Religião e sincretismo em Jorge Amado
Religião e sincretismo em Jorge Amado
Religião e sincretismo em Jorge Amado
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Iaô s , f e i ta s, e q u e d e s e a l a b ê s. As<br />
obrigações iniciáticas preparam o filho<br />
ou filha de santo para que os orixás se<br />
manifest<strong>em</strong> <strong>em</strong> seus corpos durante<br />
o transe ritual. Os filhos de santo que<br />
entram <strong>em</strong> transe são chamados iaôs,<br />
ou feitos e feitas. Além dos iaôs, há a<br />
classe dos que não entram <strong>em</strong> transe,<br />
constituída de equedes e ogãs. Equedes<br />
são as mulheres encarregadas de cuidar<br />
dos orixás manifestados nos iaôs e dançar<br />
com eles. Os homens que não entram <strong>em</strong><br />
transe são os axoguns, responsáveis pelos<br />
sacrifícios votivos, os alabês, que tocam<br />
os atabaques, e os que cuidam de outras<br />
tarefas indispensáveis ao culto e ao funcionamento<br />
e proteção do terreiro. São<br />
genericamente chamados ogãs. Alguns<br />
são ogãs honoríficos, com encargos de<br />
cunho mais social que religioso.<br />
Sincretismo<br />
O <strong>sincretismo</strong> foi um mecanismo cultural decisivo<br />
para a reconstituição das religiões africanas no Brasil. A<br />
própria palavra “santo” serviu de tradução para “orixá”,<br />
inclusive nos termos “mãe de santo”, “filho de santo”,<br />
“povo de santo” e outras palavras compostas <strong>em</strong> que<br />
originalmente a palavra africana era orixá. E esse santo<br />
é o santo católico.<br />
O candomblé se formou e se transformou no contexto<br />
social e cultural católico do Brasil do século x i x.<br />
Pelo <strong>sincretismo</strong>, os orixás passaram a ser identificados<br />
com os santos, sendo louvados, assim, tanto nos<br />
terreiros como nas igrejas. Os seguidores dos orixás<br />
no Brasil, especialmente nos primeiros t<strong>em</strong>pos, eram<br />
também católicos, e muitos rituais realizados no terreiro<br />
eram compl<strong>em</strong>entados por cerimônias atendidas<br />
na igreja.<br />
Isso mesmo, candomblé e Igreja católica andam<br />
juntos. N<strong>em</strong> podia ser diferente. Antes da primeira<br />
constituição republicana brasileira, de 1891, o catolicismo<br />
era a religião oficial do Estado e a única tolerada.<br />
Nesse período anterior à República, atos civis como o<br />
registro de nascimento e o casamento eram atribuições<br />
das paróquias católicas. Qu<strong>em</strong> era brasileiro devia ser<br />
também católico, ou não tinha lugar na sociedade. O<br />
candomblé nasceu, assim, como uma espécie de segunda<br />
religião de negros católicos, foss<strong>em</strong> escravos ou livres,<br />
nascidos no Brasil ou na África. Só <strong>em</strong> anos recentes o<br />
candomblé foi se tornando religião autônoma, apartada<br />
do catolicismo, mas o <strong>sincretismo</strong> ainda persiste na<br />
maioria dos terreiros. O candomblé, que aos poucos<br />
vai deixando de lado o <strong>sincretismo</strong>, dos anos 1960 para<br />
cá v<strong>em</strong> se transformando <strong>em</strong> religião para todos, sejam<br />
negros, pardos, brancos ou amarelos, s<strong>em</strong> fronteiras de<br />
etnia, cor, classe social ou orig<strong>em</strong> geográfica.<br />
Nos romances de <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong>, entretanto, o candomblé ainda não se separa<br />
do catolicismo. Em O compadre de Ogum, na dúvida quanto à escolha do padrinho<br />
— eram vários os candidatos <strong>em</strong> disputa pela honraria —, um personag<strong>em</strong> sugere<br />
que o menino, filho de um ogã de candomblé, seja batizado “no padre, no espí-<br />
Ebó, t r a n s e e d a n ç a . Os deuses do<br />
candomblé dev<strong>em</strong> ser alimentados e<br />
vestidos como qualquer m<strong>em</strong>bro de uma<br />
família. O ebó — oferenda ou sacrifício<br />
— contém tudo de que eles necessitam:<br />
comida, bebida, roupa, adornos e outros<br />
produtos de uso pessoal. É preciso conhecer<br />
o gosto do orixá para que o ebó<br />
seja aceito por ele. Os orixás também<br />
gostam de dançar e usam o corpo das<br />
feitas, no transe ritual, para se juntar<br />
aos seres humanos nas cerimônias dançantes<br />
de confraternização entre deuses<br />
e mortais. Nesses momentos rituais, por<br />
meio de intrincada coreografia, eles representam<br />
passagens de suas mitológicas<br />
aventuras na Terra. Porque um dia foram<br />
seres humanos como nós.<br />
50 Cad e r n o de Le i t u r a s