Considerações sobre a eutanásia e o suicídio assistido
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CONSIDERAÇÕES SOBRE A EUTANÁSIA E O SUICÍDIO ASSISTIDO<br />
Mariana Esteves Paranhos 1<br />
Renata Lovera 2<br />
Blanca Susana Guevara Werlang 3<br />
Resumo<br />
A morte é um fenômeno que faz parte da vida e vem acompanhando o homem<br />
ao longo dos diversos períodos históricos. Para alguns pode ser um evento<br />
inesperado, para outros é resultado de um longo processo e cada pessoa tem<br />
sua própria maneira de lidar com o fato. No contexto da doença e de pacientes<br />
terminais, o enfermo muitas vezes pode desejar o cessar da vida e este desejo,<br />
em certos casos passa para o ato propriamente dito, como nas solicitações de<br />
<strong>eutanásia</strong> e <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong>. Quando ocorrem estes pedidos se instaura um<br />
conflito, uma vez que este vai contra o instinto de preservação, contra o<br />
processo natural de morrer e aparentemente contra o valor da vida. As razões<br />
para que uma pessoa peça para morrer são diversas, bem como diferentes são<br />
os pontos de vista que permeiam as discussões referentes a este processo. A<br />
proposta, então, do presente artigo é discutir alguns aspectos referentes à<br />
<strong>eutanásia</strong> e <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong>, com o intuito de compreender um pouco mais a<br />
complexidade do assunto. Pensar na qualidade de vida restante nos casos de<br />
pacientes terminais, bem como compreender o que estes pedidos querem<br />
expressar parecem ser pontos que auxiliam os profissionais da saúde em<br />
situações como estas.<br />
Palavras chave: Morte, <strong>eutanásia</strong>, <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong>.<br />
1 Psicóloga, Mestranda CNPq em Psicologia Clínica - PUCRS;<br />
2 Psicóloga, Mestranda CAPES em Psicologia Clínica - PUCRS<br />
3 Psicóloga, Professora Adjunta da Faculdade de Psicologia - PUCRS
Introdução<br />
A morte é certamente o fenômeno mais pensado e ritualizado ao longo<br />
dos diversos períodos históricos tendo provocado discussões nas diferentes<br />
áreas do conhecimento na procura de explicações e justificativas para o único<br />
fato inevitável da vida. Pensar em morrer é para a maioria das pessoas<br />
insuportável. Assim, de maneira geral, a morte é vista como algo muito<br />
destrutivo que contradiz um dos instintos mais fortes: o da conservação.<br />
Contudo, o homem vive, frente à morte, uma contradição existencial, podendo<br />
vê-la como um prêmio ou um castigo, como o fim ou o começo da eternidade,<br />
desejando-a ou temendo-a, como uma amiga ou uma inimiga. Sem dúvida, ela<br />
é experimentada de diferentes maneiras por cada pessoa, mas sempre tem um<br />
caráter totalmente individual, único e irreversível. Mesmo que todos morram em<br />
certo sentido de maneira igual, ela será sempre íntima e peculiar (Kovács,<br />
2003a; Zubiría, 1996).<br />
A morte é um evento que encerra o processo de vida de uma pessoa, é<br />
um cessar irreversível de uma dada característica (Goldim, Raymundo,<br />
Francesconi & Machado, 2004). Foi considerada, por muito tempo, como uma<br />
ocorrência súbita caracterizada pela interrupção total das atividades vitais<br />
(Oliveira, 2005). Então, a morte era entendida, como a parada do coração, a<br />
interrupção irreversível dos batimentos cardíacos, a cessação da circulação e<br />
da respiração. Na década de 60, em resposta a constatação de estados de<br />
coma, reversão de parada cardio-respiratória, por meio de massagem cardíaca<br />
externa e interna, além da instituição da ventilação pulmonar artificial, esse<br />
entendimento teve que ser revisto, uma vez que a pessoa passou a ter a<br />
possibilidade de reanimação, recuperando as suas funções vitais,<br />
integralmente ou não, podendo restar seqüelas de maior ou menor gravidade.<br />
Ainda, com a viabilidade dos transplantes, essa barreira conceitual foi rompida<br />
e se introduziu a noção de morte cerebral como critério de fim de vida de uma<br />
pessoa. Com a possível disponibilidade de órgãos e tecidos, a ocorrência da<br />
morte deixou de ser considerada fenômeno súbito e terminal, tornando-se<br />
processo evolutivo, dinâmico, complexo e, <strong>sobre</strong>tudo, seqüência de eventos<br />
terminativos.
Mesmo com o avanço da tecnologia que possibilita evitar ou prorrogar a<br />
morte, existem situações em que isso não é possível, como é o caso das<br />
mortes não esperadas, ocasionadas por acidentes, homicídios, desastres<br />
naturais ou provocados pelo próprio homem como é o caso da morte por<br />
<strong>suicídio</strong>. Nestas situações o processo de luto nos familiares amigos e<br />
conhecidos, apresenta-se, em função do impacto provocado pelo fato, mais<br />
desorganizado pela <strong>sobre</strong>carga nas capacidades adaptativas das pessoas<br />
envolvidas na perda, já que não houve tempo para um preparo emocional para<br />
o evento. O fator surpresa ocasiona uma sensação de desordem, sendo os<br />
sintomas dolorosos mais persistentes do que em outras situações (Zubiría,<br />
1996). Neste mesmo sentido, Kovács (2003b) chama de morte encarada,<br />
quando esta se dá de maneira brusca e invasiva e refere que com o aumento<br />
da violência, principalmente acidentes graves e homicídios, a morte tem se<br />
tornado mais próxima e sem disfarces, não permitindo proteção e tornando<br />
todos muito mais vulneráveis. Entretanto, quando a morte vem acompanhada<br />
de uma doença longa, a família passa inevitavelmente por um período de<br />
preparação emocional elaborando o processo de luto. A morte, nesses casos, é<br />
entendida como uma conseqüência natural e é aceita como o final de um<br />
processo previsível.<br />
Independente de a morte ser inesperada e repentina ou ser o resultado<br />
de um longo processo, uma coisa é certa, ela deverá ser enfrentada. Sem<br />
dúvida é um evento que faz parte da vida, que todos sabem de sua existência e<br />
que este modifica a vida das pessoas envolvidas, bem como, algumas vezes<br />
modifica a vida de uma comunidade. Cada pessoa tem sua própria maneira de<br />
lidar com o fato. Em um país com um grau de religiosidade extremamente alto,<br />
como no Brasil, a fé é um dos modos mais utilizados. Os rituais religiosos, para<br />
Kovács (2003b), muitas vezes possibilitam simbolizar a morte, pois permitem,<br />
se colocar no lugar de quem morreu e suportar a certeza de que isso também<br />
acontecerá consigo, assim como acalmam as fantasias <strong>sobre</strong> “o que vem<br />
depois”. Muitas pessoas, também, apóiam-se na ciência para encará-la,<br />
buscando explicações mais concretas para o fenômeno.<br />
Existe, porém, uma forma diferente de enfrentar a morte – indo<br />
diretamente ao encontro dela. Um enfermo, muitas vezes pode desejar o<br />
cessar da vida e este desejo, em certos casos passa para o ato propriamente
dito. As razões para que uma pessoa peça para morrer são diversas, podendo<br />
ser pelo medo do desconhecido, medo da evolução da doença, medo da<br />
dependência de outros ou simplesmente porque entende que a vida chegou ao<br />
fim. Os pedidos para morrer comumente aparecem em solicitações de<br />
<strong>eutanásia</strong> e <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong>. Quando ocorrem estes pedidos se instaura um<br />
conflito, uma vez que este desejo vai contra o instinto de preservação, contra o<br />
processo natural de morrer e aparentemente contra o valor da vida.<br />
As ciências médicas e seu desenvolvimento possibilitaram a cura de<br />
várias doenças e com isso houve um prolongamento da vida. Estes avanços<br />
levam a impasses que antes não existiam, como o de manter uma vida na qual<br />
a morte já está presente. A medicina usa hoje como critério para definir se uma<br />
pessoa está morta ou não o conceito de morte encefálica (ausência total das<br />
funções cerebrais, apnéia, reflexos e coma irreversível) já que este define um<br />
ponto sem retorno no processo de morrer no qual a perda de integração do<br />
corpo é definida (Goldim et al, 2004). Mesmo assim, o conceito de morte, de<br />
uma maneira geral, é uma das maiores discussões da bioética na atualidade. A<br />
fronteira que separa a vida da morte ainda é muito tênue e difícil de<br />
estabelecer.<br />
Surgem então alguns questionamentos: tem uma pessoa o direito de<br />
decidir <strong>sobre</strong> sua própria vida? Pode alguém planejar sua própria morte? Qual<br />
o grau de autonomia que o indivíduo tem no processo de morrer? Em termos<br />
de pacientes terminais também surgem mais indagações: tratamentos que<br />
apenas garantem o prolongamento da vida, mas não a qualidade da mesma,<br />
devem ser continuados? E finalmente, quando a interrupção da vida é útil?<br />
Dentro do tema final da vida é possível se pensar em pacientes terminais e<br />
limites de tratamento, que leva também a reflexões a cerca da <strong>eutanásia</strong>,<br />
<strong>suicídio</strong> e <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong>. A bioética, frente a estes polêmicos tópicos, não<br />
apresenta soluções únicas e definidas, mas busca indicar caminhos possíveis e<br />
suas adequações (Goldim et al, 2004).<br />
Eutanásia<br />
A <strong>eutanásia</strong>, definida como “boa morte”, do grego eu – bom e thanatos –<br />
morte, é uma prática conhecida desde a antiguidade. O conceito de <strong>eutanásia</strong><br />
para Torres (2003), passa por uma transformação de ordem conceitual e
jurídica, acarretando o problema de distinção entre o que é lícito e o que não é,<br />
entre o que é liberdade para morrer e o que é o dever de salvar vidas. Para<br />
esta autora, assim como o aborto foi o principal ponto de discussão no século<br />
XX, a <strong>eutanásia</strong> será a grande questão do século XXI.<br />
Conforme Goldim et al (2004) a <strong>eutanásia</strong> é classificada quanto ao tipo<br />
de ação e quanto ao consentimento do paciente. Ela efetivamente acontece<br />
quando uma pessoa deliberadamente faz uma ação ou uma omissão no<br />
sentido de permitir a morte de outra pessoa que supostamente está sofrendo.<br />
No que diz respeito ao tipo de ação, a <strong>eutanásia</strong> pode ser ativa, quando o ato<br />
visa provocar a morte sem sofrimento do paciente, com fins misericordiosos;<br />
passiva ou indireta, quando a morte do paciente ocorre, dentro de uma<br />
situação de terminalidade, por não se iniciar uma ação médica ou pela<br />
interrupção de uma medida extraordinária, com o objetivo de minimizar o<br />
sofrimento; e de duplo efeito, quando a morte é acelerada como conseqüência<br />
indireta de ações médicas que são executadas visando o alívio do sofrimento<br />
de um paciente terminal. Neste caso, morte é um efeito colateral não desejado,<br />
que pode ser conhecido, mas não é o objetivo da ação realizada. Quanto ao<br />
consentimento do paciente, ele pode ser: voluntário, quando a morte é<br />
provocada atendendo a um pedido do próprio paciente; involuntário, quando é<br />
realizado contra a vontade do paciente; e não-voluntário, quando a morte é<br />
provocada sem que o paciente tivesse tido oportunidade de se manifestar,<br />
como, por exemplo, nos casos de problemas neurológicos ou no caso de<br />
bebês.<br />
As classificações quanto ao consentimento, conforme Goldim et al<br />
(2004), visam estabelecer a responsabilidade do agente, no caso o médico. A<br />
voluntariedade é sempre referente ao paciente e nunca ao profissional, este<br />
último é sempre caracterizado pelo tipo de ação que desempenha (ativa,<br />
passiva, duplo-efeito), mesmo que movido por um ato de compaixão frente a<br />
um sofrimento, tido como insuportável de um paciente. Kovács (2003a) refere<br />
que só se pode falar em <strong>eutanásia</strong> se houver um pedido voluntário e explícito<br />
do paciente. Se este não ocorrer trata-se de assassinato, mesmo que tenha o<br />
atenuante do caráter piedoso da ação.<br />
Para Wooddell e Kaplan (1997-1998) a retirada de procedimentos que<br />
protegem a vida, a dita <strong>eutanásia</strong> passiva, na modernidade não pode ser mais
considerada <strong>eutanásia</strong>, desde que se esteja diante de um caso irreversível,<br />
sem possibilidade de cura e quando o tratamento causa sofrimento adicional. A<br />
interrupção dos tratamentos, neste caso, recebe o nome de ortotanásia, que<br />
quer dizer a morte na hora certa. Kovács (2003a) acrescenta ao tema o<br />
pensamento de Maurice Abiven – diretor da Unidade de Serviços Paliativos do<br />
Hospital Universitário de Paris – que diz que não há <strong>eutanásia</strong> passiva, sendo<br />
esta uma expressão equivocada. Para ele se trata de respeito à natureza.<br />
Sobre o movimento para o direito de morrer, Kovács (2003a) menciona<br />
que este tem apresentado um número significativo de adeptos que procuram<br />
autonomia e o direito de decidir <strong>sobre</strong> sua própria morte. Na segunda metade<br />
do século XX, se desenvolveram os grupos Pró Morte com Dignidade, entre os<br />
quais um dos mais conhecidos é a Sociedade Hemlock, que em 1991 publicou<br />
um livro nos EUA com inúmeras maneiras de um paciente terminal ou com<br />
doenças degenerativas cometer <strong>suicídio</strong>. O livro teve o número expressivo de<br />
vendas de 3 milhões de cópias naquele país. A discussão da legalização da<br />
<strong>eutanásia</strong> traz um choque de dois princípios, por um lado a autonomia do<br />
paciente que quer cuidar de seu próprio processo de morte e, por outro, a<br />
sacralidade da vida, postulada pelos princípios das religiões que consideram<br />
como transgressão tirar a própria vida. Para Schramm (2002) os que defendem<br />
este direito retomam, como já mencionado, o princípio da autonomia e a<br />
priorização do que é qualidade de vida, apontando que na sociedade atual se<br />
observa uma desapropriação da morte e de sua naturalidade.<br />
Seguindo na discussão, Kovács (2003b) refere que o exercício da<br />
autonomia existe quando é possível um compartilhamento de conhecimento e<br />
informações entre o paciente e os profissionais que o assistem, bem como com<br />
sua família, ofertando dados importantes através de uma linguagem acessível,<br />
para que qualquer decisão que seja tomada seja garantida pela competência<br />
de todos envolvidos na situação. O que se observa hoje no sistema de saúde<br />
do país é a priorização pelo princípio da beneficência (fazer-se o bem e evitar o<br />
sofrimento adicional), mas este é usado de maneira unilateral, através de uma<br />
relação paternalista e desigual, onde a equipe detém o saber e o paciente<br />
apenas submete-se a ele.<br />
Cabe acrescentar a esta discussão direito do paciente ao livre<br />
consentimento informado. Conforme Torres (2003) quando não se sabe o que
fazer é necessário perguntar aos indivíduos livres envolvidos o que eles<br />
desejam fazer e esperar que cheguem a um acordo comum. O princípio do livre<br />
consentimento ampara o direito moral da pessoa livre escolher o melhor ou pior<br />
para si. O fato de o paciente tomar uma decisão que ao ver dos profissionais<br />
envolvidos não é a melhor escolha não demonstra que este não é capaz de<br />
tomá-la. A autora diz que o princípio em questão compreende o “direito de dar<br />
consentimento, de participar do tratamento sem coerção, sem ser enganado e<br />
com competência; assim como o de retirar-se do tratamento” (p.479).<br />
Ortíz (2005) aponta para a existência de uma postura intermediária, a<br />
<strong>eutanásia</strong> em casos excepcionais, em que somente se aceitaria a <strong>eutanásia</strong><br />
voluntária nos casos em que exista uma enfermidade terminal ou irreversível,<br />
que produza um grande sofrimento físico e psíquico no paciente que não seja<br />
suscetível de alívio. Parte-se então de uma postura da ética da<br />
responsabilidade, considerando os valores da vida e da autonomia. A<br />
<strong>eutanásia</strong> então é vista como a exceção, não como regra.<br />
Mesmo em países como a Holanda, em que a <strong>eutanásia</strong> é legalizada,<br />
muitos cuidados são tomados para garantir a legitimidade do pedido, mas<br />
dúvidas ainda permeiam, como por exemplo, o fato da lei afirmar que o<br />
indivíduo deve ser adulto e estar mentalmente competente. Mas o que pode ser<br />
considerado estar mentalmente competente? Ou ainda, a lei refere que o<br />
doente deve apresentar dor e sofrimento intolerável, tanto do ponto de vista<br />
físico quanto do psíquico. Como avaliar o que é sofrimento intolerável para<br />
cada pessoa? Parece difícil, então, garantir a legitimidade de pedidos desta<br />
natureza (Kovács, 2003a). Torres (2003) ressalta outro aspecto da discussão, o<br />
de considerar também neste debate o que os americanos chamam de<br />
slipperyslope (declive escorregadio). Neste caso, a expressão se refere à<br />
cadeia de eventos com más conseqüências que pode vir a ocorrer caso a<br />
<strong>eutanásia</strong> ou o <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong> sejam aceitos de alguma maneira, como por<br />
exemplo, se tornarem algo comum e que sejam usados para situações em que<br />
não seriam apropriados ou que não houve um pedido legítimo da pessoa.<br />
Outro aspecto importante na discussão é que quando se defende a<br />
liberdade que o paciente tem de retirar-se do tratamento e desejar a morte, não<br />
se pode deixar de considerar que toda a ação tem uma ou mais conseqüências<br />
e que algumas destas afetam outras pessoas. No caso do <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong> e
da <strong>eutanásia</strong>, por exemplo, é necessário considerar o conflito entre os desejos<br />
do paciente e as tradições éticas do profissional de saúde. A respeito do<br />
assunto, Torres (2003) faz uma diferenciação entre liberdade e reinvidicação:<br />
se o direito de morrer é um direito de reindividicação e se a pessoa não pode<br />
realizar o ato sozinho, alguém terá a obrigação de ajudá-la, mas se é um direito<br />
de liberdade, ninguém pode impedi-la, mas também ninguém é obrigado a<br />
ajudar. É necessário que se reflita de qual direito se fala e que implicações<br />
existem além daquelas que refletem diretamente nas pessoas envolvidas no<br />
ato.<br />
A presença da morte gera no exercício profissional um grande<br />
compromisso para com o enfermo que caminha para a restituição da saúde ou<br />
para a morte. Para Batista & Schramm (2004a) o estudante de medicina desde<br />
cedo é moldado para ver a morte como “o maior dos adversários”, o qual<br />
deverá ser sempre combatido e, caso seja possível, deverá ser sempre vencido<br />
graças à melhor competência disponível. Sendo assim, o médico ao lidar com a<br />
morte, depara-se também com a frustração e com a sensação de angústia<br />
frente à percepção de “derrota”. O profissional pode-se tornar extremamente<br />
ambíguo ao lidar com enfermos em tais condições, por um lado, abrindo-se a<br />
perspectiva para uma luta desenfreada, com vistas à manutenção da vida a<br />
qualquer custo, muitas vezes com grande sofrimento por parte do paciente.<br />
Conforme Kovács (2003a), o movimento de busca de dignidade no<br />
processo de morrer não significa apressar a morte, como na <strong>eutanásia</strong>, tão<br />
pouco o prolongamento da vida com intenso sofrimento, como é o caso da<br />
distanásia. A morte não deve ser vista como um inimigo a ser combatido a todo<br />
custo, mas sim deve ser encarada como fazendo parte do processo da vida e,<br />
no adoecimento, os tratamentos devem privilegiar a qualidade da vida e o bem<br />
estar da pessoa, mesmo quando a cura não é possível. Frente a essa<br />
possibilidade, deve-se avaliar se o prolongamento da vida é a melhor escolha.<br />
Para Ortíz (2005), é necessário aprender <strong>sobre</strong> as novas fronteiras<br />
terapêuticas, os médicos deverão convencer-se de que a morte não é um<br />
fracasso da medicina, e que tão importante como salvar a vida é o objetivo de<br />
aliviar a dor e o sofrimento, e facilitar uma morte em paz.<br />
A manutenção dos tratamentos invasivos em pacientes sem<br />
possibilidade de recuperação é considerada distanásia, pois obriga as pessoas
a passarem por processos de morte lenta, ansiosa e sofrida, sendo sua<br />
suspensão uma questão de bom senso e racionalidade. A palavra designa<br />
morte defeituosa, do prefixo grego dys, que significa defeituoso e thanatos,<br />
morte. Também conhecida como obstinação terapêutica ou futilidade médica<br />
(Kovács, 2003a).<br />
Aqui o termo futilidade, conforme a mesma autora, está associado aos<br />
tratamentos extraordinários, considerados fúteis por serem entendidos como<br />
aqueles que não conseguem reabilitar o paciente, garantir o bem estar ou<br />
aliviar o sofrimento. Neste caso privilegia-se mais a duração da vida do que a<br />
qualidade da mesma. A grande dificuldade é determinar quais são os<br />
tratamentos ordinários ou obrigatórios para salvar o paciente ou trazer o alívio<br />
e quais são extraordinários ou fúteis. O bom senso parece indicar que o ideal<br />
seria ter tratamentos proporcionais para cada caso, quando a medicina não<br />
tem mais a possibilidade de promover saúde, o tratamento com objetivo de<br />
cura torna-se fútil.<br />
O tema <strong>eutanásia</strong>, argumenta Ortíz (2005), não deve ser confundido<br />
com a limitação de medidas terapêuticas. O primeiro consiste sempre em uma<br />
ação realizada no corpo de outra pessoa com a intenção direta de colocar fim a<br />
sua vida. Pelo contrário, a LET (limitação do esforço terapêutico), consiste em<br />
não utilizar medidas que parecem extraordinárias ou desproporcionais em<br />
situações irreversíveis ou terminais. Como forma de clarear este complexo<br />
tema, foram propostas diferentes terminologias, com a esperança de que elas<br />
ajudariam a estabelecer alguns critérios. Assim, se fala em “futilidade” das<br />
medidas, de seu caráter “ordinário” ou “extraordinário”, “proporcional” ou<br />
“desproporcional”.<br />
A distanásia e a <strong>eutanásia</strong>, conforme Pessini (2004), se relacionam no<br />
sentindo de que ambas levam a uma morte fora do momento certo, com a<br />
intenção de proteger a vida humana. A diferença é que na primeira existe uma<br />
preocupação com a duração da vida, investindo seus recursos para o<br />
prolongamento dela, mesmo que a morte já esteja presente; e na segunda, a<br />
preocupação é com a qualidade da vida restante, por isso opta-se pelo<br />
abreviamento dela.<br />
Seguindo o pensamento <strong>sobre</strong> a preocupação com a qualidade de vida<br />
restante ao paciente, Ortíz (2005) salienta que o ponto fundamental que está
sendo discutido em torno da <strong>eutanásia</strong> atualmente é o cuidado devido – “due<br />
care” – proporcionado ou não ao enfermo terminal. O problema então, não é<br />
tanto se a <strong>eutanásia</strong> é permitida ou não em certos casos, que sempre serão<br />
poucos e extraordinários, e sim, se está se dando o devido cuidado às pessoas<br />
que se encontram em situações vitais comprometidas.<br />
O conceito de qualidade de vida é muito recente, afirma Pérez (2004),<br />
datando do século XXI. Conforme o autor, elementos como a capacidade de<br />
mobilização, as dores extremas e o cansaço decorrente da doença, o cuidado<br />
e a possibilidade de comunicação intersubjetiva dos pacientes, são<br />
considerados para qualificar a “qualidade de vida”, quer dizer, se esta vale ou<br />
não a pena ser vivida.<br />
Segundo Kovács (2003a) há diferença entre matar e deixar morrer.<br />
Quando uma pessoa não tem mais vida, estando apenas algumas funções<br />
vitais preservadas, interromper os tratamentos não é <strong>eutanásia</strong>. A respeito do<br />
assunto, Kipper (1999) diz que mesmo com todos os problemas econômicos do<br />
Brasil, é comum pacientes em estado terminal serem mantidos por longos<br />
períodos internados em UTIs. Refere que os profissionais de saúde se sentem<br />
sozinhos e pouco confiantes para tomar decisões como esta. Motta (1999)<br />
afirma que muitas vezes os tratamentos fúteis são propostos porque é difícil<br />
assistir à pessoa durante a morte, perdendo-se assim o discernimento entre o<br />
que é imprescindível e o que é obstinação terapêutica.<br />
Batista e Schramm (2004b) entendem a finitude dos recursos públicos<br />
como um problema a se considerar. Neste sentido, discute-se como melhor<br />
aplicar tais recursos ligados a manutenção da vida em detrimento a outras<br />
formas preventivas de saúde coletiva. Parece imprescindível que se passe a<br />
pensar na questão de uma bioética que favoreça a todos, lembrando que em<br />
alguns casos a <strong>eutanásia</strong> involuntária ocorre por falta de recursos ou<br />
atendimento apropriado, enquanto outros são mantidos cuidados excessivos ou<br />
fúteis. Cabe lembrar nesta discussão o principio de justiça e eqüidade.<br />
Conforme Fortes (2002) aponta, as políticas públicas deveriam tratar cada<br />
pessoa como sendo única com diferentes necessidades.<br />
Para os que consideram a vida como um bem sagrado, Siqueira (2005)<br />
retoma o Documento da Igreja Católica de maio de 1980 <strong>sobre</strong> o tema da<br />
<strong>eutanásia</strong>, onde se refere ser justo renunciar a algumas intervenções médicas
incoerentes com a situação real do enfermo, se estas não são proporcionais<br />
aos resultados que se poderia esperar ou são sofridas demais para o paciente<br />
e seus familiares. O autor também lembra bem que o Papa João Paulo II,<br />
representante maior da Igreja Católica até 2005, ano de sua morte, foi<br />
personagem deste dilema entre vida e morte, optando por passar seus últimos<br />
momentos de vida recolhido em seus aposentos ao invés de ser internado em<br />
uma UTI, como era a sugestão da equipe médica.<br />
Quando se chega ao ponto de duelar com a doença, não se está<br />
privilegiando o bem estar do paciente, mas sim adiando a morte à custa de<br />
sofrimento, tanto para o enfermo como para seus familiares (Torres, 2003).<br />
Kipper (1999) postula que decisões <strong>sobre</strong> final de vida devem ser tomadas em<br />
conjunto com a família, para que a mesma tenha possibilidade de refletir e<br />
elaborar a decisão que será tomada. Para o autor, este momento é único,<br />
crítico e totalmente individual tanto para o paciente, como para os familiares e a<br />
equipe de saúde que está envolvida. Argumenta ainda que estes desfechos<br />
podem ser menos complicados quando se procura semear uma boa relação<br />
médico-paciente-família e quando se está seguro que a conduta adotada é a<br />
melhor para o paciente.<br />
Para Pessini (2004) fazendo-se a distinção entre o que é terapêutico e o<br />
que é cuidado básico e entendendo estes conceitos pode-se evitar a<br />
distanásia. Conforme o autor, cuidados como o de higiene, conforto e<br />
alimentação quando ainda é possível a administração oral, são cuidados<br />
obrigatórios e normais. Outros procedimentos que sabe-se que os esforços<br />
gastos e o sofrimento não são proporcionais aos benefícios alcançados com tal<br />
atitude, devem ser avaliados minuciosamente. Nestes casos não é interrupção<br />
do tratamento que provoca a morte, mas sim o processo patológico em que a<br />
pessoa se encontra.<br />
Dentro da discussão <strong>sobre</strong> final da vida, cabe ressaltar um outro ponto;<br />
o de como agir diante dos casos considerados vegetativos. Entende-se por<br />
estado vegetativo “um estado de não-reação, atualmente definido como<br />
condição caracterizada pelo estado de vigilância, alternância de ciclos<br />
sono/vigília, ausência aparente da consciência de si e do ambiente<br />
circunstante, falta de respostas comportamentais aos estímulos ambientais,<br />
conservação das funções autônomas e de outras funções cerebrais”,
considerado, portanto, distinto de morte encefálica ou coma (Pessini, 2005, p.<br />
71). O mesmo autor relata que pacientes que se encontram neste estado não<br />
necessitam de apoio tecnológico para a manutenção da vida, não podendo ser<br />
considerado um paciente em estado terminal, porém sua condição pode<br />
prolongar-se por tempo indeterminado, sem uma previsão de um possível<br />
restabelecimento da pessoa ou não.<br />
Parece relevante que discussões em torno deste tema também passem<br />
a ser mais freqüentes dentro da bioética, pensando que no futuro próximo<br />
serão cada vez mais comuns casos de pacientes neste estado considerado<br />
vegetativo, conseqüência do aumento na expectativa de vida da população e<br />
do aumento de pessoas portadoras de doenças crônico-degenerativas. Um<br />
exemplo é o caso americano de Terri Schiavo, em 2005, transmitido pela mídia,<br />
onde a família e o marido brigaram por anos <strong>sobre</strong> o que fazer com a paciente<br />
que se encontrava em estado vegetativo. Por fim, o marido ganhou na justiça o<br />
direito de remover o tubo de alimentação que mantinha Terri viva (Pessini,<br />
2005).<br />
Suicídio Assistido<br />
A palavra <strong>suicídio</strong> tem origem latina e significa “assassinato de si<br />
mesmo”. Werlang e Botega (2004, p. 17) definem o comportamento suicida<br />
como “todo o ato pelo qual um indivíduo causa lesão a si mesmo, qualquer que<br />
seja o grau de intenção letal e de conhecimento do verdadeiro motivo desse<br />
ato”. Estes atos auto-destrutivos estão associados com a incapacidade do<br />
indivíduo de encontrar alternativas para seus problemas, optando assim pela<br />
sua morte.<br />
O <strong>suicídio</strong> não-<strong>assistido</strong> é aquele que é cometido por uma pessoa que<br />
não tem qualquer atendimento de um profissional da área de saúde, ou<br />
estando em atendimento, não deu evidência dessa possibilidade. Já o <strong>suicídio</strong><br />
facilitado é aquele que a pessoa está em atendimento formal por parte de um<br />
profissional e este tem o conhecimento desse risco e dispõe de meios para<br />
evitá-lo. O profissional não é em si o causador do <strong>suicídio</strong>, mas pode ser<br />
considerado negligente frente a uma situação de risco significativa (Goldim et<br />
al, 2004).
Ainda conforme o mesmo autor, o <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong> é quando a pessoa<br />
não consegue concretizar sozinha sua intenção de morrer. A assistência ao<br />
<strong>suicídio</strong> de outra pessoa pode ser feita por atos, como a prescrição de doses<br />
excessivamente altas de medicação e da indicação de seu uso, ou ainda, de<br />
forma passiva, por meio de persuasão ou de encorajamento. Em ambas as<br />
situações, alguém contribuiu para a morte de outra, por compactuar com a sua<br />
intenção de morrer. Independente do tipo de <strong>suicídio</strong>, todas são ações<br />
executadas pela própria pessoa e não por um terceiro.<br />
Seguindo na compreensão dos conceitos, Kovács (2003a) define o<br />
<strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong> quando há ajuda para a realização do ato, a pedido do<br />
paciente. Acrescenta que, do ponto de vista legal, é considerado um crime. O<br />
que diferencia da <strong>eutanásia</strong> é quem realiza o ato, no caso da <strong>eutanásia</strong>, o<br />
pedido é feito para que alguém execute a ação que levará a morte, no <strong>suicídio</strong><br />
<strong>assistido</strong> é o próprio paciente que realiza o ato, embora necessite ajuda para<br />
realizá-lo, e nisto difere-se do <strong>suicídio</strong>, em que esta ajuda não é solicitada.<br />
Snyder (2001) acrescenta que apesar de se discutir o tema já há muito tempo,<br />
os parâmetros prático e teórico acerca do assunto ainda são pouco claros.<br />
O termo <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong> surgiu em 1990, envolvendo Jack Kevorkian,<br />
médico no estado de Oregon (EUA), que relatou o caso de sua paciente Janet<br />
Atkins, portadora da doença de Alzheimer, que referia sentir profunda solidão,<br />
por isso desejava a morte. A proposta que o médico sustentava era de que o<br />
<strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong> era uma forma de morte planejada, como possibilidade de se<br />
assumir tanto a vida como a própria morte com dignidade. O mesmo médico<br />
desenvolveu o mercitron, uma máquina que provocava <strong>suicídio</strong>s “piedosos” –<br />
merciful, segundo suas palavras. A máquina possui três seringas e uma agulha<br />
com um dispositivo para ser acionado; na primeira seringa existe uma solução<br />
salina, com a função de deixar a veia dilatada; na segunda, um poderoso<br />
relaxante muscular que pode ser manipulado pelo paciente quando este quiser<br />
iniciar o processo; e na terceira, cloridato de potássio, para ocasionar a parada<br />
cardíaca imediata. Quando o paciente aciona a segunda seringa,<br />
imediatamente inicia o processo de sua morte (Kovács, 2003a).<br />
Kevorkian propõe alivio da dor, do sofrimento e diminuição dos custos<br />
na hora da morte. O médico, conhecido como Doutor Morte, auxiliou 92<br />
pessoas no processo de morrer e foi condenado a 25 anos de prisão por
assassinato e uso de substâncias proibidas. Em 1991 escreveu Medicide, obra<br />
que expõe suas idéias (Markson, 1995).<br />
Apesar de a <strong>eutanásia</strong> ser ilegal nos EUA, o <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong> foi<br />
legalizado nos estados de Oregon e Michigan, este último terra de Kevorkian<br />
(Kovács, 2003a). O Ato de Morte com Dignidade do Oregon – Oregon Death<br />
with Dignity Act – argumenta que ações como prescrever uma dose letal de<br />
medicamentos, não pode ser considerado <strong>suicídio</strong>, <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong>, morte<br />
piedosa ou homicídio pela lei, mas sim que o indivíduo está obtendo um<br />
medicamento para encerrar sua vida de maneira digna e humana (Snyder,<br />
2001). Em outubro de 1997, o Ato de Morte com Dignidade deste estado virou<br />
lei, sendo então legalizado o <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong> apenas por médicos e, desde<br />
sua aprovação, 246 pessoas cometeram <strong>suicídio</strong> (Altmann & Collins, 2007).<br />
Um estudo realizado por Conetto e Hollenshead (1999), analisando 75<br />
casos do Dr. Kevorkian entre os anos de 1990 e 1997. Observaram que a<br />
maioria dos casos eram mulheres e, destes, metade tinham entre 41 e 60 anos<br />
e que as principais razões para buscarem o <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong> era por<br />
apresentarem alguma incapacidade, estar com dor ou medo de se tornar um<br />
fardo. Destes casos, a maioria era portador de alguma doença crônica, porém<br />
não se encontravam em estágio terminal e o que mais chama a atenção é que<br />
em cinco casos não apresentavam sinal de nenhuma doença descrita.<br />
Estes dados fazem pensar nas motivações que levam uma pessoa a<br />
solicitar a morte, bem como se estes pedidos são legítimos. Markson (1995)<br />
salienta que não se pode considerar todos os pedidos para morrer como<br />
irracionais, delirantes ou um sintoma de uma depressão. Estes devem ser<br />
avaliados, escutados, contextualizados e jamais deveriam receber respostas<br />
rápidas e impensadas.<br />
Referente ao tema, Mishara (1999) encontrou uma forte relação entre<br />
pedidos para apressar a morte e depressão clínica. Observou ainda a<br />
incidência de determinadas características psicosociais em pessoas que<br />
solicitam a <strong>eutanásia</strong>, <strong>suicídio</strong>s e outros comportamentos auto-destrutivos.<br />
Destacam-se características de depressão, perdas significativas, falta de apoio<br />
social e dificuldades de “dar conta da vida”. Observa-se também que pedidos<br />
para morrer ou <strong>suicídio</strong> são mais comuns em pessoas que estão diante da<br />
possibilidade de dependência e perda da dignidade, pontos muito associados a
quadros de demência. Parece necessário uma avaliação cuidadosa,<br />
investigando se de fato, a pessoa deseja morrer, observando-se suas atitudes,<br />
pedidos e ações.<br />
Complementando estes dados, uma pesquisa atual realizada por Wilson<br />
et al (2007) com 389 pacientes com câncer e recebendo cuidados paliativos,<br />
mostraram que 63% destes eram a favor da legalização da <strong>eutanásia</strong> e do<br />
<strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong>, 40% considerariam fazer o pedido de <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong> no<br />
futuro, mas só 6% fariam o pedido naquele momento. Observou-se que esses<br />
6% eram pacientes com uma baixa religiosidade, status funcional reduzido e<br />
apresentavam um diagnóstico de depressão. Aproximadamente 40% dos<br />
participantes com algum desejo pela morte, apresentavam critérios<br />
diagnósticos para depressão. Uma boa parte deles conseguia visualizar<br />
situações futuras onde solicitariam a <strong>eutanásia</strong> ou o <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong>,<br />
apresentando receios com que poderia acontecer adiante em função da<br />
doença e que saber que atos como estes são legalizados aliviavam o medo.<br />
Conforme Mishara (1999) muitos membros de equipe de saúde não<br />
sabem como manejar a dor e outros sintomas incapacitantes e acabam se<br />
afastando destes pacientes. Refere dados de uma pesquisa realizada por<br />
Hennezel de que 90% dos pedidos de <strong>eutanásia</strong> desaparecem se os doentes<br />
se sentem menos sós e com menos dor. Seguindo esta idéia, quando o<br />
paciente solicita a morte, solicita também que o olhem, que olhem seu<br />
sofrimento e que se sinta legitimado em sua dor. Pode também o pedido de<br />
morte ser um reflexo do olhar de impotência do profissional, que não sabe o<br />
que fazer na situação. Kovács (2003a) traz o questionamento de que será que<br />
o desejo de morrer está sempre relacionado com sofrimento e depressão. Ou<br />
se, alguns casos, não é a contestação de que a vida chegou ao fim. Para a<br />
autora, a diferença é que no primeiro caso os pacientes exalam tristeza, e no<br />
segundo, serenidade. Torres (2003) também questiona se a solicitação do<br />
paciente para apressar a morte é um pedido legítimo. O autor aponta que estes<br />
pedidos podem estar a serviço do alívio da dor, que pode não ser somente<br />
física, como também emocional.<br />
Atualmente não se pode deixar de mencionar o movimento dos <strong>suicídio</strong>s<br />
<strong>assistido</strong>s associados à internet. Mishara e Weisstub (2007) referem que existe<br />
uma preocupação crescente com o número de <strong>suicídio</strong>s que podem estar
associados a alguma ajuda pela internet, porém não se tem nada que<br />
possibilite a proibição ou um controle deste meio. Os autores acrescentam<br />
ainda que apesar de se encontrar uma relação forte entre contatos na internet<br />
que precedem o <strong>suicídio</strong> com o próprio ato, mostrando inclusive que esse<br />
contato descrevia a forma de se matar, isso não é uma prova científica que<br />
sites na internet podem causar <strong>suicídio</strong>, apenas sugerem essa relação. Parece<br />
relevante que se realizem mais pesquisas <strong>sobre</strong> o assunto, a fim de obter<br />
dados válidos cientificamente, no intuito de demonstrar se realmente os sites<br />
na internet contribuem para o risco de <strong>suicídio</strong>, de que forma o fazem e analisar<br />
que população é mais propensa a estes riscos.<br />
<strong>Considerações</strong> Finais<br />
Embora não se tenha uma resposta única ou certa para as questões que<br />
envolvem o final da vida, o debate <strong>sobre</strong> as decisões a serem tomadas neste<br />
processo vêm apresentando resultado positivo, na medida em que chama a<br />
atenção para o sofrimento de alguns pacientes nesta fase. Tão importante é o<br />
objetivo de curar e prolongar a vida, como o de ajudar a proporcionar uma<br />
morte em paz. (Ortíz, 2005).<br />
O mesmo autor refere que não devemos pôr ênfase no fato ou na<br />
situação em si tanto quanto no conjunto inteiro da vida da pessoa que se<br />
encontra nesta situação terminal. Um acontecimento, por mais crítico que<br />
possa ser, não adquire sentido se não tomamos como principal o que está no<br />
interior da narrativa completa da vida de uma pessoa. Esse é então o contexto<br />
no qual a situação concreta pode adquirir o verdadeiro sentido. Desta forma,<br />
percebe-se a necessidade de enfocar a tomada de decisão nesses casos<br />
desde esta perspectiva mais geral e completa, integrando os vários<br />
personagens envolvidos na situação, como o próprio paciente, familiares, os<br />
profissionais da saúde e a instituição envolvida, priorizando assim uma relação<br />
transparente e simétrica.<br />
Deve-se buscar o equilíbrio entre a atenção ao doente e os recursos que<br />
a ciência e a tecnologia nos disponibilizam hoje, sem deixar de lado o<br />
humanismo, que caracteriza os profissionais da saúde. Talvez não se tenha<br />
uma fórmula pronta de como agir diante de situações tão difíceis como a de
não se ter mais possibilidade de ajudar o paciente ou quando este solicita a<br />
morte, mas o que parece imprescindível na prática é que mais importante do<br />
que compreender os fenômenos biológicos, é compreender os pensamentos,<br />
idéias, sentimentos, reflexões e reações desta pessoa que passa pelo<br />
processo de morrer. Clarificar os desejos do paciente, explorar e endereçar as<br />
suas preocupações são iniciativas que podem ajudar neste momento. Se<br />
interessar pela doença e pela morte também é demonstrar interesse pela vida.<br />
Finalmente, fica o sentimento de que por mais que já se tenha discutido<br />
os temas <strong>eutanásia</strong>, terminalidade e seus limites, <strong>suicídio</strong> e <strong>suicídio</strong> <strong>assistido</strong>,<br />
ainda há muito que refletir e acrescentar a essa discussão tão complexa.<br />
Surgem também pontos que merecem atenção e que devem ser mais<br />
freqüentes nestas discussões, como é o caso de pacientes vegetativos e os<br />
casos de <strong>suicídio</strong>s ajudados pela internet, ainda começando a serem<br />
explorados em termos de pesquisa.<br />
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