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“Oração à Igualdade”. Revista Metrópole - Tiago Duque

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REVISTA METROPOLE<br />

CORREIO POPULAR, Campinas, 7/2/2010, p. 28-31<br />

Oração <strong>à</strong> igualdade<br />

Em Campinas: com um discurso de inclusão, igreja fundada nos Estados Unidos<br />

é abertamente dedicada <strong>à</strong> população de gays, lésbicas, bissexuais e<br />

transexuais<br />

Eduardo Gregori<br />

gregori@rac.com.br<br />

O trânsito e o vaivém nas calçadas da Rua General Osório parecem não<br />

incomodar a quem busca Cristo. Um Cristo que acolha incondicionalmente.<br />

Nesse endereço, na agitação do centro da cidade, a Igreja Amor Incondicional<br />

abriu as portas. “Respeitamos a diversidade humana. Não julgamos nem<br />

condenamos ninguém”, resume o pastor Arthur Pierre (foto), ao definir a<br />

proposta evangélica inclusiva da igreja.<br />

A Igreja Amor Incondicional, de origem norte-americana, está no Brasil há 38<br />

anos, quando foi fundada no Rio de Janeiro. Em julho do ano passado, Pierre,<br />

teólogo paulistano, formado pela Universidade Americana de Estudos Bíblicos,<br />

iniciou os trabalhos da igreja em Campinas. Hoje, 150 fiéis frequentam os<br />

cultos. Aos 29 anos, cabelos pintados de vermelho e um ar de menino, o<br />

pastor é responsável por consolidar a doutrina na cidade e ainda expandi-la<br />

pelo interior paulista. “Além do prédio no Centro, temos um trabalho no<br />

Jardim Ieda e em Itatiba”, diz.<br />

Com um discurso de inclusão que contempla as distintas orientações sexuais,<br />

a Igreja Amor Incondicional tem arrebanhado fiéis na comunidade de gays,<br />

lésbicas, bissexuais e transexuais (GLBT). “Muitas igrejas erram por condenar<br />

a homossexualidade. Esquecem-se de que Cristo nos ama como somos”,<br />

afirma Pierre. Abertamente dedicada <strong>à</strong> população GLBT, a igreja atrai<br />

também heterossexuais. São pais que buscam respostas para a<br />

homossexualidade dos filhos, pastores de outras congregações interessados<br />

em estudar a doutrina e fiéis que não se adequaram a outras igrejas. “Todos<br />

são bem-vindos”, ressalta o pastor.<br />

Para o teólogo <strong>Tiago</strong> <strong>Duque</strong>, o surgimento de novas igrejas é resultado da<br />

falta de modernização das instituições tradicionais. O processo, enfatiza,<br />

descarta a realidade em que a sociedade vive atualmente, e que acaba por<br />

excluir quem não se molda <strong>à</strong> moral defendida pela religião. “A busca por<br />

novas religiões prova que o discurso cristão ainda não é vivenciado<br />

plenamente por quem se diz cristão. Cristo não discrimina mas as religiões,<br />

sim”, avalia.<br />

A operadora de telemarketing Lolly Kirsh deixou o catolicismo depois de não<br />

se sentir mais confortável na paróquia que frequentava. Foi catequista por<br />

seis anos, mas sentiu-se discriminada quando resolveu assumir sua<br />

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transexualidade. “Sempre fiz parte da Igreja e, como homem, era querido por<br />

todos. Quando me aceitei como transexual e fui mudando minha imagem,<br />

senti que as pessoas não gostaram.”<br />

A vocação religiosa frustrada e a rejeição dos paroquianos levaram Lolly a<br />

buscar a Ordem Franciscana, onde passou um ano como seminarista. “Tentei,<br />

mas não consegui sufocar minha transexualidade. Saí e me senti perdida e<br />

culpada.”<br />

Mea culpa<br />

Para o pastor Arthur Pierre, a aceitação da própria orientação sexual, a<br />

relação com a família, a sociedade e com as religiões podem estimular ainda<br />

mais a sensação de viver em pecado entre os GLBTs. “As pessoas chegam aqui<br />

deprimidas porque tiveram que esconder a orientação sexual em todos os<br />

lugares, inclusive na Igreja”, observa.<br />

O alívio da culpa chegou <strong>à</strong> transexual Lolly Kirsh por meio da internet. “Uma<br />

pastora conversou comigo sobre a igreja inclusiva e me disse que em<br />

Campinas havia uma. Participei de um culto, gostei e fiquei.” Diz que hoje<br />

tem uma vida plena por ter encontrado uma religião na qual Cristo não<br />

condena sua orientação sexual e também porque pode ser quem realmente é<br />

dentro da igreja. “Hoje me sinto bem na minha igreja.”<br />

O entendimento do que é pecado até pode ser diferente na Igreja Amor<br />

Incondicional, mas não significa que não exista. Alguns valores morais<br />

estabelecidos pela sociedade norteiam a doutrina inclusiva. “A<br />

promiscuidade, por exemplo, é pecado. Nosso corpo é o templo de Deus”, diz<br />

Lolly. Ainda de acordo com a operadora de telemarketing, na igreja inclusiva,<br />

o pecado é tratado de forma diferente. Não há penitências e condenação. “O<br />

pastor orienta e jamais repreende.”<br />

O teólogo <strong>Tiago</strong> <strong>Duque</strong> critica a posição da igreja por admitir o discurso moral<br />

difundido pelo cristianismo. Segundo ele, ao seguir tais valores, a Igreja Amor<br />

Incondicional não é inteiramente inclusiva. “Ninguém tem o poder de julgar<br />

como pecador alguém que vive sua sexualidade de maneira livre”, afirma.<br />

“Apesar de esta nova igreja ter um papel importante, vejo realidades novas e<br />

estruturas velhas”, afirma.<br />

Teologia inclusiva<br />

A Teologia Inclusiva surgiu em 1968 com o reverendo norte-americano, Troy<br />

Perry, fundador da Comunidade Metropolitana, primeira Igreja direcionada <strong>à</strong><br />

pregação do evangelho para a população GLBT. A Inclusão Cristã prega a<br />

releitura contextualizada da Bíblia, rejeita o fundamentalismo cristão,<br />

afirmando que o livro sagrado, de forma alguma, reprova ou condena a<br />

afetividade homoerótica.<br />

2


Preconceito mata<br />

Os princípios básicos que norteiam a primeira Igreja Evangélica Inclusiva do<br />

Brasil estão de acordo com as palavras e as ações de Jesus Cristo. Todo amor<br />

deve ser incondicional. É uma realidade a afirmação de que “Deus não faz<br />

acepção de pessoas” (Atos 10.34). O preconceito deve realmente ser banido<br />

do nosso meio. Trata-se de um comportamento equivocado que pode inclusive<br />

matar. O preconceito quando é agressivo mata. Mata mais do que balas e<br />

tiros, porque fere a alma. As pessoas humanas devem ser acolhidas com amor<br />

e carinho. Devem ser sempre incluídas sem nenhum tipo de julgamento. A<br />

tarefa de padres e pastores é ajudar a comunidade a reeducar o seu olhar.<br />

Olhar com o coração de Deus. Penso que nenhuma igreja deveria excluir<br />

pessoas por nenhuma razão. O convite ao amor de Deus e a vocação a<br />

santidade deve ser para todos. Somos chamados a uma vida digna em Cristo<br />

Jesus. Agora, atenção: inclusão não pode implicar tolerância com o erro,<br />

relativismo e/ou relaxamento moral. A palavra de Deus é para todos. O apelo<br />

<strong>à</strong> mudança de vida, <strong>à</strong> conversão pessoal e social deve nortear nossos<br />

comportamentos e ações morais. As pessoas precisam ter o exato<br />

discernimento para a realização de ações que sejam efetivamente<br />

evangélicas. Devemos transformar nossas igrejas em verdadeiros templos cuja<br />

educação de base implique o conhecimento da palavra e a transformação de<br />

vidas.<br />

(José Antônio Trasferetti, doutor em Teologia e Filosofia, é diretor da<br />

Faculdade de Filosofia da PUC-Campinas)<br />

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