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Edição 857<br />
Página 9<br />
Internacionais<br />
Mentira em dose dupla<br />
• Dois casos <strong>de</strong> “jornalismo enganoso”<br />
repercutiram internacionalmente<br />
na semana. Um referia-se<br />
ao escritor americano Jonah<br />
Lherer, que pediu <strong>de</strong>missão da<br />
revista The New Yorker após ser<br />
<strong>de</strong>smascarado pelo jornalista Michael<br />
Moynihan, colaborador da<br />
revista Tablet. Fã <strong>de</strong> Bob Dylan,<br />
Moyniham <strong>de</strong>tectou aspas fictícias,<br />
atribuídas ao cantor, no novo<br />
livro <strong>de</strong> Lherer, Imagine: How creativity<br />
works, que vinha aparecendo<br />
entre os mais vendidos da lista do<br />
jornal The New York Times. Confrontado,<br />
Lherer admitiu a farsa,<br />
pediu <strong>de</strong>sculpas publicamente e<br />
pediu <strong>de</strong>missão na 2ª.feira (30/7).<br />
A editora <strong>de</strong> seu livro, Houghton<br />
Mifflin Harcourt, mandou recolher<br />
a obra tão logo soube da mentira.<br />
• Mais audacioso foi o jornal<br />
Kronen Zeitung, maior diário<br />
austríaco, que estampou uma<br />
foto manipulada da guerra civil na<br />
Síria (ao lado) em sua edição <strong>de</strong><br />
sábado (28/7). A notícia versava<br />
sobre a fuga <strong>de</strong> moradores da<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aleppo e a imagem<br />
mostrava um homem <strong>com</strong> um<br />
bebê num dos braços, seguido<br />
pela mulher, atravessando uma<br />
região arrasada da cida<strong>de</strong>, <strong>com</strong>o<br />
atestavam os <strong>de</strong>stroços ao fundo.<br />
Leitores i<strong>de</strong>ntificaram, porém,<br />
que o cenário era <strong>de</strong> uma imagem<br />
da Reuters e os personagens, <strong>de</strong><br />
outra foto, da agência EPA, cujo<br />
fundo não eram ruínas, mas uma<br />
pare<strong>de</strong> <strong>com</strong> escritos em árabe. A<br />
montagem chegou ao Gizmodo,<br />
que repercutiu internacionalmente<br />
(veja em http://bit.ly/giz3107).<br />
O Conselho <strong>de</strong> Jornalismo Austríaco<br />
con<strong>de</strong>nou a fotomontagem<br />
e encaminhou uma <strong>de</strong>núncia ao<br />
Senado, que <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>cidir em setembro<br />
se vai recebê-la e aplicar<br />
alguma sanção. O editor-chefe<br />
do jornal, Christopher Dichand,<br />
pediu <strong>de</strong>sculpas em editorial da<br />
edição <strong>de</strong>sta 3ª.feira (31/7). Ele<br />
explicou que a montagem parecia<br />
explícita para a equipe, mas<br />
<strong>de</strong>veriam ter informado sobre o<br />
truque na página dois.<br />
• Em crônica veiculada no Jornal<br />
Hoje <strong>de</strong> 28/7, Giuliana Morrone<br />
<strong>de</strong>spediu-se do trabalho <strong>de</strong><br />
correspon<strong>de</strong>nte da TV Globo em<br />
Nova York <strong>com</strong> um passeio pela<br />
cida<strong>de</strong>, num típico dia <strong>de</strong> verão<br />
americano. A mudança, anunciada<br />
pela emissora em <strong>de</strong>zembro<br />
<strong>de</strong> 2011 (ver J&<strong>Cia</strong> 826), leva para<br />
o lugar <strong>de</strong>la Júlio Mosquéra, que<br />
vinha atuando <strong>com</strong>o repórter em<br />
Brasília. Júlio se junta aos outros<br />
correspon<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> NY: Hélter<br />
Duarte, Rodrigo Bocardi, Jorge<br />
Pontual e Elaine Bast. Ainda nos<br />
Estados Unidos, a emissora tem<br />
Luiz Fernando Silva Pinto em<br />
Washington.<br />
• O ex-<strong>de</strong>putado português<br />
Agostinho Branquinho <strong>de</strong>ixa a<br />
Ongoing Brasil, afirma o jornal<br />
Diário <strong>de</strong> Notícias, <strong>de</strong> Portugal.<br />
Nos últimos dois anos, Branquinho<br />
morou no Rio e exerceu a<br />
função <strong>de</strong> administrador da Ejesa<br />
– editora dos jornais Brasil Econômico,<br />
O Dia, Meia Hora e Marca<br />
– <strong>com</strong>o representante do sócio<br />
minoritário Ongoing, que <strong>de</strong>tém<br />
30% do capital da <strong>empresa</strong>. Ele<br />
é consi<strong>de</strong>rado no mercado <strong>com</strong>o<br />
peça importante na negociação<br />
<strong>de</strong> <strong>com</strong>pra do iG em abril passado<br />
(ver J&<strong>Cia</strong> 842). Estima-se<br />
que sua volta a Portugal seja a<br />
primeira <strong>de</strong> outras mudanças que<br />
po<strong>de</strong>m ocorrer na Ongoing Brasil.<br />
Memórias da redação<br />
Avante, paulistas!<br />
Era setembro <strong>de</strong> 1985 e fazia<br />
pouco mais <strong>de</strong> um ano que eu<br />
<strong>de</strong>ixara a redação do Estadão para<br />
ser correspon<strong>de</strong>nte do Grupo Estado<br />
em Boa Vista, capital do então<br />
Território Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Roraima.<br />
Ainda meio <strong>de</strong>slocado numa terra<br />
estranha, sentia falta dos meus<br />
amigos e das coisas próprias do<br />
interior paulista, on<strong>de</strong> nasci e me<br />
criei. Jogar truco era umas <strong>de</strong>las.<br />
Foi <strong>com</strong> esse estado <strong>de</strong> ânimo<br />
que liguei no único canal <strong>de</strong> televisão<br />
disponível naqueles tempos<br />
para ver o noticiário da terra. Logo<br />
<strong>de</strong> cara veio a entrevista <strong>com</strong> uma<br />
figura morena, até que bonitona,<br />
acaboclada, um tanto quanto<br />
rechonchuda, cabelos negros e<br />
lisos mostrando sua origem indígena.<br />
A <strong>de</strong>claração da moça na<br />
tevê local veio bater-me bem no<br />
baixo-ventre. A mim me pareceu<br />
Piracicaba. O local era estratégico,<br />
pois o restaurante ficava bem ao<br />
lado, pare<strong>de</strong>-meia <strong>com</strong> a casa da<br />
<strong>de</strong>tratora.<br />
De início, entre uma caipirinha<br />
e outra, parecíamos um bando<br />
<strong>de</strong> matutos discutindo o preço da<br />
égua. Todavia estávamos mesmo<br />
era à espera da fulana, que só chegou<br />
por volta das nove da noite. Assim<br />
que ouvimos o barulho da porta<br />
rangendo ao se abrir consi<strong>de</strong>ramos<br />
o momento propício para dar a largada<br />
ao nosso plano maquiavélico,<br />
embora a cachaça já <strong>de</strong>sse claros<br />
sinais <strong>de</strong> seus efeitos, refletidos<br />
nas vozes meio empasteladas <strong>de</strong><br />
nós quatro.<br />
Então, percebendo que po<strong>de</strong>ríamos<br />
per<strong>de</strong>r rapidamente o que<br />
ainda nos restava <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> e<br />
domínio da consciência, suspen<strong>de</strong>mos<br />
a próxima dose e <strong>com</strong>eçamos<br />
a nos preparar. Entretanto, ainda<br />
era cedo para os propósitos <strong>de</strong>finidos,<br />
o principal <strong>de</strong>les tomar <strong>com</strong>o<br />
• Plinio Vicente da Silva (plinio.vsilva@hotmail.<strong>com</strong>) volta a ocupar este espaço <strong>com</strong> outra <strong>de</strong> suas<br />
saborosas histórias.<br />
• A propósito, renovamos o convite aos amigos para que enviem colaborações, pois só temos mais duas<br />
no estoque.<br />
um pontapé sem en<strong>de</strong>reço, mas<br />
por estar na rota <strong>de</strong> colisão acabei<br />
vitimado. Como, aliás, <strong>de</strong>vem ter<br />
sido atingidos os 80% dos habitantes<br />
<strong>de</strong> Boa Vista, que formam até<br />
hoje uma espécie <strong>de</strong> “contingente<br />
estrangeiro” neste pequeno “país”<br />
tropical que o Brasil <strong>de</strong>sconhece.<br />
A coisa <strong>de</strong>u-se da seguinte maneira:<br />
a entrevistada se apresentou<br />
<strong>com</strong>o pintora da terra e a repórter<br />
perguntou-lhe se ainda incluía em<br />
seus trabalhos temas regionais<br />
<strong>com</strong> as características próprias<br />
da região do extremo norte. A<br />
senhora, que até tem entre seus<br />
trabalhos alguns que consi<strong>de</strong>ro<br />
interessantes, respon<strong>de</strong>u que sim,<br />
pois preocupava-se em preservar<br />
os valores tradicionais <strong>de</strong> Roraima,<br />
que, segundo ela, “estão sendo<br />
<strong>de</strong>struídos pelos aventureiros que<br />
para cá fugiram”.<br />
Foi então que gritei para mim<br />
mesmo:<br />
butim a paz da referida senhora.<br />
O tempo passou enquanto traçávamos<br />
o frango <strong>com</strong> polenta<br />
entre goles <strong>de</strong> cerveja. Ao final do<br />
repasto chegou então o momento<br />
<strong>de</strong> colocarmos em prática o que<br />
fora planejado. Quando saímos<br />
do banheiro, agora <strong>de</strong>vidamente<br />
uniformizados, percebendo que<br />
alguma caca estava a caminho o<br />
pessoal no restaurante parara tudo<br />
para ver em cena quatro guerreiros:<br />
eu <strong>com</strong> a camisa do Palmeiras;<br />
Renato vestindo o vermelho do<br />
Noroeste; Val<strong>de</strong>ir <strong>com</strong> uma impecável<br />
jaqueta 9 da Jalense e Adão<br />
exibindo orgulhoso a <strong>de</strong> n o . 7 do<br />
Parque da Moóca, que, segundo<br />
ele, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u <strong>com</strong>o um sofrível<br />
ponta direita em jogos do Desafio<br />
ao Galo da TV Record.<br />
Nos pusemos os quatro <strong>de</strong> olho<br />
na janela do quarto que dava para<br />
a rua. Assim que a rapariga apagou<br />
a luz logo acima <strong>de</strong> nós, no andar<br />
superior, Adão tirou da capanga<br />
– Paulistas, uni-vos e preparai-<br />
-vos! Essa gringa pisou no meu<br />
calo e em nome <strong>de</strong> São Paulo vou<br />
<strong>de</strong>clarar guerra à República Macuxi.<br />
Saí disposto para a primeira batalha<br />
e sem perda <strong>de</strong> tempo tratei<br />
<strong>de</strong> localizar três membros do nosso<br />
pequeno exército <strong>de</strong> caipiras. Tá<br />
certo que ele era menor do que o<br />
<strong>de</strong> Brancaleone, mas assim <strong>com</strong>o<br />
eu todos os meus <strong>com</strong>panheiros<br />
<strong>de</strong> “armas” haviam sido apanhados<br />
pelo cocô da pintora: Renato,<br />
<strong>de</strong> Bauru, dono <strong>de</strong> um posto <strong>de</strong><br />
gasolina (já falecido); Val<strong>de</strong>ir, <strong>de</strong><br />
Jales, gerente <strong>de</strong> uma agência<br />
bancária, hoje andando por não<br />
sei on<strong>de</strong>, e Adão, paulistano do<br />
Limão, executivo <strong>de</strong> uma <strong>empresa</strong><br />
<strong>de</strong> engenharia e construção, hoje<br />
empresário bem-sucedido por aqui.<br />
Fiz-lhes uma proposta, a <strong>de</strong><br />
buscar vingança <strong>com</strong> as melhores<br />
armas <strong>de</strong> que dispúnhamos. Todos<br />
toparam. Então discutimos o<br />
um Copag zero quilômetro. Com<br />
<strong>de</strong>dos <strong>de</strong> punguista <strong>de</strong>sembaralhou,<br />
limpou as cartas podres – o<br />
<strong>com</strong>binado foi <strong>de</strong> a gente jogar<br />
mania velha – e botou na mesa. O<br />
gesto veio automaticamente: os<br />
quatro cruzaram as mãos sobre<br />
o baralho tal <strong>com</strong>o mosqueteiros<br />
amazônicos.<br />
Com Renato <strong>de</strong> parceiro, eu fui<br />
contrapé na primeira mão, portanto<br />
era a minha vez <strong>de</strong> cortar. Cartas<br />
distribuídas, <strong>com</strong>eçou o jogo.<br />
Primeira vai, segunda vem e na<br />
terceira mão um grito <strong>de</strong> guerra<br />
ecoou forte no meio da longa noite<br />
<strong>de</strong> vingança:<br />
– Truuuuucoooooo!<br />
E assim a cena foi se repetindo<br />
outras vezes e mais outras tantas,<br />
rompendo o silêncio profundo<br />
que reinava até então na pacata<br />
e provinciana Boa Vista dos anos<br />
1980. Madrugada a <strong>de</strong>ntro a moça<br />
entregou os pontos. Vestindo um<br />
peignoir <strong>com</strong> estampas <strong>de</strong> rami-<br />
assunto e <strong>de</strong>finimos a estratégia,<br />
claramente dispostos ao revi<strong>de</strong>.<br />
Afinal, não éramos aventureiros,<br />
não estávamos aqui foragidos e<br />
fazíamos <strong>de</strong> tudo para ajudar a<br />
preservar as tradições locais, inclusive<br />
melhorando algumas coisas.<br />
Tarefa que cabia principalmente<br />
aos “estrangeiros” solteiros, que<br />
não era meu caso, preten<strong>de</strong>ntes<br />
caçados não apenas pelas moçoilas,<br />
mas principalmente pelos pais<br />
<strong>com</strong> filhas em ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> casar. Em<br />
todo caso, as alcovas que o digam,<br />
pois durante décadas muita gente<br />
tem recebido um bom banho <strong>de</strong><br />
civilização.<br />
Sexta-feira, noite <strong>de</strong> bandalha.<br />
En<strong>com</strong>endamos o frango <strong>com</strong><br />
polenta, reunimos nossas armas<br />
e lá fomos nós para o campo <strong>de</strong><br />
batalha. Entramos no Cosa Nostra<br />
falando um caipirês genuíno,<br />
<strong>com</strong> todos os erres do idioma<br />
muito bem falado pelo povo <strong>de</strong><br />
nhos, <strong>de</strong>sceu, encarou os quatro<br />
e <strong>de</strong>stemperou toda a sua ira. Ah!,<br />
mas era isso que a gente queria. E<br />
então ela levou, em uníssono, o troco<br />
dos mais barulhentos truqueiros<br />
que o Norte do Brasil já conheceu.<br />
Foi então que, ao ouvir <strong>de</strong> quatro<br />
“estrangeiros” cambaleantes uma<br />
eloquente exposição <strong>de</strong> motivos,<br />
percebeu a mancada que <strong>de</strong>ra na<br />
entrevista à moça da tevê. E não<br />
teve outra saída senão pedir <strong>de</strong>sculpas<br />
humil<strong>de</strong>mente. Obviamente<br />
aceitas <strong>de</strong> imediato, pois vimos<br />
que a presa estava abatida e não<br />
havia mais motivo para seguir <strong>com</strong><br />
a vingança.<br />
Honra refeita, alma lavada, satisfeitos<br />
e embriagados (em ambos<br />
os sentidos) pela vitória, levantamos<br />
acampamento. No caminho<br />
<strong>de</strong> volta bateu a alcoólica certeza:<br />
se a pintora tivesse resistido mais<br />
um pouco, teria amanhecido <strong>com</strong><br />
três paulistas e um paulistano <strong>de</strong>smaiado<br />
sob a sua janela...