Acta Ped Vol 42 N 4 - Sociedade Portuguesa de Pediatria
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<strong>Acta</strong> <strong>Ped</strong>iatr Port 2011:<strong>42</strong>(4):149-53<br />
Simões ASL – Quando a criança morre…<br />
redor. Assim que a criança tiver ida<strong>de</strong> suficiente para se vincular,<br />
po<strong>de</strong> ter consciência da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r a pessoa<br />
amada. 6,7 A criança, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequena, tem consciência da existência<br />
da morte, embora essa consciência possa não ser i<strong>de</strong>ntificada<br />
pelos adultos, pois é expressa com os recursos disponíveis<br />
da criança. 8 Os pais po<strong>de</strong>m não ter a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
enten<strong>de</strong>r a complexida<strong>de</strong> das questões ou ter dificulda<strong>de</strong> em<br />
respon<strong>de</strong>r. O que o adulto não sabe, é que as crianças questionam<br />
sem angústia a respeito da morte até cerca dos 7 anos. 6 A<br />
criança não imagina o horror da <strong>de</strong>struição, o frio do túmulo,<br />
o aterrador do nada sem fim que o adulto suporta tão mal. 9<br />
A criança que morre<br />
A morte para a criança é vivenciada como perda <strong>de</strong> controle,<br />
como um último e irremediável abandono 10 , no entanto a sua<br />
reacção diante da morte, a exemplo da sua reacção diante da<br />
doença, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da etapa do <strong>de</strong>senvolvimento em que se<br />
encontra. A <strong>de</strong>pressão melancólica po<strong>de</strong> inundar a vida psíquica<br />
da criança interferindo com as suas capacida<strong>de</strong>s intelectuais,<br />
<strong>de</strong> maneira que o <strong>de</strong>ficit cognitivo que acompanha a<br />
<strong>de</strong>pressão torna difícil <strong>de</strong>limitar as fronteiras entre a fantasia<br />
e a realida<strong>de</strong>. Aberastury, na sua experiência clínica, i<strong>de</strong>ntificou<br />
que as crianças terminais não só percebem que vão morrer,<br />
mas, se encontram alguma receptivida<strong>de</strong> nos adultos que<br />
as cercam, <strong>de</strong>monstram esta percepção verbalmente, graficamente<br />
ou através dos seus jogos. Relata uma tocante situação<br />
na qual uma criança leucémica, no seu período terminal, costumava<br />
jogar damas com a sua psicóloga. As regras do jogo<br />
eram modificadas a cada dia, pela criança, <strong>de</strong> tal forma que<br />
com ele ficavam cada dia menos damas. Até que 24 horas<br />
antes da sua morte “per<strong>de</strong>u” a última dama, e verbalizou: “o<br />
jogo terminou” 8 Uma criança em fase terminal apercebe-se<br />
da proximida<strong>de</strong> da morte através <strong>de</strong> informação directa ou<br />
por <strong>de</strong>dução cognitiva. Os pais ao percepcionarem esta <strong>de</strong>scoberta<br />
e a necessida<strong>de</strong> da criança falar sobre o assunto<br />
optam por fazê-lo ou não. No estudo realizado por<br />
Kreicbergs et al nenhum dos pais que discutiu com o seu<br />
filho a iminência da sua morte se arrepen<strong>de</strong>u <strong>de</strong> o ter feito,<br />
enquanto que um terço dos pais que não o fizeram arrepen<strong>de</strong>m-se<br />
profundamente disso. 11<br />
Ajuriaguerra e Marcelli, propuseram quatro fases no <strong>de</strong>senvolvimento<br />
infantil directamente relacionadas com a compreensão<br />
da morte: fase <strong>de</strong> incompreensão total (0-2anos);<br />
fase abstracta <strong>de</strong> percepção mítica da morte (2-6 anos); fase<br />
concreta <strong>de</strong> realismo e <strong>de</strong> personificação (até 9 anos); fase<br />
abstracta <strong>de</strong> acesso à angústia existencial (após 12 anos) 12 A<br />
criança que se aproxima da morte po<strong>de</strong>, apresentar diferentes<br />
reacções: ficar contente por morrer porque terá férias da<br />
escola, mas voltará no próximo ano lectivo; apresentar sintomas<br />
<strong>de</strong> medo excessivo a uma figura imaginária que o levará<br />
para um local medonho; perceber que ao morrer separar-se-á<br />
<strong>de</strong>finitivamente <strong>de</strong> tudo e todos e mergulhar numa <strong>de</strong>pressão,<br />
normal nas fases <strong>de</strong> aproximação à morte.<br />
A criança pequena não consegue distinguir a diferença entre<br />
<strong>de</strong>sejo e realida<strong>de</strong>. Se alguma vez sentiu ou ouviu que a morte<br />
seria o castigo justo para alguma tropelia cometida, ao passar<br />
por uma situação maligna, assumirá toda a culpa <strong>de</strong>ssa situação,<br />
como se a tivesse provocado. 13 Além disso não sabe lidar<br />
com o pensamento concreto, a imagem da vida e morte em<br />
que acredita é exibida nos <strong>de</strong>senhos animados, em que enormes<br />
tragédias acontecem com as personagens e elas regressam<br />
sobrevivendo a tudo. 14 A criança, não raro, vê a morte<br />
como algo não-permanente, quase não a distinguindo <strong>de</strong> um<br />
divórcio em que continuará a ver os pais. 13 A utilização <strong>de</strong> filmes<br />
que <strong>de</strong>monstram que a morte é <strong>de</strong>finitiva po<strong>de</strong> ser importante<br />
nesta fase, como o Bambi e o Rei Leão. 14 Corrobora esta<br />
i<strong>de</strong>ia Vendruscolo, com o exemplo <strong>de</strong> uma criança, <strong>de</strong> apenas<br />
3 anos, que acompanhou no processo <strong>de</strong> luto pela irmã <strong>de</strong> 15<br />
anos. Relata que conseguiu aproximar-se <strong>de</strong>sta criança através<br />
da utilização <strong>de</strong> contos infantis como o Rei Leão. Na 8ª sessão<br />
<strong>de</strong> acompanhamento surge este diálogo esclarecedor:<br />
“Quanta gente e bicho morreu, não é Gabriela? e que a<br />
menina <strong>de</strong> 3 anos respon<strong>de</strong>, “A Isabela não vem…ela não<br />
vem, também morreu.” 15<br />
Para a criança entre os 2 e os 6 anos a morte não é permanente,<br />
é tão temporária como o plantar uma semente e esperar<br />
que a flor nasça na próxima primavera significa um sono temporário<br />
16 . Por meio <strong>de</strong> produções gráficas, nível e conteúdo do<br />
brinquedo e dramatização, as crianças expressam as suas<br />
vivências <strong>de</strong> morte como separação e abandono. A morte po<strong>de</strong><br />
também ser vista como uma personagem maléfica que vem<br />
buscar as pessoas que se portaram menos bem. Ainda atribui<br />
a morte a uma intervenção externa, habitualmente personificada<br />
por um anjo, um fantasma, um carro preto 16 . Por volta<br />
dos <strong>de</strong>z, doze anos surge a concepção realista, isto é, a morte<br />
como um processo biológico permanente. No adolescente as<br />
i<strong>de</strong>ias são semelhantes às do adulto, tendo atenção à fase difícil<br />
do ciclo vital que é a adolescência. 13,16,17<br />
O adulto vê a criança frágil, pela sua imaturida<strong>de</strong>, e protegea<br />
<strong>de</strong> diferentes modos, enquanto esta vê o adulto forte e possante<br />
e presta-se à sua protecção 18 , por isso, é perturbado 4 .É<br />
importante saber comunicar <strong>de</strong> outra forma, através dos <strong>de</strong>senhos<br />
que não se presta a atenção <strong>de</strong>vida, das frases soltas que<br />
não se exploram, através dos sentimentos e atitu<strong>de</strong>s da criança<br />
que necessita <strong>de</strong> falar sobre a sua situação 19 .<br />
Na preparação para a morte <strong>de</strong> uma criança, o profissional <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong> terá que trabalhar <strong>de</strong> forma criativa, ajustando a sua linguagem<br />
à da criança e <strong>de</strong>scobrindo formas explicativas acessíveis<br />
à sua percepção. Os elementos lúdicos, por fazerem<br />
parte do universo infantil servem como elo <strong>de</strong> uma comunicação<br />
mais clara entre adultos e crianças. A ludoterapia provou<br />
ser eficaz na expressão do mundo interior on<strong>de</strong> os brinquedos<br />
passam a ser o doente e a criança doente passa a ser o adulto<br />
que com ela comunica. 19,20 A estratégia dos “6Es” preten<strong>de</strong><br />
estabelecer uma comunicação satisfatória com a criança em<br />
fase terminal e família: Estabelecer uma relação <strong>de</strong> equipa<br />
entre criança, família e profissionais: Engajar com a criança<br />
no tempo certo; Explorar o que a criança já sabe ou <strong>de</strong>duz;<br />
Explicar o que a criança quer saber; Empatizar com as reacções<br />
emocionais da criança; Encorajar a criança a expressarse<br />
assegurando-lhe que estaremos ali para a ouvir 11 .<br />
A comunicação empática reveste-se <strong>de</strong> especial importância<br />
quando o nosso doente é uma criança. Falar sobre morte não<br />
é impossível, mas sim necessário. As crianças percebem a<br />
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