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Jornal do Vestibulando

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1435<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>do</strong> Vestibulan<strong>do</strong><br />

ENSINO,<br />

INFORMAÇÃO<br />

E CULTURA<br />

E 14/06 A 27/06<br />

ENTREVISTA<br />

Um sonho que começou aos 15 anos e que foi realiza<strong>do</strong> aos 30: estudar<br />

Medicina na Universidade de São Paulo.<br />

Resumo de uma história interessante<br />

Ricar<strong>do</strong> Augusto de Deus Faciroli<br />

Em 2011 – Etapa<br />

Em 2012 – Medicina – USP/Ribeirão Preto<br />

Ricar<strong>do</strong> Faciroli começa a pensar em Medicina aos 15 anos. Cursa a Etec de Mogi das Cruzes e forma-se em 2000.<br />

Ainda longe <strong>do</strong> sonho, em 2006, preocupa<strong>do</strong> em reunir recursos para seguir um curso de Medicina, entra em Sistemas<br />

de Informação, que termina em 2009.<br />

Traça então um plano: fazer cursinho no Etapa, à noite, para entrar em Medicina. Ricar<strong>do</strong> contava fazer três anos<br />

de cursinho. O primeiro ano, de revisão e aquisição de conteú<strong>do</strong>. O segun<strong>do</strong>, para chegar à 2ª fase da Fuvest. O<br />

terceiro e último ano de cursinho, para ser aprova<strong>do</strong> em Medicina. Ele começa o plano em 2010, ano que termina<br />

o cursinho no Etapa noite, sem prestar nenhum vestibular. Faz seu segun<strong>do</strong> ano de cursinho em 2011, também<br />

à noite. Para checar como está, em junho, presta vestibular na Universidade Federal <strong>do</strong> Triângulo Mineiro. Fica<br />

perto <strong>do</strong> milésimo lugar (8 mil candidatos) e intensifica os estu<strong>do</strong>s no cursinho. No fim de 2011, presta vestibular<br />

e seu plano “falha”. Afinal ele entra, sem precisar <strong>do</strong> terceiro ano de cursinho, na Medicina da USP de Ribeirão<br />

Preto, onde está em 2012. Durante a presente entrevista – em junho – este batalha<strong>do</strong>r resume assim sua história:<br />

“Hoje consigo dizer que minha profissão é estudante. Tenho orgulho de falar isso. Fico emociona<strong>do</strong> só de falar”.<br />

JV – Desde quan<strong>do</strong> você pensa em ser médico?<br />

Ricar<strong>do</strong> – Planejo há 15 anos fazer Medicina. Quan<strong>do</strong><br />

eu estava com 15 anos de idade, minha avó teve<br />

Alzheimer e nós, a família, ficamos cuidan<strong>do</strong> dela.<br />

Naquela época eu já gostava de cuidar de pessoas.<br />

Eu tinha prazer em dar conforto a ela. Foi aí que veio<br />

o estalo: "Eu preciso conseguir fazer Medicina".<br />

Você está com 30 anos. Por que demorou a prestar<br />

vestibular para Medicina?<br />

Eu terminei a Etec em Mogi das Cruzes no ano 2000<br />

e fiquei trabalhan<strong>do</strong>. Como eu precisava de uma graduação<br />

melhor para minhas atividades, resolvi fazer<br />

uma primeira faculdade, que foi Sistemas de Informação<br />

da USP Leste. Entrei em 2006 e concluí em<br />

2009, como analista de sistemas.<br />

Por que, em vez de tentar Medicina direto, que é<br />

o que queria, você fez outro curso?<br />

Eu não poderia me sustentar durante o curso de Medicina,<br />

que é em perío<strong>do</strong> integral. Eu precisava juntar<br />

dinheiro para isso. Vir para São Paulo e conseguir um<br />

emprego melhor <strong>do</strong> que em minha cidade foi uma<br />

parte <strong>do</strong> processo para tentar fazer Medicina. Meu<br />

plano era trabalhar e guardar o dinheiro necessário<br />

para me manter durante o curso. Na hora em que<br />

consegui uma certa estabilidade, defini que ia fazer<br />

o cursinho Etapa durante três anos, para me preparar.<br />

Minha colação de grau foi numa quinta-feira e na<br />

segunda-feira comecei aqui. O plano era fazer o cursinho<br />

no primeiro ano para lembrar. No segun<strong>do</strong> ano<br />

eu só queria passar para a 2ª fase da Unicamp e da<br />

Fuvest. Ainda achava que teria de estudar mais um<br />

ano para conseguir entrar em Medicina. Em 2010, fiz<br />

o Etapa à noite e não prestei nenhum vestibular. Vinha<br />

aqui, assistia às aulas, planejava o futuro. Estava<br />

absorven<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>.<br />

O que motivou você a vir estudar no Etapa?<br />

Meu cunha<strong>do</strong> foi minha referência. Ele tem a minha<br />

idade, está no 6º ano na Pinheiros e estu<strong>do</strong>u aqui. Antes<br />

ele fez Poli, sempre se preparan<strong>do</strong> no Etapa. Ele e<br />

minha irmã, que acabou no ano passa<strong>do</strong>, em dezembro,<br />

a Residência em Ginecologia e Obstetrícia no HC<br />

[Hospital das Clínicas], me incentivaram muito a prestar<br />

Medicina. Uma motivação deles que eu sempre<br />

escutava era: "Você leva jeito para a coisa. Pode fazer<br />

Medicina tranquilo que você está no caminho certo".<br />

Em seu segun<strong>do</strong> ano no cursinho, você foi aprova<strong>do</strong><br />

em que vestibulares?<br />

Fui aprova<strong>do</strong> na Fuvest, para a Medicina USP Ribeirão<br />

Preto, e fui seleciona<strong>do</strong> pela Faculdade de Medicina da<br />

Furg [Fundação Universidade Federal <strong>do</strong> Rio Grande].<br />

No ano passa<strong>do</strong>, como era sua rotina diária?<br />

Eu acordava entre 6 e 6 e meia da manhã, entrava no<br />

serviço às 7 horas. No primeiro semestre eu trabalhava<br />

das 7 às 18 horas. No segun<strong>do</strong> semestre eu trabalhava<br />

até as 14 horas, vinha para o cursinho e fazia<br />

exercícios na Sala de Estu<strong>do</strong>s até o início das aulas.<br />

Ao chegar em casa dava uma olhada na matéria <strong>do</strong><br />

dia. Ia <strong>do</strong>rmir lá pelas 2 e meia, 3 da madrugada.<br />

Consegui manter esse ritmo em agosto e setembro.<br />

Mas isso me cansou bastante e, depois, tive de parar.<br />

Como era seu fim de semana?<br />

No fim de semana eu estudava muito mesmo. Começava<br />

com o RPM, no sába<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> não tinha simula<strong>do</strong><br />

ia para casa e estudava até 10, 11 horas da noite.<br />

No <strong>do</strong>mingo, acordava entre 7 e 8 horas e estudava o<br />

dia to<strong>do</strong>, até umas 6, 7 da noite. Devi<strong>do</strong> à minha fraqueza,<br />

minha meta era fazer to<strong>do</strong>s os exercícios.<br />

Nos simula<strong>do</strong>s, quais eram seus resulta<strong>do</strong>s?<br />

No começo, quan<strong>do</strong> você está com a matéria mais<br />

fácil, suas notas são sempre top. Tirei vários A. Conforme<br />

foi aumentan<strong>do</strong> a complexidade das matérias,<br />

já perto das férias, minha nota caiu para B. Comecei<br />

o segun<strong>do</strong> semestre com <strong>do</strong>is B e o resto C mais. Em<br />

setembro passei a achar que não ia dar, parecia que<br />

estava voltan<strong>do</strong> para o mesmo patamar <strong>do</strong> ano anterior.<br />

Nessa hora comecei a me esforçar mais, não para<br />

subir, mas para manter o C mais. Sabia que se continuasse<br />

no C mais podia pelo menos conseguir ir para a<br />

2ª fase. Nos simula<strong>do</strong>s conseguia estar muito perto da<br />

nota de corte. Mas não perdia a motivação com nota<br />

no simula<strong>do</strong>. Era uma amostra <strong>do</strong> que estava fazen<strong>do</strong>.<br />

ENTREVISTA<br />

Ricar<strong>do</strong> Augusto de Deus Faciroli 1<br />

CONTO<br />

In extremis – Artur Azeve<strong>do</strong> 3<br />

ARTIGO<br />

Pesquisa abre caminho para estu<strong>do</strong>s<br />

genéticos da cana-de-açúcar 4<br />

O papel <strong>do</strong> imigrante na evolução <strong>do</strong><br />

Brasil 5<br />

SERVIÇO DE VESTIBULAR<br />

Inscrições 8<br />

PARA TREINAR SEU INGLÊS<br />

Mack 8<br />

ENTRE PARÊNTESIS<br />

Do baile 4<br />

SOBRE AS PALAVRAS<br />

Cair no conto <strong>do</strong> vigário 8


2<br />

ENTREVISTA<br />

Do meio para o fim <strong>do</strong> ano você se sentiu mais<br />

seguro?<br />

Um ponto importante, que me levou a aumentar<br />

muito mais o ritmo de estu<strong>do</strong>s, foi ter presta<strong>do</strong> no<br />

meio <strong>do</strong> ano o vestibular da Universidade Federal<br />

<strong>do</strong> Triângulo Mineiro. Se não me engano, tinha<br />

oito mil inscritos e eu fiquei em posição acima de<br />

mil. Faltava superar mil pessoas para chegar a uma<br />

vaga. Mas, mesmo aumentan<strong>do</strong> o ritmo de estu<strong>do</strong>s,<br />

minhas notas no simula<strong>do</strong> deram uma caída.<br />

No cursinho, quais foram suas maiores dificuldades<br />

em termos de matéria?<br />

A parte em que eu tenho dificuldade mesmo é Português<br />

e Redação. Sou muito prolixo ao pôr ideias<br />

no papel e isso me deixava com uma certa vergonha<br />

de escrever. Para começar uma redação mandava<br />

o homem até a Lua e depois começava. A falta de<br />

foco era a deficiência mais gritante. E tinha uma dependência<br />

de tempo muito grande. Tive de treinar<br />

redação com o tempo na cabeça, para não estourar<br />

o limite da prova. E eu não trazia os meus textos para<br />

corrigir porque tinha receio de ser muito critica<strong>do</strong>.<br />

Você fazia redação com frequência?<br />

Uma vez por mês, às vezes de 15 em 15 dias. Quan<strong>do</strong><br />

o professor sugeria um tema importante, eu<br />

fazia uma redação. Mesmo que aqui no Etapa chegasse<br />

a tirar E, na Unicamp [com 3 redações] passei<br />

para a 2ª fase e foi uma vitória.<br />

Você leu os livros indica<strong>do</strong>s pela Fuvest e<br />

Unicamp?<br />

A Antologia poética de Vinicius de Moraes foi um livro<br />

que passei por cima. Outra obra que não terminei<br />

de ler foi A cidade e as serras, de Eça de Queirós.<br />

É uma história lenta, quan<strong>do</strong> deixava para ler à noite<br />

acabava <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>. Os outros, li to<strong>do</strong>s. Também<br />

li os resumos e fiz os exercícios <strong>do</strong>s resumos.<br />

Você assistiu às palestras sobre os livros?<br />

Sim, e prestava muita atenção nas palestras. Gostei<br />

muito delas.<br />

No vestibular, como você se saiu nessa parte?<br />

Foi tranquilo. Deu para ir bem.<br />

Trabalhan<strong>do</strong> e estudan<strong>do</strong>, você tinha alguma<br />

atividade para relaxar?<br />

Basicamente, no <strong>do</strong>mingo à noite, eu ia jantar com<br />

minha irmã e meu cunha<strong>do</strong>. Eu gosto muito de<br />

conversar e nossos assuntos principais eram cursinho<br />

e Medicina. Minha válvula de escape era sair<br />

com eles, to<strong>do</strong> fim de semana.<br />

Na Fuvest, quantos pontos você fez na 1ª fase?<br />

Com bônus de escola pública fui para 76. A nota de<br />

corte foi 73. Sem o bônus não teria entra<strong>do</strong>.<br />

Para a 2ª fase mu<strong>do</strong>u alguma coisa no seu méto<strong>do</strong><br />

de estu<strong>do</strong>?<br />

Sim, passei a dar foco na resolução de provas antigas<br />

da Fuvest. Inclusive escreven<strong>do</strong> os seus temas<br />

de Redação. Estudei muito, muito mesmo. Procurei<br />

fazer o máximo possível de exercícios. Fiz to<strong>do</strong>s os<br />

exercícios indica<strong>do</strong>s pelos professores.<br />

Na 2ª fase, quais foram suas notas?<br />

No primeiro dia, minha nota foi 53,75. Na Redação,<br />

tive aproveitamento de 55%. No segun<strong>do</strong> dia,<br />

70,31. E no terceiro dia, 75.<br />

Na escala de zero a 1 000, qual foi sua pontuação?<br />

749,8.<br />

Classificação na carreira?<br />

53º lugar [ele ficou à frente de praticamente metade<br />

<strong>do</strong>s aprova<strong>do</strong>s de Ribeirão Preto, com nota que<br />

poderia aprovar na Pinheiros].<br />

No Enem, pelo qual você se matriculou na Furg<br />

em primeira chamada, qual foi a pontuação?<br />

Na redação, 820. Nos testes, 160 acertos.<br />

Como você ficou saben<strong>do</strong> de sua aprovação na<br />

Fuvest?<br />

Vim para o Etapa para dar a cara a bater. Vim como<br />

estava acostuma<strong>do</strong>, sain<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho direto para<br />

o cursinho. Olhei a lista e não acreditei. Não lembro<br />

<strong>do</strong> que falei na hora. Tremia bastante. Já estava to<strong>do</strong><br />

pinta<strong>do</strong>, comemoran<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> recebi uma mensagem<br />

no celular: "Parabéns, Ricar<strong>do</strong>, você passou na<br />

Santa Casa". "Como Santa Casa?" Fui ao banheiro,<br />

lavei o rosto, segurei o choro e fui embora achan<strong>do</strong><br />

que tinha passa<strong>do</strong> na Santa Casa, o que não era uma<br />

coisa ruim, mas eu não teria dinheiro para fazer. Será<br />

que eu tinha feito a inscrição errada? Quan<strong>do</strong> olhei a<br />

lista de novo, vi que era Ribeirão Preto.<br />

Por que você escolheu estudar em Ribeirão Preto?<br />

Minha irmã amou o curso na Pinheiros e pôs objeção<br />

a que eu fizesse uma faculdade que não fosse<br />

top. À Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto ela<br />

não pôs objeção nenhuma. Tenho muito contato<br />

com os colegas da minha irmã e de meu cunha<strong>do</strong><br />

e eles falaram que a qualidade lá é como a daqui.<br />

O HC é um hospital referência na região. Fui atrás<br />

disso, <strong>do</strong> HC de Ribeirão e da qualidade de vida<br />

da cidade. A estrutura da faculdade é idêntica e o<br />

nível da faculdade é o mesmo.<br />

Você já conhecia a faculdade?<br />

Conheci no dia da matrícula. O campus é lin<strong>do</strong>. O HC<br />

está dentro <strong>do</strong> campus. O curso é dividi<strong>do</strong> em ciclo básico,<br />

que são os três primeiros anos, e o ciclo médico,<br />

<strong>do</strong> 4º ao 6º ano. Você começa a ter a vivência de HC<br />

e eu logo me identifiquei com um grupo que tem lá,<br />

chama<strong>do</strong> Feliz Idade, que passa em visita aos leitos, to<strong>do</strong>s<br />

vesti<strong>do</strong>s de palhaço. Fui participar das visitas que<br />

eles fazem. E nós temos uma matéria, ASC, Atenção<br />

à Saúde da Comunidade, que nos permite conhecer a<br />

rede hospitalar de Ribeirão Preto. Na cidade tem muito<br />

postos de saúde, UBS [Unidade Básica de Saúde].<br />

Que matérias você teve no primeiro semestre?<br />

Nós começamos com Biologia Celular, Bioquímica,<br />

Genética Humana, Anatomia Geral e <strong>do</strong> Aparelho Locomotor,<br />

Atenção à Saúde da Comunidade, Bioética<br />

e Formação Humanística e BCMTD – Biologia Celular,<br />

Molecular e Tecidual e <strong>do</strong> Desenvolvimento. Esta<br />

tem a maior carga horária <strong>do</strong> curso. Nós começamos<br />

o curso com Biologia Celular. Acabou Biologia Celular,<br />

começamos Biologia Molecular. Agora estamos<br />

ten<strong>do</strong> Histologia. As matérias são por ciclos.<br />

Qual é a matéria mais pesada, mais complicada?<br />

Essa mesmo. Você vai estudar bastante BCMTD. É<br />

a matéria crítica. Anatomia também. Anatomia <strong>do</strong><br />

Aparelho Locomotor é uma matéria de decorar, o<br />

que é um pouco complica<strong>do</strong>. Eu tinha me<strong>do</strong> de não<br />

acompanhar o curso, mas minhas notas estão entre<br />

6 e 7. O que conta na Medicina é o esforço e o quanto<br />

você tem de paixão pelo que está estudan<strong>do</strong>.<br />

Do que você está gostan<strong>do</strong> mais até agora na<br />

faculdade?<br />

Estou gostan<strong>do</strong> mais <strong>do</strong> desafio. Nunca tenho um<br />

dia igual ao outro. Em Ribeirão Preto, primeiro me<br />

apaixonei pelo campus, muito bonito mesmo. Lá<br />

estou conseguin<strong>do</strong> fazer mais coisas. Tenho aulas<br />

das 8 da manhã ao meio-dia, depois das 2 às 6 da<br />

tarde. Mas parece que meu dia tem mais tempo.<br />

Comecei a praticar esporte, consigo treinar beisebol<br />

na hora <strong>do</strong> almoço e no fim de semana. Sou<br />

monitor no cursinho comunitário da Medicina, <strong>do</strong>u<br />

monitoria em Exatas toda sexta-feira. Já fui numa<br />

extensão universitária, um projeto dentro da faculdade<br />

que reúne outros cursos. Estou in<strong>do</strong> com<br />

o pessoal <strong>do</strong> Direito a uma comunidade chamada<br />

Parque Ribeirão. Passamos a tarde em uma escola,<br />

tem uns que vão jogar bola, outros que dão reforço<br />

escolar. O pessoal em Ribeirão é muito festeiro,<br />

tem muita festa, mas só vou quan<strong>do</strong> dizem que a<br />

festa é para os calouros. Hoje minha cabeça está<br />

focada em estu<strong>do</strong>.<br />

Como vivem os calouros de Medicina em Ribeirão<br />

Preto, muitos deles de outras cidades, como<br />

você?<br />

O curso é um orgulho para a cidade, tem muita tradição.<br />

Até o dia 13 de maio nós usamos uma boina<br />

amarela. É uma brincadeira <strong>do</strong>s veteranos com os<br />

calouros e é um símbolo da faculdade. A cidade de<br />

Ribeirão Preto reconhece os estudantes de Medicina<br />

pela boina amarela. Não podemos tirá-la. Na rua<br />

as senhoras falam: "Parabéns, está fazen<strong>do</strong> Medicina".<br />

Antigamente, andar com a boina era arranjar<br />

casamento. Os pais punham as filhas nas janelas<br />

para esperar os rapazes de boina.<br />

Qual área você gostaria de seguir na Medicina?<br />

Eu tenho inclinação para a área de Geriatria. Gosto<br />

de Pediatria também.<br />

Como fica marca<strong>do</strong> o ano passa<strong>do</strong> para você?<br />

Ser aprova<strong>do</strong> no vestibular foi uma grande surpresa,<br />

uma surpresa excelente. Foi um ano de planejamento,<br />

de um esforço que acabou muito bem<br />

compensa<strong>do</strong>. Foi um ano de vitória. Estou feliz.<br />

Hoje consigo dizer que minha profissão é estudante.<br />

Tenho orgulho de falar isso. Fico emociona<strong>do</strong> só<br />

de falar.<br />

Você acha que está diferente de quan<strong>do</strong> começou<br />

o cursinho?<br />

Antes <strong>do</strong> cursinho eu tinha menos confiança na minha<br />

capacidade intelectual. Tinha receio de entrar<br />

na Medicina e não conseguir acompanhar. Hoje estou<br />

mais seguro para acreditar em mim.<br />

O que você diria a quem prestou Medicina, não<br />

passou e está aqui novamente?<br />

Na minha sala tem uma pessoa que prestou cinco<br />

anos, entrou e está superfeliz. Todas as pessoas têm<br />

o seu tempo. O meu veio aos 30 anos. Hoje não<br />

existe a palavra velhice.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>do</strong> Vestibulan<strong>do</strong><br />

<strong>Jornal</strong> ETAPA, edita<strong>do</strong> por Etapa Ensino e Cultura<br />

REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP<br />

JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343


CONTO 3<br />

O<br />

major Brígi<strong>do</strong> era viúvo e tinha uma<br />

filha de vinte anos, lindíssima, que<br />

fazia muita cabeça andar à roda; entretanto,<br />

o coração da rapariga, quan<strong>do</strong> “falou”<br />

(assim se dizia antes), falou mal. Quero<br />

dizer que Gilberta – era este o seu nome – se<br />

enfeitiçou justamente pelo mais insignificante<br />

de quantos a requestavam – pelo Teobal<strong>do</strong><br />

Nogueira, sujeito que vivia, pode-se dizer, de<br />

expedientes, sem retida certa que lhe desse o<br />

direito de constituir família, mendigan<strong>do</strong> aqui<br />

e acolá, no comércio, pequenas comissões, corretagens,<br />

e lambugens adventícias.<br />

O major Brígi<strong>do</strong>, cheio de senso prático,<br />

ven<strong>do</strong> com maus olhos essa inclinação desacertada<br />

da filha, abriu-se com o seu melhor<br />

amigo, o Viegas que, apesar de ter uns dez<br />

anos menos que ele, era o seu consultor, o seu<br />

conselheiro, o oráculo reserva<strong>do</strong> para as grandes<br />

emergências da vida.<br />

– Deixe-a! opinou o Viegas. Se você a contraria,<br />

aquilo fica de pedra e cal! O melhor era<br />

fazer ver a Gilberta por meios indiretos, que a<br />

sua escolha poderia ser melhor... Não ataque<br />

de frente a questão!... Não bata com o pé... não<br />

invoque a sua autoridade de pai...<br />

O major Brígi<strong>do</strong> aceitou o conselho, e, uma<br />

tarde, achan<strong>do</strong>-se à janela com sua filha, viu<br />

passar na rua o Teobal<strong>do</strong> Nogueira, que os<br />

cumprimentou.<br />

O pai correspondeu com muita frieza, a filha<br />

com muita afabilidade. Pareceu ao major<br />

que o momento não podia ser mais propício<br />

para uma explicação; tratou de aproveitá-lo.<br />

– Minha filha, disse ele, tenho nota<strong>do</strong> que<br />

aquele homem passa amiudadas vezes por<br />

nossa casa, e não creio que seja pelos meus bonitos<br />

olhos...<br />

Gilberta corou e sorriu.<br />

– Não quero nem de leve contrariar as tuas<br />

inclinações, casar-te-ás com o homem, seja<br />

quem for, que escolheres para mari<strong>do</strong>. O teu coração<br />

pertence-te: dispõe dele à vontade. Entretanto,<br />

o meu dever de pai e amigo é abrir-te os<br />

olhos para não dares um passo de que mais tarde<br />

te arrependas amargamente. Não me parece<br />

que este homem te convenha, não tem posição<br />

social definida, não ganha bastante para tomar<br />

sobre os ombros quaisquer encargos de família,<br />

e – deixa que teu pai seja franco – não é lá muito<br />

bem visto no comércio... Não és uma criança<br />

nem uma tola que te deixes levar pelos bigodes<br />

retorci<strong>do</strong>s nem pelas bonitas roupas de um homem!<br />

Não és rica, mas, bonita, inteligente, boa<br />

como és, não te faltarão pretendentes que te mereçam<br />

mais que o tal Teobal<strong>do</strong> Nogueira.<br />

Gilberta fez-se ainda mais rubra, mordeu<br />

os lábios e não disse palavra.<br />

De nada valeram os conselhos paternos.<br />

Daí por diante, re<strong>do</strong>brou o seu entusiasmo<br />

pelo moço, e, um mês depois, quan<strong>do</strong> o pai<br />

se preparava para impingir-lhe novo sermão,<br />

ela atalhou-o declaran<strong>do</strong> peremptoriamente<br />

que amava aquele homem, com to<strong>do</strong>s os seus<br />

defeitos, com toda a sua pobreza e que jamais<br />

seria mulher de outro!<br />

In extremis<br />

Artur Azeve<strong>do</strong><br />

Consulta<strong>do</strong> o oráculo Viegas, este aconselhou<br />

uma estação de águas que distraísse a<br />

moça. O major Brígi<strong>do</strong> sacrificou-se em pura<br />

perda.<br />

Gilberta voltou de Lambari mais apaixonada<br />

que nunca.<br />

Um belo dia, Teobal<strong>do</strong> Nogueira apresentou-se<br />

ao pai e pediu-a em casamento depois<br />

de fazer uma exposição deslumbrante <strong>do</strong>s seus<br />

recursos. Havia meses em que ganhava para<br />

cima de três contos de réis. Já tinha posto alguma<br />

coisa de parte e contava mais dia menos<br />

dia, estabelecer-se definitivamente. Se fosse<br />

um especula<strong>do</strong>r, um aventureiro mal-intenciona<strong>do</strong>,<br />

procuraria casamento vantajoso. Sabia<br />

que Gilberta era pobre, casava-se por amor.<br />

O casamento ficou assenta<strong>do</strong>.<br />

***<br />

O major Brígi<strong>do</strong> sofreu com isto um grande<br />

desgasto, agrava<strong>do</strong> em seguida pela súbita<br />

enfermidade <strong>do</strong> Viegas, o seu melhor amigo, o<br />

seu oráculo, que caiu de cama e em menos de<br />

uma semana ficou às portas da morte.<br />

Dois médicos desenganaram-no. Jamais<br />

a tuberculose aniquilara com tanta rapidez<br />

um homem de 40 anos. As hemoptises eram<br />

frequentes, esperava-se que de um momento<br />

para outro o enfermo sucumbisse afoga<strong>do</strong> em<br />

sangue.<br />

Nesta situação extrema o Viegas chamou para<br />

junto <strong>do</strong> seu leito o major Brígi<strong>do</strong>, e disse-lhe:<br />

– Meu velho, eu vou morrer...<br />

– Deixa-te de asneiras!<br />

– Tenho poucos dias... poucas horas de<br />

vida... conheço o meu esta<strong>do</strong>. No momento de<br />

deixar este mun<strong>do</strong>, de quem mais me posso<br />

lembrar senão de ti e de tua filha? Bem sabes<br />

que não tenho ninguém... Meu irmão, que não<br />

vejo há vinte anos, é um patife, um bandi<strong>do</strong>,<br />

que está, dizem, milionário, e que, saben<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

meu esta<strong>do</strong>, não me vem visitar... Minha irmã,<br />

que reside em Paris, é uma mulher perdida,<br />

uma desgraçada, que sempre me envergonhou...<br />

– Não se lembre agora disso!<br />

– Não fui um dissipa<strong>do</strong>, guardei o que<br />

era meu, e tenho alguma coisa que por minha<br />

morte irá para as mãos dessas duas criaturas...<br />

Lembrei-me de fazer testamento, mas um testamento<br />

poderia dar lugar a uma demanda...<br />

Lembrei-me de coisa melhor: caso-me com Gilberta<br />

e <strong>do</strong>to-a com 100 contos de réis, isto é, o<br />

quanto possuo, mas com as devidas cautelas<br />

jurídicas para que este <strong>do</strong>te fique bem seguro,<br />

seja inalienável... tu bem me entendes... Ela<br />

tem um noivo, mas este não se oporá, talvez,<br />

a uma fortuna da qual participará mais tarde.<br />

A situação desse homem será modificada num<br />

ponto, apenas: em vez de se casar com uma<br />

moça solteira, casar-se-á com uma senhora<br />

viúva...<br />

E acrescentou:<br />

– Viúva e virgem.<br />

O major Brígi<strong>do</strong> recalcitrou; que haviam de<br />

dizer? seriam capazes de inventar até que ele<br />

abusara de um agonizante! mas o Viegas insistiu,<br />

apresentan<strong>do</strong>, com extraordinária lucidez,<br />

to<strong>do</strong>s os argumentos imagináveis, inclusive<br />

aquele de que a última vontade de um moribun<strong>do</strong><br />

é sagrada.<br />

Gilberta protestou energicamente quan<strong>do</strong><br />

o pai lhe comunicou a proposta <strong>do</strong> Viegas, e<br />

disse logo que não se prestava a esta comédia<br />

fúnebre, mas o Teobal<strong>do</strong> Nogueira, pelo<br />

contrário, instou com ela para que aceitasse,<br />

e defendeu calorosamente a pie<strong>do</strong>sa ideia <strong>do</strong><br />

tuberculoso.<br />

A moça ressentiu-se dessa falta de escrúpulos,<br />

mas disfarçou o seu sentimento e disse:<br />

– Meu pai, faça o que entender!<br />

***<br />

Alguns dias depois havia em casa <strong>do</strong> Viegas<br />

um vaivém de pretores, padres, testemunhas,<br />

escrivães, tabeliães, sacristães, etc.; mas<br />

to<strong>do</strong> esse movimento, longe de fazer com que<br />

o enfermo piorasse, aju<strong>do</strong>u-o a voltar à vida.<br />

As hemoptises tinham cessa<strong>do</strong>.<br />

Depois de casa<strong>do</strong> com Gilberta, o Viegas<br />

sentiu-se tão bem que desconfiou <strong>do</strong>s seus médicos<br />

e man<strong>do</strong>u chamar um <strong>do</strong>s nossos príncipes<br />

da ciência, para examiná-lo.<br />

Riu-se o famoso <strong>do</strong>utor quan<strong>do</strong> lhe dissera<br />

o diagnóstico <strong>do</strong>s colegas.<br />

– Tuberculose? Qual tuberculose! O senhor<br />

é tão tuberculoso como eu! Aquele sangue era<br />

<strong>do</strong> estômago... Trate <strong>do</strong> seu estômago que este<br />

desvio é grave.<br />

– Mas as hemoptises...<br />

– Que hemoptises, que nada. Hematêmeses,<br />

isso sim!<br />

Pouco depois o Viegas, completamente restabeleci<strong>do</strong>,<br />

empreendeu uma grande viagem à<br />

Europa com sua mulher. Era preciso pôr uma<br />

barreira entre ela e o Teobal<strong>do</strong>, – e que barreira<br />

melhor que o Atlântico?<br />

***<br />

A viagem durou <strong>do</strong>is anos. O Viegas e Gilberta<br />

trouxeram consigo uma filhinha, nascida<br />

na Itália.<br />

Ele fizera com muita diplomacia amorosa<br />

e muita dignidade conjugal a conquista da sua<br />

mulher, e ela foi sempre o modelo das esposas.<br />

Ao regressar <strong>do</strong> Velho Mun<strong>do</strong>, o Viegas<br />

pediu ao major Brígi<strong>do</strong> notícias <strong>do</strong> Teobal<strong>do</strong><br />

Nogueira.<br />

– Está na cadeia, respondeu-lhe o sogro.<br />

Calculo o que estava reserva<strong>do</strong> para minha filha,<br />

se não fosse a sua generosidade!<br />

– Quan<strong>do</strong> nos casamos, já ela não gostava<br />

dele pelo empenho interesseiro em que o viu<br />

de que ela se casasse com um cadáver que valia<br />

cem contos...<br />

Gilberta que, sem ser pressentida, ouvira a<br />

conversa, aproximou-se <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> e disse-lhe:<br />

– E creia Viegas, que se você houvesse morri<strong>do</strong>,<br />

a minha viuvez seria eterna.<br />

Extraí<strong>do</strong> de: Contos de Artur Azeve<strong>do</strong>.

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