Infraestruturas m entais - Fundação Heinrich Böll
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5 Trabalho e crescimento<br />
Há uma variedade de possíveis fatores, todos a princípio sem limites, geradores do<br />
“eu”, o trabalho, a produção e o uso de recursos, “a Revolução Industrial, o advento<br />
da máquina a vapor, a organização da divisão do trabalho, a pedagogia industrial,<br />
os modelos fisiológicos” (Vogl 2008, p. 336), a crescente individualização, a<br />
transferência de princípios biológicos e evolucionistas para a área da economia,<br />
bem como o modelo protestante do ascetismo intramundano e da prestação de<br />
contas interior. Entretanto, independente de quais fatores foram decisivos, temos<br />
um resultado surpreendente: a transformação de elementos substanciais em meros<br />
estados transitórios. Ou seja: cada processo produtivo é apenas o predecessor do<br />
próximo, cada produto antecede o próximo, cada ato de trabalho é apenas um ato<br />
provisório em uma cadeia infinita de repetições. Nenhum fim jamais é alcançado,<br />
mas o dinheiro pode ser infinitamente multiplicado e a produtividade pode ser<br />
infinitamente aumentada. Se antes trabalho era igual a esforço, molestia (lat.),<br />
agora enobreceu e virou opus, ação produtiva, sendo o principal conceito do<br />
século XIX, como escreve Joseph Vogl (p. 337): “Segundo esse novo entendimento, a<br />
única riqueza produtiva é aquela que excede as demandas de todos, e um trabalho<br />
produtivo é aquele que não termina com o atendimento a uma demanda” (p. 338).<br />
E é precisamente nessa conformação que o trabalho entra na formação da Teoria<br />
Econômica: enquanto atividade ilimitada e infinita, sem uma finalidade específica,<br />
delimitada, consubstanciada pelo produto, mas que serve à contínua geração<br />
de valor, ou seja, à produção permanente de “crescimento”. Marx designou esse<br />
processo como o desaparecimento do trabalho concreto no valor de troca. Como<br />
o trabalho se torna incessante, qualquer momento na vida, qualquer degrau na<br />
carreira, qualquer centavo na conta-corrente se torna apenas a etapa que precede<br />
o próximo capítulo, o próximo centavo. E na biografia, o “Eu” é apenas a etapa<br />
anterior de um “Eu” que precisa ir ainda mais longe.<br />
Essa forma de produção de bens e de geração de mais-valia cria uma permanente<br />
autotranscendência na economia e no nível individual. Ambos se baseiam na<br />
constante superação, interminabilidade, portanto, infinitude – ou seja, um<br />
crescimento sem intervalo. Uma economia estacionária seria o exato oposto disso.<br />
Por isso, é totalmente impensável, já que é imediatamente associada à paralisia<br />
no desenvolvimento de bem-estar e da personalidade. As reações que aparecem<br />
quando se sugere simplesmente parar de crescer dizem muita coisa sobre o papel<br />
que o crescimento passou a ter nos sistemas emocionais das pessoas.<br />
O crescimento que se supera incessantemente também tem sua correlação<br />
na vida individual. O princípio do infinito não domina apenas externamente,<br />
mas também dentro de nós. Hegel já caracterizara o trabalho como um deleite<br />
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<strong>Infraestruturas</strong> M<strong>entais</strong> Como o Crescimento se Instalou no Mundo e nas nas Nossas Almas