que este processo passa pela<br />

constatação de que o sujeito constrói o seu saber ativamente ao<br />

longo do seu percurso de vida. Ninguém se contenta em receber o<br />

saber como se ele fosse trazido de exterior pelos que detêm os<br />

seus segre<strong>dos</strong> formais. A noção de experiência mobiliza uma<br />

pedagogia interativa e dialógica (DOMINICÉ apud CANDAU,<br />

1997, p.64).<br />

De acordo com este conceito de experiência trazido pelo autor, a formação não<br />

pode ser concedida como meio de acúmulo de cursos, palestras, seminários, de<br />

conhecimentos ou de técnicas; antes, trata-se de reflexão crítica sobre as práticas<br />

e de (re)construção permanente da identidade pessoal e profissional interagindo<br />

mutuamente (CANDAU, 1997).<br />

Na formação de professores em exercício, a exemplo disso, é possível dizer que<br />

se trata da concretização da ação docente no cotidiano da sala de aula, o foco<br />

especial na práxis. Uma concretização da intencionalidade educacional que se<br />

contextualiza historicamente como atividade de natureza complexa, tensiva e<br />

contraditória, que caracterizam as relações sociais/educacionais contemporâneas,<br />

já que de acordo com Fagundes e Burnham (2001, p.44),<br />

Os saberes não são constituí<strong>dos</strong> apenas por conteú<strong>dos</strong><br />

disciplinares, por estas áreas passam concomitantemente<br />

relações sociais, expressões estéticas, emocionais e afetivas,<br />

além do biológico, do econômico, que refletem as condições<br />

sócio-histórico-culturais <strong>dos</strong> indivíduos e grupos sociais. Nesse<br />

processo cruzam-se perspectivas simbólicas, culturais, éticas,<br />

estéticas, políticas, pragmáticas, entre outras, que não estão<br />

sujeitas a fundamentos lógicos e metodológicos <strong>dos</strong> esquemas<br />

disciplinares. (FAGUNDES e BURNHAM, 2001, p. 44).<br />

Desta maneira as compreensões de mundo marcam as intervenções diárias, nas<br />

relações com os alunos, na ética profissional, na política, compondo a<br />

singularidade de suas ações em consonância com sujeitos que continuarão<br />

construindo suas compreensões em rede com outros horizontes. E um <strong>dos</strong><br />

processos formativos que caminha nesta direção são aqueles que valorizam as<br />

histórias de vida de professores. Os estu<strong>dos</strong> com histórias de vida constituem um<br />

55


processo importante na formação de professores, haja vista que, segundo Nóvoa<br />

(1992a), esta prática procura conjugar os diversos olhares disciplinares numa<br />

construção de compreensão multifacetada, produzindo conhecimento na<br />

encruzilhada de vários saberes e dando sentido à experiência de vida que se<br />

relaciona com o processo de formação.<br />

Neste sentido de acordo com <strong>Oliveira</strong> (2010), ―na formação em exercício, os<br />

professores tornam-se eles mesmos; não serão transforma<strong>dos</strong> em outros, em<br />

sujeitos ideais. O tornar-se o que se é, é, pois, um processo eminentemente<br />

revolucionário‖. A complexidade da formação de professores, neste contexto,<br />

torna-se visível no fazer pedagógico, que de igual modo, é complexo, já que<br />

envolve múltiplas referências de mundo. Suas ―múltiplas raízes: culturais, morais,<br />

familiares, étnicas, ideológicas, religiosas... Sua vida é a totalidade dessas<br />

múltiplas raízes que se entrecruzam, determinando a sua história‖ (OLIVEIRA,<br />

2010, p. 92).<br />

De acordo com Nóvoa (2002), a formação de professores não é um processo<br />

individual, mas sim as relações do ―professor com todas as dimensões coletivas,<br />

profissionais e organizacionais‖. Apesar do foco do autor ser para a formação<br />

contínua, alguns desses conceitos servem de base para pensar a formação de<br />

professores de um modo geral. A partir disso, o autor apresenta uma trilogia da<br />

formação, três eixos estratégicos:<br />

- A pessoa e sua experiência;<br />

- A profissão e os seus saberes;<br />

- A escola e seus projetos.<br />

No primeiro eixo, ―a pessoa e sua experiência”, o autor salienta que ―formar‖ é<br />

também ―formar-se‖ e isso implica em pensar a atividade docente como<br />

apropriação <strong>dos</strong> processos de formação dando um sentido no quadro das suas<br />

histórias de vida (NÓVOA, 2002). Para o autor,<br />

56


A formação não se constrói por acúmulo (de cursos, de<br />

conhecimento ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de<br />

reflexividade crítica sobre as práticas e de (re) construção<br />

permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante<br />

investir e dar um estatuto ao saber da experiência. O processo de<br />

formação está dependente de percursos educativos (...). A<br />

formação vai e vem, avança e recua, construindo-se num<br />

processo de relação ao saber e ao conhecimento que se encontra<br />

no cerne da identidade pessoal. (NÓVOA, 2002, p. 57)<br />

Trata-se de uma atenção especial ―à vida de professor‖ com suas experiências<br />

cotidianas que merecem um lugar especial nos estu<strong>dos</strong> sobre formação.<br />

Para tratar da experiência, o pensamento de Gadamer caminha na direção do que<br />

ele mesmo chama de ciências do espírito. Aprendemos continuamente coisas<br />

novas da tradição, das relações humanas na relação dialógica com disposição<br />

para a experiência, o saber, a abertura, esse desejo de verdade que vem<br />

naturalmente ao nosso encontro pela tradição na qual estamos mergulha<strong>dos</strong>. A<br />

escolha das formulações gadamerianas para referenciar este estudo recaiu entre<br />

outras razões, pela consideração de que o ato de formar-se, encontra-se na<br />

existência de ser e, portanto, torna-se indissociável da ―produção de senti<strong>dos</strong>‖,<br />

quando se refere às experiências vivenciadas pelo professor.<br />

No segundo eixo, ―a profissão e os seus saberes‖, a formação docente é<br />

considerada por Nóvoa (2002) como importante espaço de ruptura e<br />

desenvolvimento profissional. Desta maneira, falar de formação é falar de<br />

autonomia contextualizada da profissão de professor, em que no processo há<br />

uma apropriação <strong>dos</strong> próprios saberes <strong>dos</strong> quais os professores são portadores.<br />

No último eixo, “a escola e seus projetos‖, Nóvoa (2002) aponta que as mudanças<br />

educacionais dependem <strong>dos</strong> professores e de sua formação e mais precisamente<br />

da sua práxis em sala de aula. O desafio consiste em perceber a escola como um<br />

ambiente educativo, onde trabalhar e formar não sejam atividades distintas. Ou<br />

seja, a escola deve ser um contexto institucional estimulante para alunos e<br />

57


professores, articulando a investigação e a qualificação docente com os projetos<br />

educativos da escola.<br />

Essa concepção de Nóvoa (2002) nos leva a perceber que a formação é um<br />

terreno habitado por sujeitos individuais, mas que no seu processo de<br />

aprendizagem precisa do coletivo, o que se constitui num processo de construção<br />

humana e social, em que a aprendizagem de professores torna-se um ato<br />

solidário de cooperação e troca de saberes e visões de mundo.<br />

Assim, sem querer reduzir a condição humana a ―psicologismos‖, mas, apresentar<br />

possibilidades de diálogos na formação a partir da existência, os estu<strong>dos</strong> de<br />

Josso (1992) me inspiram, visto que, para a autora, há um aspecto da formação<br />

de professores que não pode ser negado quando apresenta, como possibilidade<br />

de estratégia de formação, os registros de professor; principalmente porque em<br />

grande parte deles vem à tona exatamente o saber da experiência, o imaginário,<br />

as crenças e uma série de questões epistêmicas como campo aberto a ser<br />

estudado, compreendendo que irão alavancar novas dimensões sobre o<br />

conhecimento do professor e suas relações com o saber. Segundo a autora,<br />

A história de vida narrada é, assim, uma mediação do<br />

conhecimento de si na sua existencialidade que oferece, para a<br />

reflexão do seu autor, oportunidades de tomada de consciência<br />

<strong>dos</strong> vários registros de expressão e de representação de si, assim<br />

como sobre as dinâmicas que orientam a sua formação (JOSSO,<br />

1992, p.19).<br />

Deste ponto de vista, a formação docente é compreendida como ação de grande<br />

abrangência que remete a conhecimentos da realidade e <strong>dos</strong> espaços por onde<br />

transita o professor. E nesta instância, a formação do profissional de educação<br />

deve contemplar elementos da subjetividade presentes na sua experiência de<br />

vida. Como abertura, a compreensão aponta para todo o ser-no-mundo.<br />

Compreender o mundo é compreender, portanto, a própria existência.<br />

58


Poderia estabelecer aqui uma correspondência com o sentido existencial do ―ser-<br />

no-mundo‖ apontado por Heidegger (1987) e Gadamer (2008a) cujas formulações<br />

levam a compreender o ser a partir do revelar-se no mundo, do ―acontecer‖,<br />

daquilo que vem a mostra, sem esquecer-se do percurso ou desenho que foi<br />

vivenciado pelo sujeito aprendente. Nesse sentido, o trabalho com narrações das<br />

experiências, por parte do sujeito aprendente, pode-se constituir num oportuno<br />

campo de interesse da formação de professores, visto que este abarca uma série<br />

de dimensões, questões imaginárias, suas crenças e reflexões sobre o próprio<br />

fazer pedagógico. (JOSSO, 1994).<br />

A concepção de experiência apresentada por Josso (1994) encontra-se próxima<br />

daquela apresentada por Dutra (2002). Para este autor,<br />

Tal forma de considerar a experiência coloca a linguagem num<br />

lugar privilegiado dentro da Fenomenologia, pois através da<br />

palavra pode-se abordar ou encontrar a experiência, a existência,<br />

o ser-aí, o ser-com. A linguagem, trazendo o sentimento à tona,<br />

revela também a situação, ou o contexto situacional, já que to<strong>dos</strong><br />

estão relaciona<strong>dos</strong> entre si. (DUTRA, 2002, p. 372).<br />

É neste sentido que vida/formação de professores é pensada no plano existencial,<br />

propondo uma epistemologia da formação, visto que a docência está na vida do<br />

professor, e juntas, revelam a formação no sentido da itinerância/errância. Essa<br />

maneira de compreender a formação de professores valoriza a atividade de quem<br />

aprende. Do contrário, a meu ver, a educação deixa de ser formadora quando não<br />

há essa valorização do percurso existencial do formando. A formação, a partir<br />

desse olhar, escapa da rigorosidade de termos como objetividade e verdade, já<br />

que a exigência da verdade permanece fora do alcance, quando se pensa a<br />

formação preocupando-se com o sujeito da aprendizagem, evocando suas<br />

múltiplas referências.<br />

A formação de professores, nesse sentido existencial, coloca em evidência a<br />

aprendizagem que acontece na vida do professor. A formação é um assunto do<br />

sujeito, pois nele está a compreensão <strong>dos</strong> saberes da sua profissão e do sentido<br />

de formar-se. Formar está na experiência pessoal do sujeito na sua singularidade<br />

59


que se torna um ponto decisivo para que se construa uma epistemologia da<br />

formação.<br />

Os estu<strong>dos</strong> de Tardif (2002) apontam características de análise do saber do<br />

professor que são de grande importância. Dentre elas, está a diversidade, a<br />

temporalidade, a experiência, o conhecimento humano na formação docente. O<br />

saber do professor, segundo este autor, pode ser sintetizado da seguinte forma:<br />

saberes pessoais, os da escolarização, os da formação profissional, os<br />

provenientes <strong>dos</strong> livros didáticos e <strong>dos</strong> programas de ensino, os da própria<br />

experiência no trabalho. Estes saberes descritos por Tardif (2002) estão na vida<br />

do professor e são singulares na medida em que cada professor constrói seu<br />

percurso formativo na ―fusão de horizontes‖ (GADAMER, 2008a) com outros<br />

professores e com ele mesmo a cada instante em que se renova o conhecimento<br />

nas projeções na existência de cada um.<br />

Ao tratar da abrangência <strong>dos</strong> saberes que formam os docentes, Tardif (2002)<br />

realça a ideia de que saberes e prática docente servem de base para o ensino, e<br />

tais como são vistos pelos professores, não se limitam a conteú<strong>dos</strong> bem<br />

circunscritos que dependem de um conhecimento especializado. Ao contrário, a<br />

formação do professor abrange grande diversidade de objetos, questões,<br />

problemas que estão relaciona<strong>dos</strong> ao trabalho docente. Ou seja, ser professor<br />

está relacionado à sua experiência de vida pessoal.<br />

É válido salientar que essa proposta de formação que agrega as experiências do<br />

professor é uma possibilidade, mas não é uma realidade presente nos cursos de<br />

Pedagogia e de outras licenciaturas. De um modo geral, de acordo com Macedo<br />

(2002), as propostas formativas em sua maioria, ainda são centradas na<br />

fragmentação e na super especialização que trouxe, segundo o autor, sérias<br />

consequências ao processo de ensino e aprendizagem. Assim, Macedo nos diz<br />

que,<br />

As barbáries da ciência moderna viajaram nas asas da<br />

necessidade nomotética de a tudo explicar sem querer ver, sentir,<br />

60


falar, tocar, acreditando num certo tipo de unicidade do<br />

conhecimento e seu poder de resolver problemáticas pensadas de<br />

forma universalizantes; é preciso que se alerte quanto a este fato<br />

histórico que, acima de tudo, forjou, pela imposição explicativa,<br />

consciências colonizantes e colonizadas. (MACEDO, 2002, p.<br />

113-114).<br />

De acordo com Tardif (2002) os chama<strong>dos</strong> saberes da experiência nascem em<br />

decorrência da prática ou exercício da docência. Nesta perspectiva, o autor afirma<br />

que:<br />

Os saberes <strong>dos</strong> professores são plural, compósito, heterogêneo,<br />

porque envolve no exercício do trabalho, conhecimentos e um<br />

saber fazer bastante diversos, proveniente de fontes variadas e<br />

provavelmente de natureza diferente. (TARDIF, 2002, p.18).<br />

Esta afirmação abre precedente importante dentro da compreensão aqui<br />

apresentada sobre o não-reducionismo, já que os saberes da experiência surgem<br />

a partir da articulação, organização e reorganização <strong>dos</strong> demais saberes,<br />

podendo interpretar esta formulação como conexões que o professor estabelece<br />

na composição da própria formação.<br />

Acredito que a grande contribuição do autor revela-se na diversidade de sua<br />

elaboração em relação aos demais saberes constituintes do saber docente, e que<br />

esses saberes não são completamente subjetivos, nem puramente objetivos, mas<br />

são as duas coisas ao mesmo tempo. Outra especulação a ser feita sobre o<br />

trabalho de Tardif (2002), é se este saber da experiência, resultante de outros<br />

saberes construí<strong>dos</strong> ao longo da vida do professor, seria uma síntese, um todo<br />

formativo, e, sobre qual concepção: como soma das partes ou relações em<br />

diferentes níveis de realidade.<br />

É, neste contexto de preocupações, que Tardif (2002) aprofunda a análise das<br />

características <strong>dos</strong> saberes docentes, apresentando uma proposta para o estudo<br />

da epistemologia da prática profissional onde são considera<strong>dos</strong> "os saberes<br />

utiliza<strong>dos</strong> realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para<br />

61


desempenhar todas as suas tarefas" (TARDIF, 2002, p. 15). Nesta postura<br />

apresentada pelo autor, percebo um traço marcante do positivismo, quando utiliza<br />

o termo ―realmente‖ dando a ideia de que alguns saberes são utiliza<strong>dos</strong> e outros<br />

não; ou seja, alguns são mais úteis ou importantes do que outros, quando quem<br />

deve determinar a importância e o lugar de cada saber em sua vida e formação é<br />

o próprio professor ou sujeito formando.<br />

Larrosa Bondia (2002, 2009) vem conferir outros significa<strong>dos</strong> e senti<strong>dos</strong> para a<br />

palavra experiência, a qual estaria associada à sua qualidade existencial: sua<br />

relação com a existência, com a vida no sentido singular e concreto de um ser<br />

existente singular e concreto. Desta forma, Larrosa evidencia que,<br />

A experiência e o saber que dela (vida) deriva são o que nos<br />

permite apropriar-nos de nossa própria vida. Se chamamos<br />

existência a esta vida própria, contingente e finita, a essa vida que<br />

não está determinada por nenhuma essência nem por nenhum<br />

destino, a essa vida que não tem nenhuma razão nem nenhum<br />

fundamento fora dela mesma, a essa vida cujo sentido se vai<br />

construindo e destruindo no viver mesmo, podemos pensar que<br />

tudo o que faz impossível a experiência faz também impossível a<br />

existência (LARROSA BONDÍA, 2002, p. 28).<br />

A experiência, nessa perspectiva existencial, vem se integrar à concepção de<br />

formação, agregando elementos às formulações de Gadamer (2008) e Sá (2010).<br />

A experiência para Larrosa é aquilo que nos passa, nos toca, aquilo que se passa<br />

conosco.<br />

[A experiência] é o que nos passa e o modo como nos colocamos<br />

em jogo, nós mesmos, no que se passa conosco. A experiência é<br />

um passo, uma passagem. Contém o ‗ex‘ do exterior, do exílio, do<br />

estranho, do êxtase. Contém também o ‗per‘ de percurso, do<br />

‗passar através‘, da viagem, de uma viagem na qual o sujeito da<br />

experiência se prova e se ensaia a si mesmo. E não sem risco: no<br />

experiri está o periri, o periculum, o perigo. Por isso a trama do<br />

relato de formação é uma aventura -que não está normalizada por<br />

nenhum objetivo predeterminado, por nenhuma meta. (LARROSA,<br />

2009, p. 66-67).<br />

Esta concepção de experiência apresentado por Larrosa, demonstra que o Ser,<br />

como sujeito em formação, encontra-se numa realidade e formação existencial<br />

62


em que a experiência vivida é própria dele, estando o mesmo implicado no seu<br />

processo formativo nas impressões, nos questionamentos e nas compreensões<br />

de um modo geral.<br />

4.1 NOTAS SOBRE MULTIREFERENCIALIDADE<br />

Abordagem plenamente criada a partir do pensamento da complexidade, a<br />

abordagem multirreferencial propõe-se a realização de leitura plural sobre os seus<br />

objetos de estu<strong>dos</strong>, sejam eles teóricos ou práticos, sob diferentes pontos de<br />

vista, não reduzindo uns aos outros, mas preservando sempre a heterogeneidade<br />

de cada ponto de vista, acontecimentos e ideias.<br />

No campo das ciências humanas, a formação acontece na medida em que os<br />

sujeitos interagem, realizam projetos e ações em conjunto. A proximidade ou<br />

vínculo social, neste processo, é natural da formação humana na busca pela<br />

construção de ideias; e qualquer que seja a ação, neste sentido, é importante<br />

compreender-se como co-autor e co-participante <strong>dos</strong> processos de formação de<br />

outros, em que cada sujeito torna-se uma referência, e aquilo que cada sujeito<br />

forma, ou compõe, trata-se de uma ―brincolagem‖ (ARDOINO, 1998, p. 26).<br />

Atualmente, há uma busca por parte <strong>dos</strong> educadores pela elaboração de<br />

abordagens educativas que integrem a experiência humana, sua compreensão de<br />

mundo numa visão ontológica, considerando diversos conhecimentos, as relações<br />

entre eles – não de forma empilhada, engavetada ou reduzindo uns aos outros –<br />

mas, considerando os diferentes pontos de vista, que implicam em visões de<br />

mundo específicas, com linguagens apropriadas às descrições exigidas, em<br />

função de referências distintas; ou seja, uma formação na heterogeneidade.<br />

(BARBOSA, 1998).<br />

A abordagem multirreferencial agrega exatamente essa preocupação, já que<br />

consiste em valorizar a ―pluralidade de olhares dirigi<strong>dos</strong> a uma realidade e uma<br />

pluralidade de linguagens para traduzir esta mesma realidade e os olhares<br />

63


dirigi<strong>dos</strong> a ela‖ (BURNHAM e FAGUNDES, 2001, p.48), essa concepção permeia<br />

nossa compreensão do que venha significar a relação entre existência e<br />

formação. Já que nas diversas referências ―escritas em linguagens distintas‖<br />

constitui a heterogeneidade, o complexo e, portanto, a compreensão da<br />

abordagem multirreferencial (BURNHAM e FAGUNDES, 2001).<br />

O desafio de assumir uma postura multirreferencial é grande, quando se busca<br />

aproximação de conceitos antagônicos tais como ordem e desordem, certeza e<br />

incerteza..., assim, a realidade pode ser entendida a partir da percepção e<br />

compreensão aberta, interligada, abrangente e flexível, tal qual nos apresenta o<br />

pensamento da complexidade. O diálogo entre os campos, conforme propõe a<br />

multirreferencialidade é um <strong>dos</strong> grandes desafios que se tem nas relações entre o<br />

professor e o conhecimento, já que se trata de uma abordagem acolhedora de<br />

diferentes possibilidades de saberes, conhecimentos e relações que o sujeito<br />

estabelece entre eles na construção de sua formação. Essa concepção torna a<br />

formação única, apesar de singular, mesmo se construindo na coletividade e na<br />

diversidade.<br />

Esta abordagem foi esboçada por Jacques Ardoino, professor da <strong>Universidade</strong> de<br />

Vincennes (Paris VIII), juntamente com seu grupo de trabalho, nela, buscou-se<br />

assinalar que o aparecimento da abordagem multirreferencial no âmbito das<br />

ciências humanas, especialmente para educação, está relacionado com o<br />

reconhecimento da complexidade e da heterogeneidade que caracterizam a<br />

prática docente (MARTINS, 2004).<br />

Tal desenho foi efetivamente elaborado, em 1966, especialmente no<br />

―Communications et Relations Humaines [...], no prefácio a La pedagogie<br />

institutionnelle, de Michel Lobrot [...], e na revista Education Nationale [...], de<br />

junho de 1967‖, que foram desenhadas as primeiras ideias a respeito das<br />

situações educativas no plano da complexidade. (ARDOINO apud MARTINS,<br />

2004, p. 87). Desta forma, o autor aponta aspectos próprios da abordagem para a<br />

educação e define que,<br />

64


[...] análise multirreferencial das situações das práticas <strong>dos</strong><br />

fenômenos e <strong>dos</strong> fatos educativos se propõe explicitamente uma<br />

leitura plural de tais objetos, sob diferentes ângulos e em função<br />

de sistemas de referências distintos, os quais não podem reduzirse<br />

uns aos outros. Muito mais que uma posição metodológica,<br />

trata-se de uma decisão epistemológica (ARDOINO, 1995, p. 7<br />

apud MARTINS, 2004, p. 87).<br />

É preciso atentar para a importância do ―corriqueiro‖, do ―comum‖ relacionando o<br />

livro e a vida, com o bar, com os movimentos sociais, com as crenças religiosas<br />

etc. (MAFFESOLI, 2007). Já que a formação de professores não deve ser<br />

desarticulada do cotidiano, do contexto vivido e da existência desse professor.<br />

Neste plano, a tarefa de ensinar é mesmo uma ação complexa que exige um<br />

exercício ―multirreferencial‖. Em que o professor incorpora, neste percurso,<br />

elementos da sua identidade pessoal, profissional, social e a própria experiência<br />

vivida em sala de aula, como no caso de professores em exercício.<br />

Preocupada em discutir o currículo e a formação, articulando as múltiplas<br />

referências que o sujeito constrói, Burnham (1998) chama atenção para o papel<br />

da mediação <strong>dos</strong> processos formativos, que, de acordo com Macedo (2002),<br />

apresenta reflexões ―ético-político-epistemológica‖ a respeito do saber e o cenário<br />

―político-educativo‖. Desta forma, Burnham nos diz que:<br />

O currículo significa um <strong>dos</strong> principais processos, na medida em<br />

que aí interage um coletivo de sujeito-aluno e sujeito-professores,<br />

além de outros que não diretamente liga<strong>dos</strong> à relação formal de<br />

ensinar-aprender. Nesta interação, mediada por uma pluralidade<br />

de linguagens-verbais, imagéticas, místicas, rituais, mímicas,<br />

gráficas, musicais, plásticas... de referências de leitura de<br />

mundo... transformam essa realidade num processo multiplamente<br />

cíclico que contém, em si próprio, tanto a face da continuidade<br />

como a da construção do novo. (BURNHAM 1998, p.37).<br />

Essas formulações do currículo consideram as múltiplas referências como<br />

proposta formativa, buscando integrar conhecimentos, saberes diversos e o<br />

65


próprio percurso do formando, como estratégia e elemento formador, demonstram<br />

uma preocupação com o fato de que mesmo linguagens muito diferentes umas<br />

das outras, podem coexistir e se justapõem (ADOIRNO, 1998 apud BARBOSA,<br />

1998), podem conviver e nos ajudam na construção mesmo daquilo que julgamos<br />

como banal, mas, que de uma forma ou outra, tem seu sentido formativo, e é<br />

nesta composição que se revela a formação humana ontológica. No acolhimento<br />

<strong>dos</strong> diferentes saberes, a formação é percebida como ―teia complexa‖ que forma<br />

o docente, compreendendo que a realidade vivida e convivida pelo professor, nos<br />

espaços educativos e em sua trajetória pessoal, apresenta-se como desafio<br />

existencial que não se desloca da formação acadêmica.<br />

Nos percursos de formação, os professores encontram-se mergulha<strong>dos</strong> em<br />

determinado contexto e busca existencial, em que a formação abarca saberes<br />

diversos, que se misturam com processos sociais, e integram sua subjetividade<br />

individual com as demais subjetividades <strong>dos</strong> outros sujeitos envolvi<strong>dos</strong> neste<br />

processo de intersubjetividades que parte da complexidade humana presente e<br />

reveladora do ser. Este aspecto apresentado chama a formação e a existência<br />

para um diálogo. Há um campo aberto na formação de professores que suscita<br />

reflexões em torno das compreensões deste ser professor que se constrói e se<br />

projeta na contradição de suas múltiplas faces e possibilidades de ser, fazer e<br />

sentir-se professor.<br />

De acordo com Tardif (2002), quanto à abrangência <strong>dos</strong> saberes do professor<br />

existem saberes que são construí<strong>dos</strong> nas relações que o professor constrói ao<br />

longo de suas experiências. De acordo com o autor,<br />

A relação <strong>dos</strong> docentes com os saberes não se reduz a uma<br />

transmissão <strong>dos</strong> conhecimentos já construí<strong>dos</strong>. Sua prática<br />

integra diferentes saberes, com os quais o corpo docente mantém<br />

diferentes relações. Pode-se definir o saber docente como um<br />

saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente,<br />

de saberes oriun<strong>dos</strong> da formação profissional e de saberes<br />

disciplinares, curriculares e experienciais. (TARDIF, 2002, p. 36)<br />

66


O saber do professor deve ser compreendido em íntima relação com o trabalho<br />

que desenvolve na escola, sendo lócus de formação conforme Cunha (1989)<br />

salienta e embora os professores utilizem outros espaços e saberes, como aponta<br />

a multirreferencialidade, essa utilização acontece em função do trabalho e na vida<br />

do professor, na sua errância. Ou seja, o saber docente está a serviço do trabalho<br />

e a relação entre professores e saberes estaria mediada pelo trabalho. A solução<br />

de problemas cotidianos o permitiria ao docente acionar suas referências sobre<br />

determinada situação.<br />

Neste sentido Nóvoa (2002), em seus estu<strong>dos</strong> sobre formação de professores,<br />

apresenta cinco teses que ampliam a nossa reflexão sobre a abrangência da<br />

formação docente. São elas:<br />

Primeira Tese – A formação de professores deve alimentar-se de perspectivas<br />

inovadoras, que não utilizem preferencialmente ―formação formal‖, mas que<br />

procurem investir do ponto de vista da educação em situações escolares;<br />

Segunda Tese – A formação deve valorizar as atividades de (auto) formação<br />

participativa mútua, estimulando a emergência de nova cultura profissional <strong>dos</strong><br />

professores;<br />

Terceira Tese – A formação deve alicerçar-se numa ―reflexão na prática e sobre a<br />

prática‖, através de dinâmicas de investigação-ação e de investigação-formação,<br />

valorizando os saberes que os professores são portadores;<br />

Quarta Tese – É necessário que to<strong>dos</strong> participem na concepção, realização e<br />

avaliação <strong>dos</strong> programas de formação consolidando redes de colaboração e<br />

espaços de cooperação institucional;<br />

67


Quinta Tese – A formação deve aproveitar as experiências inovadoras e as redes<br />

de trabalho que já existem no sistema escolar em vez de instaurar novos<br />

dispositivos de controle e enquadramento. (NÓVOA, 2002, p. 63-65).<br />

A partir dessa perspectiva apresentada por Nóvoa, o terreno da formação é<br />

habitado por sujeitos que constroem sua travessia formativa no plano individual e<br />

coletivo, desafiando-se e mobilizando seus saberes e referências de mundo para<br />

o exercício da docência. Essa formação não é um fim, não é um produto final, não<br />

é o acúmulo de experiências vividas ou de anos de docência, mas, trata-se de um<br />

vivenciar e um dialogar da vida do professor com o universo educativo.<br />

Esse diálogo com o mundo inicia-se antes mesmo desses professores fazerem<br />

opção pela docência, visto que eles também foram alunos durante pelo menos 16<br />

anos, e essa experiência também é considerada formadora: leva o futuro docente<br />

a construir suas crenças, representações e certezas sobre a prática do ofício de<br />

professor, bem como a ideia do que é ser bom aluno. (TARDIF, 2002).<br />

Tal processo de construção do sujeito se apresenta no compartilhar de ideias e no<br />

uso de dimensões e faculdades com características próprias que não se<br />

enquadram em categorizações, e muito menos, em um único modelo formativo.<br />

Estes processos formativos englobam múltiplos aspectos do dizível ao indizível, e<br />

a existência se compõe em perspectiva de ―verdades‖ menos rígidas; antes, cabe<br />

a compreensão daquilo que a realidade nos revela como respostas de<br />

aproximação desse real.<br />

Nesta perspectiva, os espaços formativos, de um modo geral, devem oportunizar<br />

uma formação dinâmica que valorize os diversos saberes e crie estratégias para<br />

que o aluno construa caminhos de formação menos homogêneos e massifica<strong>dos</strong>,<br />

na busca por uma formação dinâmica e de caráter existencial. Nesse sentido, a<br />

formação de professores em exercício atende a este desafio, pois a mesma se<br />

68


configura na coletividade, na troca e no encontro de horizontes distintos com suas<br />

respectivas referências de mundo.<br />

69


5. CAMINHOS PARA A COMPREENSÃO: GADAMER E AS TRÊS ESFERAS<br />

70<br />

―Chegar a ser o que és! Talvez a arte da<br />

educação não seja outra senão a arte de<br />

fazer com que cada um torne-se em si<br />

mesmo, até a sua própria altura, até o<br />

melhor de suas possibilidades‖<br />

(NIETZSCHE, 2009, p.39)<br />

O filósofo Hans Georg Gadamer nasceu no dia 2 de fevereiro de 1900 e faleceu<br />

no dia 13 de março de 2002, alemão, principal representante da corrente<br />

hermenêutica contemporânea na Alemanha. Foi aluno de Heidegger e por meio<br />

dele, Gadamer inseriu-se num grupo de estudantes que mais adiante se<br />

destacariam intelectualmente, dentre eles a filósofa Hannah Arendt. Algum tempo<br />

depois chegou a ocupar a cadeira de filosofia da <strong>Universidade</strong> de Heidelberg em<br />

1949 (SILVA JUNIOR, 2005). Em seus estu<strong>dos</strong> Gadamer (2002, 2007, 2008a,<br />

2008b), aprofunda a Hermenêutica de Heidegger (Dasein) e cria sua própria<br />

hermenêutica fenomenológica, apresentando a experiência da arte e da formação<br />

no sentido humano existencial da compreensão.<br />

A perspectiva hermenêutica fenomenológica de Gadamer (2007, 2008a, 2008b),<br />

vai além da autoconsciência metódica e aproxima-se do exercício de<br />

compreensão do conjunto de experiência do ser-no-mundo, do ato de<br />

compreender, em que todo ser interpreta e compreende por meio da linguagem<br />

(GADAMER, 2008a). Na visão dessa hermenêutica fenomenológica de Gadamer,<br />

há preocupação em recuperar a possibilidade de conquista e legitimidade das<br />

ciências humanas, e mais precisamente da singularidade das compreensões de<br />

mundo. O esforço do filósofo, portanto, é em superar o conceito de verdade. Essa<br />

seria a primeira condição existencial, já que pela ―compreensão, o ser humano<br />

elabora o seu destino nos efeitos de suas ações – ele e o mundo são uma coisa<br />

só; mas o mundo dele é sempre um mundo próprio, único, irrepetível‖ (GALEFFI,<br />

2001, p.248).


Para isso, o autor toma, como base para criação da sua hermenêutica, três eixos<br />

que irão sustentar a noção de existência: a esfera estética, a esfera histórica e a<br />

esfera da linguagem. Os conceitos e discussão dessas três esferas propostas por<br />

Gadamer encontram-se espalha<strong>dos</strong> por obras e ensaios do autor, dentre elas<br />

estão: ―O problema da consciência histórica”, “Estética e hermenêutica” 4 , na<br />

coleção Hermenêutica em retrospectiva 5 e sua obra primordial clássica que é<br />

―Verdade e Método I e II” de 1960, na qual nos concentraremos no propósito de<br />

compreender como se articula e se desenvolve a peculiaridade da relação entre<br />

formação e existência.<br />

Para Gadamer (2008a), sua analítica demonstra que a compreensão não<br />

corresponde a um tipo de comportamento subjetivo diante de um objeto,<br />

determinado pela reflexão e abstração. Ao contrário, o ato de compreender é uma<br />

atitude originária de ser-no-mundo que a interpretação/compreensão busca<br />

explicitar. ―A compreensão projeta o ser do Dasein para a sua destinação de<br />

maneira tão originária quanto para a significação, entendida como a mundanidade<br />

de seu mundo particular. [...] Visto que neste exercício o Dasein compreende-se a<br />

si mesmo – sempre se compreendeu e sempre se compreenderá – em função de<br />

suas possibilidades‖ (SILVA JUNIOR, 2005, p.24).<br />

5.1 AS ESFERAS E O SENTIDO EXISTENCIAL<br />

Em toda obra de Gadamer (2008a), o conceito de experiência, enquanto<br />

compreensão é o centro da sua obra que se estrutura interligando as três esferas:<br />

a arte, a história e a linguagem como existencial para a experiência hermenêutica<br />

de compreensão. As três esferas apresentadas por Gadamer (2007, 2008a) são<br />

necessárias ao entendimento do que vem a ser o processo formativo na<br />

perspectiva da hermenêutica fenomenológica, que tem como pressupostos<br />

4<br />

Conferência pronunciada no V Congresso de Estética, realizado em Amsterdã no ano de 1964<br />

(SILVA JUNIOR, 2005, p 18).<br />

5<br />

Trata-se de uma coleção com 10 vol. das obras completas de Gadamer que agora foi publicado<br />

pela Editora Vozes em português, em cinco volumes: Vol. I: Heidegger em retrospectiva; Vol. II: A<br />

virada Hermenêutica; Vol. III: Hermenêutica e a filosofia prática; Vol. IV: A posição da filosofia na<br />

sociedade; Vol. V: Encontros filosóficos.<br />

71


ontológicos a compreensão. Para o filósofo a formação humana é compreendida<br />

a partir da forma, da tradição e da linguagem como compreensão.<br />

Na primeira esfera, Gadamer (2007, 2008a), trabalha o conceito de forma,<br />

imagem e experiência de ser, a partir da relação com o objeto artístico que<br />

precede o próprio exercício crítico do juízo estético. Esta experiência de prazer ou<br />

desprazer é uma das possibilidades do exercício hermenêutico (SILVA JUNIOR,<br />

2005). A esfera estética aponta para a possibilidade de pensar o horizonte de<br />

significação da experiência hermenêutica enquanto compreensão, ou seja, da<br />

abertura, da historicidade, do diálogo e, sobretudo, da finitude <strong>dos</strong><br />

acontecimentos.<br />

A dimensão estética, presente no legado filosófico de Gadamer (2007, 2008a,<br />

2008b), significa, antes de tudo, um conjunto de pensamentos que leva à<br />

pergunta central de sua hermenêutica: qual o lugar que a experiência humana<br />

ocupa na formação? De um modo geral, a reflexão sobre a estética na obra do<br />

autor de maneira alguma se reduz a estu<strong>dos</strong> sobre obra de arte, mas da<br />

experiência do Dasein proposto por Heidegger. Trata-se de uma experiência da<br />

finitude de Ser/estar no mundo.<br />

Nos domínios da estética, conforme apresentado na obra fundamental de<br />

Gadamer (2008a), as discussões sobre estética é ponto de partida, e, ao mesmo<br />

tempo, um paradigma sobre a experiência hermenêutica da verdade. Na obra<br />

Verdade e Método I e II, Gadamer dirige-se à consciência estética; aquela cujos<br />

momentos extra-estéticos a incorporam ao mundo e lhe conferem significado. A<br />

consciência estética revela-se diferenciando o que está intencionado (Gemeinte)<br />

esteticamente – o especificamente estético – do conteúdo extra-estético que são<br />

as referências históricas que o sujeito possui. ―Ao determinar validade a tudo o<br />

que congregue valor artístico, ela, além de uma forma presente, assume também<br />

o caráter de uma consciência histórica‖. (SILVA JUNIOR, 2005, p. 61).<br />

De acordo com os estu<strong>dos</strong> realiza<strong>dos</strong>, o fenômeno da arte, que neste caso<br />

configura-se como sendo a esfera estética, representa uma experiência<br />

hermenêutica que vai além da dimensão estética propriamente dita, o que permite<br />

72


dizer que a visão trazida por Gadamer não está presa unicamente a aplicações no<br />

campo do estudo das artes, mas como experiência hermenêutica. Esse exercício<br />

de compreensão pode ser pensado no contexto da formação de professores. Na<br />

reflexão sobre seu modo de ser professor, há uma ontologia que é chave para<br />

decifrar a formação que também está presente na experiência da arte que<br />

apresenta elementos fundamentais do compreender hermenêutico. (SILVA<br />

JUNIOR, 2005).<br />

Na segunda esfera proposta pelo filósofo, a histórica, há reflexões profundas<br />

sobre o sentido das tradições humanas como parte da condição existencial do<br />

ser. Essa valorização da história nos estu<strong>dos</strong> de Gadamer (2007, 2008a), foi fruto<br />

das interlocuções com a obra de Dilthey que, em suas elaborações, direcionou o<br />

estudo da Hermenêutica para a historicidade humana. O propósito de Dilthey era<br />

compreender as ciências humanas, a partir da própria compreensão da<br />

consciência histórica, na medida em que o sujeito em sua compreensão de<br />

mundo põe-se numa relação com ele mesmo e com sua tradição. Ou seja, trata-<br />

se de uma dinâmica de compreensão a si mesmo, através de sua própria história.<br />

Desta forma, a consciência histórica é um modo de compreensão e, portanto,<br />

conhecimento. A hermenêutica filosófica de Gadamer (2008a) é também histórica,<br />

pois valoriza as experiências humanas como pré-compreensões, ressaltando a<br />

tradição (Tradition) como horizonte fundamental para a compreensão. Neste<br />

sentido, tradição, que também significa transmissão de ideias e valores, torna-se<br />

testemunha de um passado, quando se trata de compreendermos algo, que no<br />

Dasein enquanto compreensão, não se pode desatar o vínculo da existência com<br />

os costumes e tradições que co-determinam sua experiência de mundo. (SILVA<br />

JUNIOR, 2005).<br />

Na esfera histórica, há uma relação reflexiva em que o eu e o tu pretendem<br />

conhecer por si a pretensão do outro, e com isso, como os sujeitos se afetam<br />

mutuamente e buscam na reciprocidade, o próprio reconhecimento de si. A esfera<br />

estética, portanto, inscreve-se como princípio da hermenêutica da existência em<br />

que passado e presente condicionam-se constantemente – o que torna o ser<br />

humano um ser hermenêutico, justamente por sua experiência de mundo a ser<br />

73


constituída por sua experiência de finitude e historicidade de cada um. (SILVA<br />

JUNIOR, 2005).<br />

Na última esfera, a da linguagem, trata-se da tradução das compreensões de<br />

mundo, encharcadas de história de tradição, de estética e impressões do mundo<br />

que nos circunda. Ou seja, as esferas não estão em campos isola<strong>dos</strong> e<br />

incomunicáveis, já que pensar a relação entre estética e hermenêutica, por<br />

exemplo, pede a inevitável compreensão do fenômeno da arte como uma<br />

experiência de linguagem. Cabe apontar, que o sentido atribuído à linguagem, na<br />

obra de Gadamer, é de caráter ontológico, como abertura e condição prévia de<br />

toda compreensão. A reflexão sobre a experiência da linguagem é a expressão<br />

máxima da análise hermenêutica e sem a qual não haveria a compreensão, pois é<br />

aí que se observa a conexão da linguagem com a questão da verdade. (SILVA<br />

JUNIOR, 2005).<br />

A experiência de mundo que o homem faz pela linguagem, revela-se a si e aos<br />

outros, por meio do fenômeno da compreensão, seja pela experiência do belo<br />

com a natureza ou na arte; trata-se de uma relação mediada pela qual a<br />

existência humana constrói sua própria experiência de mundo, integrando-se e<br />

formando sua própria tradição. Por possuir linguagem, o homem diferencia-se <strong>dos</strong><br />

outros seres vivos que habitam esse mundo circundante, e isso justifica sua<br />

própria humanidade (SILVA JUNIOR, 2005).<br />

A esfera da linguagem, à qual foi dada maior ênfase no trabalho de Gadamer, não<br />

é apenas um <strong>dos</strong> muitos dotes atribuí<strong>dos</strong> ao homem que está no mundo. Trata-se<br />

daquilo que constitui a base necessária e, segundo Gadamer (2008a), absoluta<br />

para que os homens tenham um mundo. O mundo apresenta-se de modo peculiar<br />

a esse homem, como para nenhum outro ser vivo, pois apenas na linguagem o<br />

mundo se encontra representado. Pensada em conformidade com o ser, a<br />

linguagem é abertura ou movimento de desocultação, de verdade (aletheia). Em<br />

sua dinâmica, a linguagem constitui-se como o meio (médium) que viabiliza a<br />

74


fusão de horizontes históricos, ou seja, a linguagem é também um dispositivo de<br />

formação por tratar-se de uma intermediação entre os sujeitos e o mundo.<br />

A existência enquanto compreensão, Dasein não pode desatar-se do vínculo a<br />

costumes e tradições que co-determinam sua hermenêutica filosófica, e neste<br />

caso, Gadamer voltou-se pouco para a teoria da ciência moderna e deu maior<br />

ênfase ao retorno às tradições. No caso da esfera da linguagem, esta possui o<br />

caráter originário de estar no mundo, condição que justifica sua originária<br />

humanidade. Desta forma, ter um mundo implica numa atitude, num<br />

comportamento em relação ao mundo. Ou seja, ter um mundo é ser dotado de<br />

linguagem (GADAMER, 2008a). A partir dessa relação que se estabelece entre<br />

homem, mundo e linguagem, pode-se dizer que é impossível estarmos aparta<strong>dos</strong><br />

do mundo e de suas influências em nosso modo de ser e viver, visto que<br />

desconsiderar o mundo implica em desconsiderar a nós mesmos. (CRUZ, 2010).<br />

Estas três esferas apresentadas por Gadamer (2008a) em seu plano de<br />

hermenêutica fenomenológico foram apropriadas, por este estudo, na tentativa de<br />

perceber a vida na formação e a formação da vida. Esta via implica na valorização<br />

do professor, da sua história de vida e no conjunto de referências que este<br />

professor carrega, como também, a forma como seu universo é traduzido e<br />

socializado neste processo formativo. Em sua principal obra, ―Verdade e Método‖,<br />

mais precisamente o volume I, Gadamer (2008a) traça sua hermenêutica<br />

fenomenológica aproximando conhecimento, formação e pensamento humano<br />

como ato existencial.<br />

Nesta máxima sobre o sentido de compreensão na existência, o mundo não é<br />

estático e o homem tem condição de traçar seu próprio percurso formativo como<br />

acontecimento. Nesta definição, apresentada pelo autor, fica evidente que a<br />

―realidade não está dada‖, ela será construída a partir de uma estrutura prévia e<br />

da própria abertura que nos damos enquanto possibilidade. Para Gadamer, ―o<br />

fenômeno da compreensão impregna não somente as referências humanas ao<br />

mundo, mas apresenta uma validade própria também no terreno da ciência,<br />

resistindo à tentativa de ser transformada em método da ciência‖ (GADAMER,<br />

75


2008a, p.29). É nesta perspectiva que o autor apresenta seus estu<strong>dos</strong> com<br />

pretensão de ir de encontro à universalização da compreensão. Diria ainda, com a<br />

possibilidade de revelar as singularidades, nesse caso do percurso da formação<br />

de cada professor.<br />

Nos estu<strong>dos</strong> de Gadamer (2008a) sobre a hermenêutica, o filósofo compara a<br />

experiência da arte, ou experiência estética, com a experiência da própria<br />

existência humana. Para ele, essas duas experiências se assemelham, tanto no<br />

estranhamento, como no fato de já existir uma concepção prévia das coisas.<br />

Pode-se dizer que, de modo especial, Gadamer chama a um novo modo de<br />

compreender a formação de professores, rompendo com meios rígi<strong>dos</strong> e méto<strong>dos</strong><br />

pré-estabeleci<strong>dos</strong>, valorizando a história e as tradições humanas, já que a mesma<br />

constitui nossa compreensão de mundo como algo que está no plano da pré-<br />

compreensão, porque já está previamente posto, mas não estabelecido como fim.<br />

Isso não implica em dizer que o seu trabalho está num plano de inconsistência ou<br />

incoerência, mas, atende a uma perspectiva da aceitação da história como<br />

elemento formador.<br />

O tipo de hermenêutica proposta por Gadamer toma como ponto de partida a<br />

multiplicidade de compreensões e interpretações do ser no mundo que se<br />

apresenta como grande tela ou grande texto a ser interpretado, pré-compreendido<br />

e compreendido como elemento vital de ser humano. A este exercício, o autor<br />

imprime o sentido do diverso e considera que na relação com ―o outro‖ rompe-se<br />

com a centralidade do eu nas diferentes compreensões que surgem no diálogo<br />

(GADAMER, 2008a). Neste aspecto que a compreensão em sua estrutura<br />

existencial torna-se um acontecimento dotado de pré-sença ou de pré-<br />

comprensão que dota de pro-jeção o ser como mundo em suas próprias<br />

possibilidades (GALEFFI, 2001).<br />

Em primeira instância, pode-se afirmar que o sentido só é conferido pelo próprio<br />

sujeito, pois quem dá sentido à formação e a qualquer construção humana é este<br />

ser ―aprendente‖. Não pondo o homem num patamar de super homem, e senhor<br />

76


absoluto, como imaginaram certos grupos humanistas, mas sim, este homem em<br />

debate com a sua realidade histórica e temporal e com sua condição de intérprete<br />

de sua realidade (PIMENTEL, 1993).<br />

Em seu diálogo com o mundo, o homem vive a constante busca do sentido.<br />

Entretanto, não se concebe a ideia de que o mundo é exclusivamente uma<br />

construção minha, ao contrário, o sentido dado ao mundo, sim, é próprio de cada<br />

um, pois só o sujeito em sua singularidade é capaz de perceber o mundo a partir<br />

de si mesmo. Mesmo nos acontecimentos singulares antes de ser ―meu‖, esse<br />

mundo é, para aquele que o torna, seu, e isso reforça a ideia de construção de<br />

mundo num plano de ser-no-mundo-com (GALEFFI, 2001).<br />

Nesse sentido, Galeffi aponta que, se há uma estrutura prévia da compreensão e<br />

da estrutura da interpretação (grifos do autor), é possível afirmar que há, também,<br />

uma estrutura ontológica universal. Somos seres singulares de um coletivo<br />

universal efetivo (GALEFFI, 2001), visto existir a ideia de pre-sença e este pré já<br />

carrega em si a ideia de algo que já acontece antes, de estrutura prévia e que<br />

antecede algo. Na visão de Heidegger, apresentada por Galeffi, ―Sentido é aquilo<br />

em que se sustenta a compreensibilidade de alguma coisa (...) aquilo que pode<br />

articular-se na abertura da compreensão‖ (HEIDEGGER apud GALEFFI, 2001, p.<br />

254). Ou seja, a compreensão não é o mesmo que sentido, mas, em certa<br />

medida, depende dele para acontecer.<br />

Para Gadamer (2008a), a linguagem humana deve ser entendida como um<br />

processo vital e único, considerando que a mesma manifesta o mundo. Pode-se<br />

dizer que os grupos humanos ou comunidades são grupos de linguagem, e que<br />

estas linguagens se constituem a partir das suas dinâmicas, da história do grupo<br />

e da dialógica fusão de horizontes. Nesta perspectiva, a existência das diferentes<br />

visões de mundo, pois cada um possui suas compreensões de mundo herdadas<br />

pela tradição cultural e de linguagem nas quais está imerso. Na imbricação entre<br />

mundo e homem, por meio da linguagem, essa mútua relação resultante do<br />

contexto histórico prevalece a compreensão como um processo vivo.<br />

77


A experiência da linguagem, uma das esferas apresentadas por Gadamer<br />

(2008a), e nesse contexto de produção, a que será mais discutida neste trabalho,<br />

caracteriza a totalidade das experiências humanas no mundo. Na linguagem,<br />

temos o mundo representado, o que para Gadamer implica uma experiência<br />

―absoluta‖ naquele instante, pois ultrapassa a posição do ser por abranger todo o<br />

ser em si, independentemente das relações que se possa estabelecer. Desta<br />

forma, pode-se dizer que somos precedi<strong>dos</strong> pelo caráter da linguagem na/pela<br />

qual se dá nossa experiência de mundo. (CRUZ, 2010).<br />

A experiência no/com o mundo se dá na linguagem e põe o homem em relação<br />

direta e significativa com o mundo. A partir disso, arrisco dizer que tudo que existe<br />

é por meio da linguagem; o que nos chega e que conduzimos é com/na<br />

linguagem quando por meio dela compreendemos/interpretamos o mundo. Ou<br />

seja, o mundo torna-se mundo a partir do processo de entendimento humano por<br />

meio da linguagem, tornando o processo da compreensão num acontecimento<br />

linguístico. (CRUZ, 2010).<br />

A compreensão, a partir da leitura de Gadamer (2008a), é precedida pela<br />

linguagem e depende dela para existir. Não há compreensão fora da linguagem,<br />

assim, como não há formação no sentido hermenêutico fenomenológico, com seu<br />

sentido ontológico, sem compreensão e sem linguagem. Valorizar a formação,<br />

nessa perspectiva, é valorizar a linguagem humana com expressão e tradução do<br />

mundo circundante.<br />

Nesse entremeio, a tese central da hermenêutica gadameriana está cunhada na<br />

ideia de que a existência humana se estrutura na experiência da linguagem, que,<br />

por sua vez, determinará o modo de ser e a própria existência, significado e<br />

senti<strong>dos</strong> que são da<strong>dos</strong> ao mundo; e das compreensões geradas num campo de<br />

possibilidades, circulando entre o finito e o infinito, em um processo existencial<br />

que é mediado pela capacidade originária do homem em dialogar consigo mesmo<br />

e com o mundo circundante, na coletividade e singularidade através da<br />

linguagem, da experiência estética, tomando o mundo como obra, e das<br />

78


tradições, enquanto pré-compreensões desse mundo, nos impulsionando a<br />

elaborar novas compreensões.<br />

Nesta perspectiva, a formação de professores pode ser tratada como uma trama<br />

que é tecida na ―itinerância‖ que abarca a experiência errante do ir e vir, aqui e<br />

acolá, de um sujeito que não é uma substância dada; antes, este busca sua<br />

composição com permanente transformação de si, com o que está por vir<br />

(LARROSA BONDÍA, 2002 apud SÁ, 2010). Assim, formar-se constitui o próprio<br />

percurso humano de construção de uma existência singular aberta às<br />

possibilidades de estar-no-mundo-com, o que implica em uma pre-sença que se<br />

projeta em/no mundo permitindo a compreensão desse mundo, da própria<br />

compreensão de si mesmo, mediante articulação de referências que vão sendo<br />

acrescidas nesse processo de apreensão do mundo (SÁ, 2010, p. 57).<br />

Na formação de professores, pode-se dizer que os acontecimentos e as<br />

articulações, desse processo de apreensão do mundo, acontecem mesmo antes<br />

da inserção do sujeito à carreira docente, mas essas elaborações serão<br />

ampliadas na formação inicial de professores, em contato com o ambiente<br />

escolar, com os colegas de trabalho, com os alunos, já que os saberes docentes<br />

da experiência de acordo com Candau (1997) é na escola, locus de formação,<br />

que o professor, no exercício diário de sua prática forma-se. De modo semelhante<br />

Tardif (2002), chama atenção para o saber da experiência como aquele que se<br />

constrói na vida do professor sendo estes, formativos, auto-formativos, singulares<br />

e, por esse motivo, o enquadramento destes saberes em categorias fechadas<br />

torna-se contraditório, visto que uma singularidade como aponta Josso (2008). É<br />

possível apenas caracterizar esses saberes, considerando as variações de sujeito<br />

para sujeito com as experiências e compreensões de mundo de cada um, como<br />

demonstra Nóvoa (1992a).<br />

O estudo da existência, a partir das três esferas apresentadas por Gadamer<br />

(2007, 2008a), torna-se necessário ao entendimento da formação de professores,<br />

pela perspectiva da hermenêutica fenomenológica com seus pressupostos<br />

ontológicos. A relação entre as três esferas consolida-se nesta hermenêutica<br />

79


como experiência de busca da verdade, mas uma verdade provisória, instável<br />

determinada pelas/para a fusão de horizontes dando abertura à alteridade e às<br />

interpretações no sentido diverso. (SILVA JUNIOR, 2005).<br />

80


6. A FORMAÇÃO EM NARRATIVAS DE PROFESSORES<br />

81<br />

VERDADE<br />

A porta da verdade estava aberta,<br />

mas só deixava passar<br />

meia pessoa de cada vez.<br />

Assim não era possível atingir toda a verdade,<br />

porque a meia pessoa que entrava<br />

só trazia o perfil de meia verdade.<br />

E sua segunda metade<br />

voltava igualmente com meio perfil.<br />

E os meios perfis não coincidiam.<br />

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.<br />

Chegaram ao lugar luminoso<br />

onde a verdade esplendia seus fogos.<br />

Era dividida em metades<br />

diferentes uma da outra.<br />

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.<br />

Nenhuma das duas era totalmente bela.<br />

E carecia optar. Cada um optou conforme<br />

seu capricho, sua ilusão, sua miopia.<br />

Carlos Drummond de Andrade<br />

Neste trabalho, apresento uma pesquisa com formação do/no Programa de<br />

Formação de professores/Curso de Licenciatura em Pedagogia <strong>UFBA</strong>, no<br />

município de Tapiramutá na Bahia. Nesta proposta, busquei, em fragmentos de<br />

memoriais formativos e de histórias de professores-cursistas participantes do<br />

curso, perceber a relação entre os conceitos de formação, a partir das esferas<br />

discutidas por Gadamer (2008a), a esfera estética, a esfera histórica e a esfera da<br />

linguagem, considerando seu sentido existencial como dispositivos de mediação<br />

entre o sujeito e o mundo conforme aponta Macedo a partir de Honoré (MACEDO,<br />

2010).<br />

Trata-se de um processo de aproximação entre as três esferas, como existencial<br />

de formação humana e a formação de professores, visto que Gadamer em sua<br />

obra não direciona seus estu<strong>dos</strong> para a docência; é mais uma leitura de<br />

compreensão da vida enquanto espaço de formação e, desta maneira, a<br />

formação de professores comporta interrogações sobre a existência, e demanda


ser pensada por ela e não distante de outras atividades objetivadas da vida<br />

(HONORÉ apud MACEDO 2010).<br />

A formação de professores que os modelos institucionaliza<strong>dos</strong> oferecem, vem<br />

sendo discutida com vistas à valorização das experiências de trabalho do<br />

professor, e/ou da vida cotidiana, e das histórias contadas por professores, que,<br />

de modo singular, narram seus percursos formativos, ressaltando acontecimentos<br />

importantes de sua vida, que, por conseguinte, podem ser consideradas<br />

experiências formadoras articulando atividade, sensibilidade, afetividade e ideal<br />

de vida (MACEDO 2010).<br />

6.1 PROPOSIÇÕES E TRAVESSIA<br />

Esta experiência de pesquisa, no programa de pós-graduação da <strong>Universidade</strong><br />

Federal da Bahia-<strong>UFBA</strong>, ajudou-me a perceber que práticas diversas de<br />

formação, com histórias de vida, têm sido pensadas, discutidas e consolidadas<br />

cada vez com maior ênfase no campo da formação de professores. Essa<br />

preocupação com o uso de narrativas vem por perceber que a formação tem seu<br />

sentido e quem dá este sentido é o sujeito em processo. Com esta perspectiva, é<br />

possível articular formação com experiência pessoal, sendo decisivo para que se<br />

construa uma epistemologia da formação de professores.<br />

Reconhecer que aspectos da vida do professor interferem, alteram a formação<br />

docente e sua práxis pedagógica, é um traço importante em pesquisas no campo<br />

da Hermenêutica fenomenológica existencial. No caso desta pesquisa, foram<br />

utiliza<strong>dos</strong> fragmentos <strong>dos</strong> memoriais e de histórias narradas por professores que<br />

revelam a formação na vida. E para isso foi preciso ler e reler os memoriais, bem<br />

como, revisitar várias vezes os fragmentos escolhi<strong>dos</strong>, buscando compreender o<br />

que fora encontrado.<br />

82


No encontro com estes fragmentos, visualizei uma diversidade de referências<br />

trazidas pelo professor em suas narrativas. Dentre elas, apareceram a valorização<br />

do lugar de onde veio, sua história, seus costumes, os aspectos liga<strong>dos</strong> às<br />

tradições ou esfera histórica; as formas de ser professor, as práticas de ensino, o<br />

comportamento em sala de aula, ou seja, a imagem que eles mesmos<br />

construíram do que significava ser professor, elementos próprios da esfera<br />

estética; concepção de vida/formação, compreensões sobre o mundo, sobre<br />

conhecimento e sobre a própria vida, sendo estas compreensões próprias da<br />

esfera da linguagem, que é o fio condutor da Hermenêutica fenomenológica de<br />

Gadamer. A partir dessa leitura inicial <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> organizei estas referências<br />

destacadas em três matrizes: (1º) Quanto à forma, (2º) Quanto à tradição e a (3º)<br />

Quanto à compreensão, aproximando estas matrizes das esferas existenciais de<br />

compreensão da hermenêutica fenomenológica proposta por Gadamer.<br />

Desta forma, as matrizes foram nomeadas da seguinte maneira: ―Quanto à<br />

tradição‖ correspondendo à Esfera Histórica (1), ―Quanto à forma‖<br />

correspondendo à Esfera Estética (2) e ―Quanto à Compreensão‖ que<br />

corresponde à Esfera da Linguagem (3). Essa organização <strong>dos</strong> fragmentos<br />

possibilitou uma articulação com a teoria que respalda as interpretações.<br />

Os autores <strong>dos</strong> fragmentos, aqui apresenta<strong>dos</strong>, ganharam nomes de pessoas que<br />

cruzaram meu percurso de formação e que julgo importante lembrar, tomando<br />

desde a graduação em Pedagogia na UESC, em Ilhéus, até o mestrado na <strong>UFBA</strong>,<br />

incluindo professores e colegas. Essa foi uma forma que encontrei de revirar a<br />

minha memória lembrando o passado com este meu olhar presente da formação.<br />

Vale ressaltar que na interpretação/compreensão <strong>dos</strong> fragmentos, a partir da ideia<br />

das esferas, procurei evitar um isolamento ou enquadramento que remetesse de<br />

forma mecânica às mesmas esferas. Antes, a proposta foi dialogar aproximando<br />

as esferas de conceitos que foram apresenta<strong>dos</strong>, nesta pesquisa, tais como:<br />

formação, existência, complexidade, multirreferencialidade, hermenêutica para<br />

83


entender a formação de professores a partir das falas que evidenciaram a<br />

imersão de seus autores na vida.<br />

6.2 A TRADIÇÃO NA FORMAÇÃO (ESFERA HISTÓ<strong>RI</strong>CA)<br />

Nesta matriz, ocupei-me com a valorização que os docentes atribuem às suas<br />

raízes, a sua tradição, pois alguém que compreende, pertence a uma história que<br />

atua nele, mesmo que embora não seja devidamente consciente disto. Nesta<br />

dimensão, foi ressaltado aquilo que Gadamer entende como traço fundamental da<br />

experiência hermenêutica, a elevação da historicidade da compreensão como<br />

princípio. Para o filósofo, ―nós mesmos, enquanto compreendemos a história, nos<br />

encontramos nela como membros condiciona<strong>dos</strong> e finitos de uma cadeia que<br />

continua a avançar‖ (GADAMER, 2008a, p.273). Isso significa dizer que ao refletir<br />

de forma hermenêutica na condição de experiência, e existencial, a historicidade<br />

encontra-se presente nessa condição humana.<br />

Sob a perspectiva de sua análise existencial, a compreensão tem como princípio<br />

a nossa própria historicidade, que se converte em um princípio hermenêutico. Por<br />

isso, toda e qualquer reflexão hermenêutica, ao submeter à compreensão um<br />

fenômeno hermenêutico, necessariamente, articula-o também ao caráter de sua<br />

historicidade, sua tradição enquanto elemento de pré-compreensão.<br />

Nas leituras <strong>dos</strong> fragmentos <strong>dos</strong> 10 memoriais e 10 histórias contadas por<br />

professores sobre suas referências de formação, os professores evidenciam a<br />

importância do processo formativo, trazendo detalhes de sua existência no<br />

mundo, da sua história, do lugar de onde vieram como forma de revelar aspectos<br />

importantes da sua formação. Conforme Heidegger, as relações fundamentais do<br />

ser-aí do homem com o mundo, ao qual ele mesmo pertence, são possíveis e<br />

podem ser despertadas a partir do cotidiano (HEIDEGGER, 2006). Ou seja, há<br />

uma relação estreita entre as experiências do sujeito e o contexto vivenciado por<br />

tratar-se de ser, este contexto, o próprio mundo em que o sujeito elabora e<br />

compreende.<br />

84


Desta forma, a esfera histórica que reúne elementos da tradição foi evocada pelos<br />

professores-cursistas nos seus registros, como experiências de formação ou<br />

mesmo como referência importante para sua formação de professor. A exemplo,<br />

este fragmento abaixo que nos dá maior clareza sobre essa proposição:<br />

Cláudia: Órfã aos oito meses de vida, eu não tive o privilégio<br />

como as outras crianças de conviver com a presença do meu pai.<br />

A única referência que tenho dele presente em minha vida é da<br />

minha mãe, que sempre esteve ao meu lado junto com meus<br />

irmãos. Eu me recordo muito quando fui para a escola pela<br />

primeira vez, minha mãe não tinha condições financeiras para<br />

colocar três filhos na escola, então eu fui a última a ir, desde então<br />

ela teve que trabalhar na roça de colheita de café para sustentar a<br />

família. Às vezes ela chorava porque não tinha nada para nos<br />

alimentar com uma boa refeição quando saia para a escola<br />

tomava café com farinha, enquanto minha mãe estava na roça, na<br />

chuva colhendo café sem se alimentar. A minha vida nunca foi<br />

fácil ia para a escola com um lápis e um caderno dentro de sacola<br />

plástica, mas nem por isso deixei de lutar pelos meus objetivos.<br />

Quando escreve sobre sua formação docente, a autora apresenta elementos da<br />

tradição local, tais como o plantio de café, o uso de café com farinha para<br />

solucionar o problema da fome e da participação feminina no trabalho para<br />

sustentação da família. Apresentam-se, neste fragmento, elementos de suas<br />

experiências no passado, mas que foram relata<strong>dos</strong> por ser uma referência do<br />

percurso formativo, mesmo que na condição de estudante. Assim, a tradição<br />

(Tradition), a história vivenciada pelo sujeito é de algum modo fio condutor da<br />

temporalidade, e fez com que essa professora retornasse a uma experiência de<br />

ordem social e econômica local vivenciada no passado na busca pela<br />

compreensão da sua formação.<br />

De modo semelhante, nos fragmentos que se seguem, seus autores mantiveram<br />

preocupação em evidenciar sua imersão numa tradição:<br />

Cheiler: Nasci no dia 10 de janeiro de 1978 na cidade de<br />

Tapiramutá, filha de Vademir Pereira Dantas e Lindinalva Vieira<br />

Dantas. Sendo eu tão galeguinha, to<strong>dos</strong> me chamavam de cabelo<br />

de espiga de milho. Sou filha de agricultor e dona de casa, já<br />

85


tendo desde cedo o contato com a terra, pois sempre que podia,<br />

meu pai me levava junto com meus seis irmãos, para ajudá-lo nos<br />

trabalhos da roça. Ainda muito pequena, costumava brincar de<br />

escola com os colegas da rua, despertando assim o gosto pelos<br />

estu<strong>dos</strong>.<br />

Jeanes: Iniciei meus estu<strong>dos</strong> aos oito anos de idade na<br />

alfabetização. Pelo fato de ter começado tarde os meus estu<strong>dos</strong><br />

devido às dificuldades que minha família enfrentava por ser muito<br />

carente. Morava na zona rural e não tinha transporte para<br />

conduzir a mim e a meus irmãos que eram oito. E o único<br />

transporte que tinha era um jegue com charrete.<br />

Na hermenêutica gadameriana, compreender uma tradição implica em projetar-se<br />

num horizonte histórico que vai originar um novo horizonte presente. Um texto<br />

histórico somente é interpretável a partir da historicidade do intérprete, ou seja, os<br />

fragmentos organiza<strong>dos</strong> neste eixo narraram sobre sua formação,<br />

fundamentalmente, revelando a ―experiência de ser‖. Ao revelar o lugar de onde<br />

veio, o professor apresenta suas condições sócio-econômicas, sua realidade e o<br />

contexto histórico cultural do seu ―estar aí‖ e o seu estar-no-mundo de<br />

possibilidades, ao relatar passagens de sua pre-sença ele vai des-velando as<br />

referências que marcam sua existência (HEIDEGGER, 1987 apud SÁ, 2009).<br />

Esse traço da escrita fica evidente em praticamente to<strong>dos</strong> os fragmentos como os<br />

que seguem abaixo:<br />

Itariane: Nasci no dia 4 de junho de 1973, neste município de<br />

Tapiramutá – Bahia. Sou filha de um casal pobre, humilde, mas<br />

acima de tudo batalhadores. Minha mãe Deijanira foi merendeira,<br />

lavadeira e colocava barraca de comida na feira (...). Meu pai<br />

Cirilo trabalhava fazendo adobe (tijolo de barro), hoje aposentado;<br />

sou a 7ª filha <strong>dos</strong> 10 filhos do casal. A minha vida como estudante<br />

começou tarde aos 7 anos tive meu primeiro contato com caderno,<br />

lápis e o abc na casa da comadre <strong>dos</strong> meus pais, dona Davina.<br />

Naquela época inicio <strong>dos</strong> anos 80 ainda existia a palmatória, o<br />

castigo de joelhos no milho, olhando para a parede e de vez<br />

enquanto um beliscão.<br />

Na experiência narrada pela professora, mesmo que na condição de estudante,<br />

há um empenho em trazer as tradições de um determinado tempo-espaço. O ser<br />

humano, como participante dessa tradição, constrói interpretações das próprias<br />

86


condições espaço-temporais históricas que vivenciou, e que certamente se<br />

constituíram em referências para compor seu percurso formativo.<br />

Na visão de Gaston Pineau (2006), na escrita da própria vida, o ator e autor<br />

sobrepõem-se sem intermediações de terceiros, e essa sobreposição recai sobre<br />

o próprio sujeito que lança um novo olhar sobre suas experiências, organizando-<br />

as de forma apropriada a serem compartilhadas a quem é dirigida a narrativa.<br />

Esse movimento acessa um aspecto fundamental presente nas narrativas<br />

autobiográficas ou escrita de si, como destaca Pineau (2006) e Josso (2004).<br />

Uma das exigências metodológicas das pesquisas com narrativas é o uso da<br />

abordagem ―multirreferencial como integrante das várias modalidades do<br />

pensamento humano (as crenças específicas, as crenças religiosas, esotéricas)<br />

assim como as várias dimensões de nosso ser no mundo‖ (JOSSO, 2008, p. 19)<br />

que integram a dimensão existencial. Estas dimensões são marcas e referências<br />

que aparecem quando evocadas no momento da escrita, conforme pode ser visto<br />

no próximo fragmento,<br />

Paulinha: Morei com meus pais até 8 anos de idade com a<br />

separação deles minha mãe acabou voltando para Jacobina,<br />

fiquei com meu pai por um tempo por volta de 1986. Minha mãe<br />

no ano seguinte voltou para Volta Grande, passei a morar<br />

novamente com ela. Naquela época, minha mãe sempre ajudava<br />

a família Ribeiro no serviço doméstico, a família era enorme, mas<br />

foi dona Nalva que ajudou muito minha mãe. (...) A vida era muito<br />

dura. Minha mãe sempre me levava para a casa de dona Nalva<br />

ela ajudava no serviço doméstico, lá era bom porque não faltava<br />

nada para comer e só íamos para casa quando anoitecia. Neste<br />

período, já freqüentava a escola de Volta Grande (...). Para<br />

freqüentar a escola usava quase sempre a mesma roupa, o tênis<br />

era do meu irmão, como tínhamos quase a mesma idade, ele<br />

usava pela manhã e pela tarde ele fazia uso dele. Adorava as<br />

brincadeiras daquela época, brincávamos de amarelinha, macaco,<br />

elástico, caí no poço e muitas outras.<br />

A historicidade presente neste fragmento conforme se apresenta, condiz com a<br />

ideia de Gadamer (2007, 2008a) quando aponta para o valor das tradições como<br />

componente fundante na composição da formação, como compreensão humana,<br />

em que Paulinha refere-se às brincadeiras de sua infância com certo sau<strong>dos</strong>ismo<br />

demonstrando referências de lugar, de raiz, os costumes e tradições com<br />

87


incadeiras, a situação financeira da época que se misturam nas relações de<br />

mundo que brotam da memória de quem vivenciou determinadas relações sociais,<br />

seja com a família ou com a comunidade. Essas múltiplas referências,<br />

apresentadas nos fragmentos, demonstram que o ser-no-mundo, que constitui a<br />

formação, não se constrói de forma isolada, mas a partir de uma teia complexa e<br />

multirreferencial, conforme aparece nesta narrativa:<br />

Tiane: Caros colegas, esta história que eu vou lhe contar é de<br />

uma menina pobre filha de pais trabalhadores rurais. Em mil<br />

novecentos e sessenta e nove, nasce uma menina como todas as<br />

outras crianças que só pensa em brincar e curtir seu momento de<br />

infância. Mas não foi bem assim que aconteceu, desde pequena<br />

que já ajudava a minha mãe e minhas irmãs nos afazeres de casa<br />

(...). No ano de mil novecentos e oitenta e um ela (sua mãe)<br />

querendo o melhor para os seus dez filhos, tira da roça e traz para<br />

cidade de Ruy Barbosa.<br />

Em algumas cidades nordestinas preserva-se o uso da musicalidade, com um<br />

estilo chamado ―repentes‖, para falar de problemas cotidianos e questões<br />

sociais/econômicas. A chamada cantiga de cordel, é uma tradição nordestina que<br />

originou-se em Portugal. Trata-se de um tipo de poema popular, oral e que depois<br />

é impresso em folhetos de maneira rústica e expostos para venda em corda ou<br />

cordéis, por isso o nome. Observa-se o uso dessa tradição nos versos do<br />

memorial de Tiane, que descreve sua narrativa com a rica musicalidade impressa.<br />

Essa narrativa me lembrou muito a errância do povo nordestino, conforme é<br />

trazida pelo filme ―Narradores de Javé‖ 6 : povo simples, moradores de um vilarejo<br />

que busca narrar a própria história de forma heróica, contando as peregrinações<br />

<strong>dos</strong> primeiros habitantes do Vale do Javé.<br />

Outras referências também aparecem nos fragmentos como é o caso da matriz<br />

familiar abaixo:<br />

6 Filme nacional, lançado em 2003, dirigido por Eliane Caffé que apresenta problemática da<br />

transposição do rio São Francisco com construção de uma barragem no local do povoado. Os<br />

moradores recebem a notícia com grande preocupação e então decidem escrever um documento<br />

(Dossiê) contando as aventuras da chegada <strong>dos</strong> primeiros habitantes do lugar segundo as<br />

narrativas de cada morador e escrita de Antônio Biá o carteiro da cidade, único alfabetizado do<br />

povoado.<br />

88


Cheiler: No ano de 1990, perdi uma pessoa muito importante,<br />

minha vó. Ela me ensinou muito do que sei, inclusive recitava<br />

versinhos para que eu pudesse escrevê-los em meu caderninho<br />

incentivando-me a ler e escrever. Em 1991, minha mãe mandoume<br />

estudar em Salvador na casa de parentes. Fui matriculada no<br />

colégio GEMPA no bairro do IAPI onde morava. O colégio entrou<br />

em reforma e eu fiquei sem estudar, pois não encontrei vaga nas<br />

escolas mais próximas e não tinha dinheiro para transporte para ir<br />

à escolas mais distantes. Foi um ano muito difícil minha prima<br />

fazia-me de empregada e a única diversão que tinha era ir ao<br />

supermercado Paes Mendonça.<br />

Nos escritos, as referência são inúmeras: a avó, a cidade grande, a poesia<br />

recitada, as sua experiências de mundo caracterizadas pelo seu acontecer numa<br />

dada tradição histórica. Ao interpretar seu percurso de formação, cada professor<br />

convida ao exercício da auto-compreensão, buscando organizar sua escrita para<br />

ser interpretada por interlocutores. No fragmento seguinte, outras referências<br />

podem ser vistas na formação de professores e no espaço escolar de um modo<br />

geral. A celebração das festas de Santo Antônio, São João e São Pedro, tradição<br />

da cultura nordestina, que são marcadas pelo uso de comidas típicas e dança de<br />

quadrilha com roupas coloridas, que lembram a influência das culturas<br />

portuguesas e italianas:<br />

Simara: No mês de junho, antecedendo o São João era<br />

promovido entre as escolas uma disputa de quadrilhas. Era um<br />

projeto da Secretaria de Cultura, denominado ‗Esperando São<br />

Pedro‘. Cada escola escolhia um tema para ser trabalhado. Os<br />

alunos eram escolhi<strong>dos</strong> através do seu desempenho,<br />

comportamento e número de faltas. O tecido para as roupas a<br />

prefeitura disponibilizava. As costuras e acessórios ficavam por<br />

conta <strong>dos</strong> pais. Certa vez alguns alunos da escola, não tiveram<br />

condições de arcar com as despesas e para que a escola não<br />

ficasse de fora do projeto. Então to<strong>dos</strong> os alunos foram ajuda<strong>dos</strong><br />

pelo professor, compramos o necessário e doamos para os<br />

alunos.<br />

As narrativas de vida nos memoriais, mais precisamente nos trechos destaca<strong>dos</strong><br />

neste trabalho, revelam duas atitudes de base. A primeira é que para algumas<br />

pessoas o conhecimento de si é uma prioridade, já que desse conhecimento se<br />

pode aprender, visto que, aprende-se com a própria experiência, por meio do<br />

olhar <strong>dos</strong> outros. A partir disso, uma segunda atitude é gerada: a das<br />

preocupações em adequar-se às expectativas <strong>dos</strong> outros nas relações pessoais e<br />

89


nas relações sociais, desde que sejam reconheci<strong>dos</strong> como aprendizagem de<br />

forma reconfortante e acolhedora, sendo valorizado o que foi posto pelo autor da<br />

trama (JOSSO, 2004).<br />

Essa proposição é vista em to<strong>dos</strong> os fragmentos <strong>dos</strong> memoriais li<strong>dos</strong>, e conforme<br />

se apresentam na escrita, o professor busca colocar-se valorizando sua<br />

experiência de vida na formação como meio de aprendizagem para outros,<br />

quando evocam valores e características da docência. Assim, a característica<br />

tradicional, não no sentido das abordagens educativas diretivas, mas no sentido<br />

de tradição, conforme Gadamer (2008a) de construirmos historicamente acerca<br />

do que vem a ser o professor.<br />

Alba Lúcia: Minha história como professora começa quando<br />

estou procurando emprego na prefeitura de Tapiramutá e de<br />

primeira ouço o prefeito: ―não estamos contratando ninguém‖ fui<br />

para casa triste, mas desanimar nunca. Passando um mês e<br />

pouco chega um convite para ir a Salvador tomar um curso de<br />

capacitação para ensinar Jovens e adultos pela alfabetização<br />

solidária, aceitei o convite na hora. Fiquei no programa por três<br />

perío<strong>dos</strong> porque um período durava quatro meses e podia<br />

participar de outros cursos. Bem, acabou o programa fico eu<br />

desempregada. No ano dois mil a prefeitura faz o processo<br />

seletivo para professores dar aulas e eu com os meus alunos,<br />

estou de novo com a mesma turma e posso afirmar que como<br />

educadora tenho que está buscando coisas novas. A minha<br />

experiência e os meus conhecimentos é um estudo permanente<br />

para minha vida profissional e é disso que eu preciso, pois tenho<br />

que entender a sociedade e ela me entender.<br />

Nessa medida, ao longo da existência põem-se em cena peregrinações,<br />

lamentos, grandes desafios de uma itinerância que exprimem a existencialidade<br />

que tem sua inconstância nas errâncias que estão associadas à busca de si, no<br />

sentido de buscar a própria formação. Os professores, em seus escritos, usam<br />

recursos estratégicos para apresentar a sua história de vida/formação, por meio<br />

de construções de maneira adequada às tradicionais elaborações do que vem a<br />

ser a figura de um professor. Dentre os principais recursos utiliza<strong>dos</strong>, segundo<br />

Josso (2004), estão: demonstrar habilidades, criatividade, boa comunicação e<br />

90


atenção consciente que são mobiliza<strong>dos</strong> usa<strong>dos</strong> no momento da escrita ou de<br />

qualquer atividade corrente.<br />

Ana Roberta: Este memorial descreve, analisa e critica<br />

acontecimentos sobre a minha trajetória acadêmica, profissional e<br />

intelectual, buscando avaliar cada etapa de minha experiência.<br />

Enfatizando-se as fases mais importantes e significativas.<br />

Fazendo um comparativo entre a vida profissional e a vida pessoal<br />

evidenciando as influências de uma para outra e vice-versa. (...)<br />

Em 2005, com o objetivo de passar para o 3º ano e estar me<br />

preparando para o ENEM, aconteceu na adolescência uma<br />

gravidez na qual não estava preparada para ser mãe o que me<br />

levou a desistir <strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong>. Acabei indo embora para Tocantins e<br />

fiquei novamente sem estudar, morei por 7 meses, depois me<br />

desloquei para Luiz Eduardo Magalhães onde tive meu filho de 8<br />

meses em Barreiras que precisou ficar sob observação do<br />

pediatra fazendo uma série de exame.(...) Em 2007 voltei a morar<br />

em Tapiramutá novamente e hoje Hamilton é uma criança<br />

saudável e feliz. Retornei à escola em 2008 na qual havia<br />

estudado antes no colégio Estadual João Queiroz com o objetivo<br />

de cursar o segundo ano onde parei.<br />

No fragmento de Ana Roberta fica evidente a preocupação em direcionar a escrita<br />

para o interesse <strong>dos</strong> seus interlocutores, apresentando informações técnicas<br />

sobre o uso do memorial como dispositivo de formação. Não pode, no entanto,<br />

desatar-se do vínculo com os costumes e tradições que co-determinam a<br />

experiência do ser-no-mundo, e de alguma forma evidencia a complexidade que<br />

permeia os processos de formação. Evidencia também a multiplicidade de<br />

referências que compõem uma experiência formativa. Em outro fragmento do<br />

mesmo memorial, a dimensão da formação pode ser percebida também no<br />

fragmento abaixo:<br />

Ana Roberta: Ainda vivenciei uma prática de ensino tradicional,<br />

isto é, um ensino que o professor era detentor do saber e o aluno<br />

era ‗tábua rasa‘, desprovido do saber da cultura letrada. No ano<br />

de 1996 mudei-me da zona rural (povoado do Palmeiral) para<br />

estudar na cidade de Tapiramutá, Bahia, mas, infelizmente não<br />

iniciei minha trajetória educativa nesse referido ano, pois a minha<br />

tia por ser professora buscou alfabetizar-me em casa, porém<br />

devido à sua prática de ensino rigorosa e exigente levou-me a<br />

ficar traumatizada e até chorar para não querer estudar com ela.<br />

Nos anos de 1996 a 1999, estudei no Grupo Escolar Julieta Pires<br />

Viana, passei por uma etapa na minha prática de ensinoaprendizagem,<br />

pois passei a perceber a importância do ato de<br />

estudar, além disso, tive apoio <strong>dos</strong> meus professores que me<br />

auxiliaram a avançar na leitura, na escrita e na matemática. As<br />

91


aulas eram bem dinâmicas, pois a educadora buscava<br />

desenvolver uma metodologia de ensino incentivando-nos a<br />

querer continuar a aprimorar nossas práticas educativas.<br />

Percebo, nesse fragmento, que a professora apresenta características vistas no<br />

passado, mas refletidas com as lentes da docência, e não na sua condição de<br />

aluno. Ela revive o momento em que foi aluna, mas apresenta numa linguagem<br />

pedagógica, referindo-se a abordagens metodológicas e conceitos bem<br />

elabora<strong>dos</strong> ao relatar sobre ―práticas de ensino-apredizagem‖ por repetidas<br />

vezes. Fica claro que há uma transposição de ideias que mexem com as noções<br />

de tempo, onde presente e passado se fundem num único horizonte.<br />

Para Gadamer, é questionando o mundo, e a si, que algo torna-se experiência, ou<br />

seja, pensar a obra como experiência é investigá-la em seu modo de ser, em seu<br />

caráter ontológico (existencial). Trata-se de um horizonte da finitude humana que<br />

o modo de ser fará com que o mundo ganhe significado e assuma sua<br />

representação, adequando-se às condições de mundo, mas, sobretudo,<br />

interpretando-o.<br />

Retomo a formulação de Gadamer (2008a) de que ―na formação adquirida nada<br />

desaparece, tudo é preservado. A formação é um conceito genuinamente<br />

histórico, e é justamente o caráter histórico da ‗conservação‘ o que importa para a<br />

compreensão das ciências do espírito‖ (GADAMER, 2008a, p.47). Essa ideia de<br />

Gadamer de preservação das experiências vivenciadas pode ser visto na<br />

importância dada à experiência de Cláudia,<br />

Cláudia: Passei por muitos obstáculos (na docência), um deles foi<br />

ter que conviver com um aluno deficiente mental, sem contar que<br />

nesse local não havia água e nem luz elétrica. Na hora de planejar<br />

tinha que acender um candeeiro para conseguir fazer as minhas<br />

atividades. Foi uma experiência muito difícil, por que nunca tinha<br />

convivido com uma situação desse tipo. (...) Nessa minha<br />

trajetória passei por muitos desafios um deles foi superar meu<br />

medo de dormir no povoado sozinha, ou então ir para a casa de<br />

outra pessoa.<br />

92


Essa relação do passado, com a ideia de conservação no presente, demonstra a<br />

valorização da experiência vivida, sua intensidade e não a experiência como<br />

acúmulo de atividades e cursos. Retomando a afirmação de Gadamer de que o<br />

que foi assimilado na formação não é como um meio que perdeu sua função, haja<br />

vista que o passado não é aquilo que serviu de meio, mas que será superado no<br />

sentido de ser sempre descartado por algo superior.<br />

Lívia: Em 1995, vim fazer uma visita ao meu pai que morava em<br />

uma associação na localidade de Riacho Fundo no município de<br />

Tapiramutá, e por meio dessa visita a escola desta localidade<br />

estava precisando de um professor, então o atual presidente da<br />

associação me fez um convite para substituir a professora que iria<br />

sair. Então em meio a tanta insegurança por não ter experiência<br />

alguma, tive medo de assumir esse compromisso. Mas o meu<br />

objetivo de crescer profissionalmente e ser alguém abracei a<br />

oportunidade e busquei superar o medo e a insegurança, até por<br />

que o município oferecia um suporte no qual recebia capacitação<br />

através de cursos e os planejamentos (...). Foram esses<br />

acontecimentos essa luta cheia de altos e baixos que me levou a<br />

ser a professora que sou.<br />

A tentativa gadameriana de reconstruir uma hermenêutica tomando a tradição é<br />

fundamental na compreensão adequada da finitude, característica do ser humano,<br />

bem como, de sua consciência histórica. Nesse sentido, o conhecimento só pode<br />

ser tomado, em sua radical existência real e histórica, no horizonte das<br />

referências na qual estamos necessariamente inseri<strong>dos</strong> (GADAMER, 2007).<br />

Ainda de acordo com Gadamer (2007), a história não nos pertence, mas nós é<br />

que pertencemos a ela. Antes que compreendamos a nós mesmos, já estamos<br />

nos compreendendo de uma maneira auto-evidente na família, na sociedade e no<br />

Estado em que vivemos, a tradição é uma pré-compreensão e pré-juízo de<br />

mundo. Desta forma, a consciência histórica, modo de compreensão e, portanto,<br />

conhecimento, proposta na hermenêutica filosófica de Gadamer (2008a), é<br />

também histórica, visto que há uma valorização das experiências humanas como<br />

pré-compreensões ressaltando a tradição (Tradition), horizonte fundamental da<br />

compreensão.<br />

93


O conceito de compreensão/interpretação no movimento da tradição, do<br />

movimento do intérprete como um todo, apresenta uma relação entre presente e<br />

passado que retoma a tradição e há um esforço de projeção de futuro. Como<br />

intérprete, ela inclui naturalmente a tradição oral que já foi compreendida e torna-<br />

se agora uma pré-compreensão (GADAMER, 2008a). A tradição, que também<br />

significa transmissão, torna-se imprescindível quando se trata de<br />

compreendermos algo.<br />

De acordo com os estu<strong>dos</strong> realiza<strong>dos</strong>, a experiência de ser professor é aquela em<br />

que o docente torna-se consciente de sua finitude, ou seja, reconhece que ser<br />

professor é fundamentalmente reconhecer que cada experiência de seres finitos<br />

num plano finito e limitado e que, portanto, ser professor trata-se de um acontecer<br />

na própria historicidade. Assim, a formação de professores na experiência<br />

hermenêutica de compreensão de mundo tem a ver com a tradição, mas não é<br />

simplesmente um dominar dessa tradição pela experiência, mas trata-se de uma<br />

linguagem em que a tradição é uma interlocutora ao qual o professor está<br />

vinculado.<br />

6.3 A FORMAÇÃO NA FORMA (ESFERA ESTÉTICA)<br />

Nesta segunda matriz, busquei a compreensão <strong>dos</strong> fragmentos na visão<br />

ontológico-hermenêutica de Gadamer, de igual modo, apenas dando um enfoque<br />

maior à esfera estética, com os estu<strong>dos</strong> sobre imagem e como a ideia recai sobre<br />

a formação da imagem do professor, ou qual a imagem que o professor tem da<br />

própria formação. Trata-se de compreender a formação (Bildung) no seu sentido<br />

de ―imagem‖ (bild) e propõe a arte como forma de compreensão de mundo, nesse<br />

caso, como compreensão da formação.<br />

A estética do ponto de vista ontológico é sempre imaterial, mas isso não significa<br />

dizer que é desprovida de conteúdo. No julgamento <strong>dos</strong> modelos ou formas de<br />

apresentação no mundo há uma dependência do gosto artístico de uma<br />

determinada época. E no caso da formação de professores, os modelos<br />

94


construí<strong>dos</strong> sobre a docência hoje se distinguem <strong>dos</strong> que tínhamos em outros<br />

perío<strong>dos</strong> da história da educação. Este juízo ou gosto de caráter coletivo, no<br />

sentido de existir uma dependência do conceito elaborado por uma época, tem<br />

sempre a pretensão de validar a maneira (modus) de ser professor (GADAMER<br />

2008a). A esse respeito, o memorial de Isís apresenta um bom exemplo do modo<br />

de ser professor que ela construiu,<br />

Isis: No ano de noventa e oito, iniciei o magistério no Centro<br />

Educacional Clériston Andrade (...). Até então continuava uma<br />

aluna tranquila, porém, comecei a me deparar com situação das<br />

quais não concordava. A partir daí comecei a manifestar e expor<br />

opiniões, pois iria ser uma professora e não poderia concordar<br />

com meus antigos professores (...). Apesar de tantos anos<br />

passa<strong>dos</strong>, o sistema de ensino não havia mudado quase nada.<br />

Continuava o professor sendo o único detentor do saber e não<br />

havia questionamento por parte do aluno.<br />

Nos domínios da estética, conforme apresentada na obra fundamental de<br />

Gadamer (2008a), Verdade e Método, o filósofo dirige-se à consciência estética,<br />

aquela cujos momentos extra-estéticos que foram incorpora<strong>dos</strong> ao mundo e lhes<br />

conferem significado. A consciência estética revela-se diferenciando o que está<br />

intencionado (Gemeinte) esteticamente – o especificamente estético – do<br />

conteúdo extra-estético que são as referências históricas que o sujeito possui,<br />

além de uma forma presente, assume também o caráter de uma consciência<br />

histórica. (SILVA JUNIOR, 2005).<br />

Isis: No ano de dois mil e nove, prestei o processo seletivo para<br />

professores e voltei a fazer parte mais uma vez do quadro de<br />

professores da rede municipal de Tapiramutá, atuando em uma<br />

sala de quarto ano na Escola Municipal Virgílio Pedreira, onde<br />

encontrei uma turma heterogênea com faixa etária entre onze e<br />

treze anos, com dificuldades na leitura, na interpretação e também<br />

na escrita. Continuei a ajudar da mesma maneira os meus alunos<br />

por serem uma turma pequena eram privilegia<strong>dos</strong>, pois, sempre<br />

que podia levava para os meninos vários tipos de merendas,<br />

doces e outras coisas mais que não era da realidade daquelas<br />

crianças (...) tenho certeza que fiz um bom trabalho.<br />

De acordo com Gadamer (2008a), não faz sentido uma receptividade estética ou<br />

simplesmente a aceitação de um modelo, pois cada interpretação ou<br />

compreensão de mundo abarca o mundo circundante do sujeito que o interpreta<br />

95


abrangendo sempre a um conjunto de significa<strong>dos</strong>, na visão de Isis, independente<br />

de ser este o perfil ideal de uma época ou contexto vivenciado. Ela afirma ter feito<br />

um bom trabalho, conforme pode ser visto ao final do relato; assim, não importa o<br />

que possam dizer sobre a sua desenvoltura, ela tem uma opinião formada sobre o<br />

assunto, uma forma singular de perceber esse contexto. Na interpretação de Isis,<br />

ser professora vai além do trabalho de ensino da leitura e da escrita, abarcando<br />

afetividade e zelo com seus alunos, como levá-los a experimentar o mundo sob<br />

diversas formas. A referência da afetividade, como marca de ser professor,<br />

encontra-se no fragmento de Selma, conforme pode ser visto abaixo:<br />

Selma: No ano de 1981 meus pais me matricularam na escola<br />

Estadual Julieta Pontes Viana (...) eu e minha irmã iniciamos<br />

juntas por alguns dias tudo era novo, a professora era maravilhosa<br />

gostava de cantar, fazer brincadeiras, Maria Senhora era o nome,<br />

tinha uma letra muito bonita, nos tratava com cuidado, era meiga e<br />

aconchegante, saudades. (...) Na segunda série a professora era<br />

séria e mandona tinha sabatina na aula as vezes levava bolo,<br />

lembro que uma vez dormi com a tabuada na mão para não<br />

apanhar na aula de matemática.(...) No ano seguinte tive uma<br />

professora maravilhosa tia Elenizia <strong>Oliveira</strong> como gostava de ser<br />

chamada, uma vez fomos a um piquenique na fazenda <strong>dos</strong> pais<br />

dela. Terminei o primário com a mesma professora Adélia e foi<br />

diferente porque eu já sabia me defender.<br />

A experiência estética, que se constitui numa experiência que permite ao sujeito a<br />

aprendizagem e a autocompreensão – desde que seja abandonado o caráter<br />

pontual da vivência, dando espaço para a compreensão da própria existência –<br />

refere-se à vida e a sua compreensão, e neste caso, Selma demonstra além da<br />

imagem construída sobre o perfil <strong>dos</strong> professores, a sua compreensão do que<br />

vem a ser o bom professor e o professor ruim. (SILVA JUNIOR, 2005).<br />

Na concepção gadameriana sobre estética, o filósofo defende que o encontro com<br />

a obra é o encontro de particularidades de um mundo, portanto, não pode ser<br />

restrito a um encantamento momentâneo e apenas ligado aos senti<strong>dos</strong>. (SILVA<br />

JUNIOR, 2005). Essa relação entre hermenêutica (compreensão) e estética<br />

caracteriza-se basicamente pelo caráter de verdade inerente na experiência, e<br />

constitui-se numa experiência hermenêutica quando há abertura, historicidade,<br />

diálogo, como também, sobretudo, a finitude.<br />

96


Ao interpretar as vozes nos fragmentos escritos pelos professores, percebi que é<br />

difícil fracionar a imagem, em sua forma de representação da docência,<br />

considerando os elementos que constituem essa formação como entrelaça<strong>dos</strong> e<br />

inter-relaciona<strong>dos</strong> num conjunto integrado chamado existência de professor.<br />

Cheiler: Em 1996 tive a oportunidade de ficar na regência de uma<br />

classe de educação infantil. Foi uma experiência muito rica e uma<br />

base sólida para o estágio no final do ano seguinte. (...) Desde<br />

quando conclui o magistério, trabalho até hoje na mesma<br />

instituição de ensino com compromisso, responsabilidade e amor<br />

dedicado às crianças. A profissão de professor exige de nós, mas<br />

a recompensa é grande, por que não há nada mais valioso do que<br />

o sorriso e o carinho de uma criança, que a cada dia me<br />

proporciona uma emoção diferente. Trabalhar com os pequeninos<br />

me faz virar criança também e a fazer descobertas junto com eles.<br />

Eu amo minha profissão!<br />

A imagem que o docente tem, construída ao longo da história da educação, é de<br />

dedicação e, sobretudo, de uma profissão que depende do afeto. Ser professor<br />

representa, desde os primeiros anos escolares, conforme aparece nos escritos<br />

que se seguem:<br />

Itariane: Estudei a alfabetização aos 8 anos na Escola Estadual<br />

Rui Barbosa com a professora 'Nini‘, com ela aprendia ler e as<br />

palavras, frases e pequenos textos. Em 1982, com 9 anos<br />

comecei a 1ª série na mesma escola com a pró Norma<br />

Mascarenhas, pessoa meiga, paciente, maravilhosa. Lembro<br />

como se fosse hoje, ela convocou minha mãe à escola, pois<br />

queria me transferir para a 2ª série e graças a Deus que mãe não<br />

aceitou trocar de mestra. Em 1983 e 1984, cursando 2ª e 3ª<br />

séries, foi horrível as professoras foram péssimas, brutas e não<br />

sinto saudade delas. Na 4ª série parece que tinha reencontrado a<br />

primeira professora, pois pró Adélia era super parecida com a da<br />

primeira série.<br />

A imagem do que vem a ser professor está envolvida numa teia que abarca<br />

dimensões afetivas, morais, políticas, dentre outras questões, e estão imbricadas<br />

na formação. A forma de ser e de agir do professor revela o seu compromisso<br />

com a docência: uma espécie de pacto com a profissão, incorporando os valores<br />

que são percebi<strong>dos</strong> na docência. Essa dimensão da formação pode ser percebida<br />

também no fragmento abaixo:<br />

97


Ana Roberta: Ainda vivenciei uma prática de ensino tradicional,<br />

isto é, um ensino que o professor era detentor do saber e o aluno<br />

era ‗tábua rasa‘, desprovido do saber da cultura letrada. No ano<br />

de 1996 mudei-me da zona rural (povoado do Palmeiral) para<br />

estudar na cidade de Tapiramutá, Bahia, mas, infelizmente não<br />

iniciei minha trajetória educativa nesse referido ano, pois a minha<br />

tia por ser professora buscou alfabetizar-me em casa, porém<br />

devido à sua prática de ensino rigorosa e exigente levou-me a<br />

ficar traumatizada e até chorar para não querer estudar com ela.<br />

Nos anos de 1996 a 1999, estudei no Grupo Escolar Julieta Pires<br />

Viana, passei por uma etapa na minha prática de ensinoaprendizagem,<br />

pois passei a perceber a importância do ato de<br />

estudar, além disso, tive apoio <strong>dos</strong> meus professores que me<br />

auxiliaram a avançar na leitura, na escrita e na matemática. As<br />

aulas eram bem dinâmicas, pois a educadora buscava<br />

desenvolver uma metodologia de ensino incentivando-nos a<br />

querer continuar a aprimorar nossas práticas educativas.<br />

Há nele uma preocupação com a linguagem própria da docência que naquele<br />

momento, na condição de aluno, não existia, apesar <strong>dos</strong> alunos também<br />

construírem suas imagens sobre o que vem a ser o professor. A<br />

interpretação/compreensão deles, porém, encontra-se limitada à sua condição<br />

existencial de aluno e não como aquele que tem domínios sobre termos<br />

específicos das ações pedagógicas. Deste modo, a compreensão apresentada<br />

por Ana Roberta é uma leitura atual, como professora, da sua condição anterior<br />

na posição de aluna; é uma compreensão presente do seu passado. Já o relato<br />

de Lívia apresenta a compreensão de que a vontade de aprender do aluno é fruto<br />

de uma determinada forma de ser professor, e isso demonstra mais uma vez que<br />

as esferas não são isoladas, e que é possível visualizar a forma e a compreensão<br />

nos fragmentos conforme pode ser visto.<br />

Lívia: Iniciei no pré-escolar em uma escola Municipal Almirante<br />

Barroso (...) eu tinha a maior vontade de aprender a ler e<br />

escrever. Mas essa alegria toda teve bastante incentivo por parte<br />

de uma grande pessoa que para mim é inesquecível, a minha<br />

professora (...) uma pessoa doce, meiga, amável e amigável. Esse<br />

jeito de ser da minha professora me estimulava no meu<br />

aprendizado e ao término do ano letivo eu já estava alfabetizada.<br />

98


Na escrita do memorial formativo sugerido pela <strong>UFBA</strong>, as noções temporais estão<br />

presentes nos três pilares que compõem a produção: Eu estudante; Eu professor<br />

e Eu professor no Programa de formação. Nas obras de Heidegger e Gadamer o<br />

tempo é tido como horizonte de toda compreensão. Essa imagem construída do<br />

presente para o passado ocorre também do presente para o futuro, como aparece<br />

nos fragmento abaixo:<br />

Cheiler: Em 2010, foi aberto na cidade onde moro um curso de<br />

licenciatura em Pedagogia. Fiz o exame e passei. Foram três anos<br />

de luta, luta prazerosa. Mas, nem diante das dificuldades cheguei<br />

a pensar em desistir e sim de ir em busca <strong>dos</strong> meus objetivos, por<br />

que muitos professores ainda esperam cursar uma faculdade. Ter<br />

a oportunidade que eu tive e agarrei com unhas e dentes. Esse<br />

curso abriu vastos horizontes em minha cabeça, fazendo com que<br />

trilhasse mais caminhos. Em 2014, comecei a fazer pósgraduação<br />

em Jacobina. Formei-me em 2015 em psicopedagogia,<br />

por que sempre quis estar ligada à educação. Agora estou me<br />

preparando para fazer novos cursos, pois a vontade de ir em<br />

busca de mais conhecimento é crescente em mim.<br />

A narrativa de Cheiler me fez pensar sobre o sentido da complexidade e a<br />

“transgressão‖ <strong>dos</strong> limites daquilo que é universal e que elimina a singularidade, a<br />

localidade e a temporalidade. Nesta proposição, bem como na ideia apresentada<br />

por Gadamer sobre a Hermenêutica ir de encontro com a universalidade, a<br />

singularidade produz singularidade. A vida do professor tem sua organização<br />

singular entre os diversos tipos de organização existentes. Nessa leitura, não se<br />

substitui o singular e o local pelo universal, ao contrário, é preciso aproximar<br />

realidade social, singularidade e o desejo de uma formação universalmente<br />

exigida ao professor. (MO<strong>RI</strong>N, 2002).<br />

A imagem projetada pela professora no fragmento revela o desejo de construir<br />

determinada formação, a busca sonhada, com to<strong>dos</strong> os aspectos, ressaltando<br />

determinada imagem da docência. Já no fragmento seguinte, a revelação do<br />

desejo e a relação com a realidade demonstram que Jeanes tem um conceito<br />

próprio, elaborado por si, chamando atenção para a imagem abrangente da<br />

docência; e essa ―individuação já vem, ela mesma impregnada também pela<br />

realidade que lhe é posta, e é por isso que a individuação não é subjetividade,<br />

mas força viva‖ (GADAMER, 2008a, p.282).<br />

99


100<br />

Jeanes: Ser professor é um dom de Deus, pois um educador é<br />

pai, mãe, amigo, etc. Em fim um eterno aprendiz. Para a<br />

sociedade o professor é o sabe tudo, aquele que conquistou seu<br />

espaço, sua forma, por ser comprometido e responsável um<br />

conjunto de aprendizagem. Ser professor é uma carreira que<br />

exige esforço e muita dedicação pra obter resulta<strong>dos</strong> positivos.<br />

A esfera estética na concepção de Gadamer não trata apenas de uma referência<br />

histórico-conceitual da arte, mas trata-se de uma experiência hermenêutica de<br />

compreensão. Para Gadamer (2007, 2008a), a compreensão da formação<br />

humana, e nesse caso, de professores, ultrapassa inclusive o pensamento da<br />

subjetividade e da experiência artística no sentido de obra de arte. Essa<br />

compreensão da imagem do que vem a ser o professor é trazida em diversos<br />

fragmentos aqui apresenta<strong>dos</strong>, em que se ressalta a imagem, a forma como visto<br />

na narrativa acima.<br />

Uma das imagens presentes na formação de professores é a do afeto pelos<br />

alunos, relação que colabora inclusive com a aprendizagem no sentido de ser<br />

esse traço da formação um elemento comum nas narrativas e ideia que se<br />

aproxima da esfera estética se considerado o sensível como categoria de<br />

compreensão. De acordo com Macedo (2010), ―o mundo <strong>dos</strong> afetos e o mundo<br />

das implicações, conscientes ou não, são complexidades que a formação não<br />

pode descartar‖ (MACEDO, 2010, p.128). O relato abaixo é um exemplo que<br />

demonstra o quanto esta dimensão do sensível, própria da esfera estética, é<br />

recorrente na formação de professores:<br />

Lívia: No ano de 1996 continuei lecionando e me aperfeiçoando a<br />

cada dia e passei a gostar mais que eu fazia. Com essa nova<br />

experiência os alunos desenvolviam melhor seus conhecimentos e<br />

cada avanço para mim era uma satisfação muito grande, isso<br />

mostrava que estava adquirindo experiência e me aperfeiçoando<br />

mais e mais. Com os estu<strong>dos</strong> fui aprendendo mais as formações<br />

para professores que eram oferecidas pela secretaria de<br />

educação que transformou minha prática em sala de aula cada<br />

vez melhor. Eu compreendia melhor os meus alunos e o<br />

desenvolvimento deles e assim tinha mais facilidade.


A ideia da esfera estética como metáfora da compreensão trazida por Gadamer<br />

(2007, 2008a), é uma tentativa de articulação do mundo e seus fenômenos com a<br />

experiência hermenêutica da compreensão, como experiência de formação<br />

humana. Essa formação é um encontro com a experiência à qual pertencermos,<br />

nós e a obra. Em alguns contextos e situações, tais como a do relato de Cláudia,<br />

é possível perceber que em alguns momentos os papéis se confundem nas<br />

dinâmicas do exercício da docência em algumas situações:<br />

101<br />

Cláudia: Tive uma professora (...) que quase to<strong>dos</strong> os dias ela<br />

pedia que eu fosse em uma outra escola buscar os filhos dela e<br />

em uma dessas buscas um <strong>dos</strong> filhos dela me agrediu<br />

fisicamente, ele me mordeu por que eu fui pegar na mão dele, a<br />

partir desse dia nunca mais fui buscar, afinal de contas eu fui para<br />

a escola estudar e um dia me tornar uma grande profissional.<br />

A obra é o próprio mundo que se põe diante de nós, enquanto temos a todo<br />

tempo experiências boas ou ruins, que nos impactam, ou não, mas que fazem<br />

parte do nosso percurso formativo, tocando-nos, atravessando-nos, ou não. A<br />

tarefa hermenêutica do compreender proposta por Gadamer determina-se na<br />

base da relação tensa entre a estranheza e a familiaridade,<br />

Jeanes: Como professora lecionei pela primeira vez na Creche<br />

Mãe Malvina em Volta Grande, povoado de Tapiramutá. Lá<br />

encontrei uma realidade assustadora devido a necessidades <strong>dos</strong><br />

pais, <strong>dos</strong> alunos, por não poder oferecer alimento aos seus filhos<br />

onde ficava o dia todo para que os pais pudessem trabalhar. Na<br />

qualidade de educadora fui bastante humilde, amiga contribui para<br />

a aprendizagem desses alunos. Tenho certeza que aprendi muito<br />

com eles, assim (desta forma) para o meu crescimento<br />

profissional.<br />

A formação de professores é apresentada, neste fragmento, como atividade de<br />

grande complexidade e abrangência, que remete a conhecimentos da realidade e<br />

<strong>dos</strong> espaços por onde transita o professor. Na complexidade expressa por<br />

―Jeanes‖ e defendida por Morin (2002, 2005), somos máquinas vivas e nos<br />

integramos numa mega–máquina chamada ―sociedade‖, ao mesmo instante em<br />

que somos apenas um instante no ciclo de outra máquina que é a ―espécie<br />

humana‖, a capacidade humana de adaptar-se aos modelos sociais é visível.<br />

Com o professor não é diferente, houve uma situação nova e muito distinta da


ealidade vivenciada por ―Jeanes‖, uma ―organização do trabalho‖ e sociedade<br />

distinta do que ela estava acostumada, sendo necessária a produção e<br />

reelaboração de uma nova vida numa nova práxis, conforme descreve o<br />

fragmento de Conceição logo em seguida. (MO<strong>RI</strong>N, 2002).<br />

102<br />

Conceição: A prática de ensino-aprendizagem constantemente<br />

sobre transformações pedagógicas e metodológicas. O educador<br />

deve estar preocupado com a sua formação profissional e também<br />

com o desenvolvimento intelectual <strong>dos</strong> seus alunos. (...) É<br />

necessário que o educador por meio do seu planejamento de<br />

aulas, reflita e avalie a sua prática de ensino-aprendizagem por<br />

observar o desempenho <strong>dos</strong> alunos, das atividades educativas<br />

sugeridas.<br />

A experiência estética é, essencialmente, experiência da finitude humana. Isso<br />

significa que a condição de ser experiente torna-nos verdadeiramente conscientes<br />

de nossa própria finitude, <strong>dos</strong> limites de toda antecipação, bem como, do caráter<br />

de insegurança e incerteza <strong>dos</strong> nossos planos. O que a experiência, em sua<br />

natureza mais íntima, revela que não somos senhores do tempo e nem do<br />

espaço, já que nossa finitude sempre nos remete à abertura de novas<br />

experiências. Conforme vimos anteriormente, no fragmento de Jeanes,<br />

consciência de própria finitude, como também a consciência trágica da<br />

experiência humana de se deparar com o inesperado e assustador cenário da<br />

realidade educacional brasileira.<br />

Pode-se perceber, em alguns <strong>dos</strong> fragmentos, a preocupação em detalhar a<br />

estética da sala de aula e, desta maneira, acabam por apresentar referências<br />

importantes do que vem a ser o espaço educativo que favorece a aprendizagem,<br />

como é o caso do relato apresentado por Zenaide e Itariane abaixo:<br />

Zenaide: Sentia-me cheia de felicidade ao chegar na escola<br />

percebi o quanto aquele ambiente era agradável, lá encontrei<br />

algumas colegas as quais eu já me identificava.<br />

Itariane: Sei que não preciso de sonhos para gritar com meus<br />

alunos, implorar silêncio, aplicar metodologias e conhecimentos;<br />

precisarei de sonhos para transformar minha sala num ambiente<br />

prazeroso e atraente, motivando meus alunos na arte de pensar,<br />

agir e expressar suas ideias fazendo com que eles estejam a lutar<br />

pelos seus ideais.


Há, em alguns <strong>dos</strong> relatos, a preocupação em descrever esteticamente o lugar de<br />

onde veio, como é o caso do relato de Paulinha, que traduz a presença da esfera<br />

histórica nesta descrição estética do tempo e lugar.<br />

103<br />

Paulinha: Morei com meus pais até 8 anos de idade com a<br />

separação deles minha mãe acabou voltando para Jacobina,<br />

fiquei com meu pai por um tempo por volta de 1986. Minha mãe<br />

no ano seguinte voltou para Volta Grande, passei a morar<br />

novamente com ela. Para se ter uma ideia morávamos em uma<br />

casa de palha, em uma rua chamada ‗Rua da Palha‘, porque lá<br />

quase todas as casas eram de palha.<br />

No fragmento apresentado, Paulinha demonstra esteticamente a imagem de sua<br />

origem, apontando para a ideia de costume, de identidade local, de tradição, ou<br />

seja, a experiência estética está intrinsecamente ligada à tradição. Assim, as<br />

experiências são, na ótica da hermenêutica fenomenológica de Gadamer, finitas e<br />

limitadas pelo tempo e espaço. O reconhecimento de nossa finitude diante do<br />

mundo faz das nossas experiências a própria historicidade, como seres que<br />

atuam e agem na história e tradição. A compreensão hermenêutica da arte nos<br />

coloca diante da tarefa de identificar como se articula a relação entre arte e<br />

história, já que ambas se inscrevem de forma conjunta; como o relato de Emanuel<br />

o demonstrou de forma simples.<br />

6.4 A COMPREENSÃO NA FORMAÇÃO (ESFERA DA LINGUAGEM)<br />

A linguagem, em conformidade com o ser, é abertura ou movimento de<br />

desocultação da verdade (aletheia). Na visão de Gadamer (2007, 2008a), trata-se<br />

de uma dinâmica, o meio (médium) que viabiliza compreensão. Trata-se da<br />

interpretação que se desenvolve por meio de uma linguagem que deixa falar o<br />

seu intérprete. Neste sentido, a linguagem é também um dispositivo de formação<br />

por tratar-se de uma relação entre sujeito e mundo, já que tudo que pode ser<br />

compreendido é linguagem, e isso se torna o fio condutor da experiência<br />

hermenêutica.


De acordo com a narrativa seguinte, o docente iniciou sua primeira experiência<br />

como professor ―leigo‖ e sua disposição e abertura, em buscar pistas sobre a<br />

prática pedagógica foi e é determinante para as conquistas e experiências no<br />

campo educativo,<br />

104<br />

Miguel: As boas conquistas são conquistadas quando os<br />

conquista<strong>dos</strong> a conquistam. Nunca pensei de concluir o segundo<br />

grau. Início da jornada de professor em 1º de junho de 1993,<br />

como professor leigo, ainda tinha 5ª série lecionava e estudava.<br />

Foi um momento bastante emotivo e de conhecimento, pois tinha<br />

uma pedagoga que foi minha melhor parceira nos meus trabalhos.<br />

Só que trabalhava na zona rural foi minha primeira experiência<br />

como professor mesmo. Sendo da zona rural, vim pra cidade aos<br />

23 anos já conhecia a realidade do aluno. Trabalhava com série<br />

multisseriada, várias série numa só classe. Na maioria das vezes<br />

os alunos andavam a pé ou no carro de outras pessoas, isso<br />

marcou minha trajetória de professor (...). Como professor crítico,<br />

sou um aventureiro responsável predisposto à mudança, à<br />

aceitação do diferente.<br />

Na experiência vivida, o professor apresenta sua singularidade na coletividade,<br />

apresentando a ideia de todo nas partes e partes no todo, conforme Morin (1983,<br />

2002, 2005), o holograma perceptivo. Esse princípio nomeado de hologramático<br />

afirma que ―não só a parte está no todo, mas também o todo está na parte‖, o<br />

cidadão educado na escola enquanto indivíduo, está inserido numa sociedade ou<br />

cultura mais ampla, e a partir disso a formação escolar ressoa neste espaço<br />

macro. Isso implica em dizer que vamos das partes para o todo e do todo para as<br />

partes, na busca pela compreensão <strong>dos</strong> fenômenos sociais, e isso foi percebido<br />

pela professora ―Conceição‖ (MO<strong>RI</strong>N, 2002), de acordo com o fragmento abaixo:<br />

Conceição: No último ano de ensino médio tive a oportunidade de<br />

trabalhar pelo Programa Topa to<strong>dos</strong> pela Alfabetização; educação<br />

voltada para jovens e adultos. Foi uma experiência bastante<br />

gratificante; porque me possibilitou avaliar esses cidadãos na<br />

alfabetização, isto é, não apenas com a aquisição do domínio<br />

da leitura, mas na capacidade de usar essa habilidade no<br />

desenvolvimento pessoal e coletivo com vistas à construção<br />

de uma nova sociedade cidadã. Na minha prática de ensino<br />

aprendizagem com jovens e adultos do Programa Topa to<strong>dos</strong> pela<br />

Alfabetização, para que ocorra uma aprendizagem significativa é<br />

vital a ocorrência de um intercâmbio ou interação entre educador<br />

e educando. (Grifos meus)


A ideia de coletividade, de compartilhamento <strong>dos</strong> saberes, de troca, de<br />

aprendizado, na fusão de horizontes, trata-se de um processo visível de<br />

formação, da importância do diálogo e da troca com os colegas, não por terem<br />

acumulado mais anos de experiência; porém, ainda é vista de forma muito tímida<br />

e superficial pelos professores que entendem o conceito de ―fusão de horizontes‖<br />

como um compartilhar de experiências vivenciadas por outros professores,<br />

havendo, dessa forma, o intercâmbio e a troca de saberes. No caso da ―fusão de<br />

horizontes‖, conforme é apresentado por Gadamer, há uma elaboração mais<br />

profunda do sentido do ser ao se deparar com experiências <strong>dos</strong> outros. O sentido<br />

desse encontro é a dimensão ontológica, que envolve diversas linguagens, suas<br />

tradições, histórias de vida evidenciando-se a complexidade da compreensão de<br />

mundo.<br />

105<br />

Selma: Atuo na área de educação há cinco anos, com<br />

experiências diferentes (...). No decorrer desses anos passei por<br />

muitas dificuldades, principalmente no início porque ainda não<br />

tinha terminado o curso de magistério havia uma certa<br />

discriminação nos encontros de professores e diretores, as vezes<br />

me sentia olhada, testada por parte <strong>dos</strong> colegas. As dificuldades<br />

encontradas eram encaradas como aprendizado sempre com um<br />

só objetivo: levar meu alunado a alcançar o ―desconhecido‖ que<br />

era ler e escrever. (...) O professor na verdade está sempre em<br />

busca do novo, estudando, pesquisando, buscando novos<br />

conhecimentos para serem trabalha<strong>dos</strong> em sala de aula. Na<br />

escola o professor está diariamente em descobertas onde<br />

professor e aluno são parceiros. (grifos meus).<br />

A formação de professores tem motivações particulares e caminhos que<br />

desobedecem à ordem e às certezas. As experiências se inscrevem no plano da<br />

incerteza da virada do jogo da vida, superando dificuldades sociais, econômicas e<br />

revelando-se as singularidades da existência. Essa proposição tem a ver com a<br />

ideia de Morin (2002, 2005), quando descreve um <strong>dos</strong> princípios básicos da teoria<br />

da complexidade que é a ―irredutibilidade‖ do acaso e da desordem. As noções de<br />

desordem e de acaso são recorrentes neste princípio de incerteza, e permanece<br />

inclusive no que diz respeito à natureza que o acaso nos traz, permitindo que o<br />

sujeito dê respostas à família e amigos, como pode ser visto nessa proposição.<br />

(MO<strong>RI</strong>N, 2002).


106<br />

Paulinha: Passei um bom tempo em casa, sem muitas<br />

expectativas, foi quando surgiu a oportunidade de fazer um<br />

concurso público em Tapiramutá em 2005, para professor de<br />

educação infantil. Quando saiu o resultado da prova nem<br />

acreditei, tinha conseguido passar, fiquei muito feliz, cheguei a<br />

gritar de tanta felicidade. Sabia que minha vida iria mudar e essa<br />

mudança era para melhor. Neste momento passou um filme em<br />

minha cabeça, lembrei da vida difícil que tive lá na infância,<br />

lembrei também que nenhum <strong>dos</strong> meus irmãos conseguiram<br />

chegar até lá e naquele momento estava tendo a chance de<br />

mudar.<br />

Percebo que ―ao buscar a própria compreensão, amplia-se a possibilidade de<br />

compreensão do outro; ao se identificar diferentes maneiras de perceber, reagir e<br />

significar a experiência de cada pessoa, em sua singularidade e em sua própria<br />

etapa de desenvolvimento, o faria de maneira diferente‖. (WARSCHAUER, 2001<br />

apud SÁ, 2008, p. 246). Ou seja, uma experiência torna-se formativa quando o<br />

formando percebe o que está vivendo com olhar atento e relaciona com outras<br />

referências de mundo que já construiu e continua a construir.<br />

Jeanes: Sinto privilegiada por ter entrado em uma conceituada e<br />

concorrida <strong>Universidade</strong> Federal da Bahia – <strong>UFBA</strong> com o objetivo<br />

de ampliar meus conhecimentos profissionalmente e<br />

financeiramente procurando explorar os meus conhecimentos<br />

tenho certeza que aprendi. Eu e meus colegas de curso trocamos<br />

experiências, participamos das oficinas com objetivo de ampliar<br />

nossos conhecimentos contribuindo para vida profissional, familiar<br />

e social.<br />

Em muitos <strong>dos</strong> fragmentos, aparece a ideia de fusão de horizonte expressa na<br />

compreensão da própria formação. Um horizonte de aprendizagem quer dizer<br />

sempre aprender a ver mais além do próximo e do muito próximo, não para<br />

afastar ou substituir por outros horizontes, mas para alçar vôo em novas<br />

possibilidades de aprendizagem, tendo o lançar-se como princípio fundante. Essa<br />

concepção, a partir da abertura para o mundo, a disposição para compreensão,<br />

apresenta-se nesse fragmento da fala de Reginaldo,<br />

Reginaldo: Reportar-se às experiências vividas por professores<br />

no seu campo profissional é desvendar caminhos de intensas


107<br />

expectativas e surpresas nas inúmeras descobertas,<br />

contentamentos e frustrações de se viver o conhecimento<br />

adquirido por prática de docência. Durante esse longo tempo de<br />

convivência na área já passei por várias situações abençoadas e<br />

outras desagradáveis, onde procurei amparar o educando através<br />

de um proveitoso diálogo.<br />

A interpretação/compreensão de mundo é, para Gadamer, um conceito prévio, de<br />

pré-compreensão, que dará lugar a outros conceitos mais adequa<strong>dos</strong>, o que não<br />

significa dizer que esse conhecimento é descartado, ao contrário, é sempre<br />

conservado nessa formação como espécie de fluxo para as experiências<br />

seguintes. O que ocorre, nesse processo, é que diante de qualquer texto, nossa<br />

tarefa numa postura hermenêutica é de abertura ao outro, ao texto, no sentido<br />

ampliado de concepção de texto em que o próprio mundo se apresenta como tal a<br />

ser interpretado/compreendido.<br />

Jeanes: O professor na verdade está sempre em busca do novo,<br />

estudando, pesquisando, buscando novos conhecimentos para<br />

serem trabalha<strong>dos</strong> em sala de aula. Na escola o professor está<br />

diariamente em descobertas onde professor e aluno são<br />

parceiros, fazendo educação de qualidade para a melhoria da<br />

cidadania. (...) Cursando pedagogia tive certeza de que nós<br />

professores somos peça fundamental na vida escolar <strong>dos</strong> alunos.<br />

No discurso acima emerge o sentido de alteridade presente na compreensão, pois<br />

segundo Gadamer (2008a), quem busca compreender precisa estar disposto a<br />

deixar que o compreendido diga alguma coisa. Na visão do filósofo, o horizonte<br />

do presente está num processo de constante formação, na medida em que<br />

estamos obriga<strong>dos</strong> a pôr constantemente à prova to<strong>dos</strong> os nossos preconceitos.<br />

Parte dessa prova é o encontro com o passado e a compreensão da tradição da<br />

qual nós mesmos procedemos (GADAMER, 2008a), conforme aparece no<br />

segundo trecho. A ideia de alteridade na formação de professores como abertura<br />

para compreensão também aparece na história contada pela professora ―Nara‖:<br />

Nara: Um <strong>dos</strong> momentos marcantes na minha experiência de vida<br />

de professora foi, em uma determinada aula, depois de trabalhar<br />

as famílias silábicas, algumas palavras e a leitura das mesmas,<br />

percebi que tinham duas alunas escrevendo na lousa letras<br />

aleatórias. Lembro-me que uma delas escrevia só vogais e a outra


108<br />

já usava vogais e consoantes, de repente essa aluna escreveu e<br />

sublinhou tais letras: I R C, aquela escrita me chamou atenção e<br />

perguntei para ela. Que palavrinha é essa que você escreveu?<br />

Imediatamente ela respondeu: ‗Irecê, professora, é o lugar que<br />

minha mãe morava‘. Atenta à sua resposta, sugeri que lesse a<br />

palavra, a aluna leu apontando com o dedo as letras. Satisfeita<br />

com o desempenho dela, fiquei radiante, então a elogiei e disse<br />

que ela estava de parabéns. (...) A partir daí comecei a<br />

compreender como acontece o processo ensino e aprendizagem,<br />

e que as crianças traziam consigo experiências riquíssimas de<br />

vida e que eu teria que adequar a essa realidade, acreditava no<br />

diálogo, na relação de respeito mútuo, na afetividade com o aluno,<br />

no prazer e na alegria de ensinar e aprender de forma lúdica.<br />

A compreensão, para Gadamer, ocorre exatamente a partir de nossos<br />

preconceitos que são os nossos pré-juízos ou juízos antecipa<strong>dos</strong> das coisas,<br />

conforme o exemplo acima em que a aluna já tinha sua pré-compreensão. Essa<br />

pré-compreensão vai além <strong>dos</strong> juízos individuais, mas se constrói na coletividade,<br />

constituindo a realidade histórica do nosso ser. Ou seja, a compreensão é algo<br />

que fazemos a partir do horizonte de uma tradição de sentido que nos marca<br />

tornando-a compreensão possível. Neste caso, a professora no exercício da sua<br />

prática, percebe que o aluno tem suas referências de mundo e leva isso para a<br />

escola, conforme foi relatado por ―Nara‖ na sua experiência de formação. Essa<br />

compreensão também é apresentada por ―Adriana‖ na sua experiência com<br />

Educação de Jovens e Adultos,<br />

Nara: Minha história real na experiência de professora vou falar<br />

sobre uma aluna do TOPA que venho observando desde o início<br />

das aulas, pois sua história me chamou atenção. Ela é filha de um<br />

casal humilde, moradores da zona rural, sendo seus pais<br />

analfabetos, visto que naquela época o acesso a escola bem<br />

como a outros serviços era uma raridade. A história de vida de<br />

Judite não foi muito diferente. Apenas aos 11 anos teve acesso ao<br />

Mobral, onde ficou por apenas 06 meses, ou melhor, aprendeu<br />

escrever apenas o seu nome em letra de forma, para aquela<br />

época uma grande conquista, porém, ao longo de toda sua árdua<br />

vida, sentiu falta da leitura e da escrita especialmente nas<br />

situações cotidianas. Dotada de uma linguagem popular (latra,<br />

bicicreta, apois, frigerante, dificulidade etc.) marcas da cultura<br />

rural, estabelece em sua comunicação grande influencias das<br />

crenças religiosas, inclusive realiza a mais de 25 anos o caruru,<br />

chamado de cariru, em devoção a Cosme e Damião. Aos 65 anos,<br />

através do incentivo de suas netas, já com formação acadêmica,<br />

resolveu voltar a estudar e se matriculou no TOPA. No decorrer<br />

das aulas tenho percebido que Dona Judite muito se esforça, mas<br />

são muitas as dificuldades, principalmente no que diz respeito à


109<br />

escrita, pois a mesma não consegue escrever de forma ordenada,<br />

conhece as letras, mas escreva a palavra do jeito que é<br />

pronunciada apenas seu nome escreva de forma ordenada e<br />

legível.<br />

Neste fragmento apresentado no memorial de ―Adriana‖, é possível visualizar o<br />

uso do discurso sobre aspectos da vida na formação e vice versa, dando a ideia<br />

de formação como teia complexa que inclui múltiplas referências. De acordo com<br />

<strong>Oliveira</strong> (2010), a formação humana, e nesse caso de professores, se inscreve a<br />

partir da relação entre as múltiplas raízes: culturais, morais, familiares, étnicas,<br />

ideológicas, religiosas... A vida é uma totalidade (unidade) dessas múltiplas raízes<br />

que se entrecruzam (diversidade) e são estas relações que irão determinar a<br />

história <strong>dos</strong> professores (OLIVEIRA, 2010).<br />

Na hermenêutica gadameriana é que não há diferença entre a interpretação e a<br />

compreensão, pois compreender é sempre interpretar. Compreender uma<br />

tradição implica projetar um horizonte histórico que vai originar um novo horizonte<br />

presente. Um texto histórico somente é interpretável a partir da historicidade do<br />

intérprete; e a fala de ―Adriana‖, quando apresenta a experiência vivida com Dona<br />

Judite, remete a essa abertura necessária ao professor como compreensão das<br />

realidades que cruzam seu percurso de formação, sendo ele (o professor) sempre<br />

formando e formador.<br />

Lívia: Recordo-me de quando lecionava com Educação Infantil,<br />

numa classe com trinta e dois alunos com a faixa etária de quatro<br />

e cinco anos. Ao ficar sabendo que iria trabalhar com essa série,<br />

fiquei um tanto apavorada, pois, nunca tinha lecionado com a<br />

mesma. No primeiro dia de aula, quando cheguei na porta da sala<br />

de aula e me deparei com aquelas crianças todas chorando,<br />

confesso que senti vontade de sair correndo, mas, respirei fundo e<br />

segui em frente. Dia após dia, fui conseguindo conquistar a<br />

confiança <strong>dos</strong> pequeninos e tentando me adaptar com a realidade<br />

vivida.<br />

A realização da fusão de horizontes, como a que está representado na fala de<br />

Lívia, de um exemplo da consciência da história efeitual, que em primeiro plano,<br />

da consciência de uma situação em que nos encontramos em face da tradição e


que queremos compreender. A fusão de horizontes, nesse plano, se dá pela<br />

interpretação, pela disposição em compreender conforme ocorreu com a<br />

professora. Essa disposição aparece numa outra fala, trazida por Lívia, quando<br />

aponta para o papel do professor:<br />

110<br />

Lívia: (...) Vale ressaltar que muitas vezes o professor precisa<br />

desempenhar o papel de pai ou mãe, para seu trabalho ser<br />

realizado com sucesso, uma vez que, a sociedade em geral<br />

precisa ser mais humanizada em se tratando de entender ou ao<br />

menos tentar entender as causas que se passa por trás <strong>dos</strong><br />

problemas existentes. (grifo meu).<br />

O ato de interpretar implica a produção de acolher o novo, considerando o sentido<br />

que lhe foi dado pelo intérprete, dentro de uma concepção dialógica. Essa adição<br />

de sentido decorre da consciência da história efeitual do intérprete, ou seja, a<br />

disposição para compreender, para colocar-se no lugar do outro. É por isso que<br />

uma consciência formada hermeneuticamente solicita abertura, mostrando-se<br />

receptiva, desde o princípio, para a alteridade de sua visão de mundo como texto.<br />

Essa abertura não pressupõe neutralidade e nem auto-anulação, já que o ponto<br />

de partida é sempre a pré-compreensão ou nossas construções anteriores.<br />

Ana Roberta: Em uma das minhas aulas de matemática levei<br />

para eles varias situações problemas, e pedi que eles<br />

respondessem, mas antes fui ao quadro resolver alguns<br />

problemas para que os mesmos soubessem como realizar a<br />

atividade, como nunca fui boa de matemática, mas me achava a<br />

dona da sala e acreditava que por ser professora sabia tudo e os<br />

alunos não iriam me questionar, me dei mal, escrevi um problema<br />

no quadro, cuja divisão seria dividir sessenta sacos de café por<br />

três alunos, Erisvaldo levantou e disse: ‗Pró divide os sessenta<br />

sacos por to<strong>dos</strong> nós‘. Nesse momento gelei, a turma tinha<br />

dezesseis alunos e eu era péssima em matemática, mas a<br />

estagiária da sala entendia bem a matéria e sabia que eu não era<br />

como ela, pegou o giz e respondeu a questão para mim. A partir<br />

desse dia foi que percebi que o professor tem que estar<br />

preparado para os questionamentos <strong>dos</strong> alunos. (grifo meu).<br />

O fenômeno hermenêutico fenomenológico da compreensão a partir de seu<br />

fundamento mais determinante, a finitude da experiência histórica, só se faz<br />

possível sob os rastros da linguagem que é a forma de interagir com o mundo,<br />

como é o caso do relato de ―Ana Roberta‖. Apenas a partir da linguagem e,<br />

consequentemente, por suas referências de mundo, comuns a to<strong>dos</strong> os entes,


pode-se realizar a mediação da experiência de finitude histórica do ser humano<br />

consigo mesmo e com o mundo, conforme o exemplo abaixo dado pela<br />

professora Jeanes:<br />

111<br />

Jeanes: Lembro que na 8ª no turno matutino, tinha um aluno<br />

chamado William, ele era portador de necessidades especiais, um<br />

aluno muito educado, carinhoso e inteligente. Apesar da escola<br />

possuir um aluno especial, não tinha recurso para atendê-lo e<br />

William não conseguia entender a escrita <strong>dos</strong> professores no<br />

quadro, na folha de ofício e isso vinha prejudicando ele. Como<br />

conhecia a família dele, tínhamos mais proximidade e ele relatava<br />

das grosserias com que alguns professores o tratavam, resolvi<br />

ficar atenta. Um dia entrei na sala que ele estudava para convidar<br />

os alunos para uma gincana estudantil, a turma estava fazendo<br />

uma avaliação, pedi licença ao professor e fiz o convite. Logo me<br />

chamou atenção, to<strong>dos</strong> os alunos estavam com uma folha<br />

avaliativa menos William, eu questionei porque, ele não estava<br />

com a folha e para o meu espanto o professor falou que não tinha<br />

necessidade, ele não iria entender nada mesmo e só tava<br />

passando tempo lá e se William conversasse ele colocaria para<br />

fora, para não atrapalhar os alunos. William estava em prantos,<br />

chorando muito. Sair da sala e fui até a diretoria, inconformada<br />

com a atitude, do professor. A diretora tomou a providência<br />

cabível naquele momento, depois disso descobrimos que alguns<br />

professores inventavam nota para o aluno, não deixavam<br />

participar das aulas, tratavam-no como doente e não como<br />

deficiente. O que me chamou atenção foi a falta de<br />

profissionalismo o preconceito existente, tanto pelo professor<br />

como pelos colegas que deixavam a situação repercutir. Após<br />

essa infeliz descoberta fizemos uma palestra envolvendo toda a<br />

escola sobre a: Inclusão Escolar, que tiveram bons resulta<strong>dos</strong>,<br />

pois surgiram vários outros problemas até então desconheci<strong>dos</strong>.<br />

No encontro com o outro, superamos a estreiteza de nosso saber corrente das<br />

coisas, pois se abrem novos horizontes para o desconhecido, como foi o caso da<br />

situação descrita pela professora ―Jeanes‖. A abertura da professora para a troca,<br />

o intercâmbio, a formação pela interlocução com o outro, que demonstra o sentido<br />

de alteridade no encontro com a tradição do aluno William, de modo semelhante<br />

acontece na experiência da Professora Ana Roberta, conforme ela relata abaixo:<br />

Ana Roberta: Nas Escolas onde lecionei fiz um trabalho produtivo<br />

sem ter dificuldades com alunos e sei que muitos alcançaram o<br />

objetivo que eu desejava alcançar, exceto um aluno de nome<br />

Marcos que fazia o 1º ano na Escola Municipal Constantina Vieira,<br />

enquanto os outros alunos ficavam senta<strong>dos</strong> fazendo atividades,<br />

ele ficava andando pela sala perturbando e batendo nos colegas


112<br />

atrapalhando a aula, quando eu o reclamava me respondia com<br />

palavrões e fazendo gestos obscenos me deixando sem ação,<br />

mas sempre soube colocar-me no lugar de professora, várias<br />

vezes foi preciso chamar a direção da Escola para resolver o<br />

problema o que também se tornava difícil, pois o aluno o tratava<br />

da mesma forma. Dizia que iria levar ma faca para eu e o diretor e<br />

que não gostava daquela Escola. Os pais eram chama<strong>dos</strong> até a<br />

unidade escolar mais não apareciam ficando só em nossas mãos.<br />

Tive que expulsá-lo da sala muitas para conseguir um bom<br />

resultado na aula conversei com ele algumas vezes, ou melhor,<br />

tentei, para entender as atitudes dele não tive explicação só soube<br />

que a criança apanhava bastante <strong>dos</strong> pais em casa. E assim fui<br />

levando até o final do ano letivo, o aluno rebelde, que muito me<br />

admirava por ser apenas uma criança de 05 anos.<br />

Assim, uma das experiências mais importantes na formação de professores é<br />

aquela que possibilita a relação com o mundo no sentido de troca com os outros,<br />

na busca pelo autoconhecimento, consciência da formação. Isso implica no<br />

conhecimento histórico com a valorização da tradição que vivemos, das<br />

linguagens que medeiam e intermedeiam essa relação, e da própria relação com<br />

a estética no sentido de experiência hermenêutica. Essa experiência pode<br />

enriquecer a tradição, confirmando-a, modificando-a, enfim, contribuindo para a<br />

descoberta de nossa própria identidade enquanto professores em processo de<br />

busca e compreensão de mundo.


7. UM INSTANTE CHAMADO CONCLUSÃO<br />

113<br />

Durante a nossa vida:<br />

Conhecemos pessoas que vem e que ficam,<br />

Outras que, vem e passam.<br />

Existem aquelas que,<br />

Vem, ficam e depois de algum tempo se vão.<br />

Mas existem aquelas que vem e se vão com uma<br />

enorme vontade de ficar...<br />

Charles Chaplin<br />

O que confere particularidade especial à relação entre a formação e a existência?<br />

No que a hermenêutica no pensamento de Gadamer contribui no tocante à<br />

formação existencial? As discussões desenroladas, neste trabalho, referentes à<br />

experiência da formação a partir da leitura das esferas da existência propostas<br />

por Gadamer (2007, 2008a, 2008b), permitiram-me perceber a profundidade e<br />

complexidade da formação, se considerado seu sentido hermenêutico<br />

fenomenológico como a arte de compreender/interpretar o mundo com mediações<br />

da linguagem e da tradição humana. Desta maneira, reconheço a formação no<br />

seu sentido existencial, compondo-se com o do risco, com o lançar-se no mundo<br />

desconhecido da aprendizagem, da complexidade, da multirreferencialidade,<br />

como um modo de ser, ou mesmo num movimento de vir a ser considerando as<br />

projeções de cada um a partir da interpretação, tendo a linguagem como<br />

elemento mediador.<br />

Neste estudo, propus um passeio epistêmico e ontológico sobre a formação em<br />

sua complexidade. A primeira proposição foi pensar a formação no sentido da<br />

―existencialidade‖ humana, essa tentativa remete ao próprio acompanhamento do<br />

percurso da vida vivida com as tensões permanentes entre as limitações e<br />

possibilidades de cada sujeito de lançar-se. A priori, essa composição<br />

apresentada, pode parecer abrangente ou mesmo ramificada demais; mas, devo<br />

afirmar que estudar a formação no sentido hermenêutico, existencial, revela a<br />

natureza e abrangência <strong>dos</strong> processos formativos, já que, produzir conhecimento<br />

sobre a pessoa em formação significa trazer seu lugar, seu tempo e mo<strong>dos</strong> de


aprendizagens, revelando nuances que passam pela complexidade, pela<br />

multirreferencialidade, movi<strong>dos</strong> pela interpretação/compreensão de mundo.<br />

Este trabalho com formação do/no Programa de Formação de professores/Curso<br />

de Licenciatura em Pedagogia <strong>UFBA</strong>/Tapiramutá utilizou-se de fragmentos de<br />

memorial formativo, e histórias sobre formação, que marcaram a vida <strong>dos</strong><br />

professores cursistas e foram evocadas durante uma oficina formativa oferecida<br />

aos graduan<strong>dos</strong> do referido curso, cujo tema foi exatamente o título deste trabalho<br />

de mestrado. Nele faço a opção, declarada a todo instante, pelo exercício de<br />

interpretação/compreensão, conforme teoria discutida por Hans Georg Gadamer<br />

dialogando com outros autores que contribuíram com essa composição. A<br />

intenção da pesquisa foi buscar compreender como os professores-cursistas<br />

compreenderam seus processos formativos e como os conceitos da hermenêutica<br />

fenomenológica de Gadamer (2007; 2008a; 2008b) aparecem em seus registros.<br />

As narrativas me fizeram compreender a riqueza de referenciais que trazem os<br />

professores nas suas experiências sobre formação, realizadas e evidenciadas nas<br />

reflexões, nos questionamentos, na continuidade e/ou ruptura, nos projetos de<br />

vida etc. Esse trabalho, sobre formação de professores, a partir de fragmentos,<br />

revela o ser pensante, sensível, imaginante que se emociona, relatando sua<br />

subjetividade na singularidade e pluralidade com elementos da tradição, da forma<br />

de ser e apresentar-se ao mundo, como também, das linguagens utilizadas como<br />

fio condutor da compreensão humana.<br />

No decorrer do trabalho, tentei articular a ideia de formação com o que considero<br />

teia, numa tentativa de vivenciar a complexidade na produção deste trabalho. Os<br />

fios foram muitos, os quais fui puxando ao longo do estudo, e isso me fez<br />

perceber a ideia de construção no sentido singular e plural trazida por Josso<br />

(2004). Esta construção tem seu sentido plural, por minha condição existencial,<br />

humana, pertencente a uma sociedade e comunidade, uma relação com o mundo<br />

e o sentido singular, por ser uma composição que foi sendo engendrada, a partir<br />

das minhas compreensões/interpretações em meu ser no mundo.<br />

114


O exercício da interpretação/compreensão na dialógica, na complexidade, na<br />

multirreferencialidade, da existência (ontologia) são conceitos que se articulam na<br />

realização do fenômeno estudado, que foi a formação. Importa salientar que o<br />

professor tem matrizes diversas, como as questões culturais, morais, familiares,<br />

étnicas, ideológicas, religiosas, dentre tantas outras, e que essa unicidade na<br />

multiplicidade é resultante de um processo complexo de referências que se<br />

entrecruzam, determinando a formação. Desta forma, torna-se inviável estudar a<br />

formação, pelo sentido existencial, sem considerar a história do sujeito, suas<br />

tradições, as múltiplas referências que ele carrega na complexidade de sua<br />

existência.<br />

A compreensão/interpretação da realidade e a possibilidade de nela executar<br />

intervenções, considerando a tradição, o mundo dado a que pertence o professor<br />

me fez perceber a contextualização e valorização necessária às questões locais e<br />

singulares de cada sujeito. Esse valor da tradição que em nada tem a ver com as<br />

chamadas teorias pedagógicas ―tradicionais‖, havia se perdido na pedagogia,<br />

junto com a ideia de tradição. Tornou-se quase que uma ofensa valorizar o<br />

tradicional ou no caso a ―escola tradicional‖. Em minhas elaborações, na condição<br />

de pedagoga, tentei resgatar um pouco, através <strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong> de Gadamer, a ideia<br />

de que as nossas tradições podem estar inscritas em nosso ser no mundo como<br />

pré-compreensões, elementos importantes para a compreensão no sentido<br />

hermenêutico.<br />

Essa talvez tenha sido uma das contribuições desta pesquisa à minha própria<br />

formação, quando percebo que ―tradicional‖ não deve ser abolido e negado, ao<br />

contrário, a tradição, na perspectiva gadameriana, nada tem a ver com posturas<br />

rígidas e repetições como práticas de ensino. Tradição é existência, e existência é<br />

o sentido da vida, tomando, como Heidegger, o sentido de existência como<br />

Dasein (ser no mundo). A partir destas elaborações, percebo que só é possível<br />

compreender algo, o mundo ou a própria formação, a partir do que já foi<br />

compreendido (a pré-compreensão) e essa pré-compreensão está na história e<br />

115


tradição. E a hermenêutica fenomenológica de Gadamer (2007; 2008a; 2008b),<br />

nesse caso, resgata o valor da tradição histórica em busca da verdade.<br />

Essa experiência da tradição histórica, conforme apresenta o filósofo, ultrapassa<br />

fundamentalmente aquilo que nela é pesquisável, tomando não como ideia de<br />

verdade ou não-verdade, mas sim, como mediadora constante da verdade que<br />

importa naquele instante (STEIN, 2002). A partir disso, essa compreensão torna-<br />

se um acontecer da verdade, na qual já estamos desde sempre, por conta da<br />

nossa condição humana, mergulha<strong>dos</strong> na tradição. Assim, Gadamer vê a<br />

possibilidade de fenomenologicamente compreender esse acontecer da formação<br />

em três esferas da tradição: o acontecer na obra de arte, o acontecer na história e<br />

o acontecer na linguagem. O que tentei fazer foi exatamente discutir essas três<br />

esferas na formação do professor, mas na medida em que os fios da minha<br />

própria compreensão foram sendo puxa<strong>dos</strong> como teia e compreensão de mundo.<br />

Durante o percurso de minha própria formação houve mediação entre os<br />

conhecimentos de mim mesma, na existencialidade, <strong>dos</strong> vários registros,<br />

representações que foram resgata<strong>dos</strong> da memória, da tradição, do julgamento<br />

que faço sobre formação de professores, sendo articulado com as descobertas<br />

realizadas neste período. Posso dizer deste modo, que a existencialidade,<br />

presente nesta composição, tem textura própria por tratar-se de compreensão<br />

singular construída na pluralidade das relações que fui estabelecendo com<br />

colegas, situações e conhecimentos.<br />

A formação de professores estudada, a partir deste olhar hermenêutico<br />

fenomenológico, busca valorizar essa singularidade, tomando como princípio a<br />

abertura de mundo para que novos horizontes venham contribuir de forma<br />

dialógica com os estu<strong>dos</strong> sobre formação. Nos registros <strong>dos</strong> professores-cursistas<br />

do projeto de Tapiramutá, houve essa evocação do tempo, da poesia do cordel,<br />

da ―casa de palha‖, das quadrilhas, da história do lugar e do povo. O tempo e o<br />

lugar como elementos constituintes da formação de professores.<br />

116


Surpreendeu-me o fato de na compreensão de si mesmo, o professor buscar<br />

formas ornamentadas para revelar suas experiências. Nas narrativas, aparecerem<br />

nuances da formação, matrizes e um número significativo de evidências de que<br />

estudar a formação na existência é um campo que se abre enquanto<br />

epistemologia da formação com estu<strong>dos</strong> mais condizentes com o sentido e o ato<br />

de formar-se.<br />

Apoiada nos fragmentos das narrativas <strong>dos</strong> professores de Tapiramutá entendi<br />

que ser professor é ser gente, e desta forma, faz-se necessário construir novos<br />

caminhos e estu<strong>dos</strong> sobre formação de professores, no sentido de considerar a<br />

história de vida, memória e compreensão de mundo a partir de condições dadas:<br />

concretas e históricas são capazes de fazer elaborações que ressoarão em sua<br />

formação.<br />

Neste entorno, teorizar sobre a formação de professores é, antes de tudo,<br />

vivenciá-la, experimentando a vida na busca por constituir-se professor. A partir<br />

de suas experiências de mundo, o professor encontra-se atrelado às dimensões<br />

históricas, estética e da linguagem como compreensão. As referências que<br />

surgiram das narrativas <strong>dos</strong> professores aqui apresenta<strong>dos</strong> servem para perceber<br />

a formação no sentido existencial e não como acúmulo de experiências ou de<br />

anos de docência, mas como articulações possíveis da experiência como<br />

compreensão de mundo em que os sujeitos recorrem às múltiplas referências<br />

construídas ao longo da vida permitindo-se ao diálogo e à instalação de novos<br />

horizontes e compreensões.<br />

Portanto, a formação de professores é o modo de Ser do professor, considerando<br />

a sua existencialidade de ser e estar-no-mundo-com-o-outro, de forma errante,<br />

interpretando/compreendendo esse mundo com suas tradições e relações. Falar<br />

de formação professores é considerar sua profundidade, singularidade do<br />

professor, coletividade e diálogo no sentido mais amplo da palavra formar-se. A<br />

formação docente influencia a forma de ser e, ao mesmo tempo, é tomada como<br />

caminho de busca, realização e projeção pessoal do professor.<br />

117


Ao narrar seu processo formativo, o professor enfatiza problemas estruturais e as<br />

dificuldades que interferem no processo, como também diretamente na sua<br />

atuação como docente. Mas ao que parece, há uma compreensão geral da<br />

profissão, enquanto ação complexa, que exige resistência, tolerância e mesmo o<br />

uso de referências que o ajudem a compreender diferentes realidades. Assim, a<br />

formação de professores passa pelo exercício da descoberta, da abertura e<br />

compreensão de processos e acontecimentos no interior de condições históricas<br />

vivenciadas pelo professor. Numa proposição hermenêutica fenomenológica,<br />

seguramente não existe compreensão e nem formação livre de pré-compreensão,<br />

já que ―aquele que compreende já está sempre incluído num acontecimento, em<br />

virtude do qual aquilo que possui sentido acaba se impondo‖ (GADAMER, 2008a,<br />

p. 494).<br />

O olhar presente, da experiência vivida com uso das palavras, é variado,<br />

multirreferencial e complexo. No entanto, a experiência de ser professor remete<br />

àquilo que foi aprendido, experimentado que em algum momento, foi vivido pelo<br />

sujeito. A experiência é a ―referência ao mundo vivido, ao momento existencial da<br />

pessoa, incluindo-se aí todas as vivências que compõem tal momento‖. Algumas<br />

dessas experiências são conscientes e outras não, mas certamente fazem e<br />

influenciam o seu estar-no-mundo em determinado momento. (DUTRA, 2002, p.<br />

372)<br />

A importância do uso de fragmentos de narrativas evoca a riqueza do exercício de<br />

(auto) crítica e (auto) conhecimento do escritor(a), a partir <strong>dos</strong> registros pessoais.<br />

O professor é levado e leva seus pensamentos para traduzir, com o recurso da<br />

linguagem, o processo formativo como existência, ou seja, a experiência. A<br />

linguagem utilizada é tradutora do vivido na roça, na rua da palha, no adobe, nas<br />

charretes e em tantas outras experiências vividas. Todas elas são complexidades,<br />

formas de organização da experiência viva e ramificada.<br />

118


As experiências destes professores, conforme foram apresentadas nos<br />

fragmentos, configuram-se como experiências formativas passíveis de relatos e,<br />

neste exercício, houve uma busca, revirando a memória, para dar o tom das<br />

narrativas e seu teor experiencial formativo e existencial. Com os estu<strong>dos</strong><br />

realiza<strong>dos</strong> percebi, por fim, o quanto a formação de professores em exercício<br />

constituí-se na coletividade como elemento básico, dialógico que proporciona a<br />

troca de experiência, e, assim, a formação do professor.<br />

119


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