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Na última década, houve espaços florestais que arderam seis vezes

Especialistas criticam falta de investimento na prevenção dos fogos e na gestão florestal, um dado que contrasta com a aposta no combate. Gabinetes Técnicos Florestais funcionam de forma isolada, dizem.

Especialistas criticam falta de investimento na prevenção dos fogos e na gestão florestal, um dado que contrasta com a aposta no combate. Gabinetes Técnicos Florestais funcionam de forma isolada, dizem.

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<strong>Na</strong> <strong>última</strong> <strong>década</strong>, <strong>houve</strong> <strong>espaços</strong> <strong>florestais</strong> <strong>que</strong><br />

<strong>arderam</strong> <strong>seis</strong> <strong>vezes</strong><br />

MARIANA OLIVEIRA (HTTP://WWW.PUBLICO.PT/AUTOR/MARIANA-OLIVEIRA) 18/08/2013 - 00:00<br />

(http://imagens5.publico.pt/imagens.aspx/792005?tp=UH&db=IMAGENS)<br />

Incêndio <strong>que</strong> em Agosto do ano passado devastou a zona de Fuigreiró dos Vinhos em fase de rescaldoLegenda Em delit<br />

am, conullum zzril illa aut alis nit adigna corting MANUEL ROBERTO<br />

Especialistas criticam falta de investimento na prevenção dos fogos e na<br />

gestão florestal, um dado <strong>que</strong> contrasta com a aposta no combate.<br />

Gabinetes Técnicos Florestais funcionam de forma isolada, dizem<br />

Há <strong>espaços</strong> <strong>florestais</strong> <strong>que</strong> já <strong>arderam</strong> <strong>seis</strong> <strong>vezes</strong> na <strong>última</strong> <strong>década</strong>. Isso<br />

mesmo mostra um mapa do Instituto de Conservação da <strong>Na</strong>tureza e das<br />

Florestas (ICNF), pedido pelo PÚBLICO, com o acumulado das áreas<br />

ardidas entre 2003 e 2013.<br />

A figura revela um continente pintalgado pelas manchas dos fogos do Norte<br />

ao Sul do país, com a Região Centro a destacar-se por ter as áreas ardidas<br />

contínuas mais significativas (Castelo Branco, Portalegre, Santarém e<br />

Coimbra). Mas, nestas, em geral, ardeu apenas uma vez na <strong>última</strong> <strong>década</strong>.<br />

É nos distritos de Braga, Porto, Viseu e Guarda <strong>que</strong> salta à vista o maior<br />

número de pontos pretos, identificados como os <strong>que</strong> <strong>arderam</strong> entre três e<br />

<strong>seis</strong> <strong>vezes</strong> nos últimos dez anos. São ainda visíveis alguns destes pontos na<br />

parte sul dos distritos de Bragança e de Vila Real e na parte oeste de<br />

Valença.<br />

Emanuel Oliveira, responsável pelo Gabinete Técnico Florestal (GTF) de<br />

Vila Nova de Cerveira e comandante operacional municipal, lembra <strong>que</strong><br />

muitos incêndios são cíclicos e até repetem o seu desenho. Por isso,<br />

sublinha a importância de trazer a ciência para o combate e de pôr os<br />

combatentes a trabalhar na floresta o ano todo. "Temos <strong>que</strong> antecipar o<br />

<strong>que</strong> vai acontecer. Por isso é importante ter <strong>que</strong>m analise o<br />

comportamento do fogo", sustenta. E completa: "Conheçam-se os ventos<br />

locais e a forma como cada combustível reage ao fogo. Não é o mesmo<br />

combater num eucaliptal ou em mato".


O gabinete <strong>que</strong> Emanuel dirige é uma das estruturas criadas nas câmaras<br />

na sequência do ano mais trágico de sempre dos incêndios <strong>florestais</strong>, 2003,<br />

em <strong>que</strong> os fogos tiraram a vida a mais de 20 pessoas e deixaram um rasto<br />

negro de 425 mil hectares. Um drama <strong>que</strong> se repetiu em 2005, com a<br />

destruição de 338 mil hectares. A sucessão de tragédias obrigou os<br />

governantes a reagir. Foi criado o Fundo Florestal Permanente (FFP), com<br />

uma taxa sobre os combustíveis para financiar a prevenção dos fogos, um<br />

tema <strong>que</strong> deu direito à criação de uma agência, extinta uns anos mais<br />

tarde. Os serviços <strong>florestais</strong> foram autonomizados das direcções regionais<br />

de Agricultura e criaram-se as equipas de sapadores <strong>florestais</strong> <strong>que</strong><br />

trabalham o ano inteiro na floresta, a fazer limpezas e vigilância.<br />

No combate, recorda o antigo segundo-comandante nacional José Codeço,<br />

introduziu-se a filosofia do comando único e criou-se a Força Especial de<br />

Bombeiros e o Grupo de Intervenção Protecção e Socorro da GNR, ambos<br />

numa lógica de profissionalização do combate. Os meios aéreos passaram a<br />

estar vocacionados para a primeira intervenção, tendo-se criado equipas<br />

helitransportadas para acorrer aos focos nascentes e reforçado a formação<br />

das equipas de comando. "Evoluiu-se muito ao nível da organização do<br />

teatro de operações, na definição de responsabilidades e na divisão de<br />

tarefas", sublinha.<br />

Luciano Lourenço, o professor universitário <strong>que</strong> dirigiu a extinta Agência<br />

para a Prevenção de Incêndios Florestais, concorda com as melhorias, mas<br />

sublinha <strong>que</strong> o "combate é um mau remedeio", já <strong>que</strong> não resolve o<br />

problema de fundo: o abandono da floresta. Por isso não compreende <strong>que</strong> o<br />

ano passado a Autoridade <strong>Na</strong>cional de Protecção Civil tenha gasto no<br />

dispositivo de combate 75 milhões de euros e à prevenção estrutural<br />

tenham ficado reservados apenas 18 milhões.<br />

Essa falta de investimento, acredita, justifica <strong>que</strong> o fogo passe<br />

repetidamente pelas mesmas zonas. "Até é possível o mesmo espaço arder<br />

duas <strong>vezes</strong> no mesmo ano. Recordo-me de uma área na serra do Açor <strong>que</strong><br />

ardeu <strong>seis</strong> <strong>vezes</strong> numa <strong>década</strong>. Isto só é possível por<strong>que</strong> não se faz<br />

prevenção", acredita Luciano Lourenço.<br />

Emanuel Oliveira lamenta <strong>que</strong> muitas infra-estruturas de defesa da<br />

floresta contra incêndios estejam decrépitas. Fala de pontos de água, de<br />

corta-fogos e de faixas de contenção. "Planificamos muito, mas<br />

concretizamos pouco", diz. Luciano Lourenço lembra <strong>que</strong> os planos<br />

municipais de defesa da florestas contra incêndios prevêem grandes faixas<br />

sem combustível junto de aglomerados e populações, mas estas são raras.<br />

"Isso faz com <strong>que</strong> os bombeiros continuem hipotecados a proteger as casas,<br />

deixando a floresta para segundo plano", lamenta o docente da<br />

Universidade de Coimbra.<br />

O ICNF responde com números: desde 2010, foram geridos mais de 67 mil<br />

hectares de espaço florestal, beneficiados cerca de 1.480 pontos de água e<br />

melhorados cerca de 22.615 quilómetros de rede viária. Mas uma análise<br />

anual permite perceber uma <strong>que</strong>bra significativa de algumas medidas. Se o<br />

ano passado foi feita gestão de combustível em 21 mil hectares, este ano,<br />

até agora, ficou-se por pouco mais de 4500. Outro exemplo: a média, em<br />

2007-2012, de manutenção de caminhos <strong>florestais</strong> ronda os oito mil<br />

quilómetros por ano, mas até Agosto de 2013 ainda não se atingiu os dois<br />

mil quilómetros intervencionados.<br />

João Soares, ex-secretário de Estado das Florestas, insiste <strong>que</strong> não<br />

precisamos de mais meios de combate. "Precisamos de apoiar os<br />

produtores <strong>florestais</strong>, para <strong>que</strong> possam gerir as suas propriedades e


COMENTÁRIOS<br />

Paulo Bessa<br />

O seu comentário...<br />

Caracteres restantes: 800<br />

diminuir o risco de incêndio", advoga. Concorda <strong>que</strong> as principais linhas de<br />

contenção estão por fazer, mas não vê nos serviços <strong>florestais</strong> capacidade<br />

para isso. "Os serviços <strong>florestais</strong> morreram há muito tempo.<br />

Transformaram-se em gestores de papéis. Esvaziados de pessoas e<br />

progressivamente dos meios no terreno", resume.<br />

Oliveira das Neves, coordenador dos relatórios de monitorização do Plano<br />

<strong>Na</strong>cional de Defesa da Floresta contra Incêndios, reconhece <strong>que</strong> o<br />

orçamento "condiciona a intervenção da administração central e dos<br />

municípios" e considera o FFP com um "desempenho errático". Não<br />

admira, por isso, <strong>que</strong> nos GTF o panorama geral também não seja<br />

animador. Luciano Lourenço considera <strong>que</strong> muitas destas estruturas estão<br />

divorciadas dos objectivos da política florestal nacional: "Os GTF trabalham<br />

de forma isolada e não há uma política para os interligar", diz. Critica ainda<br />

a forma como são financiados: "Uma coisa é financiar em função do<br />

cumprimento de objectivos, outra é financiar em função da existência. Isso<br />

faz com <strong>que</strong> cada um faça o <strong>que</strong> entende". João Soares fala de assimetrias<br />

muito grandes no funcionamento destes gabinetes. "Muitas câmaras<br />

transformaram-nos em fontes de rendimento, através da cobrança de<br />

fortunas pelo licenciamento de projectos de florestação e reflorestação", diz.<br />

Mas nem tudo são más notícias. Há gabinetes <strong>que</strong> se destacam pela<br />

positiva, como os do Alto Minho, <strong>que</strong>, na opinião de muitos, fazem um<br />

trabalho exemplar. Emanuel Oliveira explica <strong>que</strong> na região os gabinetes<br />

funcionam de forma articulada e com objectivos comuns e <strong>que</strong> o seu GTF<br />

está sediado dentro do quartel de bombeiros, a <strong>que</strong>m dá formação. Ao<br />

lembrar <strong>que</strong> a floresta não tem fronteiras, Emanuel Oliveira exemplifica<br />

algumas das acções conjuntas: "Os técnicos dos vários municípios e as<br />

equipas de sapadores juntam-se para fazer fogo controlado nos diferentes<br />

concelhos". Mesmo assim, não deixa de mostrar cepticismo: "Face à<br />

ausência de gestão florestal, os esforços <strong>que</strong> fazemos limitam-se a regar à<br />

volta de um barril de pólvora".<br />

Oliveira das Neves alerta para o facto de ainda não termos conseguido<br />

reduzir de forma significativa o número de ignições. "As intervenções de<br />

sensibilização/informação junto da população têm ocorrido de uma forma<br />

errática e descontinuada, sem o suporte de uma estratégia específica de<br />

longo prazo", afirma o economista.<br />

Todos concordam <strong>que</strong> falar em prevenção implica falar de gestão florestal.<br />

"Temos de valorizar a floresta e criar nela postos de trabalho. Assim a vida<br />

dessas pessoas e das suas famílias vai depender do bem-estar da floresta",<br />

acredita Emanuel Oliveira. E remata: "As pessoas nunca protegem uma<br />

coisa <strong>que</strong> não valorizam".<br />

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