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Design, Tecnologia e Linguagem: Interfaces - Universidade ...

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DESIGN ARTE MODA E TECNOLOGIA<br />

Somente artigos da linha de pesquisa<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Tecnologia</strong> e <strong>Linguagem</strong>: <strong>Interfaces</strong><br />

Organização<br />

Gisela Belluzzo<br />

Jofre Silva


DAMT: <strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong><br />

Organização<br />

Gisela Belluzzo<br />

Jofre Silva<br />

Concepção Projetual e Produção Digital<br />

Magda Martins<br />

Jorge Paiva<br />

Leandro Fanelli<br />

Mayra Mártyres<br />

Promoção<br />

<strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

Pontifícia <strong>Universidade</strong> Católica do Rio de Janeiro<br />

<strong>Universidade</strong> Estadual Paulista -UNESP/Bauru<br />

D172<br />

DAMT: <strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong> / Organização Gisela Belluzzo e<br />

Jofre Silva. – São Paulo: Edições Rosari, 2010.<br />

Vários autores.<br />

ISBN 978-85-8050-006-6<br />

1. <strong>Design</strong>. 2. <strong>Design</strong> gráfico. 3. <strong>Design</strong> - <strong>Tecnologia</strong>.<br />

4. Arte e design. 5. <strong>Design</strong> e moda. I. Belluzzo, Gisela.<br />

II. Silva, Jofre. III. Título.<br />

CDD 741.6<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 2


Sumário<br />

Apresentação, 5<br />

Conselho Científico, 6<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Tecnologia</strong> e <strong>Linguagem</strong>: <strong>Interfaces</strong><br />

<strong>Design</strong> e naturalismo: Filosofia naturalista, biônica e ecodesign, 7<br />

Ângela Ribas Cleve Costa, Juliane Vargas Nunes, Márcia Melo Bortolato, Richard Perassi Luiz de Sousa<br />

Video game: análise ergonômica do jogador de Playstation,17<br />

Carolina Poll, Marcelo Almeida<br />

As tendências e o design: metodologia de projeto do mobiliário orientada para o futuro, 37<br />

Aline Teixeira de Souza, Marizilda Santos de Menezes<br />

A inovação através da relação da gestão de design com os princípios do <strong>Design</strong><br />

Thinking, 46<br />

Diego Daniel Casas, Eugenio Andrés Díaz Merino<br />

Diálogo entre design e emergência: O metadesign como estratégia projetual para problemas da alta<br />

complexidade na área de design, 55<br />

Rui Alão<br />

Um estudo sobre a linguagem da ilustração e o design gráfico, 67<br />

Jorge Paiva<br />

Analisando o MECOTipo, 87<br />

Leonardo A. Costa Buggy<br />

O reaproveitamento de ideias e materiais no design de joias: origem, intertextualidade e sustentabilidade,<br />

104<br />

Viviane Nogueira de Moraes<br />

O <strong>Design</strong> e a Publicidade dos Anúncios Kolynos na Revista O Cruzeiro entre os anos 1950 e 1960, 117<br />

Leandro Ferretti Fanelli<br />

Classificação e escolha de um sistema de impressão, 126<br />

Leonardo A. Costa Buggy, Lia Alcântara Rodrigues<br />

Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume, 149<br />

Maureen Schaefer França, Marilda Lopes Pinheiro Queluz<br />

As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design, 173<br />

Maria Carolina Medeiros, Mariano Lopes de Andrade Neto, Lívia Flávia de Albuquerque Campos, Paula da Cruz Landim<br />

Investigações metodológicas: aproximação entre design e tecnologia, 186<br />

Deborah Kemmer<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 3


<strong>Design</strong>, Arte e Moda: Inter-relações<br />

Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das Artes e do Cinema na Educação, 201<br />

Ana Mae Barbosa<br />

As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da<br />

Black Music, 221<br />

Rita Aparecida da Conceição Ribeiro<br />

Ilustração digital na moda, 244<br />

Gabriela Coutinho Pinheiro, Adriana Leiria Barreto Matos<br />

Moda e música: afinidade declarada, 262<br />

Renata Santiag Freire, Adriana Leiria Barreto Matos<br />

Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte, 277<br />

Maria Alice Vasconcelos Rocha<br />

Considerações éticas na pesquisa em design de moda, 290<br />

Luciane do Prado Carneiro, Danilo Corrêa Silva, Marizilda dos Santos Menezes, Luis Carlos Paschoarelli,<br />

José Carlos Plácido da Silva<br />

Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os<br />

designers de calçados, 308<br />

Mariana Rachel Roncoletta<br />

Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do<br />

século XX, 325<br />

Natalie Rodrigues Alves Ferreira, Cristiane Mesquita<br />

Inovação em design na história do underwear masculino, 339<br />

Taísa Vieira-Sena<br />

O terno: questões e reflexões, 358<br />

Luisa de Almeida Magalhães Simão, Cristiane Mesquita<br />

Profissão: designer de moda, 367<br />

Lívia Marsari Pereira, Maria Carolina Medeiros, Paula Hatadani, Raquel Rabelo Andrade, José Carlos Plácido da Silva<br />

<strong>Design</strong>ers: entre céticos e dogmáticos, 378<br />

Diego Daniel Casas, Ricardo Goulart Tredezini Straioto, Richard Perassi Luiz de Sousa<br />

Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas, 389<br />

Marina A. Giongo, Daiane P. Heinrich<br />

<strong>Design</strong> cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana, 398<br />

Ary Scapin Júnior<br />

O que faço com os meus diários de campo? Inquietações de uma antropóloga no <strong>Design</strong> e<br />

na Moda, 408<br />

Márcia Merlo<br />

O design da marca Colcci: história e construção, 420<br />

Alvaro de Melo Filho, Márcia Merlo<br />

Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista, 443<br />

Gisela Belluzzo de Campos, Tereza Grimaldi Avellar Campos<br />

<strong>Design</strong>er artesão ou artesão designer? Uma questão contemporânea. As aproximações por meio das<br />

intervenções de design no artesanato, 456<br />

Savana Leão Fachone, Márcia Merlo<br />

Estudar com <strong>Design</strong> – uma reflexão sobre o espaço universitário, 463<br />

Fabíola Marialva Marques<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 4


Apresentação<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong> (DAMT) busca contribuir<br />

com a discussão em design, por meio de artigos resultantes<br />

de estudos e de pesquisas de conceitos, de materiais, de<br />

procedimentos, de formas e de produtos culturais. Por ser uma<br />

área em franca e acelerada expansão no Brasil, a diversidade de<br />

temas, enfoques e análises reflete a efervescência da produção<br />

acadêmica em design que, em sua essência, já comporta um<br />

caráter múltiplo e interdisciplinar.<br />

A presente edição dá continuidade ao projeto editorial<br />

intitulado <strong>Design</strong>, Arte e <strong>Tecnologia</strong>, iniciado em 2005, com o intuito<br />

de fortalecer o diálogo entre estes campos do conhecimento.<br />

Entretanto, com o envolvimento crescente de pesquisadores<br />

interessados nas interfaces entre o <strong>Design</strong> e a Moda, a coletânea<br />

amplia sua proposta original e inicia uma nova fase. Assim, ao<br />

integrar a Moda em seu título, procura não apenas reconhecer<br />

a valiosa colaboração já existente; mas também tratar a letra M<br />

como uma marca do momento de movimentar, mexer e modificar<br />

para mesclar, melhorar e motivar mudanças.<br />

DAMT mantém o perfil conceitual das coletâneas<br />

anteriores, reunindo trabalhos desenvolvidos por professores,<br />

alunos, pesquisadores e profissionais da área. O sucesso do<br />

projeto resulta da integração entre os Programas de Pós-<br />

Graduação em <strong>Design</strong> da Anhembi Morumbi, da PUC-Rio e<br />

da UNESP-Bauru; bem como do apoio da Edições Rosari. A<br />

publicação conta, desde a sua quarta edição, em 2008, com um<br />

Conselho Científico, para acompanhar a sua organização.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 5


Conselho científico<br />

Ana Mae Barbosa, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

Cristiane Mesquita, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

Daniela Kutschat Hanns, SENAC-SP, FAU-USP<br />

Denise Portinari, PUC-Rio<br />

Gisela Belluzzo, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

Giselle Beiguelman, PUC-SP<br />

Jofre Silva, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

José Carlos Plácido da Silva UNESP-Bauru<br />

Kathia Castilho, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

Luisa Paraguai, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

Luis Antonio Coelho, PUC-Rio<br />

Luis Carlos Paschoarelli, UNESP- Bauru<br />

Márcia Merlo, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

Marcus Bastos, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

Marizilda Menezes, UNESP-Bauru<br />

Miriam Cristina Carlos Silva, <strong>Universidade</strong> de Sorocaba<br />

Rachel Zuanon, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

Rejane Spitz, PUC-Rio<br />

Rita Couto, PUC-Rio<br />

Rosane Preciosa, UFJF-MG<br />

Silvia Laurentz , ECA-USP<br />

Suzete Venturelli, UNB<br />

Vicente Gosciola, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 6


<strong>Design</strong> e naturalismo: filosofia naturalista, biônica e<br />

ecodesign<br />

Ângela Ribas Cleve Costa; Mestranda em <strong>Design</strong> e Expressão Gráfiica: UFSC;<br />

Professora da Univali - Unidade Florianópolis - angelacleve@uol.com.br<br />

Juliane Vargas Nunes; Mestranda em <strong>Design</strong> e Expressão Gráfiica: UFSC;<br />

bolsista pelo FNDE no mesmo Programa - julivn@gmail.com<br />

Márcia Melo Bortolato; Mestranda em <strong>Design</strong> e Expressão Gráfiica: UFSC;<br />

marcia.ead.ufsc@hotmail.com<br />

Richard Perassi Luiz de Souza; Doutor em Comunicação e Semiótica: PUC/SP;<br />

Professor do Pós- <strong>Design</strong>/ EGR/CCE: UFSC - perassi@cce.ufsc.br<br />

Resumo<br />

A corrente filosófica “Naturalismo” considera o desenvolvimento<br />

do processo cognitivo como decorrência evolutiva da natureza<br />

que, também, é proposta como modelo evolutivo para a cultura.<br />

“<strong>Design</strong>” é área de estudos e campo de atividades, cujo princípio<br />

motivador fundamental de atuação é a solução de problemas.<br />

A perspectiva naturalista em <strong>Design</strong> revela sua fundamentação<br />

teórica e proposição metodológica na observação e na apropriação<br />

de soluções dos sistemas naturais, para equacionar aspectos do<br />

projeto, sejam tecnológicos, econômicos, estéticos, ergonômicos<br />

ou ecológicos. Os estudos de <strong>Design</strong> investem em pesquisas na<br />

área de Biônica, cujos objetos de interesse são formas, funções e<br />

materiais dos sistemas naturais. Esses estudos são aplicados na<br />

proposição de soluções projetivas, em diversas áreas de atuação<br />

do design, inclusive no Ecodesign. A aplicação da Biônica à<br />

metodologia de <strong>Design</strong> propõe soluções simples e econômicas,<br />

com base nas concepções naturalistas, na elaboração de produtos<br />

ecoeficientes, objeto de estudo do Ecodesign. Há, portanto, uma<br />

interação fecunda e promissora entre <strong>Design</strong> e Naturalismo que é<br />

mediada por analogias entre sistemas culturais e sistemas naturais.<br />

Palavras-Chave: design naturalista; sistemas naturais;<br />

soluções naturais; sustentabilidade<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 7


<strong>Design</strong> e naturalismo: filosofia naturalista, biônica e ecodesign<br />

Introdução<br />

No período artesanal, que antecedeu ao período histórico-industrial, não havia<br />

uma separação clara entre as áreas de Arte e de <strong>Design</strong>. No processo artístico-artesanal,<br />

as atividades de projeto e execução eram praticamente indissociáveis, como também se<br />

sobrepunham as histórias de Arte e de <strong>Design</strong>. Havia um diálogo ou uma interatividade<br />

continuada entre as instâncias do pensamento e da produção. Os resultados eram produtos<br />

particulares, praticamente únicos, mesmo quando se buscava a produção de diversos<br />

exemplares semelhantes. Porém, o princípio que determinou a Revolução Industrial foi de<br />

“serialização”. Primeiramente, houve a produção manufaturada em série, como consequência<br />

da especialização dos artesãos, em que cada um era especializado para fabricar em série<br />

uma parte do produto. Assim, cada parte seguia o padrão de sua série, sendo compatível<br />

com quaisquer outras partes componentes do mesmo tipo de produto. Posteriormente, os<br />

artesãos foram sendo substituídos por máquinas na fabricação das partes dos produtos.<br />

Como consequência da fabricação por máquinas, as formas das partes dos produtos<br />

foram geometricamente simplificadas, para que fossem mecanicamente fabricadas. A<br />

industrialização separou radicalmente as instâncias de planejamento dos produtos e de<br />

produção. Portanto, separou-se o processo de projeto e o processo de produção. Os rígidos<br />

limites da mecanização exigiram a adoção dos princípios de idealização geométrica e o<br />

desenvolvimento de uma razão metódica, para os processos de projeto e de gestão, com<br />

base em procedimentos científico-tecnológicos.<br />

A sistemática de criação e de gestão de projetos fundou e caracteriza a área de <strong>Design</strong>,<br />

como campo de estudos aplicados nas atividades de projeto, que definem a profissão de<br />

<strong>Design</strong>er.<br />

A serialização da produção e a separação da atividade projetivo-ideal da produção<br />

mecanizada assinalam a intervenção idealista no processo de fabricação de bens<br />

manufaturados. Isso é mais evidente em comparação com os processos naturais, nos quais o<br />

desenvolvimento de cada criatura é continuado e individualizado. A defesa do trabalho manual<br />

foi resgatada por movimentos de arte aplicada, o mais proeminente foi Arts and Crafts, que<br />

propôs o trabalho manual como fonte de recuperação da dimensão estética dos objetos,<br />

em oposição à esterilidade dos objetos industrializados. A valorização do trabalho manual<br />

retomou a perspectiva naturalista, porque priorizava a relação natural, entendendo o objeto<br />

como extensão do homem e como parte da natureza.<br />

O percurso histórico modernista, porém, confirmou o afastamento entre os campos<br />

de <strong>Design</strong> e de Artesanato e ambos se distanciaram do campo da Arte. Isso ratificou a<br />

racionalidade lógico-idealista como característica de <strong>Design</strong>.<br />

A partir disso, foi amplamente desenvolvida no campo de <strong>Design</strong> uma concepção<br />

funcionalista, de acordo com a premissa “a forma segue a função”, a qual exerce influência<br />

sobre as atividades projetivas até os dias de hoje, mesmo que de forma menos central. Essa<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 8


<strong>Design</strong> e naturalismo: filosofia naturalista, biônica e ecodesign<br />

visão, de uma maneira geral, prioriza fatores racionais da relação entre homem e objeto, com<br />

relação aos aspectos de caráter sensorial.<br />

Por outro lado, a extinção dos recursos naturais e a degradação do meio ambiente<br />

requerem a reaproximação entre o homem e os elementos da natureza, como partes<br />

integrantes de um mesmo ecossistema, cujo funcionamento interfere e compete a todos<br />

os seus componentes, mesmo que de forma diversa. No campo de <strong>Design</strong>, as pesquisas<br />

relacionadas à área de Biônica observam os sistemas naturais para a proposição de soluções<br />

em projetos de diversos produtos como, automóveis e joias e exercendo influência também<br />

sobre a área do Ecodesign. A consciência ecológica exige novos estilos e padrões de consumo<br />

sustentável, implicando em projetos de <strong>Design</strong> coerentes com essa nova realidade.<br />

Conforme Villas-Boas (2000, p.45), <strong>Design</strong> é uma palavra inglesa originária de designo<br />

(as-are-avi-tum), que em latim significa designar, indicar, representar, marcar, ordenar. O<br />

sentido de design lembra o mesmo que, em português, tem designo: projeto, plano, propósito<br />

(Ferreira, 1975).<br />

Embora a etimologia do termo <strong>Design</strong> seja ampla, a atividade projetiva caracteriza o<br />

campo de estudos e de atuação aqui configurado. O desenvolvimento de um projeto, por<br />

sua vez, surge de uma necessidade a ser suprida, que se apresenta como um problema<br />

(MUNARI, 2008). Entendendo o problema como a situação que motiva a elaboração de um<br />

projeto de <strong>Design</strong>, mostra-se necessário considerar um método adequado, de acordo com a<br />

investigação do problema, que é a primeira etapa do desenvolvimento projetual. Munari (2008)<br />

destaca que, na maioria das vezes o problema é identificado pelo cliente. Mas, em alguns<br />

casos, o designer detecta e apresenta o problema ao cliente, a partir das considerações<br />

propostas no processo de brienfing.<br />

Entre as metodologias e abordagens de pesquisa, que podem ser assumidas de<br />

acordo com concepções e objetivos propostos, a abordagem naturalista pode e deve ser<br />

considerada, buscando soluções que aproximem os objetos de design dos sistemas naturais,<br />

concebendo-os como uma extensão do ser humano e parte integrante do ambiente natural<br />

(PATARRNA, 2003).<br />

Entendemos que <strong>Design</strong> associado a Naturalismo é capaz de cumprir seu designo,<br />

equacionando fatores ecológicos, ergonômicos, tecnológicos e econômicos, na concepção<br />

de elementos e sistemas para atender necessidades humanas e promover o desenvolvimento.<br />

Através de soluções conceituais e práticas <strong>Design</strong> Naturalista proporciona uma concepção<br />

de projetos e objetos ecoeficientes, com base nos estudos de Biônica e nos princípios de<br />

Ecodesign.<br />

Naturalismo Filosófico<br />

Conforme o descrito em Dicionário Básico de Filosofia (JAPIASSÚ e MARCONDES,<br />

2001), Naturalismo é uma concepção filosófica que não admite a existência de nada que seja<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 9


<strong>Design</strong> e naturalismo: filosofia naturalista, biônica e ecodesign<br />

exterior à natureza, reduzindo o conceito de realidade à experimentação do mundo natural.<br />

O pensamento naturalista recusa, portanto, qualquer elemento sobrenatural ou princípio<br />

transcendente. Assim, mesmo a moral deve basear-se nos princípios que regem a natureza,<br />

tomados como fundamentos das regras e dos preceitos de conduta.<br />

De acordo com Dutra (2005 p.83), o pensamento naturalista propõe como crença<br />

verdadeira que somos capazes de representar mentalmente o mundo a nossa volta, sejam<br />

coisas, processos ou acontecimentos. Enfim, o estado das coisas em geral. Segundo Hume, há<br />

três maneiras pelas quais associamos nossas ideias: (1) por semelhança, (2) por contiguidade<br />

(de tempo ou de lugar) e (3) por relação de causa e efeito (DUTRA, 2005). Aproximar Filosofia,<br />

Ciência e Técnica é o tema principal dos naturalistas. Por isso, os pressupostos naturalistas<br />

estão na fundação da moderna teorização cientifica. Referências a moral ou propósitos<br />

divinos não encontram lugar na Ciência, que se limita a explicar os fenômenos empíricos<br />

sem referência a forças, poderes, ou influências sobrenaturais. Nessa perspectiva, a Ciência<br />

Moderna é essencialmente naturalística.<br />

Empirismo e Naturalismo<br />

O pensamento naturalista, que defende o conhecimento como decorrência de causas<br />

naturais, é reforçado pela crítica dos cético-empiristas sobre a impossibilidade da razão explicar<br />

logicamente a causalidade do conhecimento. Entre os empiristas, há os que se destacaram<br />

como representantes da vertente naturalista. Um desses empírico-naturalistas é o filósofo e<br />

lógico norte-americano Willard Quine (1908-2000) que, influenciado por Rudolf Carnap (1891-<br />

1970), apresentou-se como defensor do empirismo no pensamento do século XX. No seu<br />

trabalho, Quine questionou a diferença entre os dados sensoriais percebidos e o conhecimento<br />

proposto, indicando a existência de um processo complexo de mediação entre a percepção<br />

e a compreensão. Assim, desenvolveu um argumento mostrando a fragilidade dos critérios<br />

em que se baseia a distinção entre os termos analítico e sintético, mostrando a fragilidade<br />

dos critérios em que se baseia esta distinção, a partir da reflexão sobre as informações que<br />

entram e saem do cérebro (JAPIASSÚ e MARCONDES, 2001).<br />

Muito antes de Quine, entretanto, o filósofo escocês David Hume (1711-1776) influenciou<br />

cientistas e filósofos que o sucederam, com sua ideia de que Filosofia era a ciência da natureza<br />

humana fundada no “indutivismo” e no “experimentalismo”. Para Hume, o processo cognitivo<br />

ocorre a partir da observação da natureza, que é seguida das associações de ideias sobre o<br />

que observamos. Essa questão envolve o “princípio do Hábito”, decorrente das crenças que<br />

desenvolvemos a partir da repetição de observações. Esse princípio faz parte da natureza<br />

humana e, ainda, de toda a natureza, já que os animais também apresentam essa característica.<br />

Assim, a abordagem para avaliar e discutir o conhecimento humano deve ser semelhante a<br />

nossa abordagem para compreender outros processos naturais. Hume apresenta em sua<br />

obra as seguintes questões fundamentais: a) não é possível nenhuma teoria geral da realidade:<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 10


<strong>Design</strong> e naturalismo: filosofia naturalista, biônica e ecodesign<br />

o homem não pode criar ideias, pois está inteiramente submetido aos sentidos; todos os<br />

nossos conhecimentos vêm dos sentidos; b) a ciência só consegue atingir certezas morais:<br />

suas verdades são da ordem da probabilidade; c) não há causalidade objetiva, pois nem<br />

sempre as mesmas causas produzem os mesmos efeitos; d) convém que substituamos toda<br />

certeza pela probabilidade (JAPIASSU e MARCONDES, 2001).<br />

Biônica<br />

Hume pregava que todo conhecimento humano provem da observação do mundo a sua<br />

volta, sendo o próprio pensamento algo natural do ser humano. O pensamento se processa<br />

por associação de ideias, “que utilizamos em todas as nossas conclusões sobre questões<br />

de fato e, portanto, ele é o princípio do qual dependem todas as nossas crenças factuais<br />

ou causais sobre o mundo em que vivemos” (DUTRA, 2005, p. 87). Isso pressupõe que, em<br />

última instância, o homem não determina seu conhecimento, porque esse é decorrente de<br />

um processo natural do qual ele próprio é um sistema determinado. Essa consideração indica<br />

a natureza como responsável, inclusive, pela produção cultural, que se desenvolveu pelas<br />

mentes e mãos dos homens. Portanto, assumir os sistemas naturais como modelos para as<br />

produções culturais é propor um processo de aproximação entre duas etapas de um mesmo<br />

processo evolutivo.<br />

Por volta de 1960, o major americano Jack Steele definiu Biônica como “ciência dos<br />

sistemas cujo funcionamento foi copiado de sistemas naturais, que apresentam características<br />

específicas de sistemas naturais ou ainda que lhes sejam análogos”. Mas, ao longo da história,<br />

os seres humanos sempre adotaram a natureza como fonte inspiradora, para a criação de<br />

ferramentas e soluções para os problemas do seu dia a dia. Por exemplo, Leonardo da Vinci<br />

partiu das observações de uma libélula, um inseto que paira no ar, para projetar um artefato<br />

semelhante ao helicóptero moderno. Assim, podemos considerar que o fundamento básico da<br />

biônica é praticado pelo homem de forma espontânea, para extrair da natureza as soluções para<br />

os problemas cotidianos. Esse processo de observação da natureza, coletando informações<br />

para, posteriormente, solucionar problemas práticos ou teóricos implica na complexidade do<br />

sistema cognitivo humano. Isso configura a questão que intrigava Quine, uma vez que o ser<br />

humano é capaz de apreender os processos naturais e adaptá-los aos projetos culturais,<br />

sendo que...<br />

a entrada de dados sensoriais não é suficiente para o conhecimento humano.<br />

Ao contrário, ele enfatiza o fato de que deve haver uma mediação importante<br />

entre a tal entrada e a saída. [...] a diferença entre a riqueza dessa saída e a<br />

pobreza daquela entrada de dados sensoriais é tão impressionante que pede<br />

uma explicação (DUTRA, 2005, p. 92).<br />

Biônica é, portanto, uma área que se organizou a partir de uma possibilidade difícil<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 11


<strong>Design</strong> e naturalismo: filosofia naturalista, biônica e ecodesign<br />

de ser explicada, ou seja, a possibilidade experimentada pelos seres humanos de conhecer<br />

os sistemas naturais e aplicar esse conhecimento no avanço dos processos culturais. Para<br />

Munari (2008, p. 330),<br />

Biônica estuda os sistemas vivos, ou semelhantes aos vivos, para descobrir<br />

processos, técnicas e novos princípios aplicáveis a tecnologia. Examina os<br />

princípios, as características e os sistemas com transposição de matéria,<br />

com extensão de comandos, com transferência de energia e de informação.<br />

Toma-se como ponto de partida um fenômeno natural e, a partir daí, pode-se<br />

desenvolver uma solução de projeto.<br />

Na perspectiva do movimento filosófico Naturalismo, como sistema vivo, o próprio<br />

ser humano é regido pela natureza e o conhecimento decorre de um processo complexo, e<br />

igualmente natural, que não pode ser explicado pela lógica idealista. Atualmente, a abordagem<br />

evolucionista e os estudos de Neurociência buscam esclarecer a questão proposta por Quine,<br />

sobre a complexidade da mediação mental, por meio de pesquisas biológicas e neurológicas.<br />

Por outro lado, a metodologia de <strong>Design</strong> proposta sob uma abordagem Biônica apresenta<br />

duas formas de desenvolvimento. Na primeira, podemos partir de um problema e buscar<br />

suas soluções, com base na observação da dinâmica dos sistemas naturais, como plantas e<br />

animais (fig. 1A). A outra forma, entretanto, propõe o caminho inverso, ou seja, observamos a<br />

natureza e, a partir das soluções que ela apresenta em determinado sistema animal ou vegetal,<br />

buscamos a criação de um artefato, cuja utilidade será definida posteriormente (fig. 1B).<br />

A<br />

Metodologia da Biônica a partir do Problema<br />

B<br />

Metodologia da Biônica a partir da Observação de Soluções<br />

Figura 1<br />

Os projetos de design com metodologia Biônica vão além da simples cópia dos<br />

elementos da natureza, porque partem da observação dos sistemas naturais, mas requerem a<br />

interpretação e a adaptação das estruturas e das dinâmicas desses sistemas. Isso é aplicado<br />

na composição de analogias eficientes que relacionam formas, funções ou comportamentos,<br />

visando solucionar problemas existentes ou desenvolver artefatos inovadores. Através desses<br />

projetos, buscamos alternativas mais econômicas, mais viáveis ou sustentáveis, já que a<br />

natureza é sábia em desenvolver soluções simples e eficazes, para manter-se em equilíbrio.<br />

O método de buscar analogias na natureza é o que mais aproxima a biônica da filosofia<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 12


<strong>Design</strong> e naturalismo: filosofia naturalista, biônica e ecodesign<br />

naturalista, já que essa corrente propõe, especialmente com Hume, que o conhecimento<br />

é construído por associação de ideias, seja por semelhança, por relação de causa e efeito<br />

ou por contiguidade de tempo ou de lugar. O sistema “velcro”, como solução de <strong>Design</strong>, é<br />

decorrente de uma associação de causa e efeito porque, na natureza, duas superfícies com<br />

um determinado tipo de textura tendem a aderir uma na outra. Por outro lado, as formas<br />

naturais apresentam funções específicas, como as formas aerodinâmicas que serviram de<br />

modelo para o carro conceito “Biônico” da marca Mercedes-Benz, que foi projetado a partir<br />

de associações por semelhança. O design básico de um helicóptero, com relação ao animal<br />

libélula, decorre de uma associação por contiguidade, porque houve a adaptação direta de<br />

um sistema natural para um produto cultural, que é percebida na analogia com as formas das<br />

asas e, mais especificamente, na reprodução de sua capacidade de voar em espiral, devido<br />

ao funcionamento de hélices.<br />

A metodologia de <strong>Design</strong> contextualizada na área de Biônica é relativamente recente,<br />

todavia, diversos produtos de destaque na cultura contemporânea foram propostos a partir<br />

desta perspectiva. Como foi citado anteriormente, o sistema velcro é um desses produtos,<br />

que foi desenvolvido, em 1948, pelo engenheiro suíço Georges de Mestral, como um sistema<br />

de aderência inspirado na estrutura funcional de pequenas sementes, os carrapichos, que<br />

ficavam presos em suas roupas, durante as caminhadas no campo. Intrigado com esse<br />

fenômeno, Mestral observou no microscópio que as superfícies das sementes eram cobertas<br />

por minúsculos ganchos aderentes a quaisquer superfícies que fizessem laços, como fios de<br />

cabelo ou fibras de tecidos.<br />

Em fase experimental, há um outro sistema bastante original que, também, é inspirado<br />

na funcionalidade da natureza e aplicado na composição de uma malha para nadadores, a<br />

qual reproduz propriedades da pele dos tubarões. Além disso, há projetos de carros, cujo<br />

design segue a estrutura de determinado peixe e projetos de móveis ou de outros objetos que,<br />

também, são inspirados em soluções encontradas na natureza.<br />

Os estudos que estão sendo desenvolvidos indicam a abordagem biônica como muito<br />

fértil, porque o número de soluções naturais e projetos potencialmente inteligentes são quase<br />

ilimitados. Por exemplo, o biólogo Andrew Parker, da <strong>Universidade</strong> de Oxford, estudou um<br />

besouro que vive no calor extremo do deserto. A parte das costas do besouro é recoberta<br />

por uma película que, alternadamente, é cerosa e não-cerosa. Isso promove a formação<br />

de gotículas de água que o besouro bebe. Diante disso, é possível considerarmos que “a<br />

produção comercial de um material semelhante poderia ajudar a coletar água em condições<br />

áridas”. (HOOPER, 2004, p. 02).<br />

Ocorreu outro exemplo na <strong>Universidade</strong> de Penn State, onde pesquisadores<br />

desenvolvem um projeto inspirado nos pássaros chamado “morphing airplane wings” (cuja<br />

tradução livre é “avião com asas morfológicas”). Trata-se de uma aeronave cujas asas<br />

mudam de formato, de acordo com a velocidade e a duração do voo. A inspiração vem da<br />

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<strong>Design</strong> e naturalismo: filosofia naturalista, biônica e ecodesign<br />

constatação de que pássaros de diferentes espécies possuem asas de formatos diferentes,<br />

em função da velocidade com que cada espécie voa. Mas, a proposta inicial implica em<br />

outro problema, porque se a estrutura interna da asa pode mudar durante o voo, também, a<br />

camada externa que recobre essa estrutura deveria ter a capacidade de se alterar. Para tanto,<br />

os pesquisadores encontraram a solução nos peixes, porque usaram escamas para cobrir as<br />

asas de maneira que umas deslizam sobre as outras. Assim, os estudos na área de Biônica<br />

combinam soluções encontradas em diferentes espécies ou sistemas naturais para resolver<br />

problemas de um mesmo projeto de <strong>Design</strong> (HOOPER, 2004, p. 02).<br />

Ecodesign<br />

A evolução dos processos de produção exigiu a exploração dos recursos naturais em<br />

proporções alarmantes, preocupando os defensores do meio ambiente e a sociedade em<br />

geral. Na década de 1960, houve a proposta de redução da produção, diante da falta de<br />

sustentabilidade do planeta, durante uma reunião do clube de Roma com profissionais de<br />

diversos países. Porém, essa proposta não foi aceita dentro de um contexto capitalista em que<br />

produção e consumo compõem o grande motor econômico do mundo. Em 1972, houve uma<br />

conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, sobre o meio ambiente, na qual foi defendida<br />

a ideia de que não era necessário consumir menos, mas consumir melhor. Portanto, devemos<br />

aproveitar melhor os recursos naturais, para reduzir a extração e racionalizar os processos<br />

produtivos, visando redução de resíduos. Isso determinou o conceito de “desenvolvimento<br />

sustentável”, que inclui desenvolvimento e uso de recursos renováveis e a preservação de<br />

recursos não renováveis..<br />

No contexto cultural de sustentabilidade foi desenvolvido, também, o conceito de<br />

Ecodesign, aplicado aos projetos e processos que contemplam aspectos ambientais em todas<br />

as etapas de produção de um produto de design. O principal objetivo é a redução do impacto<br />

ambiental, durante o ciclo de vida do produto. Ecodesign é uma concepção ou abordagem da<br />

área de <strong>Design</strong>, que associa o que é tecnicamente possível no campo das tecnologias limpas,<br />

com aquilo que é culturalmente desejado no campo da consciência ambiental. Ecodesign<br />

elabora produtos denominados ecoeficientes, aliando eficiência dos recursos, que determina<br />

produtividade e lucratividade, com responsabilidade ambiental.<br />

Assim como a área de Biônica, a concepção Ecodesign prioriza as condições naturais<br />

em oposição às concepções ideais, expressando o primado naturalista do movimento<br />

Naturalismo, sobre a idealização de uma ordem sobrenatural ou artificial da realidade.<br />

Ecodesign não se caracteriza pela apropriação de formas, sistemas e processos<br />

naturais. Porém, toma por base a preservação ambiental e a sustentabilidade, reconsiderando<br />

as relações entre homem e natureza, a partir de critérios de respeito e de conservação<br />

ambiental. O desenvolvimento de projetos ecoeficientes considera a interdependência entre<br />

homem e natureza, sendo que o primeiro é um sistema estruturado e abrigado pelo segundo<br />

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<strong>Design</strong> e naturalismo: filosofia naturalista, biônica e ecodesign<br />

que é seu ecossistema de emergência. Assim, os elementos naturais, o homem e os produtos<br />

culturais como extensões do homem são unidades de um mesmo ecossistema.<br />

Salvador (2003) indica os estudos de Biônica como ferramentas de Ecodesign, buscando<br />

na natureza soluções como: a diminuição da poluição; a redução do descarte de materiais; a<br />

diminuição do uso de insumos, como materiais e energia; a redução do tempo de fabricação,<br />

entre outros. Assim o <strong>Design</strong>, como área que trata diretamente com questões ligadas à forma<br />

e à função, pode apropriar-se das soluções presentes na natureza, que resultam de milhões<br />

de anos de evolução e, muitas vezes, oferecem respostas mais econômicas e sintéticas para<br />

os sistemas culturais mais complexos. Por exemplo, uma solução eficiente de encaixe ou<br />

de empilhamento pode ser inspirada em sistemas de seres vivos, como as abelhas que são<br />

exímias estoquistas. Uma solução desse tipo pode diminuir o volume de transporte e reduzir o<br />

consumo de combustível.<br />

Considerações finais<br />

A aproximação entre Naturalismo e <strong>Design</strong>, tendo em vista a interação evolutiva entre<br />

natureza e cultura, aponta caminhos para a elaboração de soluções projetivas ecologicamente<br />

sustentáveis ou inspiradas em sistemas naturais.<br />

Por meio dos estudos de Biônica, as soluções propostas nos sistemas naturais são<br />

aplicadas aos projetos e produtos de <strong>Design</strong>. Por sua vez, os princípios de Ecodesign propõem<br />

que os produtos sejam ecoeficientes, combinando eficiência e sustentabilidade. A síntese<br />

dessas duas concepções propõe projetos e produtos de <strong>Design</strong> inspirados na natureza e<br />

integrados no esforço de preservação e conservação da natureza.<br />

O contrário dessas premissas foi expresso nas tentativas históricas de idealização e<br />

controle da natureza, por meio de projetos idealistas e artificiais, tanto no campo do pensamento<br />

quanto na prática. Com relação ao conhecimento, a crítica naturalista de Hume desconsiderou<br />

a prioridade idealista sobre o aprendizado empirista. Além disso, alertou os simplistas sobre<br />

a complexidade dos processos naturais, uma vez que a aquisição do conhecimento não era<br />

decorrência direta das sensações. Isso foi especialmente ouvido por Quine, que reforçou a<br />

crítica, assinalando a complexa mediação entre as percepções e os conhecimentos.<br />

Com relação aos aspectos de produtividade e de lucratividade, os projetos baseados em<br />

abordagens metodológicas de Biônica indicam soluções mais simples e econômicas, a partir<br />

da apropriação das qualidades presentes nos sistemas naturais. Por sua vez, os princípios<br />

de Ecodesign propõem refletirmos sobre a relação entre o homem e a natureza, diante<br />

dos problemas provocados pelo descontrole dos processos produtivos e da consequente<br />

degradação do meio ambiente.<br />

O entendimento de que o homem é um sistema cujo ecossistema é a natureza, sendo<br />

essa diretamente responsável por sua vida e por sua produção mental e material, estabelece<br />

o sistema e o processo cognitivo humano como decorrentes da evolução natural. Isso indica<br />

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<strong>Design</strong> e naturalismo: filosofia naturalista, biônica e ecodesign<br />

que sistemas e processos humanos de percepção, cognição e produção descendem das<br />

funções naturais.<br />

Essa perspectiva subjuga o homem ao ecossistema natural, estimulando a observação<br />

dos processos naturais, como influência e decorrência nas atividades projetivas de <strong>Design</strong>.<br />

Pois, a natureza é fonte de inspiração para os estudos de Biônica e, também, é objeto de<br />

preocupação e dedicação nos projetos ecoeficientes de Ecodesign.<br />

Referências<br />

DUTRA, Luiz Henrique de Araújo. Oposições Filosóficas. Florianópolis: Editora da UFSC,<br />

2005.<br />

JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro,<br />

2001<br />

HOOPER, Rowan. Ideas Stolen Right From Nature. Disponível em: http://www.wired.com.<br />

Acessado em: 11/06/2010.<br />

MUNARI, Bruno. Das Coisas Nascem Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2008.<br />

NIEMEYER, Lucy. <strong>Design</strong> no Brasil: origens e instalação. 3 ed. Rio de Janeiro, 2AB Editora,<br />

2002.<br />

PATARRANA, Manuel. <strong>Design</strong> sustentável. In: BCSD. Portugal, n. 10, Março, 2007. Disponível<br />

em: http://www.bcsdportugal.org/files/1022.pdf. Acessado em: 23/06/2010.<br />

ROYO, Javier. <strong>Design</strong> digital. In: Fundamentos do <strong>Design</strong>. São Paulo: Edições Rosari, 2008.<br />

SALVADOR, Roner José. Metodologia Biônica em dobradiças de móveis. Porto Alegre,<br />

RS: UFRGS, 2003 (dissertação de mestrado).<br />

VANDEN BROECK, Fabrício. <strong>Design</strong> e biônica. Disponível em: www.carlosrighi.com.br.<br />

Acessado em: 05/06/2010.<br />

WITTMANN, Karin et al. Conceito e histórico do Ecodesign. Disponível em: www.gueto.<br />

com.br/ecodesign.asp?id=12. Acessado em: 03/06/2010.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Video game: análise ergonômica do jogador de Playstation<br />

Carolina Poll: <strong>Universidade</strong> Federal do Rio Grande do Sul<br />

poll.carolina@gmail.com<br />

Marcelo Almeida: <strong>Universidade</strong> Federal do Rio Grande do Sul<br />

marcelotkd@gmail.com<br />

Resumo<br />

O objetivo deste estudo é analisar o uso de video games não<br />

portáteis, focando o estudo no console Playstation. A partir deste<br />

estudo foi possível identificar quais os principais usuários, além dos<br />

efeitos fisiológicos resultantes da prática constante e excessiva do<br />

manejo dos controles (joystick).<br />

Palavras-Chave: ergonomia; design; video game; joystick<br />

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Video game: análise ergonômica do jogador de Playstation<br />

Introdução<br />

Este artigo objetiva analisar o comportamento dos usuários de video games em relação<br />

à sua posição e seu modo de manejo do controle durante a execução da atividade, buscando<br />

gerar alternativas para melhorias nas condições de uso do objeto.<br />

A escolha do tema se baseou na observação das atividades usuais do dia a dia das<br />

pessoas em suas casas, que mesmo parecendo simples, possuem implicações que, com o<br />

tempo, poderão causar problemas físicos. A análise do video game como objeto de estudo<br />

foi selecionada pela relevância do design de produto no planejamento da atividade. A partir<br />

da observação de relação do usuário com o produto, é possível estabelecer alguns critérios e<br />

limites projetuais que visam evitar possíveis danos à saúde dos usuários.<br />

História<br />

O primeiro video game foi criado na década de 1970 (Odissey) e desde aquela época<br />

vem seguindo a evolução gráfica computacional e de tecnologias de interação com os seres<br />

humanos. Inicialmente, os video games, na época chamados de “tele-jogos”, eram direcionados<br />

ao público infantil e juvenil, dos 4 aos 9 anos. Com a evolução dos equipamentos, a atenção<br />

dos produtores passou a abranger um público cada vez maior, percebendo que o mercado<br />

de video games era adaptável a diversos gostos da população, além de contínuo, pois grande<br />

parte dos usuários permanecia consumindo o produto ao longo da vida. Hoje eles fazem<br />

parte da vida de um grande número de pessoas, e mesmo ainda tendo como maior público<br />

as crianças e jovens, já possui direcionamentos específicos inclusive para usuários da terceira<br />

idade¹.<br />

A tendência de desenvolvimento concomitante dos estímulos visuais, através dos<br />

gráficos e dos estímulos táteis com os periféricos dos consoles, pode ser traçada desde as<br />

primeiras experiências de Ralph Baer com consoles domésticos, no final da década de 1960,<br />

até o seu ápice, na metade da década de 1980, com a adoção de diferentes dispositivos<br />

de utilização dos video games domésticos. A SEGA, criadora do console Master System,<br />

desenvolveu acessórios como óculos 3D e pistolas de luz, e a Nintendo incrementou as<br />

capacidades do seu Famicom (ou NES, como ficou conhecido nos Estados Unidos), com os<br />

acessórios NES Zapper (pistola de luz), Power Pad (tapete sensível ao toque), Power Glove<br />

(luva que buscava simular, na tela, os movimentos reais do jogador) e NES Satellite (adaptador<br />

para remover os fios do controle).<br />

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Video game: análise ergonômica do jogador de Playstation<br />

Figura 1 - Evolução dos controles. Fonte: Lopez et al<br />

Somente na década de 1990, a partir da geração dos consoles 16-bits (Mega Drive<br />

da SEGA e SuperNES da Nintendo), é que a elaboração de novas possibilidades de fruição<br />

táteis dos videogames ficou aparentemente estagnada, em detrimento do desenvolvimento de<br />

gráficos tridimensionais e uma busca pelo realismo fotográfico nos jogos. O joystick (também<br />

chamado de gamepad) se tornou onipresente no cenário dos games domésticos, já que era<br />

praticamente a única interface de interação usuário-máquina oferecida pelos consoles (Lopez,<br />

2007). Desde então, o usuário o utiliza para efetuar os comandos do jogo, tais como andar,<br />

pular, dar socos e pontapés ou até mesmo voar: o controle. Ele vem sendo adaptado de<br />

acordo com as necessidades dos consoles e também às necessidades de adaptação às<br />

mãos dos usuários. Os tamanhos são variados, e o número de botões possui tendência a<br />

aumentar, forçando o usuário a obter ainda mais destreza no manejo dos mesmos (Perani e<br />

Bressan, 2009).<br />

Manejo dos controles, má posição e esforço repetitivo<br />

De acordo com Iida (2005), a forma de manipulação dos controles de video<br />

games é chamada de “manejo”, que é uma forma particular de controle, onde há predomínio<br />

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dos dedos e da palma das mãos, pegando, prendendo ou manipulando alguma coisa. Dentre<br />

as classificações do manejo, este pode se encaixar em manejo fino, pois é predominantemente<br />

executado com a ponta dos dedos, também chamado de manejo de precisão, enquanto a<br />

palma da mão e o punho permanecem relativamente estáticos.<br />

Durante o jogo, o usuário pode se colocar em diversas posições, seja sentado ou em<br />

pé, acarretando diferentes efeitos fisiológicos sobre o jogador. Pinto e López consideram boa<br />

postura como sendo o “estado de equilíbrio muscular e esquelético que protege as estruturas<br />

de suporte do corpo contra lesões ou deformidades progressivas independente da atitude nas<br />

quais estas estruturas estão trabalhando ou repousando”.<br />

Segundo Adams (1985), com uma postura deficiente as diversas partes do corpo ficam<br />

em desarranjo, causando um aumento do esforço para manter o equilíbrio de toda a estrutura<br />

corporal. Muitos são os fatores externos que influenciam este equilíbrio, entre eles os hábitos<br />

sedentares, o modelo dos móveis, o modismo e até o grau de luminosidade e a temperatura<br />

do ambiente. Na escola estes fatores estão muito presentes no dia a dia.<br />

Outro fator interveniente é o fato de os jovens ficarem numa mesma posição por tempo<br />

prolongado. A má postura e os hábitos incorretos do dia a dia podem levar ao aparecimento<br />

dos vícios de postura. Estas anomalias podem ocorrer em todos os segmentos do corpo.<br />

Uma pesquisa realizada através da análise postural de pessoas em frente a televisores indica<br />

que 81% costumam assistir à programação em posições consideradas prejudiciais, e em<br />

torno de 38% passam mais de 3 horas sem mudar a posição.<br />

Os computadores e video games têm sido, frequentemente, utilizados na faixa etária<br />

pediátrica. Nos Estados Unidos da América, Roberts et al (1999) evidenciou que 70% das<br />

famílias possuíam video games e mais de dois terços tinham computador em seu domicílio. Na<br />

Europa, dois estudos (Livingstone e Johnsson, 1998) realizados em sete países demonstraram<br />

que entre 41 e 85% das crianças e adolescentes de 6 a 17 anos tinham computador na sua<br />

residência, e entre 12 e 20% possuíam o aparelho em seu quarto. Nestes estudos, o tempo<br />

diário de uso de computador e jogos eletrônicos dos usuários destas tecnologias variou de 44<br />

a 89 minutos.<br />

Os computadores e video games estão presentes, também, na realidade de crianças e<br />

adolescentes brasileiros. As escolas, inclusive da rede pública estadual e municipal de algumas<br />

cidades brasileiras, têm disponibilidade de computadores para uso dos alunos (Gazeta, 1999).<br />

Inúmeros problemas têm sido associados ao uso de computadores e video games<br />

por crianças e adolescentes, tais como diminuição da atividade física e prática de esportes,<br />

obesidade, dor torácica, dor abdominal, fadiga, anorexia, ansiedade, cefaleia (Tazawa, Soukalo,<br />

Okada e Takada, 1997), comportamentos agressivos, convulsões por fotoestimulação e,<br />

particularmente, as dores musculoesqueléticas localizadas ou difusas (Emes, 1997).<br />

D.O.R.T. (Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho), denominação utilizada para<br />

as dores e lesões musculoesqueléticas associadas aos computadores, podem atingir qualquer<br />

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pessoa que exerça atividades que exijam esforços acima de sua capacidade física. Consiste<br />

em um conjunto de afecções do aparelho musculoesquelético que acometem músculos,<br />

tendões, ênteses, ligamentos, articulações, nervos e, mais raramente, vasos sanguíneos e<br />

tegumentos. Este distúrbio é consequência da realização de movimentos contínuos, posturas<br />

inadequadas e estresses emocionais por um período de tempo variado e pode se manifestar<br />

em qualquer parte do corpo, principalmente membros superiores (punho, antebraço, mão),<br />

coluna cervical e lombar (Yeng, Teixeira, Barbosa e Hsing, 1997)<br />

O D.O.R.T. pode acometer todas as idades e qualquer atividade ocupacional,<br />

principalmente entre 18 e 35 anos, e tem notável predominância no sexo feminino, sendo<br />

mais frequente em áreas como indústria metalúrgica, de alimentos, químicas, têxteis, serviços<br />

de telefonia e de computação. O uso de computadores é apontado como a principal razão<br />

para o crescimento do número de casos (Nicolleti, 1996). Atualmente, crianças pré-escolares,<br />

escolares e adolescentes vêm apresentando sintomas similares aos do D.O.R.T. de adultos e<br />

adolescentes em regime de trabalho (Silva, 2005).<br />

A utilização contínua e frequente de computadores e video games por crianças e<br />

adolescentes pode resultar em dores musculoesqueléticas, edemas, fadiga e incapacitação<br />

funcional. Estes sinais/sintomas aparecem após períodos variáveis da exposição aos fatores<br />

traumáticos (dias ou até anos). A dor pode ser como queimação ou peso, podendo ser<br />

acompanhada de formigamento e choques nas extremidades dos dedos. Na infância, é mais<br />

comum a presença de lesões inflamatórias (tendinites, artrites, bursites e entesites) ao invés de<br />

lesões neurológicas (hérnia de disco e síndrome do túnel do carpo) (Silva, 1998).<br />

Silva (2006), destaca a importância de se aprofundar o estudo das dores, síndromes e<br />

lesões do D.O.R.T. e seus possíveis fatores de risco em jovens. A melhor forma de prevenção<br />

das lesões, particularmente no adolescente em regime de trabalho, é a utilização da ergonomia<br />

adequada com flexibilidade corporal (exercícios de alongamento e relaxamento dos braços,<br />

punhos, mãos e coluna) em média 10 minutos a cada hora, e postura correta em frente<br />

aos computadores. As crianças e os adolescentes deveriam permanecer, no máximo, duas<br />

horas por dia em frente aos computadores e video games, e em caso de dores e lesões<br />

musculoesqueléticas, devem evitar o uso destes. A maior parte destas lesões tem cura, desde<br />

que o diagnóstico e a terapêutica sejam instituídos precocemente (Yeng, Teixeira, Barbosa e<br />

Hsing, 1997).<br />

Materiais e Métodos<br />

O estudo se dividiu em três etapas. Primeiramente, foi feita uma pesquisa com perguntas<br />

abertas e fechadas com 105 usuários ou ex-usuários de video games com idade entre 10 e 35<br />

anos – esta é a geração em que os video games se popularizaram, e usuários de mais idade<br />

acompanharam a evolução dos jogos, podendo relatar alguns efeitos desta atividade – com o<br />

objetivo de realizar um levantamento a respeito da divisão por sexo dos usuários, idade, horas<br />

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em função do jogo, acesso aos consoles, preferências e problemas relacionados à atividade.<br />

Os dados, então, foram cruzados para análise da relação entre os mesmos.<br />

A partir dos dados obtidos com a pesquisa, foi realizada uma filmagem, devidamente<br />

autorizada, com dois usuários do console Playstation, considerado o mais popular e mais<br />

confortável de acordo com a enquete, para análise da postura e da interação das mãos com<br />

os controles. Para tal, foi solicitado que estes usuários escolhessem três gêneros de jogos que<br />

considerassem possuir diferentes formas de interação com o controle. Os gêneros escolhidos<br />

foram aventura, luta e futebol. Para cada jogo foi feita uma análise dos níveis de atenção,<br />

variações posturais e maneiras de interação com o controle.<br />

Por fim, foi realizada uma análise postural utilizando o método RULA (explicado adiante),<br />

por se tratar de uma atividade estática sem ação dos membros inferiores.<br />

Resultados<br />

Pesquisa<br />

A pesquisa foi a principal fonte de informação a respeito dos usuários de video games.<br />

Foi realizada via internet para possuir maior abrangência geográfica, utilizando redes sociais<br />

como Orkut e Facebook, e e-mail para divulgação, permanecendo aberta durante quatro dias<br />

para as respostas. A pesquisa conteve cinco perguntas fechadas e duas abertas, com o<br />

propósito de conhecer o usuário sem tomar muito tempo do mesmo, para que este não<br />

desistisse de responder. A temática, por se tratar de uma atividade de lazer, foi muito bem<br />

recebida pelo público alvo, o que gerou um feedback bastante relevante por fora da enquete,<br />

auxiliando na análise dos usuários.<br />

A pesquisa visava ao esclarecimento dos seguintes itens:<br />

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Perguntas<br />

Opções oferecidas<br />

a. Sexo Masculino;<br />

Feminino;<br />

b.Idade<br />

c.Possui video game?<br />

Sim;<br />

Não;<br />

d. Quantidade média de horas semanais que você costuma ou costumava<br />

jogar.<br />

e. Quais consoles (aparelhos de video game) você já teve a oportunidade<br />

de jogar?<br />

1h;<br />

Entre 2 e 4h;<br />

Entre 5 e 10h;<br />

Entre 11 e 19h;<br />

Mais de 20h;<br />

Playstation;<br />

Wii;<br />

Nintendo 64;<br />

Xbox;<br />

Dreamcast;<br />

Game Cube;<br />

Mega Drive;<br />

Master System;<br />

Super NES;<br />

Sega Saturn;<br />

Outros;<br />

f. Na sua opinião, qual o console possui o melhor controle (joystick)?<br />

g. Você já sentiu algum tipo de desconforto relacionado a esta atividade? Nunca;<br />

Nos dedos;<br />

Nas mãos;<br />

Nas costas;<br />

Nos braços;<br />

Nos antebraços;<br />

No pescoço;<br />

Nos olhos;<br />

Na cabeça;<br />

Outros;<br />

Tabela 1 - Pesquisa com o usuário<br />

As duas primeiras perguntas tiveram como intuito conhecer o perfil do usuário<br />

entrevistado, observando que, dos entrevistados, aproximadamente 23% eram mulheres, o<br />

que é importante ser levado em consideração por se tratar de um público com necessidades<br />

ergonômicas diferenciadas. A idade dos entrevistados esteve entre 10 e 35 anos e foi dividida<br />

em quatro áreas, menores de 19 anos, 19 a 24 anos, 25 a 30 anos e maiores de 30 anos.<br />

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Figura 2 - Pergunta “a”: sexo dos usuários<br />

Figura 3 - Relação de idade entre os usuários<br />

Os usuários entre 19 e 24 anos foram considerados os mais relevantes, pois além de<br />

comporem a maior parcela dos entrevistados, fazem parte de uma geração do Brasil que<br />

vivenciou a ascensão dos video games no país conhecendo, desta forma, todos os consoles<br />

citados na pesquisa.<br />

A terceira pergunta procurou verificar o acesso dos usuários aos video games na própria<br />

residência. Muitos usuários relataram que possuem acesso através de amigos ou lojas para<br />

aluguel, pois preferem não possuir ou não têm condições de obter um aparelho no momento.<br />

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Video game: análise ergonômica do jogador de Playstation<br />

Figura 4 - Acesso dos usuários a video games em casa<br />

A quarta pergunta questionou os usuários sobre a quantidade de horas semanais que,<br />

em média, costuma ou costumava se dedicar a esta atividade. Esta pergunta é relevante para<br />

relacionar o número de horas de atividade frente ao console com os sintomas decorrentes<br />

disto. Muitos usuários comentaram que este cálculo depende de algumas variantes como<br />

novidade do jogo e tempo disponível, pois muitas vezes esse tempo poderia chegar até a 60<br />

horas semanais, mas durante um curto espaço de tempo, voltando à normalidade logo após<br />

esse período.<br />

Figura 5 - Relação de tempo gasto semanalmente com a atividade de jogar video game<br />

O público feminino entrevistado constou, principalmente, nas áreas entre 5 e 10 horas<br />

e 11 e 19 horas, chegando até relatar mais de 20 horas de jogo semanal.<br />

As duas perguntas seguintes propuseram relacionar o conhecimento dos usuários<br />

sobre o funcionamento dos consoles com a preferência pelo tipo de controle (joystick). Uma<br />

relação interessante encontrada foi a de que os usuários se adaptam melhor ao controle de<br />

Playstation, que também foi considerado como o console mais popular, mesmo a maioria<br />

tendo conhecido controles como o do console Wii, que possui liberdade de movimento e<br />

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procura interagir mais com o usuário.<br />

As opções oferecidas se basearam nos principais video games dos últimos 20 anos,<br />

sem especificar a versão do mesmo. Outros consoles indicados foram do Atari, Odissey, Neo<br />

Geo, que pela falta de popularidade não foram considerados na pesquisa.<br />

Figura 6 - Relação de popularidade dos consoles de acordo com o acesso que os usuários obtiveram aos<br />

mesmos<br />

A preferência pelos controles não contemplou grande parte dos consoles apresentados<br />

na pergunta anterior, e apareceram duas novas opções, o Atari – video game que possuia uma<br />

alavanca como controle – e o teclado de computador. O controle de Playstation foi o mais<br />

votado principalmente pela boa organização dos botões e facilidade de pega.<br />

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Figura 7 - Preferência dos usuários em relação ao controle (joystick)<br />

Figura 8 - Relação de controles de acordo com a preferência dos usuários: Playstation, Wii, Nintendo 64, Xbox,<br />

Super Nintendo e Game Cube<br />

A última pergunta questionava se o usuário, dentro das opções oferecidas, já sentiu<br />

algum tipo de desconforto relacionado à atividade. Problemas com mãos, costas e pescoço<br />

foram os principais relacionados. Este resultado confirmou as expectativas de que o número<br />

de horas gasto semanalmente na atividade é diretamente proporcional aos desconfortos<br />

causados pela mesma, apesar de alguns usuários relatarem nunca ter sentido desconforto ao<br />

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ficarem várias horas jogando.<br />

Filmagem<br />

Figura 9 - Relação de desconforto relacionado à atividade<br />

Com os resultados da pesquisa, o console Playstation foi selecionado como base para<br />

o estudo, por ser o mais popular e o que possui melhores condições de jogo de acordo<br />

com os usuários entrevistados. Foram selecionados, então, dois usuários do console para<br />

colaborar com a análise através de filmagem e tomada fotográfica previamente autorizadas.<br />

Foi aberta uma discussão com os jogadores para saber que tipo de jogos teriam<br />

diferentes tipos de interação com o controle, e foram selecionados três gêneros de acordo<br />

com o relato dos mesmos: aventura, esporte (futebol) e luta. As filmagens e observações<br />

duraram cerca de duas horas e foram realizadas da seguinte forma:<br />

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Figura 10 - Relação controle e áreas de interação<br />

O primeiro jogo analisado foi “O Senhor dos Anéis: o Retorno do Rei”, do gênero aventura.<br />

Foram realizadas duas filmagens da posição dos jogadores em dois momentos distintos,<br />

juntamente com uma tomada fotográfica a partir de outra câmera para, posteriormente, ser<br />

realizada uma análise de posição através do método RULA. Em seguida, foram realizados<br />

outros dois vídeos da interação dos usuários com o controle, em que foi observada uma<br />

interação quase total das mãos no manejo do mesmo. Os movimentos dos dedos são<br />

frequentes e vigorosos em alguns momentos, principalmente os polegares, que comandam a<br />

área principal do controle com dez botões disponíveis. Em outros momentos os movimentos<br />

são suaves e calmos.<br />

O segundo jogo foi o “Winning Eleven 9”, do gênero esporte. Novamente foram realizadas<br />

duas filmagens e tiragem de fotos para análise de posição. Uma observação relevante que<br />

surgiu durante esta análise foi que os jogadores piscavam os olhos em média de duas a três<br />

vezes por minuto, intercalando com piscadas consecutivas após um período de tempo, o<br />

que de acordo com Lavezzo (2007), é considerado o número mínimo de movimentos das<br />

pálpebras por minuto em pessoas adultas, podendo causar ressecamento do globo ocular se<br />

mantido por longos períodos de tempo.<br />

Este jogo exigia maior atenção dos usuários, fazendo com que eles intercalassem as<br />

posições de acordo com o nível de atenção necessário, diferentemente do anterior, no qual<br />

mantinham a posição por longos períodos de maneira relaxada. O manejo por sua vez, utilizava<br />

mais botões que o jogo anterior, e a interação com os botões era mais suave e duradoura,<br />

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com algumas variações de frequencia de movimento de acordo com a necessidade do jogo.<br />

“Tekken 5” foi o terceiro jogo observado, do gênero luta. Apenas uma filmagem foi<br />

realizada para a análise de posição, e foi notada a constante troca de posição, variando<br />

entre relaxamento total e altos níveis de atenção. O manejo do controle variou entre os dois<br />

jogadores, pois o jogo exigia apenas a utilização dos botões frontais de ação. Enquanto um<br />

utilizou o polegar, o outro usou o dedo médio e o indicador para possuir maior liberdade com<br />

as mãos. Os movimentos são intensos durante todo o período das lutas no jogo, e a tensão<br />

nas mãos e braços é aparente, forçando os jogadores a alongarem e “estalarem” as juntas dos<br />

dedos e mãos constantemente após certo tempo de jogo.<br />

O quarto jogo foi o “Mortal Kombat Armaggedon”, também do gênero luta. O interesse<br />

pelo movimento das mãos neste gênero fez com que fosse escolhido um novo jogo, que os<br />

usuários considerassem diferente do último, para uma nova filmagem apenas do manejo.<br />

O ponto mais interessante desta análise foi que não houve diferenças relevantes quanto à<br />

tensão, movimento, frequencia, mas um detalhe foi crucial: o jogo utilizava todos os botões do<br />

controle, obrigando os jogadores a manterem as mãos em posição mais neutra e confortável<br />

durante a atividade.<br />

Método RULA<br />

O método RULA, ou Rapid Upper Limb Assessment, é um método ergonômico que<br />

avalia a exposição de indivíduos a posturas, forças e atividades musculares que possam<br />

contribuir para o surgimento de LER (Lesão por Esforço Repetitivo). Baseia-se na observação<br />

das posturas adotadas das extremidades superiores durante a execução de uma determinada<br />

atividade. O método consiste em uma tabela de escores onde são avaliados braço, antebraço,<br />

punho, estática, força, pescoço, tronco e pernas. O valor resultante vai variar entre 1 e 7,<br />

sendo que as pontuações mais altas são indicações de que aparentemente há um risco mais<br />

elevado.<br />

Primeira posição avaliada: escore 2. Esta pode ser considerada a posição mais<br />

confortável segundo o método de avaliação, pois, aparentemente, não possui sérios riscos à<br />

saúde do indivíduo (figura 11).<br />

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Figura 11 - Análise de posição segundo método RULA<br />

Segunda posição avaliada: escore 5. Esta posição requer um pouco de atenção devido<br />

ao posicionamento da cabeça, tensão nos ombros e inclinação de tronco, podendo ser danosa<br />

se mantida por longos períodos (figura 12).<br />

Figura 12 - Análise de posição segundo método RULA<br />

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Terceira posição avaliada: escore 3. Esta posição, aparentemente normal, esconde<br />

alguns problemas como giro e tensão de pescoço e apoio do peso nas costas (figura 13).<br />

Figura 13 - Análise de posição segundo método RULA<br />

Avaliar as posições dos jogadores, até o momento, serve apenas como uma orientação,<br />

pois não há como exigir um modo correto de se praticar esta atividade. A evolução dos jogos<br />

eletrônicos no futuro, assim como tem sido apresentado em feiras mundiais de games, trará<br />

novas formas de interação com o usuário, fazendo com que o mesmo seja obrigado a se utilizar<br />

do próprio corpo e próprias experiências para jogar, fazendo com que haja mais controle sobre<br />

as ações do jogador, evitando que este acabe prejudicando a si, mesmo sem saber.<br />

Conclusão<br />

Os resultados desta pesquisa se dividem em quatro conclusões sobre pontos<br />

específicos do estudo, uma sobre posição e atenção do jogador, e três sobre manejo e projeto<br />

ergonômico do controle.<br />

A posição do jogador durante a execução da tarefa é praticamente impossível de<br />

ser padronizada quando o usuário está em sua própria casa, pois muitas variantes estão<br />

envolvidas como posição do aparelho de televisão, local para sentar, nível de atenção do<br />

jogador. O que se observa neste ponto, é que jogos que exigem diferentes níveis de atenção,<br />

fazem com que o jogador mude constantemente de posição, enquanto outros que mantêm<br />

um nível constante de atenção exigida no roteiro, fazem com que o usuário permaneça na<br />

mesma posição durante muito tempo, prejudicando, desta forma, algumas partes do corpo<br />

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exigidas na mesma, como ombros tensionados, pescoço “pendurado” ou braços erguidos.<br />

A segunda conclusão obtida com a pesquisa foi que os controles convencionais não<br />

exigem uma interação equilibrada de todos os dedos, pois em 95% do tempo os polegares<br />

estão em movimento nas áreas de ação e movimento principais (figura 14), enquanto os outros<br />

dedos permanecem na mesma posição. Uma maior distribuição de carga de trabalho dos<br />

dedos poderia tornar a atividade menos prejudicial, diminuindo, assim, a probabilidade de<br />

surgimento de lesões por esforço repetitivo.<br />

Figura 14 - Áreas de interação dos polegares<br />

A ocupação dos dedos também é um fator muito importante, observado principalmente<br />

na relação entre os dois jogos do gênero luta. Enquanto um exigia que todos os dedos<br />

estivessem em suas posições para cumprir suas tarefas específicas, o outro ocupava apenas<br />

os polegares, dando liberdade ao jogador para utilizar o controle da maneira como achasse<br />

mais conveniente para cumprir a tarefa. Neste segundo, como foi observado, um dos jogadores<br />

manteve a pega em apenas uma das mãos e manejou de forma aparentemente prejudicial os<br />

botões de ação com os dedos da mão direita. É importante, então, ressaltar que um jogo<br />

que utiliza todo o potencial do controle evita que o jogador invente maneiras que não foram<br />

pensadas para jogar.<br />

Figura 15 - Área de ocupação dos dedos<br />

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Por fim, anatomicamente a posição dos botões e pegas poderia ser ajustável de<br />

acordo com a necessidade e conforto do usuário, pois algumas posições de botões são<br />

desconfortáveis para quem possui mãos maiores ou menores do que as definidas como<br />

padrão para a criação do produto, causando muita contração ou alongamento dos dedos de<br />

maneira desnecessária (figuras 16 e 17).<br />

Figura 16 - Possibilidade de intervenção ergonômica<br />

Figura 17 - Dedos contraídos para alcançar as extremidades do controle<br />

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Video game: análise ergonômica do jogador de Playstation<br />

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As tendências e o design: metodologia de projeto do<br />

mobiliário orientada para o futuro<br />

Aline Teixeira de Souza; Profª Me. em Desenho Industrial: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo<br />

e <strong>Design</strong>, <strong>Universidade</strong> Federal de Uberlândia<br />

Marizilda Santos de Menezes; Profª Dra. em Arquitetura e Urbanismo: PPG em <strong>Design</strong>, Faculdade<br />

de Arquitetura, Artes e Comunicação, <strong>Universidade</strong> Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”<br />

Resumo<br />

As constantes transformações sociais, culturais e políticas<br />

influenciam diretamente a vida das pessoas e delimitam suas<br />

necessidades e gostos. As tendências têm o papel de sinalizar por<br />

meio desses fatos as preferências das pessoas em relação aos<br />

objetos, podendo ser, portanto, grandes aliadas do design, já que<br />

este trabalha com projeto que é uma atividade de planejamento<br />

do futuro. Esse trabalho traz resultados de um estudo sobre as<br />

tendências e o desenvolvimento de móveis residenciais no Brasil e<br />

tem como principal objetivo apresentar os benefícios da utilização<br />

das tendências como ferramenta para o projeto de mobiliário.<br />

Palavras-Chave: design de mobiliário; tendências; diretrizes<br />

projetuais<br />

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As tendências e o design: metodologia de projeto do mobiliário orientada para o futuro<br />

Apresentação<br />

A cada mudança de ano, novas formas, cores, materiais e funções configuram o<br />

mobiliário utilizado nas residências brasileiras. Essas mudanças obedecem a um ciclo e são<br />

direcionadas por tendências de consumo e comportamento. Dessa forma, as mudanças<br />

adquirem uma importância especial na vida das pessoas que passam a seguir padrões de<br />

consumo e a considerar menos importante o que não pertence a esse conjunto.<br />

Nesse contexto, por ser um objeto de uso particular na vida das pessoas, revelando o<br />

que as mesmas são ou pretendem ser, modelando a casa para o uso ou apoiando recordações<br />

e objetos pelos quais se tem afeto, tem-se a hipótese de que o mobiliário seja um produto que<br />

tem valor distinto no que se diz respeito às tendências.<br />

No entanto, o conceito de tendências associado ao desenvolvimento de mobiliário<br />

é muitas vezes equivocado. Ao invés das informações que trazem a respeito do futuro do<br />

consumidor serem convertidas em móveis que satisfaçam as necessidades físicas e psicológicas<br />

das pessoas, são utilizadas superficialmente por meio de configurações puramente estéticas<br />

com o objetivo de aumentar as vendas. Além do que, em alguns casos, a tendência é entendida<br />

como a cópia de móveis estrangeiros ou então imposta por fornecedores de matéria-prima<br />

que acabam por decidir cores, acabamentos, materiais e acessórios.<br />

É possível integrar a esses fatos a necessidade de requerer o cultivo de uma metodologia<br />

de desenvolvimento de móveis em que as mudanças de comportamento e consumo não<br />

sejam vistas como causalidade, mas como um instrumento de transformação de dados em<br />

informações projetuais.<br />

Esse trabalho traz resultados de um estudo sobre as tendências e o desenvolvimento<br />

de móveis residenciais no Brasil e tem como principal objetivo apresentar os benefícios da<br />

utilização das tendências como ferramenta de projeto para o designer de móveis.<br />

Tendências: conceituação<br />

A compreensão do conceito de tendência pode ser confusa para a maioria das pessoas.<br />

Principalmente, pelo fato do termo ter ganhado muitos sentidos nos dias atuais. Para Caldas<br />

(2004) fala-se sobre tendências para quase tudo: no setor tecnológico, na atmosfera social,<br />

na área da saúde, entre outros meios bem distintos entre si. Assim, a banalização do conceito<br />

fez com que no entendimento popular, as tendências estejam relacionadas à construção do<br />

futuro.<br />

De acordo com o mesmo autor, a origem da palavra tendência vem do latim tendentia,<br />

proveniente do verbo tendere, que tem por significado “tender para”, “inclinar-se para” ou “ser<br />

atraído por”. De forma que sua existência possa ser entendida a partir da atração exercida por<br />

um objeto, seja por movimento ou por abrangência. Assim, tendência é uma manifestação,<br />

na esfera do comportamento, do consumo ou do “espírito do tempo”, de uma sensibilidade<br />

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As tendências e o design: metodologia de projeto do mobiliário orientada para o futuro<br />

anunciada por sinais.<br />

Destes vocábulos se sintetizam os seguintes sentidos: uma propensão, disposição,<br />

aptidão, envergadura, de forma que cause oscilação intencional.<br />

Conforme Campos (2007) as tendências sinalizam uma convergência periódica de<br />

escolhas, que apontam o que deve ser seguido e apreciado. A cada determinado período,<br />

acrescentam-se, renovam-se ou confirmam-se estilos. Para a autora “Pensar em tendências<br />

é pensar em futuro, ou melhor, em possibilidades de futuros – alguns mais distantes e outros<br />

bem próximos.”<br />

Sobre a afinidade das tendências com o futuro, Oliveira (2006) diz que compreender<br />

as tendências é preocupar-se com o futuro por estas se encontrarem neste estado temporal<br />

e definirem características do mesmo. Para ela, os estudos que abordam as análises de<br />

tendências buscam a identificação e precipitação de comportamentos e características<br />

futuras dos consumidores. Possibilita visualizar indicadores econômicos, sociais, tecnológicos,<br />

políticos e geográficos, com fundamento em uma metodologia e não em previsões.<br />

É comum o emprego do conceito de tendência em um contexto que está acontecendo<br />

em um dado momento, como: “a exposição servirá de vitrine para as últimas tendências em<br />

mobiliário”. No entanto, é importante esclarecer que, as tendências tratam do que está por vir,<br />

do que não aconteceu, elas dão vestígios, sinais e indícios do que vai surgir, ou seja, do futuro,<br />

como abordam os autores.<br />

Novik (2005) acredita que a pré-configuração de cenários futuros é matéria de trabalho<br />

do design, moda e do marketing, mas em cada caso, a medida do futuro é diferente de acordo<br />

com o produto e o serviço, seu tempo de desenvolvimento e difusão.<br />

No caso do design, Heeman e Pereira (2008) dizem que as tendências podem<br />

ser encaradas como sinais em manifestação, percebidos no cotidiano humano, em seu<br />

comportamento e no que apreciam consumir na época. Estes sinais anunciam ou prenunciam<br />

um estado em formação: o futuro. Assim, é possível fazer uso das tendências como ferramenta<br />

metodológica, como uma atitude preventiva, porém sem o caráter determinista.<br />

As tendências têm o poder de dar sinais prévios de hábitos, gostos, desejos,<br />

possibilitando a identificação de formas, funções ou cores. Mas, elas não surgem do acaso.<br />

Ao abordar a origem das tendências Montaña (2005, p.1) afirma que “elas não são capricho<br />

dos modistas. São determinadas pela percepção dos acontecimentos da sociedade”.<br />

É comum nos veículos de informação que as tendências sejam empregadas como<br />

o aproveitamento de cores e formas ditadas por centros de moda, mas segundo o autor,<br />

as tendências provêm das manifestações, sensações e sentimentos que se montam com<br />

o agrupamento humano ao longo de sua evolução. Assim é possível afirmar que elas se<br />

estabelecem a partir de fatos e acontecimentos, movimentos e ideologias, sensações e<br />

necessidades psicológicas, estilos de vida, idade, influências de outras culturas e de modos<br />

de vida.<br />

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As tendências e o design: metodologia de projeto do mobiliário orientada para o futuro<br />

Metodologia de projeto do mobiliário<br />

Os projetos de design podem ser entendidos como uma série de procedimentos<br />

ordenados que visam buscar uma solução que atenda às necessidades dos usuários e às<br />

restrições industriais. À seqüência lógica de execução desses procedimentos se dá o nome de<br />

método. O planejamento e o cumprimento de etapas estabelecidas tornam o desenvolvimento<br />

do projeto mais produtivo em menos tempo. As fases de operações do método de projeto são<br />

formadas por instrumentos que ajudam os designers a organizar e planejar o que será feito.<br />

Apesar de se encontrar um grande número de bibliografia sobre metodologia do projeto, o<br />

método de design não é absoluto, nem definitivo, ele pode ser modificado de acordo com a<br />

necessidade.<br />

As propostas de metodologia de projeto de Baxter (1998), Löbach (2001) e Munari<br />

(1998), mais comumente recomendadas para projetos gerais, e, portanto, aplicáveis ao projeto<br />

de móveis possuem algumas diferenças básicas, de seqüência das ações e de nomenclatura.<br />

No entanto, essencialmente, elas são constituídas por quatro fases fundamentais:<br />

1 - Levantamento de dados<br />

2 - Geração de propostas<br />

3 - Avaliação das propostas<br />

4 - Realização e implementação do produto<br />

Essas etapas são formadas por ferramentas e técnicas de pesquisa e projeto, que<br />

podem ser adaptadas conforme a demanda do produto a ser desenvolvido.<br />

Merege (2001 apud Venâncio, 2002) propõe uma metodologia de projeto específica ao<br />

setor moveleiro que pode ser dividida em quatro etapas:<br />

- A de levantamento na qual são levantadas informações sobre a concorrência, os<br />

materiais e os processos produtivos que fazem parte do contexto da empresa ou<br />

aqueles em que se pode investir;<br />

- A análise dos dados levantados que dá origem a uma lista dos limites do projeto, a<br />

partir da qual é formulado um briefing, tendo como base os limites de compatibilização,<br />

a avaliação comercial, industrial, de custos e a cultura setorial;<br />

- A de desenvolvimento, em que é realizado um brainstorming quantificando e qualificando<br />

soluções, são gerados esboços iniciais, elaboradas representações tridimensionais das<br />

melhores idéias para testes e é realizada a definição cromática e dos acabamentos;<br />

- E a de implantação que consiste na complementação projetual e avaliação do projeto<br />

por meio do acompanhamento da execução do protótipo, adequação a custos e<br />

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As tendências e o design: metodologia de projeto do mobiliário orientada para o futuro<br />

prazos, acompanhamento do material gráfico, desenvolvimento da embalagem e<br />

acompanhamento do lote piloto.<br />

A vantagem do emprego desta metodologia é que ao longo de todo o processo existe<br />

a intervenção do design, diminuindo riscos de posteriores correções. No entanto, o fato de<br />

existirem metodologias de projeto mais abrangentes ou mais específicas para o design de<br />

móveis, não significa que as mesmas sejam utilizadas nas indústrias moveleiras. A verdade<br />

é que em muitas indústrias não existe nenhum setor de design ou sequer um designer<br />

trabalhando, e conseqüentemente, o mesmo acontece em relação à metodologia de projeto.<br />

Tendências: projeto de mobiliário orientado para o futuro<br />

As informações apresentadas reforçam a importância da atividade projetual no<br />

desenvolvimento do mobiliário e, principalmente, do levantamento de dados sobre o usuário<br />

do produto, já que o móvel é um objeto que envolve aspectos físicos e sensoriais. Por meio<br />

do levantamento de informações é possível entender o usuário, seus anseios e necessidades<br />

físicas e psicológicas. Nesse contexto, as informações que as tendências carregam, ganham<br />

a mesma importância, já que elas antecipam essas necessidades.<br />

Heemann e Pereira (2008) explicam que a abordagem do futuro na metodologia de<br />

design é importante, pois os designers concebem produtos que serão lançados no mercado<br />

meses ou anos depois da atividade projetual. Acrescentam que a postura antecipatória é<br />

proeminente porque produtos concebidos de modo inadequado a determinado período<br />

causam transtornos irreparáveis à sociedade. A implantação de um planejamento sistemático<br />

do futuro, então, serviria para a antecipação de eventualidades, preparação de contingências<br />

e exploração de novas escolhas.<br />

Oliveira (2006) acredita que nas sociedades em desenvolvimento, dialogar com o futuro<br />

por meio das tendências de comportamento ou outros focos de interesse é uma necessidade<br />

fundamental para sua organização, segundo a autora somente as sociedades desorganizadas<br />

tomam medidas sem planejamento.<br />

Esse conhecimento pode ser extraído no design de móveis a fim de organizar o processo<br />

produtivo. Pois, é melhor fazer uso de uma postura pró-ativa que pensar em uma reação às<br />

situações indesejáveis, já que a mesma pode ser mais cara e improdutiva.<br />

Heeman e Pereira (2008) dizem que a fase informacional do projeto é ideal para a<br />

formação de uma base de dados antecipatórios para que as ações dos designers repercutam<br />

em benefícios por meio de produtos. No processo que contempla o futuro, segundo os autores,<br />

além das ações habituais:<br />

- o contexto futuro no qual o produto será inserido deve ser compreendido;<br />

- os produtos concorrentes e similares devem ser analisados em relação ao futuro;<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 41


As tendências e o design: metodologia de projeto do mobiliário orientada para o futuro<br />

- o ciclo de vida do produto deve ser modelado de acordo com clientes futuros para<br />

cada uma das fases do ciclo;<br />

- as necessidades futuras de todos os clientes devem ser consideradas.<br />

Dantas (2005) propôs um instrumento projetual para o design de objetos que parte da<br />

análise de tendências sócio-culturais e tecnológicas, tendo como fator central do projeto o<br />

usuário. O objetivo da proposta é auxiliar o designer a compreender o perfil e as necessidades<br />

do usuário, dentro do cenário contemporâneo. A autora explica que na sociedade pósindustrial,<br />

o foco do projeto se transferiu da produção para o usuário e suas ações, assim, o<br />

objeto material passou a ser um elemento capaz de permitir a execução dessas ações, um<br />

prolongamento dos sentidos humanos, deixando de ser pensado como fonte de lucros, mas<br />

como um elemento de ligação entre o cliente e a marca.<br />

O instrumento projetual proposto por Dantas, chama-se SCENARIO (Sistema de<br />

Concepção Especulativo de Novos Ambientes Relacionados ao Individuo e ao Objeto). De<br />

modo resumido, contempla as fases de execução demonstradas na Tabela 1:<br />

Etapa Preliminar<br />

Antecede as etapas propostas no instrumento e tem como objetivo definir algumas abordagens<br />

importantes para o projeto. Assim, são estabelecidos parâmetros denominados Norteadores do<br />

Problema (NP) onde são definidos mais claramente os objetivos do projeto.<br />

Etapa 1 – A construção do Personagem e seu Cenário<br />

É determinado um perfil de personagem e o cenário para o qual o objeto será projetado. Para tal, são<br />

aplicadas técnicas específicas para a identificação das necessidades e padrões comportamentais. É<br />

a fase mais longa, pois envolve os dois elementos mais complexos da proposta: o personagem e o<br />

cenário. A autora sugere que o perfil profissional dessa etapa seja uma equipe multidisciplinar.<br />

Etapa 2 – Projeções e Simulações<br />

Esta é uma fase mais simples, pois consiste na aplicação dos dados já coletados na fase anterior. Ela<br />

tem como objetivo criar cenários de projeção e simulações, que possam incluir o novo objeto, para<br />

que o entendimento da relação deste com o personagem e o entorno seja facilitada.<br />

Etapa 3 – Uma História Possível: a descrição do novo cotidiano<br />

Esta última etapa tem por objetivo a elaboração de um material de consulta facilitada que consiga<br />

descrever um novo cotidiano, a partir da junção dos três elementos que o edificam: personagem,<br />

cenário e objetos.<br />

Tabela 1 Descrição das fases do instrumento projetual SCENARIO<br />

Segundo a autora, o principal problema a ser eliminado com o instrumento projetual<br />

sugerido é a propensão que o designer tem de realizar “auto-projeto” e a principal vantagem é<br />

a possibilidade de um afastamento do projeto dando espaço a uma visão mais crítica. Sobre<br />

a projeção de cenários futuros para o desenvolvimento de objetos, a autora explica que ao<br />

analisar o fundamento do “projetar” entende-se que se trata de uma ação para o futuro, como<br />

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As tendências e o design: metodologia de projeto do mobiliário orientada para o futuro<br />

uma previsão, intenção ou planejamento, o que reforça a idéia da utilização das informações<br />

das tendências na atividade projetual.<br />

Desse modo, é possível que se pense que as tendências ditarão um único caminho a<br />

ser seguido em se tratando da configuração do produto. No entanto, Caldas (2004) explica<br />

que:<br />

O resultado pretendido da prospecção de tendências não é provar que ‘só<br />

existe uma direção a seguir e que ela é a certa’, à maneira positivista, mas, bem<br />

ao contrário, abrir um leque de condições possíveis e plausíveis com relação<br />

ao futuro e, a partir dos sinais recolhidos no presente, construir narrativas<br />

grávidas de sentido. (p.93).<br />

A pesquisa de tendências pode, assim, contribuir para o design de mobiliário<br />

com inúmeras informações que abrangem tanto aspectos objetivos para a especificação do<br />

produto, como pela criação de sentido para valores subjetivos.<br />

Para Bürdek (2006, p. 52), as tendências são “uma forma de dar à empresa sugestões<br />

de curto prazo, de como a forma de vida e o estilo do usuário se modificam, e a que padrões<br />

ele se orienta para tirar conclusões atuais”.<br />

Considerações Finais<br />

A sociedade está em constante transformação e essas transformações estão ocorrendo<br />

de forma acelerada devido à globalização e as novas tecnologias. O projeto que por uma<br />

questão etimológica aborda uma atividade futura deve ser tratado como um trabalho de<br />

planejamento que inclui o futuro em todos os sentidos.<br />

As indústrias de móveis, por meio de seus representantes, precisam entender que para<br />

sua sobrevivência e ampliação no mercado, é necessário apresentar inovações e contemplar<br />

essas mudanças em seus produtos. Isso porque as necessidades das pessoas se modificam<br />

com o tempo e com as circunstâncias.<br />

Sobre a questão do conceito de tendências ser usado de maneira equivocada e ser<br />

amplamente confundido com aqueles que dizem respeito à moda, recomenda-se o ensino do<br />

termo e seus aproveitamentos nas disciplinas de projeto nas escolas de design.<br />

Considerando a identificação de novas variáveis ao longo do trabalho, sugere-se para<br />

a realização de novas pesquisas:<br />

- Elaboração de modelos de pesquisa de tendências específicos para o setor moveleiro;<br />

- Estudos de ferramentas para identificação de tendências;<br />

- Pesquisas sobre a viabilidade de formação de profissionais especialistas em<br />

identificação de tendências;<br />

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As tendências e o design: metodologia de projeto do mobiliário orientada para o futuro<br />

- Estudo comportamentais de pessoas de diferentes níveis sociais e culturais, regiões<br />

geográficas, entre outros, para a projeção de cenários futuros.<br />

Referências<br />

BAXTER, Mike. Projeto de Produto: Guia prático para o design de novos produtos. São<br />

Paulo: Edgard Blücher, 1998.<br />

BÜRDEK, Bernhard. <strong>Design</strong>: história, teoria e prática do design de produtos. São Paulo:<br />

Edgard Blücher, 2006.<br />

CALDAS, Dario. Observatório de Sinais: Teoria e prática da pesquisa de tendências. 2<br />

ed. Rio de Janeiro: SENAC/RIO, 2004.<br />

CAMPOS, Maria Aparecida Siqueira. A pesquisa de tendências: uma orientação<br />

estratégica no design de jóias. Dissertação apresentada à Pontifícia <strong>Universidade</strong> Católica<br />

do Rio de Janeiro para obtenção do título de Mestre em Artes e <strong>Design</strong>. Rio de Janeiro, 2007.<br />

DANTAS, Denise. <strong>Design</strong> orientado para o futuro, centrado no usuário e na análise de<br />

tendências. Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da <strong>Universidade</strong> de<br />

São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, 2005.<br />

HEEEMAN, Adriano. PEREIRA, Juliana Chags. O futuro sob a ótica do design de produtos:<br />

tendência de sustentabilidade e responsabilidade social. In: MIG – Revista Científica<br />

de <strong>Design</strong>. Abril 2008, nº 2. Edição especial ENSUS 2008 (Encontro de Sustentabilidade),<br />

Balneário de Camboriú, 2008.<br />

LÖBACH, Bernd. <strong>Design</strong> industrial: bases para a configuração dos produtos industriais.<br />

São Paulo: Edgard Blücher, 2001.<br />

MONTAÑA, Jorge. De onde vêm as tendências. Seção de Artigos, Rede <strong>Design</strong> Brasil.<br />

2005. Acesso em: 17 de Julho de 2008. Disponível em: http://www.designbrasil.org.br/portal/<br />

opiniao/exibir.jhtml?idArtigo=132<br />

MUNARI, Bruno. Das coisas nascem coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1998.<br />

NOVIK, Laura. Preparados para el futuro: Moda, diseño e tendencias. ACTO, Revista de<br />

Diseño Industrial, volume 4, No 1, Editada pela Facultad de Artes, Universitad Nacional Del<br />

Colombia, Novembro de 2005.<br />

OLIVEIRA, Ana Sofia Carreço. O estudo das tendências para o processo de design.<br />

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à <strong>Universidade</strong> do Estado de Santa Catarina<br />

para obtenção do título de Bacharel em <strong>Design</strong> Industrial. Florianópolis, 2006.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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As tendências e o design: metodologia de projeto do mobiliário orientada para o futuro<br />

VENÂNCIO. Sarah da Rocha. Estudo da Inserção do <strong>Design</strong> na Inovação de Produtos na<br />

Indústria Moveleira do Paraná: o caso do Pólo de Arapongas. Dissertação apresentada<br />

ao Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná para obtenção do título de Mestre em<br />

<strong>Tecnologia</strong>. Curitiba, 2002.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A inovação através da relação da gestão de design<br />

Com os princípios do <strong>Design</strong> Thinking<br />

Diego Daniel Casas; Mestrando em <strong>Design</strong> Gráfiico: UFSC<br />

diegodcasas@gmail.com<br />

Eugenio Andrés Díaz Merino; Dr. Engenharia de Produção: UFSC<br />

merino@cce.ufsc.br<br />

Resumo<br />

Na busca por diferenciar-se perante as concorrentes e obter lugar<br />

de destaque no mercado, as empresas utilizam de diferentes<br />

estratégias para manterem-se competitivas. O design e o modo que<br />

é gerenciado são fatores importantes nas empresas que buscam<br />

a inovação. Este artigo estabelece um paralelo entre inovação<br />

e gestão de design para então focar no objetivo principal que é<br />

relacionar a gestão de design com princípios do design thinking.<br />

Como metodologia para alcançar o objetivo foi utilizada uma<br />

pesquisa exploratória e bibliográfica. Os resultados alcançados<br />

mostram que a gestão de design está estreitamente relacionada<br />

com os princípios do design thinking (inspiração, ideação e<br />

implementação) e que estabelecer esta relação é importante para<br />

empresas que tenham como objetivo a inovação.<br />

Palavras-Chave: gestão de design; Inovação; design thinking<br />

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A inovação através da relação da gestão de design com os princípios do <strong>Design</strong> Thinking<br />

Introdução<br />

Um fator determinante para a competitividade é o grau de inovação e, empresas<br />

inovadoras tendem a atingir maior lucratividade, conforme afirma Serafim (2008). E de acordo<br />

com Gurgel:<br />

[...] a abertura econômica, o processo de privatização e de internacionalização<br />

das empresas fez com que fatores como a capacitação tecnológica, a atividade<br />

de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) e o grau de inovação tecnológica se<br />

tornassem essenciais para as empresas que quisessem competir no mercado<br />

globalizado. (GURGEL, 2006, p.68)<br />

O design, que segundo Lobach (2001) pode ser compreendido no sentido amplo como<br />

a concretização de uma idéia em forma de projetos, tem seu papel neste contexto, pois é peça<br />

participante do sistema de produção e consumo das corporações. Sendo assim, também é<br />

importante a forma como é conduzida a gestão de design neste meio. Esta é definida por<br />

Gimeno (2000, p.25) como o “conjunto de técnicas de gestão empresarial dirigida a maximizar,<br />

ao menor custo possível, a competitividade que obtém a empresa pela incorporação e utilização<br />

do design como instrumento de sua estratégia empresarial”.<br />

Por sua vez, o design thinking propõe a incorporação dos métodos de solução de<br />

problemas e de geração de idéias dos designers à organização tradicional visando ampliar<br />

horizontes e incentivar uma orientação mais inovadora (BROWN, 2010).<br />

No presente artigo, para tanto, é estabelecido um paralelo entre inovação e gestão de<br />

design para chegar ao objetivo central do artigo, que é relacionar a gestão de design com<br />

princípios do design thinking.<br />

Como metodologia será tomada como base a taxonomia proposta por Gil (2002)<br />

que separa a classificação das pesquisas em dois grupos: quanto aos objetivos e quanto<br />

os procedimentos técnicos utilizados. Inicialmente foi realizada uma pesquisa exploratória<br />

para definir os objetivos e em seguida, como procedimento técnico realizou-se pesquisa<br />

bibliográfica. Nortearem esta pesquisa artigos e livros da área de gestão de design e design<br />

thinking.<br />

Fundamentação teórica<br />

Inovação & gestão de design<br />

Segundo Gurgel (2006), atualmente os fatores de produção tradicionais – trabalho,<br />

capital e recursos naturais – já não são suficientes para assegurar o progresso. Cada vez mais,<br />

o conhecimento e a tecnologia assumem papel estratégico no processo de desenvolvimento<br />

econômico. Contudo apenas o acúmulo de conhecimento também não é suficiente. É<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 47


A inovação através da relação da gestão de design com os princípios do <strong>Design</strong> Thinking<br />

necessária a sua aplicação, que ele se torne tangível, ou em última instância, é preciso inovar,<br />

aplicar o conhecimento na solução de problemas concretos.<br />

De acordo com o mesmo autor, a capacidade de inovar se tornou um dos fatores mais<br />

relevantes na determinação da competitividade das empresas e da economia em geral. E<br />

os problemas que essas empresas e economias vêm enfrentando envolvem cada vez mais<br />

transformações, tomadas de decisões e desenvolvimento de soluções que nem sempre podem<br />

ser embasadas em experiências anteriores, o que torna a inovação fator preponderante.<br />

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) define inovação como “(...) a<br />

implementação de produtos (bens ou serviços) ou processos tecnologicamente novos ou<br />

substancialmente aprimorados. A implementação da inovação ocorre quando o produto é<br />

introduzido no mercado ou quando o processo passa a ser operado pela empresa.” (IBGE,<br />

2003: p.18)<br />

Para Schumpeter (1988) a inovação é um conjunto de novas funções evolutivas que<br />

alteram os métodos de produção, criando novas formas de organização do trabalho e, ao<br />

produzir novas mercadorias, possibilita a abertura de novos mercados através da criação de<br />

novos usos e consumos.<br />

Segundo o mesmo autor, a inovação pressupõe a entrada de cinco novos fatores: a<br />

introdução de um novo produto, a introdução de um novo método de produção, a abertura de<br />

um novo mercado (ou oceanos azuis, segundo Kim e Mauborgne, 2005), a conquista de uma<br />

nova fonte de fornecimento de matéria, e a consumação de uma nova forma de organização<br />

de uma indústria.<br />

Por sua vez, Robertson (1967 apud Wylant, 2008) propõe três tipos de inovação:<br />

- Contínua: é uma melhoria pequena sobre algo que já exista, como um novo sabor<br />

de goma de mascar.<br />

- Dinamicamente contínua: é uma grande melhoria em alguma funcionalidade já<br />

existente, como a introdução dos monitores LCD sobre os monitores de tubo.<br />

- Descontínua: é a introdução de uma significante nova tecnologia que leva a novos<br />

usos e funcionalidades, como a introdução da internet no meio da tecnologia de<br />

informação.<br />

De acordo com Gurgel (2006) o melhor aproveitamento das políticas de apoio à inovação<br />

depende de um processo interno da empresa: o processo de gestão da inovação. A gestão<br />

da inovação envolve desde as idéias das pessoas, até modelos de negócio das empresas:<br />

é uma atividade multidisciplinar e multifuncional que abrange tanto P&D, quanto produção e<br />

operações, marketing e desenvolvimento organizacional.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A inovação através da relação da gestão de design com os princípios do <strong>Design</strong> Thinking<br />

O Manual de Gestão de <strong>Design</strong> (1997) acrescenta que as atividades de uma empresa<br />

só podem ser eficazes se forem constantemente renovadas, de modo a gerar-se um conflito<br />

entre a gestão que deve ter em conta as operações atuais e a necessidade de inovação. É<br />

preciso estabelecer um fio condutor que ligue a inovação ao mundo da empresa que, do ponto<br />

de vista da sua organização e economia, é incapaz de absorver muitas das transformações<br />

que surgem.<br />

Um dos fios condutores é o design e por meio de sua gestão pode se viabilizar a<br />

ligação entre a organização (e suas estratégias) à inovação. Isto porque, segundo Phillips<br />

(2008), através da gestão de design, o designer participa na construção da visão, estratégia e<br />

vantagens competitivas da corporação.<br />

Com a mesma terminologia – gestão de design –, é possível encontrar referências a<br />

diferentes níveis. O Manual de Gestão de <strong>Design</strong> (1997) aborda dois níveis: operacional e<br />

estratégico.<br />

O nível operacional se encontra intimamente relacionado com a concepção do projeto,<br />

ou seja, com as atividades que se realizam durante o processo de transformação de uma<br />

idéia num produto físico. Já o nível estratégico, integra o design na estratégia da organização<br />

e pressupõe a aceitação e compromisso desta em dotar o design de recursos, meios e<br />

organização suficientes para desenvolvimento de projetos (MANUAL DE GESTÃO DE DESIGN,<br />

1997).<br />

Para Martins e Merino (2008, p.157), os processos operacionais “referem-se à realização<br />

efetiva do projeto e são constantemente verificados pelos processos estratégicos, que por sua<br />

vez, devem considerar o estabelecimento dos objetivos”.<br />

Em ambos os níveis, a inovação é produto do processo de gestão de design, seja no<br />

nível operacional (lançamento de novos produtos) seja no nível estratégico (novas formas de<br />

transmitir a identidade de empresa ao consumidor). E uma abordagem atual, que visa corroborar<br />

com a idéia de que a gestão de design é fundamental para a inovação das organizações é o<br />

conceito de design thinking.<br />

<strong>Design</strong> thinking<br />

Para Lockwood (2010), o objetivo do design thinking é envolver consumidores, designers<br />

e empresários num processo integrativo que pode ser aplicado ao produto, ao serviço e até ao<br />

projeto do negócio. Segundo o autor, é uma ferramenta para imaginar estados futuros e para<br />

conduzir produtos, serviços e experiências ao mercado.<br />

Como abordagem, o design thinking foca em capacidades que todos têm, mas são<br />

ignoradas por práticas mais convencionais na resolução de problemas. De acordo com Brown<br />

e Wyatt (2007) esta abordagem se baseia na habilidade do ser humano de reconhecer padrões<br />

e de construir idéias que têm significados tanto emocionais quanto funcionais.<br />

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A inovação através da relação da gestão de design com os princípios do <strong>Design</strong> Thinking<br />

De acordo com Brown (2010), o design thinking é mais bem compreendido como<br />

um sistema de sobreposição de espaços ao invés de uma seqüência ordenada de etapas.<br />

Segundo o autor, este sistema é dividido em “três espaços de inovação”: inspiração, ideação e<br />

implementação. Estas três etapas assemelham-se de maneira conceitual às três engrenagens<br />

de gestão de design propostas por Lockwood (2010) e ao funil do conhecimento de Martin<br />

(2009).<br />

Na inspiração há a coleta de insights para compreensão de como as pessoas<br />

experimentam o mundo física, cognitiva e emocionalmente, e como funcionam grupos sociais<br />

e culturas. Isto requer que o gestor-designer se exponha ao mundo e dele participe. Para Fraser<br />

(2010), é necessário entendimento profundo do consumidor. O primeiro passo é entendê-lo<br />

de maneira profunda e ampla assim como os stakeholders que fazem parte do processo.<br />

Isso ajuda a recompor o desafio do negócio inteiramente através dos olhos do usuário final<br />

definitivo e estabelecer um contexto humano de inovação e criação de valor. Patnaik (2009)<br />

acrescenta que as organizações prosperam quando aprendem a visualizar fora de si mesmas e<br />

conectam-se aos seus clientes, sendo que a melhor maneira para fazer isto é, essencialmente,<br />

imaginar o mundo da perspectiva destes.<br />

No segundo espaço do processo do design thinking, a ideação, é feita a síntese das<br />

informações obtidas durante a etapa de inspiração e geradas idéias para o projeto. Para<br />

Fraser (2010), com a descoberta das necessidades latentes durante a primeira etapa do<br />

processo, deve haver ampla exploração de possibilidades através de múltiplos protótipos e<br />

enriquecimento do conceito, de preferência com usuários. Nesta etapa também é importante<br />

um grupo de pessoas diversas e multidisciplinares envolvidas no processo. Assim, arquitetos,<br />

psicólogos, engenheiros com seus pensamentos e visões divergentes podem contribuir de<br />

maneira efetiva ao processo.<br />

Na implementação há a criação e desenvolvimento dos protótipos do projeto. Eles são<br />

fundamentais para testar e refinar as idéias geradas no espaço da ideação. Fraser (2010), diz<br />

que protótipos rápidos e simples ajudam a chegar numa ideia potencial bem antes que muitos<br />

recursos sejam gastos em desenvolvimento. Depois de finalizados deve ser desenvolvida<br />

também a estratégia de comunicação para explicar as idéias. Neste sentido, Neumeier (2009)<br />

pontua que histórias e apresentações são técnicas mais envolventes do que programas de<br />

apresentação de slides quando se quer contar com a adesão das pessoas de fato.<br />

Retomando a idéia de que não é necessário ser designer de formação para ser<br />

considerado design thinker, Brown (2008) enumera algumas características do perfil deste tipo<br />

de profissional:<br />

Empatia: vêem o mundo de múltiplas perspectivas, conseguindo se imaginar como<br />

clientes, colegas e usuários finais;<br />

Pensamento integrado: têm capacidade de ver todos os aspectos dos problemas e<br />

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A inovação através da relação da gestão de design com os princípios do <strong>Design</strong> Thinking<br />

conseguem gerar soluções que vão além das alternativas existentes.<br />

Otimismo: estes profissionais assumem que não importa as limitações do problema<br />

em questão, deve existir uma solução que é melhor que as alternativas já existentes.<br />

Experimentalismo: assumem que inovações significativas não vêm de ajustes<br />

incrementais e sim de explorar opções em direções totalmente novas.<br />

Colaboração: possuem experiência em mais de uma área; engenheiros também<br />

arquitetos, designers industriais também atropólogos.<br />

Para o design thinking fazer parte do exercício da inovação, Brown (2008) pontua<br />

diversas sugestões, entre as quais:<br />

Começar pelo começo: envolver os design thinkers desde o início do processo de<br />

inovação.<br />

Adotar uma abordagem centrada no homem: junto às considerações tecnológicas<br />

e do negócio deve-se analisar o comportamento humano, suas necessidades e<br />

preferências.<br />

Testar cedo e freqüentemente: incentivar início da prototipagem e experimentação<br />

o quanto antes.<br />

Procurar ajuda externa: expandir o ecossistema de inovação, procurando<br />

oportunidades para co-criar com clientes e consumidores.<br />

Misturar projetos grandes e pequenos: gerir uma carteira de inovação que se<br />

estende desde as idéias incrementais de curto-prazo às revolucionárias de longo-prazo.<br />

Na prática, o design thinking já foi incorporado ao processo de várias organizações.<br />

A japonesa Shimano, em 2007, criou um novo tipo de bicicletas de passeio que multiplicou<br />

suas vendas. A indiana Aravind, de tratamentos oftalmológicos, desenvolveu um sistema de<br />

diagnóstico de doenças oculares que atingiu áreas remotas da Índia. A finlandesa Nokia, por<br />

sua vez, fez com que seus celulares tornassem-se plataformas de diversos serviços. E o<br />

americano, Bank of America, finalmente, desenvolveu um serviço que facilitou o troco das<br />

compras de seus usuários (BROWN, 2009).<br />

Segundo Cooper, Junginger e Lockwood (2010) o crescimento do design thinking<br />

tem ajudado a promover a sensibilização para a gestão de design em diferentes níveis da<br />

organização e com isso contribuído para uma imagem mais clara desta.<br />

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A inovação através da relação da gestão de design com os princípios do <strong>Design</strong> Thinking<br />

Clark e Smith (2010) acreditam que quanto mais o design thinking é usado para inovar<br />

e resolver problemas em várias profissões, mais o design em si será utilizado em decisões<br />

significativas que moldam o futuro coletivo no mundo dos negócios.<br />

Considerações finais<br />

Com o presente artigo pode se perceber inicialmente a contribuição que pode ter a<br />

gestão de design para que as empresas alcancem soluções inovadoras, uma vez que através<br />

desta gestão, o design viabiliza a ligação entre a organização (e suas estratégias) à inovação.<br />

No que tange à abordagem do design thinking, é objetivo do artigo entender como os<br />

princípios de cada uma das três etapas abordadas relacionam-se com a gestão de design.<br />

Na etapa inicial, da inspiração, a gestão opera em nível predominantemente estratégico,<br />

uma vez que são analisados padrões, tendências e comportamentos que possam inspirar as<br />

soluções para o projeto em questão. O gestor-designer deve, portanto, estar atento ao mundo<br />

ao seu redor, já que diferentes situações – às vezes até análogas – podem proporcionar insights<br />

para solução do problema de projeto.<br />

Na etapa seguinte da ideação, o nível que predomina na gestão é operacional, já que<br />

nesta etapa são sintetizadas as idéias da etapa anterior e os times multidisciplinares, de visões<br />

divergentes partem para a geração de idéias convergentes para o projeto.<br />

Na implementação, terceira etapa do sistema, a gestão opera de maneira equivalente<br />

em ambos os níveis. Em nível operacional há a criação e desenvolvimento dos protótipos do<br />

projeto e, em nível estratégico, há o desenvolvimento da estratégia de comunicação das idéias<br />

desenvolvidas.<br />

Pôde ser percebido que ambos os níveis de gestão de design estão presentes nos<br />

princípios propostos pelo design thinking e, da mesma forma que empresas enxergam a inovação<br />

como uma das principais fontes de diferenciação e vantagem competitiva, seria interessante<br />

a elas incorporar o conceito de design thinking em seu processo organizacional. Isto, além<br />

de mostrar novos caminhos para as empresas, facilitaria com que estas compreendessem a<br />

importância da gestão de design no âmbito organizacional que é ser uma ferramenta facilitadora<br />

para atingir soluções competitivas, eficientes e inovadoras.<br />

Referências<br />

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Diálogo entre design e emergência<br />

O metadesign como estratégia projetual para problemas da alta<br />

complexidade na área de design<br />

Rui Alão; Prof. Me.: <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

ruialao@gmail.com<br />

Resumo<br />

Este artigo visa colocar algumas possibilidades de abordagem<br />

dos fenômenos emergentes no contexto da pesquisa e da prática<br />

do design, trazendo um conceito de projeto que valoriza as<br />

abordagens bottom-up em conjunto com as técnicas projetuais<br />

tradicionais, caracteristicamente top-down. As propostas da<br />

aplicação de técnicas de metadesign são tratadas e colocadas<br />

como possibilidade de estratégia na abordagem de problemas de<br />

alta complexidade na área do design.<br />

Palavras-Chave: design, emergência, metadesign<br />

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Diálogo entre design e emergência<br />

O metadesign como estratégia projetual para problemas da alta complexidade na área de design<br />

Vaga-lumes e amebas<br />

O viajante que se aventurar pelas florestas do sudeste da Ásia tem boa chance de<br />

assistir a um grande espetáculo noturno: a dança de luzes emitidas por dezenas de milhares<br />

de vaga-lumes. O interessante é que, embora os flashes emitidos pelos vaga-lumes comecem<br />

de forma desordenada, aos poucos entram em sincronia perfeita e assim ficam por longos<br />

períodos. O mecanismo que efetua a sincronia, no entanto, permaneceu misterioso por muito<br />

tempo.<br />

O matermático Steven Strogatz (2003, p. 11) relata que, no começo do século XX<br />

foram levantadas muitas hipóteses disparatadas sobre o assunto. Alguns atribuíam a sincronia<br />

a condições específicas da atmosfera, outros a desqualificavam como simples coincidência.<br />

Havia muitas teorias sobre o assunto, mas nenhum estudo científico conduzido com um<br />

mínimo de rigor. A opinião que conseguia angariar mais apoio era a de que havia um vagalume<br />

chefe que funcionava como maestro do espetáculo, regendo o resto do grupo.<br />

Em meados da década de 60, o biólogo John Buck e sua esposa viajaram para a<br />

Tailândia com a intenção de estudar o fenômeno. Eles coletaram um boa quantidade de vagalumes<br />

dos bancos dos rios de Bangkok e os soltaram à noite no quarto do hotel. No início, os<br />

insetos se debateram de encontro às paredes e ao teto. Assim que se aquietaram, começaram<br />

a emitir os flashes de forma desencontrada. Aos poucos, grupos de dois ou três ganhavam<br />

sincronia mútua. Mais tarde, os grupos entravam em sincronia entre si e, com o tempo, todos<br />

estavam piscando juntos.<br />

Mais tarde, através de experiências em laboratório, Buck descobriu duas coisas:<br />

primeiro, que os vaga-lumes tinham um ritmo interno de pulsar, isto é, que não só entravam<br />

em sincronia, mas também que havia um pulso relativamente constante entre os flashes, e<br />

segundo, que este pulso não era absoluto e podia ser influenciado por outro pulsar. Emitindo<br />

estímulos luminosos sobre alguns vaga-lumes, Buck conseguiu fazer com que mudassem<br />

de ritmo. Eles entravam em fase com os estímulos emitidos no ambiente: aceleravam ou<br />

desaceleravam conforme fosse mais fácil para entrar em ritmo com o estímulo externo.<br />

Num agrupamento de vaga-lumes, cada um está emitindo e recebendo sinais<br />

continuamente, mudando o ritmo dos outros e tendo o seu próprio ritmo<br />

também modificado em resposta. Em meio ao burburinho generalizado, a<br />

sincronia emerge de algum modo espontaneamente. Assim, somos levados a<br />

aceitar uma explicação que seria impensável há apenas algumas décadas —<br />

os vaga-lumes organizam-se mutuamente. (STROGATZ, 2003, p. 13)<br />

No livro citado, Strogatz investiga outros exemplos de sincronias que emergem<br />

espontaneamente. Cada um deles são também exemplos do fenômeno emergente em<br />

sistemas complexos, o mesmo fenômeno investigado por Steven Johnson (2003).<br />

As histórias dos dois autores apresentam vários pontos de conexão.<br />

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Diálogo entre design e emergência<br />

O metadesign como estratégia projetual para problemas da alta complexidade na área de design<br />

Para abordar o tema da emergência, Johnson nos conta sobre o comportamento de<br />

um tipo de ameba chamada de Dictyostelium discoideum. Ela oscila entre um comportamento<br />

unicelular e multicelular, conforme haja ou não abundância de alimento no ambiente. Quando<br />

em forma multicelular, o organismo segue em busca de alimento e movimenta-se de forma<br />

orgânica e gregária, aparentando ser um único organismo rastejante. Quando em forma<br />

unicelular, ele “desaparece”, dispersando-se em várias células independentes e sendo<br />

virtualmente indetectável.<br />

No estudo destas amebas, e da mesma forma que com os vaga-lumes, a dúvida<br />

recaía sobre o mecanismo que faz com que o discoideum oscile de comportamento e,<br />

principalmente, como consegue comportar-se coerentemente, ou seja, ter uma estratégia<br />

eficiente de sobrevivência.<br />

As primeiras hipóteses, como no caso anterior, também reivindicavam a existência de<br />

células mestras:<br />

[...] a crença geral era de que as agregações de discoideum se formavam<br />

pelo comando de células líderes, que ordenavam que as outras células<br />

começassem a se agregar. [...] Nós estamos naturalmente predispostos a<br />

pensar em termos de líderes, quer falemos de fungos, sistemas políticos ou<br />

nossos próprios corpos. Nossas ações parecem ser governadas, na maior<br />

parte dos casos, por células-líder em nossos cérebros e, durante milênios,<br />

fomentamos elaboradas células-líder em nossas organizações sociais, seja na<br />

forma de reis ou ditadores, ou até de vereadores. (JOHNSON, 2003, p. 11)<br />

E novamente, como no caso anterior dos vaga-lumes, estas suposições estavam<br />

erradas: nunca foram encontradas as células-líder, para desespero de muitos pesquisadores.<br />

Descobriu-se que as células individuais do discoideum se comunicam através de sinais<br />

químicos que disparam padrões de comportamento diferentes. O interessante, porém, é que<br />

não há um comando central, mas sim um fenômeno emergente, isto é, um comportamento<br />

que surge a partir da interação de inúmeras partes independentes e muito simples. Estas<br />

partes só se comunincam com os seus vizinhos imediatos e não tem percepção ou controle<br />

sobre o fenômeno como um todo.<br />

As duas histórias que apresentamos têm em comum o surgimento de um padrão de<br />

comportamento complexo a partir de uma negociação entre inúmeras partes: a sincronia<br />

espontânea dos vaga-lumes ou os padrões de agrupamento das amebas. Em ambos os<br />

casos nos chamam a atenção a organização espontânea e a falta total de uma estrutura<br />

hierárquica de comando: é a partir de cada agente (no caso, cada indivíduo) que o padrão<br />

surge e se estabiliza. O surgimento de padrões através de processos emergentes se dá de<br />

forma bottom-up, isto é, de baixo para cima: surge no nível da ocorrência e se manifesta no<br />

todo do sistema.<br />

Os processos emergentes, no entanto, não se restringem a fazer surgir sincronias entre<br />

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Diálogo entre design e emergência<br />

O metadesign como estratégia projetual para problemas da alta complexidade na área de design<br />

vários agentes. Eles fazem surgir padrões a partir da troca de informações entre inúmeras<br />

partes de um mesmo sistema. O ambiente ou contexto no qual estes padrões surgem são<br />

chamados de sistemas complexos. São exemplos de sistemas complexos colônias de<br />

formigas, sistemas de distribuição de mercadorias em cidades, a economia de mercado, e<br />

o próprio cérebro humano. Estes sistemas têm em comum o fato de agregarem inúmeros<br />

agentes que, de alguma forma, interagem constantemente, de modo que o estado do sistema<br />

num dado momento é resultante destas interações. Uma de suas características é a robustez.<br />

Para usar os exemplos dados acima, uma falha de distribuição de uma mercadoria numa<br />

cidade, por exemplo, raramente causa uma crise na escala da cidade. Esta mercadoria<br />

pode ser substituida por outra, ou sua raridade pode fazer seu preço subir por algum tempo.<br />

A cidade, no entanto, continua funcionando. A morte de um grupo de formigas não afeta<br />

decisivamente o formigueiro e a queda das ações de uma empresa não põe em cheque toda<br />

a economia de mercado. Todos os dias alguns de nossos neurônios morrem, e nem porisso<br />

temos nossas atividades cerebrais comprometidas. Os sitemas complexos têm uma série<br />

de mecanismos de feedback negativo, que fazem com que, ao ocorrer uma perturbação no<br />

sistema, este encontre um novo ponto de equilíbrio. Esta característica é que chamamos de<br />

robustez dos sistemas complexos: eles estão sempre se adaptando e procurando novos<br />

pontos de equilíbrio.<br />

Assim, as propostas top-down raramente surtem efeito quando o problema é complexo<br />

o bastante, pois esbarram na robustez característica dos sitemas complexos. Nós podemos,<br />

no entanto, tentar atuar sobre o sistema de modo a ativar alguns de seus mecanismos de<br />

feedback de forma a disparar algumas respostas. As proposições do metadesign — e são<br />

muitos os seus formatos e abordagens — tentam fazer exatamente isto. A seguir, explicitaremos<br />

a relação entre os fenômenos emergentes e o metadesign enquanto proposta projetual.<br />

Metadesign e emergência<br />

Bem, os problemas de design vêm se tornando mais dinâmicos e mais complexos,<br />

envolvendo cada vez mais elementos. Christopher Alexander, famoso arquiteto austríaco,<br />

antecipa, já em 1964, a questão dos novos problemas de projeto nos seguintes termos:<br />

- os problemas de projeto se tornaram por demais complexos.<br />

- a quantidade de informações necessárias para a resolução de problemas<br />

de projeto elevou-se de tal forma que o designer por si só não as consegue<br />

coletar nem manipular.<br />

- a quantidade de problemas de projeto aumentou rapidamente.<br />

- a espécie de problemas de projeto, comparada a épocas anteriores, vem se<br />

modificando em ritmo acelerado, de forma que se torna cada vez mais raro<br />

poder se valer de experiências anteriores. (ALEXANDER, 1964 apud BÜRDEK,<br />

2006, p. 251)<br />

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Diálogo entre design e emergência<br />

O metadesign como estratégia projetual para problemas da alta complexidade na área de design<br />

A questão é retomada trinta anos mais tarde por John Chris Jones, designer galês<br />

preocupado com as questões metodológicas do design, que segue na mesma linha, afirmando<br />

que as causas da necessidade de um novo paradigma de projeto é a complexidade crescente,<br />

diferenciando dois tipos: a que deriva da formulação do próprio problema e a que deriva das<br />

negociações entre os ‘atores’ do processo. Para encaminhar a questão, Jones formula quatro<br />

perguntas:<br />

1. Como os designers lidam com a complexidade?<br />

2. De que forma os problemas modernos de design são mais complicados que<br />

os tradicionais?<br />

3. Quais são os obstáculos interpessoais na solução de problemas de design?<br />

4. Por que os novos tipos de complexidade ficam fora do escopo do processo<br />

tradicional de design? (JONES, 1992, p. 27)<br />

Duas características parecem estar presentes nas duas listas: o aumento da<br />

complexidade e o surgimento de novos tipos de problemas.<br />

Na verdade, a noção de projeto é, de certa forma, a de planejar uma modificação da<br />

realidade, a de impor-se sobre ela. Ao contrário da noção de emergência, a noção de projeto,<br />

fundamental para a área de design, é essencialmente top-down, isto é, de cima para baixo.<br />

Nos últimos trinta anos, no entanto, tem havido quem queira elaborar algum tipo de<br />

diálogo entre estes aparentes opostos: o design e os processos emergentes.<br />

Elisa Giaccardi, pesquisadora e webartist, escreveu vários artigos em parceria com<br />

Gerhard Fischer, diretor do Center for Lifelong Learning and <strong>Design</strong> na <strong>Universidade</strong> do Colorado,<br />

sobre o tema do metadesign, além de sua tese de doutorado. Ela entende o metadesign como<br />

uma cultura emergente de design e rejeita a noção de metadesign como uma abordagem<br />

de design já estabelecida e incorporada pela cultura. Para ela, teorias e práticas de design<br />

vêm usando a abordagem do metadesign a partir dos anos 80 em vários campos diferentes:<br />

design gráfico, industrial, engenharia de software, design de informação e de interação, design<br />

biotecnológico, arte, arquitetura, etc. (GIACCARDI, 2003).<br />

Metadesign é um ambiente conceitual emergente direcionado para a definição<br />

e criação de infraestruturas sociais e técnicas nas quais novas formas de design<br />

colaborativo podem surgir. Ele estende a noção tradicional de design de sistema<br />

para além do desenvolvimento original para incluir um processo coadaptativo<br />

entre usuários e o sistema, onde os usuários se tornam codesenvolvedores ou<br />

codesigners. (GIACCARDI e FISCHER, 2004, online).<br />

Nessa perspectiva, como se vê acima, dá-se a inclusão dos usuários como participantes<br />

da fase projetual. O metadesign se insere ainda no contexto das estratégias de design<br />

contemporâneas que lidam com a falta de previsibilidade da dinâmica dos problemas a serem<br />

enfrentados pelo projeto de design. Para uma adequada resposta a esta característica a autora<br />

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Diálogo entre design e emergência<br />

O metadesign como estratégia projetual para problemas da alta complexidade na área de design<br />

prega a incorporação dos fenômenos de emergência.<br />

Num mundo que não é previsível, improvisação e inovação são mais do que<br />

um luxo, são uma necessidade. O desafio do design não é uma questão de se<br />

desvencilhar da emergência, mas de incluí-la e fazer dela uma oportunidade<br />

para soluções mais criativas e adequadas. (GIACCARDI e FISCHER, 2004,<br />

online).<br />

Em um de seus artigos, a autora confronta os paradigmas projetuais tradicionais e o<br />

metadesign:<br />

design tradicional<br />

regras<br />

representação<br />

conteúdo<br />

objeto<br />

perspectiva<br />

certeza<br />

planejamento<br />

top-down<br />

sistema completo<br />

criação autônoma<br />

mente autônoma<br />

soluções específicas<br />

design como instrumental<br />

responsabilidade, decisão racional<br />

metadesign<br />

exceções e negociações<br />

construção<br />

contexto<br />

processo<br />

imersão<br />

contingência<br />

emergência<br />

bottom-up<br />

semear (seeding)<br />

cocriação<br />

mente distribuída<br />

espaços de solução<br />

design como adaptativo<br />

modelo afetivo, interacionismo incorporado<br />

Tabela 1: Tabela comparativa entre características do design tradicional e do metadesign<br />

(Fonte: adaptado de GIACCARDI, 2004, online)<br />

Os binômios colocados no quadro acima evidenciam a mudança de paradigma proposto<br />

pela abordagem do metadesign, principalmente no que tange à questão do poder: emergência<br />

em contraste com planejamento, bottom-up em contraste com top-down, cocriação em<br />

contraste com criação autônoma, contingência em contraste com certeza. O metadesign<br />

abre, portanto, um espaço para que outros atores, ou stakeholders — para usar a expressão<br />

de Krippendorf (2000) — possam tomar seu lugar num cenário de projeto de design mais<br />

aberto à colaboração. É através desta perspectiva que encaramos o uso da emergência para<br />

elaboração de novos modelos de interação entre stakeholders no projeto de design.<br />

Outros defensores da incorporação dos fenômenos emergentes na dinâmica de projeto<br />

de design são os pesquisadores Gregory Van Alstyne e Robert Logan, ambos professores<br />

do Ontario College of Art and <strong>Design</strong> no Canadá. Eles publicaram há pouco tempo um artigo<br />

conjunto no qual tentam elaborar um manifesto do design inovador. Num primeiro momento,<br />

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Diálogo entre design e emergência<br />

O metadesign como estratégia projetual para problemas da alta complexidade na área de design<br />

constatam o que acabamos de afirmar: a natureza top-down do design em contraste com a<br />

bottom-up dos processos emergentes:<br />

Emergência é um processo da natureza que não implica em intervenção ou<br />

intenção humana, enquanto que o design é caracterizado pela intenção,<br />

cognição e conceituação humanas. Como tal, design é caracteristicamente<br />

um processo top-down no qual o designer, trabalhando como um artista,<br />

começa com os efeitos e resultados e procura pelas causas que trarão<br />

estes à tona. Em contraste, emergência é um processo bottom-up no qual<br />

os componentes do sistema se auto-organizam através de suas interações<br />

umas com as outras sem uma intenção singular e abarcante. O designer está<br />

tipicamente no controle do processo de design, enquanto na emergência os<br />

componentes do sistema não controlam o resultado — eles simplesmente o<br />

influenciam através de suas interações mútuas. (VAN ALSTYNE e LOGAN,<br />

online, p. 12).<br />

A seguir, os autores estabelecem semelhanças e diferenças entre os processos de<br />

design e processos emergentes, como mostra a tabela abaixo, transcrita a partir do artigo.<br />

design<br />

Caracterizado pela intencionalidade<br />

do designer<br />

Cognitivo e conceitual<br />

Top-down<br />

Controlador<br />

Fixação de relacionamentos<br />

Define contornos<br />

emergência<br />

Caracterizada pela autonomia de agentes<br />

massivamente múltiplos<br />

A-cognitivo e a-conceitual<br />

Bottom-up<br />

Influenciador<br />

Manutenção de relacionamentos<br />

Explora e testa contornos<br />

Tabela 2: Tabela comparativa entre design e emergência<br />

(transcrito de ALSTYNE e LOGAN, online, p. 6)<br />

Na tabela de Alstyne e Logan podemos lembrar a de Giaccardi presente na página<br />

anterior deste trabalho, que compara design tradicional e metadesign.<br />

Nela, sua autora relaciona o paradigma do design tradicional à procura de “soluções<br />

específicas” e o metadesign (este que incorpora fenômenos emergentes), a “espaços de<br />

solução”. Vê-se desde a posição de Giaccardi um alargamento das possibilidades de solução<br />

e uma abertura para negociações entre os vários níveis de um sistema para que uma solução<br />

surja. Não existe, portanto, uma só solução, mas todo um espaço de soluções, o qual deve<br />

ser explorado no sentido de proporcionar relevância aos interessados.<br />

Em seu artigo, no entanto, Van Alstyne e Logan comparam diretamente design<br />

e emergência — não existe, para eles, um processo de design que incorpora fenômenos<br />

emergentes, mas sim o próprio processo emergente como equivalente do processo de design.<br />

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Diálogo entre design e emergência<br />

O metadesign como estratégia projetual para problemas da alta complexidade na área de design<br />

Em nossa opinião, a comparação se justifica na medida em que design e emergência<br />

são ambos processos que geram ordem a partir da desordem; o design o faz por meio de um<br />

projeto (que é, ele mesmo, a expressão desta ordem) e a emergência através de processos<br />

de feedback e auto-organização. A articulação desta ordem seria, portanto, comum aos dois<br />

processos, uma espécie de ponte, a qual, segundo os autores, deve ser transposta a fim de<br />

que o design incorpore elementos emergentes.<br />

A partir desta constatação, os autores lançam algumas hipóteses. A primeira é a de<br />

que “um design inovador é um design emergente” e a de que “uma relação homeostática<br />

entre design e emergência é condição requerida para inovação” (ALSTYNE e LOGAN, online,<br />

p. 8 e 9). Em resumo, há que se encontrar um equilíbrio dinâmico entre processos top-down<br />

e bottom-up para que inovações relevantes socialmente possam ocorrer.<br />

Para que a inovação possa emergir com sucesso (uma ‘inovação por design’),<br />

as atividades intencionais por trás dela devem buscar incorporar tanto design<br />

quanto emergência, cada um com seu respectivo papel. (VAN ALSTYNE e<br />

LOGAN, online, p. 8)<br />

O ponto-chave para que os processos emergentes possam ser despertados é, ainda<br />

segundo Van Alstyne e Logan, a participação ativa da comunidade. Seria fundamental “projetar<br />

com” a comunidade. E sendo o próprio design uma face da sociedade e da cultura, porque<br />

não incorporar as características emergentes destas instâncias? Assim, cria-se a perspectiva<br />

de um design que pode evoluir em conjunto com seu contexto social. Ora, ao fazer isso, isto<br />

é, ao tornar o processo projetual algo que permeia todos os envolvidos nos contextos do<br />

problema enfrentado pelo projeto, faz-se do processo de design uma instância social e política,<br />

onde diferentes papéis são então remodelados para servir ao binômio problema-solução. Ao<br />

envolver novos stakeholders nos mecanismos decisórios do processo projetual, este se torna<br />

uma instância de alta relevância social, na medida em que as decisões, antes tomadas pelo<br />

designer em nome de clientes, usuários, produtores, distribuidores, interatores, redatores e<br />

outros tantos papéis, podem ser agora tomadas em conjunto com aqueles que vão usufruir<br />

do produto de design.<br />

Constatando que a própria cultura é um fenômeno emergente, fica claro, segundo os<br />

autores mencionados, que o projeto que atende aos seus anseios deve ter, igualmente, uma<br />

natureza emergente. (VAN ALSTYNE e LOGAN, online, p. 19)<br />

Abrir o processo de design à comunidade interessada é assumir que os problemas<br />

que são enfrentados pelo designer são, de alguma forma, imprevisíveis e que o designer,<br />

individualmente, tem limites na capacidade de antecipá-los completamente. Giaccardi e<br />

Fischer também apontam para este problema:<br />

Faz parte das premissas básicas que usos e problemas futuros não podem ser<br />

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Diálogo entre design e emergência<br />

O metadesign como estratégia projetual para problemas da alta complexidade na área de design<br />

completamente antecipados no momento do design, quando um sistema é<br />

desenvolvido. Usuários, no momento do uso, descobrirão descompassos entre<br />

suas necessidades e o suporte que um dado sistema pode fornecer. Estes<br />

descompassos podem levar a colapsos que servirão como fonte potencial de<br />

novos insights, novos conhecimentos e novos entendimentos. (GIACCARDI e<br />

FISCHER, 2004, online)<br />

A incorporação de processos emergentes pode fazer com que os problemas sejam<br />

resolvidos enquanto estão sendo formados, como acontece frequentemente com os processos<br />

de programação open source, nos quais vários programadores espalhados pelo mundo se<br />

dedicam de forma mais ou menos independente, a um projeto específico. Como há um certo<br />

teor de auto-organização, muitas vezes problemas que surgem enquanto o desenvolvimento<br />

está ocorrendo são revolvidos quase que simultanemente ao seu surgimento.<br />

Ou seja, com a incorporação de processos emergentes e a inserção da comunidade<br />

no processo de design, forças bottom-up e top-down podem, em conjunto, gerar soluções<br />

inovadoras e que incluem, desde sua gênese, a possibilidade de construir soluções projetuais<br />

que englobam o mecanismo do próprio problema e que, portanto, podem evoluir junto com<br />

ele.<br />

O designer que pensa os sistemas<br />

No contexto contemporâneo, é importante, em nossa opinião, que o design possa ter<br />

um modo operativo que consiga lidar com problemas sistêmicos, isto é, problemas que se<br />

localizam menos em instâncias isoladas e mais nas relações existentes entre estas instâncias.<br />

Bürdek já apontava para esta necessidade:<br />

Um mundo cada vez mais complexo não pode ser mais dominado pelo<br />

designer individualmente. A teoria dos sistemas foi reconhecida como disciplina<br />

importante e que poderia ser útil para o design. Ela ganha hoje uma nova<br />

atualidade, quando se procura [...] pensar o design sistematicamente, quer<br />

dizer, de forma integral e em rede. (BÜRDEK, 2006, p. 256)<br />

O fato que mencionamos anteriormente neste artigo, a crescente complexidade dos<br />

problemas de design aponta, de um lado, para as limitações do designer enquanto indivíduo,<br />

de abarcar e prever todos os fatores importantes para a proposição de soluções viáveis e<br />

eficientes para problemas complexos. De outro, aponta para um outro tipo de abordagem,<br />

na qual o designer pode se voltar para o próprio sistema enquanto instância de colocação e<br />

articulação das variáveis do problema.<br />

Tentaremos, através de um exemplo, explicitar esta hipótese.<br />

Num certo momento histórico, o problema da rapidez do deslocamento humano pôde<br />

ser abordado pela criação de um artefato que nos levasse mais rapidamente de um ponto a<br />

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Diálogo entre design e emergência<br />

O metadesign como estratégia projetual para problemas da alta complexidade na área de design<br />

outro: o automóvel.<br />

Na medida em que o automóvel se inseriu na malha viária urbana, o problema do<br />

deslocamento humano começou a tomar outra dimensão: deixou de ser o do artefato e<br />

passou a ser do sistema onde ele se insere. Obviamente, outras variáveis passaram a fazer<br />

parte do problema: a largura das vias e as conexões entre elas, as diferentes áreas da cidade<br />

com diferentes densidades populacionais e diferentes tendências de uso (algumas voltadas<br />

para a moradia, outras, para a indústria ou para o comércio), os diferentes tipos de veículo,<br />

as interfaces entre os vários tipos de transporte e mesmo o comportamento dos motoristas.<br />

Hoje, não se trata mais de desenvolver um outro artefato, um outro automóvel — mais<br />

rápido, mais potente — que resolva o deslocamento nas grandes cidades, pois o problema do<br />

deslocamento não está mais no artefato, está no sistema. Um automóvel de corrida se move<br />

com a mesma desenvoltura de um carro popular num dia de trânsito justamente porque o<br />

problema não pode ser mais resolvido no nível do artefato, ou seja, do automóvel. O problema<br />

do deslocamento foi se revestindo de uma complexidade tão grande que sua solução migrou<br />

do artefato para o ambiente onde ele atua. Projetar um novo automóvel que seja menor,<br />

menos poluente, que consuma menos combustível, é lógico, é um objetivo legítimo, mas para<br />

aumentar a velocidade de deslocamento nas grandes metrópoles temos que abordar outro<br />

problema e este vai muito além do artefato em si. Temos que ter — e aprender a ter, já que não<br />

fomos formados com este paradigma em mente — uma visão sistêmica do problema.<br />

Pensar e projetar no nível dos sistemas é, assim, fundamental. Sem a familiaridade com<br />

este tipo de problema — e acreditamos que os problemas sistêmicos se configuram como<br />

um tipo de problema muito diferente daquele solucionável pelo projeto de um novo objeto —<br />

estaremos condenados a pensar o objeto como solução e, muitas vezes, a continuar focando<br />

nossos esforços naquilo que não tem mais relevância quanto ao problema real a ser resolvido.<br />

Ora, se o problema pode ser caracterizado como sistêmico e, como sabemos, os<br />

fenômenos emergentes são uma forma de fomentar ordem dentro de um sistema complexo,<br />

partir de uma concepção de projeto que possa lidar com esta complexidade — sem reduzi-la<br />

ou evitá-la — é de importância fundamental.<br />

Se olharmos para a área do planejamento urbano, por exemplo, que trata de problemas<br />

de grande complexidade, aplicar uma abordagem bottom-up pura equivaleria a deixar a<br />

cidade se autogerir, sem instâncias decisórias que possam articular a pluralidade urbana. Ora,<br />

é fácil perceber que, conforme cresce a complexidade de uma cidade, a auto-organização<br />

não dá conta de lidar com os problemas que surgem. Uma cidade pode lidar muito bem<br />

com um sistema viário “natural” se a sua complexidade for mínima, se tiver, digamos, alguns<br />

poucos milhares de habitantes. A partir do momento em que esta complexidade cresce, que<br />

a ocupação fica mais densa, as ruas são mais utilizadas e chegam a um ponto de saturação.<br />

Um sistema viário não tem uma capacidade infinita de dar vazão ao tráfego, pelo contrário,<br />

é preciso de lideranças, gerenciamento, organização, ou seja, de projeto. Mas um projeto<br />

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Diálogo entre design e emergência<br />

O metadesign como estratégia projetual para problemas da alta complexidade na área de design<br />

que não se articule exclusivamente pelo viés top-down, um que tenha em conta a dinâmica<br />

do problema e as comunidades envolvidas e saiba aprender com elas, um que saiba fazer o<br />

cidadão — o agente do sistema — se inserir no problema.<br />

É preciso encarar o fato de que um certo teor de poder centralizado é necessário para<br />

um bom planejamento, pois nem toda concentração de poder é ruim, castradora e deletéria.<br />

Ao mesmo tempo, e esta é a nossa hipótese, parece haver um estágio de complexidade<br />

onde a abordagem puramente top-down de um problema complexo também entra em<br />

colapso, pois a visão do todo é tão generalizante e tem que levar em conta tantas variáveis<br />

que simplesmente não dá conta de solucionar todas as facetas do problema. O projeto topdown<br />

tem a forte tendência de simplificar o problema para poder solucioná-lo. E, em termos<br />

de sistemas complexos, simplificar o problema é fugir deste mesmo problema.<br />

Acreditamos, finalmente, que o próprio discurso do design tem um caráter emergente,<br />

pois além de podermos pensar soluções emergentes para problemas do design, podemos<br />

também fazer com que o design — enquanto saber e enquanto prática — seja pensado de<br />

forma emergente.<br />

Em outras palavras: se até agora defendemos um modo de fazer com que o design se<br />

utilize de fenômenos emergentes para chegar a soluções de problemas complexos, podemos<br />

também fazer com que os fenômenos emergentes — como a linguagem e os discursos —<br />

se utilizem do design para elaborar a si mesmos. Ou seja: podemos tentar imaginar como a<br />

emergência pode pensar o design.<br />

Afinal, tratamos aqui de uma forma de fazer com que certos problemas apresentados<br />

ao designer sejam tratáveis através de métodos ligados aos sistemas complexos. Ora, nos<br />

esquecemos que a rede de discursos na qual nos emaranhamos é, ela também, um sistema<br />

complexo, com seus próprios agentes, suas próprias dinâmicas e que cria, de tempos em<br />

tempos, seus padrões, seus grandes discursos, suas tendências e escolas de pensamento.<br />

Assim, acreditamos que tanto o design pode se debruçar sobre fenômenos emergentes<br />

quanto o contrário.<br />

Se aceitarmos o que diz Krippendorff quando afirma que o “design deve continuamente<br />

reprojetar seu próprio discurso e ele próprio” (2000, p. 93), talvez o discurso do design também<br />

possa ser pensado não apenas como uma multiplicidade, mas como um sistema complexo,<br />

que gera, de vez em quando, alguns padrões dos quais nos apropriamos para pensar nossos<br />

projetos e também a dinâmica dos projetos de design. Nestes termos, esperamos que este<br />

artigo tenha, de alguma forma, contribuído para esta dinâmica.<br />

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Diálogo entre design e emergência<br />

O metadesign como estratégia projetual para problemas da alta complexidade na área de design<br />

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new design space. Tese de doutorado. 2003, online em acessado em out/2007.<br />

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softwares. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.<br />

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Setembro de 2000.<br />

STROGATZ, Steven. SYNC: How order emerges from chaos in the universe, nature and<br />

daily life. New York: Hyperion books, 2003.<br />

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Um estudo sobre a linguagem da ilustração e o design<br />

gráfico<br />

Jorge Paiva; Mestrando em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

jorgeapaiva@hotmail.com<br />

Resumo<br />

O presente artigo estuda a relação entre a ilustração e o design<br />

gráfico no projeto gráfico de um livro ilustrado, a discussão<br />

acontece através de um estudo de caso do livro de Fernando<br />

Vilela, Lancelote e o Lampião. O estudo é desenvolvido utilizando<br />

como ferramenta de análise a semiótica Peirciana lida pelo livro<br />

Matrizes da <strong>Linguagem</strong> e pensamento da autora Lúcia Santaella e<br />

o objetivo é compreender através do estudo de linguagem algumas<br />

relações entre o ilustrador e o designer na construção do signo<br />

das páginas do livro.<br />

Palavras-Chave: ilustração; inguagem; design gráfico<br />

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Um estudo sobre a linguagem da ilustração e o design gráfico<br />

Há um consenso entre os autores LOOMIS (1947), DONDIS (2007) e ZEEGEN (2009)<br />

de que ilustrar é transmitir uma mensagem através de imagens e, é a partir deste pensamento<br />

que comumente a ilustração é definida como uma arte figurativa. O objeto de estudo deste<br />

artigo é a ilustração narrativa, este termo é empregado por autores reconhecidos, como por<br />

exemplo, E. H. Gombrich no livro Arte e Ilusão. Embora o autor, não Forneça uma definição<br />

do termo, fica claro que ele refere-se à obras que contam uma história através de imagens. O<br />

mesmo termo, ilustração narrativa, foi definido pelo brasileiro Rui de Oliveira como um gênero<br />

da ilustração:<br />

A ilustração narrativa está sempre associada a um texto, que pode ser literário<br />

ou musical, como é o caso das ilustrações para capa de CDs e DVDs. No<br />

entanto, o que fundamentalmente caracteriza esse gênero são o narrar e<br />

o descrever histórias através de imagens, o que não significa em hipótese<br />

alguma uma tradução visual do texto. A ilustração começa no ponto em que o<br />

alcance literário do texto termina, e vice-versa (Oliveira, 2008, p.44).<br />

Os livros infantis são o tema da linha de pesquisa de Rui de Oliveira, e a ilustração<br />

narrativa que ele se refere é a ilustração que tem o intuito de contar uma história, de narrar<br />

uma cena, para Oliveira “Ilustrar é a arte de sugerir narrativas” (Oliveira, 2008, p.60). Outros<br />

gêneros de ilustração foram definidos por Rui, como a ilustração informativa e a ilustração<br />

persuasiva. A ilustração informativa é típica dos livros de medicina e botânica e a ilustração<br />

persuasiva utilizada pela publicidade. Evitando reducionismos, vale colocar as palavras de Rui<br />

quanto ao caráter híbridos destes gêneros, “As três divisões tem acima de tudo um aspecto<br />

didático, uma vez que esses gêneros agem muitas vezes ao mesmo tempo, influenciando-se<br />

mutuamente. No entanto, do ponto de vista formal, em termos conceituais, comportam-se<br />

de maneira distinta” (Rui de Oliveira, 2008, p.44). Portanto, as ilustrações em geral possuem<br />

níveis diferenciados de informatividade, persuasão e narrativa.<br />

Toda esta responsabilidade de expressar um pensamento ou contar uma história<br />

sem dizer uma única palavra requer que o ilustrador tenha um conhecimento específico de<br />

articulação da linguagem visual. Durante seu processo de formação o ilustrador aprende a<br />

trabalhar com o ponto, linha, plano, composição, ritmo visual, teoria das cores, dramatização e<br />

caracterização dos personagens, cenários e diversos outros conceitos específicos à profissão.<br />

Quando a ilustração é inserida em um projeto gráfico a responsabilidade do designer não é<br />

menor.<br />

Embora a linguagem visual seja um eixo comum entre o ilustrador e o designer, o<br />

pensamento em articular a linguagem ou as linguagens é diferenciado, independente se o<br />

ilustrador e o designer são ou não o mesmo individuo. Podemos configurar uma linha de<br />

pensamento através da autora Lúcia Santaella, que alicerçada por Décio Pignatari compara a<br />

poesia ao design: “Por aí se vê por que o poeta é um configurador de mensagens, um designer<br />

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Um estudo sobre a linguagem da ilustração e o design gráfico<br />

da linguagem, no dizer de Jakobson e a poesia um diagrama de sentidos e ressonâncias que<br />

acabam por se assemelhar à aquilo que conotam” (Santaella, 2009B, p.302). Deste ponto<br />

de vista, uma vez que ilustrar é comunicar uma mensagem através de imagens, poderíamos<br />

comparar o ilustrador ao poeta como alguém que configura a mensagem de uma imagem.<br />

Parece assim, mais justo separar as diferenças entre as profissões do designer e do ilustrador<br />

por meio da forma como é pensada ou articulada a linguagem visual em cada profissão.<br />

Através desta definição de que o ilustrador é articulador da mensagem, e designer articulador<br />

das linguagens, que surge o argumento de que ambos os de processos trabalho caminham<br />

indissociáveis na formação da mensagem visual.<br />

Antes de iniciarmos a análise, cabe introduzir brevemente a semiótica Peirciana que<br />

conheci através do livro Matrizes da linguagem e Pensamento da pesquisadora Lucia Santaella.<br />

Digo brevemente, pois seria inviável em um artigo descrever todo modelo de matrizes híbridas<br />

de Lúcia Santaella e todo seu embasamento na semiótica de Charles S. Peirce. Portanto,<br />

a introdução dos conceitos serve muito mais como uma guia para o leitor buscar maiores<br />

informações, do que uma literatura esclarecedora do tema. Lúcia Santaella definiu que “o<br />

estudo da imagem é, assim, um empreendimento interdisciplinar” (Santaella, 2009A, p.13).<br />

Com a ilustração, de modo específico, isso não é diferente. Há uma vasta bibliografia sobre<br />

linguagem visual, história da arte e estudo da imagem pronta para ser acessada pelos<br />

estudantes e interessados em ilustração. A busca pela semiótica Peirciana como ferramenta<br />

para um estudo de linguagem da ilustração é proveniente da necessidade de empregar uma<br />

metodologia de análise. Além disso, a pesquisa de Santaella sobre linguagem visual dentro<br />

das matrizes fornece uma espinha dorsal para análise da ilustração e um modo de organizar<br />

a leitura da imagem, o que auxilia no pensar e repensar a ilustração. A lógica de análise<br />

de Santaella nos fornece um panorama das possibilidades, decompondo uma imagem em<br />

diferentes nichos de análise, e compondo assim, um pensamento fluído e ao mesmo tempo<br />

estruturado.<br />

Peirce definiu a semiótica como a teoria geral dos signos, ele “dedicou toda a sua vida<br />

ao desenvolvimento da lógica entendida como teoria geral, formal e abstrata dos métodos de<br />

investigação utilizados nas mais diversas ciências” (Santaella, 2002, p.XII). É importante dizer<br />

que o estudo dos signos é muito antigo, e sua história poderia ser aqui reconstruída desde o<br />

mundo grego até o século XX quando a semiótica ficou conhecida como ciência dos signos. A<br />

semiótica não é uma ciência com objeto de estudo delimitado, e é apenas uma das disciplinas<br />

que compõem a extensa obra de Charles S. Peirce, e ainda existem outras correntes da<br />

semiótica que não serão abordadas aqui.<br />

A lógica de análise de Peirce é anticartesiana, partindo do princípio de que a lógica<br />

deve estabelecer uma tabela formal e universal de categorias a partir da mais radical análise de<br />

todas as experiências possíveis. Este pensamento surgiu a partir da insatisfação de Peirce dos<br />

modelos de categorias aristotélicas, consideradas mais gramaticais que lógica, e também com<br />

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Um estudo sobre a linguagem da ilustração e o design gráfico<br />

as teorias kantianas e hegelianas. Peirce dedicou-se intensamente à elaboração de categorias<br />

universais à todos os fenômenos. Na base da teoria analítica de Peirce está o Signo, o Objeto<br />

e o Interpretante. O Signo é determinado pelo objeto, e é o que representa o objeto para um<br />

interpretante, por isso mesmo é signo. O Objeto não é sinônimo de coisa, mas, é o que se<br />

presentifica ao interpretante graças á mediação do signo. O interpretante não é o sinônimo<br />

de interpretação, mas o processo inteiro de geração de interpretantes. Assim fica claro na<br />

semiótica Peirciana que é impossível falar de signo sem que haja objeto e interpretante. Existem<br />

ainda, nas categorias de Peirce outra tríade que foram usadas pra distinguir três espécies de<br />

signos ou representações: Ícone, índice e símbolo. O ícone é um signo capaz de representar<br />

seu objeto meramente em função de qualidades que possui, independente da existência ou<br />

não do objeto. O índice é um signo que está existencialmente conectado com um objeto que<br />

é maior do que ele. O símbolo é um signo que funciona como tal objeto, porque é estabelecido<br />

por convenção, usado e entendido como representado. Outra tríade na obra de Peirce referese<br />

ao interpretante como remático, dicente e o interpretante como argumento, que não serão<br />

abordadas aqui. Peirce definiu ainda muitas outras tríades que partem para decomposições<br />

cada vez mais refinadas. Estas classificações são fluídas, sobrepondo-se uma as outras e as<br />

rápidas definições aqui são mais um modo de refrescar a memória de alguns, sendo ideal um<br />

conhecimento prévio para uma compreensão mais profunda dos conceitos.<br />

Foi embasada na semiótica de Peirce que Lúcia Santaella desenvolveu seu modelo de<br />

matrizes híbridas. Segundo seu modelo existem três matrizes da linguagem e do pensamento,<br />

a matriz sonora, a visual e a verbal, sendo elas híbridas. A lógica da matriz verbal por exemplo<br />

não necessariamente precisa estar manifesta em palavras, assim como a lógica da matriz<br />

sonora não necessariamente deva estar manifesta como som. Assim sendo Santaella enfatiza<br />

que:<br />

Quando se trata de linguagens existentes, manifestas, a constatação imediata<br />

é a de que todas as linguagens, uma vez corporificadas, são híbridas. A<br />

lógica das três matrizes e suas 27 modalidades, desdobradas em 81, nos<br />

permite inteligir os processos de hibridização de que as linguagens se<br />

constituem. Na realidade, cada linguagem existente nasce do cruzamento<br />

de algumas submodalidades de uma mesma matriz ou do cruzamento entre<br />

submodalidades de duas ou três matrizes. Quanto mais cruzamentos se<br />

processarem dentro de uma mesma linguagem, mais híbrida ela será. Desse<br />

modo, por exemplo, a linguagem verbal oral, a fala, apresenta fortes traços de<br />

hibridização tanto com a linguagem sonora quanto com a linguagem visual na<br />

gestualidade que a acompanha. (Santaella, 2009B, p.379)<br />

A hibridização acontece de diversas maneiras nas matrizes. No caso da ilustração<br />

inserida na matriz da linguagem visual, podemos pensar na fala de Santaella “A visualidade,<br />

mesmo nas imagens fixas, também é tátil, além de que absorve a lógica da sintaxe, que vem<br />

do domínio sonoro. A verbal é a mais misturada de todas as linguagens, pois absorve a sintaxe<br />

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Um estudo sobre a linguagem da ilustração e o design gráfico<br />

do domínio sonoro e a forma do domínio visual” (Santaella, 2009B, p.371).<br />

A lógica das três matrizes e suas modalidades engendradas por Santaella tem como<br />

objetivo criar um “patamar intermediário entre os conceitos Peircianos e as linguagens<br />

manifestas, de modo que as modalidades verbal, visual e sonoro possam servir de mediação<br />

entre a teoria Peirciana e a semiótica aplicada” (Santaella, 2009B, p.29) uma vez que o nível de<br />

abstração dos conceitos de Peirce é muito elevada e dificulta à aplicação direta dos conceitos<br />

nas linguagens manifestas ou processos concretos de signos. Cada uma das três matrizes,<br />

como vimos, foram divididas em 27 modalidades que podem ser usadas como uma espécie<br />

de mapa guia de uma análise. Evidentemente não vou comentar cada uma delas aqui, mas,<br />

estas serão abordadas durante à análise de forma explicativa, cabe ainda adicionar alguns<br />

critérios de Lúcia Santaella quanto ao caráter híbridos destas modalidades:<br />

A classificação é uma espécie de rede para ser utilizada na elucidação<br />

das formas visuais. Evidentemente, essas formas, quando manifestas,<br />

dificilmente apresentam como casos puros de cada uma das modalidades<br />

ou submodalidades. Ao contrário, a maior parte das formas de representação<br />

visuais nasce da mistura e da intersecção de algumas das submodalidades.<br />

Isso significa que a classificação não deve funcionar como uma itemização<br />

estática e monovalente, mas como focos da inteligibilidade que sejam capazes<br />

de despertar o olhar e de funcionar como bússolas de orientação para leitura<br />

dos princípios lógicos que comandam as configurações da linguagem visual<br />

(Santaella, 2009B, p.260).<br />

Assim, a utilização da classificação das matrizes funcionam mais como uma guia da<br />

lógica abstrata que deve atentar mais à manifestação do objeto do que na classificação pura<br />

e simples, sendo assim um processo flexível para apoio.<br />

A matriz da linguagem visual no modelo de Santaella está alicerçada na forma, assunto<br />

que foi desenvolvido amplamente pela Gestalt, ou, teoria da forma que surgiu na Alemanha<br />

no princípio do século XX. A autora deixa claro que os estudos da Gestalt contribuíram para<br />

formulação de seu modelo. Santaella dividiu as formas visuais em três modalidades, as formas<br />

não-representativas, as formas figurativas e as formas representativas. Definindo as formas<br />

não-representativas da seguinte forma:<br />

dizem respeito à redução da declaração visual a elementos puros: tons, cores,<br />

manchas, brilhos, contornos, formas, movimentos, ritmos, concentrações<br />

de energia, textura, massas, proporções, dimensão, volume, etc (Santaella,<br />

2009B, p.210).<br />

As formas figurativas foram explicadas da seguinte maneira:<br />

Assim sendo, formas figurativas dizem respeito às imagens que basicamente<br />

funcionam como duplos, isto é, transpõem para o plano bidimensional ou<br />

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Um estudo sobre a linguagem da ilustração e o design gráfico<br />

criam no espaço tridimensional réplicas de objetos preexistentes e, o mais<br />

das vezes, visíveis no mundo externo. São formas referenciais que, de um<br />

modo ou de outro, com maior ou menor ambigüidade, apontam para objetos<br />

ou situações em maior ou menor medida reconhecíveis fora daquela imagem.<br />

Por isso mesmo, nas formas figurativas, é grande o papel desempenhado<br />

pelo reconhecimento e pela identificação que pressupõem a memória e a<br />

antecipação no processo perceptivo. Nessas formas, que buscam reproduzir<br />

o aspecto exterior das coisas, os elementos visuais são postos a serviço da<br />

vocação mimética, ou seja, produzir a ilusão de que a imagem figurada é igual<br />

ou semelhante ao objeto real (Santaella, 2009B, p.227).<br />

E por último as formas representativas:<br />

As formas representativas, também chamadas de simbólicas, são aquelas que,<br />

mesmo quando reproduzem a aparência das coisas visíveis, essa aparência é<br />

utilizada apenas como meio para representar algo que não está visivelmente<br />

acessível e que, via de regra, tem um caráter abstrato geral” (Santaella, 2009B,<br />

p.246).<br />

Segmentei meu processo de análise em três partes, a imagem, o diagrama e a mensagem.<br />

Esta divisão foi inspirada na divisão de Peirce, dos signos icônicos em imagem, diagrama e<br />

metáfora. Na separação de Peirce “A imagem estabelece uma relação de semelhança com<br />

objeto puramente no nível da aparência” (Santaella, 2002, p.18), “O diagrama representa<br />

seu objeto por similaridade entre relações internas que o signo exibe e as relações internas<br />

do objeto que o signo visa representar” (Santaella, 2002, p.18) e por último, “A metáfora<br />

representa o objeto por similaridade no significado do representante e no representado. Ao<br />

aproximar o significado de duas coisas distintas, a metáfora produz uma faísca de sentido que<br />

nasce de uma identidade posta à mostra” (Santaella, 2002, p.18)<br />

A estrutura e motivos da minha classificação diferem dos motivos Peirce,<br />

consequentemente o sentido do uso das palavras, imagem e diagrama não devem ser utilizados<br />

em comparativos a semiótica Peirciana. Na minha organização de análise a mensagem é a<br />

parte do processo que vou relacionar a mensagem da ilustração ao texto ou contexto ao<br />

qual ela se refere. É um primeiro contato com a ilustração, como um vôo de reconhecimento<br />

do terreno. O diagrama, visa descrever a hierarquia, o significado e a relação dos elementos<br />

diagramados na página e também a concepção do projeto gráfico e sua influência visual na<br />

ilustração. A imagem, é a ilustração em si, neste ponto do processo a análise foca-se em<br />

estudar as formas não-representativas, as formas figurativas e as formas representativas na<br />

ilustração e sua relação com o diagrama. Como as tríades de Peirce o meu modelo é fluído,<br />

sendo que Imagem, Diagrama e Mensagem influenciam-se entre si.<br />

Após a descrição prévia do método de análise, vamos ao objeto de estudo. O livro<br />

Lancelote e o Lampião de Fernando Vilela que recebeu menção honrosa no Prêmio Bolonha<br />

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Um estudo sobre a linguagem da ilustração e o design gráfico<br />

Ragazzi em 2007. O livro foi escolhido devido a sua linguagem que valoriza a relação entre o<br />

projeto gráfico e a ilustração.<br />

Figura 1. Esta é a capa do livro de Fernando Vilela, as cores metálicas foram feitas através do processo de hot<br />

stamping. Vilela (2006)<br />

A mensagem<br />

Tendo em vista o argumento apresentado acima – do designer como configurador<br />

das linguagens – é necessário agora apresentar o termo designer da linguagem, do autor<br />

Décio Pignatari. O <strong>Design</strong>er da <strong>Linguagem</strong> é descrito por Pignatari como: “aquele capaz de<br />

perceber e/ou criar novas relações e estruturas de signos” (Pignatari, 2002, p.18). O designer<br />

da linguagem está inserido na sociedade contemporânea, onde as diferentes mídias entram<br />

em atrito, contaminação, interferência e mesclam umas às outras interferindo de modo global<br />

no comportamento da comunidade:<br />

Daí que o nosso século é o século do planejamento, do design e dos designers:<br />

o desenho industrial e a arquitetura passam a ser estudados e projetados como<br />

mensagens e como linguagens; escritores, poetas, jornalistas, publicitários,<br />

músicos, fotógrafos, cineastas, produtores de rádio e televisão, desenhistas,<br />

pintores e escultores começam a ganhar consciência de designers, forjadores<br />

de novas linguagens (Pignatari, 2002, p,18).<br />

Neste processo de inovar as linguagens insiro também os ilustradores, que através<br />

da necessidade de expressar uma idéia visualmente, nas últimas décadas utilizam-se cada<br />

vez mais de diferentes materiais, técnicas mistas, e recebem influências de outras mídias e<br />

suportes. Tomemos como exemplo, o caso de Fernando Vilela, ilustrador e escritor do livro<br />

Lancelote e o Lampião. A narrativa do livro parte do possível encontro entre Lancelote, o<br />

guerreiro dos contos da Távola Redonda do Rei Arthur e Lampião o famoso cangaceiro do<br />

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sertão nordestino. No texto do livro existem duas referências de linguagem que caracterizam<br />

cada um dos dois personagens. A narrativa em prosa e em tom épico evocam e refere-se à<br />

Lancelote. As estrofes compostas em sextilha – ou seja seis versos – referem-se à Lampião,<br />

sendo a estrutura de sextilha típica da literatura de cordel que é famosa na terra natal do<br />

cangaceiro. O embate entre os dois guerreiros é também um embate cultural, de quem faz o<br />

melhor repente. Nas ilustrações a hibridização de linguagens continua, entretanto vamos nos<br />

aprofundar neste efeito no tópico da imagem.<br />

Figura 2. Páginas seis e sete do livro de Lancelote e o Lampião. Vilela (2006)<br />

Definido o universo macroscópico do livro, vamos focar nossa análise em um universo<br />

microscópio na página seis e sete do livro. Por fins didáticos, foi escolhida uma ilustração do<br />

livro para análise. Uma vez que, a relação entre a ilustração e o projeto gráfico é continua ao<br />

longo de todo o livro, qualquer ilustração do livro poderia ter sido escolhida. Embora o artigo<br />

não tenha a pretensão de formular uma análise semiótica do texto é interessante ressaltar<br />

algumas relações importantes. O texto que acompanha a imagem é uma poesia, encaixase<br />

na modalidade de descrição qualitativa da matriz verbal de Santaella. “As palavras aí não<br />

representam, elas são aquilo que querem dizer, são aquilo de que falam”(Santaella, 2009B,<br />

p.298). No primeiro parágrafo há uma qualidade metafórica, “Viviane a grande flor”. A metáfora,<br />

para Aristóteles, consiste em transportar para uma coisa o nome de outra. Os três parágrafos<br />

seguintes estão nos domínios da qualidade imagética, que se refere à imagem mental que<br />

temos a partir dos estímulos do texto. Estes estímulos que vemos no texto tornam a relação<br />

de texto e imagem muito mais interessante, uma vez que as imagens mentais se misturam à<br />

imagem da ilustração criando uma fluída sensação de imersão. Temos nas imagens mentais<br />

invocadas pelo texto a alma do cavaleiro da ilustração, sua história, sua aura. No ponto que as<br />

imagens mentais mesclam-se a imagem da ilustração é como se o personagem da ilustração<br />

ganhasse vida através do estímulo do texto sobre um interpretante.<br />

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Um estudo sobre a linguagem da ilustração e o design gráfico<br />

Figura 3. Zoom no texto de Fernando Vilela (2006).<br />

No texto da página sete não é dito que o herói anunciado pelo texto é o personagem<br />

Lancelote da lenda do rei Arthur, mas, o leitor que seguir a sequência desde as primeiras<br />

páginas terá lido esta informação anteriormente, ou mesmo na capa do livro. Abaixo estão as<br />

duas primeiras páginas duplas, e o padrão de páginas duplas acontece todo o livro. O livro<br />

fechado tem um tamanho de 35x24 centímetros, e aberto o livro chega a ter 70 centímetros.<br />

Figura 4. Páginas dois e três. Vilela (2006)<br />

Figura 5. Páginas quatro e cinco. Vilela (2006)<br />

Aprofundando-se nas camadas da relação texto e imagem, abordaremos agora<br />

classificações de dois autores. O primeiro deles é um autor teórico e prático da ilustração<br />

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americana, Andrew Loomis. Conhecido por sua série de livros sobre ilustração Loomis seguiu<br />

os passos do famoso ilustrador Norman Rockwell. Em seu livro Creative Illustration (1947)<br />

Loomis define três gêneros de ilustração:<br />

O primeiro tipo é a ilustração que conta uma história por completo, sem um<br />

título, texto, ou qualquer mensagem escrita para ajuda. Este tipo é encontrado<br />

em capas, cartazes, ou calendários.<br />

O segundo tipo é aquele que ilustra o título, ou, o que visualiza e leva adiante<br />

uma linha, um slogan, ou alguma mensagem escrita usada em junção com a<br />

imagem. Esta função emprega força à mensagem. Neste grupo são comuns<br />

temas que levam um curto tempo para serem lidos, como cartazes, displays<br />

e anúncios de revistas. A história e a imagem funcionam juntas com unidade.<br />

O terceiro tipo é aquele que a história da imagem é incompleta, é obviamente<br />

intencional, aguçando a curiosidade, intrigando o leitor a achar a resposta no<br />

texto. O terceiro tipo é a ilustração que poderia dizer “vem aqui” ou “advinha<br />

o que”. Muitos anúncios são construídos neste plano, para assegurar a<br />

compreensão do leitor. Caso a história fosse completamente contada o<br />

propósito seria um fracasso, e o texto poderia facilmente passar despercebido.<br />

(Loomis, 1947, p.178)<br />

Estas classificações poderiam ser cruzadas com os conceitos de Redundância,<br />

informatividade e complementaridade, abordados por Santaella, que se alicerça de<br />

Kalverkämper:<br />

As formas de relação imagem-texto aqui comentadas caracterizam os dois<br />

pólos extremos de um contínuo que vai da redundância à informatividade.<br />

Kalverkamper (1993: 207) diferencia, nessa escala, três casos: (1) a imagem é<br />

inferior ao texto e simplesmente o complementa, sendo, portanto, redundante.<br />

Ilustrações em livros preenchem ocasionalmente essa função, quando, por<br />

exemplo, existe o mesmo livro em uma outra edição sem ilustrações. (2) A<br />

imagem é superior ao texto e, portanto, domina, já que ela é mais informativa do<br />

que ele. Exemplificações enciclopédicas são frequentemente deste tipo: sem a<br />

imagem, uma concepção do objeto é muito difícil de ser obtida. (3) Imagem e<br />

texto têm a mesma importância. A imagem é, nesse caso, integrada ao texto.<br />

A relação texto-imagem se encontra aqui entre redundância e informatividade.<br />

(Santaella, 1997, p.54)<br />

A classificação abordada por Santaella parece ser melhor reconhecível pelas<br />

nominações, já as definições de Loomis são mais familiares à ilustração. No fundo as duas<br />

classificações estão apontando para as mesmas relações entre palavra e imagem e podemos<br />

utilizar ambas como guia de análise. “O caso da equivalência entre texto e imagem é descrito<br />

como complementaridade” (Santaella, 1997, p.54). É o que acontece na ilustração de Fernando<br />

Vilela, texto e imagem estão interagindo juntas como uma unidade. Assim durante a leitura é<br />

como se texto e imagem se completassem como amalgama na mente do interpretante.<br />

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O diagrama<br />

Podemos iniciar este tópico com a definição da designer e escritora Ellen Lupton:<br />

Um diagrama é a representação gráfica de uma estrutura, situação ou<br />

processo. Os diagramas podem descrever a anatomia de uma criatura,<br />

a hierarquia de uma corporação ou um fluxo de idéias. Eles nos permitem<br />

enxergar relações que não viriam à tona numa lista convencional de números,<br />

nem numa descrição verbal” (Lupton, 2008, p.199).<br />

A citação de Lupton define bem o que é um diagrama. Casualmente o termo diagramação<br />

remete ao designer gráfico e aos menos entendidos pode parecer que o designer gráfico é o<br />

profissional que organiza o texto na página, porém o designer da linguagem vai muito além.<br />

Lupton diz que em um diagrama “Marcas gráficas e relações visuais adquirem significados<br />

específicos, codificados no diagrama para representar aumentos numéricos, tamanho relativo,<br />

mudança temporal, ligações estruturais e outras circunstâncias” (Lupton, 2008, p.199). Criar<br />

marcas gráficas e relações visuais são os recursos utilizados pelo designer da linguagem para<br />

expressar idéias, organização ou desorganização, sinestesias e sentimentos.<br />

Neste tópico a preocupação da análise é identificar as relações existentes entre texto<br />

e imagem e dos elementos gráficos dentro de um diagrama, é perceber na configuração dos<br />

espaços, a hierarquia, a função e das forças perceptivas, no ritmo, e nas marcas gráficas<br />

o valor agregado ao signo. Enfim compreender a configuração das linguagens em prol de<br />

identificar o trabalho do designer das linguagens. Vamos então, retomar a relação de texto<br />

e imagem por outro ponto de vista. A relação entre texto e imagem no espaço da página foi<br />

abordada por Lúcia Santaella e chamada de relação no plano de expressão:<br />

Ao contrário das relações entre texto e imagem até aqui discutidas, que se<br />

referem, em primeiro lugar, ao plano de conteúdo, Kibédi-Varga(1989: 39-42)<br />

sugere uma tipologia das relações entre a palavra e a imagem que se relaciona<br />

mais com a forma de expressão visual comum à linguagem (na forma escrita) e<br />

à imagem. Seus três tipos são: (1) Coexistência: palavra e escritura aparecerem<br />

numa moldura comum; a palavra está inscrita na imagem. (2) Interferência:<br />

a palavra escrita e a imagem estão separadas uma da outra espacialmente,<br />

mas aparecem na mesma página (por exemplo, em ilustrações de textos<br />

como comentários textuais). (3) Co-referência: palavra e imagem aparecem na<br />

mesma página, mas se referem ao mundo uma independente da outra. Como<br />

uma outra possibilidade da relação espacial entre texto e imagem, devemos<br />

acrescentar a esta tipologia o caso da auto-referencialidade, como ela é<br />

conhecida na poesia visual. Como exemplo, temos o poema de Robert Herrick<br />

sobre o altar, que é impresso tipograficamente em uma figura mostrando o<br />

esboço de um altar. (Santaella, 1997, p.56)<br />

No caso da ilustração de Fernando Vilela, texto e imagem estão em uma relação de<br />

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coexistência no plano de expressão, ou seja, o texto está sobrepondo o fundo da imagem,<br />

interferindo no espaço pictórico. A relação sugere que o texto está saltando ou inserido no<br />

universo representado na ilustração. A relação de texto e imagem transmuta-se em uma relação<br />

entre imagem e imagem, falo da relação da ilustração com os blocos de texto. Entramos nos<br />

domínios das formas representativas.<br />

Há um outro conceito que poderia corroborar nessa relação de texto e imagem no<br />

plano de expressão, me refiro ao texto lido como imagem que foi abordado por Will Eisner.<br />

Embora o autor fale sobre a narrativa nos quadrinhos o comentário é pertinente a ilustração:<br />

“O letreiramento, tratado “graficamente” e a serviço da história, funciona como extensão da<br />

imagem. Neste contexto, ele fornece o clima emocional, uma ponte narrativa, e a sugestão de<br />

som” (Eisner, 1999, p.10). Ainda nesta questão de empregar sonoridade a palavra impressa,<br />

Richard Hollis fornece algumas informações importantes:<br />

As palavras e imagens normalmente são utilizadas em conjunto; pode ser que<br />

um dos dois – texto ou imagem – predomine, ou que o significado de cada um<br />

seja determinado pelo outro. Alguns dos exemplos mais sofisticados de design<br />

gráfico recorrem à precisão das palavras para dar sentido exato a imagens<br />

ambíguas.<br />

A palavra, quando impressa, na forma de registro da fala, perde uma extensa<br />

variedade de expressões e inflexões. Os designers gráficos contemporâneos<br />

(especialmente seus precursores, os futuristas) têm tentado romper essa<br />

limitação. Ampliando ou reduzindo os tamanhos, os pesos e a posição das<br />

letras, seu tipografismo consegue dar voz ao texto. Instintivamente, existe<br />

um anseio não só de transmitir a mensagem, mas também de dar a ela uma<br />

expressão única. (Hollis, 2005,p.1)<br />

Na intenção de transpor para um suporte impresso a sonoridade, na diagramação<br />

da página do livro de Fernando Vilela há alternância da altura e inclinação na disposição das<br />

caixas de texto, que sugerem instabilidade, dão ritmo sonoro ao texto e sugerem passagem<br />

de tempo, impregnando o texto impresso com a mímica da linguagem falada. Esta mímica da<br />

visualidade evoca na imaginação do interpretante que sente a sinestesia dos sons e caracterizese<br />

na modalidade representação imitativa. Neste caso a representação imitativa evoca não<br />

apenas os tons da sonoridade no texto, mas, também se refere à visualidade do movimento<br />

do galope do cavalo que o herói está montado. A sinestesia do galope do cavalo, embora,<br />

sugerido em outros elementos na ilustração da pagina sete – que serão abordados mais<br />

especificamente no próximo tópico – pode ser melhor compreendida quando o leitor estiver<br />

seguindo a sequência do livro, uma vez que só podemos visualizar um pequeno pedaço do<br />

pescoço do cavalo no canto inferior direito da página. Assim podemos ver que é um efeito que<br />

depende do encadeamento das imagens. O leitor aqui poderá voltar e rever as figuras 5 e 6.<br />

Quando falamos de perceber o galope do cavalo na ilustração através dos indícios<br />

rítmicos sugeridos pelos elementos visuais, estamos falando das formas representativas, na<br />

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sub-modalidade cifra de relações existenciais onde “Fragmentos, recortes visuais de situações<br />

vividas são deslocados de seu contexto habitual para fazerem parte de uma nova sintaxe<br />

engendrada” (Santaella, 2009B, p.255). Assim podemos perceber que antes que estes<br />

fragmentos de memória visuais sejam ativados eles devem existir como referência, vivência<br />

armazenada e repertório na mente do interpretante para que ele relacione o galope do cavalo<br />

ao estímulo recebido pelo ritmo visual da ilustração. Assim, vemos que a ilustração comumente<br />

dependente da experiência humana armazenada para ser interpretada.<br />

O fato de perceber o movimento em si através da configuração das formas e objetos<br />

de uma ilustração está no domínio das formas não-representativas, assim percebemos que<br />

mesmo que o leitor esteja ciente do movimento do cavalo, envolvido pelo encadeamento das<br />

páginas, e já tenha percebido a relação dos elementos gráficos com este movimento, esta<br />

percepção só é acessada no momento que a distinção entre o real e a cópia desaparece.<br />

Esta característica existe na relação entre o movimento sugerido das formas abstratas e o<br />

momento de presentificação da imagem na imaginação do leitor. Santaella caracteriza este<br />

tipo de acontecimento entre as formas não-representativas, a qualidade como possibilidade.<br />

A tipografia exerce primeiramente uma questão de leitura, é serifada e preenche sua<br />

forma no branco do papel, sobre um fundo preto. É relevante colocar a citação de Donis A.<br />

Dondis sobre a relação de cores que aparece nas caixas de texto do livro de Vilela, “Elementos<br />

claros sobre fundo escuro parecem expandir-se, ao passo que elementos escuros sobre fundo<br />

claro parecem contrair-se (Dondis, 2007, p.49). Este tipo de relação presente na cor, está nas<br />

formas não representativas, e é caracterizada por Santaella como a qualidade materializada:<br />

É uma simples presença, presentidade ou qualidade de presença, anterior a<br />

qualquer representação ou referência, anterior até mesmo a qualquer relação<br />

de similaridade, pois a pura qualidade do vermelho, ou do amarelo, ou<br />

qualquer que seja a cor, não se assemelha a nada em particular ou definitivo,<br />

pelo simples fato de que pode se assemelhar a todas as coisas vermelhas ou<br />

amarelas do mundo (Santaella, 2009B, p.214).<br />

Neste tópico vimos o quão a relação de coexistência de texto e imagem contribuem na<br />

construção e na leitura do signo, mesclando o ritmo sonoro do texto e da imagem em uma<br />

sensação única, imantadas uma à outra elas tornam-se parte de um mesmo universo dentro<br />

da mente do leitor. Antes de nos precipitarmos em maiores conclusões vamos analisar melhor<br />

a ilustração.<br />

A imagem<br />

As hibridizações de linguagens que caracterizam os designers da linguagem, não se<br />

restringem apenas ao texto, como vimos no tópico sobre a mensagem. O estilo visual de<br />

Fernando Vilela como ilustrador provém de seu trabalho com matrizes móveis e independentes,<br />

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feitas de borracha plástica, que funcionam como carimbos. Seu estilo tem sido característico em<br />

diversos livros infantis ilustrados pelo autor, como Eros e Psiquê e Desafios de Cordel. No final<br />

do livro Lancelote e o Lampião há uma descrição sobre as referências de Vilela para compor as<br />

ilustrações de Lancelote, que envolvem desde iluminuras medievais, pinturas renascentistas,<br />

além de armas e armaduras de época. Para compor o personagem Lampião as referências<br />

foram a xilogravura popular, e as fotografias da época do cangaceiro, além de cenas de filmes<br />

brasileiros como Deus e o diabo na terra do sol (1963) de Glauber Rocha. Em relação às cores<br />

da ilustração, há duas cores especiais que separam, caracterizam, identificam e comunicam<br />

com cada uma das personagens. A cor prata para armadura e utensílios metálicos de Lancelote<br />

e a cor cobre para os anéis, espingarda e apetrechos de Lampião. Estas cores contrastam<br />

com o fundo escuro, comuns à quase todas as páginas do livro.<br />

É interessante começarmos a análise da ilustração pela marca qualitativa do gesto que<br />

a ilustração carrega. Esta marca diz respeito aos vestígios derivados do processo de produção<br />

desta imagem. Percebemos, que a ilustração possui elementos que foram carimbados diversas<br />

vezes na página deixando seus vestígios. Entretanto por ser um produto da era industrial não<br />

chegou a nós como uma gravura tradicional, a ilustração foi muito provavelmente escaneada<br />

e tratada no computador. Este processo é mais evidente quando nos deparamos com as<br />

cores da ilustração, temos o preto impresso, o branco da folha de papel preservado, e temos<br />

uma cor especial metálica. Os elementos de cor metálica provavelmente não estavam na<br />

mesma página dos outros elementos quando a gravura foi artesanalmente impressa, afinal a<br />

cor metálica foi uma característica do processo de impressão mecânico e a separação desta<br />

cor muito provavelmente foi feita no computador. Vemos por ai como o processo de trabalho<br />

do ilustrador hibridiza-se com ferramentas manuais e digitais. Quanto às cores especiais é<br />

interessante dizer que na área de agradecimentos do livro Fernando Vilela agradece a um<br />

colaborador – Sérgio Sister – pela pesquisa sobre cores especiais, o que nos mostra uma<br />

visão do processo de criação e de resolução de um projeto gráfico de livro.<br />

A personagem representada na ilustração, Lancelote, carrega em si a figura como<br />

esteriótipo. Esta modalidade é definida por Santaella como “uma imagem tópica extraída do<br />

conjunto de seus estereótipos mentais” (Santaella , 2009B, p.230). Este estereótipo foi retirado<br />

da imaginação do autor “Não é de uma mera impressão visual que o desenhista parte, mas de<br />

uma idéia ou conceito visualmente representável” (Santaella, 2009B, p.230). O conceito, ou,<br />

idéia que o artista expressou foi a sua visão da série de mitos recorrentes dos guerreiros da<br />

Távola redonda. A figura não tem a pretensão de representar o mundo real externo, possuindo<br />

uma lógica própria de representação criada pelo ilustrador para o universo desta ilustração.<br />

Quando falo de figura me refiro às formas figurativas da ilustração, o personagem, o cavalo,<br />

a lança, o elmo, a armadura de placas e a capa, repletas de grafismos medievais. Todos os<br />

objetos e características citadas dentro da linguagem de expressão e representação do artista<br />

formam o estereótipo. O estereótipo comunica através de símbolos gráficos que carrega em<br />

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si a síntese de informações e leis estabelecidas por convenções culturais, evocando assim um<br />

estereótipo reconhecível pelo interpretante.<br />

A figura como estereótipo é uma sub-modalidade das formas figurativas, sendo que,<br />

uma de suas características é que não existe figura sem um fundo. Pensando nisso, a primeira<br />

relação que encontramos entre a figura e o fundo é a relação de coexistência do texto e<br />

imagem evidenciada no outro tópico. O caso dessa coexistência pode ser explicada pela<br />

citação de Andrew Loomis:<br />

O espaço em branco fala mais na página do que o tom. Isto permite que o<br />

desenho da área em branco receba outros desenhos em uma unidade pictórica.<br />

Isto isola o material importante para que possa ser lido com facilidade (Loomis,<br />

1947, p.202)<br />

Na ilustração o espaço em branco – mencionado por Loomis – corresponde ao fundo<br />

preto, que formado de uma cor chapada, libera espaço para o texto e também puxa o foco de<br />

atenção para a figura, uma vez que o olhar é guiado pelos focos de maior complexidade de<br />

informação e pelos contrastes. Enquanto relação figura e fundo, o fundo funciona dentro das<br />

leis naturais das qualidades, ou seja, através das leis que configuram a percepção humana,<br />

o fundo tem o papel de facilitar a organização dos elementos envolvidos e criar uma unidade<br />

entre eles. A cor do fundo é uma qualidade materializada, uma vez que não se assemelha a<br />

nada, ou, assemelha-se à todas as coisas de cor preta do universo. Esta escolha em criar<br />

relações entre a figura, o fundo e o texto – assim como já foi comentado – está no âmbito do<br />

diagrama, nota-se ai que o ilustrador, neste caso, tem papel fundamental na concepção do<br />

diagrama.<br />

Ainda falando das leis naturais das qualidades, podemos incluir nesta relação o ponto<br />

focal e a posição do observador. Andrew Loomis nos adverte que “A posição do observador<br />

irá determinar muito do efeito dramático” (Loomis, 1947, p.179). Na página anterior do livro<br />

temos o herói visto em um plano geral (figura 5 e 6), na página que estamos analisando<br />

(Figura 3), o autor por conveniência dramática do encadeamento da narrativa aproxima a visão<br />

do observador para próximo do rosto do herói, o que faz com que o contato emocional da<br />

personagem para com o leitor aumente. Este objetivo de dramatização buscada pelo ilustrador<br />

pode ser caracterizada como o espírito por trás da imagem. “A imaginação é contagiosa, o<br />

humor é contagioso e o espírito por de trás da imagem é noventa por cento da imagem. Você<br />

deve estar alerta para o drama todo o tempo” (Loomis, 1947, p.200). Corroborando para<br />

as palavras de Loomis, temos a importância do ponto focal para a narrativa, que depende<br />

fundamentalmente da composição da cena, como vemos na fala de Rui de Oliveira:<br />

A finalidade da composição, além de obter o equilíbrio plástico da página, é<br />

favorecer a leitura e a apreensão da narrativa. Portanto, o ato de compor está<br />

vinculado diretamente ao ato de contar histórias visuais (Oliveira, 2008, p.60)<br />

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A composição depende não apenas dos elementos que inserimos na ilustração, mas,<br />

sobre tudo da relação em que os elementos exercem uns sobre os outros, ou seja, uma<br />

linha que guia a estrutura destes elementos direcionando o olhar e hierarquizando as formas.<br />

Acrescentando a citação de Rui de Oliveira, esta é uma estrutura fundamental na construção<br />

da narrativa:<br />

Somente com um olhar interessado percebemos que a linha estrutura a<br />

ilustração, por exemplo, o direcionamento do olhar – um recurso decisivo para<br />

se contar uma história, além de prender a atenção do leitor. Esse caminho visual<br />

conduz à leitura gráfica por meio de uma hierarquia de elementos descritivos<br />

e narrativos conscientemente organizados pelo artista (Oliveira, 2008, p.124).<br />

O ponto focal da ilustração de Vilela está localizado no elmo da personagem, uma vez<br />

que, por sua qualidade figurativa, o elmo exerce uma relação importante de semelhança e de<br />

identificação com o interpretante que toma o olhar do personagem como seu, e como ponto<br />

de equilíbrio dentro da lógica da ilustração. Virtualmente criamos uma linha do horizonte na<br />

altura do olhar do personagem para guiar nossa percepção daquele universo. O nosso olhar<br />

continua sendo guiado por outras forças perceptivas, como o movimento das placas metálicas<br />

da armadura se desprendendo juntamente com os blocos de texto. Na lança encontramos<br />

uma força ascendente que nos guia para fora da página, poética pura, lirismo mimético em<br />

relação à ascensão na invocação do herói pelo texto. Outro efeito que caracteriza o ponto<br />

focal no elmo é que esta é a área com o maior peso visual da ilustração, o branco, neste caso<br />

chama atenção por sua luminosidade em meio ao fundo escuro.<br />

Figura 6. Vilela (2006)<br />

O personagem, seu elmo, a lança e corpo brilham na cor branca que se expandem<br />

sobre o preto que predomina na página e só é quebrado pela cores metálicas. Todas as<br />

formas são preenchidas por cores chapadas e não há profundidade sugerida nas formas<br />

separadamente. Andrew Loomis refere-se a esta organização do espaço: “O senso do<br />

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ilustrador de organização do espaço é a primeira indicação de criatividade” (Loomis, 1947,<br />

p.30). Esta relação da imagem quase sem profundidade de campo, configura um caso de<br />

codificação qualitativa do espaço pictórico, descrita por Santaella:<br />

Quanto mais a superfície do quadro não permite “ver através”, mas se<br />

apresenta a si mesma como superfície à ser preenchida, quanto mais as formas,<br />

destacando-se sobre um fundo neutro, dispõe-se umas ao lado das outras<br />

ou em superposição, em um contexto imaterial, mas sem lacunas, no qual a<br />

alternância rítmica de cores, ou alternâncias rítmica de claro e escuro criam<br />

uma unidade intrínseca apenas colorística ou iluminística, mais a construção<br />

figurativa tende para uma codificação meramente qualitativa (Santaella, 2009B,<br />

p.243).<br />

As formas metálicas, e em alguns casos as formas em preto, são carimbadas diversas<br />

vezes em cima da figura, sobrepondo elementos e agregando uma idéia de profundidade e<br />

movimento no espaço, que se caracteriza como uma lei natural das qualidades, contribuindo<br />

para configuração do espaço e organização dos elementos envolvidos através das leis da<br />

percepção humana.<br />

O movimento das placas de metal da armadura e da capa de Lancelote, funcionam<br />

como uma qualidade como possibilidade, uma vez que se realiza apenas no instante em que<br />

nos perdemos na diferenciação entre o mundo real e o universo da ilustração. O movimento<br />

também é uma representação imitativa, uma vez que imita ritmo e a reação do movimento<br />

do galope do cavalo. Cria também, a sinestesia de placas de metal batendo umas sobre<br />

as outras, neste caso uma cifra de relações existenciais, uma vez que o interpretante só<br />

terá essa sensação sinestésica caso já tenha previamente registrado um determinado tipo<br />

de experiência. Além desta sinestesia de movimento, temos neste caso, da cifra de relação<br />

existências, uma sugestão onírica em que as placas estão se descolando do corpo do herói<br />

em um movimento constante, como se houvessem placas infinitas que se deslocassem para<br />

dar brilho ao herói, para envolver em uma aura mística, sendo que, estas colocações atingem<br />

maior ou menor grau de percepção do interpretante dependendo talvez, de aspectos pessoais<br />

e culturais.<br />

A singularização das convenções, o estilo, é a ultima modalidade das formas figurativas<br />

que vamos abordar aqui, esta modalidade diz respeito ao estilo do artista. A série de<br />

convenções pictóricas repetidas no trabalho do artista que, não são de forma alguma uma<br />

característica do estilo de época, mas sim, a marca do artista. No caso de Fernando Vilela<br />

seu estilo, sua marca é primeiramente relacionado ao modo de produção artesanal aliado à<br />

produção industrial que o permite uma configuração única em seu trabalho. Este híbrido entre<br />

tradicional e contemporâneo são as primeiras impressões em seu estilo, que continuam sendo<br />

construídas pela sua configuração do espaço pictórico, e suas formas repletas de movimento,<br />

sinestesias e evocativas de um universo de sonhos. Todas estas características de articulação<br />

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Um estudo sobre a linguagem da ilustração e o design gráfico<br />

da linguagem, híbrida, pessoais e inovadoras vão de encontro ao pensamento dos designers<br />

da <strong>Linguagem</strong>.<br />

Conclusão<br />

É evidente no trabalho de Fernando Vilela a relação do hibridismo de linguagens entre o<br />

projeto gráfico, ilustração e texto. As imagens mentais evocadas pelo texto unem se a ilustração<br />

compondo uma imersão imaginativa ao leitor. A linguagem do texto também caracteriza os<br />

personagens confirmando sua procedência e adicionando referência cultural. No diagrama,<br />

texto e imagem dividindo o espaço na página aproximam a linguagem verbal da linguagem<br />

visual. O movimento do texto cria ritmo de leitura criando marcas gráficas que impregnam a<br />

página de sonoridade. O estilo e o estereótipo da ilustração evocam imagens de um repertório<br />

cultural ocidental que dão forma aos estímulos textuais. Assim, vemos o como as linguagens<br />

são por si só híbridas. Vimos também que a escolha das cores especiais no projeto gráfico<br />

adicionou características de linguagem que valorizaram, distinguiram e enriqueceram os<br />

personagens. Assim, vemos que o designer gráfico não é apenas o profissional que cria uma<br />

hierarquia de leitura, mas que criar marcas gráficas que agregam significados à mensagem, são<br />

assim designers da linguagem e inseridos na realidade contemporânea, o ilustrador, também<br />

participa da produção dos designer da linguagem, um pensamento propulsor da inovação.<br />

Figura 7. Páginas vinte e vinte um. Vilela (2006)<br />

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Um estudo sobre a linguagem da ilustração e o design gráfico<br />

Figura 8. Páginas trinta e trinta e um. Vilela (2006)<br />

Figura 9. Páginas trinta e oito e trinta e nove. Vilela (2006)<br />

Figura 10. Páginas quarenta e dois e quarenta e três. Vilela (2006)<br />

Referências<br />

DONDIS, Donis A. (2007). Sintaxe da <strong>Linguagem</strong> Visual. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes.<br />

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HOLLIS, Richard (2000). <strong>Design</strong> Gráfico: Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes.<br />

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Um estudo sobre a linguagem da ilustração e o design gráfico<br />

LOOMIS, Andrew (1947). Creative Illustration. New York: Paperback.<br />

LUPTON, Ellen (2008). Novos fundamentos do design. São Paulo: Cosac Naify.<br />

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PIGNATARI, Décio (2002). Informação <strong>Linguagem</strong> Comunicação. São Paulo: Ateliê Editorial.<br />

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Paulo: Iluminuras.<br />

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VILELA, Fernando (2006). Lancelote e o Lampião. São Paulo: Cosac Naify.<br />

ZEEGEN, Lawrence;Crush (2009). Fundamentos de Ilustração. Porto Alegre: Bookman.<br />

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Analisando o MECOTipo<br />

Leonardo A. Costa Buggy; Me.: <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco<br />

buggy@tiposdoacaso.com.br<br />

Resumo<br />

Este artigo apresenta o Método de Ensino de Desenho Coletivo<br />

de Caracteres Tipográficos, O MECOTipo, e discute alguns<br />

resultados obtidos com a sua implantação em duas circunstâncias<br />

distintas, uma delas ideal e outra desfavorável. A efetividade do<br />

método é avaliada a partir da análise de projetos de fontes digitais<br />

desenvolvidas entre os anos de 2009 e 2010 por alunos de<br />

cursos de graduação em design. A resultante dessas experiências<br />

e de outras, brevemente narradas no texto, indicam ajustes e<br />

incrementos que podem ser promovidos.<br />

Palavras-Chave: tipografia; desenho; fontes digitais e método<br />

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Analisando o MECOTipo<br />

O desenho de caracteres tipográficos e a coletividade<br />

A composição tipográfica de uma palavra é regulada por uma mecânica cuja dimensão<br />

é assegurada pelos espaços e corpos dos tipos de metal. Essa lógica se estende às linhas<br />

e colunas que caracterizam uma página de texto e relaciona-se com os elementos visíveis<br />

quando impressos.<br />

Nessa condição, o tamanho e a posição desses elementos podem ser especificados<br />

com precisão por meio de um sistema de medidas próprio dos tipos móveis (SMEIJERS,<br />

1996).<br />

A aplicação de tais princípios de funcionamento foi herdada pela tipografia digital,<br />

assegurando-lhe similar relação entre os grafismos dos caracteres e seus espaços.<br />

O enfoque do MECOTipo diz respeito unicamente ao desenho das formas tipográficas<br />

não contemplando sua articulação. As operações referentes ao preparo e geração de arquivos<br />

digitais necessários a instalação das fontes em sistemas operacionais não são compreendidas.<br />

Em outras palavras, a programação que dá ânimo ao sistema de medidas que combina letras,<br />

números e demais sinais usados pela escrita não é abordada.<br />

Todavia, os procedimentos contemplados pelo método consideram fortemente uma<br />

perspectiva humanizada do desenho que conjuga o pensamento de pelo menos três autores<br />

na sua essência.<br />

O primeiro deles, Freinet (1977), entende o desenho como produto de uma habilidade<br />

resultante do processo natural da tentativa experimental no qual o homem busca crescer,<br />

suplantar obstáculos, afirmar sua personalidade e se perpetuar. O segundo, Moreira (1987),<br />

ressalta-o simplesmente como linguagem; a primeira escrita do homem, que o permite lançarse<br />

à frente, projetar-se. Por fim, o último e mais pragmático afirma que: “O desenho é um<br />

processo de criação visual que tem propósito.” (WONG, 1998, p.41).<br />

Ao explorar recursos que incluem tanto os traços gestuais quanto a lógica modular na<br />

concepção de caracteres, o MECOTipo reúne aspectos emotivos e racionais do desenho para<br />

estimular os designers interessados na produção tipográfica contemporânea. Mais que isso,<br />

o método considera o desenho de caracteres tipográficos, ou de tipos, um projeto de design.<br />

Esse tipo de projeto é uma atividade complexa e precisa. É difícil alterar substancialmente<br />

a forma das letras sem prejudicar a sua legibilidade. De qualquer modo, no campo das formas<br />

estabelecidas existem muitas possibilidades de variações estruturais tais como: inclinação do<br />

eixo, serifa, peso, altura de x e contraste (CHENG, 2006).<br />

A amplitude dos dados encerrados nessa atividade assemelha-se a da construção de<br />

um sistema de identidade visual, sinalética ou mesmo embalagem. O desenho de caracteres<br />

tipográficos é tão laborioso quanto qualquer outro plano para resolução de questões imputadas<br />

ao design.<br />

Para entender esse preceito é preciso compreender o status quo de uma vertente do<br />

design em particular. O atual contexto cultural e tecnológico no qual se insere o design gráfico<br />

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Analisando o MECOTipo<br />

permite que um profissional experimente grande quantidade de idéias em um curto espaço<br />

de tempo. Muitas vezes é possível gerar diversas alternativas para a solução de um mesmo<br />

problema.<br />

Essa prerrogativa atua sobre a tipografia interferindo em dois níveis de compreensão<br />

que relacionam-se entre si: a micro-tipografia, que abrange o desenho das letras e os detalhes<br />

de sua conformação, e a macro-tipografia, que abrange a composição de palavras, linhas,<br />

colunas e páginas, justificação, tamanhos, hierarquia de conteúdos, etc. (HEITLINGER, 2006;<br />

WILLBERG; FORSSMAN, 2007).<br />

Assim, numa realidade povoada de opções infindáveis para escolha e uso de uma<br />

fonte, o desafio do designer passa a ser eliminar as piores soluções e achar a mais adequada<br />

sem, contudo, perder-se nas diferentes possibilidades (STOLTZE, 1997).<br />

Muitos editores de grandes publicações buscam diferenciar seus produtos, dentre<br />

outros aspectos, pelo desenho tipográfico. Hendel (2003) chega a afirmar que o tipo da letra<br />

tem tanta influência sobre outras partes da página que, enquanto não definido, interrompe o<br />

fluxo do projeto. Desse modo, a construção de uma fonte digital pode ser interpretada como<br />

um projeto de design que muitas vezes antecede o desenvolvimento de outros, mas que em<br />

nada difere em valor ou grau de complexidade.<br />

Curioso é observar que a multidisciplinaridade e a ação conjunta são prerrogativas<br />

para a atuação de várias equipes de desenvolvimento dentro das empresas de design.<br />

Powell (1998) trata da atividade do design executada de forma coletiva, definindo pelo menos<br />

dois papéis: gerente de design e demais membros de uma equipe. O autor ainda trata de<br />

motivação e adequação de tarefas ao perfil de cada sujeito, discorrendo sobre capacidades<br />

e realizações de grupos de produção nas páginas do seu artigo ‘A organização da gestão de<br />

design’ publicado no <strong>Design</strong> Management Journal durante o final dos anos 1990.<br />

Projetar coletivamente é uma ação comum a prática profissional contemporânea do<br />

design. Ainda assim, sua adoção contraria boa parte do que se tem escrito sobre metodologia<br />

de desenho tipográfico. Fugir do individualismo, discutir abertamente problemas e trabalhar em<br />

comum com outrem no mesmo projeto é uma proposta que permitiu-se ser lançada a conta<br />

de um novo estado de ânimo da tipografia, sobretudo verificado no âmbito nacional. “Assim<br />

como muitas outras áreas do saber, a tipografia, nas últimas décadas parece atravessar um<br />

momento de revisão de valores e redefinição de territórios.” (FARIAS, 2000, p. 13).<br />

Frente a tal ajustamento coloca-se o MECOTipo, uma alternativa metodológica que<br />

não pretende ser única ou mesmo tomada como modelo absoluto. Lembrando o caráter<br />

introdutório de sua obra e revelando sua intenção, Buggy (2007, p. 12) esclarece: “Esse método<br />

pretende apontar um caminho, com algumas possibilidades, e informar o mínimo necessário<br />

para percorrê-lo.”. Do mesmo modo, outros autores também apontam seus caminhos.<br />

Sobre o grau de acerto desses métodos de desenho de caracteres, Cheng (2006) chama<br />

atenção para o fato de não existir um único processo correto para criar fontes. Mas, ao passo<br />

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Analisando o MECOTipo<br />

que reconhece a eficácia e a diversidade das metodologias, a professora da <strong>Universidade</strong> de<br />

Washington também as revela como individuais, únicas e cambiantes em função dos projetos.<br />

Mesmo que contraditórias, as diversas perspectivas do desenho tipográfico são sentidas<br />

como certas por seus proponentes. Todas são igualmente válidas, atestadas pelo sucesso<br />

profissional de cada designer. Essas vozes, recorrentemente conflitantes, são testemunhas<br />

de um simples fato: grande parte dos tipógrafos assimila o processo de desenhar tipos como<br />

uma atividade profundamente pessoal e subjetiva, ainda que nem todos concordem com isso<br />

(EARLS, 2002).<br />

O MECOTipo toma parte nesta recusa e nega a imposição da individualidade e da<br />

subjetividade como recursos únicos do desenho de caracteres. A eles, somam- se coletividade<br />

e objetividade para enriquecer e facilitar o processo de aprendizado.<br />

O MECOTipo<br />

Considerações de ordem pedagógica e técnica estão envolvidas na concepção do<br />

MECOTipo criando condições para a sua reprodução (BUGGY, 2007). Estas considerações<br />

fundamentam os postulados do método, os quais organizam-se em: parâmetros teóricos/<br />

metodológicos e parâmetros práticos.<br />

Os parâmetros teóricos/metodológicos preocupam-se em assegurar as condições<br />

adequadas para a implementação dos parâmetros práticos que sugerem uma seqüência<br />

de experimentos, ou exercícios específicos, na qual à medida em que a complexidade dos<br />

desafios propostos aumenta, os designers em formação envolvidos são levados a produzir<br />

coletivamente.<br />

Para que tais parâmetros funcionem em conjunto há um programa de aulas que<br />

coordena a aquisição do conteúdo teórico e técnico com a seqüência de experimentos. Esse<br />

programa pode ser ajustado, sem perder suas características, adaptando-se aos participantes<br />

e às mudanças ocorridas durante o desenrolar das aulas.<br />

O MECOTipo também possui um sistema de avaliação próprio desenvolvido a partir da<br />

formulação dos postulados que compõem os parâmetros práticos para analisar os resultados<br />

obtidos a partir da sua execução. Projetado para avaliar desenhos de caracteres de fontes<br />

display, esse sistema resulta em afirmações lingüísticas compreensíveis que valorizam e<br />

orientam os designers em formação.<br />

Todo o conteúdo teórico dedicado ao desenho de tipos necessário a uma boa evolução<br />

durante a vivência dos experimentos ainda está contemplado pelo método. Trata-se de um<br />

compêndio a respeito da constituição e percepção das formas de caracteres tipográficos.<br />

Dado a complexidade do sistema de avaliação e o volume do compêndio ambos não<br />

serão apresentados neste trabalho. Apenas o reflexo de suas configurações comporá, mais<br />

a frente, a análise dos resultados apresentados pelo emprego do método e as propostas de<br />

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Analisando o MECOTipo<br />

revisão do mesmo. Caberá a seguir, tão somente, uma descrição paramétrica do MECOTipo.<br />

São quatro os postulados que constituem os parâmetros teóricos/metodológicos<br />

propostos pelo autor do Método de Ensino de Desenho Coletivo de Caracteres Tipográficos.<br />

Postulado 1: Contexto e participação do professor.<br />

Próprio de uma atividade educacional, recomenda-se que tal método seja<br />

implementado em sala de aula em condições habituais do sistema de ensino<br />

superior em design, com carga horária mínima de 48 horas e ideal de 60 horas.<br />

A observação do contexto natural auxilia no entendimento da realidade dos<br />

designers em formação e no seu desenvolvimento pessoal e coletivo. Esse tipo<br />

de observação em grupo, mediada pelo professor, permite avaliar o processo<br />

produtivo por meio de instrumentos educacionais. [...]<br />

Postulado 2: Utilização do compêndio e outros artefatos.<br />

A utilização do compêndio gerado por Buggy auxilia na aquisição de<br />

conhecimento teórico e técnico necessário à atividade do desenho tipográfico.<br />

Esse instrumento de apoio didático se faz necessário visto que reúne um<br />

conjunto de informações que fornecem subsídios para a realização dos<br />

experimentos propostos pelo método. Todavia, conhecimentos introdutórios<br />

ao universo tipo-gráfico, tais como história e ‘anatomia’ são essenciais para a<br />

compreensão da estrutura dos caracteres, arquétipo e suas relações formais,<br />

de maneira que possam caracterizar a idéia de conjunto tipográfico para a<br />

configuração de uma fonte digital.<br />

Outros artefatos podem ser utilizados como apoio ou em substituição ao<br />

compêndio, desde que a integridade de seu conteúdo seja preservada. [...]<br />

Postulado 3: Auto-avaliação do professor.<br />

Para uma compreensão regulatória de todo processo produtivo de desenho<br />

de caracteres tipográficos é recomendado que o professor desenvolva os<br />

exercícios propostos nos parâmetros práticos, para que possa experimentar<br />

todas as fases do método. Esta etapa, considerada de auto-avaliação do<br />

professor, o torna apto para todos os níveis de complexidade inerentes ao<br />

desenho de caracteres tipográficos. [...]<br />

Postulado 4: Avaliação dos designers em formação.<br />

Todos os procedimentos devem contar com a colaboração ativa dos designers<br />

em formação, sempre que possível, e estar subordinados a produção e<br />

participação dos mesmos em sala de aula.<br />

A produção deve concentrar-se no alcance dos objetivos propostos pelos<br />

postulados que constituem os parâmetros práticos do MECOTipo. O alcance<br />

de tais objetivos deve levar em conta aspectos pré-determinados a serem<br />

analisados, bem como seus respectivos critérios. Cada critério implica em uma<br />

pergunta que pode ser respondida através de uma afirmativa ou uma negativa.<br />

Uma afirmativa obtida implica em um peso próprio que terá uma expressão<br />

numérica refletida para cada objetivo. Esta expressão posicionará um objetivo<br />

em uma escala de pontos constituída por faixas de valores associadas a<br />

conceitos que reunidos expressarão a avaliação de cada exercício.<br />

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Analisando o MECOTipo<br />

A participação deve ser verificada através da consulta ao diário de classe que<br />

deve refletir o monitoramento diário das atividades e da lista de freqüência.<br />

(BUGGY, 2007, p. 19-21).<br />

Os parâmetros práticos do MECOTipo também são formados por quatro postulados.<br />

Cada um deles diz respeito a um exercício a ser realizado individualmente ou de forma coletiva.<br />

Postulado 1: O desenho individual de um ‘a’ numa folha de papel A4.<br />

Os designers em formação devem desenhar a mão livre uma letra ‘a’ caixabaixa<br />

em uma folha de A4. Papel, lápis grafite, borracha e canetas hidrográficas<br />

de várias espessuras de ponta devem ser distribuídos em quantidade suficiente<br />

para todos. Nenhuma restrição de tempo, forma, tamanho ou de qualquer<br />

outra natureza deve ser apresentada para execução deste desenho.<br />

Após a conclusão, cada trabalho deve ser identificado com o nome de seu<br />

autor. [...]<br />

Postulado 2: O desenho individual de letras caixas-baixas, letras caixas-altas<br />

e de números através de módulos pré-determinados.<br />

Neste experimento se faz necessário que os designers em formação desenhem<br />

individualmente 62 caracteres para uma mesma fonte display. Números, letras<br />

caixas-altas e caixas-baixas devem resultar da composição de até 3 módulos<br />

distintos atrelada a uma malha de construção formada por um conjunto de<br />

retas perpendiculares.<br />

Esses módulos são projetados sob a orientação do professor para combinar-se<br />

de modo a solucionar a caracterização de traços retos, curvos e em diagonal<br />

dos caracteres. Por sua vez, a malha de construção deve conter um sistema<br />

de linhas guia capaz de alinhar os caracteres, fornecendo-lhes, ao mesmo<br />

tempo, proporções semelhantes para ascendentes, descendentes, altura de<br />

‘x’ e altura das caixas-altas.<br />

O MECOTipo adota um sistema de derivação de arquétipos tipográficos que<br />

considera caracteres-chave a partir dos quais outros se originam para orientar<br />

a produção dos desenhos solicitados.<br />

O desenho individual de letras caixas-baixas, letras caixas-altas e de números<br />

através de módulos pré-determinados pelos designers em formação pode ser<br />

realizado manualmente com o auxílio de réguas e dos mesmos instrumentos<br />

de desenho utilizados durante o primeiro experimento. Contudo, recomendase<br />

o uso de computadores equipados com softwares para manipulação de<br />

vetores e digitalização de imagem. [...]<br />

Postulado 3: O desenho coletivo de ‘n’, ‘o’, ‘H’ e ‘O’ caracteres de uma fonte<br />

de acordo com um tema predefinido.<br />

Para o terceiro experimento os designers em formação devem ser arranjados<br />

em grupos de até 5 indivíduos. Cada grupo terá que definir um tema capaz<br />

de fornecer aspectos que influenciem o estabelecimento de valores para peso<br />

de hastes, largura de letras retangulares, largura de letras redondas, altura de<br />

caixa-alta e altura de caixa-baixa. Essa influência também deve estender-se<br />

à configuração das junções de curvas com retas e acabamento de hastes<br />

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Analisando o MECOTipo<br />

verticais para o desenho de 4 caracteres específicos, ‘n’, ‘o’, ‘H’ e ‘O’.<br />

Os temas que fornecerão os aspectos a serem explorados no desenho dos<br />

caracteres devem ser obtidos da seguinte forma: os designers em formação<br />

são convidados a enumerar, individualmente, 10 temas de interesse pessoal<br />

em uma folha de papel. Uma vez concluídas essas listas, os grupos devem ser<br />

reunidos para que seus membros possam confrontar suas sugestões, buscando<br />

recorrências e/ou semelhanças até a obtenção de listas menores compostas<br />

por 5 temas de interesse comum. Cada grupo terá uma lista através da qual<br />

elegerá um único tema a ser trabalhado. Os grupos promoverão ‘recortes’ de<br />

seus temas e redigirão breves textos descritivos, que irão permitir o destaque<br />

dos aspectos mais relevantes da visão particular desses designers a respeito<br />

dos temas escolhidos.<br />

Do mesmo modo que no segundo experimento, uma malha de construção<br />

deve ser utilizada para auxiliar na manutenção da largura e espessura de hastes<br />

dos caracteres e determinar o posicionamento da linha de topo, linha média,<br />

linha de base, linha de fundo e, quando desejado, linha de versal. Neste caso,<br />

é sugerido para todos uma malha única constituída a partir da segmentação<br />

em 72 unidades do quadratim.<br />

A execução manual dessas atividades é desaconselhada, sob pena de prejuízo<br />

ao programa de aula originalmente adotado pelo MECOTipo. [...]<br />

Postulado 4: O desenho coletivo de 100 caracteres de uma fonte de acordo<br />

com um tema predefinido.<br />

O último experimento consiste numa expansão do terceiro experimento<br />

realizada com o apoio do sistema de derivação de arquétipos tipográficos<br />

utilizado durante o segundo experimento.<br />

Novos grupos devem ser formados para que desenhem conjuntos de 100<br />

caracteres através de novos temas. O processo de obtenção desses temas,<br />

caracterização dos atributos de correlação e adoção da malha de construção<br />

do quadratim é o mesmo do terceiro exercício e os caracteres ‘n’, ‘o’, ‘H’ e ‘O’<br />

devem ser produzidos inicialmente seguidos por ‘p’, ‘h’, ‘a’. ‘e’, ‘c’, ‘j’, ‘v’ e ‘k’,<br />

nesta seqüência.<br />

O desenho de sinais de pontuação, acentos e outros tipos de caracteres<br />

presentes no conjunto solicitado deve ser realizado mediante a observação de<br />

similares encontrados em fontes já publicadas por autores consagrados.<br />

Do mesmo modo que no terceiro experimento, a execução manual dessas<br />

atividades é desaconselhada. (BUGGY, 2007, p. 30-42).<br />

Em função de sua natureza, esses postulados ainda enumeram e descrevem objetivos<br />

para melhor formular os desafios propostos pelo método. O quadro a seguir esclarece essa<br />

relação:<br />

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Analisando o MECOTipo<br />

Postulados<br />

O desenho individual de um ‘a’<br />

numa folha de papel A4.<br />

O desenho individual de letras<br />

caixas-baixas, letras caixas-altas<br />

e de números através de módulos<br />

pré-determinados.<br />

O desenho coletivo de ‘n’, ‘o’, ‘H’<br />

e ‘O’ caracteres de uma fonte de<br />

acordo com um tema predefinido.<br />

O desenho coletivo de 100<br />

caracteres de uma fonte de acordo<br />

com um tema predefinido.<br />

Objetivos<br />

• Estabelecer um contato inicial com o desenho de caracteres<br />

sob um ponto de vista prático;<br />

• Explorar o potencial da força de trabalho;<br />

• Gerar uma primeira reflexão acerca do desenho de caracteres.<br />

• Estabelecer um segundo contato, mais intenso e complexo,<br />

com o desenho de caracteres sob um ponto de vista prático;<br />

• Verificar a produtividade frente ao desafio proposto;<br />

• Proporcionar a compreensão das possibilidades das relações<br />

de semelhança e diferença entre os desenhos dos caracteres de<br />

uma fonte, em especial as letras;<br />

• Exercitar a geração de soluções para traços retos, curvos e<br />

em diagonal;<br />

• Proporcionar a compreensão da proporção do peso das hastes<br />

dos caracteres de uma fonte.<br />

• Desenvolver coletivamente um tema capaz de fornecer<br />

aspectos que orientem a composição das características do<br />

desenho de uma fonte;<br />

• Desenhar coletivamente ‘n’, ‘o’, ‘H’ e ‘O’ a partir do tema<br />

gerado;<br />

• Explorar a equalização visual da espessura dos traços dos<br />

caracteres desenhados;<br />

• Explorar a uniformização do desenho das extremidades dos<br />

traços dos caracteres;<br />

• Explorar a uniformização das proporções entre altura e largura<br />

dos caracteres.<br />

• Desenvolver coletivamente um tema capaz de fornecer<br />

aspectos que orientem a composição das características do<br />

desenho de uma fonte;<br />

• Desenhar coletivamente um conjunto de 100 caracteres a<br />

partir do tema gerado;<br />

• Explorar a equalização visual da espessura dos traços dos<br />

caracteres desenhados;<br />

• Explorar a uniformização do desenho das extremidades dos<br />

traços dos caracteres (serifas, esporas, terminais, incisões, etc.);<br />

• Explorar a uniformização das proporções entre altura e largura<br />

dos caracteres;<br />

• Explorar a uniformização da largura dos espaços internos e<br />

intervalos dos caracteres.<br />

Quadro 1: Postulados que definem os parâmetros práticos do MECOTipo e seus respectivos objetivos.<br />

Cabe destacar que para cada um dos objetivos acima listados o método aponta<br />

aspectos que devem ser verificados para aferir seu alcance. Do mesmo modo, cada aspecto<br />

está ligado a critérios de avaliação específicos.<br />

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Analisando o MECOTipo<br />

Alguns resultados<br />

Dois conjuntos de desenhos para fontes obtidos pelo Prof. Me. Leonardo A. Costa<br />

Buggy entre 2009 e 2010 através da execução do MECOTipo serão apresentados e discutidos.<br />

O primeiro conjunto é resultado da disciplina Tipografia 2 ministrada aos alunos do Curso<br />

de Graduação em <strong>Design</strong> Gráfico da Faculdades Integradas Barros Melo durante o primeiro<br />

semestre de 2009. Essa introdução ao desenho tipográfico realizou-se em 38 horas/aula<br />

regularmente integralizadas na matriz curricular do citado curso.<br />

O segundo conjunto também é formado pelos últimos trabalhos apresentados na<br />

disciplina Desenho Tipográfico ministrada aos alunos de graduação do Curso de <strong>Design</strong> do<br />

Centro Acadêmico do Agreste da UFPE durante o primeiro semestre de 2010. Diferente do que<br />

ocorreu na primeira circunstância, a segunda contou com 60 horas, condição ideal prevista<br />

para a reprodução do programa de aulas do método.<br />

Desse modo, é importante destacar que o primeiro postulado dos parâmetros teóricos/<br />

metodológicos foi infringido na disciplina Tipografia 2.<br />

Próprio de uma atividade educacional, recomenda-se que tal método seja<br />

implementado em sala de aula em condições habituais do sistema de ensino<br />

superior em design, com carga horária mínima de 48 horas e ideal de 60 horas.<br />

(BUGGY, 2007, p. 19).<br />

Não houve como fugir da imposição da carga horária definida pela estrutura do<br />

curso da instituição particular de ensino e o déficit de 10 horas/aula foi compensado com<br />

acompanhamento online via e-mails e orientações informais.<br />

De toda sorte, o método adequou-se àquela realidade adversa. Os exercícios aplicados<br />

em separado no ano de 2007 atestaram valer a pena investir na experiência transgressora.<br />

A despeito das diferenças entre as condições de convivência e tempo verificadas em<br />

cada instrução, seus resultados serão apresentados neste artigo conforme entregues por seus<br />

autores.<br />

Todos os conjuntos de desenhos serão tratados daqui por diante como fontes e<br />

identificados através de um número que sucederá uma sigla usada para identificar a instituição<br />

na qual o trabalho foi desenvolvido. A ordem numérica adotada expressa um juízo qualitativo.<br />

Ela relaciona as fontes de forma decrescente quanto a obtenção de conceitos positivos<br />

segundo o sistema de avaliação proposto pelo método.<br />

Trabalhos que atingiram o mesmo conceito serão identificados com o mesmo número,<br />

diferenciando-se apenas pela adição de letras ao final de suas nomenclaturas. Ao contrário<br />

dos números, a atribuição dessas letras é aleatória e não expressa qualquer valor.<br />

A sigla FIBAM será adotada para designar os trabalhos realizados na Faculdades<br />

Integradas Barros Melo e a UFPE para os realizados na <strong>Universidade</strong> federal de Pernambuco.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Analisando o MECOTipo<br />

identificação<br />

FIBAM 01<br />

Fonte<br />

FIBAM 02<br />

FIBAM 03<br />

FIBAM 04a<br />

FIBAM 04b<br />

Quadro 2: Fontes desenvolvidas na Faculdades Integradas Barros Melo.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Analisando o MECOTipo<br />

identificação<br />

UFPE 01a<br />

Fonte<br />

UFPE 01b<br />

UFPE 02<br />

Quadro 3: Fontes desenvolvidas na <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco.<br />

Breves comentários sobre os resultados apresentados<br />

A Fonte FIBAM 04b foi projetada por um grupo de 03 (três) indivíduos, as demais fontes<br />

do primeiro conjunto, desenvolvido na Faculdades Integradas Barros Melo, foram projetadas<br />

por grupos que utilizaram 05 (cinco) participantes, o limite sugerido pelo MECOTipo.<br />

Acredita-se que esta diferença tenha afetado significativamente o projeto dessa fonte,<br />

sobretudo pela condição adversa de tempo em que se deram as aulas do método.<br />

Mesmo sob essas condições pôde-se observar a produção da Fonte FIBAM 01, um<br />

projeto que atingiu conceito máximo.<br />

Alertados sobre o nível de dificuldade do projeto pretendido, o grupo responsável pela<br />

Fonte FIBAM 02 assumiu os riscos e decidiu levar a cabo seus caracteres sem serifa com<br />

contraste de eixo inclinado. Apesar de inconstante, o resultado lhes garantiu a segunda melhor<br />

avaliação na turma.<br />

A maior parte dos problemas da Fonte FIBAM 03 concentrou-se na não observação da<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 97


Analisando o MECOTipo<br />

descendência das formas dos caracteres.<br />

Os problemas da Fonte FIBAM 04a associaram-se em grande parte ao não uso de<br />

traços diagonais no projeto.<br />

Tanto a Fonte FIBAM 03 quanto a Fonte FIBAM 04a utilizaram fortemente o processo<br />

modular proposto no Postulado 2 dos parâmetros práticos do MECOTipo, fugindo do cerne do<br />

Postulado 4. Todavia, esta adoção desvirtuou o projeto da Fonte FIBAM 04a. O abandono de<br />

curvas e diagonais imposto pelos módulos usados interferiu profundamente nos arquétipos de<br />

letras como ‘D’, ‘O’, ‘G’, ‘B’, ‘A’, ‘M’, N’ e ‘X’, só para citar algumas maiúsculas. A construção<br />

dos caracteres também prendeu-se com rigor as possíveis combinações de módulos sugerida<br />

pela derivação de formas indicada pelo método para o desenho individual de letras caixasbaixas,<br />

letras caixas-altas e de números através de módulos pré-determinados.<br />

Além de apresentar sérios problemas de compatibilização de largura entre os caracteres,<br />

aspecto também verificado em menor intensidade na Fonte FIBAM 03, a Fonte FIBAM 04b<br />

apresentou uma grande distorção de peso entre os traços de caixas altas e baixas acentuada<br />

pela proporção mal planejada entre as dimensões dos dois alfabetos. As junções de curvas<br />

com retas também mostraram-se deficientes de modo evidente nesta última fonte.<br />

Ao contrário do que ocorreu na experiência realizada em 2009 o menor grupo constituído<br />

para o trabalho final da disciplina Desenho Tipográfico realizou o melhor trabalho dentre<br />

todos os apresentados em 2010. A Fonte UFPE 01a foi projetada por um grupo de 02 (dois)<br />

indivíduos. Originalmente composto por 05 (cinco) alunos o grupo sofreu com a desistência<br />

de 03 (três) membros na reta final do semestre letivo. Mesmo assim, conseguiu desenvolver<br />

um bom projeto.<br />

A carga horária máxima de aulas prevista pelo MECOTipo pode ter suprido a deficiência<br />

desse grupo, que pôde ser acompanhado presencialmente pelo docente mais do que o grupo<br />

desfalcado de 2009.<br />

A Fonte UFPE 01b apresentou mais problemas na constância do peso de seus<br />

caracteres e combinações de curvas com retas. Não se pode deixar de observar a acentuada<br />

falta de harmonia na definição das larguras dos caracteres caixas altas desse projeto.<br />

Deficiências na constância do peso e combinações de curvas com retas também foram<br />

observadas na Fonte UFPE 02. Neste projeto elas mostraram-se bastante acentuadas.<br />

O projeto de muitas das fontes apresentadas revelou fugas dos arquétipos de diversos<br />

caracteres. As condições mais recorrentes foram: a completa substituição de arquétipos de<br />

letras maiúsculas por arquétipos de minúsculas para definição das formas dos desenhos; a<br />

adoção de arquétipo de letras manuscritas; a deformação de arquétipos circulares aproximandoos<br />

de retângulos; o não uso de diagonais e o estreitamento de formas.<br />

Esse último efeito, em particular, pode ser claramente evitado com o apuro do conteúdo<br />

a respeito de proporções dos caracteres. Os demais estão relacionados a decisões de projeto<br />

e/ou equívocos cometidos pelos participantes dos grupos que não se relacionam a deficiências<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 98


Analisando o MECOTipo<br />

no conteúdo transmitido.<br />

As relações horizontais entre os arquétipos podem ser melhor explicitadas no compêndio<br />

e durante as aulas do método. Desse modo, novos aspectos podem ser incorporados para<br />

aferir o alcance do sexto objetivo do quarto postulado prático do MECOTipo (explorar a<br />

uniformização da largura dos espaços internos e intervalos dos caracteres). Atualmente apenas<br />

o equilíbrio entre os espaços internos e externos dos caracteres desenhados é considerado. É<br />

possível adotar-se também dois aspectos sugeridos por Cabarga (2004). Consistência, ritmo<br />

e regularidade na disposição das hastes é um deles e o equilíbrio e consistência entre a<br />

largura das letras outro. O primeiro associa-se mais indiretamente ao objetivo, o segundo está<br />

intimamente ligado a ele.<br />

De modo geral, as fontes em análise foram assim avaliadas:<br />

Projeto<br />

Fonte FIBAM 01<br />

Fonte FIBAM 02<br />

Fonte FIBAM 03<br />

Fonte FIBAM 04a<br />

Fonte FIBAM 04b<br />

Fonte UFPE 01a<br />

Fonte UFPE 01b<br />

Fonte UFPE 02<br />

Conceito geral de avaliação obtido<br />

Superou o objetivo<br />

Alcançou o objetivo<br />

Alcançou com ressalvas o objetivo<br />

Não alcançou o objetivo<br />

Não alcançou o objetivo<br />

Alcançou o objetivo<br />

Alcançou o objetivo<br />

Alcançou com ressalvas o objetivo<br />

Quadro 4: Avaliação das fontes analisadas.<br />

Os conceitos gerais de avaliação uniformizam o desempenho no alcance dos objetivos<br />

propostos pelos experimentos do MECOTipo, reunindo-os em um só objetivo que pode ser<br />

superado, alcançado, alcançado com ressalvas ou não alcançado (BUGGY, 2007). Assim,<br />

dos 08 (oito) projetos avaliados, 01 (um) superou o objetivo do quarto experimento, 03 (três)<br />

alcançaram o objetivo, 02 (dois) alcançaram com ressalvas o objetivo e outros 02 (dois) não<br />

alcançaram o objetivo.<br />

Em condições ideais de execução do método 66,666% dos trabalhos finais apresentados<br />

obtiveram êxito. Os 33,333% restantes o fizeram com ressalvas.<br />

Já em condições adversas, ainda que 20% tenham mostrado resultados que superaram<br />

as expectativas, apenas 40% obtiveram êxito livre de ressalvas ao desenhar coletivamente 100<br />

caracteres de uma fonte de acordo com um tema predefinido. Outros 20% dos trabalhos finais<br />

apresentados com a implantação de um programa de aulas com 38 horas obtiveram êxito<br />

parcial.<br />

Independente da carga horária de aulas ministradas e do modo como as fontes<br />

desenhadas atingiram seu objetivo, o MECOTipo revelou um índice de 75% de sucesso<br />

quando observado o desempenho dos trabalhos finais realizados nos primeiros semestres de<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Analisando o MECOTipo<br />

2009 e 2010 em diferentes instituições de ensino superior de design.<br />

Considerações finais<br />

O MECOTipo é produto de um ciclo de dez anos de pesquisa, iniciado em 1996 e<br />

concluído em 2006, no programa de mestrado em design da UFPE. Ao longo deste trajeto<br />

excelentes resultados foram computados pelo método. Desde 2003 a sua competência vem<br />

sendo atestada de forma científica. Os primeiros testes realizados para a dissertação do Prof.<br />

Me. Leonardo A. Costa Buggy confirmaram a eficácia do método. O caráter coletivo inovador<br />

desse conjunto de meios para desenhar fontes tipográficas é responsável em grande parte<br />

por seu sucesso.<br />

Após três anos de implantação da atual configuração do Método de Ensino de<br />

Desenho Coletivo de Caracteres Tipográficos mostra-se adequado revisar tanto o conteúdo<br />

do compêndio utilizado em sala, como seus parâmetros práticos. Essa revisão deve-se na<br />

medida em que os estudos para o incremento e melhoria do método não foram cessados e<br />

têm revelado boas perspectivas para o ensino tipográfico.<br />

Experiências realizadas em duas circunstâncias correlatas às que produziram os<br />

resultados apresentados e discutidos neste artigo sugerem que ampliar a quantidade de<br />

exercícios pode ser uma boa opção para dar início a essa revisão.<br />

Durante o segundo semestre de 2008 o pesquisador ministrou 38 horas/aula de<br />

macro-tipografia e história a alunos do Curso de Graduação em <strong>Design</strong> Gráfico da Faculdades<br />

Integradas Barros Melo. Na ocasião foram adotados jogos de desafio para promover a fixação<br />

do conteúdo teórico exposto sobre aspectos da micro-tipografia relevantes a macro-tipografia,<br />

tais como: contraste, dimensão do olho e estilos.<br />

Um ano mais tarde, no segundo semestre de 2009, o mesmo ocorreu durante 60<br />

horas/aula sobre o mesmo assunto ministradas a alunos de graduação do Curso de <strong>Design</strong><br />

do Centro Acadêmico do Agreste da UFPE.<br />

Os resultados obtidos foram promissores na medida em que a seleção de atividades<br />

conquistou grande simpatia do alunado e de fato contribuiu para a apreensão dos conteúdos.<br />

Assim, preservar os exercícios já propostos e incluir mais atividades de menor complexidade<br />

e caráter lúdico deve trazer um significativo incremento ao MECOTipo.<br />

Uma certa inconstância pode ser observada ao analisar-se os produtos finais de cada<br />

oportunidade de execução do método apresentada neste trabalho. A aptidão dos designers<br />

em formação é um fator que a princípio diferencia os desenhos de caracteres tipográficos.<br />

Pode-se reconhecer isso após apreciar o desenvolvimento de certos grupos de alunos ao<br />

longo do período em que foram ministradas as aulas em questão.<br />

As diferenças observadas entre os resultados obtidos por alunos mais desenvoltos<br />

e talentosos e outros menos podem ser minimizadas mediante a exploração do sentimento<br />

verificado durante a implantação do segundo parâmetro prático. A alegria desencadeada pelo<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 100


Analisando o MECOTipo<br />

desafio de compor letras e números com módulos orientados por uma malha é semelhante<br />

a observada durante um jogo de tabuleiro. Logo, acredita-se que divertimentos nos quais<br />

os alunos façam prova da sua habilidade devem contribuir para a efetividade do método<br />

otimizando e equalizando seus resultados.<br />

Pequenos jogos de desafio pessoal que disponham de recursos estimulantes e<br />

recreativos podem ser incorporados ajudando a fixar conceitos como contraste, tamanho<br />

do corpo, altura de x e peso. O entendimento desses conceitos permite uma maior fixação<br />

de outros como fonte, estilo e família tipográfica, o que assegura uma melhor atuação dos<br />

membros de um grupo quando postos para atuar coletivamente.<br />

Os exercícios individuais propostos por Darricau (2005) que estimulam a associação e<br />

a hierarquização de formas tipográficas através do estabelecimento de conexões gráficas por<br />

meio de círculos e traços, ou ordenação numérica são bons exemplos de breves atividades<br />

com esse espírito. Eles contribuem para o aprendizado de conceitos ligados a tipografia e<br />

podem ser adotados pelo MECOTipo sem descaracterizar sua estrutura, encaixando-se nos<br />

intervalos da seqüência dos exercícios já propostos.<br />

Também o uso de jogos coletivos pode ser estimulado como recurso didático. O baralho<br />

Type Trumps desenvolvido por Banks (2008) é um bom exemplo. Cartas contendo imagens e<br />

informações sobre fontes bem difundidas ao longo da história são divididas igualmente entre<br />

jogadores que passam a competir entre si através dos valores atribuídos às características de<br />

cada uma. Aquele que possuir o maior valor relativo a característica escolhida para competir<br />

a cada rodada ganha as cartas dos demais. O objetivo é conquistar todo o baralho. O Type<br />

Trumps funciona conforme as regras do jogo que conhecemos como Super Trunfo. Trata-se<br />

de uma adaptação para o universo tipográfico.<br />

Explorar aspectos da anatomia dos caracteres em jogos dessa natureza pode prestarse<br />

bem ao alcance dos fins pretendidos pelo MECOTipo. Preservar o bom estado de ânimo e<br />

a ação conjunta dos envolvidos no processo de aprendizado é fundamental para que se possa<br />

motivá-los a concluir os projetos tipográficos coletivamente.<br />

Rever os parâmetros práticos certamente impactará os teórico/metodológicos e o<br />

sistema de avaliação. A inclusão de jogos educativos e de desafio corresponde a adoção de<br />

uma nova perspectiva conceitual que terá reflexos na formulação dos postulados que regem<br />

as condições necessárias a implantação do método.<br />

Todavia, para promover essas melhorias é preciso testar os jogos ou outros recursos<br />

equivalentes durante a execução do método. O preparo desse experimento implica, entre<br />

outras coisas, na remodelação do sistema de avaliação para tornar mensurável os resultados<br />

e compará-los com os já obtidos com a última versão do MECOTipo.<br />

Reconhece-se uma excelente oportunidade para simplificar e tabular em meio eletrônico<br />

esse sistema que tem-se mostrado de difícil uso. Devido à sua complexidade muito tempo é<br />

consumido na avaliação do desempenho dos participantes. O docente tem de comprometer-<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 101


Analisando o MECOTipo<br />

se gravemente com o processo de ensino quando fora de sala para assegurar a integridade<br />

dos conceitos que indicam o alcance de metas. Muitas vezes isto não é possível em virtude de<br />

outros compromissos pedagógicos assumidos nas instituições de ensino superior.<br />

No tocante ao compêndio, muito pode ser melhorado. Talvez esta seja a ação em<br />

prol dos melhoramentos do método que mais demande tempo, a depender da intenção em<br />

preservar ou não seu caráter introdutório. Independente desta possível mudança, diversos<br />

textos merecem ser incorporados atualmente. Tanto de autores já citados como de não citados.<br />

Entre os já citados deve-se reincidência a Adams, Bringhurst, Cheng, Frutiger e Ruder.<br />

Todos podem contribuir para melhor descrição do processo de derivação de formas verificado<br />

entre letras e números, por exemplo.<br />

Já entre os não citados, destacam-se Darricau, Earls, Cabarga, Gill, Lawson, McLean,<br />

Smeijers, Straus, Tracy e Willen. Em linhas gerais esses autores podem contribuir com mais<br />

detalhes sobre espaçamento, pares de kerning, controle de vetores, aspecto dos caracteres e<br />

conceituação de caligrafia, letreiramento e tipografia.<br />

Por fim, após breve análise dos resultados obtidos com o MECOTipo durante o período<br />

de 2007 a 2010 pode-se propor as seguintes recomendações:<br />

- testar a inclusão de parâmetros práticos que gozem de uma prerrogativa didática<br />

lúdica;<br />

- rever e ampliar o compêndio;<br />

- gerar um caderno de exercícios que acompanhe a versão revista e ampliada do<br />

compêndio;<br />

- rever os objetivos dos parâmetros práticos em uso;<br />

- simplificar o sistema de avaliação para melhor integrá-lo ao novo quadro de parâmetros<br />

práticos;<br />

- ajustar os parâmetros teóricos/metodológicos a nova realidade que compreende o<br />

uso de jogos educativos e cargas horárias menores que 48 horas.<br />

Referências<br />

TYPE TRUMPS. Manchester: Rick Banks/Face34, 2008. 1 baralho (30 cartas), preto e vermelho,<br />

em caixa 6,5 cm x 9 cm x 1,5 cm.<br />

BUGGY, L.A.C. O MECOTipo: método de ensino de desenho coletivo de caracteres<br />

tipográficos. Recife: Buggy, 2007. 179 p.<br />

CABARGA, L. Logo, font & lettering bible. Cincinnati: How <strong>Design</strong>, 2004. 240 p.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 102


Analisando o MECOTipo<br />

CHENG, K. <strong>Design</strong>ing typefaces. London: Laurence King, 2006. 232 p.<br />

DARRICAU, S. Le livre en letters. Paris: Pyramyd, 2005 80 p.<br />

EARLS, D. <strong>Design</strong>ing typefaces. Mies: Rotovision, 2002. 160 p.<br />

FARIAS, Priscila Lena. Tipografia Digital. O impacto das novas tecnologias. Rio de Janeiro:<br />

2AB, 2000. 120 p.<br />

FREINET, C. O método natural II: A aprendizagem do desenho. Tradução Franco de Sousa<br />

e Teresa Balté. 2. ed. Lisboa: Estampa, 1977. 387 p. Tradução de: La Méthode Naturelle – II.<br />

L’apprentissage du dessin.<br />

HENDEL, R. O design do livro. Tradução Geraldo Gerson e Lúcio Manfredi. São Paulo: Ateliê<br />

Editorial, 2003. 224 p. Tradução de: On Book <strong>Design</strong>.<br />

HEITLINGER, Paulo. Tipografia: origens, formas e uso das letras. Lisboa: Dinalivro, 2006.<br />

400 p.<br />

MOREIRA, A. A. A. O espaço do desenho: a educação do educador. 2. ed. São Paulo:<br />

Edições Loyola, 1987. 128 p.<br />

SMEIJERS, F. Counter punch: making type in the sixteenth century, designing typefaces now.<br />

London: Hyphen, 1996. 191 p.<br />

POWELL, E. N. A organização da gestão do design. In: PHILLIPS, Peter L. Briefing: a<br />

gestão do projeto de design. Tradução Itiro Iida. Revisão técnica Whang Pontes Teixeira. São<br />

Paulo: Blucher, 2007, 106-113. Tradução de: Creating the perfect design brief.<br />

STOLTZE, C. (Org.). Digital Type. Massachusets: Rockport, 1997. 143 p.<br />

WILLBERG, H. P.; FROSSMAN, F. Primeiros Socorros em Tipografia. São Paulo: Rosari,<br />

2007. 104 p.<br />

WONG, W. Príncipios de Forma e Desenho. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 352 p.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O reaproveitamento de ideias e materiais no design de<br />

joias: origem, intertextualidade e sustentabilidade<br />

Viviane Nogueira de Moraes; Mestranda em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

viviane.moraes@gmail.com<br />

Resumo<br />

Neste texto é apresentado o reaproveitamento de ideias e<br />

materiais como um desafio no design. O método utilizado para<br />

a organização deste estudo apoia-se na pesquisa bibliográfica e<br />

iconográfica, não apenas sobre o design de joias, mas também<br />

em outras manifestações criativas, a fim de que possa ser traçado<br />

um panorama geral sobre o que se entende por reutilização. O<br />

embasamento teórico deste trabalho é extraído da literatura: (1)<br />

sobre design, produzida por CARDOSO, FORTY e DAMASIO;<br />

(2) sobre reaproveitamento os trabalhos, de BENJAMIN,<br />

MCDONOUGH e BRAUNGART e (3) no tocante ao design de<br />

joias, as ideias de GOLA e LLABERIA. As conclusões parciais<br />

apontam para a possibilidade e, por vezes, inevitabilidade do<br />

reconhecimento de processos em que há reutilização de materiais<br />

e ideias, tanto no design de joias quanto em outras espécies de<br />

criação contemporânea, mediante nova atribuição de sentidos às<br />

formas. No último caso, da utilização de ideias, há consequências<br />

jurídicas que devem ser consideradas.<br />

Palavras-Chave: design; joias; reaproveitamento<br />

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O reaproveitamento de ideias e materiais no design de joias: origem, intertextualidade e sustentabilidade<br />

Introdução<br />

O reaproveitamento de ideias e materiais pode ser visto como desafio no design. Neste<br />

texto buscaremos reunir elementos para elaborar um quadro sobre o tema do reaproveitamento<br />

material e imaterial na atividade projetual. A relevância deste estudo decorre da própria<br />

conceituação da atividade de design. Para os fins deste trabalho, o design é uma atividade de<br />

projeto de bens materiais (DAMAZIO, 2006: 62) (FORTY: 2007: 12) e imateriais (CARDOSO:<br />

2008: WEB).<br />

Em seu surgimento, o design tem relação com a indústria nascente com demanda<br />

de uma produção cada vez maior e mais mecanizada. Neste momento, foi separado o ato<br />

de projetar do ato de executar, para deliberadamente afastar o “erro” humano da produção.<br />

Embora na origem do design tenha havido uma vinculação desta atividade a projetos de bens<br />

materiais, deve ser incluído, também, dentro deste conceito, o trabalho com o imaterial. A razão<br />

de surgimento do design, então, tem ligação com a utilização de um projeto que aperfeiçoe a<br />

produção de um determinado bem. A discussão neste texto, todavia, situa-se na utilização de<br />

matéria ou ideias anteriormente empregadas em processos de produção.<br />

Desafios específicos ao reaproveitamento material e imaterial<br />

Feitas as devidas ressalvas preliminares, cabe então apresentar que desafios específicos<br />

em design, na atualidade, serão considerados nos próximos títulos deste texto, a saber: (2)<br />

projetos em design que levam em conta o descarte do produto; (3) projetos que utilizam<br />

material descartado, (3.1) aproveitamento do lixo físico, (3.2) reaproveitamento de ideias<br />

produzidas por outras pessoas.<br />

Projetos em design que levam em conta o descarte do produto<br />

Embora o design tenda a tornar-se imaterial, vislumbramos dois papéis do profissional<br />

da área, a saber: (1) ser agente de transformação; e (2) promover a proteção ao meio ambiente.<br />

A ideia de sustentabilidade, em sua radicalidade, consiste em pensar em todas as<br />

etapas da criação do produto, a fim de que seja possível uma integração dos resíduos gerados<br />

a partir do processo de produção. Aqui a ideia não se restringe apenas à reciclagem, mas sim<br />

à proposta de pensar o ciclo de produção do berço ao berço. Esta ideia de sustentabilidade<br />

com o conceito “do berço ao berço” é tratada por William McDonough e Michael Braungart,<br />

que apresentam um manifesto, o qual exige uma transformação da indústria humana por<br />

meio de um design ecologicamente inteligente. Pensamos que este seja, talvez, um dos<br />

maiores desafios do design e dos designers na contemporaneidade, porque experimentamos<br />

uma escassez de recursos naturais do planeta, que é finito. Diante da impossibilidade, neste<br />

início de século XXI, de concretizar este ideal de design pensando o descarte do produto<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O reaproveitamento de ideias e materiais no design de joias: origem, intertextualidade e sustentabilidade<br />

criado, devemos agora abordar algumas possibilidades sobre o aproveitamento de material<br />

descartado.<br />

Projetos em design que utilizam material descartado<br />

Aproveitamento do lixo físico no design de joias<br />

O design sustentável pode ser desenvolvido a partir do aproveitamento do lixo físico em<br />

processos de reciclagem. Inúmeros exemplos podem ser trazidos neste ponto, aplicando-se<br />

à seleção de trabalhos o conceito de design adotado na introdução deste artigo. Escolhemos<br />

tratar de dois exemplos concernentes à criação de uma “joalheria” com materiais que não são<br />

nobres (ouro e prata).<br />

O primeiro exemplo é trazido por Engracia Costa Llaberia (2009:59) que analisa o trabalho<br />

do Studio Hobo, “que apresenta como proposta a reutilização de materiais descartados, em<br />

montagens com outros como contas plásticas, tendo como discurso a preocupação ambiental.<br />

procurando tocar o senso comum, criando uma “joalheria” de uso cotidiano”.<br />

Figura 1<br />

HOBO- http://www.blog.iwantmyhobo.com/<br />

Symphony II<br />

O segundo exemplo é o trabalho de Naná Hayne, brasileira, paulista, artista plástica<br />

e artesã; e nas suas próprias palavras se diz disposta a colaborar com o meio ambiente. Há<br />

sete anos trabalha com o lixo disponível e abundante no planeta, a saber: o lixo eletrônico.<br />

Esta artista cria acessórios de moda por meio de utilização de placas mãe, circuitos, etc.<br />

Seu trabalho busca transformar o lixo eletrônico em algo útil e belo. Veja na imagem abaixo a<br />

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O reaproveitamento de ideias e materiais no design de joias: origem, intertextualidade e sustentabilidade<br />

iniciativa de sustentabilidade na criação do bracelete, em que são combinados uma base de<br />

couro sintético, elos, resina e fecho.<br />

Figura 2<br />

http://nanahayne.wordpress.com/2010/05/28/braceletes/5-4/<br />

Aproveitamento de ideias produzidas por outras pessoas: exemplos extraídos da<br />

literatura, do audiovisual e do design de joias<br />

Tratamos aqui sobre o reaproveitamento no design. Todavia, para compreendermos tal<br />

prática de reutilização de ideias, é indispensável realizar um breve desvio sobre as vanguardas<br />

na arte do fim do século XIX, ou seja, retomar como surge a ideia de reaproveitamento e sob<br />

que argumentos.<br />

Mudança de paradigmas na arte: a apropriação e a reprodutibilidade<br />

Desde o final do século XIX, vem sendo questionado o modo de fazer da arte. Podese<br />

afirmar que a partir de Manet, podemos perceber que as estruturas de representação<br />

formadas desde Giotto serão destruídas parte por parte: o tema, a técnica, a aura. Por isso,<br />

cada vez mais se torna pertinente a questão sobre a natureza da arte, isto é, não está mais<br />

tão claro o que é a arte. Nesta senda, é relevante notar que no início do século passado<br />

(1912), por meio do trabalho de Georges Braque e Pablo Picasso, tem-se o início da utilização<br />

de colagem como técnica artística. Devemos acrescentar, também, o trabalho posterior de<br />

Marcel Duchamp e Kurt Schwitters.<br />

Após tais trabalhos, houve entre os anos de 1950 e 1960, uma intensificação do uso da<br />

apropriação na arte por meio da assemblage, com a incorporação de qualquer trabalho à obra<br />

de arte. De acordo com a enciclopédia digital do Itaú Cultural, quando trata do termo colagem,<br />

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O reaproveitamento de ideias e materiais no design de joias: origem, intertextualidade e sustentabilidade<br />

“a ideia forte que ancora as assemblages diz respeito à concepção de que os objetos díspares<br />

reunidos na obra, ainda que produzam um conjunto outro, não perdem seu sentido primeiro.”<br />

Aproximaremos neste ponto do presente artigo, duas ideias que se complementam:<br />

(a) apropriação e (b) reprodutibilidade. Tais ideias serão aproximadas numa tentativa de<br />

compreender uma consequência destas ideias, a saber: a autoria, uma vez que vem sendo<br />

construída de forma diversa desde o século passado.<br />

O termo apropriação é “empregado pela história e pela crítica de arte para indicar a<br />

incorporação de objetos extra-artísticos, e algumas vezes de outras obras, nos trabalhos de<br />

arte” (Enciclopédia Itaú-Cultural – web). A construção das obras não se dá apenas por meio<br />

de ideias totalmente inovadoras, mas também pela incorporação de outros materiais e ideias<br />

na obra.<br />

Se a obra de arte foi criada tendo por base a apropriação, então, a aferição de<br />

autenticidade fica alterada. Isto porque se desloca a verificação da autenticidade apenas da<br />

matéria empregada, para que se torne relevante a consideração sobre a organização dos<br />

elementos de modo inovador.<br />

Diante disso, o próximo passo é repensar conceitos de autenticidade, autoria e<br />

originalidade na obra de arte, porque se a arte adota elementos do cotidiano, questiona-se o<br />

que é necessário para que uma obra seja considerada como arte. Deixa de ser tão importante<br />

uma técnica específica ou o manejo de materiais típicos da arte (suporte e materiais), ou seja,<br />

a partir da colagem há uma diluição das fronteiras entre pintura e escultura, sendo certo que<br />

a representação passa a ser aceita também por meio do rearranjo de objetos estranhos à<br />

tradicional prática artística até então existente.<br />

Além da apropriação na arte, efetuada pelas vanguardas históricas, há alteração do<br />

modo de produção de imagem a partir da fotografia. Pode-se afirmar que a fotografia libertou<br />

o artista plástico da obrigação com a verossimilhança, permitindo que este explorasse outros<br />

aspectos no trabalho estético.<br />

O termo reprodutibilidade tem ligação com a cópia de algo que foi novo e é analisado<br />

por Walter Benjamin, segundo quem a reprodutibilidade é a possibilidade de reprodução de<br />

uma dada peça. No texto clássico que aborda a obra de arte na era de reprodutibilidade<br />

técnica, o crítico Walter Benjamin (1936-1955) aborda o modo em que a linguagem fotográfica<br />

atinge a obra de arte tradicional. No artigo mencionado, Benjamin defende que obra de arte<br />

sempre foi reprodutível, ou seja, era sempre possível a imitação (BENJAMIN: 1936-1955: 166).<br />

O teórico antes mencionado demonstra, então, que por meio da reprodutibilidade<br />

permitida pela fotografia é perdida a aura da obra de arte, porque não importa mais saber<br />

qual é o original e qual é a cópia, uma vez que é inerente à produção fotográfica a realização<br />

da reprodutibilidade técnica, perdendo a obra a sua aura. Aura para Walter Benjamin “é uma<br />

figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa<br />

distante, por mais perto que ela esteja”. (BENJAMIN: 1936-1955: 166)<br />

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O reaproveitamento de ideias e materiais no design de joias: origem, intertextualidade e sustentabilidade<br />

Temos então dois “golpes” verificados pela crítica: (1) a apropriação permite que sejam<br />

utilizados quaisquer elementos para a composição de uma obra de arte; (2) a reprodutibilidade<br />

técnica promove uma quebra da aura da obra de arte.<br />

Criações audiovisuais na internet: reaproveitamento imaterial de criações<br />

próprias e alheias<br />

É após os rompimentos verificados nesses cenários que surgem as novas criações,<br />

cuja divulgação encontra na internet um crescimento nunca antes visto. As criações sempre<br />

existiram na sociedade por meio de criação de conteúdo novo ou recriação a partir de<br />

conteúdos anteriormente existente (v.g. paródia e paráfrase); vimos, porém, que a apropriação<br />

abre novas possibilidades aos artistas que passam a utilizar-se como matéria criativa tanto de<br />

suportes ou materiais inusitados, bem como de outras obras de arte.<br />

Esta criação por meio de apropriação de conteúdos outrora abordados pode<br />

ser exemplificada com a linguagem cinematográfica, na qual percebemos o constante<br />

reaproveitamento de temas já explorados. Valendo-se da utilização de novas formas são<br />

retomados assuntos, obras, sob a ótica da atualidade, por exemplo: as refilmagens inúmeras<br />

de ‘Romeu e Julieta’.<br />

O texto “Romeu e Julieta” é uma tragédia escrita entre 1591 e 1595 por William<br />

Shakespeare. O argumento central da peça trata do amor impossível de dois jovens nascidos<br />

no seio de famílias inimigas, que ao desafiar o mundo para manter o seu amor recíproco, são<br />

traídos pelas artimanhas por eles mesmos criadas, cujo desfecho trágico é o duplo suicídio<br />

dos amantes. A ideia do amor impossível já foi tratada no cinema em produções que respeitam<br />

toda a trama trazida por Shakespeare, tais como o dirigido por Franco Zeffirelli em 1968; mas<br />

também há produções nas quais há uma utilização do argumento com uma atualização da<br />

história que pode ser vista no “Romeo + Juliet” – 1996 (EUA) – direção de Baz Luhrmann, bem<br />

como por “Romeu tem que morrer” dirigido por Andrzej Bartkowiak em 2000 nos EUA.<br />

O que pode ser apreciado nos dias atuais, todavia, vai além da utilização de um argumento<br />

para criação de um novo trabalho artístico. A utilização de elementos de vídeo preexistentes<br />

torna-se possível à um número maior de pessoas e não somente por grandes estúdios. Isto<br />

porque a popularização das ferramentas eletrônicas permite a produção de conteúdo por<br />

qualquer usuário. Veja-se que aqui existe uma radicalização da ideia de colagem criada em<br />

1912 por Picasso e Braque, levada adiante nas vanguardas dadaístas. A apropriação, como<br />

vimos, não é nova; a novidade reside na popularização das ferramentas para produção de<br />

uma colagem de elementos imateriais: colagem de bits.<br />

A derivação das vanguardas artísticas dadaístas encontrará aplicação inovadora no<br />

trabalho do escritor William S. Burroughs, que em 1960 por meio da reorganização de seus<br />

próprios filmes cria a técnica cut up, que corresponde a uma edição de imagens, criadas<br />

anteriormente pelo próprio Burroughs, em transição vertiginosa. O trabalho “The Cut-ups”<br />

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O reaproveitamento de ideias e materiais no design de joias: origem, intertextualidade e sustentabilidade<br />

pode ser entendido, desta forma, como precursor de outros na área de vídeo, cujo objetivo é<br />

a apresentação de ideias por meio de destruição de narrativas anteriormente existentes.<br />

Nos dias atuais é possível realizar o denominado “remix” (rearranjo ou reorganização<br />

de ideias) com sons e imagens e fazer a divulgação do conteúdo “remixado” pela internet.<br />

Este trabalho apoiado nas ferramentas tecnológicas disponíveis permite a utilização por meio<br />

de recorte de sons e imagens produzidos por outros, a fim de criar obra nova. Não se trata<br />

de interpretação de um argumento literário, por exemplo, com produção por meio de outra<br />

linguagem, mas sim, a utilização da técnica da colagem de sons e imagens anteriormente<br />

existentes para criação de novos significados.<br />

William S. Burroughs no cut up, trabalhou com as suas próprias imagens. Mais tarde,<br />

desde 1980, o grupo Negativland produziu vídeos em que foi feita a edição de imagem e<br />

textos apropriados, ou seja, havia um reaproveitamento de ideias criadas por outras pessoas.<br />

Um dos trabalhos deste grupo Negativland é o vídeo “Gimme The Mermaid” postado<br />

no Youtube. Trata-se de criação realizada a partir de elementos recortados da animação “A<br />

pequena sereia” (em inglês: The Little Mermaid) que é o 28º filme longa-metragem de animação<br />

dos estúdios Disney, lançado em 1989, criado pela adaptação do conto homônimo do escritor<br />

dinamarquês Hans Christian Andersen (autor de “O patinho feio”).<br />

O grupo Negativland poderia ter utilizado apenas o argumento de “A pequena sereia” –<br />

que trata da pequena Ariel filha do rei Tritão que se apaixona por um humano, mas não o fez.<br />

A problemática desta construção artística do grupo mencionado encontra entrave na própria<br />

ideia de apropriação, porque – ousamos repetir – “objetos díspares reunidos na obra, ainda<br />

que produzam um conjunto outro, não perdem seu sentido primeiro”. Por tal razão, os adeptos<br />

de tal técnica de criação podem ser impedidos de se expressar por força de barreiras legais<br />

de proteção de propriedade intelectual, por se tratar de obras derivadas que dependem da<br />

autorização do detentor dos direitos da obra original.<br />

No vídeo “Gimme The Mermaid” vê-se que, no remix, mais importante que a narrativa<br />

são os processos de criação visual. Assim, são deliberadamente afastados os 12 princípios<br />

que a Disney utiliza na animação, a saber: (1) apertar e esticar; (2) antecipação; (3) encenação;<br />

(4) ação contínua quadro a quadro; (5) seguir através de sobreposição e ação; (6) acelerar e<br />

desacelerar; (7) arcos; (8) ação secundária; (9) timing (momento certo de cada ato); (10) exagero;<br />

(11) desenho sólido; (12) carisma. Na verdade, conforme apresentaremos a seguir, muitos<br />

dos princípios foram utilizados de forma reversa para o fim de desconstruir propositadamente<br />

aquela narrativa.<br />

No vídeo indicado, o processo de produção e seu resultado demonstram o afastamento<br />

das regras narrativas. O objetivo no vídeo é construir um novo sentido por meio da apropriação<br />

de outras ideias, desconstruindo uma narrativa preexistente.<br />

O argumento do vídeo se apoia na discussão dos direitos autorais fundados no direito<br />

de propriedade. Questiona-se o valor da propriedade e o controle da propriedade intelectual<br />

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O reaproveitamento de ideias e materiais no design de joias: origem, intertextualidade e sustentabilidade<br />

por seu detentor, bem como a necessidade de aparato jurídico para a proteção do direito de<br />

autor. Aponta-se, ainda, o medo dentro da indústria de ser copiado.<br />

O som faz parte da narrativa. Se em “A pequena sereia” é possível ser levado com<br />

suavidade pela música que além do conteúdo da letra conduz o espectador a um estágio<br />

emocional de envolvimento com a história narrada pela personagem e seu entorno, no vídeo<br />

“Gimme the Mermaid” a condução do espectador acontece pela combinação de ruídos,<br />

teclados, guitarras e um pedaço da canção “Part Of Your World” (Parte do seu mundo).<br />

A letra da canção “Part of your world” (Parte do seu mundo) trata do desejo de Ariel,<br />

a pequena sereia, de ser humana e estar no mundo. Ela deseja “estar onde o povo está” e<br />

“poder andar, poder correr”, ou seja, ela não quer ser uma sereia do mar.<br />

O grupo Negativland atende ao desejo da sereia Ariel e a coloca dentro da discussão<br />

sobre autoria e propriedade intelectual.<br />

No trabalho analisado, utiliza-se a imagem da “pequena sereia” com narrações que<br />

nada tem a ver com o original uso do desenho. Além disso, são feitas combinações de imagens<br />

de gatos, imagens indianas, a sereia distorcida, caveirinhas dançantes, entre outras imagens.<br />

Este arranjo inesperado apresenta o vídeo “Gimme the Mermaid” que nada lembra a produção<br />

da Disney. Existe a criação de uma obra totalmente nova.<br />

Percebe-se, deste modo, que a mensagem é transmitida por meio da transgressão<br />

deliberada da ideia representada pela Disney na animação “A pequena sereia”.<br />

Diante das análises propostas, é possível retomar o questionamento sobre o uso das<br />

ideias de outras pessoas para a construção do pensamento próprio. E, mais uma vez, frisamos<br />

a origem da apropriação, que não é criação deste século, mas existe entre nós desde o início<br />

do século passado e foi aceita como uma forma legítima de criação artística.<br />

Ademais, deve-se reconhecer neste reaproveitamento de outras criações o condão de<br />

possibilitar a libertação do pensamento por meio de uma expressão criativa advinda da própria<br />

característica humana de transformar a realidade. Neste sentido ensina MUNARI (2002:316):<br />

“observando não apenas as características formais de cada objeto, mas também materiais,<br />

cromáticas, táteis e outras, pode-se pensar em transformá-lo em qualquer outra coisa”.<br />

<strong>Design</strong> de joias: nova atribuição de sentidos às formas<br />

Saindo um pouco deste universo do vídeo, para o fim de nos aproximar do design de<br />

joia, que é nosso objeto de pesquisa, abordaremos exemplos que podem ser vistos como<br />

apropriação de ideias pensando em uma espécie específica de objeto: o bracelete.<br />

Eliana Gola, no seu trabalho sobre a história da joia, permite que compreendamos<br />

a apropriação de um modo mais amplo, construindo o novo pela utilização de formas<br />

anteriormente existentes, alterando-se significações, “pela apreensão crítica, reincorporando<br />

e modificando, à procura de uma identidade que defina o intuito de criar formas e conteúdo,<br />

aparência e significado”. (GOLA: 2008: 161)<br />

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O reaproveitamento de ideias e materiais no design de joias: origem, intertextualidade e sustentabilidade<br />

Os dois exemplos finais deste trabalho têm a forma de braceletes. Utilizamos os<br />

braceletes pelo seu significado não apenas como adorno, mas também a memória deste<br />

objeto. Há interessante visão de Lulu Smith que compara os braceletes a adorno e armadura,<br />

da seguinte forma:<br />

Diferente de anéis e colares, que tradicionalmente são usados para marcar<br />

passagens ou rituais, braceletes são ornamentos e armadura. Meu bracelete<br />

de punhos (pulseira) é adorno para fortalecer os braços com um simples realce<br />

da forma e uso de cor, cada qual explorando uma diferente gama de cor.<br />

(LEVAN: 2005: 22)<br />

Figura 3 (in: LEVAN: 2005)<br />

Bracelete - Punho de bola em terras calmas (Lulu Smith)<br />

Neste bracelete o artista compõe, com respeito a uma forma adequada ao uso nos<br />

pulsos, por se tratar de um bracelete. A criação respeita o critério de ergonomia, mas há um<br />

trabalho com a ideia das bolhas formadas em prata combinada ao uso de pigmento e resina.<br />

O segundo exemplo que nos propusemos a trazer consiste em tentar aproximar o<br />

design de um bracelete na animação Final Fantasy ao projeto Skinput (tecnologia bioacústica).<br />

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O reaproveitamento de ideias e materiais no design de joias: origem, intertextualidade e sustentabilidade<br />

Figura 4<br />

Final Fantasy (2001 - The Spirits Within)<br />

Figura 5<br />

Skinput: Appropriating the Body as an Input Surface (CHI 2010)<br />

http://www.youtube.com/watch?v=g3XPUdW9Ryg<br />

http://www.chrisharrison.net/projects/skinput/<br />

Deve-se deixar claro que a aproximação tentada não tem fundamento em uma<br />

constatação científica de uma ligação projetual entre os dois objetos, todavia, a leitura das<br />

imagens possibilita a relação apresentada. Isto porque, tanto na animação quanto no projeto<br />

de Chris Harrison, percebemos o uso de um artefato que se utiliza no braço e que tem como<br />

aspecto visual comum a utilização da luz que permite apresentar ao usuário uma funcionalidade<br />

a este artefato. Assim, além de ser acessório, é agregada outra funcionalidade.<br />

Acrescente-se, ainda, que o trabalho com a luz em acessórios não se insere apenas<br />

quando o criador quer atribuir uma funcionalidade à peça. Há trabalhos em que se pensa na<br />

experiência de quem usa e das pessoas no seu entorno. Um exemplo que encontramos na<br />

internet é o trabalho do designer Wei-Chieh Shih, de Taiwan, no portifólio online http://www.<br />

behance.net/dontmarryme. Veja a amostra do traje de laser e o próprio traje de laser abaixo:<br />

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O reaproveitamento de ideias e materiais no design de joias: origem, intertextualidade e sustentabilidade<br />

Figuras 6, 7 e 8<br />

Laser suit sample e Laser suit<br />

http://www.behance.net/dontmarryme<br />

Nos trabalhos do traje de laser e da amostra deste traje são claras as experimentações<br />

do designer com a luz, o que nos remete a ideia de Rafael Cardoso, segundo quem o design<br />

tende a ser cada vez mais imaterial. Assim, percebemos que se projeta não apenas o objeto<br />

em si, mas também a experiência. A diferença do exemplo do designer de Taiwan para os<br />

anteriormente citados reside na funcionalidade das peças. Neste exemplo, não há comandos<br />

ou funcionalidades que possam ser utilizadas pelo usuário, mas sim, um artefato que emite<br />

luz, criando uma experiência incrível.<br />

Considerações finais<br />

Por fim, o que quisemos trazer com os exemplos escolhidos, da literatura, audiovisual<br />

e design de joias, foi que a criação no design aproveita os passos anteriormente seguidos por<br />

outros criadores.<br />

A apropriação e a reprodutibilidade técnica não são invenções contemporâneas, ou seja,<br />

desta década de 2010. Todavia, percebemos que a possibilidade de criar com fundamento<br />

nestas técnicas já conhecidas da arte, esbarra em limitações legais que protegem a criação<br />

de um autor anterior. Questionamos, porém, se há reais invenções nos dias de hoje ou se o<br />

nosso papel não seria o de ler o passado e apresentar nossa versão.<br />

Atualmente, o reaproveitamento de ideias e materiais, no design, não concerne à<br />

pura experimentação artística, como a existente nas vanguardas históricas. O trabalho com<br />

materiais e ideias já existentes tem relação também com: (1) a sustentabilidade ambiental e<br />

(2) a nova atribuição de sentidos às formas criadas por outras pessoas. Ousamos defender<br />

que estes são desafios do design porque há normas jurídicas que podem engessar a criação,<br />

acaso não seja pensado o ato de projeto no design. Isto porque, pela lei, a proteção é dada<br />

ao resultado final (obra, desenho, etc.) e não a processos ou a ideias. A questão do direito<br />

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O reaproveitamento de ideias e materiais no design de joias: origem, intertextualidade e sustentabilidade<br />

autoral e do registro do desenho industrial ante as práticas de reaproveitamento está sendo<br />

aprofundada na pesquisa acadêmica e será apresentada em uma próxima publicação.<br />

Referências<br />

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica (1936-1955). In.:<br />

Magia e técnica, arte e política: ensaios. São Paulo: Editora: Brasiliense. 10ª reimpressão,<br />

1996.<br />

CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do <strong>Design</strong>. São Paulo: Edgard Blücher,<br />

2000.<br />

________________ Web: Itaú Cultural: 2008 http://www.itaucultural.org.br:80/index.cfm?cd_<br />

pagina=2720&cd_materia=450 (acesso 15/06/2010)<br />

DAMAZIO, Vera. Sobre “PPD-CV Conclusão” Hoje. In. COELHO, Luiz Antonio L. (org.). <strong>Design</strong><br />

Método. 1. edição, Ed. PUC-RIO. Teresópolis: Novas Idéias, 2006. p. 62<br />

ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL ARTES VISUAIS - http://www.itaucultural.org.br/<br />

aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=3182<br />

(Atualizado em 24/07/2009) – acesso em 10/06/2010.<br />

Final Fantasy – the spirits within. http://www.youtube.com/watch?v=GEp0bU3ZoP8 (acesso<br />

em 29/11/2010)<br />

FORTY, Adrian. Objetos do Desejo. <strong>Design</strong> e sociedade desde 1750. Tradução: Pedro Maia<br />

Soares. São Paulo: Cosac Naify, 2007.<br />

GOLA, Eliana. A jóia – história e design. São Paulo: Senac, 2008.<br />

HAYNE, Naná. http://nanahaynearte.blogspot.com/ (acesso 1/6/2010)<br />

____________. http://www.flickr.com/photos/nana_hayne/ (acesso 1/6/2010)<br />

____________. http://nanahayne.wordpress.com/2010/05/28/braceletes/5-4/ (acesso<br />

1/6/2010)<br />

LEVAN, Marthe. 500 bracelets: an inspiring collection of extraordinary designs. New York/<br />

London: Lark Books, 2005.<br />

LLABERIA, Engracia Costa. <strong>Design</strong> de jóias: desafios contemporâneos. Dissertação de<br />

Mestrado, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, 2009. http://www.anhembi.br/mestradodesign/<br />

pdfs/engracia.pdf (acesso em 31/08/2010)<br />

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O reaproveitamento de ideias e materiais no design de joias: origem, intertextualidade e sustentabilidade<br />

MCDONOUGH, William; BRAUNGART, Michael. Cradell to Cradell. http://www.mcdonough.<br />

com/cradle_to_cradle.htm (acesso em 1/6/2010)<br />

MUNARI, Bruno. Das coisas nascem coisas. Ed. Martins Fontes. São Paulo: 2002, p. 316.<br />

NEGATIVLAND. “Gimme The Mermaid”. http://www.youtube.com/watch?v=TTrHwH2gEY8 -<br />

acesso em 27/04/2010; 23:00<br />

______________. http://www.negativland.com/<br />

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O <strong>Design</strong> e a Publicidade dos Anúncios Kolynos na Revista<br />

O Cruzeiro entre os anos 1950 e 1960<br />

Leandro Ferretti Fanelli; Mestrando em design: <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

leandrofanelli@hotmail.com<br />

Resumo<br />

Este artigo tem como objetivo compreender e analisar as mudanças<br />

ocorridas no design gráfico e na redação publicitária dos anúncios<br />

do creme dental Kolynos da revista O Cruzeiro entre os anos 50 e<br />

60.<br />

Este período ficou marcado não apenas pelas turbulências<br />

políticas e econômicas vividas em nosso país, mas por conflitos<br />

internacionais que contagiaram as pessoas na época e as gerações<br />

que vieram posteriormente.<br />

No Brasil, podemos destacar o início da ditadura militar em 1964,<br />

o milagre econômico em 1968, a instituição do AI-5 no mesmo<br />

ano e a popularização da televisão. Além disso, grandes nomes<br />

surgiram neste período não apenas no design e na propaganda,<br />

mas em diversas áreas de atuação.<br />

Procuraremos demonstrar as diferenças entre dois anúncios neste<br />

período, tendo vista as mudanças do design gráfico e da redação<br />

publicitária brasileira.<br />

Palavras-Chave: anúncios; design gráfico; revista O Cruzeiro<br />

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O <strong>Design</strong> e a Publicidade dos Anúncios Kolynos na Revista O Cruzeiro entre os anos 1950 e 1960<br />

Anos 60 – uma década marcada por conflitos<br />

A década de 1960 representou um período de conflitos e transformações. EUA e a Antiga<br />

União Soviética viviam um momento de grande tensão. Disputavam influências econômicas<br />

e bélicas na chamada Guerra Fria. Os soviéticos enviaram os primeiros homens ao espaço<br />

enquanto os norte-americanos enviaram o homem à Lua. A guerra entre norte-americanos e<br />

vietnamitas sacrificou aproximadamente dois milhões de vidas entre 1964 e 1975.<br />

No Brasil, Jânio Quadros foi eleito presidente da República em outubro de 1960 e<br />

renunciou ao cargo em 25 de agosto de 1961. João Goulart assumiu a presidência da república<br />

até o golpe militar que aconteceu em 31 de março de 1964, levando ao poder o Marechal<br />

Humberto de Alencar Castelo Branco.<br />

Marcada como a década dos extremos, podemos observar o conservadorismo contra<br />

rebeldia e o protesto contra repressão. Entre outros conflitos cabe a nós pesquisadores a<br />

seguinte pergunta: Como o <strong>Design</strong> e a Publicidade se comportavam neste período de grandes<br />

mudanças da sociedade brasileira?<br />

Visando dar possíveis respostas e esta pergunta, selecionamos duas peças publicitárias<br />

do creme dental Kolynos publicadas na revista O Cruzeiro entre os anos 1950 e 1960, para<br />

analisar não apenas sua estrutura enquanto anúncio publicitário, mas também o design<br />

gráfico dos materiais, o que trará às vistas como eram pensadas e produzidas as criações<br />

publicitárias na época. Também ficarão mais claras as características do processo criativo<br />

para a propaganda e para o design. Outra questão a ser revelada é: quais eram os anseios e<br />

desejos do público leitor da revista O Cruzeiro, quando se tratavam de cremes dentais.<br />

Para MELO (2008:29), a propaganda serve como termômetro para definirmos as<br />

mudanças da cultura visual dos anos 50 e 60 do grande público. Ele fala que o progresso<br />

das propagandas do final dos anos 60 soa familiar, pois, foram produzidas com os mesmos<br />

princípios que regem a linguagem visual dos dias atuais. Indo além, acrescenta que tais<br />

mudanças foram mais marcantes ao longo dos anos 60 do que quarenta anos seguintes da<br />

propaganda no Brasil.<br />

Grandes nomes do design surgem neste período, entre eles Alexandre Wollner, Rubens<br />

Martins, Cauduro Martino e Aloisio Magalhães, artistas influenciados pelos princípios da<br />

Bauhaus e da Escola de Ulm.<br />

MELO (2009:55) diz que durante a década de 60, ocorreu uma grande influência<br />

do psicodelismo no design gráfico e nas propagandas impressas, o que segundo o autor<br />

traduziu com grande força a cultura dos anos 60. Além disso, a influência da televisão também<br />

atingiu aos jovens que viveram aquele momento, destruindo a ideia de totalidade tida até este<br />

período. Segundo MELO, a cultura do fragmento tornou-se a segunda natureza da população<br />

influenciada entre outros motivos pela televisão.<br />

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O <strong>Design</strong> e a Publicidade dos Anúncios Kolynos na Revista O Cruzeiro entre os anos 1950 e 1960<br />

A Revista o Cruzeiro<br />

Para SANT’ANNA (2002, 209), a revista, de modo geral, é o meio de comunicação mais<br />

seletivo que existe, pois o apelo destinado a elas permite uma maior segmentação enquanto<br />

sexo, classe social e vocação do leitor, tornado-a especialmente adequada para as campanhas<br />

de marca. Além disso, destaca as seguintes vantagens em relação aos jornais: possui melhor<br />

reprodução dos anúncios impressos, a vida útil da revista é mais longa, são lidas mais devagar,<br />

tem circulação maior que a tiragem e são mais seletivas que os jornais.<br />

Segundo BARBOSA (2002), a revista O Cruzeiro, pertencia a um conglomerado de<br />

imprensa fundado por Assis Chateaubriand chamado Diários Associados. A primeira edição<br />

da revista é datada de 10 de novembro de 1928 e trazia em sua capa o desenho realista<br />

de uma mulher melindrosa, com diversidade de cores e as estrelas do Cruzeiro do Sul, que<br />

inspirou o nome da revista.<br />

Logo abaixo do nome da Revista, aparece o principal diferencial do periódico em<br />

relação às demais publicações da época. Isso foi um dos grandes motivos do sucesso da<br />

revista: Revista Semanal Ilustrada<br />

Figura1: Capa da primeira edição da Revista Cruzeiro<br />

Fonte: http://www.almanaquedacomunicacao.com.br<br />

Acesso em: 25/08/2010<br />

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Conforme BARBOSA (2002), o diferencial da revista Cruzeiro para as demais publicações<br />

da época é o fato do leitor não ler apenas os textos, mas também as imagens que ilustravam<br />

as páginas da revista facilitando a compreensão das matérias publicadas.<br />

Apesar de não ter sido o primeiro periódico a utilizar ilustrações associados às matérias,<br />

a Revista Cruzeiro foi um grande divisor de águas das publicações no Brasil.<br />

Entre outros diferenciais, destaca-se o fato da redação do periódico possuir agentes em<br />

todas as cidades do Brasil e representantes em diversos países, como por exemplo, Lisboa,<br />

Roma, Paris, Londres e Nova York.<br />

O Discurso Publicitário<br />

SANT’ANNA (2002:75) coloca que a publicidade deriva de público, ou seja, designa<br />

a qualidade do que se torna público, seja um fato ou uma ideia. Já a propaganda, tem sua<br />

origem do Latim e deriva de Propagare. Este termo foi introduzido pelo Papa Clemente VII, em<br />

1579 ao criar a Congregação da Propaganda, que tinha o objetivo de propagar a fé católica<br />

pelo mundo.<br />

SANT’ANNA define comercialmente a propaganda como: “Implantar na mente da<br />

massa uma ideia sobre o produto ou serviço.” (2002:76)<br />

CARRASCOZZA (1999:17), diz que existem dois tipos de discurso, o primeiro visa<br />

convencer e o segundo deseja persuadir. Para o autor, a diferença entre convencer e persuadir<br />

é que o primeiro é dirigido à razão, ou seja, direciona-se ao raciocínio lógico do indivíduo<br />

e precisa de provas objetivas para uma conclusão positiva do interlocutor. Já o discurso<br />

persuasivo possui um caráter ideológico, subjetivo, e visa atingir o sentimento e a vontade<br />

através de argumentos plausíveis ou verossímeis.<br />

Para CARRASCOZZA (1999:18), o discurso publicitário é um discurso persuasivo,<br />

porque sua intenção é chamar a atenção do consumidor para as qualidades do produto ou<br />

do serviço anunciado. Analisando o discurso publicitário de maneira abrangente, as peças<br />

publicitárias esforçam-se para alcançar alto grau de persuasão, porque devem desencadear<br />

uma ação futura do consumidor.<br />

Complementando Carrascozza, SANT’ANNA (2002:78), diz que existem cinco níveis<br />

de comunicação:<br />

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Desconhecimento<br />

Menor nível de conhecimento, o consumidor jamais ouviu falar do produto ou da empresa.<br />

Conhecimento<br />

Exige um pequeno esforço do consumidor para conseguir reconhecer a marca ou o produto.<br />

Compreensão<br />

O consumidor tem conhecimento do produto ou serviço e também da marca; reconhece a embalagem<br />

e sabe para que serve o produto.<br />

Convicção<br />

Além dos fatores racionais, a preferência do produto se dá por motivos emocionais.<br />

Ação<br />

Realização de movimentos premeditados para realizar a compra do produto.<br />

Tabela 1: Níveis de Comunicação<br />

Ainda segundo CARRASCOZZA (1999:32), a partir dos anos 60 o discurso publicitário<br />

adotou a estrutura circular para a elaboração dos textos, fazendo com que o arranjo semântico<br />

seja estruturado de tal maneira que induz o leitor a uma conclusão definitiva sobre o assunto.<br />

CARRASCOZZA (2009:106) coloca que apesar das condições políticas que o país vivia<br />

nos anos 60, a publicidade nacional vivenciava uma revolução em sua linguagem. Segundo<br />

o autor, é possível ver que as propagandas passaram a ter apoio em ideias e agregavam<br />

um diferencial maior aos produtos anunciados, aglutinando texto e layout em uma única<br />

unidade criativa. Desta maneira, eliminou-se splashs e rodapés, normalmente utilizados para<br />

atrair a atenção do consumidor. Tais recursos tornavam as peças publicitárias poluídas<br />

e dispersavam a atenção do consumidor. Neste período, o uso de fotografias produzidas<br />

especialmente para as campanhas superou o número de ilustrações comuns à época.<br />

CARRASCOZZA (2009:107) acrescenta que nos anos 60, o tom da publicidade passa<br />

a ser menos formal, estabelecendo um diálogo com o leitor, sendo esta o maior avanço da<br />

publicidade no período:<br />

O advento desse novo padrão dado às peças de mídia impressa é a<br />

maior conquista da propaganda brasileira nos anos 60, que continuava<br />

convocando personalidade do show business - Roberto Carlos, Chacrinha,<br />

Hebe Camargo - ou do mundo dos esportes como Pelé para testemunhar a<br />

favor dos produtos.<br />

As propagandas da revista O Cruzeiro, ocupavam praticamente metade das 64<br />

páginas do periódico. Entre os anunciantes, podemos encontrar produtos como: lâminas<br />

de barbear, lojas de departamento, cremes dentais, remédios e unguentos, lâmpadas,<br />

sabonetes, sapatos masculinos e femininos, chicletes e até automóveis.<br />

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Estudo de Casos<br />

Para MELO (2008:29) as mudanças que aconteceram na linguagem visual das<br />

propagandas produzidas entre 1957 e 1969 são mais representativas do que todas as<br />

mudanças que temos nos dias atuais, porque ao nos depararmos com as peças publicitárias<br />

da década de 1950 e 1960, torna-se claro a mudança do comportamento das agências de<br />

propaganda no período. Como exemplo, temos duas peças publicadas na revista O Cruzeiro<br />

do Creme Dental Kolynos entre início da década de 1950 e final dos anos 1960:<br />

Figura 2: anúncio do Creme Dental Kolynos<br />

da década de 1950. S/D<br />

Fonte: http://www.netpropaganda.com.br<br />

Acesso em 28/08/2010<br />

Figura 3: anuncio do Creme Dental Kolynos<br />

da década de 1960. S/D<br />

Fonte: http://www.nublog.com.br<br />

Acesso em 28/08/2010<br />

Nas peças acima, podemos observar que a figura 2 possui um discurso formal, na qual<br />

a intenção é informar ao público a importância da escovação dos dentes de leite, o título diz<br />

“Conservando os primeiros dentes... os segundos serão mais fortes!”<br />

O design gráfico da peça nos mostra uma arte aerografada de uma criança, porém não<br />

aparece o corpo. Logo abaixo vem o título da peça publicitária, e temos um pequeno boneco<br />

segurando a escova de dente e apontando para a boca da criança. Neste ponto, podemos<br />

identificar uma prosopopéia, que é uma figura de linguagem, muito utilizada nas campanhas<br />

publicitárias. Segundo ANDRÉ, prosopopéia é:”a atribuição de qualidades humanas a seres<br />

inanimados, irracionais ou mesmo abstratos.” (1982:350)<br />

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Podemos identificar o pequeno boneco como a pasta dental que pelo formato criado<br />

remete à letra “K” de Kolynos. Abaixo temos o tubo de pasta de dentes, ocupando mais da<br />

metade da largura da página. Ao lado temos o texto da peça com a seguinte informação<br />

transcrita conforme anúncio “Graças à espuma de Ação Anti-Enzimático, o Creme Dental<br />

KOLYNOS lhe oferece uma proteção salvo contra os caries, uma sensação extra de frescor.”<br />

Abaixo do tubo de pasta de dentes, há também uma informação sobre os tamanhos<br />

disponíveis dos tubos “Agora também em tamanhos GIGANTE e FAMÍLIA”
SANTAELLA<br />

(2009:54), coloca que para Barthes a imagem pode ter três formas de relação com o texto.<br />

No primeiro caso, a imagem seria inferior, portanto apenas complementaria as informações da<br />

escrita. Na segunda definição, a imagem seria superior ao texto e o dominaria, uma vez que<br />

a linguagem imagética é mais informativa que a escrita. E no terceiro caso, texto e imagem<br />

possuem a mesma importância e estão integrados. Neste caso, a relação texto-imagem se<br />

encontra em redundância e informatividade.<br />

No caso da figura 2, podemos considerar que a relação imagética e textual do anúncio<br />

não está com a mesma importância, tendo vista que se olharmos apenas a imagem do anúncio<br />

não passará uma informação precisa sobre o produto ou seus benefícios.<br />

A figura 3, criada na década de 1960, possui uma linguagem diferente da figura 2,<br />

nesta propaganda o público alvo é o jovem, coloca o creme dental como um “companheiro”,<br />

que ajuda a solucionar os problemas, por exemplo, o ato de flertar uma garota.<br />

O grande diferencial da peça é a composição da criação, que tem uma sobreposição<br />

de texto e imagem. A expressão “AH!”, tem o objetivo de induzir o consumidor à sensação de<br />

frescor, e é aplicado com fotografias de vários momentos do casal, ficando clara a intenção do<br />

rapaz em conquistar a moça.<br />

Há cinco momentos nesta primeira parte da peça: na primeira os personagens<br />

aparecem em uma biblioteca, onde a modelo está escolhendo alguns livros e o homem está<br />

conversando com ela.<br />

Abaixo ele está sorrindo com um livro nas mãos e a jovem está com aparência de<br />

desconforto ao lado do rapaz.<br />

Na terceira cena, aparece a jovem em primeiro plano como se estivesse ignorando a<br />

presença dele.<br />

Na quarta cena temos a imagem da modelo caminhando, como se estivesse indo<br />

embora e apenas uma mão masculina se aproximando das flores que estão no jardim.<br />

Na quinta cena temos as flores em close e uma mão apanhando um botão de Rosas.<br />

Abaixo do conjunto de imagens, aparece o texto publicitário conforme transcrito abaixo:<br />

Se você tem um problema...<br />

Vá com jeito e aquêle seu sorriso<br />

Sorriso de quem sabe e pode sorrir.<br />

Com Kolynos. Ah! que delícia a espuma refrescante de Kolynos.<br />

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Kolynos faz dentes brancos e brilhantes dá hálito puro e saudável.<br />

Esplendido Kolynos<br />

Abaixo do texto há um tubo de pasta de dentes e a assinatura “... melhor do que<br />

nunca.”<br />

Além disso, temos um pequeno splash ao lado esquerdo da página, novamente com<br />

a expressão “AH!”, reforçando a sensação de frescor causada pela pasta de dentes, do lado<br />

direito temos o casal sorrindo com a flor que o rapaz colheu no jardim, dando a entender que<br />

ele conquistou a moça.<br />

A estrutura das fotos nos remete às fotonovelas, que foi um grande sucesso de venda<br />

entre os anos de 1950 e 1970.<br />

SANTAELLA (2009:57), define que as imagens podem determinar a interpretação de<br />

uma imagem de duas maneiras, através da contiguidade ou da disposição sequencial.<br />

Na disposição sequencial existe o argumento que no caso das imagens dispostas<br />

lado a lado, há uma sequência, formando uma relação semântica pela lógica da implicação,<br />

porque a ordem tem o efeito e a impressão de uma relação casual. Este estudo demonstra<br />

que o contexto da imagem não precisa necessariamente do conteúdo verbal, pois as imagens<br />

funcionam como conceito de imagem.<br />

Neste anúncio podemos verificar a existência de um contexto aplicado à história e que<br />

não é preciso conteúdo verbal para seduzir o leitor a adquirir o produto.<br />

Porém, como descrevemos anteriormente, a estrutura circular faz com que a peça<br />

publicitária se torne completa, associando texto, (título, texto e slogan) e imagens, tornando a<br />

mensagem publicitária mais forte e consistente no inconsciente do consumidor.<br />

Considerações Finais<br />

Podemos concluir que entre o começo dos anos 1950 e final dos anos 1960, a<br />

propaganda brasileira, teve grande evolução de texto e imagem. Os anúncios publicitários<br />

deixaram de ser apenas informativos e se aproximaram dos consumidores.<br />

Estes métodos criativos ajudaram a alavancar as vendas de produtos e ajudou as<br />

indústrias instaladas no Brasil e o país entre os anos de 1968 e 1972. Período marcado como<br />

o período do milagre econômico, onde o PIB da nossa economia chegou a atingir 12% ao ano<br />

com média de crescimento no período de 10% ao ano.<br />

As novas estruturas adotadas pelas agências de design e de propaganda, estão<br />

presentes até os dias de hoje e faz da propaganda e do design brasileiro um dos maiores e<br />

melhores mercados do mundo tratando-se de criatividade.<br />

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Referências<br />

BARBOSA, Marialva; O Cruzeiro: uma revista síntese de uma época da história da<br />

imprensa brasileira; nº7, 2002. Disponível em http://www.uff.br/mestcii/marial6.htm. Acesso<br />

em 27 ago. 2010.<br />

CARRASCOZZA, João A.; A Evolução do Texto Publicitário: a associação de palavras<br />

como elemento de Sedução na Publicidade; 2ªed. São Paulo: Futura, 1999.<br />

FAUSTO, Boris; História do Brasil; 6ª ed. São Paulo: Edusp, 1999.<br />

MELO, Chico Homem de; <strong>Design</strong> Gráfico Brasileiro: Anos 60; 2ª ed. São Paulo: Cosac<br />

Naify, 2008.<br />

SANTAELLA, Lúcia; Imagem: Cognição Semiótica e Mídia, 1ªed. São Paulo: Iluminuras,<br />

2009.<br />

SANT’ANNA, Armando; Propaganda: Teoria, Técnica e Prática, 7ªed. São Paulo: Pioneira<br />

Thompson Learning, 2002.<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

Leonardo A. Costa Buggy; Me.: <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco<br />

buggy@tiposdoacaso.com.br<br />

Lia Alcântara Rodrigues; Mestranda: <strong>Universidade</strong> Federal de Pernambuco<br />

liaalcantara@yahoo.com<br />

Resumo<br />

Dividido em seis partes, o presente artigo tem início na discussão<br />

acerca das definições de sistema de impressão em face da<br />

dualidade pré-digital e digital. Expostos alguns dos sistemas<br />

de impressão mais utilizados percebe-se a necessidade de<br />

uma classificação dos mesmos. Nesta etapa são revistas as<br />

classificações dos principais autores da área para então tornar-se<br />

possível a consolidação de uma nova proposta, mais completa e<br />

que facilita o processo de escolha de um sistema de impressão.<br />

A sugestão de avaliação dos sistemas de Villas-Boas (2008) é<br />

revista e acrescida do critério da sustentabilidade, novo paradigma<br />

do design. Conclui-se então que a inclusão de critérios não só<br />

tecnológicos, mas também sociais e ambientais no debate sobre<br />

classificação e escolha dos sistemas de impressão é fundamental<br />

para nortear as decisões dos designers contemporâneos.<br />

Palavras-Chave: classificação; escolha; sistema de impressão e<br />

sustentabilidade<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

Objetivos<br />

- Atualizar o conceito de impressão diante da dualidade pré-digital e digital;<br />

- Realizar uma revisão no modo de classificação das tecnologias de impressão mais<br />

utilizadas no cotidiano dos designers gráficos;<br />

- Propor uma nova classificação dos sistemas de impressão;<br />

- Inserir o conceito de sustentabilidade na avaliação dos sistemas de impressão;<br />

- Contribuir para a tomada de decisão dos designers ao selecionar um sistema de<br />

impressão.<br />

O que é sistema de impressão?<br />

As definições mais ortodoxas do termo impressão estão associadas diretamente ao ato<br />

ou efeito de encontrar dois corpos, de modo que um transporte um grafismo qualquer para<br />

o outro. Ribeiro (2003) o define melhor como arte ou processo de reproduzir pela pressão<br />

dizeres ou imagens em papel, pano, couro, folha de flandres e outros materiais mediante<br />

uso de prensa ou prelo de qualquer sistema. Já Baer (2005), mais objetivo, o caracteriza<br />

simplesmente como uma reprodução mecânica repetitiva de grafismos sobre suportes, por<br />

meio de fôrmas de impressão.<br />

Ribeiro (3002) destaca o equipamento que promoverá a transferência dos grafismos<br />

por meio de pressão e Baer (2005) a matriz ou fôrma que será pressionada contra o suporte<br />

permitindo a reprodução. Tais definições mostram-se complementares e intimamente ligadas<br />

a dois elementos fundamentais para a sua caracterização, mesmo que sub-entendidos,<br />

matriz e suporte de impressão. Todavia, no decorrer da obra dos citados autores observase<br />

claramente a conversão dessa dupla em tríade, tendo em vista a recorrência da tinta no<br />

discurso de ambos enquanto condutor dos grafismos a serem reproduzidos.<br />

Segundo McMurtrie (1965) uma antiga prática chinesa dos séculos V e VI da era cristã<br />

de se estampar carimbos com tinta no papel já envolvia esses elementos de modo semelhante<br />

ao que seria aplicado pela histórica invenção de Gutenberg, séculos mais tarde. Assim, a<br />

tipografia e algumas tecnologias antecessoras à imprensa implicam definitivamente tinta,<br />

matriz e suporte na conceituação primária do termo impressão. Contudo, os incrementos<br />

digitais que sucederam à entrada do setor gráfico na era da informática – inúmeras gerações<br />

após o primeiro uso dos tipos móveis – comprometem a integridade de algumas definições<br />

ainda hoje adotadas por uma série de autores.<br />

A ausência de um corpo material para ocupar o lugar da matriz de impressão em muitos<br />

sistemas digitais reforça o conceito de reprodução presente no contexto da impressão, abalando<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

significativamente a prerrogativa da pressão entre corpos anteriormente imprescindível. Com<br />

isso, toda uma corrente de pensamento teórico concentrada em torno da produção gráfica<br />

vê-se diante de uma quebra abrupta de paradigma e convidada a repensar vários de seus<br />

conceitos.<br />

Em acordo com essas perspectivas digitais Fernandes (2003) entende a impressão<br />

como um processo de reprodução de imagens sobre uma ou mais superfícies, desprendendo<br />

do conceito o elemento matriz. Collaro (2005) segue a mesma linha de pensamento mas,<br />

enaltece o aspecto industrial inerente ao tema ao afirmar que impressão é a transferência<br />

de grafismos para suportes por meio de processos que os transformam em cópias seriadas<br />

idênticas. Sobretudo para ele o enfoque da multiplicação em série é claro e independente do<br />

aspecto mecânico abordado por Baer (2005), mérito de um pensamento contemporâneo que<br />

não deve passar despercebido.<br />

Uma abordagem mais extremista e pragmática é adotada pela Adobe (2009) –<br />

importante desenvolvedor de softwares para o meio gráfico – que separa absolutamente a<br />

impressão de seu conceito primário. A documentação de ajuda ao usuário do Photoshop<br />

CS3, seu principal produto, a define como processo de enviar imagens para dispositivos de<br />

saída, numa clara alusão ao ato de controlar as ações de um hardware periférico via software.<br />

Essa simplificação demasiada do termo restringe sua aplicação ao universo digital e pode<br />

sujeita-lo a uma crescente diversificação da natureza dos dispositivos de saída de dados, nem<br />

sempre projetados para reproduzir grafismos em superfícies.<br />

Visto que processo e resultado se confundem na maioria das definições de impressão<br />

abordadas é prudente destacar as denotações processuais como melhor referidas ao termo<br />

sistema de impressão e as de resultado ao termo impresso. Isto posto, é possível constatar que<br />

as definições unicamente baseadas nas tecnologias dos sistemas de impressão anteriores aos<br />

digitais tendem a enfocar matriz e suporte como pilares conceituais e os posteriores, grafismo<br />

e suporte. Ambas, contudo, compreendem a tinta como condutor recorrente do grafismo para<br />

o suporte em várias circunstâncias.<br />

Como a matriz cumpre a função de guardar o grafismo e este está presente em<br />

qualquer sistema de impressão, a perspectiva digital moderada, por assim dizer, pode ser<br />

assumida na atualidade sem maiores prejuízos ao entendimento contemporâneo do termo. É<br />

importante que o fator mecânico enfatizado por alguns autores seja suprimido afim de se evitar<br />

confrontos infrutíferos frente ao fotoquímico, elétrico, eletrônico, entre outros. Já o caráter de<br />

reprodução em série deve ser observado enquanto potencial e sua realização deve submeterse<br />

a alguns critérios, como os de escolha do sistema de impressão indicados por Villas-Boas<br />

(2008): deficiências e vantagens apresentadas pelo processo; tiragem; custo; suporte; oferta<br />

e operacionalidade de fornecedores; conhecimento prévio do processo e usabilidade.<br />

De modo geral, a persistência no uso de conceitos pré-digitais pode originar estranhos<br />

conflitos, como o questionamento da legitimidade de uma página obtida através de um sistema<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

jato de tinta enquanto impresso, já que a mesma não implica na geração de uma matriz de<br />

corpo físico.<br />

Alguns dos sistemas de impressão mais utilizados<br />

Em linhas gerais, uma série de autores concorda que os designers utilizam com mais<br />

freqüência alguns sistemas de impressão específicos no seu cotidiano, seja para produção ou<br />

acabamento de suas peças gráficas. Tipografia, flexografia, offset, rotogravura, tampografia,<br />

serigrafia, jato de tinta e laser são alguns desses sistemas que recebem maior atenção. Desse<br />

modo, o preparo da suas matrizes e mecânica de funcionamento serão descritos a seguir para<br />

qualificá-los de forma adequada.<br />

As principais características dos impressos resultantes de cada sistema e algumas<br />

outras informações relevantes também serão apresentadas.<br />

Tipografia<br />

A invenção da prensa para o uso de tipos móveis proposta por Gutenberg em 1450 foi<br />

uma inovação tecnológica revolucionária sem precedentes na historia gráfica (FRIEDL; OTT;<br />

STEIN; 1998). Apesar dos chineses já utilizarem tipos móveis de cerâmica, madeira ou mesmo<br />

bronze, cerca de quatro séculos antes, o uso da prensa adequado ao alfabeto latino provocou<br />

grande impacto na produção editorial mundial (RIBEIRO, 2003). A simplicidade do sistema<br />

de escrita ocidental combinada a tecnologia originária da xilogravura foi a chave para o seu<br />

sucesso.<br />

Responsável pelo surgimento da imprensa como entendemos foi o único processo<br />

industrial de impressão durante séculos e o principal até bem pouco tempo, aproximadamente<br />

1950 (Fernandes 2003: 131).<br />

Primariamente a tipografia implica na composição manual de textos através da<br />

combinação de tipos feitos com uma liga de chumbo, antimônio e estanho organizados em<br />

bandejas metálicas, galés, com o auxilio de instrumentos que definem a largura das colunas,<br />

componedores. Madeira e linóleo também são utilizados para a confecção de tipos de corpos<br />

maiores.<br />

Depois de organizados linha a linha esse tipos são presos a um quadro de perfil metálico,<br />

rama, com o auxílio de barras de ferro, cotaços, que são pressionadas contra as paredes<br />

internas da rama através da ação de alargadores, cunhos. Somente então a matriz, presa a<br />

rama, será fixada a impressora (CRAIG, 1996: 16).<br />

Os tipos possuem caracteres que encontram-se em relevo – 23,566mm no sistema<br />

francês, mais usado no Brasil, e 23,317mmno sistema anglo-americano – para serem entintados<br />

sem permitir que a área ao seu redor, sendo mais baixa em média 1mm, receba tinta e portanto<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

imprima. Após depositada na superfície alta dos tipos por meio de rolos flexíveis – operados<br />

manual ou mecanicamente – a tinta pastosa é transferida diretamente para o suporte por meio<br />

de pressão, semelhante ao que se faz com um carimbo (CRAIG, 1996: 80).<br />

Todavia, o arranjo puramente de tipos móveis não é a única possibilidade de obtenção<br />

de matriz tipográfica. O uso de clichês para a representação de ilustrações a traço e retículas<br />

combinado aos tipos é muito comum nesse sistema.<br />

Há três tipos básicos de impressoras tipográficas: de platina, plano-cilíndricas e rotativas.<br />

Na de platina duas superfícies planas se juntam para imprimir, uma contém a matriz e<br />

a outra, chamada de platina, proporciona a pressão necessária ao processo. Há dois tipos de<br />

maquinas de platina: a de cofre plano, utilizada por Gutenberg, e a vertical, conhecida como<br />

Minerva ou Boca de Sapo.<br />

A plano-cilíndrica consiste num cofre plano, que sustenta a matriz e um cilindro que<br />

substitui a platina. A primeira impressora plano-cilíndrica foi fabricada por Friederich Koenig,<br />

em 1811 (CRAIG, 1996: 82).<br />

Por fim, a cilíndrica, diferente das outras, possui matriz curva, que se encaixa no<br />

cilindro ou o envolve completamente. Este cilindro da matriz recebe pressão de um outro<br />

cilindro para realizar sua tarefa atingindo velocidades mais altas que as outras impressoras<br />

tipográficas. Uma evolução da plano-cilíndrica utilizada pela primeira vez em 1814 pelo jornal<br />

Times (HEITLINGER, 2006).<br />

Atualmente a tipografia é utilizada pelos designers em pequenas e até médias tiragens<br />

de projetos especiais e/ou para acabamento de impressos. As impressoras de platina resistem<br />

em várias gráficas atuais que as utilizam para realizar a numeração de talonários e aplicação de<br />

relevo seco, sendo muitas vezes adaptadas para corte&vinco e hot-stamping.<br />

Flexografia<br />

De acordo com a Flexographic Technical Association (2009) a flexografia é originalmente<br />

um sistema de impressão tipográfico total que utiliza clichês de borracha e tintas líquidas de<br />

rápida secagem. Uma adaptação das impressoras tipográficas cilíndricas para produções de<br />

baixo custo com anilina criada por volta de 1860 nos Estados Unidos.<br />

Atualmente a flexografia utiliza matrizes de fotopolímeros que são entintadas por<br />

um cilindro dotado de sulcos conhecido como anilox. De modo geral, a tinta é depositada<br />

nesse cilindro de superfície metálica ou cerâmica e transportada do tinteiro para a matriz.<br />

Todavia Fernandes (2003: 140) afirma que a matriz de flexo é entintada diretamente por um<br />

rolo revestido de moletom que funciona como se fosse uma almofada umedecida flexível –<br />

mecânica somente verificada nas impressoras mais antigas.<br />

Um entendimento mais claro do avanços tecnológicos é apresentado por Villas-Boas<br />

(2008: 92-95) que divide as impressoras flexográficas em três tipos: rudimentar, convencional<br />

e de ultima geração.<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

As rudimentares funcionam conforme Fernandes (2003) indica.<br />

As convencionais já funcionam com o cilindro do tinteiro em contato com o anilox<br />

para intermediar a distribuição de tinta a base de álcool ou água na matriz. As máquinas<br />

são equipadas para impressão simultânea de seis a doze tintas diferentes. Suas fôrmas<br />

relevográficas planas flexíveis ao curvarem-se para fixação no cilindro da matriz, chamado<br />

cilindro da borracha, deformam-se comprometendo a qualidade da impressão.<br />

Por fim, as de última geração implicam em quatro inovações básicas que permitem<br />

explorar retículas impressas com qualidade próxima as do offset: o uso de sistema CTP para<br />

moldar a laser os grafismos das matrizes, o uso de tintas UV, o uso de matrizes cilíndricas de<br />

fotopolímeros – as chamadas camisas – e o contato direto do anilox com o tinteiro. Sobretudo<br />

a compensação da deformidade provocada pela curvatura das matrizes planas ocorrida nas<br />

camisas e a maior qualidade e durabilidade das tintas permitem meios-tons mais definidos.<br />

Muitas impressoras de flexografia possuem sistemas de acabamento e montagem<br />

de embalagens acoplados, realizando tarefas além da impressão, tais como: corte, dobra,<br />

colagem, selagem plástica, grampeamento, etc.<br />

Comum, até bem pouco tempo, no setor de embalagens apenas para a produção de<br />

caixas e sacolas plásticas de baixa qualidade a flexografia hoje é utilizada na confecção de<br />

embalagens de biscoitos, laticínios, chocolates e produtos de higiene.<br />

Offset<br />

O offset é um sistema de impressão baseado na litografia, uma técnica de gravura<br />

inventada em 1798 na Alemanha, por Alois Senenfelder. O principio básico da litografia é a<br />

incompatibilidade recíproca entre água e substâncias gordurosas.<br />

Mais de um século após a invenção da litografia o offset surge em 1903, por obra do<br />

americano Washington Rubel. O mesmo princípio foi utilizado no offset, as zonas de impressão<br />

das matrizes, chapas de impressão, são lipófilas e atraem a tinta gordurosa, repelindo a água.<br />

Por sua vez, as zonas não impressoras são hidrófilas e atraem a água repelindo a tinta.<br />

Dois avanços da litografia foram determinantes para o desenvolvimento da impressão<br />

offset: a invenção da fotolitografia, impressão litográfica baseada nas propriedades da<br />

albumina bicromatada, e a substituição das matrizes de pedra por lâminas metálicas de zinco<br />

ou alumínio (BAER, 2005: 187-188).<br />

Hoje, esse sistema é capaz de reproduzir grafismos de várias cores em diversos suportes<br />

em uma escala industrial. A maioria das impressoras offset são fabricadas para funcionar com<br />

uma, duas ou quatro tintas diferentes. Cada tipo de impressora dá naturalmente suporte a um<br />

tipo de trabalho. As projetadas para operar com uma tinta por vez suportam a monocromia,<br />

as com duas tintas suportam a bicromia e as com quatro suportam a policromia. Todavia,<br />

esta relação não é estanque. É possível, por exemplo, realizar com sucesso trabalhos de<br />

bicromia em impressoras concebidas para operar com monocromias. Basta imprimir o papel<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

duas vezes, carregando a máquina com uma tinta diferente a cada vez. Do mesmo modo, os<br />

outros equipamentos podem adequar-se a soluções desta natureza ou simplesmente ignorar<br />

a possibilidade de uso de uma tinta.<br />

Muito do que é preciso saber para entender a mecânica de funcionamento da impressão<br />

offset está ligado a dois aspectos: o funcionamento de um castelo de impressão e os tipos de<br />

impressoras.<br />

Castelo de impressão é o nome dado ao conjunto de cilindros, ou módulo impressor, que<br />

compõem o mecanismos de funcionamento básico das impressoras offset. Toda impressora<br />

desta natureza possui ao menos três cilindros que irão agir em rotação: cilindro da chapa,<br />

cilindro de borracha e cilindro de impressão.<br />

O cilindro da chapa é envolvido com a matriz de impressão e recebe a aplicação direta<br />

de tinta, pela ação dos cilindro entintadores, e solução de molhagem (normalmente composta<br />

por água e ácido fosfórico), pela ação dos cilindros molhadores.<br />

O cilindro de borracha, também chamado blanqueta ou caucho, toca o cilindro da<br />

chapa e recebe a imagem que é transferida para sua superfície neste momento. É o caucho<br />

quem toca a superfície do papel. A matriz de impressão nunca toca diretamente o papel<br />

caracterizando o processo offset de impressão como indireto.<br />

O cilindro de impressão desempenha a função de pressionar o papel contra o caucho<br />

para permitir a transferência da tinta ao papel.<br />

A qualidade da impressão offset se deve em grande parte a transferência indireta da<br />

imagem ao suporte. O excesso de tinta e sobretudo de água eliminado pela blanqueta poderia<br />

comprometer a resistência do papel. Também a dureza da superfície da matriz em contato<br />

com o suporte não permitiria que a tinta fosse depositada adequadamente. Mesmo que<br />

praticamente microscópicas, as imperfeições da superfície dos papeis devem ser cobertas<br />

de tinta em seus altos e baixos relevos para que não haja falhas nos grafismos resultantes,<br />

operação impossível para o duro metal da chapa.<br />

Cada cor de seleção ou especial utilizada em um trabalho determina na prática uma<br />

impressão diferente, uma entrada em máquina e cada entrada demanda um castelo. Assim,<br />

uma máquina própria para monocromia possui apenas um castelo, uma própria para bicromia,<br />

dois e uma para policromia, quatro. Todos dispostos em seqüencia linear.<br />

Cada castelo recebe apenas uma chapa de impressão por vez e por conseqüência é<br />

carregado com uma tinta para cada entrada de máquina.<br />

Uma curiosidade comum ao offset que pode influenciar no resultado das impressões<br />

é o ganho de ponto das impressoras. Trata-se de uma característica praticamente única de<br />

cada equipamento que aumenta ou diminui ligeiramente a dimensão dos pontos gravados<br />

nas chapas. Também por conta desta característica as matrizes devem apresentar todos os<br />

dispositivos gráficos de controle de cor presentes nos arquivos finalizados e nos fotolitos.<br />

Planas e rotativas são os tipos mais comuns de impressoras offset.<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

As planas são alimentadas por folhas de papel e podem ser grandes, médias e de<br />

pequeno porte. O dimensionamento desses portes está diretamente relacionado ao tamanho<br />

das folhas com as quais alimenta-se essas máquinas.<br />

As menores utilizam formatos próximos aos de uso caseiro, como A4, ofício, A3 e até<br />

duplo ofício. As de médio porte utilizam-se de formatos baseados no chamado corte industrial,<br />

fabricado para atender as demandas da industria gráfica. Os formatos mais comuns partem<br />

do BB. As impressoras de médio porte são alimentadas com papéis a partir de formato 4, ou<br />

seja ¼ de folha BB, até formato 2, ½ de folha BB, ou simplesmente B. Por fim, as impressoras<br />

de grande porte trabalham com formatos acima de B, quase sempre com folhas inteiras.<br />

Apesar das impressoras de menor formato terem caído em dês-uso o tamanho das<br />

impressoras não reflete atualmente a tecnologia que elas possuem, nem tão pouco sua<br />

qualidade. Impressoras de médio porte tem sido fabricadas com altíssima tecnologia.<br />

As rotativas são alimentadas por bobinas de papel e normalmente apresentam reversão.<br />

Reversão é o recurso que permite com que esses equipamentos imprimam as duas faces do<br />

papel ao mesmo tempo. São muito utilizadas nos parque gráficos de jornais e algumas grandes<br />

gráficas que necessitam de prazos curtos para impressão e acabamento. Em muitos casos<br />

as rotativas possuem equipamentos de dobra, refile e encadernação de alta performance<br />

acoplados a sua estrutura, o que acarreta ganho significativo de tempo na realização de vários<br />

trabalhos (BUGGY, 2009: 16-18).<br />

Rotogravura<br />

Segundo Craig (1996) e Fernandes (2003) a rotogravura tem origem nos processos<br />

de gravura em metal encavográficos de pressão plana, como ponta seca, talho-doce e água<br />

forte. Curiosamente, Villas-Boas (2008) atribui esta origem a industria têxtil do século XIX.<br />

É sabido que uma série de impressões, normalmente monocromáticas, foi desenvolvida na<br />

Europa naquela época através da ação de rolos gravados (GINZBURG, 1993). A pressão linear<br />

desses sistemas de impressão têxteis e a forma de suas matrizes faz plausível essa teoria,<br />

apesar da mesma não encontrar eco na obra de outros autores da produção gráfica. De toda<br />

sorte, o uso de matriz metálica com áreas de grafismo gravadas em baixo relevo para conter<br />

tinta é comum às duas origens mencionadas.<br />

A impressão rotográfica se realiza da seguinte forma: um cilindro de superfície metálica<br />

e/ou cerâmica é imerso dentro do tinteiro e girado para ser completamente coberto pela tinta.<br />

Este cilindro possui todas as informações do grafismo registradas em reticulas de pontos<br />

côncavos. Para evitar excesso de tinta no contato com o suporte, a matriz é raspada por uma<br />

espécie de rodo metálico, a racla, fazendo com que a tinta fique depositada nas cavidades do<br />

cilindro. Após esta operação a matriz toca o suporte pressionado por um cilindro de impressão<br />

(FERNANDES, 2003: 139). Desse modo, o suporte busca a tinta que se aloja nas pequenas<br />

perfurações da superfície da matriz, os alvéolos.<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

O uso de tintas líquidas a base de solventes fortes e voláteis, como o thinner, é imposto<br />

pela velocidade da rotogravura e pela dimensão minúscula dos alvéolos.<br />

As impressoras de rotogravura são normalmente equipamentos de grande porte<br />

dimensionados para execução de altas e altíssimas tiragens com grande qualidade (RIBEIRO,<br />

2003). Os suportes podem ser os mais diversos. Papel, papelão, plásticos, tecidos, metal,<br />

etc. Em geral, o acabamento é realizado in line (processos acoplados às impressoras)<br />

como na flexografia, incluindo plastificação e aplicação de vernizes. É muito comum que<br />

essas impressoras de alta performance trabalhem simultaneamente com seis a oito tintas<br />

possibilitando impressão simultânea de cores de seleção e cores especiais (VILLAS-BOAS,<br />

2008: 100).<br />

Pode-se citar como impressos do processo de impressão de rotogravura os miolos de<br />

revistas de grande tiragem, maços de cigarros e as embalagens flexíveis de produtos como<br />

biscoito, café, etc. (FERNANDES, 2003: 139).<br />

Tampografia<br />

Inventado recentemente, por volta de 1970, a tampografia segundo Fernandes (2003)<br />

é uma resposta para atender às necessidades de impressão no interior de objetos côncavos.<br />

Todavia, superfícies de objetos convexos também podem ser impressas pelo mesmo processo.<br />

Existem dois tipos elementares de impressoras tampográficas: a de tinteiro enclausurado<br />

e a de tinteiro aberto.<br />

Nas impressoras de tinteiro aberto um clichê encavográfico é percorrido por um bico<br />

distribuidor de tinta, para que, a seguir uma racla remova a tinta das áreas de contragrafismo,<br />

forçando também a entrada da mesma nas áreas de grafismo. Na seqüência, uma peça de<br />

silicone muito flexível, o tampão, é pressionada sobre a matriz, a tinta adere a essa peça e é<br />

por ela transferida para o suporte, que deve estar acomodado em um gabarito (FERNANDES,<br />

2003: 144).<br />

O componente mais sensível do processo tampográfico, o tampão, é um elastômero<br />

inalterável com alto poder de transferência basicamente constituído por uma mistura de<br />

borracha de silicone, óleo e catalisador, todos cuidadosamente dosados. Sua forma e dureza<br />

são determinantes para a qualidade e velocidade da impressão.<br />

Muito utilizada no setor de brindes para impressão de objetos tridimensionais a<br />

tampografia utiliza tintas líquidas e coloidais para a produção de pequenas e médias tiragens<br />

(FERNANDES, 2003: 144).<br />

Serigrafia<br />

Segundo Fernandes (2003: 141) o processo de impressão serigráfico foi inventado na<br />

China há alguns séculos. Dov Kruman (2000) editor do jornal O Serigráfico – importante veículo<br />

do mercado nacional especializado – indica a mesma origem datando-a, contudo, 3.000 anos<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

antes da era cristã. O primeiro registro desta impressão seria um selo real com o qual as<br />

monarquias imperiais da Ásia Menor davam valor de documento a um escrito. Já Baer (2003)<br />

acredita que sua origem esteja no Japão.<br />

Séculos ou milênios, China ou Japão? Independente da idade e origem, este sistema<br />

consiste em uma evolução mais de perspectiva do que de tecnologia de um método de<br />

gravura, classificado por Fajardo (1999: 70) como gravura a estampilha, para um sistema de<br />

impressão comercialmente aceito.<br />

É fato que, recentemente, a serigrafia ganhou uma série de incrementos e passou<br />

a atender tiragens de volumes sensivelmente ampliados em relação a impressão plana<br />

convencional (VILLAS-BOAS, 2008).<br />

Segundo Ribeiro (2003: 134) a serigrafia baseia-se num principio muito simples, consiste<br />

no resultado da compressão de tintas líquidas ou coloidais, com uma espátula normalmente<br />

de borracha, o rodo, através de um estêncil elaborado numa tela de fios tramados, sobre a<br />

superfície que se quer imprimir.<br />

De modo geral as impressoras serigráficas dividem-se hoje em dois grandes grupos:<br />

planas e rotativas.<br />

As planas podem ser manuais, semi-automáticas ou mesmo automáticas e utilizam o<br />

mesmo tipo de matriz confeccionada a partir de um bastidor de madeira ou metal no qual é<br />

tencionada uma tela de seda, náilon ou metal. As áreas de contragrafismo são impermeabilizadas<br />

para inibir a passagem da tinta (FERNANDES, 2003: 141-142).<br />

As rotativas partem do mesmo principio de permeabilidade, mas suas matrizes são<br />

cilíndricas e proporcionam uma pressão linear. Esses cilindros são formados por telas metálicas<br />

com malha de níquel confeccionadas por processo galvânico. A tinta é localizada dentro da<br />

matriz e transferida para o suporte a partir da pressão de raclas que se localizam do seu<br />

interior (VILLAS-BOAS, 2008: 89-90).<br />

A serigrafia é um sistema extremamente versátil que permite a impressão não só sobre<br />

papel e tecido, mas também sobre laminados plásticos, plásticos rígidos, tecidos, lonas,<br />

suportes tridimensionais, metais, vidros, cerâmica e uma infinidade de materiais, inclusive em<br />

superfícies convexas (VILLAS-BOAS, 2008: 85). Fernandes (2003) também inclui superfícies<br />

de pouca concavidade nessa lista de possibilidades.<br />

Se por um lado o desenvolvimento de sistemas digitais comprometeu o emprego da<br />

serigrafia na área da sinalização – placas, banners, faixas, entre outros outrora eram quase que<br />

exclusivamente produzidos serigraficamente – e o desenvolvimento da flexografia comprometeu<br />

seu emprego no setor de embalagens, por outro a indústria de eletrodomésticos e placas de<br />

circuito abriu uma nova seara para o desenvolvimento desse processo de impressão.<br />

Jato de Tinta<br />

Processo empregado pelas impressoras pessoais mais bem aceitas hoje no mercado<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

o jato de tinta é o sistema digital de mais baixo custo de aquisição (VILLAS-BOAS, 2008:<br />

p.110). Possui boa precisão e qualidade de impressão, com fácil manuseio e manutenção<br />

(FERNANDES, 2003: 151). Nesta condição, é muito utilizado pelos designers para geração de<br />

provas durante a concepção dos projetos gráficos.<br />

A Hewlett-Parkard, inventora do sistema, desenvolveu a primeira impressora jato de<br />

tinta em 1976, todavia ela somente tornou-se um produto de consumo doméstico em 1988.<br />

De modo geral, suas impressoras funcionam conectadas a um sistema digital de<br />

tratamento de imagens e operam a partir do controle por arquivos de pulsos eletrônicos, como<br />

qualquer outro sistema digital. Considerados por muito autores como matrizes não-físicas<br />

esses arquivos impossibilitam o contato entre matriz e suporte. Toda informação de grafismo<br />

contida neles é decodificada para a compreensão das impressoras através de uma linguagem<br />

de descrição de página que irá controlar os cabeçotes de impressão.<br />

Os cabeçotes, ou cabeças, são peças chave na tecnologia jato de tinta. São<br />

responsáveis pela aspersão de jatos de tinta, geralmente líquida e a base de água, desferidos<br />

quase sempre sob demanda contra os suportes (FERNANDES, 2003: 149-151). Além da tinta<br />

líquida algumas impressoras utilizam tintas sólidas.<br />

Segundo Baer (2005: 125) as impressoras jato de tinta dividem-se em dois tipos: as<br />

que trabalham com tinta, cujo jato funciona sob demanda (drop on demand) e as de jato<br />

contínuo (contunuous flow).<br />

As impressoras sob demanda funcionam por meio de vaporização de gotículas de tinta,<br />

as bubble jet (jato de bolhas), ou pela ação de bombeamento, as piezoelétricas (VILLAS-BOAS<br />

2008: 110). Esta classificação é muito bem aceita pelos principais fabricantes de impressoras<br />

jato de tinta, HP, Epson e Canon.<br />

As impressoras bubble jet aquecem a tinta líquida no interior de pequenos reservatórios,<br />

os cartuchos de impressão, através de uma resistência, formando pequenas bolhas de ar que<br />

fazem a tinta espirrar contra o suporte orientadas por micro dutos presentes nas cabeças<br />

de impressão. Cabe frisar que a tinta empregada neste sistema não encontra-se vaporizada<br />

dentro dos cartuchos, apenas entra em ebulição no momento da impressão.<br />

Por sua vez, as piezoelétricas funcionam como uma bomba microscópica, borrifando<br />

tinta sobre o suporte. Neste caso, as cabeças de impressão possuem um pequeno canal<br />

dentro do qual posiciona-se um cristal. Ao receber eletricidade este cristal vibra, fazendo com<br />

que gotículas de tinta sejam expelidas para fora do cartucho (EPSON DO BRASIL, 2009).<br />

Villas-Boas (2008) ainda chama atenção para uma terceira espécie de impressora jato<br />

de tinta sob demanda, a de troca de estado. Essas impressoras que utilizam-se da mudança<br />

de fase da tinta trabalham com lâminas de sólidas que são derretidas e borrifadas contra<br />

os suportes onde tornam a solidificar-se com o auxílio de cilindros, agentes de pressão e<br />

resfriamento.<br />

Nas impressoras de jato contínuo a tinta não é lançada de modo intermitente. Nelas<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

mecanismos lançam a tinta de maneira constante dirigindo eletroestaticamente os jatos contra<br />

o suporte (BAER, 2005: 125).<br />

Empregada em pequenos formatos a impressão jato de tinta contempla sobretudo<br />

papeis. Em formatos maiores possibilitam a impressão em lonas, películas auto-adesivas de<br />

vinil, tecidos, papeis e uma serie de filmes gráficos (FERNANDES, 2003: 152).<br />

Independente do tamanho e do tipo de tinta todas as impressoras jato de tinta utilizamse<br />

de retículas estocásticas. Desde 1993 essa alternativa para simulação de meios-tons ganha<br />

espaço na industria gráfica. A retícula estocástica reproduz tons não por pontos organizados<br />

geometricamente numa pequena rede – como no caso das reticulas de ponto comuns a<br />

maioria dos sistemas de impressão – mas, por uma distribuição aparentemente aleatória de<br />

respingos microscópicos de tinta (07 a 40 milésimos de milímetro) distribuídos em áreas de<br />

maior ou menor concentração (VILLAS-BOAS, 2008: 47, 110).<br />

Laser<br />

Em termos genéricos, Baer (2005: 205) afirma existir pelo menos três sistemas<br />

eletrográficos amplamente reconhecidos: a xerografia ou eletrofotografia indireta, a<br />

eletrofotografia e a impressão eletroestática. Villas-Boas (2008) compartilha dessa lógica,<br />

todavia, não há consenso claro entre os principais autores contemporâneos da produção<br />

gráfica nacional a respeito desta divisão.<br />

Baer (2005) se refere a impressão laser como xerográfica, Villas-Boas (2008), por sua<br />

vez, como digital e Fernandes (2003), como eletroestática. Essas diferenças podem suscitar<br />

dúvidas a respeito dos conceitos envoltos nesta classificação de sistema de impressão.<br />

Apesar dos conflitos conceituais, parece sensato crer que o sistema laser é resultado<br />

da evolução da xerografia, de sistema convencional para digital, conforme indica Fernandes<br />

(2003: 152).<br />

Elaborada por Carlson em 1938 e aperfeiçoada no Battelle Memorial Institute, nos<br />

Estados Unidos, a xerografia foi associada ao laser em 1960 originando a copiadora Xerox<br />

914 (XEROX DO BRASIL, 2009). Em 1989 a mesma empresa lança a impressora DocuThec,<br />

um marco na transição do uso de eletricidade estática na impressão. Esse equipamento foi<br />

criado para funcionar simultaneamente como copiadora e impressora digital (VILLAS-BOAS,<br />

2008: 84).<br />

Segundo Fernandes (2003: 152) originalmente as copiadoras trabalhavam apenas com<br />

matrizes físicas – um original que servia de padrão para reprodução de cópias. Com a adição<br />

da capacidade de comando por sistemas digitais operado a partir de arquivos os princípios do<br />

processo laser xerográfico não foram alterados.<br />

O funcionamento desse tipo de impressão se dá, inicialmente, pela ação de feixes<br />

de laser que carregam eletroestaticamente um cilindro revestido de selênio nas áreas que<br />

correspondem ao que será impresso. Simultaneamente, o toner recebe um carga eleroestática<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

de sinal oposto ao do cilindro. Desta forma, a eletricidade estática do cilindro, concentrada nas<br />

áreas que formam a imagem que será reproduzida, atrai o toner, que adere então ao cilindro<br />

e, em seguida, é transferido para o suporte, que recebeu carga elétrica de maior intensidade.<br />

Finalmente, a imagem formada pelo toner é fixada no suporte por calor e pressão ou somente<br />

por calor, etapa denominada de polimerização.<br />

Toner é uma tinta não condutora, geralmente em forma de pó seco, algumas vezes<br />

disperso em liquido, cujas partículas plásticas são carregadas eletroestaticamente e transferidas<br />

para o suporte (BAER, 2005: 205).<br />

Vale lembrar que o cilindro funciona como uma espécie de suporte para a matriz que<br />

é virtual. Uma vez finda a impressão, ele se regenera para construir uma nova matriz. O uso<br />

dessas matrizes virtuais permite ajustes e customização de impressos em qualquer tiragem<br />

(VILLAS-BOAS, 2008: 80).<br />

Atualmente a chamada impressão laser é muito utilizada para pequenas tiragens, pois<br />

não possui custo de partida – custo fixo associado a chapas, fotolitos e acerto de máquina.<br />

Porém, o custo unitário da impressão laser é maior se comparado ao offset e a outros sistemas<br />

convencionais acima de tiragens médias.<br />

Para pequenos formatos as opções de suportes são limitadas, normalmente reduzida<br />

aos papeis indicados e/ou produzidos pelos fabricantes das impressoras. Já para grandes<br />

formatos, utilizados no mercado de sinalização, as opções são mais variadas passando por<br />

tecidos, lonas, películas auto-adesivas de vinil, filmes gráficos e papeis (VILLAS-BOAS, 2008:<br />

80-83). Uma lógica de uso muito semelhante ao encontrado no segmento do jato de tinta.<br />

Outros processos<br />

Alguns processos de menor popularidade merecem certa atenção dos designers. Apesar<br />

de pouco difundidos ocupam espaços específicos no mercado de impressão revelando-se<br />

muitas vezes opções interessantes. Tratam-se de adaptações e/ou inovações dos demais<br />

processos já vistos neste relato.<br />

Di-litho é uma evolução da litografia originaria dos anos 1970. Um processo simples<br />

que consiste no uso de chapas offset em maquinas tipográficas. Seu resultado é superior a<br />

impressão tipográfica e inferior a offset.<br />

Letterset foi durante muito tempo conhecido como offset seco, título hoje ostentado<br />

pelo sistema Indigo. Também originário dos anos 1970, é um processo misto, com matrizes em<br />

relevo de fotopolímero adaptadas a impressoras offset. Os grafismos em relevo são entintados<br />

e transferidos para uma blanqueta de borracha para enfim chegar ao suporte.<br />

O Indigo é conhecido como o offset digital. Um processo que alia uma matriz típica da<br />

eletrografia, virtual e determinada por fenômenos eletroestáticos, com uma impressão indireta<br />

por meio de blanqueta, característica comum ao offset convencional.<br />

Sob a ação de um laser, direcionado pelos dados digitais fornecidos por arquivos<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

informatizados, as imagens que serão impressas são definidas eletroestaticamente num<br />

cilindro fotocondutor orgânico. A energia eletroestatica atrai a tinta, a electroink, para essas<br />

áreas. Para impressos com mais de uma cor esta operação ocorre mais de uma vez antes<br />

da tinta ser transferida para uma blanqueta também eletroestática revestida de teflon. Da<br />

blanqueta todas as tintas são transferidas simultaneamente para o suporte.<br />

Este é um dos raros processos em que apenas uma impressão ocorre durante o uso<br />

de tintas de cores diferentes. Normalmente as impressoras Índigo são equipadas para operar<br />

com até seis cores ao mesmo tempo nas duas faces do suporte.<br />

Routers são plotters de corte dotados de facas de grande resistência, capazes de<br />

cortar, esculpir ou cavar madeira, alumínio, poliuretano e outros suportes rígidos (VILLAS-<br />

BOAS, 2008: 104-109).<br />

A transferência térmica se dá a partir da passagem de pigmentos que tem como veículos<br />

cera ou plástico, geralmente em forma de fita, para o suporte. Sua impressão é superior ao<br />

jato de tinta e laser, todavia não muito popular em nosso país.<br />

A sublimação, ou dye sublimation, utiliza tintas solidas em forma de filme, que<br />

são transferidas para o suporte por meio de cabeçotes via pressão e/ou ação térmica. A<br />

transferência de pigmentos obedece ao nível de calor determinado pelo cabeçote: quanto<br />

mais quente, mais pigmento é transferido. Seus pontos possuem tamanho fixo, mas variam<br />

em densidade do centro para as bordas. São equipamentos de altíssima precisão e suas<br />

impressões reproduzem meios tons com incomparável qualidade. Alguns birôs de préimpressão<br />

chegam a utilizar essas impressoras como impressoras de prova, mesmo este<br />

procedimento não sendo plenamente recomendado.<br />

Embora não seja um processo de impressão Villas-Boas (2008: 108) considera que o<br />

corte eletrônico deve ser abordado por tratar-se de um processo de reprodução largamente<br />

empregado pelos designers.<br />

Para entender melhor este sistema digital de reprodução de grafismos é importante<br />

conhecer previamente o conceito de plotter.<br />

O termo plotter hoje reúne uma enorme variedade de processos diferenciados que<br />

pouco ou nada têm a ver entre si. Originalmente associado a equipamentos de reprodução<br />

de imagens em grandes formatos voltados a cartografia e engenharia a partir de 1990 passou<br />

a ser referir a impressoras jato de tinta alimentadas por papéis de largura superior a 50 cm.<br />

Atualmente os plotters também abrangem equipamentos de grandes formatos que utilizam as<br />

tecnologias laser e de corte eletrônico.<br />

Os plotters de corte eletrônico, ou simplesmente de corte, são equipados com pequenas<br />

facas de precisão dedicadas à determinação das imagens a partir do recorte do suporte,<br />

normalmente lâminas de vinil adesivo em bobinas. Dos mesmo modo que as impressoras<br />

jato de tinta e laser, os plotters de corte são controlados por arquivos digitais que orientam as<br />

cabeças de corte na descrição dos grafismos desejados.<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

Esse equipamentos são capazes de reproduzir apenas imagens a traço. Uma vez<br />

ajustados os arquivos a esta condição cada película auto-adesiva de vinil é recortada de forma<br />

que a profundidade desses cortes não alcance a base de papel que protege o adesivo e que<br />

mantém unida toda a superfície do suporte mesmo após a ação das lâminas.<br />

Efetuando o processo no número de lâminas condizente com o número de cores<br />

desejado, elas são afixadas de modo que uma se sobreponha à outra, formando o layout<br />

desejado.<br />

Muito utilizado no setor de sinalização para viabilizar a produção de banners e placas<br />

os plotters de recorte podem auxiliar no acabamento de pequenas tiragens de impressos<br />

oriundas de sistemas de impressão digitais ou mesmo convencionais (BUGGY, 2009).<br />

Nova proposta de classificação dos sistemas de impressão<br />

A decisão pelo uso de definições mais ou menos ortodoxas do termo impressão interfere<br />

diretamente na classificação dos tipos de sistemas.<br />

Segundo Villas-Boas (2008: 57) a forma e o tipo de funcionamento da matriz que<br />

cada sistema utiliza sugerem uma das maneiras mais eficientes de classificá-los. Assim,<br />

se considerarmos uma visão contemporânea para analisar a forma das matrizes podemos<br />

identificar sete grandes tipos de sistemas de impressão:<br />

• Relevográficos. Sistemas que utilizam matriz em alto-relevo. Neles os grafismos que<br />

serão impressos ficam em relevo na matriz e são entintados para serem impressos no<br />

suporte mediante pressão. Trata-se do mesmo princípio utilizado nos carimbos;<br />

• Encavográficos. Sistemas que utilizam o mecanismo inverso ao dos relevográficos,<br />

baseiam-se numa matriz em baixo-relevo. Os elementos que serão impressos são<br />

formados por áreas em baixo-relevo na matriz, que armazenam a tinta para ser<br />

transferida ao suporte mediante pressão;<br />

• Planográficos. Sistemas nos quais não há qualquer relevo para determinar a impressão.<br />

Neles a matriz é sempre plana e fenômenos físico-químicos de repulsão e atração<br />

fazem com que a tinta se aloje nas áreas de grafismo para que sua reprodução no<br />

suporte ocorra;<br />

• Permeográficos. Sistemas que utilizam matriz permeável. Os grafismos são<br />

determinados por áreas permeáveis ou perfuradas da matriz que permitem a passagem<br />

da tinta de modo que atinja o suporte conforme planejado;<br />

• Eletrográficos. Nesses sistemas a matriz é plana como nos planográficos, porém<br />

os grafismos são determinados, seja na matriz ou no próprio suporte, a partir de<br />

fenômenos eletrostáticos – e não físico-químicos. A terminologia para esses processos<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

ainda não está consolidada e muitas vezes eles são mencionados como processos<br />

digitais, processos eletrônicos, etc. devido ao fato de que os originais se constituírem<br />

em dados informatizados;<br />

• Digitais. Sistemas que utilizam matriz virtual formada por impulsos elétricos originários<br />

de um sistema informatizado. Como também se caracterizam pelo fato de o original<br />

ter a forma de dados informatizados, muitas vezes são erroneamente associados aos<br />

eletrográficos. São sistemas muito diferenciados entre si, em geral adequados a tiragens<br />

únicas, como provas de impressos que serão produzidos em médias ou altas tiragens;<br />

• Híbridos. São aqueles que envolvem componentes diferentes, como a matriz própria<br />

de um sistema aplicada à impressão própria de outro, por exemplo. Em geral referemse<br />

a equipamentos ou tecnologias muito específicos, quase sempre patenteados por<br />

fabricantes do meio gráfico.<br />

Por outro lado, se considerarmos o tipo de funcionamento dessas matrizes, levando em<br />

conta sua interação com os suportes – conforme indicam Baer (2005: 63), Fernandes (2003:<br />

128) e Ribeiro (2003: 129) – os sistemas podem ser divididos em apenas dois grandes grupos:<br />

• De impressão direta. Também chamados de diretos, são sistemas nos quais ocorre<br />

o contato direto entre a matriz e o suporte impresso (tipografia, flexografia, rotogravura,<br />

serigrafia, etc.);<br />

• De impressão indireta. Também chamados de indiretos, são sistemas nos quais há a<br />

presença de um elemento intermediário usado para transferir o grafismo da matriz para<br />

o suporte (offset, letterset, driografia, etc.).<br />

A utilização dessas duas perspectivas combinadas é simpática a vários autores, tais<br />

como Craig (1996), Collaro (2005), Rossi Filho (1999) e mesmo os já citados Villas-Boas<br />

(2008), Baer (2005), Fernandes (2003) e Ribeiro (2003) que no decorrer de suas obras acabam<br />

adotando ambas em suas definições para muitos casos.<br />

Ribeiro (2003) ainda considera uma terceira perspectiva para classificar os sistemas,<br />

na qual a impressão pode ocorrer mediante pressão plana, ou pressão linear. Pressão plana,<br />

quando toda a superfície da matriz toma contato com toda a superfície do suporte. Pressão<br />

linear, quando só uma parte da matriz toma contato com uma parte da superfície do suporte<br />

(exemplo: impressão plano-cilíndrica).<br />

As propostas de todos esses autores são complementares e podem ser utilizadas<br />

juntas para classificar melhor os sistemas de impressão. Porém, algumas inclusões de classe<br />

devem ser promovidas para atender a nova ótica. Essas acomodações serão mais sentidas<br />

nas categorias da classificação quanto ao tipo de pressão exercida pela matriz no suporte.<br />

Levando em conta sistemas como a tampografia, jato de tinta e laser é necessário<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

acrescentar algumas novas categorias para adequar a definição da pressão exercida pela<br />

matriz no suporte nesses casos. São elas:<br />

• Pressão côncava. Ocorre quando toda a superfície da matriz côncava ou de um<br />

elemento côncavo intermediário usado para transferir o grafismo toma contato com<br />

toda a superfície convexa do suporte;<br />

• Pressão convexa. Ocorre quando toda a superfície da matriz convexa ou de um<br />

elemento convexo intermediário usado para transferir o grafismo toma contato com<br />

toda a superfície côncava do suporte;<br />

• Sem pressão. Alguns sistemas não prescindem do exercício de pressão para realizar<br />

a transferência de grafismos da matriz para o suporte. Nesses casos esta nomenclatura<br />

deve ser adotada.<br />

Assim, as definições de Ribeiro (2003) para pressão plana e linear devem ser ajustadas<br />

da seguinte forma:<br />

• Pressão plana. Ocorre quando toda a superfície da matriz plana toma contato com<br />

toda a superfície plana do suporte ao mesmo tempo;<br />

• Pressão linear. Ocorre quando só uma parte da matriz toma contato com uma parte<br />

da superfície do suporte por vez.<br />

Sistemas de impressão<br />

Classificação quanto<br />

ao funcionamento da<br />

matriz<br />

Classificação quanto<br />

a interação da matriz<br />

com o suporte<br />

Classificação quanto<br />

ao tipo de pressão<br />

exercida pela matriz<br />

no suporte<br />

Tipografia Relevográfico Direto Plana ou Linear<br />

Flexografia Relevográfico Direto Plana ou Linear<br />

Offset Planográfico Indireto Linear<br />

Rotogravura Encavográfico Direto Linear<br />

Tampografia Encavográfico Indireto ----<br />

Serigrafia Permeográfico Direto Plana ou Linear<br />

Jato De Tinta Digital Indireto ----<br />

Laser Eletrográfico ou Digital ---- ----<br />

Tabela 1: Quadro-resumo de classificações existentes dos sistemas de impressão<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

Sistemas de impressão<br />

Tipografia<br />

Flexografia<br />

Offset<br />

Rotogravura<br />

Tampografia<br />

Serigrafia<br />

Jato de Tinta<br />

Laser<br />

Classificação Proposta<br />

Relevográfico direto plano ou linear<br />

Relevográfico direto plano ou linear<br />

Planográfico indireto linear<br />

Encavográfico direto linear<br />

Encavográfico indireto convexo<br />

Permeográfico direto plano ou linear<br />

Digital indireto sem pressão<br />

Eletrográfico ou Digital direto sem pressão<br />

Tabela 2: Proposta de classificação dos sistemas de impressão<br />

Aplicando a nova proposta<br />

Inicialmente, apresenta-se um quadro-resumo das classificações discutidas no item<br />

anterior. Esta compilação abriga as classificações segundo Craig (1996), Collaro (2005), Rossi<br />

Filho (1999), Villas-Boas (2008), Baer (2005), Fernandes (2003) e Ribeiro (2003).<br />

A proposta aqui apresentada utiliza os dados acima de forma sistemática e acrescenta<br />

informações pertinentes a classificação quanto ao tipo de pressão exercida pela matriz no<br />

suporte a fim de tornar este critério mais claro para sistemas como tampografia, jato de tinta<br />

e laser.<br />

Escolha de um sistema de impressão<br />

A escolha do sistema de impressão não é um processo automático que tem como<br />

resposta o offset para toda e qualquer circunstância. Para definir o processo de reprodução,<br />

Villas-Boas (2008) considera parâmetros que envolvem não apenas a qualidade final do<br />

impresso requerida pela situação do projeto, mas também custos, prazos e operacionalidade<br />

da produção. Assim, o autor acredita que devem ser levados em conta os 07 (sete) seguintes<br />

aspectos:<br />

• Deficiências e vantagens apresentadas pelo processo. Neste sentido a capacidade de<br />

reproduzir determinados tipos de grafismos pesa na escolha do sistema de impressão;<br />

• Tiragem, a quantidade de impressos reproduzidos em uma encomenda (FERNANDES,<br />

2003). Alguns sistemas de impressão são viáveis apenas a partir de certas tiragens<br />

(pequenas ‘unidades a centenas de exemplares’, médias ‘milhares de exemplares’,<br />

altas ‘dezenas a centenas de milhares de exemplares’ e altíssimas ‘acima de centenas<br />

de milhares de exemplares’);<br />

• Custo. Determinados processos apresentam significativo custo fixo que só se justifica<br />

em médias ou altas tiragens;<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

• Suporte. Nem todos os sistemas adéquam-se a qualquer tipo de suporte desejado. É<br />

preciso compreender as afinidades e indisposições de cada sistema;<br />

• Oferta e operacionalidade de fornecedores. A disponibilidade de tecnologia combinada<br />

a logística e ao preço praticado pelos mercados pode favorecer ou inviabilizar o uso de<br />

um dado sistema;<br />

• Conhecimento prévio do processo. A adequação prematura de um projeto, ainda<br />

em fase de criação, ao sistema de produção é determinante para um uso eficiente de<br />

recursos;<br />

• Usabilidade. É preciso levar em conta se o produto será adequado ao uso que se<br />

pretende dele. Cada sistema de impressão infere características próprias a seu resultado.<br />

Após uma breve análise é possível verificar com facilidade que esses aspectos levados<br />

em conta por Villas-Boas (2008) na escolha de um sistema de impressão não consideram<br />

dimensões sociais, nem tão pouco ambientais. Dimensões essas contempladas em qualquer<br />

perspectiva elementar de design contemporâneo. Assim, introduzir a sustentabilidade como<br />

um oitavo aspecto a ser contemplado é uma proposta a ser considerada.<br />

Determinados sistemas de impressão, suportes e acabamentos podem comprometer<br />

a capacidade das futuras gerações em satisfazer suas próprias necessidades. A manipulação<br />

de material com alto risco poluente, a geração de produtos de difícil reciclagem e/ou bio<br />

degradação e o abuso de matérias primas devem ser considerados na escolha de um sistema<br />

de impressão.<br />

Segundo Jedlicka (2009), as considerações acerca da sustentabilidade para impressos<br />

são as mesmas aplicadas a qualquer projeto de design. Inicialmente, deve-se definir o problema<br />

a ser resolvido para em seguida planejar o ciclo de vida do impresso. Um impresso de vida<br />

breve como um folheto de promoções do dia de um supermercado não deve mobilizar os<br />

mesmos recursos de um livro, um bem muito mais permanente. Recursos como a laminação<br />

e a reserva de verniz dificultam a reciclagem do suporte mais utilizado pela indústria gráfica,<br />

o papel. A etapa de concepção do projeto gráfico deve considerar a vida útil do produto final<br />

para a seleção do suporte e do sistema de impressão a ser adotado. A compreensão destes<br />

aspectos tem impacto direto na primeira etapa do ciclo de vida: a pré-produção, fase que<br />

se refere à aquisição de recursos, ao transporte dos mesmos até o local de produção e à<br />

transformação destes em materiais e energia (MANZINI; VEZZOLI, 2005).<br />

Cada projeto tem demandas específicas, mas, de modo geral, pode-se optar por<br />

matéria-prima reciclada ou reciclável, atentando-se para a real possibilidade de reciclagem<br />

na comunidade em que se está inserido e sua viabilidade. Cuidados como utilizar papel livre<br />

de cloro e usar tintas à base de óleo vegetal facilitam a reciclagem dos produtos finais do<br />

processo de impressão. Deve-se ainda evitar tintas que possuam metais pesados em sua<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

composição, visto que estes elementos são tóxicos e podem causar sérios danos aos seres<br />

vivos (JEDLICKA, 2009).<br />

Durante a fase de produção, deve-se buscar empresas responsáveis socialmente,<br />

que utilizem tecnologias limpas e que estejam próximas ao consumidor final, minimizando<br />

o impacto ambiental gerado pelo transporte. No Brasil, apenas 7% das gráficas possuem<br />

certificação ISO 14000, que contempla os critérios de sustentabilidade. Este fato dificulta a<br />

opção por empresas certificadas, mas o SEBRAE e a ABIGRAF apontam que este número<br />

deve dobrar até 2014 (BRITO, 2009).<br />

Além disso, pode-se reduzir o impacto ambiental negativo da impressão offset através<br />

de processos como a dryography (que não utiliza água), computer-to-plate (CTP) e direct<br />

imaging (DI) (JEDLICKA, 2009). Os principais contaminantes gerados pelas empresas gráficas<br />

advêm dos banhos necessários em vários processos, que geram efluentes líquidos que podem<br />

conter metais pesados, óleos e graxas, solventes, soluções ácidas e alcalinas, reveladores e<br />

fixadores (FIRJAN, 2006).<br />

Fernandes, (2003: 128) acredita que a escolha do processo de impressão correto<br />

para cada situação é facilitada pela classificação dos sistemas de impressão. De fato, o<br />

estabelecimento de conexões entre os aspectos acima apresentados e as classificações<br />

anteriormente comentadas, sobretudo as que dizem respeito a forma das matrizes de<br />

impressão, auxilia na obtenção de respostas eficientes, tendo em vista as considerações<br />

provocadas pelo inevitável cruzamento de dados.<br />

Conclusão<br />

A impossibilidade de uma matriz que não tenha corpo físico exercer pressão sobre um<br />

suporte ou qualquer elemento intermediário e o crescente abandono de recursos puramente<br />

mecânicos na configuração dos sistemas são os principais fatores que contribuíram para<br />

a revisão do conceito de impressão feita no início deste artigo. Ao fazê-lo observou-se a<br />

necessidade revisão no modo de classificação das tecnologias de impressão mais utilizadas<br />

no cotidiano dos designers gráficos.<br />

A complementaridade das tipologias de classificação verificada na literatura disponível<br />

em língua portuguesa indicou a possibilidade de sua aglutinação em favor de um melhor<br />

entendimento das diferenças e semelhanças entre os sistemas.<br />

O estudo aqui apresentado promoveu os ajustes demandados pelo uso em paralelo das<br />

formas de agrupamento vigentes propondo classes complementares e adequando a definição<br />

de outras a nova realidade. Os critérios de seleção indicados por Villas-Boas (2008) também<br />

foram apreciados e sua ampliação recomendada.<br />

Essas propostas trazem um novo ânimo à produção gráfica, renovando a discussão<br />

a seu respeito – a qual comumente se dá no âmbito tecnológico. Ciência e humanidade são<br />

dimensões tocadas durante o debate sobre classificação e escolha dos sistemas de impressão<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

promovidos ao longo deste trabalho.<br />

A introdução de um novo paradigma presente em muitas das recentes pesquisas<br />

desenvolvidas na área do design nos critérios de seleção adotados para decidir o uso de<br />

um sistema de impressão é uma significativa contribuição deste trabalho. A sustentabilidade<br />

é, atualmente, uma prerrogativa básica de qualquer projeto de design, dada a crescente<br />

preocupação das pessoas com as alterações no meio ambiente e suas conseqüências que<br />

apontam para um problema ainda maior: a insustentabilidade do estilo de vida do homem<br />

contemporâneo. O design sustentável se apresenta como um importante agente destas<br />

transformações, visto que a produção de artefatos pela indústria é norteada por seus princípios.<br />

Através do design sustentável pode-se propor uma série de medidas condizentes com esta<br />

nova demanda social e cultural.<br />

De modo geral, o estudo da produção gráfica não dispensa a constante observação<br />

conjunta da arte, tecnologia, humanidade e ciência. Refletir sobre esta perspectiva e praticála<br />

no dia-a-dia conduz ao desenvolvimento de projetos de design eficientes e adequados a<br />

realidade contemporânea. Saber, por exemplo, qual grafismo, papel e corte usar numa peça<br />

gráfica para obter determinada resposta de um público específico não é suficiente se o seu<br />

destino for desconhecido após o descarte. Esse impresso pode retornar em forma de problema<br />

ao seu contratante e projetista, como lixo responsável por impactos ambientais negativos<br />

e desperdício de matéria prima. Deve-se considerar, inclusive, a possibilidade de prejuízo<br />

financeiro para o contratante decorrente do desgaste de sua imagem, pois a sociedade está<br />

cada vez mais atenta a estas questões.<br />

Neste artigo, preconiza-se a análise de todas as etapas do ciclo de vida dos impressos<br />

como fator norteador nas tomadas de decisão de projeto, porém pesquisas mais aprofundadas<br />

acerca do impacto ambiental dos insumos, produtos finais e descarte dos sistemas de<br />

impressão abordados se fazem necessárias.<br />

Uma análise mais pragmática revela que a produção gráfica conjuga saberes de outras<br />

disciplinas do design para reunir diretrizes que servem ao cotidiano de quase todo profissional.<br />

Ela viabiliza, a priori, projetos editoriais, sistemas de identidade visual, sistemas de sinalização,<br />

embalagens e toda sorte de impressos de baixa complexidade revelando-se verdadeiramente<br />

indispensável na formação de um designer.<br />

Cotidianamente os designers, no exercício da produção gráfica, avaliam a pontualidade<br />

e os custos de fornecedores para contratar serviços e materiais necessários a produção de<br />

projetos de design. É praxe que se realize uma breve concorrência entre, pelo menos, três<br />

fornecedores compatíveis entre si para viabilizar a tiragem ao menor custo possível. Uma vez<br />

contratado o processo de produção é preciso acompanhar e revisar os trabalhos de préimpressão,<br />

impressão e pós-impressão.<br />

Muitas vezes os mesmos designers também criam e finalizam os arquivos das<br />

peças gráficas, o que gera um imenso comprometimento do profissional com o projeto a<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

ser executado. Esse desempenho multitarefa acaba beneficiando os designers, do ponto de<br />

vista da produção gráfica, pois enquanto produtor é preciso que se conheça a natureza e<br />

a seqüência necessárias para transformar um projeto de design em impresso acabado. As<br />

atualizações propostas neste artigo contribuem para a agilidade e precisão deste processo.<br />

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Classificação e escolha de um sistema de impressão<br />

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<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas<br />

nas embalagens de perfume<br />

Maureen Schaefer França; Mestranda em <strong>Tecnologia</strong> e Sociedade: UTFPR<br />

maureen.schaefer@gmail.com<br />

Marilda Lopes Pinheiro Queluz; Doutora em Comunicação e Semiótica: PUC-SP;<br />

PPGTE da UTFPR - pqueluz@gmail.com<br />

Resumo<br />

A proposta deste texto é analisar como os conceitos de estilos<br />

de vida e perfis, associados às fragrâncias, são traduzidos<br />

plasticamente para os frascos de perfume, refletindo e refratando<br />

elementos das relações sócio-culturais. Investiga como o design<br />

destas embalagens, em suas dimensões técnicas, estéticas<br />

e simbólicas, dá visibilidade aos valores culturais, reiterando<br />

significados capazes de marcar a posição social, o perfil, o estilo de<br />

vida e os processos tecnológicos de uma dada sociedade. O estudo<br />

foi feito a partir dos produtos citados pelos Guias de Perfumes de<br />

2009 e de 2010. Buscou-se, com isso, ampliar as possibilidades<br />

de leitura dos artefatos, considerando as sensações, sentimentos e<br />

usos sugeridos a partir das embalagens, ressaltando a construção<br />

social da cultura material. Os frascos de perfume comunicam a<br />

diversidade e complexidade dos conceitos que existem sobre o<br />

mundo, num determinado período e lugar.<br />

Palavras-Chave: frascos de perfume; cultura material;<br />

design de embalagem<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

Os artefatos, além de suas funções previstas, carregam valores culturais, rearticulando<br />

significados capazes de marcar a posição social, o perfil, o estilo de vida e os processos<br />

tecnológicos de uma dada sociedade. Os frascos de perfume, assim como outros artefatos,<br />

possuem biografias econômicas, técnicas, sociais e físicas. As mutações de cor, forma,<br />

textura, material e elementos decorativos, ao longo da história dos destinatários dos fragrantes,<br />

indicam os processos tecnológicos e os recursos disponíveis de uma época e de um lugar,<br />

delineando: o estado físico do conteúdo – líquido, pastoso ou sólido; a maneira de utilizar e<br />

servir o produto; os sonhos e desejos de consumo de uma sociedade.<br />

Até o final do século XIX, os perfumes eram vendidos pelos fabricantes (perfumeurs)<br />

de forma bastante personalizada: o cliente poderia escolher tanto a fragrância quanto a<br />

embalagem. Mas, a partir do século XX, a garrafa anônima se tornou insuficiente e desenhistas<br />

como René Lalique, pintores como Salvador Dalí e costureiros como Paul Poiret começaram<br />

a engendrar invólucros ostentatórios que, para além da estética, traduzissem os aromas para<br />

a linguagem tátil e visual. O frasco passou a dar vida ao perfume, exteriorizando a expressão<br />

e os significados da sua composição olfativa através do empréstimo de suas cores, formas,<br />

texturas e materiais. Ao mesmo tempo assumiu as conotações de um estilo de vida, de um<br />

grupo social. Assim, os atributos sintáticos e semânticos passam a convidar e seduzir o<br />

consumidor, antecipando, reinventando o efeito do perfume.<br />

O objetivo deste texto é discutir as relações entre design e cultura materializadas<br />

nas embalagens de perfume, especialmente a partir dos produtos citados pelos Guias de<br />

Perfumes de 2009 e de 2010 – referentes à segunda e à terceira edição da revista - que<br />

servem de referência para perfumistas, designers, lojistas, consumidores e etc. Os Guias<br />

abrangem perfumes que vão do início do século XX ao final do ano de 2009 e que se destacam<br />

comercialmente no cenário nacional e internacional. Essas reflexões implicam um breve olhar<br />

sobre o conceito de cultura material, identidade e consumo.<br />

Os significados sociais dos bens e o uso das coisas mapeiam, representam, reproduzem<br />

e ajudam a constituir as complexas redes das relações sociais. O consumo de artigos funciona<br />

como um meio de classificação social, sendo capaz de tornar divisões e categorias culturais<br />

visíveis. O estudo das embalagens pode contribuir para a compreensão das diversas instâncias<br />

da cultura material, no sentido proposto por Rede:<br />

Não se poderia falar dos aspectos materiais da cultura (ou da cultura material)<br />

sem falar simultaneamente da imaterialidade que lhes confere existência<br />

(sistemas classificatórios; organização simbólica; relações sociais; conflitos de<br />

interesse, etc.). (...) Prática e representação são tomadas como dimensões<br />

inextricáveis da vida cultural, alimentando-se mutuamente, sem que as seja<br />

possível compartimentar. (REDE, 1996, p. 273).<br />

O universo dos objetos não se situa fora do fenômeno social, mas, o compõe, como<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

uma de suas dimensões de expressão:<br />

O mundo das coisas é realmente a cultura em sua forma objetiva, é a forma<br />

que os seres humanos deram ao mundo através de suas práticas mentais e<br />

materiais; ao mesmo tempo, as próprias necessidades humanas evoluem e<br />

tomam forma através dos tipos de coisas de que dispõem (SLATER, 2002,<br />

p.104)<br />

Para Rede (1996), não existem significados culturais internalizados na consciência<br />

do indivíduo ou da coletividade que sejam produzidos em uma matriz que dispense a<br />

materialidade. A cultura material funciona, por excelência, como um local que medeia relações<br />

humanas, sendo capaz também de proporcionar uma herança cultural palpável às sociedades,<br />

contextualizada em determinado período e lugar.<br />

Segundo Slater (2002), o consumo é uma questão de como os sujeitos sociais se<br />

relacionam com as coisas do mundo (bens, serviços, experiências materiais e simbólicas)<br />

que buscam satisfazer suas necessidades. Portanto, o consumo é uma prática cotidiana que<br />

vai muito além do ato da compra, abrangendo não somente os usos dos artefatos no dia-adia,<br />

mas também suas reinterpretações, modificações e transgressões, utilizadas de modo a<br />

questionar ou reproduzir as ordens sociais.<br />

A indústria da perfumaria tem investido cada vez mais na ideia de que os fragrantes<br />

funcionam como um prolongamento da pele ou como uma roupa que a reveste, refletindo a<br />

personalidade e o estilo de vida do usuário. Os frascos de perfume criam efeitos de sentido<br />

simulando as experiências que o perfume pode provocar no usuário. Procuram causar<br />

sensações, suscitar desejos e fantasias, estimular atitudes, alterar o estado de humor.<br />

Constrói-se um “usuário imaginado”, um consumidor potencial que supostamente usa<br />

determinado produto. Utilizam-se marcadores identitários que funcionam como um discurso<br />

para persuadir os consumidores de que eles se assemelham ou tem algo em comum com os<br />

usuários imaginados dos perfumes.<br />

A estratégia de identificação entre o consumidor e o usuário potencial, geralmente,<br />

apoia-se em perfis pré-estabelecidos, atravessados por valores culturais, sugerindo padrões<br />

de comportamento, ideologias de gênero, cortes geracionais, modos de estilos de vida, por<br />

exemplo. As próprias fragrâncias tornam-se representações dos discursos culturais, sendo<br />

passíveis, portanto, de identificação. A representação de tais marcadores nos fragrantes e<br />

frascos de perfume costuma estar em consonância com os conceitos que a grife divulga ou<br />

deseja explorar.<br />

As identidades e as representações são práticas sociais, pois se constroem e se<br />

reconstroem constantemente no interior das relações individuais e coletivas; as posições de<br />

sujeito acabam por se tornar pontos de apego temporário (HALL, 2007).<br />

As identidades e diferenças adquirem sentido então por meio da linguagem - ela<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

própria um sistema de diferença (SCOTT, 1991) - e dos sistemas simbólicos pelos quais são<br />

representadas. Ou seja, através de textos literários, telenovelas, publicidade, moda, design<br />

entre outras entidades que “delimitam espaços, estabelecem fronteiras por meio das quais<br />

são marcadas as diferenças em relação a outras possibilidades de identificação” (SANTOS,<br />

2008, p. 40).<br />

Nesta direção, segundo Medeiros e Queluz (2008), todo e qualquer artefato produz e<br />

está associado a uma identidade, tanto tecnicamente quanto culturalmente, para atingir os<br />

consumidores que irão comprar e usar este produto, que supostamente o identificará para<br />

sociedade. O sujeito constrói suas identidades e subjetividades através, mas não somente, de<br />

produtos de design, ancorando-se nas imagens e nos significados simbólicos que os objetos<br />

projetam; o consumo torna-se uma forma de comunicação.<br />

A “discussão sobre ‘estilos de vida’ (‘lifestyle’) passou a ser um condutor principal do<br />

design nos anos 90, não só na teoria como na prática” (BÜRDEK, 2006, p. 329). Entende-se<br />

que o estilo de vida é projetado a partir de um conjunto de produtos, roupas, cortes de cabelo,<br />

posturas corporais, experiências e etc. escolhidas e adequadas para externar a individualidade<br />

de uma pessoa, aproximando ou diferenciando-o de sujeitos e grupos sociais.<br />

O estilo de vida pode ser compreendido como “um conjunto mais ou menos integrado<br />

de práticas que um indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem necessidades<br />

utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular da auto-identidade”<br />

(GIDDENS, 2002, p. 79).<br />

Paul Poiret inaugurou o conceito de fragrância de estilista no início do século 20,<br />

conectando o perfume à moda, uma ligação que desde então jamais foi desfeita. O perfume,<br />

assim como a roupa, tornou-se parte integrante da personalidade do indivíduo, envolvendo<br />

diversos discursos tais como o estilo de vida.<br />

As propagandas sobre perfumes costumam explorar signos de estilo de vida, que<br />

acabam por contaminar os modos de percepção dos frascos de perfume, pois estes não<br />

existem por si só, fazendo parte de um entorno composto por mídias e mediações, que<br />

influenciam a imaginação dos consumidores.<br />

Em consonância com as propagandas, os frascos de perfumes são como mídias de<br />

estilo que, de acordo com Santos (2010), favorecem a circulação de valores que afetam a<br />

constituição, reformulação ou rompimento das identificações individuais e coletivas no interior<br />

da cultura de consumo.<br />

As funções dos frascos de perfume nas construções de identidade<br />

A embalagem é um instrumento comunicativo, composta por signos que transmitem<br />

mensagens quanto ao uso, à identificação, ao significado e ao valor do produto para o<br />

consumidor. Para Löbach (2001), os objetos têm três funções - prática, estética e simbólica –<br />

que possibilitam a satisfação, embora não permanente, de certas necessidades.<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

Para Negrão e Camargo (2008), a dimensão prática das embalagens caracterizase<br />

pela objetividade, englobando funções como acondicionar, proteger, conferir conforto e<br />

facilitar o uso do produto e etc. A função estética relaciona-se à aparência e à configuração<br />

dos elementos da linguagem tátil e visual como cor, forma, textura entre outros componentes,<br />

possibilitando a identificação do usuário com o ambiente artificial. A função simbólica refere-se<br />

à ideia de humanizar as coisas, atribuindo culturalmente significados de caráter intangível aos<br />

artefatos. Estes sentidos são estimulados pela percepção do objeto, ao estabelecer ligações<br />

com os pensamentos e experiências culturais do indivíduo. As funções estéticas e simbólicas<br />

são interdependentes entre si, como afirma Löbach (2001). Todas estas funções interagem<br />

com as construções culturais de identidade.<br />

Um bom exemplo é o fragrante Burberry Brit, de 2004, da Burberry, destinado ao<br />

homem “Brit” (britânico), definido como um homem moderno, cool, urbano e dono de elegância<br />

extrema (GUIA DE PERFUMES, 2010). O estilo brit beira a algo próximo do modo de viver<br />

“elegantemente descolado”. O marcador é reforçado pela propaganda do fragrante (fig. 1) na<br />

qual um jovem usando terno senta-se de modo despojado sobre um chão de pedras. Na sua<br />

frente há uma tampa de bueiro e atrás, um Mini Cooper – ícone do design britânico. O plano<br />

de fundo da imagem coloca edifícios baixos em perspectiva, dando maior destaque à ação<br />

humana.<br />

Fig. 1: Propaganda do perfume Burberry Brit, de 2004, da Burberry.. Disponível em: < http://www.okibox.com/<br />

upload/useruploads/images/burberry_brit_for_men_2.jpg>. Acesso em: 03/05/2010.<br />

O uso do terno e da gravata skinny parece fazer referência à cultura mod (modernist),<br />

surgida em Londres no início da década de 1960, em oposição aos Teddy Boys. Os mods,<br />

jovens ingleses da classe média, adotaram uma maneira clássica e comportada de se vestir,<br />

diferentemente do estilo rebelde e roqueiro dos Teddy (VINIL, 2008). Eles costumavam vestir<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

ternos italianos bem ajustados para parecerem sofisticados, desfilar em suas lambretas<br />

conhecidas como “vespas” e beber na fonte da música afroamericana como o R&B, jazz e<br />

soul (INDIE BLOG, 2010).<br />

O homem brit do anúncio parece ser uma releitura cool do jovem mod. Apesar de<br />

ser elegante, ele é mais irreverente, tanto no cabelo como na postura corporal. A vespa é<br />

substituída pelo famoso Mini Cooper, produzido na década de 50 e que ainda mantém suas<br />

características conceituais, evocando noções de independência e liberdade assim como a<br />

preferência por produtos da moda com apelo vintage.<br />

O conceito do fragrante Burberry Brit, mediado pela propaganda, manifesta o estilo de<br />

vida do homem brit: sua maneira de viver mais urbana e cosmopolita, suas preferências pela<br />

música, arte e produtos da moda. O frasco de linhas retas do Burberry Brit (fig. 2) estampa<br />

o famoso xadrez da grife - símbolo de elegância na Inglaterra – em tons acinzentados. A<br />

distância entre as linhas torna o conjunto pouco discreto, conferindo certa casualidade a ele.<br />

Reforça a um só tempo, através de suas características plásticas, as ideias de tradição e de<br />

modernidade. A escolha da embalagem revela a preferência por artigos da moda e um modo<br />

brit de levar a vida.<br />

Figura 2: Burberry Brit, de 2004, da Burberry. Fonte: Guia de Perfumes, 2010.<br />

Outra forma de construção de identidade é evocar algumas situações de uso. Do<br />

mesmo modo como acontece com o vestuário, investe-se na proposição de que para<br />

cada conjuntura de tempo, lugar e atividade há uma fragrância adequada, trabalhando-se a<br />

noção de combinar os perfumes com os compromissos do dia-a-dia. Há fragrantes que são<br />

lançados para serem usados de dia, à noite, no verão, na praia, no trabalho, na balada e etc.<br />

Tal construção cultural parece estar atrelada aos efeitos sensoriais que o perfume provoca no<br />

corpo, se ele é refrescante, quente, leve ou intenso, por exemplo.<br />

O fragrante feminino DKNY Delicious Night (2008) da DKNY é “marcante e sensual,<br />

(...) perfeito para a noite” (BUNY, 2009) e para “cair na balada” (BELLINO, 2003). O comercial<br />

televisivo i explora o cenário frenético e iluminado de Nova Iorque, onde uma moça jovem e<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

sensual seduz todos aqueles que a observam. As cores, púrpura e preta, do frasco (fig. 3)<br />

fazem alusão à noite, quando desejos e emoções parecem libertar-se das algemas da razão.<br />

Figura 3: DKNY Delicious Night (2008) da DKNY. Disponível em: . Acesso em: 26/06/2010.<br />

Bellino (2003), baseada nas opiniões de leitoras, da editora e de especialistas em<br />

fragrâncias, sugere ainda perfumes frescos e leves para: relaxar em casa, parecer que saiu do<br />

banho, viajar para a praia ou para malhar. As sugestões parecem orientar o modo pelo qual<br />

se deve usar o perfume, indicando como consumi-lo. Classificam-se os aromas que evocam<br />

a sensação de conforto, bem-estar, frescor e corpo asseado, quase sempre associados a<br />

representações de gênero. A tabela 01 traz algumas das embalagens de perfumes femininos<br />

escolhidos para essas ocasiões:<br />

Usar na academia Viajar para a praia Relaxar em casa Parecer que saiu do<br />

banho<br />

I’m going: Puma (2007) My Voyage: Nautica<br />

(2007)<br />

Acqua di Colonia Floral:<br />

O Boticário (2008)<br />

Tuscan Soul: Salvatore<br />

Ferragamo (2008)<br />

Tab. 01: Perfumes para usar na academia, na praia e em casa. Fonte: Bellino (2003).<br />

A indústria da perfumaria aproveita-se também das estações do ano para lançar<br />

fragrantes sazonais. Os frascos das fragrâncias G, Love, Lil’Angel, Music e Baby da linha<br />

standard da grife Harajuku Lovers, da cantora pop Gwen Stefani, variam de acordo com a<br />

estação do ano (EMBALAGEM MARCA, 2010).<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

Inspirados na cantora e nas suas dançarinas nipônicas, os “frascos-bonequinha”<br />

ganharam uma nova coleção de roupas (fig. 4): para o verão, biquínis e óculos de sol; e para o<br />

inverno, botas, cachecóis, casacos e luvas. Para Gwen Stefani “assim como as garotas fashion<br />

renovam seu guarda-roupa, as bonecas também estão sempre atualizadas” (EMBALAGEM<br />

MARCA, 2010).<br />

Figura 4: Linha Verão da grife Harajuku Lovers. Da esquerda para direita: Love, Lil’Angel, G, Music, Baby.<br />

Disponível em: . Acesso em:<br />

22/02/2010. & Linha Inverno da grife Harajuku Lovers. Da esquerda para direita: Love, Lil’Angel, G, Music,<br />

Baby. Disponível em: . Acesso em:<br />

22/02/2010.<br />

Os fragrantes e seus envoltórios costumam ser desenvolvidos em torno de universos<br />

temáticos que podem estar impressos no próprio nome do perfume como no exemplo de<br />

Coffee Man (2009) de O Boticário, que é obtido segundo o processo de infusão de grãos de<br />

café (Guia de Perfumes, 2010). As linhas temáticas encontram-se também materializadas nos<br />

frascos de perfume, através de suas formas, cores e texturas.<br />

Algumas vezes, a configuração do frasco de perfume constrói-se de modo mais abstrato<br />

e subjetivo. O perfume feminino Calandre de Paco Rabanne, lançado em 1969, mas ainda<br />

hoje no mercado, por exemplo, foi engarrafado em um frasco prismático e de linhas retas com<br />

autoria de Pierre Dinand. O envoltório representa a grade frontal de um Rolls-Royce (DINAND,<br />

2010), mostrando que mesmo as formas abstratas estão ligadas ao mundo concreto.<br />

Observando-se os guias de perfume, é possível perceber que os temas que costumam<br />

inspirar a criação de frascos de perfume referem-se à natureza; ao corpo humano; aos artefatos<br />

e sistemas do cotidiano; às produções culturais; aos elementos místicos e abstratos.<br />

A natureza em frascos<br />

O processo de definição de estilos de vida incorpora, frequentemente, elementos<br />

centrais da visão hegemônica do sociedade capitalista-liberal. Neste sentido, em uma<br />

sociedade globalizada que apresenta fortes processos de padronização e instrumentalização<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

de comportamentos e pensamentos e que tende a dissolver espaços locais em um distópico<br />

lugar-mundo, a valorização de elementos do ideário liberal como a liberdade de ação e o<br />

nostálgico apelo à organicidade, cada vez mais distante, com a natureza, torna-se fundamental.<br />

A construção da sensação de liberdade, portanto, alia-se às tentativas de retorno<br />

à natureza ou de embalar os fenômenos e as forças naturais, trazendo-os para perto da<br />

intimidade do corpo. Cria-se um efeito de sentido de domínio e troca com elementos como<br />

a fauna, a flora, os minerais, os quatro elementos, os mares, os astros (lua, estrelas, sol) e<br />

etc. Os frascos procuram transmitir ideias de pureza, essência, força, dinamismo, equilíbrio,<br />

valorização da natureza, sustentabilidade e de um estilo de vida simples e aventureiro, entre<br />

outras.<br />

A embalagem esverdeada do perfume feminino Arbo (2004) de O Boticário (fig. 5), por<br />

exemplo, ganha os contornos de uma folha, simbolizando o contato com a natureza e com<br />

tudo aquilo que é essencial. Já o frasco do fragrante masculino Uzon (2008) da Jequiti (fig. 5)<br />

representa o contraste entre o quente e o frio, fazendo menção à caldeira vulcânica Uzon da<br />

península Kamtchaka na Sibéria, região russa de baixas temperaturas (GUIA DE PERFUMES,<br />

2010).<br />

Figura 5: Da esquerda para direita: Arbo (2004) de O Boticário e Uzon (2008) da Jequiti. Fonte: Guia de<br />

Perfumes (2010).<br />

O frasco do fragrante feminino Fleur Du Corail (2008) da Lolita Lempicka (fig. 6)<br />

homenageia o mundo marinho, traduzindo-o através do acabamento fosco do vidro, da sua<br />

cor azulada e dos pingentes em forma de estrela e coral presos ao pescoço da embalagem. A<br />

embalagem do perfume masculino KenzoAir (2003) da Kenzo lembra um bloco de vidro que<br />

contém uma porção de ar. Em sintonia com a natureza, o envoltório é apresentado como um<br />

hino ao vento e à liberdade (Guia de Perfumes, 2010).<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

Figura 6: Da esquerda para direita: Fleur Du Corail (2008) da Lolita Lempicka e KenzoAir (2003) da Kenzo.<br />

Fonte: Guia de Perfumes (2010).<br />

O envoltório do perfume feminino Amethyste (2007) da Lalique (fig. 7) faz referência à<br />

pedra ametista, frequentemente usada por Rene Lalique em suas criações. Traz a conotação<br />

de preciosidade, riqueza e luxo, associando a embalagem a uma jóia da natureza. Em muitos<br />

casos, os temas da natureza são usados como assinatura e identificação de uma grife ou de<br />

seu criador. Os frascos dos fragrantes Serpentine (2006) de Roberto Cavalli e Ice Men (2007)<br />

de Thierry Mugler (fig. 7), refletem a fascinação dos estilistas, respectivamente, por serpentes<br />

e estrelas.<br />

Figura 7: Da esquerda para direita: Amethyste (2007) da Lalique, Serpentine (2006) de Roberto Cavalli e Ice<br />

Men (2007) de Thierry Mugler. Fonte: Guia de Perfumes (2010).<br />

A estrela na lateral da embalagem de Ice Men também conecta-se à ideia de rompimento<br />

de uma superfície congelada. Segundo o Guia de Perfumes (2010), o fragrante é composto<br />

por acordes de energia polar revigorante como coquetel cítrico, gim, vodca e zimbro .<br />

A sedução dos corpos<br />

No início do século XX, a preocupação com a racionalização do cotidiano, tem uma<br />

das suas expressões, no desenvolvimento e disseminação das técnicas de higiene. O cinema,<br />

amparado pela moda, divulgava técnicas dos cuidados do corpo, mostrando à sua audiência<br />

maneiras de se perfumar. Estas se referiam às partes do corpo que deveriam ser perfumadas<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

(pulsos, nuca, colo e etc.), à postura corporal, ao modo de segurar o frasco de perfume e<br />

de borrifar o seu conteúdo. No cinema, estas técnicas aliaram-se à roupa (vestido, robe,<br />

lingerie), ao cenário (quartos, suítes, banheiros) e ao mobiliário, especialmente às charmosas<br />

penteadeiras, manifestando ideias de luxo, elegância e sensualidade.<br />

Este aparato – roupa, mobiliário, cenário - acabou por ampliar as técnicas de perfumar<br />

o corpo, suscitando modos de se portar, de se sentar, de se olhar no espelho, resultando em<br />

um rico sistema de servir o corpo. Este conjunto de técnicas parecia fazer parte de um ritual<br />

mágico de conquista e sedução do ser amado.<br />

O uso do corpo humano ou de partes dele é bastante recorrente no design de frascos de<br />

perfume. Geralmente, o uso de tal referência visa manifestar efeitos de sedução, sensualidade,<br />

sexualidade, beleza, juventude, virilidade e etc. O frasco Shocking (fig. 8), de 1936, de Elza<br />

Schiaparelli, foi o primeiro dos chamados perfumes comerciais (fragrantes de marca) a moldar<br />

o formato a partir de um corpo de mulher, refletindo o estilo moderno e excêntrico da estilista:<br />

O shocking pink tornou-se famoso, o rosa brilhante que utilizava para<br />

embrulhos, para bâtons e até para capas ricamente bordadas. Ela queria<br />

chocar a qualquer preço e, assim, a sua última coleção chamava-se Shocking<br />

Elegance e a sua biografia de 1945 Shocking Life (SEELING, 2000, p. 154).<br />

Figura 8: À esquerda, frasco do perfume Shocking de 1936, de Schiaparelli. À direira, edição posterior com<br />

embalagem de papel em rosa shocking. Disponível em: <br />

e .<br />

Acesso em: 22/03/2010.<br />

O frasco do fragrante Le Classique Jean Paul Gaultier – ícone da perfumaria desde<br />

1993 – representa uma mulher muito sexy. Criada por Jacques Cavallier, a embalagem é<br />

inspirada no busto da cantora Madonna e no envoltório Shocking, de Schiaparelli. O torso<br />

feminino, que dá forma à embalagem (fig. 9), é revestido por um espartilho, uma peça de<br />

roupa com forte conotação sexual. O espartilho faz lembrar o figurino criado pelo estilista,<br />

na década de 1990, para a Blond Ambition Tour da cantora Madonna. Le Classique não<br />

apresenta os famosos cones, embora mantenha a cor rosada da peça original. Entretanto, é<br />

possível encontrar exemplares de frascos de perfume que exibam o famoso sutiã (TOUTEN<br />

PARFUM, 2010).<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

Figura 9: Da esquerda para direita: Frasco de Le Classique Jean Paul Gautier (1993), edição limitada (sem data)<br />

e figurino de Madonna criado por Gaultier. Disponível em: , e . Acesso em: 27/06/2010.<br />

Há situações em que as representações do corpo humano materializam-se de modo<br />

mais estilizado como nas embalagens da figura 10.<br />

Figura 10: Da esquerda para direita: Glow After Dark (Jennifer Lopez, 2007) Bond Girl (Avon, 2008).<br />

Fonte: Guia de Perfumes Officiel (2009).<br />

O envoltório do perfume Bond Girl (2008) da Avon evoca a silhueta curvilínea das bond<br />

girls, em homenagem aos filmes de ação e aventura de James Bond. A tampa da embalagem<br />

faz menção ao pino de uma granada, suscitando ideias de perigo e aventura.<br />

Em outros casos, o frasco, que à primeira vista parece lembrar simples formas<br />

geométricas, ganha fortes conotações sexuais ao ser apresentado pela mídia impressa e/ou<br />

televisiva. A publicidade do fragrante Tom Ford for men (2007), do estilista de mesmo nome,<br />

tem um apelo sexual muito explícito. A localização do frasco de perfume no corpo da mulher,<br />

aliada ao formato cilíndrico da tampa da embalagem, acaba por provocar a associação entre<br />

as formas do envoltório e o órgão sexual masculino, com o intuito de suscitar o desejo sexual<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

nos transeuntes. A analogia é tão pregnante que contamina a embalagem (fig. 11).<br />

Figura 11: Frasco e anúncio do perfume Tom Ford for men (2007). Disponível em: e . Acesso em:<br />

22/06/2010.<br />

Nestes exemplos encontram-se presentes as questões de gênero, as noções<br />

construídas do que é feminino e masculino, as situações, papéis e performances esperados de<br />

homens e mulheres. Na configuração dos jogos de sedução, o corpo da mulher é evidenciado,<br />

associado diretamente ao objeto de consumo e de fetiche.<br />

Artefatos e objetos do cotidiano<br />

Algumas embalagens são inspiradas em artefatos que medeiam as relações das<br />

pessoas com o mundo, as formas de apropriação e ressemantização do cotidiano. Considerase<br />

que os artefatos aludem aos objetos produzidos pela atividade humana, em contraposição<br />

aos fenômenos naturais concretos (MILLER, 1998). Esses frascos revelam a importância das<br />

coisas nas experiências vividas individual e coletivamente.<br />

A embalagem do fragrante masculino Paul Smith Story (fig. 12), de 2006, inspira-se na<br />

paixão do estilista britânico pelos livros. As formas geométricas e as ranhuras na lateral direita<br />

do frasco simulam as páginas de um livro. Já o frasco do perfume masculino Play, de 2008, da<br />

Givenchy, inspira-se no mp3 player (GUIA DE PERFUMES, 2010), evocando ideias de diversão,<br />

modernidade e avanço tecnológico. A configuração do seu envoltório (fig. 12) baseia-se nos<br />

traços retilíneos e nos cantos arredondados de um mp3. Simula ainda os comandos play,<br />

forward e reward do artefato eletrônico.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 161


Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

Figura 12: Paul Smith Story, de 2006, de Paul Smith; Play EDT, de 2008, da Givenchy.<br />

Fonte: Guia de Perfumes, 2010.<br />

A embalagem do perfume F by Ferragamo evoca o universo feminino, ao estilizar a<br />

imagem de um sapato feminino. A base do frasco (fig. 13) faz lembrar a curva de um sapato<br />

com salto enquanto a tampa alude à alça do calçado que se prende ao corpo da mulher. As<br />

formas do envoltório (fig. 13) I loewe tonight (2009) da Loewe referem-se às bolas de espelho<br />

usadas nas danceterias e casas noturnas para refletir as luzes frenéticas e coloridas (GUIA DE<br />

PERFUMES, 2010). Simboliza a música, a noite e a diversão, indicando por sinal, a ocasião de<br />

uso do perfume.<br />

Figura 13: Embalagem do perfume F by Ferragamo, de 2007, da Ferragamo e de I Loewe tonight, de 2009, da<br />

Loewe. Fonte: Guia de Perfumes, 2010.<br />

A embalagem de A Mi Aire, de 2005, da Loewe alude a uma janela arredondada, um<br />

artefato que compõe um sistema mais complexo, o avião. Evoca a sensação de liberdade<br />

e de bem-estar (Guia de Perfumes, 2010). Já a embalagem do fragrante Echo, de 2003, da<br />

Davidoff, refere-se aos sistemas do cotidiano. Inspira-se na atmosfera das grandes metrópoles<br />

(Guia de Perfumes, 2010), utilizando o aço e o vidro - materiais amplamente empregados nas<br />

construções dos grandes edifícios - como referências na sua configuração formal.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

A arte ao alcance da pele<br />

Alguns frascos são inspirados em: arte, artesanato, música, literatura, cinema, desenho<br />

animado, história em quadrinhos, grafitti. O design deste tipo de embalagem de perfume acaba<br />

por apropriar-se da notoriedade que tais referências desfrutam na mídia.<br />

Neste sentido, as embalagens parecem assemelhar-se aos souvenires e objetos<br />

colecionáveis, portando fortes relações de afeto com os consumidores. Constroem o efeito de<br />

proximidade da arte, colocando réplicas dos objetos de admiração ao alcance do indivíduo,<br />

disponível nas vitrines e nas casas comerciais. Em alguns casos, as formas figurativas da<br />

embalagem acabam por dificultar seu manuseio.<br />

O Boticário costuma buscar inspiração em obras artísticas nacionais como uma forma<br />

de associar a marca à valorização da cultura do Brasil (COSMETIC NOW, 2010). O frasco do<br />

perfume feminino Tarsila (fig. 14), de 2002, por exemplo, homenageia a obra “Manacá” da<br />

artista Tarsila do Amaral, um dos ícones do movimento modernista.<br />

O frasco serve como um suporte para onde a obra é transportada. A transposição<br />

inicia-se na parte inferior do frasco, através da estampa das folhas e do caule crescendo em<br />

direção à tampa. Por sua vez, a tampa ganha os contornos e os volumes das flores da árvore<br />

manacá, representada pela artista em sua obra.<br />

Figura 14: Frasco do perfume Tarsila, de 2002, de O Boticário; e obra Manacá de Tarsila do Amaral (1927).<br />

Disponível em: e . Acesso: 05/05/2010.<br />

O fragrante feminino “Quizás, quizás, quizás” (2007) da marca espanhola Loewe faz<br />

menção à canção de mesmo nome, de autoria de Oswaldo Farrés (Cuba, 1947). O frasco<br />

(fig. 15), de traços abstratos, foi desenhado por Pablo Reinoso e se baseia na tira criada pelo<br />

matemático alemão August Moebius, em 1858 (OLIVEIRA, 2010).<br />

Esta consiste em uma superfície de duas dimensões com um lado só; um espaço<br />

obtido pela colagem das duas extremidades de uma fita, após efetuar meia volta em uma<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

delas (PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA, 2010). Assim como a fita de Moebius, o entrelaçamento<br />

das fitas de vidro ao redor do frasco tem a intenção de suscitar dúvidas e confusões no leitor<br />

realçando o teor da palavra quizás, “talvez” em espanhol.<br />

Figura 15: Frasco do perfume Quizás, quizás, quizás, de 2007, da Loewe; e obra Moebius Strip II, de Escher<br />

(1963). Disponível em: e . Acesso: 05/05/2010.<br />

O estilista italiano Franco Moschino (1950-1994) era tão apaixonado pela figura<br />

engraçada e esquálida de Olivia Palito, que resolveu inspirar-se na personagem para criar as<br />

embalagens para suas fragrâncias. Moschino pretendia mostrar o seu lado bem humorado a<br />

partir das formas estilizadas e bem coloridas dos seus frascos de perfume.<br />

Em 1996, surgia então a primeira embalagem - o frasco de Cheap and Chic (fig. 16) –<br />

em formas curvas e orgânicas e nas cores preto, vermelho e branco - as cores do cabelo e da<br />

roupa da personagem. A inspiração tem sido revisitada ao longo dos últimos anos, variando<br />

em cores e texturas como no envoltório de Hippy Fizz (fig. 16), de 2008 (MAISQUEPERFUME,<br />

2010).<br />

Figura 16: Frasco do perfume Cheap and Chic (1996) e Hippy Fizz (2008) da Moschino.<br />

Disponível em: . Acesso em: 05/05/2010.<br />

A Diesel, grife do estilista italiano Renzo Rosso (1955-), aproveitou o lançamento do<br />

filme “Homem de Ferro 2” para uma edição limitada do perfume Only the Brave (fig. 17).<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

O frasco de vidro incolor de Only the Brave Iron Man (fig. 17) ganha as cores vermelha e<br />

dourada da armadura do herói Tony Stark. A embalagem de papel cartão é impressa com os<br />

quadrinhos do personagem.<br />

Figura 17: Frascos Only the Brave e Only the Brave Iron Man da Diesel. Disponível em: e . Acesso em: 05/05/2010.<br />

Já Isabela Capeto (1975-), estilista brasileira, inspirou-se na toy art para criar o frasco<br />

(fig. 18) de seu primeiro fragrante lançado pela Perfumaria Phebo, em 2007. A embalagem,<br />

configurada segundo as formas do ícone da grife, pode ser customizada com canetas hidrocor,<br />

propondo a interação como modo de criar um objeto único.<br />

Figura 18: Frasco do fragrante Isabela Capeto II (2008) da Phebo. Disponível em: .<br />

Acesso em: 27/06/2010.<br />

A literatura também atravessa a construção de frascos de perfume. O frasco do<br />

fragrante Féerie (2008) da Van Cleef & Arpels inspira-se no conto de Shakespeare, “Sonhos de<br />

uma Noite de Verão”, que aborda a relação entre o mundo real e o mundo imaginário. O frasco<br />

de vidro azulado (fig. 19) é todo lapidado fazendo lembrar uma pedra preciosa. Sua tampa,<br />

que mais lembra uma escultura, representa uma fada sentada sobre um galho em referência<br />

aos personagens do conto.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

Figura 19: Frasco do perfume Féerie, de 2008, da Van Cleef & Arpels.<br />

Fonte: Guia de Perfumes, 2010.<br />

De acordo com Balro (2007), evocar o imaginário é uma tendência da perfumaria.<br />

Grandes marcas buscam inspiração em fábulas e contos. Usar o perfume, possuir a embalagem<br />

é um pouco como fazer parte do mundo da ficção.<br />

Crenças e religiosidade<br />

Dialogando com a tradição histórica dos perfumes como trânsito entre a concretude<br />

da vida e a transcendência espiritual, as referências religiosas e crenças também são<br />

materializadas nos frascos de perfume. O envoltório Boss Orange (2009) da Hugo Boss evoca<br />

os setes chacras do corpo humano (GUIA DE PERFUMES, 2010), que foram mencionados<br />

primeiramente nos Vedas, textos sânscritos que formam a base da religião hindu.<br />

Os setes chacras representam “locais onde as essências atuam como metáfora da<br />

energia que flui desses pontos” (GUIA DE PERFUMES, 2010, p. 48). O frasco (fig. 20) do perfume<br />

foi concebido como um suporte para sete pedras preciosas. Estas alinham-se verticalmente<br />

umas sobre as outras, apoiando-se na moldura de metal da embalagem (OLIVEIRA, 2010).<br />

Figura 20: BossOrange, de 2009, da Hugo Boss. Fonte: Guia de Perfumes, 2010.<br />

Em 2009, a Shiseido, empresa japonesa de cosméticos e perfumaria, lançou o fragrante<br />

Zen. O perfume foi criado especialmente com ingredientes terapêuticos como a flor de lótus,<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

que aliviam o estresse (SHISEIDO, 2010). A flor de lótus, considerada sagrada em muitos<br />

países asiáticos, simboliza elevação e expansão espiritual no budismo (VILA ASTRAL, 2010).<br />

Assim como ela, o frasco visa manifestar a sensação de expansão e libertação do eu interior.<br />

Sua transparência permite a passagem da luz, evocando uma fragrância com energia radiante<br />

e cheia de vida. (SHISEIDO, 2010).<br />

Figura 21: Zen (2009) da Shiseido. Disponível em: . Acesso em: 27/06/2010.<br />

Referências de tempo e lugar<br />

Na busca da construção de identidade, há perfumes que criam alusões a regiões<br />

geográficas específicas e referências culturais, tais como obras arquitetônicas, monumentos<br />

históricos, artefatos típicos, símbolos e ícones locais e etc.<br />

O perfume Be Delicious, de 2004, da Donna Karan, realça o aroma da maçã em sua<br />

composição. A fruta, usada como inspiração no design da embalagem, faz referência ao termo<br />

Big Apple – apelido de Nova York, traduzindo o ritmo vibrante da moderna cidade (BATH AND<br />

BODY COLLECTOR, 2010).<br />

A embalagem do perfume feminino Palazzo (fig. 22), de 2007, da Fendi, estampa a<br />

imagem do edifício da boutique da grife. Construído no final do século XVIII, na cidade de<br />

Roma, o edifício traz a marca do estilo neoclássico de Gaetano Koch, um dos mais famosos<br />

arquitetos romanos do seu tempo (FRAGRANTICA, 2010). O termo Palazzo, estampado na<br />

parte inferior do envoltório, evidencia a referência à localidade italiana.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

Figura 22: Frasco do perfume Palazzo, de 2007, da Fendi; fachada do Palazzo Fendi, em Roma.<br />

Disponível em: e .<br />

Acesso em: 06/05/2010.<br />

A embalagem do fragrante Swiss Unlimited (fig. 23), de 2009, da empresa de cutelaria<br />

Victorinox, deixa clara a sua alusão à Suíça, não somente pelo seu nome, mas também por<br />

outras referências simbólicas. São elas: a cruz, a cor vermelha e o mosquetão. A primeira e a<br />

segunda fazem parte da configuração da bandeira do país, enquanto a terceira – o mosquetão<br />

- simboliza a atividade de montanhismo, referenciando os Alpes Suíços.<br />

Figura 23: Frasco do fragrante Swiss Unlimited, de 2009, da Victorinox. Disponível em: . Acesso em: 06/05/2010.<br />

Elementos das tradições populares e artesanais também são usados como modos<br />

de instaurar relações de tempo e espaço nos frascos de perfume. Recentemente, a grife<br />

japonesa Kenzo recorreu aos souvenirs russos, lançando estojos inspirados nas Matrioskas<br />

(fig. 24) para guardar as embalagens dos perfumes KenzoAmour e Flower by Kenzo (PRESS<br />

COMUNICAÇÃO, 2010).<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

Figura 24: Estojo Matrioska da Kenzo. Disponível em: .<br />

Acesso em: 30/03/2010.<br />

A designer Filomena Padron inspirou-se em artefatos típicos do Brasil artesanato<br />

brasileiro para desenvolver a embalagem da Água de Banho para Natura (fig. 25). Seu desenho<br />

curvilíneo e retorcido remete às formas das cabaças e das moringas. A designer conta que a<br />

ideia “veio da lembrança de que em diversas regiões do Brasil há o costume de se transportar<br />

e de se guardar água nesses objetos” (EMBALAGEM MARCA, 2010).<br />

Figura 25: Cabaça (porongo), moringa e frasco da Água de Banho Breu Branco (2006) da Natura. Disponível<br />

em: , e . Acesso em: 27/06/2010.<br />

De modo geral, os frascos de perfume contextuais recuperam “uma identidade nacional<br />

que se encontra harmoniosamente fixada no nível do imaginário” (ORTIZ, 1985, p. 78) dos<br />

consumidores. Eles caracterizam-se pelas ideias de cópia de um original segundo técnicas de<br />

simulação e de mini ou maximização de suas proporções.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />

Algumas considerações<br />

A escolha de conceitos e de elementos materiais pelo designer não é neutra. Algumas<br />

matérias-primas (vidro, couro, metal, tecido) e configurações formais também são apropriadas<br />

para manifestar ideologias, identidades e valores culturais. Neste universo, destacam-se<br />

as atribuições de gênero, exprimindo conotações como fragilidade, dureza, maleabilidade,<br />

delicadeza, transparência, sensualidade, frescor, que transitam entre o masculino e o feminino.<br />

Por exemplo, os termos doçura, beleza, fertilidade e delicadeza costumam estar associados<br />

ao universo das mulheres. Estes conceitos são traduzidos para os frascos femininos a partir de<br />

cores pastéis, que conotam delicadeza; do uso de referências da natureza como pássaros e<br />

flores; e de outros elementos simbólicos como laços e corações. De acordo com as imagens<br />

de frascos de perfumes analisados, pode-se concluir que a grande maioria reflete modelos<br />

tradicionais e hegemônicos do feminino e do masculino.<br />

Para Partington (1996), a masculinização e a feminização de perfumes tem sido<br />

construída e reforçada através do design de embalagens. Deste modo, as ideologias de<br />

gênero, que prescrevem características e comportamentos aceitáveis para homens e mulheres<br />

são reiterados nos componentes simbólicos na construção dos envoltórios.<br />

Os frascos simulam personalidades e estilos de vida: priorizam as funções<br />

simbólicas, realçam os valores semânticos, propondo formas de se portar, instaurando marcas<br />

de construções de subjetividades. São simulacros que reinventam os corpos, as percepções<br />

do entorno, das crenças, da arte e dos objetos cotidianos. Provocam efeitos sinestésicos que<br />

colocam em conjunção os estereótipos e as representações das práticas sociais.<br />

Notas<br />

i Disponível em: . Acesso em: 26/06/2010.<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 172


As experiências do design finlandês: reflexões para ações<br />

do design<br />

Maria Carolina Medeiros; Mestranda em <strong>Design</strong>: PPGD – NUPECAM/FAAC/UNESP<br />

mcarolmedeiros@hotmail.com<br />

Mariano Lopes de Andrade Neto; Mestrando em <strong>Design</strong>: PPGD – NUPECAM/FAAC/UNESP<br />

mlaneto@gmail.com<br />

Lívia Flávia de Albuquerque Campos; Doutoranda em <strong>Design</strong>: PPGD – LEI/FAAC/UNESP<br />

liviafllavia@gmail.com<br />

Paula da Cruz Landim; Professora Adjunto: NUPECAM/FAAC/UNESP<br />

paula@faac.unesp.br<br />

Resumo<br />

O trabalho traça um breve panorama do estabelecimento do<br />

design na Finlândia, pautado na contextualização histórica, e<br />

principalmente, no comportamento dos atores envolvidos neste<br />

cenário: designers, indústrias e governo. Para tanto realizou-se<br />

um levantamento teórico exploratório baseado nas investigações<br />

do curso “Políticas em <strong>Design</strong> na Finlândia” do Programa Pós<br />

Graduação em <strong>Design</strong> da UNESP, ministrado pelo professor Pekka<br />

Korvenmaa da University of Art and <strong>Design</strong> Helsinki. Esse relato<br />

aponta reflexões e críticas sobre o design brasileiro, tendo em<br />

vista que a bem sucedida experiência na Finlândia pode fornecer<br />

subsídios para futuras análises do design do Brasil.<br />

Palavras-Chave: design de produto; design na Finlândia;<br />

políticas em design<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design<br />

Introdução<br />

A Finlândia se desenvolveu a partir de uma nação predominantemente agrícola e pobre,<br />

à margem da Europa. Evoluiu para um Estado bem industrializado e com um alto padrão de<br />

vida. O design não só está presente nessa realidade, como pode ser apontado como um dos<br />

atores na construção do sucesso internacional da indústria finlandesa.<br />

Pautado no princípio básico do Funcionalismo – ou seja, nas necessidades práticas de<br />

uso – o design desenvolvido na Finlândia acabou por se tornar um modelo internacional. Ao<br />

conservar traços e identidade finlandeses em projetos com funcionalidade estética e pureza<br />

formal, desenvolveu uma linguagem universal.<br />

Nesse país a implantação da indústria e a institucionalização do design, ocorreram de<br />

forma integrada, com a interação e o planejamento necessários dos três principais sistemas<br />

envolvidos – Governo, Indústrias e Instituições de Ensino.<br />

Portanto, esta pesquisa exploratória observou a evolução destes três sistemas e<br />

seus reflexos para o design finlandês, a fim de conhecer como se deu o desenvolvimento de<br />

um design de prestígio internacional e discutir algumas sugestões que poderão auxiliar no<br />

aprimoramento da área no Brasil, provocando reflexões para implantação de futuras ações<br />

no país. Para isso, realizou-se um estudo descritivo amparado por meios bibliográficos de<br />

investigação, baseados em métodos descritos por Marconi e Lakatos (2000). O levantamento<br />

teórico do trabalho resulta das investigações realizadas na disciplina “Políticas em <strong>Design</strong> na<br />

Finlândia” fornecida ao Programa de Pós-Graduação em <strong>Design</strong> da UNESP/Bauru, ministrada<br />

pelos professores Paula da Cruz Landim (UNESP) e Pekka Korvenmaa (University of Art and<br />

<strong>Design</strong> Helsinki).<br />

Referencial teórico<br />

A consolidação da indústria na Finlândia e sua relação com o design<br />

O movimento modernista, surgido na primeira década após 1917, ano da independência<br />

do país, propiciou a aproximação da indústria com artistas locais, gerando soluções atrativas<br />

para os problemas da sociedade moderna emergente. O novo estado precisava de novos<br />

edifícios, objetos e símbolos que refletissem a necessidade de uma identidade nacional;<br />

momento esse que culminou em um discurso progressista do design e um incentivo a sua<br />

prática no país.<br />

O crescimento do design sofreu com os efeitos da depressão em 1930. Os problemas<br />

de urbanização e a industrialização descontrolada levaram os designers a refletir sobre o<br />

funcionalismo, o significado do setor industrial enquanto força social e cultural, e a mudança<br />

dos meios de produção de uma sociedade baseada no artesanato para uma manufatureira;<br />

provocando uma busca de soluções para as transformações vividas na Finlândia.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design<br />

O rápido desenvolvimento do design na Finlândia, é claro, não veio do<br />

nada. O trabalho preparatório começou na década de 1930 quando foi<br />

dado ao Modernismo uma interpretação nórdica, chamada Funcionalismo<br />

(KORVENMAA, 2009, p. 15, tradução nossa).<br />

Mais a frente, as décadas de 1950 e 1960 representaram o sucesso internacional<br />

do design finlandês. Produtos que se destacavam principalmente por suas características<br />

intrínsecas – autenticidade, essencialidade exótica e qualidade –, eram acessíveis a muitos<br />

lares finlandeses. Grandes grupos de consumidores domésticos foram alcançados; jogos de<br />

jantar e/ou chá/café de cerâmica, objetos de vidro e várias peças de mobiliário, premiados<br />

internacionalmente, estavam disponíveis aos consumidores da classe média.<br />

O design moderno foi um importante ingrediente na atualização de processos<br />

em vários níveis [...] equalizando racionalidade, democracia e emancipação [...]<br />

Equilibrar qualidade é o que chamamos hoje em dia de valor da marca, seja<br />

de móveis, vidros, cerâmicas e produtos têxteis. Sua penetração no mercado<br />

internacional ocorreu de forma fácil e as receitas trazidas ao país cresceram<br />

significativamente (KORVENMAA, 2009, p. 15, tradução nossa).<br />

Arabia e Iittala são marcas tradicionais de vidro e cerâmica da empresa Hackmann<br />

<strong>Design</strong>or, o maior produtor de louça da Finlândia. Surgida em meados de 1890, essa empresa<br />

ampliou sua linha de produtos domésticos ao longo dos anos, oferecendo desde facas e<br />

objetos de cutelaria até jogos de jantar em cerâmica ou vidro. Durante a década de 1960,<br />

as importações baratas da Ásia chegaram à costa da Escandinávia e, para manter sua<br />

posição no mercado, a Hackman foi forçada a modernizar seus produtos. A tarefa foi dada a<br />

designers estabelecidos, tais como Kaj Franck, Babel e Adolf Gardberg Bertel. Essa medida<br />

de aproximação da indústria com o design pode ser observada ao longo dos anos e em vários<br />

setores industriais.<br />

Um exemplo recente da continuidade e dos resultados da aproximação desses setores<br />

são os processos avançados de desenvolvimento de produtos criados na Hackmann, razão<br />

pela qual ela se situa dentre as mais reconhecidas empresas cerâmicas do design internacional.<br />

Suas marcas Arabia e Iittala oferecem também uma série de produtos, chamada Pro Arte, de<br />

objetos com design exclusivos (Figura 01) resultados da referida parceria.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 175


As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design<br />

Figura 01 – Copo Iittala HotCool. Fonte: Iittala (2010)<br />

Retomando os aspectos históricos, a indústria finlandesa aposta no potencial da<br />

contribuição do design como fator de competitividade internacional há mais de 60 anos. E,<br />

na década de 1950, investia em design de destaque, ou seja, em indivíduos cujos produtos<br />

comercializados eram associados com a aura artística de seus famosos nomes em design<br />

com reputação internacional.<br />

A indústria finlandesa se desenvolveu rapidamente a partir da Segunda Guerra<br />

Mundial, especialmente a indústria metalúrgica que criou uma gama de produtos<br />

onde um novo tipo de habilidade de design era necessário – por exemplo,<br />

no desenvolvimento de equipamentos de transporte, eletrodomésticos e<br />

aparelhos eletrônicos (KORVENMAA, 2009, p. 17, tradução nossa).<br />

Um outro exemplo, no caso de transportes, trata-se das largas tradições de construção<br />

naval na Finlândia, por ser um país muito ligado ao mar. A associação do amplo conhecimento<br />

adquirido com a longa experiência do setor aliado às novas tecnologias propostas pelo design<br />

gerou resultados de excelência. Os quebra-gelos finlandeses (Figura 02), um dos produtos<br />

mais conhecidos da sua indústria, têm como valor atribuído a navegabilidade do mar durante<br />

todo o ano. A AkerYards (Aker Finnyards), que tem estaleiros em Helsínqui e em Turku, produz<br />

25% das embarcações de cruzeiro no mundo, afirma Peltonen (2008).<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 176


As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design<br />

Figura 02 – Unidade de propulsão Azipod de tecnologia finlandesa utilizada em navios luxo. Fonte: ABB (2010)<br />

A década de 1960, marcada pelo grande status do design finlandês, também ficou<br />

conhecida pela crítica ao culto da personalidade que se desenvolveu em torno dos designers<br />

individuais. Conforme Landim (2009, p. 76),<br />

Isto correspondeu a uma crise difundida nas artes aplicadas finlandesas.<br />

Com a recessão global, a indústria não podia mais fornecer emprego para<br />

todos os novos designers por muito tempo. Essas considerações figuraram<br />

na discussão internacional e foram debatidas, mas ofuscadas pelo foco no<br />

design individual na Finlândia, apesar da extensa discussão sobre o papel do<br />

design industrial.<br />

Mesmo em momentos de revisão de postura, os bons resultados da proximidade dos<br />

dois setores permaneciam. Como no caso das tesouras laranja da Fiskars. Desenvolvidas<br />

em 1967, tornaram-se um dos produtos mais conhecidos do design finlandês e um ícone<br />

mundial. Sua cor laranja surgiu, em parte, por acaso, pois seu protótipo foi criado com uma<br />

resina laranja que sobrou na máquina de molde usada para produzir um espremedor de laranja<br />

(FISKARS, 2009), ilustrado na Figura 03.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design<br />

Figura 03 – Tesoura laranja fabricada com material de sobra do espremedor de laranja. Fonte: Fiskars (2009)<br />

Na década de 1970 surgiu o interesse pela ergonomia, semiótica, valores simbólicos,<br />

e a ênfase social como sinônimo de bom design. Este período caracterizou-se como um<br />

momento de transição e de autocrítica, com debates frequentes, tendo originado um cenário<br />

no qual o culto ao designer individual era considerado inapropriado e o design anônimo seria o<br />

novo discurso. Um exemplo dos reflexos dessa nova postura é visível no design de mobiliário,<br />

pautado agora em princípios do funcionalismo e ergonômicos, tornando-se um processo<br />

projetual lógico e científico, baseado na pesquisa.<br />

O próximo período, década de 1980, caracterizou-se pela maturidade em design<br />

na Finlândia. Momento em que a ergonomia e o meio-ambiente tornaram-se um assunto<br />

recorrente e os designers transformaram o principio da “forma segue a função” em “forma<br />

segue função e fantasia”. A liberdade e fantasia refletiram-se no design de mobiliário finlandês,<br />

influenciados pelo pós-modernismo na primeira metade da década.<br />

Também, nesse período, os atributos estéticos dos projetos avançaram<br />

consideravelmente, alcançando nível internacional. O conforto e aparência de um utensílio<br />

doméstico recebiam a mesma atenção dispensada a um carro de luxo. Depois do êxito<br />

das tesouras, a Fiskars criou uma série de ferramentas manuais tradicionais (Figura 04),<br />

como machados, pás, enxadas, e ferramentas para jardinagem, cujo novo design melhorou<br />

radicalmente as suas vendas (PELTONEN, 2008).<br />

Figura 04 – Produtos Fiskars. Fonte: Fiskars (2010)<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design<br />

O cenário econômico finlandês mudou rapidamente no começo dos anos 1990, levando<br />

o país a sua pior crise com o ápice da recessão entre 1992 e 1994. Neste período evidenciou-se<br />

a fragilidade da infra-estrutura da indústria nacional, gerando um consenso sobre a importância<br />

de se redirecionar a indústria do país para áreas maciçamente tecnológicas, assim como para<br />

informação tecnológica.<br />

Os primeiros anos da década de 1990 trouxeram à Finlândia uma crise<br />

financeira muito mais severa que a da Grande Depressão dos Anos 30. Isto<br />

significou uma abrupta interrupção ao florescimento de uma sociedade de<br />

bem-estar, assim como aos mecanismos que apoiaram o design – e aos quais<br />

o design serviu como ferramenta (KORVENMAA, 2009, p.16, tradução nossa).<br />

O cenário do design finlandês mudou significativamente a partir do final dos anos 90,<br />

aumentou-se a intensidade de atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), tanto nos<br />

projetos de produtos como no nível estratégico geral. A década de 1990 viu o colapso da<br />

supremacia dos antigos moldes de design e o aumento do design tecnológico, motivado pelas<br />

ferramentas digitais. A atenção a essas mudanças ocasionaram a retomada econômica da<br />

indústria e do design.<br />

Novamente as ações resultantes da associação dos três setores viabilizam a retomada<br />

do crescimento econômico. Como exemplo tem-se a companhia finlandesa Nokia Mobile<br />

Phones, uma das maiores produtoras de celulares no mundo, com exportações para 130<br />

países (PELTONEN, 2008). A Benefon é outro produtor finlandês de celulares e telefones para<br />

segurança com dispositivos de rastreamento. Um bom exemplo é TWIG Protector (Figura 05),<br />

um dispositivo de segurança portátil planejado para os trabalhadores solitários e pessoas que<br />

possam estar em risco.<br />

Figura 05 – Dispositivo de segurança portátil TWIG Protector. Fonte: Benefon (2010)<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design<br />

O resultado do sucesso de ambas as companhias reside em um design atualizado, com<br />

ênfase sobre a ergonomia, facilidade de utilização e comunicação visual. O design finlandês<br />

novamente é alvo de um considerável interesse internacional. Como afirma Peltonen (2008,<br />

n.p):<br />

Os produtos de sucesso são fruto de um design inovador, capaz de abrir as<br />

portas do mercado mundial. [...] A construção naval, os transportes públicos, a<br />

segurança laboral, a saúde, as atividades de lazer, os desportos, a comunicação<br />

e a eletrônica, são áreas que demonstram a atenção dada pelas empresas<br />

ao design, é a chave da produção de sucesso e da atenção internacional<br />

crescente.<br />

A histórica proximidade entre o design e indústria na Finlândia permitiu um<br />

desenvolvimento “simbiótico”, cuja relação ganhou profundidade e complexidade ao longo dos<br />

anos. No entanto, seu alto desenvolvimento tecnológico resulta da participação de mais outros<br />

dois agentes, o governo e as instituições de ensino. Como relatado a seguir, o planejamento e<br />

os investimentos derivados de ações políticas incentivam as atividades de P&D realizadas nas<br />

instituições em parceria com a indústria local, alimentando essa aproximação.<br />

O ensino e institucionalização do design finlandês<br />

A institucionalização do design na Finlândia tem início em 1875 com a fundação da<br />

“Sociedade Finlandesa de Artes e Ofícios”, cujo intuito era promover as artes industriais. Esta<br />

escola se solidificou ao longo dos anos e se tornou um importante centro educacional. Em 1965<br />

passou a ser administrada pelo Estado Finlandês, e em 1973 a ser denominada <strong>Universidade</strong><br />

de Artes e <strong>Design</strong> de Helsinki, responsável por todo ensino de design no país.<br />

Dentre as muitas transformações que o ensino passou desde seu estabelecimento, um<br />

de seus principais marcos acontece após a II Guerra Mundial, momento em que as reformas<br />

direcionaram esse ensino para a indústria. A crescente demanda e diversificação do mercado,<br />

bem como o crescimento da indústria nos anos pós-guerra, aumentaram a carência por<br />

profissionais qualificados e preparados para atender as necessidades da sociedade:<br />

Educação em design, prática profissional e indústria utilizando isso, eram todos<br />

influenciados pela rápida industrialização da nação, e de um modo mais geral<br />

pela concepção de indústria baseada no progresso tecnológico como um dos<br />

principais fatores determinantes da sociedade e cultura (LANDIM, 2009, p.75).<br />

O momento propício para investimentos no ensino em design do país também<br />

possibilitou mudanças em outras instituições. Na década de 1960, a Ornamo se estabeleceu<br />

como a associação central de designers, a Associação Finlandesa de <strong>Design</strong>ers, com suborganizações<br />

e associações, dentre eles: designers de moda (1965) e designers industriais<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design<br />

(1966), os quais se uniram às associações já existentes para arquitetos de interiores (1949) e<br />

designers têxteis (1956). Esta instituição passou a receber anualmente suporte financeiro do<br />

Ministério da Educação para cobrir as despesas de expansão das ações e atividades relativas<br />

ao ensino e prática do design.<br />

A experiência do envolvimento dos três setores apresentou resultados significativos na<br />

educação em design. Esses resultados geraram reconhecimento fora do país, e a partir de<br />

1987 uma série de conferências internacionais em colaboração com líderes do cenário em<br />

design de vários países discutiram a educação e a pesquisa em design. Estabeleceu-se assim o<br />

<strong>Design</strong> Forum Finland, cujo objetivo é promover o design gerando oportunidades na economia<br />

e nos negócios, aumentando a competitividade nas indústrias do país e capacitando-as para<br />

a exportação de produtos com design (DESIGN FORUM FINLAND, 2009).<br />

Raulik et. al (2009) afirmam que essas ações trouxeram à Finlândia a liderança, como um<br />

dos mais competitivos países no Fórum Econômico Mundial. A atribuição de poder decisório e<br />

verbas a um órgão consciente da importância da participação efetiva dos setores envolvidos<br />

permitiu o estabelecimento de metas coletivas. Como no caso da inclusão do design como<br />

parte essencial do planejamento de investimentos em longo prazo, priorizando o setor de P&D.<br />

Ações surgidas desse movimento acabaram por originar programas de política em design.<br />

Programas estes que dentre seus objetivos, visavam transferir inovação de natureza tecnológica<br />

dos projetos desenvolvidos na <strong>Universidade</strong> para possíveis utilizações pela indústria, criando<br />

um centro para design como parte dessa política: a <strong>Design</strong>ium (LANDIM, 2009).<br />

O centro de inovação é composto pela <strong>Universidade</strong> de Arte e <strong>Design</strong> de Helsinque,<br />

a <strong>Universidade</strong> da Lapônia, <strong>Universidade</strong> de <strong>Tecnologia</strong> de Helsinque (HUT) e a Escola de<br />

Economia de Helsinque (HSE), em estreita colaboração entre elas, e conta ainda com a<br />

cooperação de outras universidades, empresas e organizações públicas.<br />

Esse conjunto de fatores explica a forte presença de instituições ligadas à P&D, uma<br />

característica única não encontrada em outros países, de acordo com Raulik et. al (2009).<br />

Aliada a outro fator importante na promoção do design, a mobilidade dos estudantes - seja de<br />

estrangeiros para a Finlândia ou vice-versa – permite a troca e expansão de conhecimentos e<br />

estimula inovações.<br />

Atualmente se vê a penetração do design em universidades de tecnologia e economia,<br />

gerando transferência de conhecimento e potencializando abordagens multidisciplinares.<br />

Destaca-se também a forma como a política em design se desenrola no país, com a participação<br />

de representantes da indústria, educação, designers e o setor público como meio de gerar<br />

iniciativas para as instituições decisórias, tanto públicas como privadas. Como observa Landim<br />

(2009), a UIAH (<strong>Universidade</strong> de Arte e <strong>Design</strong> de Helsinque) tem participado ativamente em<br />

várias ações e iniciativas, de forma que ela não se mantém apenas concentrada em educação<br />

e pesquisa, mas também em colaboração com a política em design.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design<br />

Ações do governo e o design na Finlândia<br />

Com a crise finlandesa no começo dos anos 90, o cenário econômico mudou<br />

rapidamente, levando o país à recessão, com ápice entre 1992 e 1994. Momento caracterizado<br />

por crise bancária, alta taxa de desemprego, inflação, entre outros fatores. Como fator<br />

agravante, o colapso da União Soviética, principal mercado exportador da Finlândia, produziu<br />

um impacto negativo enorme no setor industrial. Assim, se evidenciou a fragilidade da infraestrutura<br />

da indústria nacional, gerando um consenso sobre a importância de se redirecionar<br />

e atualizar as indústrias do país para áreas tecnológicas.<br />

A necessidade de investimentos significativos, para melhorar o patamar de<br />

desenvolvimento tecnológico, tornou o sistema nacional de inovação um conceito “guardachuva”.<br />

Que de acordo com Landim (2009) passou a abrigar toda e qualquer ação de melhoria<br />

econômica e social.<br />

Assim, em 1996, o Fundo Nacional Finlandês para Pesquisa e Desenvolvimento convidou<br />

um grupo de representantes da área de design para discutir como o design poderia contribuir<br />

para a inovação industrial e desenvolvimento econômico da Finlândia. Estabelecendo-se um<br />

sistema nacional de design e um plano de políticas chamado “<strong>Design</strong> 2005!”.<br />

Esse programa de política denominado “Government Decisions in Principle on Finnish<br />

<strong>Design</strong> Policy” é uma ação governamental consistente e de efetivo esforço para se introduzir<br />

o design de modo mais eficiente a serviço da indústria, do comércio e da cultura. E, apesar<br />

da política nacional em design não ser novidade na Finlândia, ele diferenciava-se por seus<br />

três principais objetivos: melhorar a qualidade do design, promover o uso do design com<br />

foco para alavancar a competitividade e emprego, e ainda aumentar o nível de qualidade,<br />

promovendo uma cultura genuinamente nacional. Ações que complementam a já estabelecida<br />

política industrial, que valoriza o papel do design como agente de competitividade para as<br />

exportações da indústria.<br />

O plano de política finlandesa começou a se desenrolar antes mesmo de ter sido<br />

oficialmente lançado. De acordo com Korvenmaa (2009), em 2000, os ministros da Cultura e o<br />

da Indústria e Comércio juntamente com representantes de altos escalões das organizações –<br />

os grandes empregadores –, assinaram um acordo para tornar a nova política de fato real. Isto<br />

ocorreu em um cenário de retomada econômica e pela percepção global do valor do design<br />

na criação de valor em mercados altamente saturados e competitivos.<br />

Korvenmaa (2009) ainda afirma que a importância fundamental para a compreensão<br />

do papel do design na política foi o fato de que ela foi realizada pelas mesmas pessoas e<br />

instituições que a escreveram. Ou seja, a própria comunidade do design e seus parceiros mais<br />

importantes foram os que fizeram as perguntas e deram as sugestões, fazendo com que o<br />

processo se desenvolvesse de baixo para cima e com as reais preocupações e vivências dos<br />

profissionais do meio.<br />

A figura 06, a seguir, ilustra como é composto o Sistema Nacional de <strong>Design</strong> Finlandês,<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design<br />

com os ministérios envolvidos, os conselhos, fundações e empresas finlandesas – como fontes<br />

de financiamento; o Comitê de <strong>Design</strong> e o Centro <strong>Design</strong>um – representando a política; e os<br />

Centros de educação, promoção, P&D, suporte e associações profissionais. Em um sistema<br />

que envolve o público e o privado, de forma abrangente e consistente.<br />

Figura 06 – Sistema Nacional de <strong>Design</strong> na Finlândia. Fonte: Raulik et. al (2009)<br />

Essa estrutura organizacional, que prevê ações e o envolvimento de todos os agentes,<br />

permite o desenvolvimento da política nacional em design e a internacionalização do design<br />

finlandês. São iniciativas que promovem a transferência dos novos conhecimentos e aptidões<br />

em design das instituições para o setor empresarial e em contrapartida leva as necessidades<br />

e também o apoio das indústrias até o ensino.<br />

Discussões e Considerações finais<br />

Este estudo é um relato de uma experiência bem sucedida e não uma análise crítica<br />

do design brasileiro, por conseqüência busca trazer subsídios para futuras ações na política<br />

nacional do design.<br />

Os constantes avanços tecnológicos e a fácil circulação de mercadorias no comércio<br />

mundial causaram profundos impactos nas economias dos países, ocasionando uma<br />

competitividade interna e externa cada vez maior. Nesse cenário o <strong>Design</strong> recebe o papel de<br />

importante agente de valorização e de identificação, motivos que tornam as ações para sua<br />

promoção e suporte, estratégicas para países, governos e empresas.<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 183


As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design<br />

Amplamente discutida, essa função atribuída ao <strong>Design</strong> é cada vez mais compartilhada<br />

em experiências por todo o mundo. No caso da Finlândia, o reconhecimento global, chama os<br />

olhares para o seu sucesso e a história de seu desenvolvimento.<br />

Com a tradição do design agindo junto às indústrias e refletindo diretamente na economia<br />

do país, a Finlândia não só alavancou a competitividade de suas empresas como também<br />

proporcionou bem-estar aos seus cidadãos. Como visto, as histórias da industrialização e do<br />

design no país estão ligadas, e desde a década de 1930, essa relação é uma força social e<br />

cultural. O perfil da população e a cultura finlandesa foram fatores cruciais para o sucesso das<br />

políticas de design finlandesas.<br />

O reconhecimento e qualidade internacional, gerando produtos acessíveis à sociedade,<br />

e a proximidade com a indústria, fizeram do design finlandês um modelo. Porém, sem o<br />

envolvimento do governo por todo esse percurso, com os planejamentos e ações efetivas, não<br />

teria como resultado o surpreendente crescimento econômico do país. São ações que ainda<br />

promovem investimentos em P&D, sempre contando com aproximação das empresas com as<br />

universidades, ou seja, despertando interesses em comum que primam pela inovação.<br />

Visto por esse ângulo, as ligações entre inovação, design e tecnologia ainda são raras<br />

na política brasileira. Suas ações costumam ser pontuais, em centros de projetos regionais<br />

que eventualmente se associam aos institutos de tecnologia.<br />

Em muitos casos os centros geram resultados bem sucedidos, entretanto ainda não<br />

contam com uma política nacional clara e de longo prazo para tais iniciativas. Na Finlândia,<br />

estas ações são continuadas ou foram substituídas por novas estratégias aprimorando seus<br />

resultados ao longo dos anos. Diferença que parece estar relacionada à estabilidade política<br />

do país, visto que o apoio do governo não se alterou devido às sucessões políticas e sim pela<br />

evolução do cenário econômico.<br />

Ainda hoje, o design e a indústria caminham em paralelo, e as políticas governamentais<br />

se mostram desconexas e insuficientes. Portanto, respeitando os contrates na história do<br />

design do Brasil e da Finlândia, é preciso reconhecer que sem o envolvimento da indústria, do<br />

governo e das instituições de ensino, como na experiência finlandesa, a indefinição no design<br />

brasileiro permanecerá. O investimento em educação e políticas de inserção do design, a<br />

exemplo da finlandesa, de forma a unir tecnologia, design e empresas, é fundamental para<br />

que o país consiga aumentar a qualidade, a competitividade e principalmente, a inovação de<br />

seus produtos.<br />

Este estudo não propõe soluções específicas, mas espera que com a divulgação<br />

da experiência da Finlândia se amplie as perspectivas sobre as possíveis ações de design<br />

no Brasil, já que a realidade multi-étnica e pluri-regional do país permite explorar os mais<br />

variados atributos locais, diversificando ainda mais a produção nacional. Como por exemplo<br />

o crescimento sustentável, grande desafio da indústria brasileira, momento em que os<br />

programas de design podem fornecer as bases para esse desenvolvimento. Buscando, no<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 184


As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design<br />

entanto, envolver as indústrias, universidades, e principalmente, as ações do governo em<br />

interesses comuns. E para tanto, observou-se a necessidade da aproximação de todos esses<br />

setores para um planejamento global que estabeleça as bases de ações e permita adaptações<br />

às várias peculiaridades dos meios de produção locais que integram a economia nacional.<br />

Referências<br />

ABB. Azipod Propulsion, 2010. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2010.<br />

BENEFON. Intelinfon/Twig, 2010. Disponível em: . Acesso em: 23 jan. 2010.<br />

FISKARS. Company/Heritage, 2009. Disponível em: . Acesso em: 19 jan. 2010.<br />

FISKARS. Products, 2010. Disponível em: . Acesso em: 19 jan. 2010.<br />

IITTALA. Hotcool, 2010. Disponível em: . Acesso em: 21 jan. 2010.<br />

LANDIM, P. C. <strong>Design</strong>/Empresa/Sociedade. Bauru: UNESP, 2009. Tese apresentada à<br />

FAAC - Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação - UNESP para obtenção do Título de<br />

Livre-Docente.<br />

MARCONI, M.; LAKATOS, E. Metodologia Científica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000.<br />

PELTONEN, Jarno. <strong>Design</strong> Finlandês no Novo Milénio. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2009.<br />

KORVENMAA, P. <strong>Design</strong>, Research and Policies of Innovation: Case Finland. In: Congresso<br />

Internacional de Pesquisa em <strong>Design</strong>, 05, 2009, Bauru/SP. Anais... Bauru/SP: UNESP, 2009.<br />

RAULIK, M. G,; CAWOOD, G.; LARSEN, P.; LEWIS, A. A comparative analysis of strategies<br />

for design in Finland and Brazil. In: Undisciplined! <strong>Design</strong> Research Society Conference<br />

2008, 16-19 July 2008, Sheffield, UK : Sheffield Hallam University, 2009.<br />

Agradecimentos<br />

Este trabalho foi desenvolvido com o apoio da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do<br />

Estado de São Paulo (Proc. 2009/02991-9 e 2009/02125-0).<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 185


Investigações metodológicas: aproximação entre design e<br />

tecnologia<br />

Deborah Kemmer; Mestranda em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi<br />

d.kemmer@hotmail.com<br />

Resumo<br />

A base deste artigo é explorar metodologias que levem a uma<br />

abordagem teórica para entender o design emergente enquanto<br />

um método de intervenção educacional por meio tecnológico.<br />

Entender a tecnologia digital e a administração do método é<br />

a forma de compreender o design emergente. Por meio das<br />

ferramentas computacionais os aprendizes realizam um processo<br />

de design e de construção e, assim, generalizam as formas de<br />

conhecimento que possuem e ganham conhecimentos para<br />

outras áreas e interesses. O potencial de aprendizagem por meio<br />

coletivo é um método apontado no artigo que vem desenvolver<br />

ações pedagógicas inovadoras com recursos computacionais,<br />

visando apropriação criativa, por meio de dejetos computacionais,<br />

desenvolvendo metodologias voltadas a uma forma de design<br />

emergente de reapropriação tecnológica para transformação<br />

social.<br />

Palavras-Chave: design; emergente; educação<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 186


Investigações metodológicas: aproximação entre design e tecnologia<br />

Introdução<br />

Palavras representam conceitos, por isso neste artigo partiremos do entendimento de<br />

palavras-chaves que aprofundem nossas reflexões.<br />

Estamos vivendo uma revolução industrial tecnológica que decorre também do<br />

computador em sua conexão com as telecomunicações.<br />

A revolução da informática que trouxe a globalização como resultado foi também a<br />

responsável pela sociedade da informação ao qual vivemos, onde conforme se lê em Peter<br />

Drucker a informação é seu instrumento mais precioso e mais necessário i .<br />

Contudo o que se nota é que sob o “império” da tecnologia, existe um grande risco<br />

de se perder o humanismo, ou seja, as artes, a literatura, as humanidades estão em segundo<br />

plano e até mesmo a ciência fica obscurecida pela tecnologia.<br />

No bojo desta questão a criação humana aparece cada vez mais como algo que<br />

a sociedade tem de reincorporar o seu rol de prioridades, uma vez que o fator humano é<br />

fundamental e do homem partem – filosoficamente falando – as realidades.<br />

Explorando em terreno teórico<br />

Palavras representam conceitos.<br />

A leitura de qualquer texto depende do entendimento que se dá às palavras que<br />

expressam idéias e, em ultima análise, da interpretação do que tais idéias significam.<br />

Por isso no inicio deste artigo faz-se necessário entender o que significa a palavra<br />

design em conjunto com a palavra emergente e o significado que se constituí em torno delas,<br />

estruturando nosso pensamento.<br />

Conforme Bonfim, “[...] <strong>Design</strong> entende-se como objeto, qualquer artefato que resulte<br />

da aplicação da vontade do sujeito, consubstanciada no processo de conformação da matéria.”<br />

(BOMFIM, 1997, p. 10).<br />

Palavra que obedece às normas objetivas, o termo design não se esgota neste único<br />

sentido, uma vez que sua prática amplia o leque de interpretações.<br />

Eis porque esta palavra proveniente da língua inglesa pode se compreendida como<br />

parte de “um tecido que enreda o designer, o usuário, o desejo, a forma, o modo de ser e<br />

estar no mundo de cada um de nós” (COUTO, 1999, p. 9). <strong>Design</strong> à elaboração, à concepção<br />

específica de um artefato.<br />

Partindo desta visão, o <strong>Design</strong> elaborado com desejo, forma, modo de representar o<br />

mundo, abre-se a possibilidade de entender a palavra emergente, que pelo nome, nos faz<br />

pensar em certa emergência, ou seja, “pressa” no sentido de emergir.<br />

Emergir significa “que vem de fora”. Unindo então as duas palavras “<strong>Design</strong> e Emergente”<br />

podemos resumir da seguinte maneira: “[...] vontade do sujeito emergindo” (BUENO, 2009,<br />

p. 102). A terminologia “<strong>Design</strong> Emergente” inaugura uma nova forma de produzir a partir da<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 187


Investigações metodológicas: aproximação entre design e tecnologia<br />

vontade, da intencionalidade do sujeito diante do que deseja conquistar.<br />

Hoje, a liberdade tanto pode ser um elemento da natureza como uma condição intriseca<br />

do homem ao seu estado emocional. Pensadores como filósofos, historiadores, sociólogos,<br />

ou seja, pessoas que influenciaram na história, acabaram definindo a liberdade de múltiplas<br />

formas, mas todos mantiveram um denominador comum.<br />

A liberdade para o homem está na dependência de sua própria vontade. Um exemplo<br />

desta questão é o que os filósofos Santo Agostinho e Descartes, teorizaram a respeito da<br />

vontade e liberdade, e que por fim, concluiram que são a mesma coisa. A partir de leituras sobre<br />

esse assunto, percebemos o consenso ao qual eles, dizendo que o fato de nós seres humanos,<br />

possuirmos vontade, nos coloca como responsáveis pelas nossas decisões e ações.<br />

<strong>Design</strong> emergente, educaçao e tecnologia.<br />

Vejamos então, diante dessas questões levantadas, qual pode ser a relação entre<br />

design emergente, educação e tecnologia.<br />

Um autor que possui uma postura muito clara sobre essa questão do design, como<br />

um método de intervenção educacional, trabalhando por meio da coletividade, a tecnologia, e<br />

assim, instaurando um método, é David Cavallo, quando alega a importância do computador<br />

na vida do sujeito:<br />

“O papel do computador neste processo é o de catalisar um conjunto de<br />

habilidades que possa ser transferido para um contexto diferente. Por meio das<br />

ferramentas computacionais os aprendizes realizam um processo de design e<br />

de construção e, assim, generalizam as formas de conhecimento que possuem.<br />

O desenvolvimento da fluência em tecnologia permite que as pessoas se<br />

libertem do contexto específico e passem a representar seus conhecimentos<br />

de diferentes formas, de modo a aplicá-los em várias situações.” (CAVALLO,<br />

D. 2000, p.22).<br />

Essa citação nos revela que, por meio da tecnologia, o ensino ganha um novo formato<br />

de representação e um novo processo de design e construção, onde em que a liberdade e<br />

o contexto do sujeito, passam a ser o fator essencial para o desenvolvimento humano. O<br />

mesmo autor, ainda complementa dizendo:<br />

“A análise de questões relacionadas ao design tem levado à formulação de<br />

uma abordagem teórica - “<strong>Design</strong> Emergente” - É um método de intervenção<br />

educacional; o argumento é geral, contudo, nele há estratégia que é apropriada<br />

para cenários em que a tecnologia possa facilitar mudança de paradigma.<br />

A abordagem teórica está voltada à investigação de como a escolha<br />

da metodologia de design contribui para o sucesso ou não de reformas<br />

educacionais”. (CAVALLO, 2000, s/p.)<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 188


Investigações metodológicas: aproximação entre design e tecnologia<br />

Essa metodologia apontada, que envolve sistemas educacionais por meio de tecnologia,<br />

faz com que aprendizes ganhem conhecimentos para outras áreas e interesses. O papel do<br />

computador nesse processo permite que as pessoas se libertem e passem a representar o<br />

conhecimento de diferentes formas, de modo a aplicá-los em várias situações como afirma<br />

ainda David Cavallo: “[...] Desenvolve-se, assim, uma prática de “antropologia epistemológica<br />

aplicada” que consiste no levantamento de habilidades e conhecimentos existentes em uma<br />

dada comunidade e a sua utilização como “ponte” para novos conteúdos” “[...]. Através do<br />

“<strong>Design</strong> Emergente” é possível encontrar um balanço entre a tecnologia digital e o método<br />

de administrar a organização e de transformação da organização que se torna consciente da<br />

existência da tecnologia. (CAVALLO, 2000, s/p).<br />

O design emergente visa o humanismo.<br />

Esse balanço entre a tecnologia digital e a administração do método que fala o autor, torna<br />

essencial para o sucesso ou não do processo. Colocamos essa dúvida perante o resultado, pois<br />

se não dosado e bem organizado o projeto, o resultado pode não ser o ideal. Segundo David<br />

Cavallo: “É necessário atenção à tentação de usar só a tecnologia ou só a administração, o que<br />

pode propiciar à falha do projeto. Por outro lado, a combinação de ambas oferece uma visão<br />

otimista para o futuro da Educação.” (CAVALLO, 2000, s/p). Essa união entre a tecnologia e a<br />

administração, pode possibilitar um desenvolvimento de aprendizagem mais eficaz.<br />

“É a junção destes dois produtos da era digital em sinergia com as bases teóricas<br />

dos pensadores da era pré-digital que são o suporte adequado para realizar o<br />

que os pensadores sabiam o que e como fazer, mas não tinham meios para<br />

fazê-lo. Entre eles destaca-se Paulo Freire, mas também, estão representados<br />

John Dewey e Jean Piaget, embora este último não tenha focado seu trabalho na<br />

educação.” (CAVALLO, 2000, s/p).<br />

Quando citamos a idéia de David Cavallo de que, a “antropologia epistemológica<br />

aplicada”, consiste no levantamento de habilidades e conhecimentos existentes em uma dada<br />

comunidade, pensamos que a sua utilização serve como “ponte” para novos conteúdos.<br />

Dessa forma, podemos refletir que o autor está advertindo as pessoas, os interesses<br />

da comunidade e a vontade desses sujeitos que têm um fator essencial e primordial, quando<br />

pensado em forma de projeto educacional. Buscar essas vontades a partir da liberdade de<br />

exposição do sujeito diante do problema é considerado design emergente segundo o autor.<br />

Trabalhando com temas geradores como Paulo Freire.<br />

Ensinantes e ensinados.<br />

Estamos falando que o indivíduo deve partir de seus conhecimentos ao aprender, como<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Investigações metodológicas: aproximação entre design e tecnologia<br />

lembra David Cavallo. Este também cita o educador Paulo Freire, que representa muito bem<br />

essa questão, cremos que, a carta redigida aos professores, em que Freire relata o ensino e a<br />

forma de aprendizagem como essencial ao ser humano, vem constatar essa questão:<br />

“O aprendizado do ensinante ao ensinar não se dá necessariamente através<br />

da retificação que o aprendiz lhe faça de erros cometidos. O aprendizado<br />

do ensinante ao ensinar se verifica à medida em que o ensinante, humilde,<br />

aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se<br />

em suas posições; em que procura envolver-se com a curiosidade dos alunos<br />

e dos diferentes caminhos e veredas, que ela os faz percorrer. Alguns desses<br />

caminhos e algumas dessas veredas, que a curiosidade às vezes quase<br />

virgem dos alunos percorre, estão grávidas de sugestões, de perguntas que<br />

não foram percebidas antes pelo ensinante”. (FREIRE, 1997, p.19).<br />

Percebemos que o educador Paulo Freire tinha em mente a importância de partir do<br />

conhecimento e do contexto experimentado pelo aluno para desenvolver sua metodologia<br />

na educação, ou seja, permitindo ao aluno, ou ao aprendiz expressar seus conhecimentos e<br />

experiências. Dessa forma, o educando é valorizado pelo educador. Esse modo de pensar<br />

do autor tem uma característica organizacional e metodológica, assim como David Cavallo,<br />

afirma que o fato de unir tecnologia e administração para alcançar sucesso, também é uma<br />

alternativa de usar “metodologia”.<br />

Se pensarmos como Paulo Freire, perceberemos que não devemos subestimar o<br />

conhecimento dos alunos, e sim nos utilizarmos de seu aprendizado, valorizando o campo<br />

de referência deles. Esse fator se pensado dessa maneira, instaura uma metodologia, e essa<br />

vem emergir e racionalizar ações com o conhecimento previamente aprendido pelos sujeitos.<br />

Sociedades humanas são diferentes<br />

Citando a pesquisa de Gordon sobre sistemas complexos autocoordenados, podemos<br />

entender melhor essa questão. Steven Johnson (2003), ao analisar a pesquisa de Deborah<br />

Gordon, relata que a autora estudou colônias de formigas que se auto-organizam e, assim,<br />

constituem um comportamento emergente coordenado, ou seja, uma forma de agir coletiva<br />

sem um líder para ditar ordens.<br />

Segundo a pesquisadora, a formiga-rainha não assume diante das outras formigas,<br />

um papel de autoridade, como se costuma pensar. Ela não comanda as ações das operárias.<br />

Ao contrário. “As colônias estudadas por Gordon mostram um dos mais impressionantes<br />

comportamentos descentralizados da natureza: inteligência, personalidade e aprendizado<br />

emergem de baixo para cima, bottom-up. (JOHNSON apud GORDON , 2003, p. 23).<br />

Segundo Steven Johnson, nenhuma das formigas é responsável pela “operação<br />

global”, elas se auto-organizam e conseguem um alto grau de coordenação. Esse exemplo<br />

das formigas são “comportamentos emergentes” em que as interações são colaterais e se<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Investigações metodológicas: aproximação entre design e tecnologia<br />

presta atenção nos “seus vizinhos mais próximos” em vez de ficar “esperando por ordens<br />

superiores”. As formigas agem localmente, mas a “[...] ação coletiva produz comportamento<br />

global”. (JOHNSON, 2003, p. 54).<br />

Há uma questão que deve ser levantada. As formigas podem ser comparadas com<br />

relação à ação coletiva que faz acontecer um comportamento global, mas é inegável que os<br />

seres humanos produzam cultura, e as formigas não, ou seja, o padrão biológico pode explicar<br />

parte do nosso tipo de sociabilidade e as formigas podem nos ajudar nesta compreensão,<br />

mas não abarcará os aspectos culturais e psíquicos do homem.<br />

O autor Paulo Freire tem uma frase que relata bem essa questão: “Ninguém educa<br />

ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo<br />

mundo.” Assim como os homens dotados de conhecimento e cultura, as formigas também<br />

de uma forma organizada aprendem não no sentido cultural, mas na vivência, umas com<br />

as outras, vivendo a coletividade assim como o homem. Essa teoria de Deborah Gordon se<br />

encaixa perfeitamente com as idéias de Paulo Freire (1997).<br />

Segundo Freire, entendemos, portanto, que o termo bottom-up citado por Steven<br />

Johnson, leva a incessante tarefa de trabalhar a coletividade, começando de baixo para<br />

cima. Isto é, a partir do conhecimento dos alunos, “que vem de baixo”, dos seus problemas,<br />

angústias ou desejos, aproveitando a fala e as informações do aprendiz podemos fazer a<br />

diferença e trazer para “cima” as questões a serem resolvidas.<br />

Para Steven Johnson, “[...] A cristalização de um fenômeno bottom-up que se mantém<br />

no tempo” é uma das principais “leis da emergência”. Um sistema emergente é capaz de<br />

socializar, ficando mais inteligente com o tempo e com o conhecimento isso possibilita a<br />

integração entre pessoas. A cidade é outro exemplo citado por ele, além da pesquisa de<br />

Deborah Gordon das formigas.<br />

Segundo ele: “[...] as pessoas se auto organizam em sua vivência na cidade, vivem em<br />

partes diferentes, portanto, trocam experiências, prestando atenção umas nas outras”. Assim<br />

segundo o autor, a cidade se torna “[...] mais esperta, mais útil para seus habitantes”. Ainda<br />

relata que, “[...] esse processo acontece sem que as pessoas percebam. “[...]. “E aqui, outra<br />

vez, a coisa mais extraordinária é que esse aprendizado emerge sem que ninguém tenha<br />

conhecimento dele.” ( JOHNSON, 2003, p. 79).<br />

Nesse sentido, o autor aponta a cidade como um formigueiro, como um fenômeno<br />

emergente que tem em seu interior praças, pessoas que interagem e possuem sempre um<br />

vizinho para se comunicar. Sendo assim, Johnson afirma que é um mundo de interconexões<br />

“[...] conduzindo à ordem global, componentes especializados, criando uma inteligência não<br />

especializada, comunidades de indivíduos solucionando problemas sem que nenhum deles<br />

saiba disto. (JOHNSON, 2003, p. 69).<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Investigações metodológicas: aproximação entre design e tecnologia<br />

Sintetizando com os pensadores<br />

Sistematizando o que falamos até aqui e todas essas práticas citadas recorremos<br />

novamente a David Cavallo, que afirma ser por meio da tecnologia, que o ensino permite que<br />

as pessoas se libertem do contexto específico, passando a representar seus conhecimentos<br />

de diferentes formas.<br />

Mais uma vez citamos Paulo Freire o qual reforça essa idéia, e destaca que o aprendizado<br />

deve repensar o já pensado. E ainda completando nosso raciocínio, temos os exemplos que<br />

Steven Johnson citando Deborah Gordon, quando indica que é por meio de experiências<br />

como o das formigas, que procuram a coletividade, que se torna possível alcançar objetivos.<br />

Partem da ação conjunta, em busca de seus interesses.<br />

Todos esses exemplos citados são de grande valia para a vida do homem. Provam que<br />

o trabalho em conjunto, pode facilitar ou melhorar questões sociais, políticas e econômicas do<br />

bairro ou cidade que vivemos. Por meio da internet, redes sociais também podem estabelecer<br />

conexões interativas de coletividade, entre vários estados e porque não falar no mundo,<br />

essa é uma forma de interação coletiva atualíssima. O trabalho coletivo só tem a acrescentar<br />

progressos individuais a qualquer objetivo que se queira alcançar.<br />

Nesse sentido, fazemos aqui uma analogia com as cidades e sua população, que<br />

estabelecem conexões. Isso nos faz refletir que tudo tem um início e uma metodologia. Todos<br />

esses exemplos, no momento da ação, não procuraram estabelecer relações, não existe um<br />

líder, mas sem perceber, indivíduos ou formigas se auto-organizam, partem do problema para<br />

resolver seus objetivos. É notado então, que em todos esses processos foi utilizado uma<br />

metodologia, e que a todos esses exemplos podemos dar o nome de <strong>Design</strong> Emergente.<br />

Essas formas de organização, como os das formigas citado como exemplo, vêm da<br />

coletividade sempre com um foco específico que nos faz lembrar ações ativistas. Os ativistas<br />

parecem ter sempre uma atividade em prol de uma causa política, cultural ou social. Eles se<br />

organizam por uma causa na qual acreditam e por ela lutam. O coletivo MetaReciclagem é<br />

um exemplo disso. É uma rede colaborativa que partilha informações e requer livre circulação.<br />

Seus participantes buscam conhecimentos livres, adaptados, transformados e reformulados,<br />

conforme suas descobertas e aspirações.<br />

Esses participantes, que podemos chamar de ativistas são pessoas de diferentes<br />

estados brasileiros que se comunicam e trocam suas experiências por meio de um site, onde<br />

postam seus conhecimentos tecnológicos de aproveitamento de peças computacionais,<br />

desenvolvimento de softwares, e outras conquistas tecnológicas, desenvolvendo então, uma<br />

nova experiência em suas vidas e em sua educação, pois trocam experiências e discutem<br />

questões diversas.<br />

Para entender melhor esse coletivo que surgiu com o nome MetaReciclagem, vejamos<br />

as informações coletadas por Tavares no site .oxossi.metareciclagem.org por meio de uma<br />

entrevista feita com Felipe Fonseca, um dos fundadores e ativistas comprometido com o<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Investigações metodológicas: aproximação entre design e tecnologia<br />

MetaReciclagem.<br />

“Eu usava internet, desde 95, 96 quando eu entrei na faculdade no Sul, mas<br />

era limitada, não tinha intimidade, nem paciência, gostava mais de pegar a<br />

chave de fenda e desmontar o computador, mas aí quando veio a banda<br />

larga eu comecei a explorar comunidades, fórum, lista de discussão coisas<br />

assim e de repente eu descobri um mundo totalmente diferente, comecei<br />

a descobrir pessoas com que eu podia conversar, comecei a me identificar<br />

com um grupo de pessoas que não necessariamente eram do meu cotidiano,<br />

experiência direta, muitas delas eu não conhecia, algumas delas eu acabei<br />

não conhecendo ao longo dos anos e tem muita gente com quem eu ainda<br />

converso e não conheço presencialmente, mas aquilo me deu uma visão do<br />

que poderia ser feito através da internet, como uma ferramenta para encontrar<br />

pessoas”. (FONSECA, F. apud TAVARES, Dissertação de Mestrado PUC/São<br />

Paulo, entrevista no SESC Paulista, 2007).<br />

Essa visão de encontrar pessoas, possibilidade de trocar experiências, conforme<br />

relato de Felipe Fonseca ainda em 1995 e 1996 permitiu, assim como para ele, à milhares de<br />

pessoas a se interconectarem e estabelecerem contato, como fazem até hoje. Na atualidade<br />

acontece um aumento na velocidade de conexões, um avanço na taxa de navegação na<br />

internet e blogs, como também, youtube, facebook, twitter e tantas outras formas inventadas<br />

de comércio ou não, no decorrer desses tempos. Mas sabemos que houve uma evolução das<br />

formas utilizadas, assim como Felipe Fonseca continua relatando sua experiência:<br />

“A partir de 99 começava uma movimentação interessante, começaram os<br />

blogs, apareceu “O Manifesto Cluetrain” 2 que foi meio que um tapa na cara<br />

falando que internet não é comércio, são pessoas falando com pessoas, que o<br />

hiperlink subverte a hierarquia e uma série de afirmações, todas elas mostrando<br />

ou dando sinais desse novo paradigma que eu acho que é a internet ser<br />

usada como ferramentas para juntar pessoas. De repente já tinha uma certa<br />

movimentação de pessoas interessadas na idéia de copy left e software livre<br />

que, como eu, não necessariamente eram programadores. Eu adorava a idéia<br />

de software livre, mas naquela época em 2000, 2001, 2002 as possibilidades<br />

ainda eram limitadas. Já tinha uma certa movimentação de blogs, eram poucos<br />

blogs no Brasil e fora que estavam preocupados nessa outra maneira de ver<br />

a produção de conhecimento” (FONSECA, F. apud TAVARES, Dissertação de<br />

Mestrado PUC/São Paulo, entrevista no SESC Paulista, 2007).<br />

Essa outra maneira de ver a produção de conhecimento que Fonseca revela, mostra<br />

a indignação do autor, em ver que pessoas também utilizavam a internet para comercializar<br />

e ganhar dinheiro e não estavam interessadas em trocar conhecimentos, experiências ou<br />

diálogos. Ele relatou sobre uma palestra que presenciou e o irritou profundamente, como<br />

ainda revela na mesma entrevista:<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 193


Investigações metodológicas: aproximação entre design e tecnologia<br />

“ [...]. e teve uma noite que eu fui junto com uma das pessoas que estava<br />

também nesse ciclo de blogs e listas de discussão que é o Hernani de<br />

Matos. Nós fomos a uma palestra sobre comunicação móvel patrocinada<br />

por essas operadoras de telefone celular e a palestra foi uma imbecilidade.<br />

Os caras ficaram mostrando e querendo provar que celulares, comunicação<br />

móvel era uma boa maneira de ganhar dinheiro. Não estavam nem um pouco<br />

preocupados e interessados nas questões da produção de conhecimento,<br />

de mobilização de pessoas conversando com pessoas e todas as questões<br />

referentes aos aspectos mais coletivos e mais colaborativos da rede que nós<br />

estávamos tentando começar a entender. Então, saímos daquela palestra<br />

totalmente frustrados com o que seria do futuro de tecnologia móvel no<br />

Brasil e um pouco dessa frustração resultou no desejo de fazer, de ter uma<br />

série de discussões de ter um espaço, de ter um ambiente para conversar<br />

sobre outras possibilidades da tecnologia com quem quisesse entrar e aí no<br />

dia seguinte a gente criou uma lista de discussão com o nome de Projeto<br />

Metáfora. (FONSECA, F. apud TAVARES, Dissertação de Mestrado PUC/São<br />

Paulo, entrevista no SESC Paulista, 2007).<br />

Exemplificando para melhor entendimento<br />

Essa rede criada com o nome Projeto Metáfora que Felipe Fonseca comenta, veio<br />

de uma série de discussões que previa a possibilidade de inserir uma rede sem fio com<br />

placas wireless feita com máquinas recicladas, que permitisse aos usuários trabalhar de forma<br />

interligada, ou seja, numa rede em que uma poderia acessar a outra.<br />

Foi desta série de discussões que surgiu outras idéias, como a de montar uma<br />

ONG para distribuir computadores, ensinar tecnologia aberta à sociedade e fomentar um<br />

debate sobre conhecimentos livres. Essas idéias surgiram, mas a ONG nunca chegou a se<br />

concretizar, pois o grupo que formava o Metáfora, ou seja, pessoas que trocavam idéias pela<br />

internet, discutiam também outros temas, como batalhar doações de computadores usados<br />

e cada pessoa lutaria em busca de doações em sua cidade, montando uma lista de contatos<br />

para futuro uso, quando o projeto estivesse mais estruturado.<br />

Resolveram assim com o passar do tempo, a não criar uma ONG, afinal, tudo teria<br />

que acontecer a partir das experiências e atitudes de cada um. Desta forma foram criando<br />

metodologias aplicáveis coletivas, com trocas de experiências por meio de uma rede organizada<br />

chamada MetaReciclagem, que podemos encontrar no site http://rede.metareciclagem.org/.<br />

As atitudes desse grupo e de outros, que da mesma forma se organizam e trocam<br />

experiências, são além de ativistas, emergentes e também, estão voltadas à dinâmica de<br />

inclusão digital.<br />

Os discursos levantados pelo Metáfora, como a distribuição de computadores, mostra<br />

a vertente para um projeto direcionado à inclusão de pessoas, ou seja, de sustentabilidade.<br />

Este coletivo organizou-se desta forma, se consolidando como MetaReciclagem, mas existem<br />

outras formas de grupos que se organizam, embora sempre com uma metodologia vigente, e<br />

<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Investigações metodológicas: aproximação entre design e tecnologia<br />

damos como exemplo o Atelier Lab, de Etiene Delacroix que, segundo Bastos (2009),<br />

“Partindo de uma visão ampla da passagem de um paradigma redutivo, que foi<br />

típico da modernidade, para um paradigma generativo, típico do contemporâneo,<br />

Delacroix coleta resultados de uma prática itinerante, na forma de laboratórios<br />

artesanais criados com equipamentos de segunda mão. Ele recria estes<br />

componentes geralmente tidos como inúteis, em oficinas onde também ensina<br />

aos participantes os fundamentos de seu funcionamento. O trabalho de Delacroix<br />

lida com as figuras mínimas de linguagem digital, dissolvendo a distancia entre<br />

hardware e software, em abordagem que desafia os estereótipos mais simplistas<br />

sobre as formas de difusão do conhecimento na era da tecnologia”. (BASTOS,<br />

2009, p. 29)<br />

O Professor Etienne Delacroix, físico e pesquisador belga, desenvolve ações<br />

pedagógicas inovadoras com recursos computacionais, visando apropriação criativa por<br />

crianças e adolescentes, por meio de dejetos computacionais, desmistificando a linguagem<br />

eletrônica. Bastos relata que práticas desse tipo tornaram-se comuns. Ele cita, Rob Van<br />

Kranemburg, em The Internet of Things no qual descreve: “[...] o termo Bricolab foi cunhado<br />

pelo coletivo estilingue como parte de uma idéia de MetaReciclagem, sendo implementada no<br />

Brasil, com o nome Bricolabs. Este termo vem descrever uma narrativa colaborativa que pode<br />

ser escrita por muitas vozes, a minha sendo uma apenas”.<br />

Segundo Bastos, “[...] são experiências que serviram, como inspiração para a<br />

política de criação de pontos de cultura do governo brasileiro, tornando-se parte<br />

da equação uma demanda quantitativa que se descontextualiza dos debates<br />

propostos originalmente em recomendações como o Atelier Lab ou Bricolabs.<br />

(BASTOS, 2009, p. 29).<br />

Ações como essas de ativismo, inclusão e sustentabilidade trabalhadas e criadas<br />

por coletivos, são tipos de metodologias voltadas a uma forma de design emergente de<br />

reapropriação tecnológica para transformação social. Como afirmam os autores Bronac Ferran<br />

e Felipe Fonseca no site Desvio, o Brasil criou pontos de cultura quando implantou, na época<br />

do ministro Gilberto Gil, entre 2003 a 2007 um programa chamado Cultura Digital.<br />

O programa chamou atenção internacional é o que veremos a seguir com os autores<br />

Ferran e Fonseca, no site Desvio. Disponível em: weblab.tk/pub/mapeamento.br<br />

“ [...] foi uma iniciativa engajada em movimentos sociais e culturais dentro do<br />

país, entre eles a aliança de ativistas de software livre e de código aberto e<br />

hackers com um ministro e sua equipe que estavam engajados não apenas<br />

com a retórica, mas também com a realidade da abertura de recursos de mídias<br />

digitais para jovens do Brasil desenvolveram protagonismo, independência e<br />

autonomia. “[...]” A transformação começa quando crianças nas comunidades<br />

reconhecem os dispositivos de tecnologias digitais como ferramentas de<br />

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Investigações metodológicas: aproximação entre design e tecnologia<br />

performance cultural, como fonte de referências diversas, como plataformas<br />

para criação estética e ressimbolização de suas experiências. Em outras<br />

palavras, a transformação social inicia quando elas entendem o ciberespaço<br />

como um território delas próprias, quando entendem o upload antes mesmo<br />

de ouvir sobre download, quando começam a publicar. Este é o momento<br />

exato em que o empoderamento acontece. Pura magia!” . (Disponível em:<br />

desvio.weblab.tk/pub/mapeamentobr – dom, 14/06/2009 - 18:17 - acesso<br />

06/06/2006.<br />

Reciclagem, uma junção de vantagens.<br />

A idéia de recuperar computadores de segunda mão, nos trás várias terminologias<br />

com a mesma finalidade como: a reciclagem, MetaReciclagem, Bricolab ou qualquer outra<br />

denominação que surja nos remete, além de uma questão educacional inclusiva, a uma<br />

consciência ecológica. Os computadores, no seu reuso por práticas e métodos como aqui<br />

citados, evita que peças de computadores sejam jogadas no lixo e impede que aconteça uma<br />

série de complicações ambientais. Essas novas máquinas feitas de sucata tecnológica ficam à<br />

margem do mundo dos negócios, como é o caso da MetaReciclagem, por exemplo. Segundo<br />

Tavares, a indústria provoca essa sobra de equipamentos com a grande produção de modelos<br />

novos, tornando os usados em baixo ou nenhum custo.<br />

“[...] por conta da falsa obsolescência incentivada pela indústria, e que,<br />

conseqüentemente, possui valor comercial baixo ou praticamente nulo. Com a<br />

sucata, novos computadores são construídos, as máquinas passam a pertencer<br />

àqueles que as reciclaram (e não mais “ao projeto”), permitindo abrir os<br />

computadores, examinar minúcias, construir conhecimento a partir dos meios<br />

de evolução da tecnologia”. Como meio de operar essas máquinas e permitir<br />

também o efetivo domínio da tecnologia do software, é utilizado o software livre,<br />

que também permite a adaptação de códigos e uma distribuição legalizada dos<br />

computadores e dos sistemas utilizados. (TAVARES, 2007, p.12).<br />

Segundo os autores William McDonough e Michael Braungart ao citar Bastos, 2007,<br />

reciclar apenas dejetos não é suficiente, é necessário remodelar o conjunto de metodologias<br />

em voga, para que se alcancem soluções nas quais haja total aproveitamento dos materiais,<br />

ou seja, dessa forma não haverá dejetos. Nesse sentido, a reciclagem deve passar por um<br />

novo paradigma, “[...] um ciclo virtuoso de reaproveitamento<br />

A Reciclagem recebe também outro adjetivo, ganha mais uma terminologia, a<br />

“Gambiarra”, que Ricardo Rosas, (2001) cita Meggs. Philip, e Purvis, Alston,<br />

diz ser utilizada por artistas e ativistas por meio de alterações, modificações,<br />

recriações de máquinas para novos usos. Porém, o que existe até o momento<br />

não trás nenhuma novidade, pois a metodologia de reciclagem já era utilizada,<br />

desde longa data, por artistas e ativistas que tinham sua mente povoada de<br />

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imaginação. Sua interpretação sobre gambiarra fica clara na citação a seguir:<br />

em que não há restos ou sobras”. “[...] A gambiarra, é sem dúvida uma<br />

política.” (BASTOS, M. 2007 p. 6 ).<br />

Tal política pode se dar não apenas enquanto ativismo (ou ferramenta de suporte para<br />

ele) mas porque a própria prática da gambiarra implica uma ação política. E, consciente ou<br />

não, em muitos momentos a gambiarra pode negar uma lógica produtiva capitalista, sanar uma<br />

falta, uma deficiência, uma precariedade, reinventar a produção, utopicamente vislumbrar um<br />

novo mundo, uma revolução, ou simplesmente tentar curar certas feridas abertas no sistema,<br />

trazer conforto ou voz a quem são negados. A gambiarra é ela mesma uma voz, um grito<br />

de liberdade, de protesto ou, simplesmente, de existência, de afirmação de uma criatividade<br />

inata”. (ROSAS, apud MEGGS e ALSTON, 2001, p. 47).<br />

<strong>Tecnologia</strong> e arte podem se unir<br />

Compreendemos que a gambiarra também surge de aproveitamento de materiais que<br />

pode ser utilizado como forma de arte pela reciclagem de produtos obsoletos. Essa pode ser<br />

uma boa solução ecológica até que não seja implantado outras formas de reaproveitamento da<br />

matéria prima. Ribeiro (2009) descreve a idéia dos autores McDonough e Braungart, quando<br />

afirmam que se por parte da indústria tivesse outra visão na hora da concepção do produto,<br />

talvez não houvesse tanta obsolescência e problemas ambientais.<br />

“A minimização de impactos pode passar pela adoção da visão, “Berço ao<br />

Berço” (em Cradle to cradle), que tem como base, a idéia de que resíduos<br />

de um determinado produto possam ser as matérias primas deste mesmo<br />

produto ou de outro, ou seja, a aplicação de um bom design não só na parte<br />

da concepção do desenho mas também na escolha de materiais permitindo<br />

que o produto se recicle (os seus materiais e componentes) não existindo um<br />

tumulto de materiais”. (MACDONOUGHM e BRAUNGART, 2009, p.19 apud<br />

RIBEIRO, 2002).<br />

Quem sabe um projeto de design bem elaborado no momento da fabricação do produto,<br />

ainda na indústria, poderia ser a solução. Uma reflexão mais apurada dos meios responsáveis<br />

poderia criar a possibilidade de uma nova cultura de mudança quando da concepção do<br />

produto, como também, levar a entender de onde e como surgiu a necessidade de criar ações<br />

de reciclagem com lixo computacional, desenvolvendo com isso, um percurso histórico.<br />

Percebemos que a realidade que se apresenta hoje é uma grande quantidade de lixo<br />

computacional no mercado e o contato com o computador coloca a arte como um valor<br />

metodológico aplicado em coletivos, como afirma Hernani Dimantas.<br />

“A arte tem um valor didático. Explorar o computador não é apenas uma relação<br />

de dedos e teclados. Explorar o computador é um processo de destruir e<br />

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aglutinar. Filosofia e tecnologia se juntam para desvendar o mistério do mundo.<br />

Vamos pensar na inteligência coletiva, ou na catalização do conhecimento<br />

através da colaboração entre pessoas. Pensar na inteligência coletiva é se<br />

colocar para fora do ser. Pensar na máquina é levar o conhecimento para fora<br />

da caixa cinza. Nas redes oferecemos múltiplas experiências”. (DIMANTAS, H.<br />

2009, p.06).<br />

Essa pode vir a ser uma saída para resolver a sobra de lixo computacional, caso um<br />

dia seja implantada a idéia desses autores que acreditam que existem alternativas mais<br />

eficientes do que a reciclagem. Eles sustentam que a reciclagem está atrelada a um ciclo de<br />

industrialização problemática, na medida em que estimula a obsolescência, e defendem que<br />

é preciso pensar outras maneiras de industrialização mudando, desta forma, o funcionamento<br />

e a mentalidade da empresa.<br />

Portanto, podemos pensar a reciclagem ou qualquer outra terminologia usada para a<br />

mesma finalidade, como fator educativo, para isso é necessário a inclusão digital nas escolas,<br />

formando alunos com possibilidades de ver o mundo com outros olhos. A Fundação Intel<br />

investiu, entre 1989 e 2002, US$ 700 milhões em educação por meio de suas subsidiárias,<br />

inclusive no Brasil. Conforme o artigo “Giz”, caderno e Multimidia, da Revista Inclusão<br />

Digital editado pela São Paulo Plano de Negócios, existe no Brasil a Fundação para o Futuro,<br />

patrocinada pela Clubhouse.<br />

Ela apresenta uma iniciativa que proporciona a jovens de comunidades carentes,<br />

acesso a equipamento de alta tecnologia, software profissional e monitores adultos para<br />

ajudá-los a desenvolverem a autoconfiança, as habilidades e o entusiasmo pelo aprendizado,<br />

necessários para gerar novas oportunidades e novos futuros. Atualmente, existem mais de 60<br />

Intel Computer Clubhouses em 10 países, sendo que no Brasil as duas unidades do programa<br />

encontram-se no Estado de São Paulo.<br />

Nesse sentido, percebemos a preocupação dos autores dos textos encontrados no<br />

livro “Inclusão Digital”, é de ajudarem aos professores a inserirem em seus planos de aula o<br />

aprendizado da informática, para que os aprendizes possam mais tarde, chegar ao mercado<br />

de trabalho mais preparados, e qualificados como nos mostra na citação a seguir,<br />

“[...] O objetivo é ajudar os educadores a incorporarem as ferramentas e<br />

os recursos tecnológicos em seus planos de aula “[...] ,“[...] o projeto não<br />

é um curso de informática, nem de tecnologia, mas uma metodologia de<br />

ensino. O professor tem o conhecimento básico da informática, que se<br />

soma ao conhecimento específico de sua disciplina e da sua didática.<br />

A idéia é juntar esses dois componentes para desenvolver atividades<br />

pedagógicas”. (Com a palavra a sociedade. Inclusão Digital. São Paulo<br />

Plano de negócios, 2003 s/p).<br />

Todos esses processos coletivos de design emergente citados, objetivam a geração de<br />

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renda e a inclusão digital por meio de autonomia tecnológica. Essas redes colaborativas, com ações<br />

baseadas em princípios da reciclagem e do software livre, abrem canais de geração de trabalho<br />

e renda com base nos produtos desse processo, possibilitando obter não apenas o acesso à<br />

tecnologia, à educação, mas à sua efetiva apropriação como meio de desenvolvimento e criação.<br />

Considerações finais.<br />

O artigo aponta para uma conclusão de que o potencial de aprendizagem desenvolvido<br />

por meio do <strong>Design</strong> emergente enquanto método de intervenção educacional obtém não<br />

apenas o acesso à tecnologia, mas proporciona ações coletivas de aprendizagem, estabelece<br />

interações a serem construídas entre os pares, desenvolve apropriação por meio criativo.<br />

Notas<br />

i DRUCKER, Peter Ferdinani. A sociedade pós-capitalista. Tradução de Jr. MONTINGELLI. 21ª.<br />

Editora Cortez São Paulo. 2000.<br />

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