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unica/unica ... 1916 - 18-07-09 - Inner Being Yoga

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BARRACA<br />

PAIXÃO<br />

Amor<br />

e uma cabana<br />

É a ideia acabada do amor<br />

romântico — mas será possível<br />

viver um amor e uma cabana?<br />

Falámos com quem o ousou<br />

TEXTO DE KATYA DELIMBEUF


Uns trocaram os luxos que<br />

tinham por uma cabana.<br />

Outros mudaram de vida<br />

por um amor. Encontrar<br />

alguém que tenha feito os<br />

dois já é mais difícil. E se a<br />

cabana não tem água corrente?<br />

E se o espaço começa<br />

a ser pequeno para os dois? Será que “o<br />

amor e uma cabana” passou a ser tão improvável<br />

como o “felizes para sempre”?<br />

Aos 25 anos, Pedro Bestler tinha tudo<br />

aquilo com que a maioria das pessoas sonha:<br />

uma casa com piscina num condomínio fechado<br />

nos arredores de Madrid, um carro<br />

desportivo, um emprego fabuloso numa<br />

grande empresa ibérica, com um bom ordenado,<br />

uma carreira promissora como engenheiro<br />

civil, uma noiva lindíssima. O futuro<br />

parecia selado. E, no entanto, Wahido (o nome<br />

no qual se reconhece hoje, que recebeu<br />

em 2003, e que significa ‘Unidade’) não era<br />

feliz. “A realidade que me tinha sido proporcionada<br />

não me trazia felicidade, apenas me<br />

lembravam que o dinheiro e os bens materiais<br />

a que tinha acesso eram supostos fazer-me<br />

feliz.” Decidiu mudar de vida. De um<br />

dia para o outro, virou costas à alta sociedade<br />

onde sempre se havia movido, à educação<br />

conservadora do Colégio São João de Brito,<br />

pôs fim ao noivado e rendeu-se ao forte apelo<br />

que sentia de uma outra realidade para a<br />

qual despertara: a meditação, concentrada<br />

nas palavras de Osho, filósofo indiano e mestre<br />

espiritual. “No início de 2002, ainda que<br />

assustado com a ideia, decidi ir para a Índia,<br />

para Puna, explorar a comuna de Osho”, conta.<br />

“Pela primeira vez na minha vida deixei<br />

tudo para trás para seguir o sonho de ser feliz.”<br />

Uma mudança que o levou a trocar os<br />

luxos por uma cabana e uma vida muito simples<br />

na Índia.<br />

“Os meses alongaram-se para um ano, e<br />

uma intensa transformação de fora para dentro<br />

tomou lugar. A meditação tornou-se um<br />

conceito diário. Tirei um curso de massagem<br />

ayurvédica e tornei-me um perito em meditações<br />

de Osho.” Assumiu responsabilidades<br />

no resort, e ajudava, na época alta, a gerir as<br />

2000 pessoas que ali vinham com o fim último<br />

de meditar. Depois desse ano na Índia,<br />

voltou a Portugal, e montou uma empresa de<br />

eventos orientados para o desenvolvimento<br />

pessoal. Durante dois anos, dedicou-se à actividade<br />

e adquiriu novas técnicas. Tornou-se<br />

mestre de shiatsu, deu sessões de life coaching,<br />

praticou Karma Ioga. Nessa altura vivia<br />

em Sintra, num palacete — a Quinta da<br />

Paciência — partilhado por dez amigos que<br />

alugavam o espaço. E, a certa altura, surgiu<br />

Nura, uma bela mulher, meio tailandesa,<br />

meio alemã, que era babysitter de um dos<br />

filhos de Tony Samara, mestre espiritual que<br />

viria a ter um papel essencial na vida de Wahido.<br />

Nura participou num retiro que ele organizou,<br />

houve uma ligação imediata, e um<br />

ano mais tarde, casaram — “primeiro espiritualmente,<br />

depois, legalmente”.<br />

Mudar por amor. Desde Setembro de 2006,<br />

Wahido e Nura vivem numa vila nas montanhas<br />

a 100 km de Hannover, na Alemanha,<br />

juntamente com Tony Samara, trabalhando<br />

para a sua Fundação (a Samara Foundation).<br />

Em 20<strong>07</strong>, o casal viu nascer o seu primeiro<br />

filho, e em Novembro acolhe o segundo rebento.<br />

Pela mulher, assume Wahido, a vida<br />

dele tomou um rumo que de outro modo nunca<br />

teria tomado. “Foi por ela e pela sua proximidade<br />

ao Tony que saí de Sintra para o Algarve,<br />

depois para a Holanda (onde viviam<br />

com um desafiante orçamento semanal de<br />

¤70), para Itália e finalmente para a Alemanha,<br />

onde nos fixámos.”<br />

Hoje, sete anos depois de ter dado uma<br />

volta de <strong>18</strong>0 graus à sua vida, Wahido assume-se<br />

“sem qualquer dúvida” na hora de dizer<br />

se acha possível “trocar tudo por um<br />

43


NEO MORETON MUDOU<br />

DUAS VEZES DE VIDA<br />

POR AMOR. À SEGUNDA,<br />

CASOU, MAS A VIDA<br />

TROCOU-LHE AS VOLTAS.<br />

À DIREITA, PEDRO<br />

BESTLER (WAHIDO)<br />

TEVE MAIS SORTE<br />

E ENCONTROU MESMO<br />

O “AMOR E A CABANA”<br />

VIRGÍLIO RODRIGUES<br />

amor e uma cabana”. “A minha primeira mudança<br />

de vida, para Barcelona, foi motivada<br />

em 90% pelo facto de a minha namorada estar<br />

lá e eu estar apaixonado. Mas, por este<br />

amor, basicamente troquei toda a minha vida.”<br />

Garante: “Fui tão feliz na Holanda, numa<br />

cabana de 25 m2, como no apartamento<br />

de 80 metros onde vivo agora. Até agora, o<br />

amor prevaleceu sempre nas minhas decisões.”<br />

Quando se lhe pergunta se é feliz, responde,<br />

que, como todas as pessoas, tem dias<br />

de extrema felicidade e outros de extrema<br />

infelicidade. Mas é contundente ao assumir:<br />

“Não mudaria nada na minha vida.”<br />

O terapeuta de casais Pedro Frazão concorda<br />

com a ideia de que não só se pode trocar<br />

tudo por um amor e uma cabana como<br />

isso pode fazer sentido. “É possível viver a<br />

ideia de ‘um amor e uma cabana’ não no plano<br />

das expectativas ideais, que muitas vezes<br />

minam a construção da realidade conjugal,<br />

mas no plano das opções de vida, num projecto<br />

comum que elege a afectividade como motor<br />

da construção de um sentido para a vida.”<br />

O psicólogo de 32 anos sublinha, no entanto,<br />

que mudar de vida em função das prioridades<br />

afectivas não implica abdicar da individualidade<br />

de cada um. “Não concebo o<br />

amor sem a ideia de liberdade individual”,<br />

defende. Aliás, “um dos grandes desafios dos<br />

casais passa precisamente por negociar os espaços<br />

individuais com os da conjugalidade.<br />

Uma relação que se torna numa cedência da<br />

nossa individualidade gera um peso muito<br />

grande. E o amor nunca pode ser uma prisão.<br />

O amor é liberdade”, remata.<br />

A Matriz de Neo. Neo assina por baixo. Foi<br />

por isso que ambas as mudanças de vida que<br />

fez por amor chegaram a um término, quando<br />

sentiu que a sua evolução e o seu percurso<br />

estavam a ser postos em causa. No dia 11 de<br />

Setembro de 2001, Neo estava num quarto<br />

de hotel em São Francisco, quando recebeu<br />

um SMS da mãe. Eram seis da manhã. “Voas<br />

hoje?”, perguntavam as letras acopladas em<br />

palavras na mensagem. Na verdade, Neo voava<br />

naquele dia — para o aeroporto de JFK,<br />

precisamente. “Liga a televisão.” Acendeu o<br />

aparelho no exacto momento em que o segundo<br />

avião entrou, torre dentro, no World<br />

Trader, provocando uma onda mundial de<br />

choque e contendo um grito de silêncio surdo.<br />

“Foi um wake up call”, resume Neo Moreton,<br />

actualmente com 36 anos, “empresário,<br />

entrepreneur, professor e filantropo”, na sua<br />

própria definição. “Obrigou-me a parar.”<br />

“Tive uma revelação. Eu e a minha namorada<br />

pensámos: ‘Que andamos a fazer?’ Nenhum<br />

de nós gostava particularmente do seu<br />

emprego, apesar de trabalharmos que nem<br />

doidos, e pensámos: ‘De que gostamos realmente?’<br />

Eu gostava de ioga, ela de cães. Desdobrámos<br />

o mapa-múndi e decidimos onde<br />

queríamos viver. Escolhemos a Austrália.”<br />

Neo tinha 28 anos. Levava seis e meio de<br />

uma vida de “trabalho non-stop, festas de<br />

quarta a domingo, sempre cheias de excessos,<br />

com muito álcool e droga”.<br />

Parece impossível tratar-se da mesma pessoa<br />

que exala tranquilidade, sentada à nossa<br />

frente. Os olhos azuis, profundos, emanam<br />

paz, o sorriso rasgado lembra o de uma criança<br />

feliz, a respiração, calma, transmite a<br />

maior das serenidades. Mas a vida deste ho-<br />

44 REVISTA ÚNICA · <strong>18</strong>/<strong>07</strong>/20<strong>09</strong>


“Por este amor<br />

troquei toda a<br />

minha vida. Fui<br />

tão feliz numa<br />

cabana de 25m 2<br />

como no apartamento<br />

onde vivo<br />

hoje”, diz Wahido<br />

mem — sempre em viagem entre projectos<br />

de caridade, workshops de ioga e retiros de<br />

silêncio — era “um carrossel sem fim”. Trabalhava<br />

na área das dot com e da finança internacional.<br />

“Um dia típico começava comigo a<br />

entrar no avião em Nova Iorque ao domingo<br />

de manhã, chegar a Hong Kong 24 horas depois,<br />

ter um pequeno-almoço de negócios,<br />

um dia cheio de trabalho, e terminar com um<br />

jantar às 23h.”<br />

Foi justamente por aí que este englishman<br />

em Nova Iorque começou o workshop<br />

de ioga que deu no passado mês no VillaJoya,<br />

no Algarve. Partilha que também ele viveu<br />

uma vida acelerada, cheia de trabalho e<br />

de stresse, que bebia muito para se divertir,<br />

que experimentou todas as drogas. Que o fazia<br />

sempre que se sentia vulnerável, para<br />

não mostrar medo, que se sentia sozinho,<br />

perdido.<br />

A ida para a Austrália foi uma decisão<br />

“por amor e necessidade de mudança”. Durante<br />

o ano que viveu lá com a namorada, ele<br />

estudou ioga, ela aprofundou o interesse pelos<br />

animais. Até que Neo a pediu em casamento,<br />

no cenário perfeito de uma ilha deserta,<br />

ao largo da grande barreira de coral. Face<br />

à decisão, e achando que deveriam viver<br />

mais perto da família, o casal mudou-se para<br />

Espanha. Uma semana depois, ao volante de<br />

um carro por estradas do Sul, Neo teve uma<br />

fortíssima sensação de desconforto e percebeu<br />

que não queria levar aquilo avante. O<br />

noivado desfez-se, e o instrutor de ioga ficou<br />

quatro anos em Marbella, a dar aulas.<br />

Um dia decidiu trabalhar para lá do corpo,<br />

e foi para a Índia, aprofundar mente e<br />

intuição. Em 2003, Neo quis conhecer o ‘ashram’<br />

de Osho. Ali, conheceu a mulher, que<br />

estava a meditar. “Um olhar bastou para que<br />

soubéssemos que éramos feitos um para o<br />

outro”, conta. Trinta dias mais tarde, casavam,<br />

em Londres. Mas dois meses depois,<br />

Neo sentiu novamente, “no seu âmago mais<br />

profundo”, que não era aquilo. Esmagado pelo<br />

medo, a pressão social, a sensação de culpa<br />

de que ela mudara de vida por ele e que<br />

portanto não lhe podia falhar, não agiu.<br />

Durante três anos, viveram entre Londres e<br />

Espanha, partilhando os ensinamentos que tinham<br />

aprendido com os mestres. “Esta mudança<br />

foi feita por amor”, garante. “Levávamos<br />

uma vida simples, não viajávamos...” Mas<br />

ela era mais velha que ele, e enquanto ele estava<br />

ainda em expansão, ela queria relaxar, estar<br />

tranquila. Algo nele pedia mudança. Ela não o<br />

acompanhou. A separação foi inevitável. Hoje,<br />

Neo reconhece que aquele era “um amor romântico<br />

e luxúria — mas não era amor real”.<br />

De coração partido, Neo garante só ter<br />

feito, desde então, uma mudança por amor:<br />

“a Deus”. Entregou-se e pediu-lhe que o usasse<br />

como lhe aprouvesse. Agora, estaria apenas<br />

disposto a fazer uma mudança de vida<br />

com alguém “comprometido com Deus, com<br />

a vida, com a existência”. Mas assegura que<br />

é preciso que ambas as pessoas sejam elas<br />

próprias para poderem ficar juntas. E que<br />

não existem mudanças duradouras feitas em<br />

função de algo exterior a nós: “Ao mudar<br />

por um outro, perdes-te a ti próprio. A única<br />

viagem é ao teu interior. A partir daí, podes<br />

viajar para qualquer lado.” n<br />

<strong>unica</strong>@expresso.impresa.pt<br />

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