arquivo em pdf - Claudio Di Mauro
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Revisão da Lei Federal de Parcelamento do Solo:<br />
um debate sobre o Substitutivo ao PL 3.057/2000 1<br />
Profª Drª Heloísa Soares de Moura Costa - hsmcosta@terra.com.br<br />
Arquiteta urbanista, Professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais<br />
(UFMG) e pesquisadora do CNPq. Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa<br />
<strong>em</strong> Planejamento Urbano e Regional (ANPUR) na gestão 2003-2005.<br />
Prof. Ms. Élisson Cesar Prieto – elissonprieto@gmail.com<br />
Advogado, Professor do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), consultor<br />
nas áreas de planejamento urbano e ambiental junto a ONG's e prefeituras municipais e de processo<br />
legislativo junto à Ass<strong>em</strong>bléia de Minas Gerais e à Câmara dos Deputados.<br />
1. Introdução<br />
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Panorama do Parcelamento do<br />
Solo no Brasil; 3. Tramitação da Proposta de Revisão da Lei<br />
Federal de Parcelamento; 4. O Substitutivo ao PL<br />
3.057/2000; 5. Considerações Finais. 6. Referências<br />
Bibliográficas.<br />
O debate sobre a revisão da Lei Federal de Parcelamento do Solo e sobre a<br />
possibilidade de estabelecer uma Lei de Responsabilidade Territorial no Brasil é mais<br />
do que necessário. A atual Lei Federal n.º 6.766/1979 e o aparato políticoadministrativo<br />
nos Estados e Municípios, mostraram-se insuficientes para assegurar<br />
mecanismos de controle da urbanização que resultass<strong>em</strong> <strong>em</strong> cidades mais justas ou<br />
que eventualmente revertess<strong>em</strong> os históricos processos informais de produção e<br />
apropriação do espaço.<br />
Do mesmo modo que prosperam condomínios e loteamentos fechados para as<br />
camadas de mais alta renda, multiplicam-se as favelas <strong>em</strong> áreas de risco, as<br />
ocupações irregulares de glebas urbanas e a implantação de loteamentos clandestinos,<br />
muitas vezes patrocinados pelo próprio poder público.<br />
Ao mesmo t<strong>em</strong>po ao longo das três décadas que separam a Lei Federal n.º<br />
6.766/1979 da proposta ora discutida, significativas mudanças ocorreram na política<br />
urbana brasileira e na sua regulação. Como ex<strong>em</strong>plo significativo pod<strong>em</strong>os mencionar<br />
as alterações na forma de tratar a informalidade urbana, buscando-se garantir o direito<br />
à permanência da população nas áreas ocupadas, por meio dos processos de<br />
urbanização de assentamentos informais e regularização fundiária, t<strong>em</strong>a ainda pouco<br />
presente no debate público do final da década de 1970.<br />
Por isso, faz-se necessária, <strong>em</strong> conformidade com os novos ditames trazidos no<br />
capítulo de Política Urbana da Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Cidade<br />
(Lei Federal n.º 10.257/2001), a atualização das normas federais sobre parcelamento<br />
do solo, cuja proposta encontra-se <strong>em</strong> debate na Câmara dos Deputados.<br />
O presente artigo originou-se de um debate dos autores <strong>em</strong> reunião plenária do<br />
Conselho Estadual de Desenvolvimento Regional e Política Urbana (CONEDRU) de<br />
Minas Gerais, realizado <strong>em</strong> Belo Horizonte, <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro de 2008, convocada<br />
especialmente para debater o Substitutivo ao Projeto de Lei (PL) 3.057/2000, aprovado<br />
<strong>em</strong> dez<strong>em</strong>bro de 2007, <strong>em</strong> Comissão Especial.<br />
O objetivo primeiro das discussões é estimular que governos estaduais e<br />
municipais, entidades e instituições acadêmicas e profissionais, movimentos sociais e<br />
1<br />
Publicado na Revista Magister de <strong>Di</strong>reito Ambiental e Urbanístico, volume 21 (dez/jan. 2009), págs. 96-115.
setor <strong>em</strong>presarial, apresent<strong>em</strong> sugestões, alterações, modificações ao projeto <strong>em</strong><br />
discussão no parlamento, para que, enfim, possamos ter uma nova lei de ordenamento<br />
do solo urbano que traduza o debate entre estes vários agentes sociais. Assim este<br />
artigo busca sist<strong>em</strong>atizar os principais el<strong>em</strong>entos de diferenciação da nova proposta,<br />
como uma contribuição ao debate recente <strong>em</strong> torno do t<strong>em</strong>a.<br />
2. Panorama do Parcelamento do Solo no Brasil<br />
A população no Brasil é hoje essencialmente urbana. Entre 1940 e 1980, a taxa<br />
de urbanização (ou o percentual da população que vive <strong>em</strong> áreas urbanas) cresceu de<br />
31,2% para 67,6%. Em 1991 esse percentual chegou a 76%. Atualmente, a taxa de<br />
urbanização já passou dos 81% (IBGE 2000).<br />
Como sintetiza Milton Santos 2 entre 1940 e 1980, enquanto a população total do<br />
Brasil triplicou, a população urbana se multiplicou por sete vezes e meia. Esse grande<br />
aumento da população urbana traduziu-se <strong>em</strong> um adensamento das áreas<br />
consolidadas e <strong>em</strong> significativo aumento da área urbanizada, mantendo-se, entretanto,<br />
as características de desigualdade e exclusão sócio-territorial.<br />
Alguns indicadores desse cenário são os dados atuais do Ministério das Cidades<br />
(2007), que estimam o déficit habitacional brasileiro <strong>em</strong> aproximadamente 8 milhões de<br />
domicílios e pior, apontam irregularidade fundiária urbana <strong>em</strong> até 13 milhões de<br />
moradias.<br />
Em termos espaciais, esta urbanização crescente é <strong>em</strong> grande medida resultado<br />
do parcelamento do solo, atividade que, tanto do ponto de vista técnico quanto jurídico,<br />
orienta a expansão da cidade e a organização espacial de novas áreas urbanas.<br />
É notório que o parcelamento do solo, hoje realizado sob a forma de loteamento<br />
ou desm<strong>em</strong>bramento, é um dos instrumentos urbanísticos utilizados para promover a<br />
organização territorial dos municípios brasileiros. É através desse instrumento que o<br />
município pode exigir dos agentes imobiliários uma distribuição adequada dos lotes,<br />
equipamentos e vias públicas, b<strong>em</strong> como suas respectivas dimensões, áreas para<br />
recreação e outros usos comunitários e infra-estrutura mínima 3 .<br />
Como se sabe, o parcelamento do solo urbano é condicionado por diversos<br />
fatores, como a conformação topográfica do terreno, aspectos culturais, políticos e<br />
econômicos e estágio tecnológico, mas sobretudo pela legislação <strong>em</strong> vigor.<br />
Antes de dez<strong>em</strong>bro de 1979, o país disciplinava a matéria do parcelamento do<br />
solo, por meio do Decreto-lei 58/1937, que vigorou por mais de 50 anos, abrangendo<br />
períodos de grande expansão urbana. O Decreto-lei 58/37 não continha nenhum<br />
dispositivo de caráter urbanístico que pudesse auxiliar o poder público a melhor<br />
organizar a expansão espacial e criar áreas públicas para a implantação dos<br />
equipamentos públicos necessários à população que viesse a se instalar nas áreas<br />
urbanas expandidas.<br />
Nesse aspecto, a Lei Federal 6.766/79, veio apresentar um caráter inovador,<br />
d<strong>em</strong>onstrando preocupação com a ordenação do espaço urbano, determinando<br />
indicadores mínimos de áreas e testadas de lotes e de faixas não edificáveis,<br />
estabelecendo também as condições de salubridade para a implantação de novos<br />
loteamentos e disciplinando as relações de compra e venda de lotes, garantindo o<br />
direito dos adquirentes de lotes.<br />
Como informa Edésio Fernandes 4 , o Decreto-lei 58/1937 estava totalmente<br />
defasado e inadequado como instrumento de planejamento urbano, mesmo porque<br />
2<br />
SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1991.<br />
3<br />
MOTA, Sérgio A. Frazão do. Manual Teórico e prático do Parcelamento urbano. Rio de Janeiro: Forense, 1981.<br />
4<br />
FERNANDES, Edésio. Law and Urban Change in Brazil. London: Avebury, 1995.
este não era o seu propósito maior. O referido decreto-lei era claramente limitado<br />
enquanto controlador do uso da terra. Na verdade, era muito mais uma lei civil voltada<br />
para as relações comerciais entre indivíduos, referente à terra.<br />
De acordo com Ermínia Maricato 5 , a lei de parcelamento do solo trouxe<br />
significativa, <strong>em</strong>bora pouco estudada, restrição da oferta de moradia para a população<br />
trabalhadora. A autora entende que<br />
“<strong>em</strong>bora a lei seja fruto da luta de movimentos de moradoras de<br />
loteamentos irregulares, mas não só destes, a nova lei atende a uma<br />
reivindicação popular: criminalização do loteador clandestino,<br />
possibilitando a suspensão do pagamento para efeito de viabilizar a<br />
execução das obras urbanísticas e atribuição ao município ou ao<br />
Ministério Público da representação das comunidades através do<br />
interesse difuso”.<br />
Sintetizando, ao final, Hely Lopes Meirelles 6 observa:<br />
"Essa lei, conquanto defeituosa <strong>em</strong> alguns de seus conceitos e falha <strong>em</strong><br />
muitos de seus dispositivos, representa considerável avanço na<br />
regência urbanística do parcelamento do solo para loteamentos e<br />
desm<strong>em</strong>bramentos urbanos, dando orientação técnica para sua<br />
efetivação e meios eficazes para se coibir a conduta abusiva dos<br />
loteadores”.<br />
3. Tramitação da Proposta de Revisão da Lei Federal de Parcelamento<br />
A atual lei federal de parcelamento do solo – Lei Federal n.º 6.766, de 19 de<br />
dez<strong>em</strong>bro de 1979, já vigora há 28 anos. Desde então houve apenas uma alteração<br />
legislativa aprovada <strong>em</strong> 1999, pela Lei n.º 9.785, principalmente nas áreas destinadas<br />
a uso público dos loteamentos e também no cronograma de obras.<br />
De lá pra cá, diversas proposições <strong>em</strong> discussão na Câmara dos Deputados e<br />
no Senado Federal, intentaram alterar ou revogar dispositivos da lei federal de<br />
parcelamento do solo urbano.<br />
A proposição que atualmente unificou os encaminhamentos para revisão da lei<br />
de parcelamento, é o Projeto de Lei n. 3.057/2000, de autoria do Dep. Bispo<br />
Wanderval. O projeto tratava inicialmente do registro de loteamento suburbano de<br />
pequeno valor.<br />
Mas, <strong>em</strong> 2002, o então relator, Dep. João Sampaio propôs a reformulação<br />
integral da Lei Federal n.º 6.766/1979, reunindo <strong>em</strong> um Substitutivo, diversas outras<br />
propostas apensadas ao projeto.<br />
Em 2003, com o final da legislatura, o projeto foi arquivado e desarquivado logo<br />
depois, sendo designado na Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Câmara<br />
dos Deputados, um novo relator que apresentou um novo parecer. Mas o parecer não<br />
foi votado e, <strong>em</strong> 2005, um novo relator assumiu o projeto e apresentou outro parecer.<br />
Já <strong>em</strong> 2006, diante de diversos requerimentos pedindo apreciação do projeto<br />
por comissões permanentes da Câmara dos Deputados, foi criada uma Comissão<br />
Especial apenas para tratar do projeto, composta por 31 m<strong>em</strong>bros titulares.<br />
Em 2006, essa Comissão Especial designou mais um relator, o Dep. Barbosa<br />
Neto, que apresentou um novo parecer, que recebeu várias <strong>em</strong>endas, mas não foi<br />
5<br />
MARICATO, Ermínia. O urbanismo na periferia do capitalismo: desenvolvimento da desigualdade e<br />
contravenção sist<strong>em</strong>ática, 1995, p.23.<br />
6<br />
MEIRELES, Hely Lopes. <strong>Di</strong>reito Municipal Brasileiro, 1993, p.413.
votado <strong>em</strong> decorrência do final da legislatura.<br />
Em 2007, o projeto foi novamente desarquivado, sendo constituída nova<br />
Comissão Especial e designado um novo relator, o Deputado Renato Amary, que é o<br />
atual responsável pela matéria.<br />
Em outubro de 2007, o relator apresentou o primeiro Substitutivo que suscitou<br />
diversos debates e recebeu centenas de <strong>em</strong>endas e contribuições. O resultado de<br />
processo de discussão foi o Substitutivo n.º 2 apresentado na comissão e que foi<br />
aprovado <strong>em</strong> 17/12/2007, aguardando sua inclusão na pauta do Plenário da Câmara.<br />
Ao todo, já foram 8 anos de tramitação, passando por 3 legislaturas diferentes. 3<br />
comissões de mérito analisaram a proposta apresentada por 5 diferentes relatores. O<br />
projeto também recebeu, ao todo, 332 <strong>em</strong>endas e substitutivos, d<strong>em</strong>andou diversas<br />
reuniões e audiências públicas. Em que pes<strong>em</strong> todos os números, a proposição não<br />
t<strong>em</strong> sequer data para ser levada à plenário, tampouco votada.<br />
Se aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados, será ainda r<strong>em</strong>etida ao<br />
Senado Federal onde novamente será discutido, <strong>em</strong> comissões especiais ou<br />
permanentes, com designação de relatores e pareceres que pod<strong>em</strong> receber <strong>em</strong>endas.<br />
O projeto só se torna lei se não receber qualquer alteração no Senado e for sancionado<br />
pelo Presidente da República. Caso qualquer <strong>em</strong>enda seja aprovada pelo Senado,<br />
será necessário o retorno do projeto à Câmara dos Deputados para nova análise.<br />
Visando agilizar e d<strong>em</strong>ocratizar o processo de discussão desse importante<br />
projeto, o Ministério das Cidades realizou <strong>em</strong> maio de 2008, um s<strong>em</strong>inário nacional<br />
sobre o t<strong>em</strong>a que apontou diversas contribuições. Esse evento se desdobrou <strong>em</strong> 5<br />
s<strong>em</strong>inários regionais pelo país, que ocorreram <strong>em</strong> set<strong>em</strong>bro do mesmo ano.<br />
O Conselho das Cidades também criou, por resolução, uma Comissão de<br />
Articulação e Pactuação para elaboração de propostas ao PL 3.057/2000 e realizou<br />
reuniões para discutir o projeto.<br />
<strong>Di</strong>versas são as dificuldades para a tramitação dessa matéria. Primeiro, porque<br />
se altera uma lei que, durante muito t<strong>em</strong>po, foi praticamente a única da União com<br />
normas gerais no campo do direito urbanístico e, até hoje, é o principal instrumento de<br />
ordenação do parcelamento do solo urbano.<br />
Segundo, porque há muitos interesses envolvidos, econômicos, políticos,<br />
públicos, privados, entre outros, e a boa parte deles conflitantes entre si. Os processos<br />
de valorização e especulação imobiliária, de loteamentos clandestinos e irregulares, do<br />
déficit de moradias e altos índices de áreas vazias e prédios desocupados, do<br />
planejamento e do uso e ocupação dos espaços da cidade, são todos afetados pela<br />
mudança da lei.<br />
Terceiro, porque o processo de negociação estabelecido t<strong>em</strong> sido difícil até<br />
pelos valores e pelo número de atores envolvidos e interessados: parlamentares,<br />
técnicos da Câmara dos Deputados, Ministério das Cidades, Ministério do Meio<br />
Ambiente, Ministério da Justiça, Casa Civil, Ministério Público, Associação de Juízes<br />
Federais, Governas Estaduais, Governos Municipais representados por suas<br />
associações, movimentos sociais e Fórum Nacional pela Reforma Urbana, Setor<br />
Empresarial dos ramos imobiliário e da construção civil, organizações nãogovernamentais,<br />
instituições acadêmicas e entidades de classe, ambientalistas,<br />
arquitetos urbanistas, dentre outros.<br />
4. O Substitutivo ao PL 3.057/2000<br />
O Substitutivo ao PL 3.057/2000, aprovado na Comissão Especial, está<br />
disponível para consulta na internet, nos sítios da Câmara dos Deputados<br />
e do Ministério das Cidades .
A estrutura do texto legal proposto, divide-se nos seguintes títulos:<br />
Título I – <strong>Di</strong>sposições Gerais (arts. 1º e 2º)<br />
Título II – Parcelamento do Solo para Fins Urbanos (arts. 3º ao 76)<br />
Requisitos urbanísticos e ambientais<br />
Responsabilidades<br />
Projeto<br />
Licenciamento<br />
Registro do parcelamento<br />
Contratos<br />
Intervenção<br />
Título III – Regularização Fundiária Sustentável <strong>em</strong> Áreas Urbanas (arts. 77<br />
ao 99)<br />
Procedimento<br />
Regularização Fundiária de Interesse Social e Interesse Específico<br />
D<strong>em</strong>arcação Urbanística e Legitimação de Posse<br />
Registro da Regularização<br />
Título IV – <strong>Di</strong>sposições Penais, Compl<strong>em</strong>entares e Finais (arts. 100 ao 138)<br />
Apesar do grande número de títulos, capítulos e artigos, a versão trazida no<br />
Substitutivo ao PL 3.057/2000, está b<strong>em</strong> estruturada e formatada para facilitar a<br />
compreensão dos operadores da matéria. Destaca-se, por ex<strong>em</strong>plo, o artigo 2º que, de<br />
forma didática, define os conceitos de todos os institutos presentes na lei.<br />
Também a reserva de um título apenas para tratar das normas de Regularização<br />
Fundiária, que não faz<strong>em</strong> parte hoje do ordenamento jurídico, é um importante avanço.<br />
4.1. Modalidades de parcelamento do Solo<br />
O projeto inova ao propor outras modalidades de parcelamento do solo, <strong>em</strong><br />
consonância com as novas espécies de parcelamento e ordenação do solo. Enquanto<br />
à atual lei resume todo e qualquer parcelamento a apenas 2 formas – loteamento e<br />
desm<strong>em</strong>bramento – a nova proposta reconhece e cria, pelo menos 6 modalidades de<br />
parcelamento do solo urbano.<br />
MODALIDADES DE PARCELAMENTO DO SOLO<br />
Lei n.º 6.766/1979 Substitutivo PL 3.057/2000<br />
1. Loteamento<br />
2. Desm<strong>em</strong>bramento<br />
1. Loteamento<br />
2. Desm<strong>em</strong>bramento<br />
3. Condomínio urbanístico<br />
4. Loteamento com acesso controlado<br />
5. Parcelamento Integrado à Edificação<br />
6. Parcelamento de Pequeno Porte<br />
Deve-se considerar que a figura do r<strong>em</strong><strong>em</strong>bramento considerada por diversos<br />
autores como modalidade de parcelamento, passa agora a integrar o ordenamento<br />
legal, uma vez que o Substitutivo r<strong>em</strong>ente ao município, a possibilidade do<br />
r<strong>em</strong><strong>em</strong>bramento ser regulamentado.<br />
As definições das modalidades de parcelamento, segundo o texto proposto são:<br />
- loteamento: a divisão de imóvel <strong>em</strong> lotes destinados à edificação, com
abertura de novas áreas destinadas a uso público, ou com<br />
prolongamento, modificação ou ampliação das existentes;<br />
- desm<strong>em</strong>bramento: a divisão de imóvel <strong>em</strong> lotes destinados à<br />
edificação, que não implique a abertura de novas áreas destinadas a<br />
uso público, ou o prolongamento, modificação ou ampliação das já<br />
existentes;<br />
- parcelamento integrado à edificação: o parcelamento <strong>em</strong> que a<br />
construção das edificações nos lotes ou unidades autônomas é feita<br />
pelo <strong>em</strong>preendedor, concomitant<strong>em</strong>ente à implantação das obras de<br />
urbanização;<br />
- parcelamento de pequeno porte: o parcelamento de imóvel com área<br />
total inferior a 10.000m² (dez mil metros quadrados), ou o<br />
desm<strong>em</strong>bramento que não resulte <strong>em</strong> mais de 5 (cinco) unidades;<br />
- condomínio urbanístico: a divisão de imóvel <strong>em</strong> unidades autônomas<br />
destinadas à edificação, às quais correspond<strong>em</strong> frações ideais das<br />
áreas de uso comum dos condôminos, admitida a abertura de vias de<br />
domínio privado e vedada a de logradouros públicos internamente ao<br />
seu perímetro;<br />
As modalidades do Parcelamento Integrado à Edificação e do Parcelamento de<br />
Pequeno Porte, pod<strong>em</strong> tanto ser um loteamento, um desm<strong>em</strong>bramento, quanto um<br />
condomínio urbanístico. Pode-se falar então <strong>em</strong> até 6 novas modalidades.<br />
O chamado Parcelamento Integrado à Edificação v<strong>em</strong> reconhecer, com normas<br />
específicas, uma prática já corrente de implantação, principalmente de loteamentos,<br />
com a construção das casas, estabelecendo <strong>em</strong> que condições isso deve se dar.<br />
Já o Parcelamento de Pequeno Porte pode ser considerada uma forma mais<br />
branda de parcelamento, cuja área total é pequena e, por isso, fica dispensado da<br />
reserva de novas áreas públicas.<br />
Um dos pontos mais polêmicos da nova proposta, é a legitimação da figura do<br />
“loteamento fechado”, denominado no Substitutivo de Loteamento com acesso<br />
controlado. Apesar de não estar definido no artigo 2º como as d<strong>em</strong>ais modalidades,<br />
essa figura aparece nas disposições finais, através do artigo 124, que admite sua<br />
aprovação, desde que cumpridas diversas condições.<br />
Trata-se, na verdade, tanto da regularização do loteamentos existentes, quando<br />
da possibilidade de instalação de novos loteamentos fechados, com as mesmas<br />
condicionantes atuais, num período transitório de 3 anos.<br />
4.2. Condomínio urbanístico x Loteamento fechado<br />
S<strong>em</strong> dúvida, o t<strong>em</strong>a que mais t<strong>em</strong> suscitado discussões na proposta de uma Lei<br />
de Responsabilidade Territorial são as modalidades de condomínio urbanístico e<br />
loteamento com acesso controlado, praticamente destinadas às classes de renda<br />
média e alta.<br />
Há importantes diferenças entre essas espécies de parcelamento do solo, como<br />
se resume na tabela a seguir:
DIFERENÇAS ENTRE CONDOMÍNIO URBANÍSTICO<br />
E LOTEAMENTO COM ACESSO CONTROLADO<br />
Condomínio Urbanístico<br />
Formado pela subdivisão <strong>em</strong> unidades<br />
autônomas (o proprietário t<strong>em</strong> direito a uma<br />
fração do todo)<br />
Há uma área interna para recreação e verde e<br />
uma área pública para implantação de<br />
equipamentos comunitários e áreas verdes,<br />
externas ao condomínio<br />
As áreas internas (vias públicas, áreas de<br />
recreação) são particulares, devendo pagar<br />
inclusive IPTU<br />
Os condomínios são definitivos, são<br />
irreversíveis<br />
Loteamento com Acesso Controlado<br />
Formado pela subdivisão <strong>em</strong> lotes (o<br />
proprietário t<strong>em</strong> direito ao seu lote)<br />
A área para equipamentos comunitários e<br />
áreas verdes pode ser interna ou externa ao<br />
loteamento, conforme lei municipal e/ou<br />
concessão de uso<br />
As vias públicas (ruas internas) e áreas de<br />
verdes ou de equipamentos pertenc<strong>em</strong> ao<br />
Município e seu uso e manutenção é<br />
concedido à associação de moradores<br />
Os loteamento pod<strong>em</strong> ser revertidos e<br />
integrado ao sist<strong>em</strong>a urbano<br />
Segundo o Substitutivo proposto, o Condomínio Urbanístico somente será<br />
admitido <strong>em</strong> municípios com Gestão Plena (que possu<strong>em</strong> legislação, conselhos e<br />
órgãos urbanístico e ambientais). Além disso, será necessária que o município aprove<br />
uma lei, estabelecendo:<br />
a) os locais onde pod<strong>em</strong> ser implantados,<br />
b) as dimensões máximas e critérios de contigüidade;<br />
c) as formas admissíveis de fechamento;<br />
d) a necessidade ou não de EIV<br />
e) os critérios de manutenção da infra-estrutura;<br />
f) outros requisitos para assegurar integração do sist<strong>em</strong>a viário, mobilidade<br />
urbana e acesso a bens de uso comum do povo.<br />
Já para implantação de Loteamento com Acesso Controlado será necessária lei<br />
municipal ou estadual autorizando essa modalidade. Será imprescindível também a<br />
permissão do direito de uso das áreas internas, de forma onerosa, à associação de<br />
proprietários. O projeto de loteamento deve ainda prever a integração futura ao sist<strong>em</strong>a<br />
viário e acesso da população <strong>em</strong> geral a equipamentos comunitários e áreas de uso<br />
público.<br />
O texto legal prevê uma regra de transição de 3 anos a partir da entrada <strong>em</strong><br />
vigor da nova lei. Decorrido esse prazo, serão aplicadas ao loteamento com acesso<br />
controlado todas as regras válidas para os condomínios urbanísticos, com o adicional<br />
10% da área de uso público interno.<br />
Os debates entorno dessa polêmica concentram-se, de um lado, na acusação<br />
de que estariam sendo legalizados e incentivados bairros que se apropriam e<br />
privatizam áreas da cidade, principalmente de preservação ambiental, as quais<br />
deveriam se manter públicas. De outro lado, <strong>em</strong>preendedores defend<strong>em</strong>-se dizendo<br />
que tanto o loteamento fechado, quanto o condomínio (imobiliário e vertical) já são<br />
práticas adotadas <strong>em</strong> boa parte das cidades, com aceitação da população.<br />
A nosso ver, a proposta de Loteamento com Acesso Controlado é bastante<br />
polêmica – sua localização nas disposições finais é um indicativo disto – uma vez que<br />
legitima a prática consolidada de fechamento de áreas públicas, como o sist<strong>em</strong>a viário,<br />
na forma do que se convencionou impropriamente chamar de “condomínios” fechados.
Se aprovada, tal figura colocará <strong>em</strong> cheque a noção de espaço público como de livre<br />
acesso por todos e se adotada de forma generalizada, poderá acarretar a<br />
descontinuidade do tecido urbano <strong>em</strong> várias regiões das cidades, com implicações<br />
importantes para o planejamento. Trata-se de uma dimensão bastante aceita da<br />
ilegalidade urbana, convertida <strong>em</strong> produto imobiliário preferencial de diferentes<br />
segmentos de renda da população.<br />
4.3. Requisitos urbanísticos<br />
O projeto altera também diversos requisitos urbanísticos para parcelamento do<br />
solo, especialmente com a flexibilização do índice de área mínima, a definição de<br />
contrapartidas do <strong>em</strong>preendedor e o estabelecimento de percentual de área pública.<br />
REQUISITOS URBANÍSTIVOS<br />
Lei n.º 6.766/1979 Substitutivo PL 3.057/2000<br />
1. Lotes<br />
Área mínima = 125 m²<br />
Testada mínima = 5 m<br />
2. Contrapartidas<br />
Município pode exigir reserva de<br />
faixa non aedificandi destinada a<br />
equipamentos de abastecimento de<br />
água, serviços de esgotos, energia<br />
elétrica, coletas de águas pluviais,<br />
rede telefônica e gás canalizado.<br />
3. Áreas institucionais<br />
Destinadas ao sist<strong>em</strong>a viário, área<br />
para faixas de domínio, espaço<br />
livres de uso público e<br />
equipamentos urbanos e<br />
comunitários<br />
1. Lotes<br />
Área mínima = 125 m²<br />
* nos Parcelamentos integrados à<br />
edificação, área mínima = 100 m²<br />
* nas ZEIS para Municípios com Gestão<br />
Plena, permite área mínima < 100 m²<br />
2. Contrapartidas<br />
Além da reserva de faixa non aedificandi,<br />
o Município com Gestão Plena pode exigir<br />
<strong>em</strong> lei:<br />
- outorga onerosa para implantação de<br />
parcelamento<br />
- doação de área ou recursos para<br />
habitação popular<br />
3. Áreas institucionais<br />
Reserva mínima de 15% da área total<br />
(+) área para infra-estrutura básica e<br />
compl<strong>em</strong>entar<br />
(-) sist<strong>em</strong>a viário (excluídas as vias)<br />
* nas ZEIS para Municípios com Gestão<br />
Plena, permite < percentual<br />
* dispensadas no caso de parcelamento<br />
de Pequeno Porte<br />
* <strong>em</strong> condomínio, dev<strong>em</strong> ser externas ao<br />
perímetro ou substituída por doação para<br />
o fundo municipal de habitação<br />
A nosso ver, a permissão para lotes com menos de 100 m² (c<strong>em</strong> metros<br />
quadrados) <strong>em</strong> ZEIS deveria ocorrer tão somente para regularizar situações já<br />
existentes e não para novos parcelamentos.<br />
Já a permissão para os municípios com gestão plena exigir<strong>em</strong> contrapartidas do<br />
<strong>em</strong>preendedor como o pagamento de recursos ou a doação de áreas para habitação<br />
de interesse social é uma medida acertada, que fortalecer inclusive diversas<br />
legislações municipais nesse sentido e que t<strong>em</strong> sido questionadas judicialmente.<br />
Além disso, o texto proposto reserva para áreas públicas, um mínimo de 15%<br />
(quinze por cento) da área total do parcelamento, excluído o sist<strong>em</strong>a viário e as áreas<br />
necessárias para infra-estrutura básica e compl<strong>em</strong>entar. É importante ressaltar que o
texto original da Lei n.º 6.766/1979, estabelecia uma reserva de 35% da área para<br />
sist<strong>em</strong>a viário, infra-estrutura, equipamentos comunitários e áreas verdes. Com a<br />
alteração <strong>em</strong> 1994, o percentual foi suprimido, ficando uma lacuna quanto a necessário<br />
percentual de áreas públicas até o presente momento.<br />
4.4. Requisitos ambientais<br />
A revisão da Lei n.º 6766/1979 considera a necessária integração entre as<br />
legislações ambientais e urbanísticas nos aspectos que diz<strong>em</strong> respeito à produção de<br />
novos parcelamentos e regularização de parcelamentos existentes. A principal<br />
inovação nessa matéria é a integração do licenciamento, como de forma a agilizar os<br />
processos de aprovação.<br />
Contudo, a proposta t<strong>em</strong> enfrentado resistência de ambientalistas, por flexibilizar<br />
a utilização de Áreas de Preservação Permanente (APP), inclusive, alterando<br />
tacitamente dispositivos importantes do Código Florestal sobre o t<strong>em</strong>a.<br />
Lei n.º 6.766/1979 e Lei n.º<br />
4.771/65<br />
1. APP<br />
admite supressão de vegetação<br />
com autorização do Poder Executivo<br />
Federal, quando for necessária à<br />
execução de obras, planos,<br />
atividades ou projetos de utilidade<br />
pública ou interesse social<br />
2. EIA-RIMA<br />
obrigatório:<br />
- para projetos urbanísticos maiores<br />
que 1 milhão de m² (100 hectares)<br />
- <strong>em</strong> hipóteses definidas na<br />
legislação estadual ou municipal<br />
3. Legislação Ambiental – não há<br />
referência<br />
4.5. Responsabilidades<br />
REQUISITOS AMBIENTAIS<br />
Substitutivo PL 3.057/2000<br />
1. APP<br />
admite a intervenção ou supressão por<br />
utilidade pública, interesse social ou baixo<br />
impacto ambiental (para ser transposta<br />
por sist<strong>em</strong>a viário, usada implantação e<br />
manutenção de sist<strong>em</strong>as de drenag<strong>em</strong> ou<br />
atividades de utilidade pública)<br />
* os parcelamentos <strong>em</strong> área consolidada<br />
com APP degradada pod<strong>em</strong> utilizá-la<br />
como área de lazer (5% de<br />
impermeabilização e 15% de<br />
ajardinamento)<br />
2. EIA-RIMA<br />
obrigatório:<br />
- para <strong>em</strong>preendimentos maiores que 1<br />
milhão de m²<br />
- para <strong>em</strong>preendimentos de significativo<br />
impacto ambiental, segundo a autoridade<br />
licenciadora<br />
3. Legislação Ambiental – Parcelamentos<br />
dev<strong>em</strong> observar leis e planos de manejo<br />
Outro ponto importante da nova legislação é a ampliação nas exigências de<br />
responsabilidade do <strong>em</strong>preendedor e a introdução de duas categorias de infraestrutura,<br />
a básica e a compl<strong>em</strong>entar.<br />
RESPONSABILIDADES<br />
Lei n.º 6.766/1979 Substitutivo PL 3.057/2000<br />
1. Empreendedor 1. Empreendedor
Infra-estrutura básica: constituída<br />
pelos equipamentos urbanos de<br />
escoamento das águas pluviais,<br />
iluminação pública, esgotamento<br />
sanitário, abastecimento de água<br />
potável, energia elétrica pública e<br />
domiciliar e vias de circulação<br />
2. Infra-estrutura básica<br />
São os Equipamentos urbanos de:<br />
- escoamento das águas pluviais<br />
- iluminação pública<br />
- esgotamento sanitário<br />
- abastecimento de água potável<br />
- energia elétrica pública e domiciliar<br />
- vias de circulação<br />
- D<strong>em</strong>arcação dos lotes e unidades<br />
autônomas, áreas destinadas a uso<br />
público e APPs;<br />
- Implantação do sist<strong>em</strong>a viário;<br />
da infra-estrutura básica (exceto sist<strong>em</strong>as<br />
individuais de disposição de esgoto); da<br />
infra-estrutura compl<strong>em</strong>entar exigida por<br />
lei; das edificações no caso do<br />
parcelamento integrado à edificação; e a<br />
recuperação das APPs definidas na<br />
licença urbanística e ambiental integrada;<br />
- Manutenção da infra-estrutura básica e<br />
compl<strong>em</strong>entar e das áreas destinadas a<br />
uso público até a expedição da licença<br />
final ou instituição de condomínio<br />
2. Infra-estrutura básica<br />
São os Equipamentos urbanos de:<br />
- abastecimento de água potável<br />
- disposição adequada de esgoto<br />
- distribuição de energia elétrica<br />
- sist<strong>em</strong>a de manejo de águas pluviais<br />
2A. Infra-estrutura compl<strong>em</strong>entar<br />
- iluminação pública<br />
- pavimentação<br />
- redes de telefonia, fibra ótica e outras<br />
redes de comunicação e de gás<br />
- outros el<strong>em</strong>entos não cont<strong>em</strong>plados na<br />
infra-estrutura básica<br />
Quanto a isso, chama a atenção a opção do legislador <strong>em</strong> excluir da infraestrutura<br />
básica, a implantação da iluminação pública (que passa a ser infra-estrutura<br />
compl<strong>em</strong>entar, portanto, só necessária, se assim dispuser o município.<br />
Há diversas discussões e propostas <strong>em</strong> favor da re-inclusão da iluminação<br />
pública como serviço básico de infra-estrutura, b<strong>em</strong> como da pavimentação (a<br />
pavimentação entendida de forma genérica, não necessariamente asfáltica, mas<br />
aquela que visa garantir a acessibilidade e mobilidade das pessoas nos loteamentos e<br />
conjuntos habitacionais).<br />
4.6. Licenciamento<br />
Outra novidade trazida pelo Substitutivo é a unificação das etapas de<br />
licenciamento <strong>em</strong> apenas dois atos, o que concede Licença Urbanística e Ambiental<br />
Integrada, aprovando o <strong>em</strong>preendimento; e o que concede a Licença Final Integrada,<br />
declarando que o <strong>em</strong>preendimento foi implantado regularmente.<br />
A própria proposição, já no artigo 2º, as define como:<br />
- licença urbanística e ambiental integrada: ato administrativo vinculado<br />
pelo qual a autoridade licenciadora estabelece as exigências de<br />
natureza urbanística e ambiental para o <strong>em</strong>preendedor implantar,<br />
alterar, ampliar ou manter parcelamento do solo para fins urbanos e<br />
para proceder à regularização fundiária;
- licença final integrada: ato administrativo vinculado pelo qual a<br />
autoridade licenciadora declara que o <strong>em</strong>preendimento foi fisicamente<br />
implantado e executado de forma regular, com atendimento das<br />
exigências urbanísticas e ambientais estabelecidas pela legislação <strong>em</strong><br />
vigor ou fixadas na licença urbanística e ambiental integrada<br />
No âmbito das competências para o licenciamento urbanístico e ambiental dos<br />
projetos de parcelamento do solo, há uma grande mudança proposta, ampliando o<br />
poder e a autonomia dos municípios.<br />
COMPETÊNCIAS NO LICENCIAMENTO<br />
Lei n.º 6.766/1979 Substitutivo PL 3.057/2000<br />
1. Estado<br />
* Aprovação:<br />
- localizados <strong>em</strong> áreas de interesse<br />
especial (proteção aos mananciais<br />
ou ao patrimônio cultural, histórico,<br />
paisagístico e arqueológico)<br />
- localizado <strong>em</strong> área limítrofe do<br />
Município, ou que pertença a mais<br />
de um Município<br />
- área superior a 1 milhão de m²<br />
* Anuência Prévia<br />
- da autoridade metropolitana<br />
2. Município<br />
* Fixação de <strong>Di</strong>retrizes e Aprovação:<br />
nos casos <strong>em</strong> que a competência<br />
não for estadual n<strong>em</strong> da autoridade<br />
metropolitana Município<br />
1. Estado<br />
*Apenas Licença Ambiental<br />
- nos parcelamentos <strong>em</strong> Municípios s<strong>em</strong><br />
Gestão Plena<br />
- área superior a 1 milhão de m²<br />
- localizado <strong>em</strong> mais de um Município;<br />
- com vegetação secundária <strong>em</strong> estágio<br />
médio e avançado de regeneração do<br />
bioma Mata Atlântica<br />
- cujo impacto ambiental direto ultrapasse<br />
os limites territoriais de um ou mais<br />
Municípios<br />
- cuja implantação coloque <strong>em</strong> risco a<br />
sobrevivência de espécie da fauna ou da<br />
flora silvestre ameaçada de extinção<br />
2. Município<br />
* Fixação de <strong>Di</strong>retrizes: <strong>em</strong> qualquer<br />
situação<br />
* Emissão da Licença urbanística e<br />
ambiental integrada:<br />
- nos Municípios s<strong>em</strong> Gestão Plena: com<br />
licença ambiental estadual<br />
- nos Municípios com Gestão Plena: <strong>em</strong><br />
qualquer situação<br />
Assim, com a nova lei, a cidade passaria a ter autonomia quase total para definir<br />
as regras de licenciamento ao parcelamento do solo. Tanto do ponto de vista<br />
urbanístico quanto ambiental – diferent<strong>em</strong>ente do que ocorre hoje, <strong>em</strong> que<br />
permanec<strong>em</strong>, <strong>em</strong> alguns casos, a obrigatoriedade de aprovação ou anuência do<br />
Estado.<br />
Em que pese a preocupação de governos estaduais e entidades metropolitanas<br />
com a subtração de competência, ela visa conferir menor burocracia e maior agilidade<br />
ao processo, propiciando diretrizes de projetos mais adequadas às realidades locais,<br />
que dev<strong>em</strong> ser compl<strong>em</strong>entados com um planejamento regional e com capacitação dos<br />
agentes públicos municipais, tarefas para as quais os Estados são fundamentais.<br />
4.7. Municípios com Gestão Plena<br />
Outra importante inovação da proposta é a classificação de municípios quanto à
gestão das questões urbanísticas e ambientais implicadas no parcelamento do solo.<br />
Para isso, a proposta determina condições para que um município seja considerado de<br />
Gestão Plena.<br />
De acordo com o estabelecido no artigo 2º, inciso XXIV, os municípios com<br />
gestão plena deverão:<br />
a) possuir Plano <strong>Di</strong>retor, independent<strong>em</strong>ente do número de habitantes, aprovado<br />
e atualizado nos termos do Estatuto da Cidade;<br />
b) ter órgãos colegiados de controle social nas áreas de política urbana e<br />
ambiental, ou, na inexistência destes, integração com entes colegiados intermunicipais<br />
constituídos com essa mesma finalidade, assegurados o caráter deliberativo das<br />
decisões tomadas, o princípio d<strong>em</strong>ocrático de escolha dos representantes e a<br />
participação da sociedade civil na sua composição;<br />
c) ter órgãos executivos específicos nas áreas de política urbana e ambiental, ou<br />
integração com associações ou consórcios intermunicipais para o planejamento, a<br />
gestão e a fiscalização nas referidas áreas, nos termos da Lei nº 11.107/2005.<br />
Os municípios com gestão plena poderão:<br />
a) <strong>em</strong>itir, com autonomia, a Licença Urbanística e Ambiental Integrada;<br />
b) implantar condomínios urbanísticos e loteamentos com acesso controlado;<br />
c) diminuir a área mínima dos lotes nas áreas de ZEIS;<br />
d) diminuir as áreas destinadas a uso público nos parcelamentos a ser<strong>em</strong><br />
implantados <strong>em</strong> ZEIS;<br />
e) reduzir, no plano de regularização fundiária de interesse específico, o<br />
percentual de áreas destinadas a uso público e o tamanho dos lotes.<br />
4.8. Regularização Fundiária<br />
Talvez a conquista mais importante das discussões para revisão da Lei Federal<br />
de Parcelamento do Solo, tenha sido o destaque de um título específico para as<br />
normas de regularização fundiária.<br />
A proposição trata a questão das irregularidades de duas formas. Para os novos<br />
parcelamentos, porventura, irregulares <strong>em</strong> sua execução, aplicar-se-ia o criado<br />
instrumento da Intervenção, que autoriza o Município a assumir a parcelamento<br />
executado <strong>em</strong> desacordo com o projeto aprovado.<br />
Já para os parcelamentos hoje irregulares, chamados pelo Substitutivo de<br />
assentamentos informais, aplicar-se-iam as normas de Regularização Fundiária<br />
contidas na proposta e ainda na lei municipal que deve disciplinar a matéria, dispondo<br />
sobre:<br />
a) critérios, exigências e procedimentos para elaboração e execução dos planos<br />
de regularização fundiária;<br />
b) requisitos e procedimentos para a <strong>em</strong>issão da licença urbanística e ambiental<br />
integrada;<br />
c) mecanismos de controle social a ser<strong>em</strong> adotados;<br />
d) as formas de compensação cabíveis.<br />
A atual lei de parcelamento faculta a regularização dos loteamentos e<br />
desm<strong>em</strong>bramentos não-autorizados ou executados s<strong>em</strong> a observância do ato de<br />
aprovação, diferenciando o parcelamento irregular (aprovado, mas executado <strong>em</strong><br />
desacordo com a legislação ou não registrado) e o clandestino (s<strong>em</strong> aprovação) 7 .<br />
Frise-se que <strong>em</strong>bora se distingam, para efeito de regularização, tanto a<br />
7<br />
GASPARINI, <strong>Di</strong>ógenes. O município e o parcelamento do solo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 128
clandestinidade como a irregularidade do loteamento recebe da lei atual o mesmo<br />
tratamento. Isso muda com a proposta de revisão da lei federal de parcelamento do<br />
solo <strong>em</strong> discussão.<br />
Passam a ser 2 (dois) tipos de Regularização:<br />
1. a de Interesse Social, promovida pelo Poder Público <strong>em</strong> áreas definidas como<br />
ZEIS (excluídos assentamentos cuja aquisição do domínio já esteja consumada).<br />
Nesse tipo de regularização poderia haver redução de APP e de percentual de área<br />
para uso público;<br />
2. a de Interesse Específico, nos d<strong>em</strong>ais casos, <strong>em</strong> que se observariam as<br />
disposições sobre parcelamento e seus requisitos urbanísticos e ambientais. Nesse<br />
tipo de regularização, poderia haver redução de área do lote e percentual de área de<br />
uso público, mas não redução de APP.<br />
Outro it<strong>em</strong> importante é que lei estabelece a regularização fundiária das áreas já<br />
ocupadas, como uma responsabilidade dos municípios. A eles caberá, além de aprovar<br />
a lei específica sobre regularização, elaborar e aprovar o Plano de Regularização<br />
Fundiária de cada área e dar início ao processo de reconhecimento daquela situação<br />
de irregularidade ou clandestinidade.<br />
A revisão da lei de parcelamento também inova do direito de propriedade,<br />
criando dois novos instrumentos jurídicos de forma impacto na questão imobiliária: a<br />
d<strong>em</strong>arcação urbanística e a legitimação da posse.<br />
- d<strong>em</strong>arcação urbanística: procedimento administrativo pelo qual o<br />
Poder Público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social,<br />
d<strong>em</strong>arca o imóvel, definindo seus limites, área, localização e<br />
confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e<br />
qualificar a natureza e o t<strong>em</strong>po das respectivas posses<br />
- legitimação de posse: ato do Poder Público destinado a conferir título<br />
de reconhecimento de posse de imóvel objeto de d<strong>em</strong>arcação<br />
urbanística, com a identificação do ocupante e do t<strong>em</strong>po e natureza da<br />
posse.<br />
Após 5 anos, o direito real de posse converte-se <strong>em</strong> direito de propriedade<br />
Registro da Regularização se dá com abertura de matrícula.<br />
A proposição de lei estabelece inclusive um racional e dinâmico procedimento<br />
para Regularização Fundiária, que pode ser assim resumido:<br />
1) O Poder público responsável pela regularização fundiária de interesse social<br />
lavra auto de d<strong>em</strong>arcação e informa o cartório<br />
2) O cartório notifica o proprietário com prazo para impugnação<br />
3) Se não houver impugnação, a d<strong>em</strong>arcação é registrada no cartório<br />
4) O poder público elabora o plano de regularização fundiária, licencia, expede o<br />
título de legitimação de posse <strong>em</strong> favor do morador.<br />
5) Após 5 anos do registro do título de legitimação de posse, formaliza-se a<br />
conversão do título de legitimação <strong>em</strong> título de propriedade, por simples requerimento e<br />
certidões.<br />
Ponto controvertido, porém, e objeto de diversas manifestações contrárias é o<br />
que trata da a gratuidade do registro da regularização fundiária, atualmente prevista na<br />
Lei de Registros Públicos (Lei Federal n.º 6.015/1973), nos seguintes termos: isenção<br />
de taxas e <strong>em</strong>olumentos para primeiro registro de imóvel localizado <strong>em</strong> ZEIS e da<br />
primeira averbação de construção residencial até 70 m² (setenta metros quadrados).
Com o projeto, a gratuidade só seria aplicada se cumpridos todos os seguintes<br />
requisitos:<br />
1. o proprietário ter renda familiar de até 3 salários mínimos (se a renda da<br />
família se situar entre 3 e 5 salários, há uma isenção de 20% das custas);<br />
2. imóvel estar localizado <strong>em</strong> ZEIS;<br />
3. tratar-se da primeira construção residencial com até 70 m² <strong>em</strong> terrenos com<br />
área inferior a 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados).<br />
5. Considerações Finais<br />
As quase três décadas que separam a aprovação da Lei Federal n.º 6.766/1979<br />
da atual proposta de Lei de Responsabilidade Territorial foram marcadas por<br />
importantes mudanças no processo de urbanização e na trajetória de formulação de<br />
políticas urbanas no Brasil. A Lei 6.766/1979 surgiu <strong>em</strong> um momento <strong>em</strong> que algumas<br />
fissuras já se faziam sentir no governo militar instalado então há quinze anos e que,<br />
entre outras características, tinha promovido reformas no sentido da concentração de<br />
poder e recursos de toda ord<strong>em</strong> na esfera federal.<br />
Em termos sócio-urbanísticos o momento era de elevadas taxas de crescimento<br />
da população urbana, intensa migração campo-cidade e de pleno desenvolvimento do<br />
que veio a ser conhecido como padrão periférico de urbanização e metropolização,<br />
padrão este que encontra sua mais forte representação simbólica na associação entre<br />
o loteamento popular e os diversos mecanismos de acesso à habitação via autoconstrução.<br />
Nesse contexto, a 6.766/1979 representou um marco para a época, ao<br />
trazer importantes inovações <strong>em</strong> termos do estabelecimento, para todos os municípios,<br />
de critérios urbanísticos e ambientais comuns para o parcelamento do solo,<br />
estabelecendo as obrigações, direitos, competências e penalidades para diversos<br />
agentes sociais – <strong>em</strong>preendedores, estado e compradores – envolvidos na produção<br />
do espaço urbano.<br />
Desde então, a lei desencadeou intensos debates, tanto <strong>em</strong> termos das<br />
implicações para a atividade de parcelamento do solo, quanto das controvertidas<br />
conseqüências de sua aplicação <strong>em</strong> termos de acessibilidade à casa própria para os<br />
setores populares 8 .<br />
A proposta de Lei de Responsabilidade Territorial surge <strong>em</strong> outro momento, no<br />
bojo de um conjunto de transformações políticas e sociais, entre as quais cabe<br />
destacar a busca da consolidação da d<strong>em</strong>ocracia, da construção da autonomia<br />
municipal e da participação popular nas políticas públicas. Em termos d<strong>em</strong>ográficos,<br />
observa-se atualmente uma diminuição significativa das taxas de crescimento<br />
populacional, apesar de taxas ainda altas ser<strong>em</strong> observadas na periferia.<br />
A configuração espacial da urbanização torna-se cada vez mais complexa, pois<br />
apesar de persistir<strong>em</strong> antigos padrões de desigualdade, observa-se também uma<br />
maior dispersão espacial dos assentamentos, aumentando significativamente a porção<br />
do território comprometida com a urbanização. Tal fragmentação se materializa tanto<br />
<strong>em</strong> loteamentos fechados que reflet<strong>em</strong> novas formas de moradia, quanto <strong>em</strong><br />
complexos produtivos, de comércio e serviços, centros <strong>em</strong>presarias, turísticos ou de<br />
convenções, espacialmente isolados, porém com acessibilidade garantida pelas novas<br />
tecnologias de informação. Estas novas formas espaciais representam novas<br />
potencialidades e também novos desafios à gestão urbana e regional, e à regulação<br />
urbanística e ambiental de forma mais ampla.<br />
Por outro lado cabe ainda ressaltar, no bojo das transformações apontadas, a<br />
8<br />
COSTA, Heloísa Soares de Moura. A cidade ilegal: notas sobre o senso comum e o significado atribuído à<br />
ilegalidade, 2006.
<strong>em</strong>ergência da t<strong>em</strong>ática ambiental na gestão territorial urbana, b<strong>em</strong> como uma<br />
alteração radical na forma de se considerar a informalidade urbana, reconhecendo o<br />
direito de permanência das populações nas áreas que ocupam, fazendo surgir a<br />
regulamentação relativa à urbanização e regularização fundiária.<br />
A proposta de Lei de Responsabilidade Territorial ao buscar responder a este<br />
conjunto de transformações traz então para o debate as seguintes inovações:<br />
- a regulamentação referente à regularização fundiária sustentável, que<br />
pressupõe a urbanização prévia do assentamento;<br />
- novas modalidades de parcelamento, entre estes o parcelamento integrado à<br />
edificação, o condomínio urbanístico e, nas disposições finais, a controvertida<br />
legitimação do loteamento fechado;<br />
- o licenciamento urbanístico e ambiental integrados, visando dar mais<br />
racionalidade e integração ao processo de licenciamento do parcelamento, mas que<br />
requer maior detalhada para ser auto-aplicável;<br />
- a introdução de duas categorias de responsabilidade dos municípios, a partir<br />
da noção de gestão plena;<br />
- a inovadora, porém potencialmente probl<strong>em</strong>ática, adoção da noção de<br />
compensação já amplamente adotada na legislação ambiental;<br />
- a introdução da figura da intervenção do município no processo de<br />
parcelamento do solo <strong>em</strong> desconformidade com a regulação;<br />
- a controvertida regulamentação das formas e circunstâncias de ocupação das<br />
APPs – Áreas de Preservação Permanente;<br />
- o garantia dos direitos do comprador, associando princípios de proteção do<br />
consumidor aos de direitos do cidadão.<br />
De forma geral, as novidades da proposta de Lei de Responsabilidade Territorial,<br />
discutidas ao longo do texto, apontam para uma maior centralidade do papel dos<br />
municípios, seja no detalhamento de pontos que requer<strong>em</strong> legislação compl<strong>em</strong>entar,<br />
seja na articulação da regulamentação do parcelamento do solo com outras peças da<br />
legislação municipal, inclusive os Planos <strong>Di</strong>retores.<br />
Esta tendência, <strong>em</strong> princípio positiva e louvável, requer, entretanto, a formação e<br />
manutenção de quadros capacitados no nível local, b<strong>em</strong> como uma estrutura<br />
institucional e política relativamente sólida e comprometida com os princípios de justiça<br />
social e priorização dos direitos coletivos, pois é também no nível local que as pressões<br />
e interesses se manifestam de forma mais intensa.<br />
O debate que deu orig<strong>em</strong> a este texto, assim como o conjunto de debates a<br />
propósito deste t<strong>em</strong>a recent<strong>em</strong>ente ocorridos por todo o país, representa uma etapa<br />
importante de aprendizado político e de construção da política pública. O processo de<br />
discussão ainda está <strong>em</strong> curso e novos desafios <strong>em</strong> breve poderão surgir para<br />
alimentar o debate.<br />
6. Referências bibliográficas<br />
COSTA, Heloísa Soares de Moura. A cidade ilegal: notas sobre o senso comum e o<br />
significado atribuído à ilegalidade. In: BRANDÃO, C.A.L. (org.) As cidades da cidade.<br />
Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006.<br />
COUTO, Sérgio A. Frazão do. Manual Teórico e prático do Parcelamento urbano. Rio<br />
de Janeiro: Forense, 1981.
FERNANDES, Edésio. Law and Urban Change in Brazil. London: Avebury, 1995.<br />
MARICATO, Ermínia. O urbanismo na periferia do capitalismo: desenvolvimento da<br />
desigualdade e contravenção sist<strong>em</strong>ática. In: GONÇALVES, Maria Flora<br />
(organizadora). O novo Brasil urbano: impasses, dil<strong>em</strong>as, perspectivas. Porto Alegre:<br />
Mercado Aberto, 1995.<br />
MEIRELLES, Hely Lopes. <strong>Di</strong>reito Municipal Brasileiro. 6a edição. São Paulo: Malheiros<br />
Editores, 1990.<br />
SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1991.