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OS PERIÓDICOS COMO REFLEXOS E ECOS DA ... - Ceart - Udesc

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1<br />

DÉBORA C<strong>OS</strong>TA PIRES<br />

NARCISO E ECO:<br />

<strong>OS</strong> PERIÓDIC<strong>OS</strong> <strong>COMO</strong> REFLEX<strong>OS</strong> E EC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> VI<strong>DA</strong> MUSICAL EM DESTERRO<br />

DURANTE O IMPÉRIO<br />

Dissertação apresentada ao Programa de<br />

Pós-Graduação em Música/Mestrado da<br />

Universidade do Estado de Santa<br />

Catarina - UDESC, como requisito para a<br />

obtenção do título de Mestre em Música,<br />

área de concentração Musicologia/<br />

Etnomusicologia.<br />

Orientação: Prof. Dr. Marcos Tadeu Holler<br />

FLORIANÓPOLIS, SC<br />

2012


2<br />

DÉBORA C<strong>OS</strong>TA PIRES<br />

NARCISO E ECO:<br />

<strong>OS</strong> PERIÓDIC<strong>OS</strong> <strong>COMO</strong> REFLEX<strong>OS</strong> E EC<strong>OS</strong> <strong>DA</strong> VI<strong>DA</strong> MUSICAL EM<br />

DESTERRO DURANTE O IMPÉRIO<br />

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música/Mestrado da<br />

Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, como requisito parcial para a<br />

obtenção do título de Mestre em Música, área de concentração Musicologia/<br />

Etnomusicologia.<br />

Banca Examinadora<br />

Orientador:<br />

___________________________________________________<br />

Prof. Dr. Marcos Tadeu Holler<br />

UDESC<br />

Membro:<br />

___________________________________________________<br />

Prof. Dr. Isabel Porto Nogueira<br />

UFPel<br />

Membro:<br />

___________________________________________________<br />

Prof. Dr. Luis Fernando Hering Coelho<br />

UNIVALI<br />

Florianópolis, 27/02/2012


3<br />

RESUMO<br />

PIRES, Débora Costa. Narciso e Eco: os periódicos como reflexos e ecos da vida<br />

musical em Desterro durante o Império, 2012. Dissertação (Mestrado em Música –<br />

Área: Musicologia/Etnomusicologia) – Universidade do Estado de Santa Catarina.<br />

Programa de Pós-Graduação em Música. Florianópolis, 2012.<br />

No século XIX a cidade de Nossa Senhora do Desterro passou por profundas<br />

transformações econômicas, sociais e políticas. A prática musical acompanhou<br />

essas transformações e os periódicos, por sua vez, atuaram como veículos dessas<br />

transformações, legitimando gostos e símbolos de poder. Esta dissertação de<br />

mestrado é um estudo histórico-musicológico sobre a vida musical em Desterro<br />

durante o Império, a partir da análise dos periódicos da época, pertencentes ao<br />

acervo da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina. Foi realizado um<br />

levantamento a partir de relatos, crônicas, críticas e programas musicais publicados<br />

no período de 1831, data da publicação do primeiro periódico, até o final do Império,<br />

buscando-se informações sobre a atividade musical no período. Esta pesquisa<br />

enfatiza a música inserida no carnaval, no teatro, as bandas e sociedades musicais<br />

e a música doméstica. Os periódicos testemunharam e relataram o movimento<br />

artístico da cidade e o gosto musical, divulgando preferências e condenando<br />

práticas.<br />

Palavras-Chave: História da imprensa. História da música em Desterro. Música no<br />

século XIX. História da música em Santa Catarina.


4<br />

ABSTRACT<br />

PIRES, Débora Costa. Narcissus and Echo: periodical as reflection and echo of<br />

musical life in Desterro during the Brazil Empire, 2012. Dissertation (Mestrado em<br />

Música – Área: Musicologia/Etnomusicologia) – Universidade do Estado de Santa<br />

Catarina. Programa de Pós-Graduação em Música. Florianópolis, 2012.<br />

In XIX century the village of Nossa Senhora do Desterro passed through deep<br />

economic, social, and politic changes. These changes also occurred in musical<br />

practice, and periodical had function of make legitimatize preferences and symbols of<br />

power. This dissertation is a musicology historical study in Desterro during the Brazil<br />

Empire, and the analyzed material came from periodical of the Public Library of the<br />

State of Santa Catarina. It was made a study from reports, chronicles, criticisms and<br />

music programs published in 1831, date of the first periodical until the end of the<br />

Brazil Empire. This research emphasizes music in carnival and in theater, music in<br />

bands and in musical societies, as well as music in home. Periodical testified artistic<br />

movement of city showing musical preferences and condemning others.<br />

Key-words: The press history. Music history in Desterro. Music in XIX century. Music<br />

history in Santa Catarina.


5<br />

LISTA DE FIGURAS<br />

Figura 1 - Fac-símile do Correio Braziliense, junho de 1808.....................................27<br />

Figura 2 - A Gazeta do Rio de Janeiro, setembro de 1808. ......................................27<br />

Figura 3 - Paul Julien, o primeiro prêmio no Conservatório em 1850 (um aluno de<br />

Alard), nascido em Crest (Drôme) 13 de fevereiro de 1841. .....................76<br />

Figura 4 - Paul Julien, Violinista. ...............................................................................76<br />

Figura 5 - Serenata dos Professores.........................................................................99<br />

Figura 6 - Eleição Provincial....................................................................................101<br />

Figura 7 - Caricatura................................................................................................102<br />

Figura 8 - Séquito....................................................................................................103<br />

Figura 9 - Barbeiros Ambulantes / Loja de Barbeiros, 1835, Jean Baptiste Debret,<br />

litografia sobre papel, 34,2 x 23,2 cm......................................................112


6<br />

SUMÁRIO<br />

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................7<br />

1.1 O MITO DE NARCISO E A MUSICOLOGIA HISTÓRICA ..............................10<br />

1.2 REVISÃO DE BIBLIOGRAFIA........................................................................11<br />

1.3 FUN<strong>DA</strong>MENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................14<br />

1.4 <strong>OS</strong> JORNAIS <strong>COMO</strong> FONTE PARA A PESQUISA MUSICOLÓGICA...........18<br />

2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA.............................................................25<br />

2.1 IMPRENSA BRASILEIRA...............................................................................25<br />

2.2 SANTA CATARINA.........................................................................................32<br />

2.2.1 Histórico da Ilha..............................................................................................32<br />

2.2.2 Imprensa em Santa Catarina..........................................................................37<br />

3 MÚSICA N<strong>OS</strong> JORNAIS DE DESTERRO .....................................................43<br />

3.1 CARNAVAL E ENTRUDO: BLOC<strong>OS</strong>, BAILES E REPERTÓRIO...................47<br />

3.1.1 Sociedades carnavalescas e bailes de Carnaval............................................55<br />

3.1.2 Repertório de Carnaval...................................................................................56<br />

3.1.3 Festejos ..........................................................................................................61<br />

3.2 TEATRO MUSICADO E ÓPERA....................................................................64<br />

3.2.1 Repertório.......................................................................................................70<br />

3.2.2 Apresentações e críticas ................................................................................81<br />

3.3 ANÚNCI<strong>OS</strong>.....................................................................................................89<br />

3.3.1 O piano nos jornais.........................................................................................92<br />

3.3.2 Outros instrumentos nos jornais .....................................................................97<br />

3.3.3 Repertório doméstico....................................................................................105<br />

3.4 BAN<strong>DA</strong>S E SOCIE<strong>DA</strong>DES MUSICAIS.........................................................107<br />

3.4.1 A música militar ............................................................................................108<br />

3.4.2 Escravos e barbeiros....................................................................................109<br />

3.4.3 Grupos civis..................................................................................................113<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................118<br />

REFERÊNCIAS.......................................................................................................120<br />

ANEX<strong>OS</strong> ..... ...........................................................................................................132


7<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Os jornais podem constituir-se uma fonte importante de pesquisa para a<br />

musicologia histórica, pois apresentam uma variedade de informações que envolvem<br />

a prática musical em artigos, folhetins, leis e anúncios. No século XIX em Desterro 1<br />

os jornais relatavam os mais diversos eventos, religiosos, profanos, civis e militares;<br />

essas referências são frequentes em todo o período imperial, porém é possível<br />

perceber uma modificação do panorama cultural ocorrida no período de 1875,<br />

acompanhando o desenvolvimento econômico, o crescimento populacional e a<br />

desmilitarização da cidade. A proposta deste trabalho é verificar de que forma os<br />

jornais, como voz de uma elite, perpetuavam e legitimavam os símbolos de poder<br />

dessa elite, atuando como veículos de representação social, levando em<br />

consideração as modificações econômicas e sociais ocorridas na sociedade de<br />

Desterro na época, a partir dos relatos, crônicas e críticas impressos nos periódicos<br />

no período de 1831 até o final do Império e, dentro desse processo, inserir o jornal<br />

como fonte para a pesquisa musicológica.<br />

A reflexão sobre os documentos dos acervos pode contribuir para o<br />

conhecimento da música em Santa Catarina e para a sistematização de suas<br />

informações. Esta necessidade encontra eco no artigo Fontes sobre a história da<br />

música em Desterro (HOLLER, 2008) em que o autor argumenta a necessidade da<br />

inserção do Estado de Santa Catarina no mapa da musicologia histórica brasileira,<br />

afirmando haver ainda muitas fontes a serem exploradas, que podem revelar<br />

informações interessantes sobre a memória musical catarinense.<br />

Esta pesquisa teve início com um projeto de iniciação científica, A música em<br />

Desterro no século XIX, do qual participei durante a graduação, no período de 2006<br />

a 2008. A primeira etapa deste projeto foi a coleta de informações nos jornais de<br />

Desterro sobre a atividade musical na capital da província. Após um período de<br />

coleta de dados foi determinado um tema de pesquisa, que no meu caso, foi sobre<br />

as bandas e sociedades civis em Desterro no século XIX, tema que foi ampliado no<br />

1 Fundada no final do séc. XVII, A Vila de Nossa Senhora do Desterro foi elevada à categoria de<br />

cidade no início do séc. XIX e em 1823 tornou-se capital da Província de Santa Catarina. Em 1894,<br />

ao fim da Revolução Federalista, teve o nome alterado para Florianópolis, como homenagem ao<br />

então Presidente da República Floriano Peixoto (PAULI, 1987). Neste trabalho será mantido o nome<br />

Desterro, devido ao fato de o período abordado ser anterior à alteração do nome.


8<br />

trabalho de conclusão de curso intitulado Atuação das sociedades musicais bandas<br />

civis e militares em Desterro durante o Império, de 2008. O projeto de pesquisa<br />

sobre a música em Desterro no século XIX, utilizando-se como fonte de pesquisa os<br />

jornais do período, possibilitou o resgate de uma memória histórica, o levantamento<br />

de dados e a valorização do acervo da Biblioteca Pública do Estado de Santa<br />

Catarina.<br />

As informações utilizadas para esta pesquisa foram encontradas a partir de<br />

um levantamento realizado em jornais publicados em Desterro, pertencentes ao<br />

acervo da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, publicados entre 1831,<br />

data do primeiro periódico em Santa Catarina, e 1889, transição do Império para a<br />

República. A Biblioteca possui em seu acervo a maioria dos jornais do século XIX,<br />

sendo que os jornais publicados a partir de 1850 estão disponíveis em versão<br />

impressa, e os anteriores a essa data somente em microfilme. A pesquisa iniciou-se<br />

com um levantamento de informações gerais sobre atividades musicais em Desterro<br />

publicadas nos jornais, e as informações relacionadas a apresentações e eventos<br />

que envolvessem a prática musical foram relatadas, transcritas e/ou fotografadas.<br />

Os jornais utilizados para este trabalho foram os seguintes: O Conciliador<br />

Catarinense, (1849 a 1851); O Conservador, (1852 a 1855; 1871 a 1880; 1884 a<br />

1889); O Cruzeiro do Sul, (1858 a 1860); O Santelmo, (1858); O Bota Fogo, (1858);<br />

O Catharinense, (1860 a 1861); O Chaveco, (1860 a 1861); O Progressista, (1860 a<br />

1861); O Mercantil, (1861 a 1869); O Despertador, (1863 a 1885); A Regeneração,<br />

(1868 a 1874; 1877 a 1878; 1880 a 1889); O Cacique, (1870 a 1871); O Conciliador,<br />

(1872 a 1873); O Til, (1874 a 1875); Jornal do Comércio, (1880 a 1889); Matraca,<br />

(1881 a 1888); O Caixeiro, (1882 a 1883); Província, (1882); O Crepúsculo, (1887 a<br />

1888); e O Mosquito, (1888 a 1889).<br />

Conforme Lunardi (2008), a imprensa catarinense no século XIX era<br />

impulsionada pelas lutas político-partidárias; jornais e produtores dependiam da<br />

administração pública para sobreviverem através de contratos de publicação oficial e<br />

cargos como funcionários, respectivamente. A imprensa defendia a separação entre<br />

os setores público e privado, a esfera íntima familiar, ideias de civilização e<br />

progresso e os modelos de comportamento social (LUNARDI, 2008). A imprensa de<br />

Desterro atuava como uma fonte de divulgação de diversas atividades musicais da<br />

cidade, aulas de música, venda de instrumentos, recitais, encontro de sociedade de<br />

bailes, apresentações de bandas musicais, sociedades carnavalescas e teatros. A


9<br />

partir de relatos e crônicas é possível ter um panorama da sociedade, e conforme<br />

Siebert (2001), a imprensa funcionava como um propagador das luzes do século;<br />

ampliava e antecipava as possibilidades do processo civilizador. Tudo e todos<br />

estavam sujeitos a observações, sugestões e censuras. A imprensa desterrense no<br />

século XIX era responsável não só por publicar apenas atos oficiais ou discursos<br />

políticos, mas também por difundir valores sobre educação, cultura, música,<br />

comportamento ético e moral, e dessa forma atuava como um instrumento de<br />

formação de opinião pública (VINCENZI; HOLLER, 2008).<br />

Esta dissertação foi organizada em quatro capítulos. No primeiro capítulo é<br />

discutida a relação entre o mito de narciso e a musicologia histórica, fundamentando<br />

o cerne epistemológico desta pesquisa. Também são apresentados autores e ideias<br />

que nortearam o desenvolvimento desta pesquisa, além de uma contextualização<br />

histórica. O segundo capítulo concentra a discussão sobre os jornais como fontes de<br />

conhecimento para a pesquisa musicológica, inserindo os periódicos e Santa<br />

Catarina neste contexto, e apresenta um panorama histórico sobre as imprensas<br />

brasileira e catarinense, contextualizando o processo econômico, social e cultural<br />

que as influenciaram. O terceiro capítulo concentra a análise dos dados levantados à<br />

luz da fundamentação teórica. Discute-se aqui a prática musical de Desterro com<br />

base em textos e anúncios publicados nos jornais. Nesse capítulo foram<br />

desenvolvidos quatro tópicos: Carnaval, blocos, bailes e música; teatro musicado e<br />

ópera; bandas e sociedades musicais e anúncios. Foram analisadas as sociedades<br />

carnavalescas, a prática musical inserida no teatro, a participação das bandas na<br />

vida musical e, a partir de anúncios e notas musicais publicadas, buscou-se<br />

identificar o repertório executado e consumido. É preciso destacar que estes não<br />

foram os únicos pontos ou esferas de atividade musical que eram desenvolvidas ou<br />

foram encontradas nos periódicos de Desterro, a seleção foi realizada tendo em<br />

vista a relevância dessas atividades dentro do panorama cultural da cidade e o<br />

alcance social das mesmas. As considerações finais são apresentadas no quarto<br />

capítulo.


10<br />

1.1 O MITO DE NARCISO E A MUSICOLOGIA HISTÓRICA<br />

Na mitologia grega 2 Narciso era um jovem conhecido pela beleza. A versão<br />

mais conhecida é a romana de Ovídio apresentada em As Metamorfoses (Livro III,<br />

339-510, 752-762 d.C), composta por 15 livros que continham 246 narrativas,<br />

publicadas entre os anos de I e II d.C, que une os mitos de Narciso e Eco. Narciso<br />

era filho do deus-rio Cephisus e da ninfa Liríope e apesar da cobiça que despertava<br />

nas ninfas e donzelas, preferia viver só. Eco era uma ninfa dos bosques e montes,<br />

falava demais e em qualquer conversa dava a última palavra. Hera, desconfiada que<br />

seu marido Zeus estivesse divertindo-se com as ninfas, saiu à sua procura. Porém,<br />

Eco usou sua conversa para distraí-la enquanto as ninfas se escondiam. Hera, ao<br />

perceber a artimanha de Eco, condenou-a a não poder falar por sua iniciativa,<br />

apenas responder. Um dia, enquanto passeava por um bosque, a ninfa avistou<br />

Narciso que caçava, e apaixonou-se à primeira vista. Mas Narciso fugiu quando a viu<br />

e ela, envergonhada, escondeu-se e passou a viver nas cavernas e rochedos das<br />

montanhas. Parou de comer e seu corpo definhou, restando apenas a sua voz que<br />

continua a responder a todos que a chamam. Nêmesis, no alto do Olimpo, viu tudo<br />

que aconteceu e condenou Narciso a um triste fim. Um dia, em uma fonte de águas<br />

claras, fatigado da caça, Narciso debruçou-se para se banhar quando viu uma bela<br />

figura que o olhava dentro da fonte. Apaixonou-se pela figura e passou dias<br />

admirando-a, porém toda vez que se aproximava ou tentava tocá-la, ela sumia.<br />

Narciso deixou de comer e aos poucos seu corpo definhou e quando gritava, Eco<br />

2<br />

Além da versão de Ovídio, há a versão de Cónon presente em Narrações e duas versões de<br />

Pausânias. Cónon era matemático, astrônomo e mitógrafo grego nascido em Samos, escreveu um<br />

importante tratado sobre a ordenação da mitologia, Narrações. Na versão de Cónon, Narciso preteriu<br />

a Eros e a todos os seus pretendentes, mas um deles, Ameínas, persistiu, porém Narciso não o<br />

recebeu e enviou-lhe uma espada, utilizada no suicídio de Ameínas que antes pediu aos deuses para<br />

que amaldiçoassem a Narciso. Este, ao ver sua imagem em uma fonte, enamorou-se de si e<br />

convencido de que sofria como punição por seu desprezo àqueles que o amavam, suicidou-se com a<br />

espada devolvida e do sangue derramado sobre a terra nasceu a flor narciso (UBINHA; CASSORLA,<br />

2003). Pausânias escreveu o Guia da Grécia na segunda metade do século II d.C, com descrições<br />

detalhadas de monumentos artísticos e lendas associadas a eles. O guia conta com dez livros,<br />

escritos em grego, abordando geografia, história e cenas da Grécia (BEARD; HENDERSON, 1998).<br />

Pausânias (9, 31, 7-9) menciona que na terra dos tespienses havia um local chamado Donacon<br />

(Δονακών) onde se encontrava a fonte Narciso (Νάρκισσος). Nessa fonte um jovem olhou para dentro<br />

da água e sem perceber apaixonou-se por si mesmo e acabou morrendo junto à fonte. Pausânias em<br />

outra versão retrata Narciso como um homem com uma irmã gêmea, que se vestiam e penteavam o<br />

cabelo da mesma maneira. Narciso se apaixonou por sua irmã gêmea e após a morte dela, ao<br />

passear por uma floresta, ele viu refletido no lago uma imagem, apesar de saber que era a sua<br />

própria imagem refletida, consolou-se ao imaginar que não via a si mesmo, mas algo parecido com<br />

sua irmã. Narciso admirou-se até a morte e no luar do seu reflexo surgiu a flor Narciso (SCHWARTZ-<br />

SALANT, 1982).


11<br />

respondia com as mesmas palavras, até o jovem morrer. No local onde ele morreu,<br />

as ninfas encontraram apenas uma flor roxa, rodeada de folhas brancas, que em sua<br />

homenagem passou a ser conhecida como Narciso.<br />

Wegman (2003) traça um paralelo entre a musicologia histórica e o mito de<br />

Narciso. Para o autor, assim como Narciso, temos contemplado uma fonte e nos<br />

apaixonado pela imagem refletida. A fonte é a evidência histórica e a imagem que<br />

ela reflete é o produto de nossa visão histórica. A evidência histórica é, sempre e<br />

necessariamente, a reflexão da visão do tema, o produto de nossa imaginação<br />

histórica (WEGMAN, 2003, p. 140). Ao mesmo tempo não é possível negar que,<br />

mesmo possuindo o reflexo de nossa visão histórica, a evidência possui vestígios,<br />

ecos, de uma realidade, de um fato. A ninfa Eco representa, concomitantemente, um<br />

reflexo da própria voz de Narciso e a dificuldade de comunicação, transmitindo<br />

apenas fragmentos de informações. Neste sentido, ao nos vermos refletidos nas<br />

evidências históricas, encontramos algo além do reflexo. Através da análise de<br />

relatos históricos temos o nosso próprio reflexo e com ele os ecos de uma realidade<br />

histórica, musicalmente constituída e permeada. Conforme Wegman (2003), o fato<br />

histórico pode ser objetivo, porém a escolha de determinado fato revela nossos<br />

interesses e a interpretação dota o fato com sua significância histórica.<br />

1.2 REVISÃO DE BIBLIOGRAFIA<br />

A bibliografia utilizada como fundamento para esta pesquisa e que se refere<br />

aos acervos e à história da imprensa no Estado foi a obra Nas tramas entre o público<br />

e o privado: a imprensa de Desterro, 1831 – 1889, de Joana Maria Pedro (1995),<br />

que apresenta tabelas com as publicações de jornais a partir de 1831 e informações<br />

gerais sobre sua localização nos acervos. Escrita a partir de pesquisa sobre jornais<br />

publicados em Desterro, essa obra mostra como a imprensa da época, embora<br />

vinculada a interesses privados, atuava em relação ao poder público, buscando tirar<br />

proveitos disso.<br />

Sobre a história da imprensa brasileira foram utilizados o livro História da<br />

imprensa no Brasil de Ana Luíza Martins e Tânia Regina de Luca (2008), que coloca<br />

a imprensa como observadora e protagonista da história, o livro Imprensa e história


12<br />

do Brasil de Maria Helena Capelato (1988), que descreve a história da imprensa com<br />

ênfase em seu papel de registrar e participar da história através de seu vínculo com<br />

a política, e a História social da imprensa: fatores socioculturais que retardaram a<br />

implantação da imprensa no Brasil de José Marques de Melo (2003), proveniente da<br />

tese de doutorado do autor defendida em 1972 na Universidade de São Paulo, que<br />

aborda as razões para a implantação tardia da imprensa periódica no Brasil. Ainda<br />

sobre a imprensa brasileira, o livro História da imprensa no Brasil de Nelson<br />

Werneck Sodré (1999) vincula o desenvolvimento da imprensa e o desenvolvimento<br />

da sociedade capitalista.<br />

Como base para a história de Santa Catarina, em específico a capital, foram<br />

utilizados os livros Ilha de Santa Catarina: relatos de viajantes estrangeiros nos<br />

séculos XVIII e XIX de Martim Afonso Palma de Haro (1996), que traz o relato de<br />

vinte viajantes de diferentes países com a descrição do que viram ao visitar a ilha de<br />

Santa Catarina, incluindo aqui costumes e hábitos, e a História Sócio-Cultural de<br />

Florianópolis de Osvaldo Ferreira de Melo (1991), com textos de diversos autores<br />

sobre diferentes temáticas, como a Organização político-administrativa de<br />

Florianópolis na Capitania, na Província e na República, por Jali Meirinho e A história<br />

da música por Hélio Teixeira da Rosa<br />

Existem algumas obras mais antigas, constituindo-se de uma reunião de<br />

informações, que foram o ponto de partida para esta pesquisa como, por exemplo,<br />

as obras de Oswaldo Rodrigues Cabral, A música em Santa Catarina no século XIX<br />

(1951), Nossa Senhora do Desterro: memória (1979) e Nossa Senhora do Desterro:<br />

notícia (1979), que detalha a história de Desterro tendo como base de pesquisa<br />

outros autores e jornais impressos; e História de Santa Catarina (1994) que<br />

comenta a política envolvida no povoamento e colonização do século XIX. E, ainda<br />

do mesmo autor, abordando a questão política há o livro História da política em<br />

Santa Catarina durante o Império (2004) que apresenta personagens e fatos do<br />

período. O livro História de Santa Catarina no século XIX (2001) apresenta uma<br />

compilação de textos organizados por Ana Brancher e Silvia Fávero Arend, entre os<br />

quais se destaca Crônica jornalística, sociabilidade e vida familiar na Desterro de<br />

meados do século XIX de Itamar Siebert que discute a ligação entre o poder público<br />

e os jornais, e estes últimos como refletores da sociedade. Além de algumas obras<br />

sobre a história do Estado em geral, como o Diccionario historico e geographico de<br />

Estado de Santa Catarina de José Arthur Boiteux (1940).


13<br />

A tese de doutorado E “saíram à luz” as novas coleções de polcas,<br />

modinhas, lundus, etc.: música popular e impressão musical no Rio de Janeiro<br />

(1820-1920), de Mônica Neves Leme (2006) contextualiza a produção musical<br />

durante o século XIX. Sobre o carnaval em Desterro durante o império há a<br />

dissertação de mestrado, O carnaval no Desterro: século XIX de Thaís Luzia Colaço<br />

(1998). Fernando Binder (2006), Bandas militares no Brasil: difusão e organização<br />

entre 1808-1889, apresenta em sua dissertação uma contextualização sobre as<br />

bandas militares e sua atuação no Brasil no século XIX<br />

Existem trabalhos de conclusão de curso que abordam a cultura musical e a<br />

sociedade de Desterro da época. O trabalho de minha autoria (2008) intitulado<br />

Atuação das sociedades musicais, bandas civis e bandas militares em Desterro<br />

durante o Império apresenta algumas informações sobre eventos musicais<br />

realizados no período, com ênfase nas bandas e sociedades musicais civis.<br />

Também o trabalho A programação no Theatro Santa Izabel e o gosto musical em<br />

Desterro no final do império de Gustavo Weiss Freccia (2008) aponta informações<br />

sobre a programação musical no Teatro Santa Isabel (atual Teatro Álvaro de<br />

Carvalho) conseguidas através dos jornais da época, incluindo o repertório<br />

apresentado e os artistas envolvidos na atividade cultural de Desterro. Para a<br />

contextualização do carnaval desterrense foram utilizados os trabalhos<br />

desenvolvidos por Edgar de Souza Rego (2008), Entre diabos e arcanjos: cultura<br />

política e sociedades carnavalescas em Desterro (1879-1891), e Otildes Costa<br />

Furtado Pamplona (2011), O carnaval em Desterro na segunda metade do século<br />

XIX através da atuação da imprensa e das sociedades carnavalescas. Sobre a<br />

função social do piano em Desterro dentro do contexto social e histórico foi utilizada<br />

a pesquisa O piano em Desterro no século XIX de Roberta Faraco Santolin (2009).<br />

Contextualizando o teatro musicado durante o império utilizou-se também o trabalho<br />

Colégio de senhoritas: Chiquinha Gonzaga, relações de gênero e o teatro musicado<br />

de Alexandre da Silva Schneider (2008).<br />

Destacam-se ainda as pesquisas realizadas pelo grupo A música na imprensa em<br />

Desterro durante o Império, realizadas através dos periódicos impressos em<br />

Desterro e presentes na Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina. O artigo<br />

Fontes sobre a história da música em Desterro de Marcos Tadeu Holler (2008)<br />

apresenta um levantamento de fontes sobre a prática e o ensino da música na Ilha<br />

de Santa Catarina nos século XVIII e XIX. A música na imprensa em Desterro


14<br />

durante o império, autorias de Anamaria Marques Vicenzi e Marcos Tadeu Holler<br />

(2008), contribui para o resgate histórico da música em Santa Catarina através do<br />

registro de informações sobre diversos eventos musicais em Desterro. A atuação de<br />

compositores em Desterro no século XIX de Pedro Loch Gonçalves e Marcos Tadeu<br />

Holler (2010) apresenta informações sobre os compositores que viviam em Desterro<br />

no século XIX levando em consideração o contexto sócio-cultural em que atuavam.<br />

O artigo Um olhar sobre o carnaval em Desterro na segunda metade do século XIX a<br />

partir da atuação das sociedades carnavalescas por Otildes Costa Furtado<br />

Pamplona e Marcos Tadeu Holler (2010) aborda o Carnaval em Desterro a partir da<br />

atuação das sociedades carnavalescas na segunda metade do século XIX.<br />

1.3 FUN<strong>DA</strong>MENTAÇÃO TEÓRICA<br />

Para Burke (2008) o conceito de cultura vem acompanhado da ideia de<br />

tradição, de certos tipos de conhecimento e habilidades legados de uma geração<br />

para outra. Para este autor múltiplas tradições podem coexistir na mesma sociedade<br />

e isto libera os historiadores culturais da ideia de unidade ou homogeneidade<br />

(BURKE, 2008). A história cultural já era praticada na Alemanha há mais de 200<br />

anos e, antes disso, havia histórias separadas da filosofia, literatura, linguagem,<br />

entre outras (BURKE, 2008). Neste ponto torna-se essencial definir cultura, o que<br />

assim como Burke (2008, p.42) esclarece, é problemático. Para Geertz (1978) o<br />

homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo fez e a análise<br />

desses significados é uma ciência interpretativa em busca do significado. Sahlins<br />

(1997) afirma que a cultura está sempre se transformando e dialoga com a história, é<br />

um conjunto simbólico. Para Geertz (1978) a cultura é passível de ser interpretada<br />

assim como se faz com os textos; os textos da cultura são o produto de um autor, o<br />

que aproxima a interpretação da ficção (personagens, autores). Geertz (1978)<br />

apresenta um conceito de cultura semiótico:<br />

Como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis (o que eu chamaria<br />

símbolos, ignorando as utilizações provinciais), a cultura não é um poder,<br />

algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais,<br />

os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto,<br />

algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível – isto é,<br />

descritos com densidade (GEERTZ, 1978, p.24).


15<br />

Wolf (2003) enriquece a discussão ao afirmar que o conceito de cultura não é<br />

remédio para todas as dificuldades, pode ser apenas um ponto de partida para a<br />

pesquisa. Para ele o conceito de cultura tem valor metodológico, é preciso procurar<br />

as “conexões”, trabalhar e pensar para descobrir essas conexões ou mesmo verificar<br />

a sua existência. O autor questiona a existência de sociedades puras, sem a<br />

influência de agentes externos, para ele “as entidades estudadas pelos antropólogos<br />

devem seu desenvolvimento a processos que se originam fora delas e vão muito<br />

além delas, que devem sua cristalização a esses processos, participam deles e, por<br />

sua vez, os afetam”. (WOLF, 2003, p. 296).<br />

O autor utiliza o conceito de conjuntos culturais e defende que a formação<br />

destes conjuntos e sua acomodação estão atreladas a ”processos ecológicos,<br />

político-econômicos e ideológicos especificáveis”, e que os conjuntos culturais “estão<br />

continuamente em construção, desconstrução e reconstrução, sob o impacto de<br />

múltiplos processos que operam sobre amplos campos de conexões culturais e<br />

sociais” (WOLF, 2003, p.297). Para o autor, tanto as conexões como os processos<br />

são ecológicos, econômicos, sociais, políticos e compreendem pensamento e<br />

comunicação. Segundo ele “a construção, desconstrução e reconstrução de<br />

conjuntos culturais abrangem também a construção e destruição de ideologias. E as<br />

relações ideológico-ecológicas, econômicas, sociais e políticas – transcendem<br />

fronteiras”. (WOLF, 2003, p. 298).<br />

Segundo Geertz (1978), no estudo da cultura os significantes são atos<br />

simbólicos ou conjuntos de atos simbólicos e o objetivo é a análise do discurso<br />

social. Etimologicamente a palavra discurso contém a ideia de movimento, assim<br />

através do estudo da linguagem, da palavra em movimento, da prática da<br />

linguagem, observa-se o homem falando (ORLANDI, 2005). Para a análise do<br />

discurso a linguagem é a mediação necessária entre o homem e a realidade natural<br />

e social, a análise reflete sobre a maneira como a linguagem está materializada na<br />

ideologia e como esta se manifesta na língua. A análise de discurso busca a<br />

compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos e está investido de<br />

significância para e por sujeitos. O material de análise exige que o analista, de<br />

acordo com a questão que formula, utilize conceitos que outro analista não utilizaria,<br />

por suas outras questões. Assim, para Orlandi (2005, p. 27) “uma análise não é igual<br />

à outra porque mobiliza conceitos diferentes e isso tem resultados cruciais na<br />

descrição dos materiais”. As condições de produção de um discurso compreendem


16<br />

os sujeitos, situação e memória. Os sujeitos são os produtores desse discurso,<br />

influenciados pela exterioridade na sua relação com os sentidos. Situação é o<br />

contexto, imediato ou amplo, levando em consideração o momento histórico da<br />

época de produção. A memória sustenta o discurso, tudo o que já foi dito sobre o<br />

assunto tratado. Guimarães (2002, p.184) ressalta que o passado é objeto de<br />

disputa que mobiliza interesses políticos e de conhecimento em uma rede em que “o<br />

saber pode significar poder, e é também do lugar do poder que se tecem saberes a<br />

respeito dos tempos pretéritos”.<br />

Para Orlandi (2005), tanto os sentidos quanto os sujeitos de um discurso<br />

dependem da ideologia que adotam, ao mesmo tempo são influenciados pela<br />

linguagem, pela história em que se inserem. Para a autora o gesto de interpretação<br />

se faz entre a memória institucional, aquilo que está incorporado ao sujeito, e os<br />

efeitos da memória constitutiva, o dizível, o interpretável, o saber discursivo.<br />

Os historiadores culturais preocupam-se com o simbólico e suas<br />

interpretações, segundo Burke (2008). Para este autor “os símbolos, conscientes ou<br />

não, podem ser encontrados em todos os lugares” (BURKE, 2008, p.10). Na história<br />

cultural, além do conceito de leitura, é necessário levar em consideração o conceito<br />

de representação. A representação, segundo Burke (2008), envolve a construção ou<br />

produção da realidade (classes sociais, identidade, etc). A sociedade em geral,<br />

segundo Becker (2009), compreende uma comunidade interpretativa, produtores<br />

que fazem representações padronizadas para os usuários que as utilizam para<br />

objetos padronizados, a organização que compreende o fazer e o usar é uma<br />

unidade estável, um mundo. A ideia de mundo, portanto, está relacionada a uma<br />

comunidade de produtores e usuários de representações sociais que evidenciam<br />

uma comunidade interpretativa. Para este autor a concentração no objeto desvia a<br />

atenção para as capacidades formais e técnicas de um meio, já a atenção na<br />

atividade organizada expõe que aquilo que um meio pode fazer está relacionado às<br />

limitações organizacionais que afetam seu uso. Já Wolf (2003) refere-se ao termo<br />

“civilização” como zonas de interação cultural marcadas pela “elaboração e<br />

hierarquização de significações e conotações” (WOLF, 2003, p. 299). Este autor<br />

defende a ideia de campos de relações nos quais conjuntos culturais são reunidos e<br />

desmembrados, como alternativa à ideia de unidades separadas, estáticas e<br />

limitadas.<br />

Becker (2009) defende que a representação social é um produto


17<br />

organizacional, ao representar uma sociedade é preciso buscar todas as etapas<br />

pelas quais ela passa enquanto produto de diferentes atividades. A forma e o<br />

conteúdo das representações variam acompanhando as variações das organizações<br />

sociais. Organizações sociais moldam o que é feito, o que os usuários querem que<br />

as representações realizem, que trabalho consideram necessário e que padrões<br />

usarão para julgá-lo (BECKER, 2009, p. 29). Para Becker (2009) toda representação<br />

da realidade social é parcial e a construção da argumentação envolve<br />

procedimentos de seleção, tradução, arranjo e interpretação, tornando visíveis as<br />

comparações relevantes por meio da divisão e organização em categorias. A<br />

construção de categorias de comparação e suas divisões, a criação de hipóteses e<br />

averiguação das mesmas cabe ao usuário. O conhecimento é resultado da<br />

eliminação de detalhes dispensáveis e exposição da estrutura básica, assim, os<br />

usuários cortam e combinam fragmentos de informação, sintetizando uma nova<br />

representação (BECKER, 2009). Savioli (1986) defende que a produção de saberes<br />

científicos possui um caráter social e são eles representações da vida do ser<br />

humano, num dado momento de sua história. Para o autor o conhecimento não é<br />

fruto da atividade isolada do ser humano, possui na verdade um caráter coletivo,<br />

mesmo quando formulado ou difundido por um único homem.<br />

Ainda sobre representações, Foucault concebe o homem como um ser vivo<br />

que constitui representações pelas quais vive e a partir das quais detém a<br />

capacidade de poder se representar a própria vida (ROMPATTO, 2002). Para<br />

Foucault o autor pode ser a representação de um conjunto de conceitos ou de<br />

teorias que podem ser encontrados em suas obras, o nome do autor caracteriza um<br />

modo de ser do discurso, recorta e delimita os textos, destacando-se do conjunto<br />

dos discursos (ROMPATTO, 2002). Foucault considera obra e autor conceitos<br />

construídos historicamente, a figura do autor emerge no decorrer do tempo<br />

associando-se a uma obra, dessa forma, ele se apropria, sistematiza e publica como<br />

seu um conhecimento que pertencia anteriormente à coletividade. Segundo<br />

Rompatto (2002), essa apropriação privada de um conhecimento coletivo provém,<br />

inicialmente, da relação de poder imposta pela Igreja à cristandade, com o objetivo<br />

de reprimir o pensamento dissidente. O surgimento da imprensa, os movimentos<br />

heréticos e a Reforma Protestante provocaram a reação da Igreja que passou a<br />

exigir a identificação do autor. Com a sociedade burguesa o saber transforma-se no<br />

saber de um indivíduo/autor que acompanha a ideia de propriedade privada


18<br />

(ROMPATTO, 2002).<br />

Dentro da perspectiva da história cultural, o mundo social é organizado e<br />

percebido por meio de esquemas intelectuais incorporados, as representações do<br />

mundo social, assim construídas, mesmo que aspirem à universalidade baseada na<br />

razão, “são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam”<br />

(CHARTIER, 1990, p.17), sendo necessário, portanto o relacionamento entre os<br />

discursos proferidos e a posição de quem os utiliza. Chartier (1990, p. 17) aponta<br />

para a não neutralidade dos discursos:<br />

As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros:<br />

produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a<br />

impor uma autoridade a custa de outros, por elas menosprezados, a<br />

legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos,<br />

as suas escolhas e condutas. (CHARTIER, 1990, p.17).<br />

Para os teóricos da comunicação da Escola de Frankfurt 3 , os meios de<br />

comunicação de massa promovem a construção da realidade e da escolha do<br />

público alvo. Dentro dessa perspectiva, o jornal como um dos principais meios de<br />

comunicação em massa contribuiu para a construção de uma realidade, assim como<br />

espelhou a sociedade da época. Para Baczko (1985, p.310), o imaginário social<br />

envolve a construção de imagens oriundas de diferentes agentes sociais e, com as<br />

representações, traduz as lutas de poder pelo domínio simbólico.<br />

1.4 <strong>OS</strong> JORNAIS <strong>COMO</strong> FONTE PARA A PESQUISA MUSICOLÓGICA<br />

Para Chartier (1990) um texto pode adequar-se à situação do leitor e também<br />

corresponder a uma refiguração da própria experiência; entre o texto e o sujeito que<br />

o lê existe uma teoria da leitura capaz de compreender a apropriação dos discursos<br />

e como estes conduzem a uma nova forma de compreensão de si próprio e do<br />

3 A Escola de Frankfurt foi criada em 1923-24. Formada por pensadores como Adorno, Horkheimer,<br />

Marcuse, Habermas, Erich Fromm e Franz Neumann com influências teóricas diversas e<br />

influenciados pelos acontecimentos da época: fim da monarquia na Alemanha e constituição da<br />

República de Weimar, primeira Guerra Mundial, Revolução Soviética, intensas lutas operárias,<br />

ascensão do nazismo (BARRETO, 2001); buscava desenvolver uma teoria crítica do conhecimento e<br />

da sociedade inspirados na obra de Marx, relacionando o marxismo com a tradição crítica moderna<br />

(MARCONDES apud BARRETO, 2001).


19<br />

mundo. O historiador deve ler documentos, organizar as fontes, manejar técnicas de<br />

análise, utilizar critérios de prova, porque a intenção no fazer história é estabelecer a<br />

verdade entre o relato e o que é o objeto desse relato. Para o autor o historiador<br />

atual deve atender à exigência de cientificidade, com o aprendizado da técnica e a<br />

busca por provas, sendo que a escrita pertencerá sempre à categoria dos relatos da<br />

narrativa (CHARTIER, 1990).<br />

Segundo Certeau (1982), a partir do século XVI, a historiografia toma a<br />

posição do sujeito da ação, mas para o autor, o historiador ocupa esse lugar através<br />

de “uma espécie de ficção”. Para este autor, a história pretende “reencontrar uma<br />

veracidade dos fatos sob a proliferação das ‘lendas’ e, assim, instaurar um discurso<br />

de acordo com a ‘ordem natural’ das coisas, ali onde proliferava as misturas da<br />

ilusão e do verdadeiro” (CERTEAU, 1982, p.22). Este autor debate também sobre a<br />

entrada do sujeito no texto histórico, sem que o historiador seja o interlocutor dos<br />

seus personagens ausentes, mas dentro do que ele denomina de uma lacuna<br />

intransponível. Certeau (1982) diz que essa lacuna mostra o lugar no texto e<br />

questiona o lugar pelo texto, enfim, o outro: “o historiador também só pode escrever<br />

conjugando [...] o ‘outro’ que o faz caminhar e o real que ele não representa senão<br />

por ficções” (CERTEAU, 1982, p.24-25).<br />

Certeau (1982) propõe três postulados para a análise histórica. Para o autor,<br />

sublinhar a singularidade de cada análise é também questionar a possibilidade de<br />

uma sistematização totalizante, é considerar a pluralidade de procedimentos<br />

científicos, funções sociais e de convicções fundamentais, neste ponto o autor<br />

coloca que já está esboçada a teoria dos discursos que defende que enquanto se<br />

fala da história está sempre situado na história. O segundo postulado propõe que os<br />

discursos são históricos e para compreender o que dizem não pode estar dissociado<br />

da prática de que resultam. O terceiro postulado entende a história como a prática, o<br />

seu resultado (discurso) ou a relação de ambos sob a forma de uma produção.<br />

Segundo Capelato (1988), a imprensa possibilita acompanhar o percurso dos<br />

homens através dos tempos. Para a autora, a imprensa registra, comenta e participa<br />

da história em uma batalha por mentes e corações. Desde o início, “a imprensa se<br />

impôs como uma força política. Os governos e os poderosos sempre a utilizam e<br />

temem; por isso adulam, vigiam, controlam e punem os jornais” (CAPELATO, 1988,<br />

p.13). A mesma autora analisa o jornal como fonte de pesquisa. Segundo ela, as<br />

dificuldades do jornal como fonte histórica desencorajaram os historiadores do


20<br />

passado. Capelato pondera ainda que o periódico, antes considerado uma fonte<br />

suspeita e de pouca importância, já começava, no final dos anos oitenta, a ser<br />

reconhecido como material de pesquisa valioso para o estudo de uma época.<br />

O jornal foi muitas vezes considerado uma fonte duvidosa para a pesquisa<br />

historiográfica e também um repositório da verdade, conforme aponta Capelato<br />

(1998). Segundo a autora, essa visão modificou-se com o surgimento de novas<br />

reflexões sobre o significado do documento pela historiografia e mudanças em<br />

algumas das concepções dentro da história; o passado ainda é o objeto do<br />

historiador, porém se admite que esse objeto seja construído e reconstruído<br />

conforme as necessidades e perspectivas do presente.<br />

Esta mesma autora afirma que a história morta cedeu lugar para a história<br />

viva, que possui como meta captar as transformações do homem no tempo, e “a<br />

imprensa oferece amplas possibilidades para isso. A vida cotidiana nela registrada<br />

em seus múltiplos aspectos, permite compreender como viveram nossos<br />

antepassados – não só os ’ilustres’, mas também os sujeitos anônimos (CAPELATO,<br />

1998, p.20).<br />

Esta autora ainda aponta que a imprensa é um instrumento de manipulação<br />

de interesses e de intervenção na vida social, tendo o historiador o papel de estudála<br />

como agente da história e captar o movimento vivo das ideias e personagens dos<br />

jornais (CAPELATO, 1998). As fontes documentais utilizadas em uma pesquisa<br />

histórica não trazem todas as informações ou mesmo não as trazem de forma<br />

completa; além disso, deve-se ainda levar em conta o motivo pelo qual as<br />

informações eram publicadas, o que determinava o conteúdo e até mesmo o caráter<br />

dos artigos, e por isso sua leitura deve ser realizada de forma crítica.<br />

Assim como na musicologia do século XIX, com a visão positivista da qual os<br />

documentos eram portadores da verdade objetiva e o seu conhecimento era o início<br />

para a construção da história (CASTAGNA, 2008), a história e a imprensa também<br />

almejavam a objetividade. Hoje se busca a objetividade relativa. Os elementos<br />

subjetivos de quem produz o fato jornalístico interferem na sua construção, bem<br />

como os interesses aos quais o jornal está vinculado. É necessário questionar a<br />

imprensa como espelho fiel da realidade e reconstituir o real em suas múltiplas<br />

facetas, a objetividade é uma meta difícil que pode ser alcançada através de muitas<br />

revisões do trabalho, verificações sucessivas e acumulação de verdades parciais<br />

(CAPELATO, 1988).


21<br />

Não existe documento objetivo e inócuo, ele é resultado de uma montagem<br />

consciente e/ou inconsciente da sociedade que o produziu e das épocas sucessivas<br />

que ele continuou a viver, esquecido ou manipulado (CAPELATO, 1988). Para a<br />

autora, esse produto é o resultado de forças conflitantes e do empenho dos<br />

produtores para impor ao futuro uma determinada imagem da sociedade. Assim, o<br />

jornal passou a ser concebido como um espaço para a representação do real, de<br />

momentos particulares da realidade.<br />

Para Capelato (1998) o jornal é fruto de determinadas práticas sociais de uma<br />

época e sua produção é um ato de poder, em que estão implícitas relações. A autora<br />

ainda aponta que é preciso levar em consideração que existem vários tipos de<br />

imprensa e também várias formas de estudá-la. Segundo ela há o confronto entre a<br />

“boa” e a “má” imprensa. A “boa” corresponde à imprensa bem comportada com<br />

privilégios, enquanto a “má” é depreciada e punida porque ameaça os “bons<br />

costumes”. “O confronto ’boa-má‘ imprensa traduz uma luta político-ideológica na<br />

qual envolvem os defensores da ordem estabelecida e os que a criticam.” (Ibid.,<br />

p.33). Os jornais que expressavam reivindicações específicas de determinados<br />

grupos sócio-políticos, existiram desde o Brasil Colônia e proliferaram na segunda<br />

metade do século XIX. Através dos discursos expressos nos jornais é possível<br />

acompanhar o movimento das ideias que circulavam na época, com a análise do<br />

ideário e da prática política dos representantes da imprensa revela a complexidade<br />

da luta social (Ibid.).<br />

O jornal, para Mouillaud (2002), não é apenas um suporte, mas um<br />

dispositivo, onde os textos são inscritos e ocorrem as produções de sentido. A<br />

informação jornalística não está baseada somente no que pode ser mostrado, mas<br />

também no que julga ser importante fazer saber. Para o autor, a seleção de<br />

determinado acontecimento/fato em detrimento do outro, renega-o ao esquecimento<br />

e delimita o campo onde os fatos ocorrem. Assim, as “pistas se desenham,<br />

caminhos se abrem, uma rede de sentidos se institui: uma lógica e uma cronologia<br />

se instalam” (MOUILLAUD, 2002, p. 51).<br />

Os periódicos entendidos como jornais, revistas, boletins entre outras<br />

publicações, são objetos de consumo e principalmente um veículo de ideias e<br />

mensagens (BAST<strong>OS</strong>, 2002). Para a autora os periódicos são também:<br />

um discurso que permite a formação de outros discursos, enunciados que


22<br />

ecoam e reverberam efeitos no dia-a-dia, na reconstrução cotidiana de laços<br />

sociais, na identidade de leitor/leitora. Portanto, fazer a história deste<br />

periódico é também fazer a história da propagação de idéias, de hábitos de<br />

leitura, de gostos e preferências literárias; é analisar o processo educativo<br />

pedagógico presente em seu corpus educativo. (BAST<strong>OS</strong>, 2002, p.170).<br />

Os jornais como meios de comunicação possuem uma maneira particular de<br />

dizer e fazer circular as informações produzidas, são frutos de um discurso<br />

estruturado a partir de outros enunciados (SANTO, 2007). Para a autora, o discurso<br />

da imprensa é baseado na fala do outro, fala que ele interpreta e nele reproduzida<br />

segundo interesses. Através dos periódicos é possível perceber ideais políticos e<br />

visões de mundo representativas de diversos setores da sociedade.<br />

No século XVIII, na Europa, o jornalismo começou a constituir-se em um<br />

instrumento do projeto iluminista “de mudar as ideias e maneiras das pessoas<br />

comuns”, assumindo as funções de agente de cultura, mobilizador de opiniões e<br />

propagador de ideias (PALLARES-BURKE, 1998, p.145-146). A autora observa a<br />

influência dessa tendência iluminista europeia também na imprensa da América<br />

Latina, principalmente após a independência das colônias, através da “crença no<br />

poder das ideias de aprimorar a sociedade e a convicção de que a imprensa<br />

periódica, veiculando ideias, tinha grande potencial para educar o público”<br />

(PALLARES-BURKE, 1998, p.147). Esta autora argumenta que para integrar o novo<br />

mundo independente, na moderna cultura europeia, foi dado à imprensa um<br />

importante papel no processo civilizatório, que após emancipar-se do poder<br />

absolutista passou a ser considerada como o meio mais eficiente de influenciar<br />

costumes e a moral, discutir questões sociais e políticas. Os periódicos, em grande<br />

parte, de curta duração, possuíam títulos reveladores dessa diretriz, como,<br />

Despertadores, Faróis, Auroras, entre outros. Conforme Siebert (2001), a partir da<br />

segunda metade do século XIX os periódicos assumiram a forma de mercadoria e<br />

transformaram-se em ferramentas indispensáveis na luta dos partidos pela<br />

persuasão da opinião pública, nem sempre letrada. Segundo o autor:<br />

Conjugação híbrida de puritanismo moral, romantismo literário, e liberalismo<br />

ilusionista, seus editoriais, artigos, ensaios, crônicas e folhetins expressam<br />

grande parcela da auto-imagem da elite letrada do mundo ocidental do<br />

século XIX: a segregação entre os espaços públicos e privados, a<br />

construção de uma moralidade patriarcal, o gosto pedagógico do útil e do<br />

agradável, o mito de que a liberdade de expressão e crítica seriam a<br />

garantia da constituição e dos direitos civis. (SIEBERT, 2001, p. 232).


23<br />

O jornal é uma forma de interpretação da vida da sociedade, uma forma de<br />

dar palavra aos atores da história. O jornal tem uma relação bem próxima com a<br />

ideia de “história imediata” discutida por Lacouture (1988). Para este autor a história<br />

e o jornalismo tendem a convergir. Segundo Lacouture (1988) a imediação é quase<br />

inacessível já que a operação histórica é verificação, delimitação, exclusão, coleção,<br />

e necessita da intervenção de meios técnicos de mediação como caneta, papel,<br />

cola, pastas e documentos. Aquele que escreve sobre o seu tempo, com a sua<br />

incapacidade de prever as conseqüências dos acontecimentos, pode possuir a<br />

virtude de não subestimar o dinamismo do vencido, ao mesmo tempo em que os<br />

historiadores, pelo tempo afastados do objeto de pesquisa, podem aplicar o rigor<br />

profissional e considerar as características da época no documento pesquisado.<br />

O uso dos jornais como fonte de conhecimento para a história no Brasil ainda<br />

é recente. Na década de 1970 reconhecia-se a importância dos periódicos para a<br />

história da imprensa, porém relutava-se em utilizá-los para a história por meio da<br />

imprensa. Essa escolha estava associada ao ideal do século XIX e início do século<br />

XX de busca da verdade dos fatos através de fontes objetivas, neutras, fidedignas e<br />

distanciadas de seu tempo. O jornal nesta perspectiva mostrava-se inadequado por<br />

conter “registros fragmentários do presente, realizados sob o influxo de interesses,<br />

compromissos e paixões”, fornecendo “imagens parciais, distorcidas e subjetivas”<br />

(LUCA, 2006, p.112). Conforme esta autora, nas décadas finais do século XX a<br />

perspectiva mudou através de contribuições metodológicas e do incentivo à<br />

interdisciplinaridade com as ciências humanas, como a sociologia, a psicanálise, a<br />

antropologia, a linguística e a semiótica. Santo (2007, p.3) avalia o papel do jornal<br />

como meio de comunicação:<br />

os jornais não são apenas veículos de transmissão de informações, mas,<br />

principalmente, fontes de significados e interpretações da realidade, fóruns<br />

nos quais se desenvolve a disputa em torno da construção de significados.<br />

Como todo meio de comunicação, são mediadores de informações, além de<br />

produtores e reprodutores de padrões sociais e culturais.<br />

A pesquisa em periódicos permite o vislumbre de questões políticas e<br />

ideológicas, das transformações do homem no tempo, do registro dos múltiplos<br />

aspectos. Giron (2004, p.15) afirma que os periódicos são um “universo fértil para a<br />

pesquisa sobre a vida musical”, envolvendo partituras, tratados, documentos


24<br />

manuscritos e a recepção de espetáculos, através de críticas, crônicas, resenhas e<br />

ensaios publicados.


25<br />

2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA<br />

2.1 IMPRENSA BRASILEIRA<br />

Até a vinda da Corte portuguesa ao Brasil não houve na colônia uma<br />

imprensa regular, mas somente iniciativas isoladas. O domínio português, de 1500<br />

até o desembarque da comitiva de D. João VI, impediu toda a manifestação livre do<br />

pensamento, e a palavra impressa era considerada crime (BAHIA, 1990). Para Bahia<br />

(1990) o cerceamento da imprensa tinha razões de Estado: garantir o colonialismo,<br />

conservar o controle de seus interesses políticos e econômicos, deter pela força as<br />

aspirações de liberdade e justiça 4 . Para o autor, ao impedir a liberdade 5 , o<br />

colonialismo assumiu o atraso na montagem tipográfica. A imprensa do Brasil<br />

Colonial foi caracterizada pela adversidade de condições políticas para seu<br />

estabelecimento, apesar das condições materiais terem começado a surgir neste<br />

período.<br />

A imprensa se estabeleceria em definitivo com a chegada da corte de D. João<br />

VI e a conseqüente necessidade de imprimir atos do governo e divulgar notícias<br />

(CAMISASCA; VENÂNCIO, 2007). A implantação da imprensa não foi uma iniciativa<br />

isolada, vinculou-se a um conjunto de medidas governamentais com o objetivo de<br />

proporcionar infraestrutura à Coroa Portuguesa instalada provisoriamente no Brasil<br />

(MELO, 2003).<br />

Segundo Sodré (1998) e Bahia (1990), Antônio de Araújo de Azevedo (mais<br />

tarde Conde da Barca), durante a confusão da fuga da Família Real, mandou<br />

colocar no porão da nau Medusa o material litográfico comprado para a Secretaria<br />

de Estrangeiros e da Guerra, da qual era titular. No Brasil, o material foi instalado em<br />

sua casa e o ato real de 13 de maio de 1808 estabeleceu que os prelos destinados à<br />

Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra serviriam de<br />

Impressão Régia, onde se imprimiria toda a legislação e papéis diplomáticos de<br />

todas as repartições Reais (SODRÉ, 1998), além de conter uma permissão para a<br />

impressão de outras obras (MELO, 2003). Este decreto instituiu definitivamente a<br />

4<br />

Em 1789 a Inconfidência Mineira, em 1798 a Revolução dos Alfaiates, em 1817 na Revolução<br />

Nativista de Pernambuco e também os movimentos populares como a Cabanagem (BAHIA, 1990).<br />

5<br />

A Carta Régia de 1747 mandava fechar a tipografia, punia os infratores com penas de prisão e<br />

exílio, e seqüestrava tipos, que eram remetidos para a metrópole (BAHIA, 1990, p. 11).


26<br />

entrada da tipografia no Brasil, porém não atrelada à liberdade de imprensa<br />

(MÜLLER, 1999). Como aponta este autor, era uma série de medidas de censura e<br />

vigilância, com interdições e apreensões de impressos.<br />

A administração da Impressão Régia coube a uma junta, composta por José<br />

Bernardo de Castro, oficial da Secretaria de Estrangeiros e da Guerra, Mariano José<br />

Pereira da Fonseca e José da Silva Lisboa, para a qual caberia a gerência, o exame<br />

dos papéis e livros que se mandassem publicar e fiscalizar para que nada se<br />

imprimisse contra a religião, o governo e os bons costumes sem o exame dos<br />

censores reais, frei Antonio de Arrábia, o padre João Manzoni Carvalho e Melo, e<br />

José da Silva Lisboa (SODRÉ, 1998, p.19). A Junta Diretora da Impressão Régia,<br />

segundo Bahia (1990), foi um conselho de censura prévia, já que estavam sob suas<br />

atribuições examinar os papéis e livros que fossem mandados publicar e fiscalizar<br />

que nada fosse impresso contra a religião, o governo e os bons costumes.<br />

Em junho de 1808, Hipólito José da Costa fundou em Londres o Correio<br />

Brasiliense, considerado o primeiro jornal brasileiro e o primeiro periódico português<br />

a circular independente de censura (MARTINS, 2008). Editado e impresso em<br />

Londres no formato in octavo (22 cm x 14 cm), era mensal e circulou até dezembro<br />

de 1822. Este jornal, para Martins (2008), estabelecia os vínculos entre o público<br />

leitor brasileiro com a sociedade inglesa, responsável por boa parte dos<br />

investimentos brasileiros. Hipólito era oposicionista e crítico, e apesar de o jornal ser<br />

impresso em Londres, abordava os problemas da Colônia (MARTINS; DE LUCA,<br />

2008). Para estas autoras, com este jornal houve a criação de um espaço de crítica<br />

e assim começou a instaurar a opinião pública. Em 10 de setembro do mesmo ano<br />

começou a circular a Gazeta do Rio de Janeiro, pela Imprensa Régia, que trazia<br />

traduções de artigos publicados na imprensa conservadora europeia, no formato in<br />

quarto (29 cm x 21 cm) (LUST<strong>OS</strong>A, 2000). Para Pallares-Burke (1998) a Gazeta do<br />

Rio de Janeiro marcou o início da imprensa periódica brasileira, porém durante duas<br />

décadas, por causa da censura, os periódicos veicularam somente notícias do<br />

estrangeiro ou defesas parciais do regime monárquico absolutista. Segundo Sodré<br />

(1998), este jornal preocupava-se com prioridade com o que se passava na Europa,<br />

sem abordar temas democráticos ou reclamações; já o Correio Brasiliense (fig. 1)<br />

era publicado no exterior, justamente para escapar da censura prévia existente no<br />

Brasil.


27<br />

Figura 1 - Fac-símile do Correio Braziliense, junho de 1808.<br />

Fonte: FARIAS, 2009. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2011.<br />

Figura 2 - A Gazeta do Rio de Janeiro, setembro de 1808.<br />

Fonte: JORNAL ONLINE. Disponível em: . Acesso em:<br />

09 jul. 2011.<br />

O aparecimento da Gazeta do Rio de Janeiro (fig. 2), além da necessidade de<br />

informar, demonstrou o declínio do absolutismo. Esse jornal tinha como objetivos<br />

proclamar as virtudes e benefícios do absolutismo e combater ideias contrárias, ao<br />

mesmo tempo em que a abertura dos portos permitia a entrada clandestina de<br />

impressos, inclusive jornais, e assim, das ideias contrárias (SODRÉ, 1998).<br />

Durante a permanência de D. João VI, além da Impressão Régia, foram<br />

instaladas duas tipografias, na Bahia (1811) e em Pernambuco (1815) (MELO,


28<br />

2003). Na tipografia da Bahia surgiu a folha Idade de Ouro do Brasil, formato in<br />

quarto, escrita por portugueses, com o primeiro número em 14 de maio de 1811<br />

(SODRÉ, 1998). Esta publicação deveria apresentar as notícias políticas, somente<br />

os fatos, sem reflexões que tendessem a algum lado. Para Sodré (1998, p.29),<br />

“deveria ser imparcialmente a favor do absolutismo e constituir-se em órgão de sua<br />

louvação”.<br />

A Gazeta do Rio de Janeiro e a Idade de Ouro do Brasil foram os únicos a ter<br />

licença de impressão no período de 1808 a 1820 e 1814 a 1820, respectivamente<br />

(BAHIA, 1990). Até 1821 o Rio de Janeiro não conhecia outra tipografia além da<br />

Impressão Régia; foi nesse ano que se iniciou o Diário do Rio de Janeiro, e também<br />

que D. Pedro, com a ida de D. João VI a Portugal, decretou o fim da censura prévia<br />

(Ibid.). Sodré (1998) aponta que o atraso da imprensa no Brasil ocorreu pela<br />

ausência de capitalismo e da burguesia. Para este autor, nos países em que o<br />

capitalismo se desenvolveu, a imprensa acompanhou o seu desenvolvimento.<br />

No período entre a instalação da Corte no Brasil e a abolição da censura<br />

apareceram também no Brasil outros jornais, impressos ou não, entre eles<br />

Variedade ou Ensaios de Literatura (julho de 1812), O Patriota (janeiro de 1813),<br />

Reflexões sobre o Correio Brasiliense (1809), O Investigador Português (julho de<br />

1811), O Contemporâneo, O Português ou Mercúrio Político, O Espelho (abril de<br />

1814), O Campeão Português, O Amigo do Rei e do Povo (SODRÉ, 1998). Até os<br />

últimos anos do Brasil Colônia era proibido questionar a religião, moral portuguesa, o<br />

Rei e perturbar a tranquilidade pública (SODRÉ, 1998).<br />

Segundo Melo (2003), a dinamização da imprensa no Brasil só iria ocorrer<br />

depois da abolição da censura prévia do Reino, a partir de 1821, quando novas<br />

tipografias foram instaladas. Após a Independência, em 1822, a imprensa começou<br />

a prosperar nas províncias brasileiras. Entre 1822 e 1831 apareceram pequenos<br />

jornais e panfletos que combatiam o governo imperial, como A Malagueta (1821 a<br />

1832), de Luís Augusto May, A Aurora Fluminense (1827 a 1839) que, entre 1831 e<br />

1833 foi o jornal de maior tiragem do Rio de Janeiro, de Evaristo da Veiga, e as<br />

Sentinelas da Liberdade (1823 a 1835), de Cipriano Barata (BAHIA, 1990). Nesta<br />

fase surgiu também O Catharinense, em Santa Catarina. Sobre a nova fase do<br />

jornalismo com o fim da censura, Martins e Luca (2006, p.20) afirmam:<br />

Seguiu-se então o jornalismo apaixonado das campanhas liberais, definidor


29<br />

de práticas e posturas que subsidiaram o processo de independência do<br />

Brasil. Por aquelas folhas, gazetas, pasquins e panfletos, de duração<br />

efêmera, delinearam-se linhas editoriais como expressão de grupos políticos<br />

inflamados, registros do jornalismo polêmico e contestador da emergência<br />

da nação.<br />

Assim, apenas após a independência do Brasil de Portugal a imprensa<br />

adquiriu as características semelhantes às da imprensa iluminista europeia e seu<br />

propósito educacional (PALLARES-BURKE, 1998). Mas a imprensa levaria<br />

aproximadamente 30 anos para se estabelecer em todas as unidades estaduais<br />

(MELO, 2003). Bahia (1990) também escreve sobre o atraso da imprensa no Brasil:<br />

Com um atraso de três séculos, o jornal impresso se incorpora<br />

definitivamente à construção da nacionalidade. O liberalismo português<br />

derrota o absolutismo português em Portugal e no Brasil. É um passo no<br />

caminho da emancipação. O Brasil, que realizara no século XVIII a mistura<br />

de raças, fará no século XIX duas revoluções – a Abolição e a República<br />

(BAHIA, 1990, p. 19).<br />

Com as inovações técnicas que surgiram na primeira metade do século XIX e<br />

que se estruturaram na segunda metade do século, o jornal deixou as suas<br />

características artesanais e começou a se estruturar como empresa (SODRÉ, 1998).<br />

Com a independência do Brasil a classe média despontou em diferentes formas de<br />

difusão cultural: na tribuna, no livro ou na imprensa (GOMES, 2010). Além disso,<br />

com o Golpe da Maioridade 6 iniciou-se uma nova fase na política brasileira, que<br />

influenciou as condições econômicas (expansão das lavouras de café, assentadas<br />

na mão de obra escrava provinda do declínio da mineração) e o papel da imprensa.<br />

Dentro desta nova conjuntura, a imprensa serviu às figuras de influência econômica<br />

e política, contribuindo com a estrutura escravista e feudal, baseada no latifúndio,<br />

que não admitia resistência. O Império e o latifúndio consolidaram-se em 1840, e<br />

com esse movimento, as questões políticas sobre o avanço liberal e de luta política<br />

perderam força nos jornais. A partir de 1850 muitas mudanças na sociedade<br />

brasileira ocorreram, dentre elas a extinção do tráfico negreiro, o surgimento de<br />

ferrovias e do telégrafo, o desenvolvimento do comércio e a organização bancária e<br />

da indústria, e a sociedade começou a diferenciar-se (SODRÉ, 1998.).<br />

6 Movimento liderado no Parlamento por políticos liberais, ocorrido em 23 de julho de 1840 quando D.<br />

Pedro II, com 14 anos de idade, foi levado precocemente ao trono à revelia da Constituição do<br />

Império de 1824, que dispunha que o príncipe até os 18 anos completos não poderia ascender à<br />

Coroa (MENDES, 2009).


30<br />

No início da segunda metade do século XIX, segundo Sodré (1998), reinou a<br />

conciliação, arranjo político que se destinava a apagar as lutas que haviam resultado<br />

na lei de extinção do tráfico negreiro. Essa conciliação, que escondia os problemas<br />

que se aprofundavam na estagnação da aparente tranqüilidade reinante, terminou<br />

em 1869, separando liberais e conservadores, e a imprensa começou a ganhar o<br />

interior, já que a dificuldade dos transportes e do serviço de Correio impedia que os<br />

jornais da Corte e das capitais de província se difundissem 7 . O desenvolvimento do<br />

país, o avanço da vida urbana e o crescimento da classe média e da burguesia,<br />

permitiram a ampliação das atividades culturais ligadas à imprensa como o livro e o<br />

jornal. Na segunda metade do século XIX predominavam os jornais republicanos e,<br />

nas décadas de 1870 e 1880, o pensamento republicano ganhou a consciência dos<br />

estudantes, intelectuais, militares e padres (SODRÉ, 1998). Como aponta Gomes<br />

(2010, p.58):<br />

As inovações tecnológicas registradas no século XIX facilitaram a circulação<br />

da informação, inclusive aparecem agências especializadas no envio e<br />

recebimento de mensagens, com valor de troca, o que permitiu o acesso<br />

dos leitores aos acontecimentos que extrapolavam os limites de sua região.<br />

Desse modo, o jornal passa a retratar com mais facilidade os fatos<br />

desencadeados no âmbito local, nacional e internacional.<br />

Para Silva (2010) os jornais cariocas no século XIX eram vitrines do luxo da<br />

corte, testemunhas do comércio de luxo e da obsessão da elite pela europeização<br />

da vida material. No Brasil do século XIX o jornal se inseriu em uma realidade<br />

particular. O século XIX foi marcado pelo aumento de escolas públicas, ampliação<br />

do mercado editorial de livros e periódicos, de gabinetes de leitura e bibliotecas, de<br />

público leitor. Porém o público leitor era restrito, composto pela burguesia e pela<br />

aristocracia, com novos leitores da burguesia urbana (BAST<strong>OS</strong>, 2002). Segundo<br />

esta autora, a população alfabetizada no Brasil se resumia a apenas 14% da<br />

população brasileira. Em uma sociedade hierarquizada e excludente, em que o<br />

acesso à educação formal era um privilégio e a maior parte da população era<br />

analfabeta, o jornal passou a ser visto como um instrumento de “civilização” (Souza,<br />

2006). Segundo esta autora,<br />

7 Até 1825 não havia serviço postal para o interior, a correspondência oficial era transportada por<br />

milicianos, os particulares utilizavam portadores ocasionais e muitas vezes cotizavam-se para custear<br />

um correio para as suas necessidades. Só havia serviço público entre São Paulo e Santos e em 1825<br />

surgiu a primeira linha de Correios no interior, Sorocaba – Jundiaí - São Carlos - Itu, expandindo-se<br />

no decorrer dos anos.


31<br />

As leituras coletivas em voz alta, proferidas nas boticas, botequins,<br />

residências ou esquinas da cidade, assim como o hábito de emprestar livros<br />

e jornais levaram à multiplicação da leitura relativizando as fronteiras entre o<br />

mundo letrado e a transmissão oral (SOUZA, 2006, p.244).<br />

Pallares-Burke (1998) argumenta que, com base na primeira pesquisa oficial<br />

sobre o grau de analfabetismo, realizada no Brasil em 1872, mesmo com apenas um<br />

quinto da população livre apta a ler, havia a possibilidade de que, mesmo<br />

analfabeta, uma grande parcela da população não estivesse imune aos jornais. Para<br />

a autora, o impacto da imprensa nos séculos XVIII e XIX na Europa foi crescente e<br />

atingiu progressivamente um número maior de pessoas que não sabiam ler, pela<br />

prática da leitura em voz alta, no âmbito doméstico ou público, que na época era<br />

muito difundida e valorizada, favorecendo a participação do que era veiculado pela<br />

imprensa, podendo também este ter sido um hábito brasileiro. O final do Império foi<br />

marcado pelo aprofundamento das contradições na sociedade brasileira e pelo<br />

interesse nas reformas (liberdade do ventre, liberdade dos sexagenários, a abolição,<br />

a questão religiosa, a questão eleitoral, a questão federativa, a questão militar, a<br />

questão do regime). Essas modificações refletiram-se na imprensa e esta, por sua<br />

vez, ampliou a sua influência e progrediu tecnicamente. Segundo Sodré (1998), as<br />

ideias republicanas proliferavam em todas as áreas, inclusive na imprensa. Havia<br />

uma multiplicação de órgãos de imprensa por toda parte, muitos de oposição,<br />

lutando pelas reformas no país. Além de ter sido uma época de mudanças políticas,<br />

foi também uma época literária. O desenvolvimento literário acelerou-se com a<br />

fundação dos cursos jurídicos, com o início das atividades públicas, de governo, com<br />

o surto da imprensa. Como o autor observa (p. 241), a camada culta era reduzida,<br />

não havia no início especialização, assim “o parlamentar era homem de letras e de<br />

imprensa”. A impressão de livros no Brasil era uma exceção, assim o grande público<br />

era conquistado pela literatura através do folhetim, ligado à imprensa e produto<br />

específico do Romantismo europeu, imitado no Brasil. Para Sodré (1998) esta foi<br />

uma fase em que literatura e imprensa se confundiram, mostrando como a imprensa<br />

ainda estava no início e não tinha criado a sua própria linguagem e definido seu<br />

papel específico.


32<br />

2.2 SANTA CATARINA<br />

2.2.1 Histórico da Ilha<br />

Durante o século XVI a costa catarinense foi muito visitada por exploradores e<br />

navegadores portugueses e espanhóis. Em 1515 a expedição de João Dias Solis<br />

marcou um único ponto da costa, a baía dos "perdidos", por causa de um naufrágio<br />

de uma embarcação dessa expedição, referindo-se às águas interiores entre a Ilha<br />

de Santa Catarina e o continente fronteiro. Em 1526 a expedição espanhola de<br />

Sebastião Caboto chegou ao litoral catarinense e ao publicar mapas referentes a<br />

esta expedição denominou a Ilha de Santa Catarina de "Porto dos Patos". O nome<br />

de Santa Catarina para a ilha aparece, pela primeira vez, no mapa-múndi de Diego<br />

Ribeiro, de 1529. A Ilha de Santa Catarina não foi o único ponto mencionado pelos<br />

navegadores; em 1527, no planisfério de Weimar, há a designação de Rio São<br />

Francisco, que banha a atual cidade de São Francisco do Sul.<br />

No séc. XVII, o território catarinense estava ligado aos interesses de<br />

navegações portuguesas, espanholas e outras nacionalidades, funcionando como<br />

ponto de apoio para atingir a região do Rio da Prata. Com a política de ampliação,<br />

as bandeiras vicentistas (provenientes da Capitania de São Vicente) percorreram o<br />

litoral catarinense gerando o interesse de posse e ocupação e o surgimento das<br />

fundações vicentistas de Nossa Senhora da Graça do Rio de São Francisco, por<br />

volta de 1645, sob responsabilidade de Manoel Lourenço de Andrade; Nossa<br />

Senhora do Desterro pelo bandeirante Francisco Dias Velho, que partiu de São<br />

Paulo, em 1673; e a vila de Santo Antônio dos Anjos de Laguna, em virtude da<br />

necessidade de apoio à Colônia do Sacramento e de estabelecer ligação entre a<br />

costa e as estâncias do interior, sob responsabilidade de Domingos de Britto Peixoto<br />

por volta de 1676 (CORRÊA, 2004, p. 37).<br />

Em 1689 o povoado de Nossa Senhora do Desterro, já com cerca de 400<br />

habitantes, foi atacado por piratas, e grande parte da população abandonou o local.<br />

Em 1700 iniciou-se o povoamento definitivo com a chegada de alguns casais vindos<br />

de Lisboa; em 1726 o povoado passou à categoria de Vila, denominação equivalente<br />

à freguesia ou município (CORRÊA, 2004). A Provisão Régia de 11 de agosto de<br />

1738 desincorporou os territórios da Ilha de Santa Catarina e o Continente do Rio


33<br />

Grande de São Pedro da jurisdição de São Paulo, passando-os para o Rio de<br />

Janeiro, assim Santa Catarina ficou subordinada aos Vice-Reis do Brasil e tornou-se<br />

posto avançado soberania portuguesa na América do Sul. Em 1738, após a criação<br />

da província de Santa Catarina, Desterro passou a ser a capital político<br />

administrativa (PIAZZA, 2003).<br />

A localização de fundação de Desterro condicionou o destino de toda a ilha e<br />

continente fronteiro. O povoado, ao se desenvolver e expandir, acompanhou as<br />

peculiaridades do local inicial e dos seus arredores, em um processo que sofreu<br />

influência também da ligação marítima, da acomodação e limitação da topografia<br />

original, da orientação com relação aos ventos e da presença dos rios e das fontes<br />

de água na topografia acidentada (VEIGA, 1993).<br />

O Brigadeiro José da Silva Paes, primeiro governador de Santa Catarina, foi<br />

responsável pelas construções militares das fortalezas de Santa Cruz na Ilha de<br />

Anhatomirim (1738), de São José da ponta Grossa (1740), de Santo Antônio da Ilha<br />

de Ratones Grande (1740), e a Nossa Senhora da Conceição da Barra Sul (1742).<br />

Essas construções tinham a função de garantir a posse da terra em um período de<br />

disputas entre Portugal e Espanha (CORRÊA, 2004). A ilha de Santa Catarina<br />

apresentava situação estratégica como local de abastecimento de embarcações e<br />

rota obrigatória para o Rio da Prata (BOITEAUX, 1953).<br />

Os conflitos entre Portugal e Espanha em decorrência da Guerra dos Sete<br />

Anos, tiveram reflexos na América, tropas espanholas sob o comando do<br />

Governador de Buenos Aires, Cevallos, em 1762, invadiram a Colônia de<br />

Sacramento e regiões do Rio Grande do Sul. Com o Tratado de Paris entre Portugal<br />

e Espanha foi devolvida a Colônia do Sacramento, mas os espanhóis permaneceram<br />

no Rio Grande. O governo português organizou a expulsão dos espanhóis do Rio<br />

Grande, tendo como ponto de apoio a Ilha de Santa Catarina. Assim, iniciou-se em<br />

1774 o preparo da Capitania de Santa Catarina para uma guerra no sul, o que, além<br />

das fortificações, completou o sistema de defesa através de instruções,<br />

embarcações e recursos humanos e bélicos.<br />

Em fevereiro de 1777 a Ilha de Santa Catarina foi ocupada pelos espanhóis,<br />

tendo sido devolvida no ano seguinte através da assinatura do Tratado de Ildefonso,<br />

pelo qual o governo português se comprometeu a não utilizá-la como base naval.<br />

Após a ocupação a Ilha estava destruída e, em 1779, o governo, antes do Coronel<br />

Francisco Antônio da Veiga Cabral, foi entregue ao Brigadeiro Francisco de Barros


34<br />

Morais Araújo Teixeira Omen, que governou até 1786, reconstruindo os edifícios<br />

públicos da vila. Neste governo houve o aparecimento das primeiras casas<br />

comerciais e o incentivo agrícola. Nos governos seguintes do Sargento-mor José<br />

Pereira Pinto, do Coronel Manoel Soares de Coimbra, do também Coronel João<br />

Alberto Miranda Ribeiro, entre 1786 e 1800, Desterro teve uma série de<br />

melhoramentos como a edificação do quartel no Campo do Manejo, abertura de<br />

novas ruas, a construção do forte de São João (no Estreito) e conclusão do forte de<br />

Santa Bárbara (CABRAL, 1994).<br />

Uma relevante fonte de informações sobre diversos aspectos da Ilha de Santa<br />

Catarina, apesar de sua parcialidade, são os relatos dos viajantes estrangeiros que<br />

passaram por ela a partir do séc. XVIII. Vários desses relatos foram traduzidos e<br />

transcritos por Martim Afonso Palma de Haro em sua obra Ilha de Santa Catarina:<br />

Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX (1996). Nos relatos são<br />

constantes as referências à hospitalidade dos portugueses, à infelicidade dos negros<br />

escravos e à exuberância da natureza. René Primevére Lesson (1794-1849),<br />

naturalista da expedição comandada por Duperrey, que aportou em Santa Catarina<br />

em 1822, relatou que a população de Nossa Senhora do Desterro era de mais ou<br />

menos seis mil almas, e nela distinguiam-se três classes de habitantes: “os brancos,<br />

os mulatos e os negros” (apud HARO, 1996, p. 274).<br />

No início do século XIX a Vila Capital de Desterro passou a se estruturar com<br />

rapidez. Em 1810 contava com 5250 moradores e o interior da Ilha com 7.233; um<br />

tempo depois, em 1821 a população era de 21.811 moradores. A população<br />

começou a se definir, e ao lado de uma população pobre constituída por soldados e<br />

marinheiros, a classe média começou a surgir com os lucros do comércio e do<br />

transporte de gêneros (CABRAL, 1994). Conforme aponta Cabral (1979, p.19), “à<br />

medida que o tempo corria, que a população aumentava e que as classes sociais<br />

mais se distanciavam e se definiam – mais fechada foi ficando a sociedade”; o autor<br />

afirma também que a classe média começou a definir o panorama físico e cultural da<br />

Vila de Desterro:<br />

Estes senhores foram os primeiros a construir as suas casas assobradadas,<br />

no centro da vila, nas ruas que saíam ou convergiam para a praça principal,<br />

que importavam as primeiras mobílias e os primeiros pianos, e que tinham<br />

as suas chácaras para veraneio em áreas consideradas afastadas, hoje<br />

dentro do perímetro urbano da cidade. (CABRAL, 1994, p.108).


35<br />

Desterro no início do século XIX possuía as mesmas características de outras<br />

cidades coloniais, uma praça central próxima ao mar, edificações ao redor dela, um<br />

cais no lado sul da praça, onde acontecia o embarque e desembarque dos produtos<br />

e passageiros. No lado oposto, estava a Igreja Matriz Nossa Senhora do Desterro,<br />

no lado leste a sede do governo provincial e, na frente, do outro lado da praça, a<br />

Câmara Municipal. O comércio estava próximo do porto (a Alfândega), ao qual<br />

estavam ligadas as funções comerciais e administrativas (HÜBENER, 1981, p.18). A<br />

atividade mercantil em Desterro desenvolveu-se com o óleo de baleia e o pescado<br />

seco exportados para o Norte e Nordeste do Brasil e também para a Europa. O<br />

crescimento portuário acorreu com a exportação e importação de produtos agrícolas<br />

e, principalmente, com a imigração europeia, ao centralizar a exportação de<br />

produtos agrícolas.<br />

Durante o Império Santa Catarina recebeu outros fluxos migratórios<br />

provenientes de outras regiões da Europa, principalmente alemães e italianos, que<br />

contribuíram para o desenvolvimento econômico do Estado. Em 1823, Desterro<br />

ocupava a área entre o rio Camboriu, ao norte, Garopaba, ao sul, e Bom Retiro,<br />

planalto, com 15 mil habitantes (FERNANDES, 2005). Em fevereiro de 1823,<br />

Desterro, assim como outras vilas brasileiras que eram capitais de província,<br />

recebeu por Decreto Imperial o título de Cidade, tendo sido a carta assinada em 23<br />

de março do mesmo ano (CABRAL, 1994).<br />

Como aponta Fernandes (2005), os números do sistema de ensino<br />

demonstram o potencial de leitores da época. Em 1836 existiam 18 escolas públicas<br />

primárias com 533 alunos matriculados em toda a província, na rede particular<br />

totalizavam 448 alunos e o aparecimento do ensino secundário ocorreu em 1837<br />

com a criação das cadeiras de Filosofia e Retórica. Fernandes (2005, p.4) escreve<br />

sobre a comunicação em Santa Catarina:<br />

A ligação marítima era o principal meio de comunicação entre as povoações<br />

litorâneas e o porto de Desterro tinha papel estratégico nesta conexão. A<br />

primeira agência de correio na capital surge em 1829, e em 1830 foram<br />

abertas as primeiras agências em Laguna e São Francisco do Sul. Só em 5<br />

de janeiro de 1852 é estabelecido o serviço de correio interestadual<br />

terrestre entre Desterro (SC) /Porto Alegre (RS) /Paranaguá (PR).<br />

Em 1847 ocorreu o mais aguerrido pleito eleitoral em Santa Catarina na<br />

primeira metade do século XIX (CABRAL, 1994). A política em Desterro estava


36<br />

dividida em torno de um problema local, a remoção das barraquinhas que existiam<br />

na praça principal da cidade e que constituíam o mercado. Em 1845 houve a visita<br />

do Imperador e as barraquinhas foram retiradas, apesar da oposição de muitos.<br />

Após a visita imperial houve a pretensão de construir um mercado na Praça do<br />

Palácio, gerando uma discussão que fez surgir dois grupos, um pró e outro contra a<br />

construção, grupos estes que se definiram como partidos políticos na eleição de<br />

1847. Os partidos eram definidos como o Partido Cristão e Conservador, cujo<br />

eleitorado era formado por comerciantes e altos funcionários, e o Partido Judeu,<br />

Partido Liberal cujo eleitorado incluía os militares e os pequenos funcionários. A<br />

eleição foi ganha pelo Partido Cristão, com Dr. Joaquim Augusto do Livramento, e o<br />

mercado foi construído na Praça (CABRAL, 1994).<br />

Na segunda metade do século XIX, mais especificamente na década de 50,<br />

houve segundo Cabral (2004, p. 517), com o remanejamento dos homens na área<br />

política da província, a necessidade de definição, “de um real enquadramento dentro<br />

do panorama geral da política”, na tentativa de acabar com o predomínio das<br />

lideranças familiares, únicas até este momento.<br />

Entre 1850 e 1872, Desterro destacou-se pelo maior contingente<br />

populacional, por ser centro político-administrativo e cultural, e por ter atraído um<br />

ponderável número de estrangeiros (PIAZZA, 2003, p.133). O principal produto de<br />

exportação na época era a farinha de mandioca, escoada pelos portos de Desterro,<br />

Laguna e São Francisco. A economia de Desterro cresceu baseada no comércio de<br />

produtos regionais para o mercado nacional e, ainda mais, com a criação de<br />

colônias alemãs e italianas na segunda metade do século XIX. Porém, com o<br />

desenvolvimento dessas colônias e as suas independências, a capital ganhou novos<br />

concorrentes (MAMIGONIAN, 1959).<br />

No final do século XIX, Desterro passou a importar produtos de outras regiões<br />

do Brasil e Europa e o desenvolvimento comercial ocorrido pela transformação da<br />

cidade de base militar para centro administrativo e crescimento portuário promoveu o<br />

surgimento de uma elite formada por comerciantes, construtores navais e<br />

funcionários do governo. Para Vaz (1991) e Veiga (1993) essa burguesia comercial é<br />

responsável pela mudança na paisagem da cidade, houve o surgimento de<br />

chácaras, sobrados, bondes puxados a burros e a iluminação das ruas. Joana Maria<br />

Pedro (2006, p.284) também traça um paralelo entre o enriquecimento de uma<br />

classe social e os símbolos deste enriquecimento no trecho a seguir:


37<br />

No último quartel do século XIX, a riqueza acumulada transparecia com o<br />

aumento dos sobrados, o ornamento das fachadas, nas quais apareciam<br />

azulejos importados de Portugal e portas almofadadas. Nas janelas e nas<br />

portas das sacadas havia “vidros estrangeiros, metidos em caixilhos<br />

rendilhados, apresentando desenhos de engenhosa combinação”. As<br />

sacadas de ferro batido retorcido apresentavam, por vezes, em complicados<br />

desenhos, as iniciais do proprietário.<br />

Em 1880 surgiram os bondes que permaneceram até 1934, geralmente<br />

importados da Europa e que podiam ser puxados por burros, a vapor, ou elétricos<br />

que, para Veiga (2004), eram uma demonstração de civilidade e de lugar social em<br />

todo o Brasil. As atividades do porto permitiram a criação de uma elite urbana<br />

preocupada com signos de distinção (PEDRO, 2006, p.287).<br />

2.2.2 Imprensa em Santa Catarina<br />

A história da imprensa nas cidades catarinenses é semelhante à de outras<br />

cidades do Brasil. Após a Independência, em 1822, a imprensa começou a<br />

prosperar nas províncias brasileiras. A indústria gráfica em Santa Catarina originouse<br />

na Capital e depois nas cidades de Blumenau e Joinville (PAULI, 1997). Em<br />

Santa Catarina houve a fundação do jornal O Catharinense por Jerônimo Coelho 8 ,<br />

com a primeira edição em 28 de julho de 1831. Era oposicionista e teve pouca<br />

duração, finalizando sua publicação em 1832. O jornal não chegou a publicar atos<br />

oficiais, mas a partir da sua prensa manual iniciou-se a “imprensa oficial catarinense”<br />

(MEIRINHO, 2008). O jornal, como dito anteriormente, nasceu com o objetivo de<br />

combater o absolutismo e colocava-se como instrumento para dar voz ao povo,<br />

como observa Fernandes (2005, p.5) ao referir-se ao editorial de capa da edição<br />

inaugural:<br />

8 Nascido na cidade de Laguna, em 30 de setembro de 1806 e falecido em Nova Friburgo em 16 de<br />

janeiro de 1860. Mudou-se de Laguna aos 4 anos para o Ceará e dali aos 15 anos para o Rio de<br />

Janeiro. Matriculou-se na Escola Militar a 20 de março de 1820, tornando-se, em 1836, major. Com a<br />

abdicação de D. Pedro I em 7 de Abril de 1831 mudaram-se as perspectivas políticas e Jerônimo<br />

Coelho, por decreto de 9 de maio de 1831, foi incorporado ao 2o Corpo de Artilharia de Desterro,<br />

voltando para a Província e ficando até 1834 (PAULI, 1997). Jerônimo Coelho exerceu o cargo de<br />

deputado provincial quatro vezes, em 1835, 1837, 1842 e 1845, e deputado geral três vezes, em<br />

1838, 1842 e 1857. Foi nomeado ministro interino da Guerra, foi também vice-presidente da província<br />

de Santa Catarina, em 1839, presidente da província do Pará, de1848 a 1850, e do Rio Grande do<br />

Sul, em 1856. Morreu no dia 16 de janeiro de 1860, em Friburgo, Rio de Janeiro (FERNANDES,<br />

2005).


38<br />

No editorial de capa da edição inaugural, Jerônimo Coelho apresenta O<br />

Catharinense como um sentinela da liberdade movido “pelo amor pátrio” e<br />

não “pelo sórdido interesse”. A partir de então, a inocência da província “não<br />

terá que gemer em silêncio, e aqueles que a oprimirem, terão de ser dados<br />

como opressores da humanidade”. O jornal coloca-se como redentor do<br />

povo contra os opressores. As palavras mais agressivas são dirigidas a<br />

Dom Pedro, a quem Jerônimo Coelho classifica de “estúpido, avarento e<br />

doido, que há pouco, espavorido, abandonou as praias do solo americano”.<br />

E continua seu ataque mordaz, convidando os provincianos a combater<br />

“esses orgulhosos mandões que, comumente, nas povoações pequenas,<br />

costumam ser o flagelo dos fracos”.<br />

Segundo Pauli (1997), o jornal teve relação com as mudanças políticas. Com<br />

recursos fornecidos pelas lojas maçônicas, Jerônimo Coelho adquiriu um prelo e<br />

material tipográfico para combater os preceitos absolutistas. Já na sua fundação, a<br />

imprensa catarinense estava em função de ideais políticos, divididos em duas<br />

correntes de opinião que se formalizavam nos partidos Liberal e Conservador. O ano<br />

de fundação da imprensa catarinense foi também de mudanças no Brasil, com a<br />

abdicação de D. Pedro I e que contribuiu para o Ato Adicional de 1834 à<br />

Constituição do Império que instituiu as Assembleias Legislativas provinciais e as<br />

eleições dos respectivos deputados (Ibid). A imprensa catarinense, em seu início,<br />

dependia de pessoas ligadas ao poder público, funcionários civis e militares da<br />

administração, e tinha nos funcionários públicos o seu principal público leitor. Estes<br />

consistiam os principais elementos da elite local e, possivelmente, “o único público<br />

capaz de ler os periódicos locais, ou aqueles trazidos pelas embarcações, de outras<br />

cidades” (PEDRO, 1995, p.20). O perfil do público leitor iria mudar apenas com a<br />

ascensão dos comerciantes a partir da segunda metade do século XIX.<br />

A postura política de Jerônimo Coelho abriu espaço para que no Império e na<br />

República os jornais da Capital e do interior retratassem essa tendência, adotando<br />

uma postura político-partidária (PEREIRA, 1992). Para Balthazar e Scherer (2010) é<br />

característico da imprensa catarinense, além da vinculação partidária, a<br />

regionalização e a presença dos maçons na criação, manutenção e consolidação<br />

dos jornais, trazendo os ideais libertários que essa ordem defendia na Europa e no<br />

Rio de Janeiro.<br />

Em Desterro, após O Catharinense, surgiram outros jornais, como O Brazil,<br />

publicado entre 1831 e 1832 e O Expositor, entre 1832 e 1834. Em abril de 1836, o<br />

governo catarinense adquiriu o estabelecimento gráfico e Domingos Dias de Souza<br />

Medeiros foi nomeado administrador da tipografia, que funcionava junto ao quartel


39<br />

no Campo do Manejo 9 . A Tipografia Provincial manteve-se até o início de 1850 e<br />

atuou também na formação de profissionais da composição dos tipos móveis e da<br />

impressão de textos (MEIRINHO, 2008). Com o jornal O Benfazejo, publicado de<br />

1836 a 1838, impresso na Tipografia Provincial, nasceu a Imprensa Oficial de Santa<br />

Catarina e, apesar de as edições do jornal terem sido finalizadas em 1838,<br />

seguiram-se outras impressões, como as das leis da província (PAULI, 1997).<br />

Conforme Pedro (1995, p. 21), era “um periódico diretamente ligado ao poder<br />

público”. O Mercantil foi publicado em 1843 e O Relator Catarinense, com o objetivo<br />

de registrar a visita de D. Pedro II e da Imperatriz Teresa Cristina à ilha de Santa<br />

Catarina, foi o precursor de uma nova fase do jornalismo catarinense, teve seu<br />

primeiro número em 15 de outubro de 1845 e encerrou-se na décima edição.<br />

(PAULI, 1997). Para Pedro (1995), O Relator Catarinense e O Mercantil foram portavozes<br />

do poder público, a tipografia onde eram impressos pertencia ao governo e,<br />

para a autora, “isso configurava, não mais um ensaio de esfera pública burguesa,<br />

mas sim a transformação dos súditos em público leitor de leis, decretos, mensagens<br />

e atas das Assembléias Provinciais” (PEDRO, 1995, p. 21).<br />

Nessa época o país passava por algumas revoluções e o Duque de Caxias<br />

paulatinamente restaurou a ordem, com base nos princípios de liberdade, igualdade<br />

e fraternidade; posteriormente, em 1842, com sua declaração de maioridade<br />

antecipada, D. Pedro II assumiu o governo. A partir de 1845 um novo panorama<br />

político começou a se formar, bem como na imprensa. A Revolução Farroupilha, que<br />

durara de 1835 a 1845, foi encerrada e, no mesmo ano, as Majestades Reais<br />

visitaram a capital de Santa Catarina (PAULI, 1997).<br />

O poder público em Desterro era controlado pelo partido liberal e apenas suas<br />

ideias eram publicadas nos jornais. A partir da metade do século XIX o partido de<br />

oposição também começou a divulgar suas ideias através da imprensa e a adquirir<br />

força política. Além de jornais conservadores e liberais, também surgiram os<br />

republicanos, monarquistas, abolicionistas, religiosos, entre outros. Segundo Pedro<br />

(1995), entre 1831 e 1894, foram criados 103 jornais no Estado, em sua maioria<br />

9 Quartel do Campo do Manejo teve a construção iniciada em 16 de maio de 1791, em uma<br />

solenidade presidida pelo Governador. A construção terminou em 1801 e foi descrito em 1820 por<br />

Saint-Hilaire como sendo um dos principais edifícios da cidade do Desterro, podia acomodar 1500<br />

homens e tinha frente para mar, afastado futuramente por. grande aterro, onde se encontram<br />

atualmente os edifícios públicos do Estado, - Palácio do Governo, Assembleia Legislativa, Palácio da<br />

Justiça e o Fórum, bem como alguns edifícios do Governo Federal (PAULI, 1997).


40<br />

efêmeros, propriedade de um indivíduo ou de um grupo com o objetivo de defender<br />

ou combater uma causa. Com isso, os periódicos passaram a refletir as disputas<br />

político-partidárias. Para Pedro (1995) através da relação dos jornais com o poder<br />

público é possível identificar a divulgação de ideias burguesas. Conforme a autora:<br />

Acompanhar o aparecimento dos jornais em Desterro, perceber seu<br />

entrelaçamento com a política partidária a nível nacional, constatar suas<br />

ligações com o poder público, é perceber, na concretude do cotidiano de<br />

uma formação social específica, a divulgação de uma utopia burguesa e as<br />

contradições inerentes a ela (PEDRO, 1995, p.10).<br />

A segunda metade do século XIX foi marcada pela intensa campanha política<br />

desenvolvida pela imprensa (CABRAL, 2004) e pelo crescimento econômico de<br />

Desterro, ligado ao comércio e o transporte marítimo, o que promoveu a constituição<br />

de uma esfera burguesa que se utilizava da imprensa (PEDRO, 1995). Apenas em<br />

1849 chegou a Desterro o segundo prelo, de propriedade de Emile Grain que, ao<br />

procurar os governistas, simpatizantes de Jerônimo Coelho, para propor uma<br />

parceria na criação de um novo jornal, teve a proposta rejeitada. Com o apoio da<br />

oposição conservadora, Grain fez circular no dia 1º de abril de 1849 o bissemanário<br />

Progresso Catarinense, sobre política, literatura e comércio (FERNANDES, 2005).<br />

Para evitar um jornal oposicionista, o governo negociou com Emile Grain e, um mês<br />

depois, o jornal teve seu nome alterado para O Conciliador Catarinense, defendendo<br />

a ideologia liberal. Conforme Fernandes (2005, p. 6-7), o poder público passou a<br />

concentrar duas tipografias: “a de Emile Grain, instalada no largo do Palácio, e a<br />

Provincial, no edifício da Assembléia Legislativa”. O contrato com Grain foi<br />

rescindido em janeiro de 1850.<br />

Conforme aponta Pedro (1995), a partir de 1849 a imprensa em Desterro<br />

dividiu-se em duas correntes, uma que defendia as ideias do Partido “Judeu”, sendo<br />

“Judeus” os político-partidários que se agrupavam em torno do partido liberal,<br />

enquanto que os “Cristãos” eram aqueles ligados ao partido conservador. E o partido<br />

conservador também criou um jornal em 1850, denominado Novo Iris, como órgão<br />

bissemanal, por Antônio Francisco Viana. Em 1852 passou a chamar-se O<br />

Conservador, identificando-se com seu partido. Mudou outra vez de nome, em 1 de<br />

janeiro de 1856, ao passar a outro proprietário, que deu ao O Conservador a<br />

denominação erudita O Argus da Província de Santa Catarina (do grego antigo<br />

argós ou άργός, que significa brilhante, ágil), o primeiro diário catarinense data de


41<br />

1861, quando O Argus passou simplesmente a ser impresso diariamente (PAULI,<br />

1997). Nesta fase do primeiro diário, os liberais fizeram circular O Mercantil, também<br />

de vida relativamente longa, de 1860 a 1869. Nas tipografias de um e de outro lado<br />

político foram aparecendo simultaneamente variados jornais, e o fenômeno se<br />

repetiria ao longo do Império e da Primeira República, o que tornou complexa a<br />

história do jornalismo (PAULI, 1997). Segundo este autor os jornais de significação<br />

do final do Império foram A Regeneração (liberal), com circulação de 1868 a 1889; O<br />

Despertador, de 1863 a 1885; O Conciliador, de 1872 a 1880 e Jornal do Comércio,<br />

de 1880 a 1894. Dentre os jornalistas que se destacaram após 1850 estão José<br />

Joaquim Lopes, o homem forte dos jornais conservadores e criador do Argos, e<br />

Manoel Raposo de Almeida, do O Mercantil, liberal.<br />

No interior do Estado a imprensa desenvolveu-se em algumas cidades da<br />

colonização alemã. A colonização de Joinville e do Vale do Itajaí tinha como<br />

característica grupos fechados e com fortes ligações com seus países de origem,<br />

dessa forma, em 1852 começou a circular, em Joinville, cidade pioneira da imprensa<br />

do interior de Santa Catarina, o jornal escrito em alemão Der Beobachter am<br />

Mathiasstrom (O Observador às Margens do Rio Mathias). Fundado pelo prussiano<br />

Karl Knüppel, o jornal consistia de 50 cópias escritas à mão, com denúncias e<br />

críticas sobre a realidade local e regional (BALTHAZAR; SCHERER, 2010). O<br />

primeiro prelo chegou a Joinville em 1862 trazido da Alemanha por Ottokar Döerffel<br />

e em 20 de novembro daquele ano foi impresso o Kolonie-Zeitung, também escrito<br />

em alemão, com circulação de três vezes por semana e com publicação contínua até<br />

1942 (Ibid). Apenas em 1887 foi lançada A Gazeta de Joinville, primeiro jornal em<br />

português. O primeiro jornal de Blumenau foi o Blumenauerzeitung (Gazeta<br />

Blumenauense), em 1881, redigido também em alemão e com circulação até 1938.<br />

A fundação de um jornal em Blumenau demorou em vista do receio do Dr. Blumenau<br />

de que a imprensa pudesse estimular as intrigas políticas na colônia. Outra tipografia<br />

foi montada e em 1883 surgiu o jornal Immigrant, dos liberais, enquanto o<br />

Blumenauer Zeitung, nascido em 1881, era dos conservadores.<br />

A colonização italiana em Santa Catarina, apesar de importante, não resultou<br />

em uma imprensa tão expressiva como a alemã (BALTHAZAR; SCHERER, 2010).<br />

Os periódicos produzidos no idioma dos imigrantes resguardavam o sentimento de<br />

nacionalidade, informavam direitos e preservavam ideais políticos (Ibid). Em outras<br />

cidades do interior catarinense o jornalismo prosperou, mas em menor escala do que


42<br />

em Desterro, Joinville e Blumenau. Na cidade de Laguna apareceu o primeiro jornal<br />

em 1868, com o Pirilampo, impresso na Capital, que foi sucedido em 1878<br />

pelo Município, com tipografia própria; em Laguna também se imprimiu O Albor, em<br />

15 de setembro de 1901 (PAULI, 1997). Com grande atraso em relação às outras<br />

cidades do Estado, em Lages foi editado O Lageano, em 14 de abril de 1883,<br />

dirigido pelo professor João da Cruz e Silva (BALTHAZAR; SCHERER, 2010). Como<br />

observa Fernandes (2005) o desenvolvimento da imprensa catarinense se deu de<br />

forma lenta:<br />

Em Santa Catarina o desenvolvimento da imprensa também ocorreu a<br />

passos lentos. Do primeiro jornal lançado em Desterro, a capital, se<br />

passaram 31 anos para que a imprensa chegasse à região Norte da<br />

província (Joinville), 33 na Sul (Laguna), 53 no Vale do Itajaí (Blumenau) e<br />

Planalto Serrano (Lages), 61 na Oeste (Chapecó). Ou seja, foram<br />

necessários sessenta anos para que a imprensa alcançasse as seis mesoregiões<br />

do estado, a partir dos principais municípios de cada uma delas<br />

(FERNANDES, 2005, p.2).<br />

A imprensa catarinense desenvolveu-se em um período de mudanças<br />

políticas no Brasil: independência, revoltas, contestações, além do fim da censura<br />

prévia. Ela teve seu desenvolvimento atrelado não só às mudanças políticas, como<br />

sociais, mas destacou-se, a partir de 1850, como porta voz dos movimentos<br />

políticos, especialmente em períodos eleitorais, nas reformas e no surgimento de<br />

novos grupos políticos. Este desenvolvimento também esteve ligado ao<br />

fortalecimento dos comerciantes e à ascensão da classe burguesa, que se utilizou<br />

dos periódicos como uma ferramenta de divulgação de seus ideais e anseios, que<br />

por sua vez influenciaram diretamente a produção e consumo cultural, estando a<br />

música diretamente envolvida nesse processo. Neste panorama, a imprensa<br />

desterrense, esteve diretamente interligada aos movimentos políticos, sociais e<br />

econômicos, divulgando e comentando a produção e vivência musical na cidade.


43<br />

3 MÚSICA N<strong>OS</strong> JORNAIS DE DESTERRO<br />

O movimento civilizatório que nasceu e se desenvolveu na Europa a partir do<br />

século XVII e se firmou como modelo de vida nas sociedades ocidentais no século<br />

XIX consolidou o Iluminismo, caracterizado pela afirmação do indivíduo através da<br />

razão (GUERRA, 2003). Como aponta esse autor, são a individualidade, a razão e a<br />

emancipação os pilares do programa Iluminista, que iriam proporcionar um ambiente<br />

de efervescência cultural que se espalharia por todo o mundo ocidental e que, além<br />

da própria vida cultural, influenciaria a formação da atividade jornalística. Para Silva<br />

(2010, p.163), “se as normas de ’cortesia‘ haviam imperado na Europa do século<br />

XVIII, essencialmente como uma afirmação da nobreza, a civilidade, os bons<br />

costumes, a urbanidade e o progresso são ideias-força constantes, estandartes da<br />

burguesia do século XIX”. Para ela, o conceito de civilização estava ligado às ideias<br />

de movimento, progresso do Ocidente e da humanidade, consciência e identidade<br />

nacional, assim assimilar hábitos, costumes e ideias com a intenção de civilizar-se<br />

ao modo europeu significava caminhar em direção ao progresso.<br />

Essa perspectiva influiu diretamente na produção musical brasileira e,<br />

consequentemente, desterrense. Com a vinda da família real, a prática musical,<br />

segundo Castagna (2004a, p.3):<br />

tendeu a um certo cosmopolitismo, recebendo algumas novidades alemãs e<br />

francesas, fortalecendo a recepção da música italiana e irradiando as novas<br />

tendências para outras regiões. Surgiu a influência da ópera clássica<br />

italiana, da geração de Cimarosa e Paisiello e, posteriormente, de Rossini,<br />

Bellini e Donizetti. [...]. As primeiras décadas do século XIX marcaram<br />

também o início do interesse pela música de câmara e pelo piano, ainda<br />

que em pequena escala, além da difusão da dança, da música vocal de<br />

salão e da ópera.<br />

No período joanino (1808-1821), houve um aumento na demanda de música e<br />

das perspectivas profissionais, com a atração de músicos de várias regiões do Brasil<br />

e da Europa para o Rio de Janeiro e, também, o início de um estilo cortesão de<br />

consumo (CASTAGNA, 2004b). Para este autor a Independência em 1822 não<br />

alterou a prática musical, tendo a abdicação de D. Pedro I maior reflexo na produção<br />

musical restrita ainda à composição de hinos políticos e à preferência por temas<br />

heróicos em peças teatrais e óperas. Após a Independência o Brasil vivenciou a


44<br />

modernização e “a afirmação da cultura autóctone relativa a uma jovem nação”<br />

(FERREIRA, E., 2004, p.19).<br />

O período entre 1831 a 1840, de instabilidade política e econômica, propiciou<br />

o desenvolvimento da música doméstica, constituída por canções acompanhadas ao<br />

piano ou ao violão (CASTAGNA, 2004a). A partir de 1837 começou a publicação de<br />

árias, modinhas e lundus em português, no Rio de Janeiro, unindo “a tradição lusobrasileira<br />

às novidades italianas e francesas” (CASTAGNA, 2004a, p.3).<br />

A partir da proclamação da Independência iniciou-se, como aponta Castagna<br />

(2004f), um processo sócio-cultural que originaria na I República (1889-1930) a<br />

separação das culturas do povo e da elite. Para este autor (2004f, p.1) no período de<br />

1841 a 1889, “a elite procura atividades culturais exclusivas, todas de origem<br />

europeia: ópera, concerto, música de câmera, danças e canções com piano”. Ao<br />

mesmo tempo, a cultura popular passou a ser considerada sinal de atraso e<br />

ignorância em um fenômeno iniciado na França no governo de Napoleão III (1851-<br />

1870) com a industrialização e reurbanização:<br />

As danças e festas populares, as velhas modinhas, violões, os costumes de<br />

origem africana e indígena eram considerados atrasados, incultos e<br />

perniciosos. Adotam-se as teses raciais: negros e índios eram inferiores,<br />

primitivos, infantis. Tais raças “não serviam mais” aos novos padrões de<br />

cultura, beleza e sociedade. Os mitos da ciência, civilização e progresso<br />

apresentam-se contrários aos costumes populares, à vida rural e ao atraso<br />

colonial (CASTAGNA, 2004f, p.2).<br />

Segundo esse autor, práticas populares como o maxixe, o samba, o batuque,<br />

o lundu, o corta-jaca, o cateretê e o fandango eram muitas vezes odiadas pela elite.<br />

A ela interessava a tecnologia e a cultura das elites europeias, a etiqueta passava a<br />

ser símbolo de poder, e “às classes pobres, portanto, privadas desse ’progresso‘,<br />

restava desenvolver uma cultura própria, muitas vezes utilizando os ’restos‘ da<br />

cultura dominante” (CASTAGNA, 2004f, p.4). Portanto, o gosto da burguesia carioca<br />

pela música de salão e ópera italiana era uma forma de distinção social do gosto<br />

europeizado e refinado; Silva (2010, p.162 e 163) destaca a ligação da elite<br />

brasileira com a burguesia parisiense, sem com isso afastar-se da ligação entre<br />

cultura e civilização:<br />

o gosto burguês pressupunha uma educação especial, elitizada, um apreço<br />

e amor às belas artes, e a demonstração desse apreço através do<br />

envolvimento em atividades culturais, criando uma imagem de civilização e


45<br />

progresso nacionais. A burguesia brasileira desejava ser equiparada à<br />

burguesia parisiense e, para tal, absorvia todos os referenciais de cultura e<br />

arte escoados no Brasil.<br />

Paris e Rio de Janeiro possuíam características em comum, passando por um<br />

processo de modernização no final do século XIX. Eram capitais de grande<br />

influência e representação simbólica, local e internacionalmente e, como afirmam<br />

Melo e Peres (2005, p.76) “viveram profundamente a transição e as tensões<br />

desencadeadas pela construção da ideia de modernidade”, que tiveram reflexos em<br />

diversos aspectos da vida nessas cidades, como a construção de teatros,<br />

crescimento comercial e intensificação das atividades musicais. Como assinalam<br />

estes autores, as atividades públicas de lazer eram fundamentais nessa nova forma<br />

de organização urbana, expressões de um novo mundo, articuladas com o contexto<br />

socioeconômico, resultando, mais tarde, em uma “sociedade de consumo”, na qual a<br />

importância do lazer e da diversão intensificava-se.<br />

A partir da segunda metade do século XIX surgiram compositores de música<br />

para piano, danças brasileiras ou de origem europeia como o maxixe, a valsa e a<br />

polca. A ópera imperava na elite e, a partir de 1870, havia uma apropriação do<br />

romantismo germânico e francês pela necessidade do país em igualar-se ao<br />

desenvolvimento artístico europeu (CASTAGNA, 2004a)<br />

Na cidade de Desterro da segunda metade do séc. XIX eram desenvolvidas<br />

várias atividades musicais, com destaque para os grupos criados especialmente<br />

para este fim, como as sociedades e clubes musicais (PIRES, 2008), e os jornais<br />

relatavam e testemunhavam os acontecimentos e movimentos culturais da<br />

sociedade da época, com destaque para os eventos musicais e sua importância no<br />

contexto social da cidade, e por meio de sua leitura é possível perceber a relação<br />

entre a música e o poder estabelecido.<br />

Os jornais relatavam diversas solenidades cívicas, muitas delas com a<br />

participação de grupos musicais, como bandas civis e militares. Apesar de em todo<br />

período imperial existirem referências à música ligadas a eventos religiosos,<br />

profanos, civis e militares, nota-se através da leitura dos jornais uma modificação no<br />

panorama da cidade de Desterro no período de 1875, que se refletiu nos jornais e na<br />

vida cultural da cidade.<br />

Como prováveis motivos para a modificação do panorama cultural da cidade<br />

nas últimas décadas do século XIX podem-se citar o desenvolvimento econômico da


46<br />

cidade nesse período, causado pelo desenvolvimento do comércio de abastecimento<br />

urbano e o crescimento da população; além disso, a partir desse período foi evidente<br />

a desmilitarização da cidade, o que fez também com que as bandas militares fossem<br />

progressivamente desativadas. Dessa forma, as bandas civis surgiram em um<br />

espaço criado e aberto pelas bandas militares, tendo inclusive atuado em conjunto<br />

com estas, porém progressivamente ocuparam o espaço que as bandas militares<br />

não podiam ou não tinham interesse em ocupar, até que as substituíram, embora<br />

mantendo ainda algumas de suas características, como por exemplo, os uniformes,<br />

e a execução de dobrados e marchas militares (PIRES, 2008).<br />

A alteração ocorrida por volta de 1875 foi reflexo de uma sociedade que<br />

buscava a imitação e perpetuação de modelos europeus, italiano e francês<br />

predominantemente. Conforme aponta Freccia (2008), a existência de teatros era<br />

uma forma de avaliar a moral e civilização de uma sociedade. Além disso, a leitura<br />

dos jornais permite identificar, nas apresentações musicais, dentro e fora do teatro,<br />

em eventos públicos e particulares, a predominância da música erudita europeia,<br />

com operetas e valsas. Pedro (2006, p. 284) também relata a importação de<br />

modelos culturais e de civilidade, como destacado no trecho a seguir:<br />

O Rio de Janeiro, além da principal praça destinatária da importação e<br />

exportação dos produtos do Sul, era o modelo que se pretendia seguir;<br />

afinal, lá se encontrava a Corte. Do Rio de Janeiro chegavam os jornais com<br />

notícias, modas, questões que eram, em grande parte, transcritas nos<br />

jornais locais. As casas de modas anunciavam “moda do Rio”, os modelos<br />

de “civilidade” e “gosto”.<br />

O padrão cultural difundido no país no final do século XIX estava atrelado aos<br />

aspectos culturais divulgados nos centros da civilização europeia. Em Desterro, as<br />

elites consideravam que, para ser moderno, era preciso agir e consumir produtos<br />

culturais dos grandes centros da Europa. Uma das formas de manter o status<br />

cultural era a prática e consumo musical voltada para o repertório europeu. Nesta<br />

época são frequentes as apresentações de músicos europeus em Desterro, e<br />

atuavam na cidade como compositores, professores, regentes e músicos, europeus<br />

como Guilherme Hautz, G. Avé-Lallement e Luís Emílio de Vasconcellos. Também<br />

havia diversos grupos musicais, bandas e sociedades, a música acontecia no teatro,<br />

nos órgãos públicos, nas sedes das sociedades e nas próprias ruas. A identidade<br />

europeia era algo a ser considerado. Os jornais trazem notícias, anúncios e


47<br />

programas que dão conta de músicos estrangeiros e repertório de acordo com o<br />

gosto vigente na Europa, italiano e francês. Nem sempre o apreço pelo produto<br />

europeu era claramente explícito, porém transparece em comparações e adjetivos<br />

de aprovação e reprovação.<br />

Assim como ocorreu na sociedade brasileira como um todo, na capital de<br />

Santa Catarina, através das práticas musicais presentes no Carnaval, nas<br />

apresentações do e no teatro, nas bandas e sociedades musicais e mesmo nos<br />

anúncios e pequenas notas impressas nos jornais, é possível identificar a mesma<br />

dinâmica social. Era uma sociedade em formação, em processo de assimilação de<br />

modelos europeus, especialmente na música, e eram comuns a execução de<br />

repertórios europeus, as composições também nos moldes europeus, a realização<br />

de bailes e desfiles de Carnaval à moda italiana, assim como as apresentações de<br />

teatro musicado. Mesmo em pequenas notas e anúncios, a busca pela identidade<br />

civilizada moldava a escolha de repertório, a prática e gosto musical.<br />

3.1 CARNAVAL E ENTRUDO: BLOC<strong>OS</strong>, BAILES E REPERTÓRIO<br />

Nos relatos dos jornais desterrenses é evidente o prestígio conferido ao<br />

Carnaval, como uma prática social e expressão cultural presente nas ruas e clubes.<br />

Modificações em sua prática ocorrem no decorrer do século XIX acompanhando as<br />

modificações sociais, econômicas e culturais da sociedade como um todo. A festa,<br />

expressão cultural, conforme Brito (2005, p. 314), reproduz as “facetas da realidade<br />

social”, coexistindo e relacionando diferentes realidades e estabelecendo-se redes<br />

de sociabilidade. Segundo a autora:<br />

O Carnaval, sendo apenas um momento desse universo cultural que é o<br />

mundo festivo, é um momento privilegiado, pelas suas características, para<br />

análise das práticas de sociabilidade e dos múltiplos sentidos que as<br />

trespassam e orientam (ou condicionam), uma vez que os seus ritos<br />

(práticas carnavalescas), reflectem os diálogos e tensões da sociedade que<br />

os produz, transpondo-os para o campo do simbólico (BRITO, 2005, p.314).<br />

O Carnaval, como discute Lima (2008), é constituído por diversos eventos,<br />

manifestações populares e artísticas. Acontece nas ruas, praças, salões e clubes,<br />

dentre outros espaços. Em Portugal os dias que antecediam a Quaresma eram


48<br />

comemorados atirando-se ovos, líquidos e farinha, em uma festa chamada entrudo 10<br />

(ARAÚJO, 2000). Felipe Ferreira (2004) divide o entrudo em duas manifestações: o<br />

entrudo familiar, que ocorria dentro das casas e entre amigos; e o entrudo popular,<br />

que ocorria nas ruas e envolvia as classes populares e os escravos. No final do<br />

século XVIII, na Europa, conviviam o entrudo e o Carnaval, porém a elite começou a<br />

elaborar um discurso sobre a festa, associando as brincadeiras do povo à ideia de<br />

irracionalidade e a hábitos rústicos (FERREIRA, F., 2004). Oliveira (1996) afirma que<br />

foi através dessa tradição europeia que os festejos carnavalescos chegaram ao<br />

Brasil. Antecessor do Carnaval, o entrudo teve a primeira prática no Brasil em 1600,<br />

em que foliões atiravam água com limão uns nos outros e, alguns, pedras e dejetos<br />

(PINHEIRO, 1995). Pela forma agressiva dessa prática, o entrudo sofreu proibições<br />

no decorrer dos anos.<br />

Em 1840 o Carnaval começou a substituir o entrudo com o aparecimento de<br />

máscaras e fantasias. O Carnaval de fantasias brasileiro tem origem nos bailes<br />

mascarados trazidos para o país na primeira metade do século XIX. Para Felipe<br />

Ferreira (2004), o Brasil importou da França não só o baile de máscaras como as<br />

roupas ao gosto da burguesia europeia. Segundo o autor:<br />

O Entrudo, por sua própria natureza inocente, grosseira e simplória, era um<br />

tipo de brincadeira que não incentivava o uso de fantasias. Mas, ao sair às<br />

ruas com suas arruaças e tambores, as classes menos favorecidas iriam<br />

acabar se espelhando nas indumentárias sofisticadas e jocosas usadas pela<br />

elite nos bailes e passeios, adaptando-as, é claro, a sua estética e a suas<br />

limitações financeiras (FERREIRA, F., 2004, p. 118).<br />

Para o autor, a ordem e sofisticação dos bailes à fantasia da época eram uma<br />

forma da elite reforçar a distância das brincadeiras grosseiras das ruas. Os bailes<br />

tinham como objetivo trazer a civilização para as comemorações brasileiras:<br />

A ação civilizadora de uma forma de diversão carnavalesca precisava<br />

ocupar os espaços do Entrudo Popular – ou seja, as ruas – e ser<br />

apresentada, claramente como portadora de um novo tempo para o país. A<br />

estratégia da elite não somente deveria incluir uma nova forma de brincar o<br />

Carnaval, mas deixar claro que essa nova diversão também ocupasse o<br />

espaço do antigo Entrudo. Uma conquista que se realizasse tanto nos<br />

corações do povo quanto no próprio espaço ocupado por sua brincadeira<br />

(FERREIRA, F., 2004, p.136).<br />

10 Palavra com origem no latim introitus, introdução, os três dias que antecedem a Quaresma<br />

(PAMPLONA, 2011, p.16).


49<br />

As fantasias e as máscaras no século XIX principalmente com roupas e sinais<br />

de distinção aristocrática constituíam um ritual que falava da sua cidade, expressava<br />

na sátira os conflitos, e comentava o cotidiano (CUNHA, 2001). Dessa forma<br />

surgiram os desfiles a fantasia, na década de 1850, e que com o baile de máscaras<br />

seriam considerados pela elite, a verdadeira e única festa de Carnaval e toda e<br />

qualquer molhadela ou enfarinhamento passaria a ser condenado e colocado na<br />

mesma categoria dos batuques negros, dos passeios desorganizados e das violas<br />

populares lusitanas (FERREIRA, F., 2004, p.136 e 137). Porém, como aponta o<br />

autor, essa separação não é estanque, práticas consideradas entrudos foram<br />

assimiladas à folia, como aconteceu com o Zé Pereira.<br />

Pinheiro (1995) relata a chegada no Rio, em 1845, de uma nova música<br />

chamada polca; em 1846, a realização do primeiro baile fechado do Rio de Janeiro<br />

no Teatro São Januário, com ceia, máscaras, música e fantasia; e a contraditória<br />

data do surgimento da figura do Zé Pereira, 1848 ou 1852, quando o sapateiro<br />

português José Nogueira de Azevedo Paredes teria saído às ruas com um surdo. Há<br />

também a versão de que o costume, vindo de Portugal, era formado por “grupos<br />

chamados de Zé pereiras, compostos de rapazes tocando bumbos, desfilavam<br />

durante os dias de Carnaval, principalmente nas pequenas aldeias do norte do país”<br />

(FERREIRA, F., 2004, p.209).<br />

Para Araújo (2000), ao acompanhar os festejos de entrudo durante o século<br />

XIX é possível identificar a construção paulatina da imagem de um festejo<br />

“grosseiro”, em um Estado Imperial que difundia e implementava ideias de progresso<br />

e civilização do país:<br />

A preocupação com a ordem e a civilização, espécie de emblemas do<br />

século XIX, impulsiona a constituição de políticas de controle por diferentes<br />

autoridades públicas atuando sobre a experiência social e sobre as<br />

manifestações festivas de maneira a procurar disciplinar grandes e<br />

pequenos detalhes da vida cotidiana. Neste aspecto, ganha força a idéia de<br />

“combater” práticas “incivilizadas”, de gestos efusivos e portadoras de<br />

exageros perigosos para a sociedade “perfeita” que se idealizava (ARAÚJO,<br />

2000, p.3).<br />

Cunha (2001, p.98) ao referir-se ao Carnaval carioca, afirma que a criação de<br />

sociedades carnavalescas buscou substituir a brincadeira individualizada e<br />

anárquica por uma forma organizada e intelectualizada, no alto de carros ou nos<br />

salões, “expurgada das impurezas populares”. Segundo esta autora:


50<br />

As sociedades carnavalescas aparecem na segunda metade do século XIX<br />

com uma imagem legitimada por sua origem social e pelo conteúdo letrado<br />

de seus préstitos, anunciando que a civilização atingira os domínios do<br />

Momo (CUNHA, 2001, p.99).<br />

No final do século XIX, década de 80, o Carnaval ainda convivia com o<br />

entrudo, revelando assim a diferença entre as práticas populares e os projetos<br />

europeus das elites da corte, e apenas nas primeiras décadas do século XX o<br />

Carnaval ganhou a disputa com o entrudo e difundiu-se pelo território nacional<br />

(SCHWARCZ, 2010). Em Desterro pode ser observada essa mesma dicotomia entre<br />

entrudo e Carnaval e o apoio da imprensa em prol de uma sociedade “civilizada”.<br />

Como visto, na segunda metade do século XIX, Desterro praticava o entrudo e o<br />

Carnaval em três dias de folia. A palavra Carnaval podia incluir tanto o entrudo como<br />

os festejos à maneira europeia, com “máscaras, fantasias, desfiles e bailes”<br />

(PAMPLONA, 2011, p.37). Conforme o jornal O Conservador de 23 de fevereiro de<br />

1855, documentado por Rego (2008, p.22), o entrudo era praticado com moderação:<br />

“respeitando-se a moral pública e o interior do asilo das famílias não é invadido com<br />

tanta audácia e descaramento!”. Um texto publicado no jornal O Cruzeiro do Sul em<br />

1859, conforme Pamplona (2011), explicita a formação de sociedades carnavalescas<br />

em Desterro e a origem social de seus membros: políticos, profissionais liberais e<br />

militares, inclusive utilizando um edifício público para a realização de um baile,<br />

conferindo, assim, senão uma imposição de um gosto, uma divulgação de valores<br />

europeus:<br />

[A Sociedade Carnaval Desterrense] Era clube de gente grã-fina, dirigida<br />

por um médico, um deputado, oficiais de marinha e exército. E se vinha à<br />

rua era para ver se podia introduzir novos rumos aos folguedos populares,<br />

numa tentativa de impor seus gostos e não o de acompanhar a tradição.<br />

Seus bailes como de outras sociedades dançantes, reunia a alta roda e<br />

realizavam-se, em geral, no Quartel do Campo do Manejo. Em 1859, não<br />

podendo, não sei porque motivo, ali realizá-los, o Presidente da Província<br />

espontâneamente ofereceu à diretoria o próprio Palácio do Governo, tendo<br />

sido aceito o oferecimento e nêle realizados os bailes 11 (O CRUZEIRO DO<br />

SUL, 03/03/1859 apud PAMPLONA, 2011, p.45).<br />

Ainda sobre a origem do Carnaval em Desterro, o jornal O Cruzeiro do Sul de<br />

1860 publicou um texto (anexo A), sobre o fim do Carnaval e a chegada da<br />

Quaresma. Neste artigo o autor afirma que o Carnaval teria começado apenas dois<br />

11 Este trecho também foi transcrito por Rego (2008, p.25) no trabalho de conclusão de curso Entre<br />

Diabos e Arcanjos: cultura política e sociedades carnavalescas em Desterro (1879-1891).


51<br />

anos antes, tendo sido introduzido nas terras desterrenses em decorrência da visita<br />

de um jovem caixeiro português, Cesário. Segundo esse texto o Carnaval de 1860<br />

foi planejado com mais de trinta dias de antecedência, e teria tido animação,<br />

riqueza, cantores italianos, dança e poesias. O próprio texto traz os seguintes<br />

versos:<br />

Velho entrudo, ide ocultar-vos<br />

Nas terras de Portugal,<br />

Que aqui em Desterro belo<br />

Ressurgirá o Carnaval! (O CRUZEIRO DO SUL, 26/02/1860, p.3, col.3, p.4,<br />

col. 1).<br />

Também O Cruzeiro do Sul (anexo B) publicou um poema oferecido à<br />

Sociedade Recreio Carnavalesco em que aparece a referência ao entrudo:<br />

Formosos rostos se divisam ledos<br />

Nas vistosas sacadas, e janelas;<br />

Seus dotes pessoais mais se avantajam<br />

Com essas, que as adornam, ricas telas.<br />

Entre elas e a turba galhofeira<br />

O combate se trava encarniçado;<br />

Voam amêndoas, chovem lindos frutos,<br />

A flor cheirosa, o doce rebuçado.<br />

Vem às vezes a cara de uma velha,<br />

Como a medo espreitar por uma fresta.<br />

Mostrando o longo tremembundo queixo,<br />

Que dista um palmo da rugosa testa.<br />

Um --diabo-- feroz de longa cauda,<br />

Que a tudo está presente, a tudo atenta,<br />

De improviso soltando horrível berro,<br />

A’ seus olhos pasmados se apresenta.<br />

Recua com terror a velha múmia,<br />

Perde os óculos, o pente, a caixa, tudo,<br />

A porta fecha, no quintal se esconde,<br />

Chorando a morte do velhusco entrudo.<br />

[...]<br />

Ao prazer! Á folia, ardentes jovens!<br />

Vozêa a turba, eletrizando as almas;<br />

Correi! ao Carnaval tecei louvores!<br />

De um Triunfo feliz colhei as palmas! (O CRUZEIRO DO SUL, 19/02/1860,<br />

p.4, col.1 e 2)<br />

Neste poema é possível perceber a contraposição feita entre o entrudo (a<br />

velha múmia, no quintal se esconde, a morte do entrudo) e o Carnaval, refletindo


52<br />

desta maneira, a mudança social do Carnaval e o papel da imprensa como<br />

propagador de uma “nova” identidade. Mas apesar da ode ao fim do entrudo, isto<br />

não veio a acontecer tão cedo, como fica claro na nota publicado pelo jornal O<br />

Despertador (02/01/1884, p.1, col. 3), 24 anos depois:<br />

Entrudo.̶ Já começa a manifestar-se este jogo brutal, prejudicial à saúde e<br />

que tanto depõe contra a civilização de um povo.<br />

Vimos já, na mão de alguns rapazes, colossais seringas de folha de<br />

Flandres, capazes de apagar um incêndio.<br />

Seria bom que o Sr. Dr. Chefe de polícia fizesse apreender tais<br />

instrumentos, que nos parece estão compreendidos nos que as posturas<br />

municipais proíbem.<br />

Manifestações de entrudo, Carnaval, polca, bailes fechados e de máscaras e<br />

o Zé Pereira, faziam parte das comemorações carnavalescas em Desterro sendo<br />

descritas pelos jornais. Um exemplo dos bailes a fantasia pode ser encontrado no<br />

jornal O Chaveco de 17 de fevereiro de 1861 (p.1, col.1) em um texto sobre os dias<br />

de Carnaval, em que o autor relatou que sua acompanhante, fantasiada, havia<br />

dançado e cantado muito. Outro exemplo está n’O Despertador de 11 de fevereiro<br />

de 1879 (p.1, col.1 e 2), que anunciou uma partida a fantasia do Clube Quatro de<br />

Março, durante o qual a Sociedade Diabo a Quatro daria dois bailes nos salões do<br />

clube, e a Sociedade Bons Arcanjos daria outro baile. O Conservador de 22 de<br />

fevereiro de 1887 (p.2, col.3) publicou um artigo sobre os festejos de Carnaval<br />

daquele ano fazendo referência ao Clube Estrella d’Alva, Sociedade Diabo a Quatro<br />

e grupo dos Silenciosos e Violas que promoveram bailes e desfiles.<br />

Apesar do movimento pela substituição do entrudo pelo Carnaval, em 1877, o<br />

jornal O Conservador de 17 de fevereiro de 1877 (p.2, col.3 e 4) publicou um texto<br />

comentando que os três dias de Carnaval haviam sido naquele ano substituídos pelo<br />

entrudo. Nesta nota lamentava-se a falta das “partidas dançantes” oferecidas pelas<br />

sociedades. Uma possível explicação para este acontecimento apareceu também no<br />

jornal O Conservador anos mais tarde, em 08 de fevereiro de 1879 (p.2, col. 3 e 4).<br />

Segundo o texto publicado, o Carnaval, até a guerra do Paraguai, era comemorado<br />

com bailes promovidos pelas sociedades carnavalescas, mas com a guerra, havia<br />

sido substituído pelo entrudo. As sociedades carnavalescas e seus bailes teriam<br />

retornado em 1879.<br />

Em anos anteriores, além do entrudo e do Carnaval, outras práticas eram<br />

realizadas. Em Laguna, segundo relatos publicados no jornal desterrense O Cacique


53<br />

(01/10/1870, p.4, col.1 e 2), todas as sociedades carnavalescas tinham música e<br />

agiam de um modo particular: “Logo atrás o bando de Catupés (da Lagunense)<br />

tocando seus pandeiros e dançando ao modo dos pretinhos”. Além disso, há a<br />

referência a italianos tocadores de realejo (O CACIQUE, 08/10/1870, p.3, col.2). Em<br />

1871 foi realizada a dança de jardineiros, em substituição ao Carnaval, como relatou<br />

o jornal O Cacique (11/02/1871, p.3, col.1). Esta substituição não agradou ao<br />

escritor da nota do jornal. A dança dos jardineiros, segundo a Enciclopédia da<br />

música brasileira (1998, p.234), é uma dança dramática ou folguedo, com<br />

referências de sua realização no Rio de Janeiro, no século XIX, nas festas do Divino<br />

Espírito Santo.<br />

A imprensa desenvolveu uma campanha contra o entrudo e a favor do<br />

Carnaval de máscaras, “monopolizado pelas elites locais” (PAMPLONA, 2011, p.41).<br />

Demonstração desta campanha pode ser vista pelos numerosos anúncios e textos<br />

sobre a realização de bailes de máscaras. Exemplo disso pode ser vista no Carnaval<br />

de 1879 o Clube Quatro de Março realizou uma reunião à fantasia, a Sociedade<br />

Diabo a Quatro realizou dois bailes nos salões do Clube Quatro de Março e também<br />

a Sociedade Bons Arcanjos deu um baile (O DESPERTADOR, 11/02/1879), o baile<br />

promovido pelo Clube Quatro de Março foi elogiado e apontado como exemplo para<br />

as demais sociedades (O CONSERVADOR, 18/02/1879). Esse baile motivou a<br />

publicação de um texto no formato de um diálogo entre duas amigas com a<br />

reclamação pelos homens não terem se fantasiado para o baile de Carnaval,<br />

reforçando a ligação desenvolvida entre o Carnaval e o uso de fantasias, ao modo<br />

europeu, em Desterro. Este Carnaval contou também com um baile à fantasia,<br />

promovido pelo Clube 12 de Agosto (O CONSERVADOR, 20/02/1879, p.3, col.3), e<br />

foi tão emblemático que o jornal O Conservador (27/02/1879, p.4, col.4 e 5) publicou<br />

um texto comentando os festejos de Carnaval e o fato do entrudo, “fatal limão de<br />

cheiro”, ter sido deixado para trás, dando lugar novamente aos bailes e desfiles<br />

carnavalescos. Os jornais exaltavam as práticas carnavalescas europeias. Em<br />

conformidade, Pamplona (2011) afirma que era evidente a apropriação das<br />

novidades carnavalescas do Rio de Janeiro pelos desterrenses, especialmente o<br />

desejo de apresentá-las em grande estilo, colocando-as “no mesmo patamar das<br />

principais cidades do país” (PAMPLONA, 2011, p.41).<br />

Apesar das demonstrações de grandiosos festejos carnavalescos, da<br />

realização de bailes de máscaras e a fantasia, o entrudo, como aponta Pamplona


54<br />

(2011), ainda era praticado, resistindo às críticas, proibições e a custosa sofisticação<br />

do Carnaval imposto pelas elites, até o início do século XX. Os Zé Pereiras eram<br />

uma das comemorações associadas ao entrudo e usuais em Desterro, como no<br />

Carnaval de 1884 com a realização de Zé Pereiras. Também O Despertador de 16 e<br />

30 de janeiro de 1884 publicou duas notas. A primeira sobre a apresentação da<br />

Sociedade Diabo a Quatro do Zé Pereira acompanhado por duas bandas, uma delas<br />

fantasiada e, a segunda, sobre a Sociedade Bons Arcanjos que realizaria um grande<br />

passeio “com um ruidoso Zé Pereira”. Percebe-se aí uma consonância entre a<br />

afirmação de Felipe Ferreira (2004) sobre a assimilação de práticas do entrudo ao<br />

Carnaval.<br />

É claro que se continuava brincando no Entrudo, mas, contando com o<br />

apoio inestimável de boa parte da imprensa brasileira, o Carnaval parecia<br />

ter conseguido impor a modernidade francesa sobre a tradição lusitana,<br />

conquistando os corações do povo brasileiro (FERREIRA, F., 2004, p.146).<br />

O entrudo, mesmo no final do Império, era combatido com intensidade pela<br />

imprensa. Visto como sinal de atraso, ligado a Portugal, o entrudo, no passar dos<br />

anos foi reiteradamente afirmado como passado na história da cidade, em<br />

detrimento do Carnaval, com fantasias e bailes seguindo à moda de Veneza e Paris,<br />

da civilização europeia. O jornal O Despertador, (anexo C), confirma esta visão ao<br />

escrever sobre o entusiasmo pelo Carnaval em Desterro, no qual as pessoas<br />

pertenciam a uma ou mesmo das duas sociedades carnavalescas. Conforme esta<br />

publicação, “embora pequeninos, queremos parecer grandes e desejamos que se<br />

diga –O carnaval de Santa Catarina– assim como se diz– o carnaval de Veneza, de<br />

Roma, de Paris, do Rio de Janeiro”. (O DESPERTADOR, 01/03/1884, p.1, col.3).<br />

Esses relatos permitem perceber a esfera musical e social ainda em<br />

transição, em que o apreço por determinado gênero ou prática musical ainda estava<br />

se consolidando e sofrendo influência de uma sociedade também em processo de<br />

formação. Como aponta Colaço (1988), as mudanças do Carnaval em Desterro<br />

tiveram influências externas e foram apoiadas e divulgadas pela imprensa, dentro da<br />

perspectiva de que quanto mais próximo do Carnaval carioca e europeu, mais<br />

luxuoso e requintado seria, demonstrando a civilização de um povo. Nos jornais em<br />

Desterro no século XIX fica evidente o anseio pela substituição do entrudo pelo<br />

Carnaval, o que na verdade não ocorreu, inclusive com a substituição do Carnaval


55<br />

pelo próprio entrudo durante o período da Guerra do Paraguai. Apesar de os jornais<br />

terem sido porta vozes de uma faixa da sociedade que estava em busca de ideais<br />

europeus (fantasias e baile de máscaras), o entrudo não teve a existência<br />

interrompida. É possível pensar então na existência de outro setor da sociedade,<br />

sem voz ativa nos jornais, e na rejeição não apenas ao entrudo, ao passado, mas<br />

também a um setor da sociedade desterrense.<br />

3.1.1 Sociedades carnavalescas e bailes de Carnaval<br />

No final da década de 1850 foram criadas as sociedades carnavalescas em<br />

Desterro, mantendo o Carnaval a partir da promoção de desfiles, bailes e<br />

brincadeiras, tendo o apoio e divulgação da comunidade e imprensa (PAMPLONA e<br />

HOLLER, 2010). As sociedades carnavalescas possuíam uma parceria com os<br />

jornais, estes divulgavam ideias e atividades das sociedades, ao mesmo tempo em<br />

que publicavam notas e crônicas sobre os eventos (PAMPLONA, 2011). Segundo<br />

esta autora, membros dos jornais eram convidados pelas sociedades a comparecer<br />

às festividades e depois descreviam com minúcias os eventos de Carnaval.<br />

Felipe Ferreira (2004, p. 145) afirma que em 1858 já havia referências a dois<br />

grupos: a Sociedade Harmonia Carnavalesca e a Sociedade União Carnavalesca,<br />

no ano seguinte surgiram outros dois grupos: Sociedade Carnaval Desterrense e a<br />

Sociedade Recreio Carnavalesco. Colaço (1988) estima que, no período de 1858 a<br />

1899, existiram 34 sociedades carnavalescas, com pouca duração. Nos jornais<br />

pesquisados foi possível identificar as seguintes sociedades carnavalescas:<br />

Harmonia Carnavalesca, União Carnavalesca, Carnaval Desterrense, Recreio<br />

Carnavalesco, Diabo a Quatro, Silenciosa, Companheiros do Silêncio, Carnavalesca,<br />

Filhos do Purgatório, Violas e Bons Arcanjos. Esta última sociedade chamava-se<br />

Filhos de Satanás (O CONSERVADOR, 08/02/1879), enquanto que a sociedade<br />

carnavalesca Filhos do Purgatório teve o nome alterado para Homens do Século,<br />

conforme o mesmo jornal. Havia ainda sociedades que também se ocupavam em<br />

oferecer bailes de Carnaval e/ou máscaras ou disponibilizar os seus salões, são elas<br />

a Sociedade Democratas, Beduínos, Clube 12 de Agosto, Clube 19 Junho e Clube 4<br />

de Março.


56<br />

A origem social dos sócios das sociedades, como frisa Pamplona (2011), era<br />

proveniente da elite da sociedade desterrense, também poetas, escritores e<br />

compositores dedicavam alguns de seus trabalhos às sociedades. Para esta autora:<br />

Tanto o carnaval de clube quanto o carnaval de rua restringiam-se aos<br />

associados e convidados das classes abastadas, pois as entidades<br />

promoviam eventos dispendiosos e precisavam arrecadar somas<br />

consideráveis para fazer frente aos seus gastos. A população era a platéia<br />

que legitimava os eventos, limitando-se a assistir aos préstitos<br />

(PAMPLONA, 2011, p.48).<br />

Colaço (1988) ao se referir as sociedades carnavalescas Bons Arcanjos e<br />

Diabo a Quatro afirma a impossibilidade de definição dos partidos políticos de<br />

nenhuma das sociedades, já que estas eram compostas por integrantes de diversos<br />

partidos políticos e, a maioria de seus integrantes, eram jovens pertencentes ao<br />

comércio. Apesar dessa realidade, a autora diz que é possível verificar<br />

características bem distintas entre essas duas sociedades, sendo a Diabo a Quatro<br />

a mais popular e crítica, e a Bons Arcanjos, mais luxuosa e refinada. Tinhorão (2000)<br />

ao relacionar a sociedade carioca e a sociedade europeia, do século XIX, aponta<br />

que a classe burguesa, formada por comerciantes, caixeiros, burocratas, militares e<br />

pequenos comerciantes não contava com as mesmas possibilidades de lazer<br />

disponíveis na Europa. Essa realidade possibilitou o surgimento de clubes<br />

destinados à promoção de eventos e festejos carnavalescos, nos quais os<br />

representantes da burguesia e da nascente classe média poderiam manter laços de<br />

sociabilidade, discutir a política e ter a companhia de mulheres. Assim, tendo<br />

Desterro como modelo de cultura e conduta a Europa (Itália e França) e a cidade do<br />

Rio de Janeiro, é possível que a dinâmica de criação de clubes e grupos<br />

carnavalescos da cidade carioca observada também se fizesse presente em<br />

Desterro.<br />

3.1.2 Repertório de Carnaval<br />

Em 1849, conforme Pinheiro (1995, p.89): “Realiza-se no Rio, no Hotel Itália,<br />

o primeiro baile carnavalesco aberto ao público. As músicas tocadas são: valsas,<br />

habaneras, quadrilhas e o schottisch (futuro xote).” Esse repertório também foi alvo


57<br />

de estudo por Castagna (2004e). Segundo este autor, no Rio de Janeiro, centro<br />

cultural, durante o segundo Império, o interesse pela ópera crescia ao mesmo tempo<br />

em que se desenvolvia a prática de canções (modinhas e lundus), desde 1834<br />

impressas no Rio de Janeiro e em outras cidades, destinadas a ambientes<br />

domésticos, e a prática de danças de salão europeias para execução em bailes e<br />

eventos sociais, principalmente quadrilha, polca, valsa, redowa, schottisch e<br />

mazurca:<br />

Essas danças, introduzidas no Brasil desde o final da primeira metade do<br />

séc. XIX, tornaram-se tão comuns nas diversões da elite brasileira da<br />

segunda metade desse século que contaram com a contribuição da grande<br />

maioria dos autores que atuaram até o final do período monárquico, mesmo<br />

quando preferencialmente dedicados à ópera ou à música religiosa. Eram<br />

principalmente executadas ao piano - instrumento já comum nas casas ricas<br />

a partir da década de 1830 - ou em pequenos conjuntos instrumentais que<br />

mesclavam cordas e sopros (CASTAGNA, 2004e, p.1).<br />

Assim como acontece com as bandas, ou por serem elas mesmas incumbidas<br />

pela programação musical do Carnaval, o repertório do Carnaval desterrense, na<br />

maioria das vezes, não era especificado. No Carnaval de 1860, o jornal O Cruzeiro<br />

do Sul (29/01/1860, p.3 e 4, col.3, 1 e 2) ao publicar sobre os festejos daquele ano<br />

incluiu na programação um encontro no Liceu, durante o qual a Sociedade Carnaval<br />

Desterrense tocaria a quadrilha que o Sr. Alberto Richter havia dedicado à<br />

Sociedade. O jornal O Conciliador de 06 de março de 1873 (p.4, col.3), anexo D,<br />

publicou um texto com o título Episódios Carnavalescos, sobre um grupo de políticos<br />

que teriam percorrido as ruas das freguesias de Canasvieiras e Rio Vermelho<br />

convidando as pessoas para a festa. Segundo este jornal: “A entrada em<br />

Canasvieiras foi triunfal; repiques e tachos velhos, rufos do tambor da folia do<br />

Espírito Santo, um machete e duas meninas com pandeiros formavam a orquestra,<br />

que [...] executou as mais primorosas sinfonias...”. Apesar dessa dificuldade na<br />

identificação do repertório carnavalesco, o Jornal do Comércio de 9 de fevereiro de<br />

1888 (p.2, col.2 e 3) noticiou que haviam sido oferecidas à sociedade carnavalesca<br />

Bons Arcanjos, as peças de música O Futuro Dirá... (polca, composição do professor<br />

Francisco Luiz dos Santos Barbosa - resposta à polca Quem Vencerá), Mercedes<br />

(valsa, composta pelo Sr. Pedro Jorge de Campos) e Quem Tiver Garrafas Vastas,<br />

Encha-as... (polca, composição do prof. Sr. João Augusto Penedo). Neste repertório


58<br />

é possível identificar polcas 12 e valsas 13 , em consonância com a realidade e<br />

influência europeia estabelecida na cidade do Rio de Janeiro, como apontado por<br />

Castagna (2004e).<br />

Rego (2008, p.17 e 18) afirma que a civilidade da festa de Carnaval podia ser<br />

averiguada pela música dos desfiles, e a ópera acompanhava as primeiras<br />

sociedades carnavalescas. As sociedades carnavalescas desterrenses, como<br />

acontecia no Rio de Janeiro, não possuíam banda própria, contratavam os serviços<br />

de associações musicais e bandas para animarem os desfiles e os bailes. Exemplo<br />

dessa prática está em O Catharinense de 23 de fevereiro de 1861 (p.3 e 4, col.2 e<br />

1), que ao comentar sobre os festejos de Carnaval referiu-se a bailes realizados com<br />

a participação de bandas de músicas. O Despertador de 1º de março de 1870 (p.3,<br />

col.1) também comentou o Carnaval do ano, quando as sociedades teriam estado<br />

animadas, percorrendo as ruas ao som da música do 1º Batalhão de Artilharia da<br />

Guarda Nacional. A exemplo da observação de Rego (2008, p.17 e 18) quanto ao<br />

Carnaval carioca, em Desterro acontecia o mesmo:<br />

As bandas contratadas tocavam polcas, e em alguns bailes até alegros e<br />

prestos, gêneros associados à música erudita. No entanto, muito cedo<br />

outras expressões musicais somaram-se aos desfiles, inclusive e<br />

especialmente manifestações populares, a exemplo dos chamados Zé<br />

Pereiras.<br />

O Conciliador de abril de 1873 (anexo E) publicou também um texto no qual o<br />

autor comenta sobre os festejos de Carnaval em um texto cheio de metáforas em<br />

que são citados gêneros musicais, “valsas, polcas, mazurcas, operetas,<br />

quadrilhetas, polonesas [...]”, e instrumentos utilizados para as músicas, incluindo<br />

um cravo:<br />

Pistões, clarins, cornetas, clavicors, ophicleides, saxhornes, trombones,<br />

trompas, saxophones, bombos, caixas de guerra, triângulos, clarinetas em<br />

do e em sib., requintas em mib., [...]; flautas, flautins, cor inglês [sic],<br />

fagotes, flageolets, violões, cavaquinhos, guitarras, violas, rabecas, violetas,<br />

violões-xellos [sic], contra-baixos ou rabecões grandes, harmonicas<br />

concertinas, harmoni-flutes, caixas de musicas, realejos, castanholas,<br />

12 Definida por Castagna (2004e) como originária da Boêmia, uma dança de andamento moderado.<br />

Predominou até o início do séc. XX entre as danças de salão.<br />

13 Comum no século XIX, originada a partir de Ländler e Tanzlieder germânicos do século XVIII, foi<br />

inicialmente uma dança lenta em compasso ternário, “mas a partir de 1870 ou pouco antes surgiu<br />

uma modalidade rápida, popularizada por Josef Lanner e Johann Strauss (pai e filho)” (Ibid, p.7).


59<br />

cucos, apitos, harpas, cravos, etc. (O CONCILIADOR, 05/04/1873, p.1 e 2,<br />

col. 1 a 4, 1).<br />

Esta é a única referência a um cravo encontrada nos jornais do século XIX em<br />

Desterro, o que pode significar uma hipérbole na descrição de instrumentos, um<br />

texto mais literário, do que descritivo. O Carnaval de 1879 contou com uma extensa<br />

programação, que foram publicadas nos jornais. O Conservador de 22 de fevereiro<br />

de 1879 (p.4, col. 4 e 5) publicou as programações da sociedade carnavalesca Bons<br />

Arcanjos, com desfiles acompanhados por bandas de música e uma noite de baile, e<br />

a sociedade Companheiros do Silêncio, que no primeiro dia, durante o ato de<br />

“juramento sobre o tumulo de Monteleone”, teria tocado uma polca, intitulada<br />

Companheiros do Silêncio, composta para este momento. Neste anúncio não foi<br />

especificado o autor, porém em um número posterior, o mesmo jornal (O<br />

CONSERVADOR, 27/02/1879, p.2, col.2) deu indícios sobre os possíveis<br />

compositores. O jornal publicou um texto comentando os dias de Carnaval e os<br />

bailes oferecidos pelas sociedades carnavalescas. Fez referência às bandas de<br />

música que acompanharam os desfiles e à composição de três polcas feitas pelos<br />

Srs. Barbosa e Penedo. Conforme Gonçalves e Holler (2010, p. 361):<br />

As composições feitas nessa época mostraram ter diversos propósitos.<br />

Alguns compositores escreviam para homenagear políticos, militares,<br />

sociedades, classes, ou até mesmo os jornais, dando nome de suas<br />

composições muitas vezes ao seu homenageado. Além disso, muitos<br />

compunham para as sociedades e bandas da época, que se apresentavam<br />

em clubes e teatros. Como exemplo temos o carnaval, quando as<br />

sociedades carnavalescas recebiam composições de músicos locais para<br />

serem executadas nos desfiles.<br />

Também o Sr. Manoel Luiz Miranda, professor da banda de música da<br />

Sociedade Lyra Artística Catharinense, teria composto e estava ensaiando para o<br />

Carnaval, uma polca com o título Diabo a Quatro, no Carnaval de 1881 (O<br />

DESPERTADOR, 26/02/1881). A realização de Zé Pereiras também fazia parte da<br />

programação musical de Carnaval em Desterro (JORNAL DO COMÈRCIO,<br />

28/01/1882). Há no jornal A Regeneração de 12 de janeiro de 1888 uma nota sobre<br />

a entrega de peças musicais oferecidas por Francisco de Carvalho Salomé Pereira à<br />

Sociedade Diabo a Quatro que repassou à banda musical União Artística para serem<br />

executadas nos bailes. A nota relaciona o título, o gênero e o compositor de cada<br />

uma das peças (anexo F), como pode ser visto no trecho transcrito abaixo:


60<br />

Princesa flor de Maio, quadrilha, por Abdon Milanez.<br />

O Moleiro d’Alcalá, quadrilha, por Miguel A. de Vasconcellos.<br />

O Galo de Ouro (Serment d’Amour,) por Dansart.<br />

Baptista Machado, polca, por Julio C. L. Reis.<br />

Eu caio, polca, por Feliz Ferreira de Mello.<br />

La neige, valsa, por O. Metra.<br />

Amor molhado (Ópera de Varney), valsa, por Arthur Camillo.<br />

Elisabeth, schottischs, por A. Wallerstein<br />

Schottischs, por J. Pasdeloup<br />

Bela fluminense, mazurca, por Abdon Milanez<br />

Princesa flor de Maio, mazurca, por Abdon Milanez. (A REGENERAÇÃO,<br />

12/01/1888, p.2, col.2).<br />

No Carnaval desse mesmo ano, o jornal Matraca (11/03/1888, p.4, col.3)<br />

publicou o oferecimento de um logogrifo 14 , autoria de Alice Alencar, também para a<br />

Sociedade Diabo a Quatro, que inclui o apreço pela música executada (anexo G). A<br />

música tocada nessas festividades, além de gêneros ao modo e ao gosto europeu,<br />

era apreciada e difundida pela imprensa, como fica explícito também no jornal<br />

Matraca de 19 de fevereiro de 1888 (anexo H), ao comentar sobre o desfile de<br />

Carnaval com as sociedades Diabo a Quatro, Bons Arcanjos e Silenciosa:<br />

A banda de música d’esta sociedade [Bons Arcanjos], toda fantasiada,<br />

tocou sempre bonitas peças. [...]<br />

A banda musical «União Artística» tocou com maestria, excelentes e novas<br />

peças. (MATRACA, 19/02/1888, p.1, col. 1 a 3).<br />

O século XIX no Brasil apresentou uma exaltação pelo repertório estrangeiro,<br />

com a importação de repertório e práticas musicais. É nesta época que proliferaram<br />

polcas, mazurcas, quadrilhas, valsas e schottisches, também nas comemorações<br />

carnavalescas. Esse repertório era executado pelas bandas e sociedades musicais<br />

da cidade, em desfiles, bailes e clubes. Nos jornais não eram relatados detalhes das<br />

execuções, mas destacava-se o repertório franco italiano e o seu papel como<br />

indicador de civilidade da prática carnavalesca e da própria sociedade local.<br />

14<br />

Termo português anterior a 1776. É um enigma verbal em que “adivinha-se uma palavra pela<br />

decifração prévia de palavras somando as mesmas letras, em ordem diversa, daquela”<br />

(RODRIGUES, 2011, p.215).


61<br />

3.1.3 Festejos<br />

Os jornais tinham um importante papel na divulgação dos festejos de<br />

Carnaval de Desterro. A programação do Carnaval era extensamente documentada<br />

pelos jornais, que descreviam a realização de bailes, desfiles, a participação de<br />

bandas, horários e locais. Após a realização dos festejos ainda havia comentários<br />

sobre as festas carnavalescas. Nestes textos às vezes é possível conhecer a<br />

instrumentação utilizada nos desfiles e ter indícios sobre o repertório executado nas<br />

festividades. O Cruzeiro do Sul (anexo B) traz um poema em que aparecem as<br />

palavras pandeiro, trompas, pífano, guizos e tambores e contextualiza a atmosfera<br />

carnavalesca da cidade:<br />

D’este estridente pandeiro as soalhas tinem<br />

Das trompas entre os fervidos clangores;<br />

Rasga o pífano o ar com silvo agudo,<br />

Chocalham guizos, rufam mil tambores.<br />

Turbilhões de poeira se levantam<br />

Sob os pés do cortejo ebrifestante;<br />

Ao tropel dos cavalos se mistura<br />

De mil loucos a grita penetrante.<br />

[...]<br />

Mil diversas figuras se atropelam:<br />

Aqui o cortesão, lá o guerreiro;<br />

Mais longe um barbilongo capuchino,<br />

Que uma dama gentil beija lampeiro.<br />

[...]<br />

Aumenta-se o prazer, cresce o delírio,<br />

Ninguém resiste à fúria do--tufão--;<br />

Gritos, guizos, tambores retumbantes<br />

Acabam de vencer frágil razão,<br />

(O CRUZEIRO DO SUL, 19/02/1860, p.4, col.1 e 2).<br />

Os festejos carnavalescos envolviam vários setores da sociedade, além das<br />

próprias sociedades carnavalescas envolviam-se as bandas, clubes e o teatro. O<br />

envolvimento entre as sociedades carnavalescas, clubes e bandas pode ser visto no<br />

texto publicado no jornal O Despertador de 14 de fevereiro de 1880 (p.2, col.4 e p.3,<br />

col.1). Segundo este texto a banda de música do Batalhão 17 de Infantaria vestida a<br />

fantasia participou os festejos, a Sociedade Diabo a Quatro contou com a<br />

participação da Sociedade Amor a Arte e realizou o baile no Clube Quatro de Março.<br />

Já a Sociedade Bons Arcanjos fez o baile no edifício do Clube 12 de Agosto.


62<br />

Os desfiles a fantasia em Desterro foram noticiados pela imprensa. Em O<br />

Despertador de 01 de março de 1884 (p.1, col.3 e p.2, col.1 e 4) publicou-se um<br />

relato sobre os desfiles de domingo e segunda-feira. Segundo este relato houve uma<br />

banda de música a cavalo, fantasiada com uniforme de alemão, acompanhando a<br />

Sociedade Bons Arcanjos pelas ruas. Já a banda de música União Artística também<br />

esteve fantasiada. A banda de música da Sociedade Guarany apresentou-se vestida<br />

de índio. O baile da Sociedade Diabo a Quatro teve orquestra regida pelo Sr. José<br />

Brasilício e o baile da Sociedade Bons Arcanjos teve coreto para a música. Neste<br />

relato é possível aventar a possibilidade de uma organização no desfiles, com índios<br />

e alemães, com papéis estabelecidos. Haveria algum tipo de enredo nos desfiles?<br />

Não é possível definir apenas pelo jornal. O relato encontrado é parcial. Faltam<br />

informações sobre quais seriam as fantasias da banda União Artística ou sobre o<br />

local de realização do baile da Sociedade Diabo a Quatro. Mas de acordo com<br />

Felipe Ferreira (2004), referindo-se ao Carnaval do Rio de Janeiro no século XIX,<br />

havia uma organização:<br />

as sociedades carnavalescas não se deslocavam aleatoriamente pela<br />

cidade, sendo na verdade uma espécie de procissão, organizada em<br />

diversos setores dispostos em sequência, que seguia por um trajeto<br />

definido, indo de um ponto de partida a um ponto de chegada<br />

preestabelecido (FERREIRA, F., 2004, p.160).<br />

Em Desterro o mesmo acontecia, extensos programas eram publicados nos<br />

jornais desterrenses informando aos sócios a organização do desfiles. O ponto de<br />

início, sequência de pelotões, hora de início e término das comemorações, tudo era<br />

especificado, delimitando-se até o tipo de repertório musical e de dança. Em um<br />

programa publicado no jornal O Argos é possível ler, inclusive, que os desfiles<br />

ocorreriam com uma banda de música, porém:<br />

Artº 4º Poderão os sócios formarem os grupos que entre si combinarem,<br />

para percorrerem as ruas sem ser com a banda de música, com danças e<br />

cantorias decentes, e que de nenhum modo ofendam a moral e bons<br />

costumes (O ARG<strong>OS</strong>, 17/02/1858).<br />

No programa do Carnaval de 1858, publicado n’O Argos (anexo J), é possível<br />

perceber, além do detalhamento dos festejos publicados pelos jornais, a importância<br />

de um “comportamento adequado” durante a realização das comemorações. Havia<br />

uma grande preocupação com o policiamento das ruas e habitantes durante os


63<br />

festejos, assim como as próprias sociedades publicavam as regras, permissões e<br />

proibições, inseridas nos programas das festividades, exercendo um controle sobre<br />

a população (PAMPLONA, 2011). O jornal O Cruzeiro do Sul de 1860, (anexo I),<br />

publicou o programa dos festejos daquele ano informando os percursos a serem<br />

realizados em cada dia de Carnaval, diferentes entre si. No segundo dia de<br />

Carnaval, foi publicado:<br />

No dia 20, às 4 horas da tarde, o ponto de reunião será o do dia<br />

antecedente [Clube Catharinense], e tomando as figuras os mesmo lugares<br />

como oo [sic] primeiro dia, seguirão pelas ruas do Livramento, Governador,<br />

Ouvidor, Príncipe Paz, Governador, Palma, Passeio, Praia de fóra até a<br />

ponte, d’onde voltará pelas mesmas ruas da Praia de fóra, Passeio, Palma,<br />

até a do Senado, por onde seguirão até a Praça, Augusta, Cadea, Praça,<br />

Principe até o Hotel do Universo onde será servido um copo de água. (O<br />

CRUZEIRO DO SUL, 29/01/1860, p.3 e 4, col. 3 e 1),<br />

Aqui é possível perceber o Carnaval e a busca pela civilidade, levando-se em<br />

conta também o acompanhamento dos desfiles por uma guarda policial de Desterro<br />

para garantir que normas fossem cumpridas. Esse desfile contou com uma extensa<br />

programação envolvendo além dos próprios desfiles, bailes e soirées, todos<br />

fechados e exclusivos para seus sócios, diferenciando-se da perspectiva popular do<br />

entrudo e das brincadeiras coletivas das ruas.<br />

Para Pamplona (2011) a atuação da imprensa é o reflexo do posicionamento<br />

da classe dominante, do desejo pela civilização da sociedade desterrense, da<br />

modernização do folguedo, tendo como conseqüência a não divulgação dos<br />

divertimentos populares. O entrudo, ligado a Portugal e sinal de atraso, passou a ser<br />

renegado ao passado com a importação de parâmetros italianos e franceses para o<br />

Carnaval. Essa importação ocorreu tanto no simbolismo, no aparato festivo e<br />

indumentário, quanto na música. A mudança social e econômica ocorrida na cidade,<br />

a formação de uma elite contribuiu para a criação de sociedades e clubes<br />

carnavalescos. A criação das sociedades carnavalescas pelas elites desterrenses<br />

modernizou os festejos e foi parte do processo de civilidade e do desenvolvimento<br />

da identidade desta sociedade, do processo de afastar-se das brincadeiras<br />

grosseiras, do passado.


64<br />

3.2 TEATRO MUSICADO E ÓPERA<br />

O teatro no século XIX, assim como a imprensa, era um meio civilizatório da<br />

sociedade, uma forma de diversão e cultura que poderia deseducar o público por<br />

meio de produções dramáticas consideradas inadequadas ou de baixa qualidade. O<br />

teatro brasileiro, em formação no século XIX sob a influência dos ideais burgueses,<br />

possuía o dever de retratar e propor o que seria um país melhor, moderno, como<br />

afirma Rabetti (2007, p.78):<br />

o ponto máximo da contradição própria daquele querer formar-se não só<br />

como o espelho do outro, mas também com o espelho do outro, que, nesse<br />

caso, resulta em espelho diverso. De sua superfície as idéias liberais do<br />

momento escorrem como água e perdem pé na estilhaçada realidade<br />

nacional, escravocrata, sulcada de modo profundo por seus contrastes<br />

extremados.<br />

O teatro foi praticado no Brasil desde os tempos coloniais como instrumento<br />

de catequização de índios por padres jesuítas. A construção de teatros,<br />

denominadas Casas de Óperas, começou no Brasil a partir de 1730, primeiro em<br />

Minas Gerais, depois Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e São Paulo (CASTAGNA,<br />

2004d). A partir da segunda metade do século XVIII surgiram as primeiras casas de<br />

espetáculos, com elencos regulares e o início da profissionalização, além das<br />

primeiras visitas de companhias europeias (ARAÚJO, 1977). No final do século XVIII<br />

buscou-se fugir do amadorismo e as Casas de Óperas começaram a ser<br />

substituídas por construções denominadas teatros, com maior capacidade para<br />

atores, cantores, instrumentistas e espectadores (CASTAGNA, 2004b). Prado (1999)<br />

aponta três documentos deste período que tinham como objetivo a regularização<br />

profissional do teatro. Esses documentos são contratos firmados em cartório, um na<br />

cidade de São Paulo e dois em Porto Alegre, entre 1797 e 1805. Nesses contratos<br />

destaca-se a obrigatória realização de espetáculos no aniversário do governador da<br />

província, das autoridades eclesiásticas ou em homenagem à família real<br />

portuguesa. Segundo o autor, (1999, p.26) “antes de ser arte ou diversão, o teatro<br />

propunha-se como cerimônia cívica”. A profissionalização e a continuidade só vieram<br />

mais tarde. No período joanino, o Rio de Janeiro possuía pequenas casas de<br />

espetáculos, inadequadas para os grandes espetáculos teatrais e óperas<br />

(CASTAGNA, 2004b). Com o objetivo de suprir essa necessidade foi então


65<br />

inaugurado o Teatro São João, “símbolo da presença real após a transferência da<br />

Corte portuguesa para o Brasil”, em 12 de outubro de 1813 (RABETTI, 2007, p.62).<br />

A construção seguiu os “padrões conhecidos em Portugal, diferentemente das<br />

Casas de Ópera que aqui existiam” (LUDWIG; SANT<strong>OS</strong>, 2011, p.272), reflexão esta<br />

também realizada por Castagna (2004b, p.15):<br />

Destinado a receber um público numeroso, esse teatro foi construído às<br />

feições do Teatro São Carlos de Lisboa que, por sua vez, assemelhava-se<br />

ao Teatro San Carlo, de Nápoles, grande centro operístico italiano do séc.<br />

anterior. Iniciaram-se, então, as grandes representações operísticas do Rio<br />

de Janeiro, com obras de Antônio Salieri, Vincenzo Puccitta, Marcos<br />

Portugal e Ferdinand Paer. Mas a representação de óperas no Rio de<br />

Janeiro tomou seu maior impulso a partir de 1821, com obras de G. Rossini,<br />

J.S. Mayer e W.A. Mozart, entre outros.<br />

Medeiros (2010) afirma que o teatro foi um mediador entre a mudança da<br />

cidade do Rio de Janeiro antes e depois da instalação da Corte, agregando outras<br />

tradições na construção de um espaço de poder, uma forma para a superação das<br />

dificuldades de organização da sociedade. Para o autor, o espaço físico do teatro<br />

serviu como local para as discussões de temas nacionais, manifestações políticas,<br />

expressão da vontade de uma elite no desenvolvimento do processo civilizatório.<br />

Após a Independência consolidou-se o teatro nacional pela primeira geração<br />

romântica (ARAÚJO, 1977). Para este autor, no início do século XIX houve uma<br />

maior sensibilização de público de espetáculos teatrais, líricos e de balé, por causa<br />

da construção de edifícios, da presença de companhias estrangeiras e da<br />

organização de elencos e grupos de amadores formados por estudantes e letrados.<br />

O repertório incluía peças políticas e dramas europeus românticos e liberais.<br />

Segundo Ludwig e Santos (2011, p.273),<br />

O século XIX também se revela como uma época atrelada à Independência<br />

(1822) e ao empenho com a constituição de uma nação. Para tanto, nota-se<br />

o intuito de elevação de acordo com padrões já consagrados. Nesse caso,<br />

destaca-se a observação de modelos estrangeiros, considerados ícones<br />

quando o assunto girava em torno do tópico civilização ocidental.<br />

O Rio de Janeiro foi um grande centro operístico do século XIX, com a<br />

maioria das representações compostas por autores europeus, executadas por<br />

intérpretes residentes no Brasil e por companhias líricas italianas (CASTAGNA,<br />

2004b). As elites, monárquica e burguesa, através de mecenato ou favorecimento,


66<br />

promoveram a vinda de companhias líricas, de prosa e de dança italianas, ilustres ou<br />

não, sendo obrigatória a passagem pela Corte do Rio de Janeiro. Este fenômeno<br />

“teve papel fundamental na formação do espetáculo e do público no Brasil do século<br />

XIX” (RABETTI, 2007, p.69). Na primeira metade do século XIX o repertório<br />

romântico incluía tragédias neoclássicas, dramas e melodramas portugueses ou<br />

traduzidos do francês, do italiano e do espanhol (FERREIRA, 2000). A partir de 1846<br />

a opereta européia difundiu-se no Rio de Janeiro com a apresentação da primeira<br />

companhia francesa do gênero (ARAÚJO, 1977). Budasz (2006) reflete sobre o<br />

apreço pelo teatro musicado no Brasil dentro da perspectiva de uma sociedade<br />

imersa na luta pela manutenção da identidade europeia em uma paisagem tropical,<br />

onde uma casa de ópera enaltecia sua condição civilizada e educada. O gosto pelo<br />

teatro musicado no século XIX, em detrimento do gênero lírico e dramático, no caso<br />

carioca, contextualizou-se em um momento de transformações na cidade, com a<br />

urbanização e o fim do tráfico de escravos, que contribuíram para a formação de<br />

uma camada social intermediária que, por sua vez, impulsionou o crescimento do<br />

teatro (SCHNEIDER, 2008). Esse autor distingue, dentro do teatro musicado, quatro<br />

gêneros de maior expressão: a opereta, a revista, a burleta e a mágica. A opereta<br />

tratava do cotidiano de forma humorística com números musicais, a revista<br />

caracterizava-se pela crítica dos acontecimentos e pela divulgação da música<br />

popular da época, a burleta apresentava números musicais intercalados ao texto<br />

original, já a mágica unia truques espetaculares, mecanismos, luzes e sons.<br />

A segunda metade do século viu surgir uma nova fase com a influência do<br />

teatro realista francês, considerada por Machado de Assis como mais sensata,<br />

natural, moralizadora e civilizadora, a arte em uma função educadora (FERREIRA,<br />

2000). Conforme Eliane Ferreira (2004) a segunda língua falada no Brasil do séc.<br />

XIX era o francês. A França era tida como modelo de civilidade pela sociedade<br />

brasileira e também desterrense. Com o realismo houve a troca do herói romântico<br />

por pessoas e situações comuns, houve, portanto, um reconhecimento de si nas<br />

ações representadas, uma preocupação com a identidade nacional (MÚRCIO,<br />

2010).<br />

Nascido na Revolução Francesa (1789), o melodrama também esteve<br />

presente nos palcos desterrenses. Para Ludwig e Santos (2011), este gênero<br />

cultivava valores burgueses como honra, senso de propriedade e virtude da família.<br />

Esses autores esclarecem que a palavra melodrama surgiu na Itália com o


67<br />

significado de drama cantado, localizando-se entre o drama e a ópera, ou óperas<br />

cômicas, que utilizavam a música para efeitos dramáticos. Segundo esses autores o<br />

melodrama possuía grande aceitação pelo público e, apesar de a maioria ser de<br />

autoria estrangeira, eram escritos por portugueses inspirados nos franceses ou<br />

traduções dos franceses realizados pelos lusitanos no Brasil. Bastos (2002, p.169)<br />

aponta que, para os intelectuais brasileiros, Paris exercia “uma imensa atração como<br />

capital cultural, com um significativo capital simbólico para a elite da época”.<br />

Segundo esta autora o Brasil absorveu tudo ou quase tudo que era produzido pela<br />

França. Dentro da estética realista, a cópia e a lição passaram a ser requisitos<br />

básicos aos teatrólogos, o que correspondia às exigências de verossimilhança e<br />

utilidade (SOUZA, 2006). Para a autora o teatro passou a assumir a função de<br />

buscar exemplos na sociedade, transformando-a em lição a ser seguida, e estava<br />

vinculado à noção de educação da sociedade. O teatro, assim como a imprensa,<br />

tinha um papel civilizatório e para Machado de Assis era superior à imprensa por<br />

dirigir-se diretamente o público (Ibid).<br />

As representações teatrais estrangeiras proliferaram no segundo Império.<br />

Prova disso, segundo Eliane Ferreira (2004), pode ser encontra nos anúncios de<br />

jornais com a presença constante de traduções, objetos “de consumo na medida em<br />

que os empresários teatrais visavam ao lucro através das representações de peças<br />

estrangeiras que foram sucesso no exterior e que eram representadas no idioma de<br />

origem ou em tradução” (FERREIRA, E., 2004, p. 53). Para essa autora era<br />

impossível falar de teatro nacional, já que, apesar do palco ser nacional, o que se<br />

representava e lia era a cultura europeia.<br />

Em 1857 foi fundada no Rio de Janeiro, por D. José Amat, a Imperial<br />

Academia de Música e Ópera Nacional, com o objetivo de propagar e desenvolver o<br />

gosto pelo canto em língua pátria, compostas por autores brasileiros, com enredos e<br />

libretos de escritores locais e interpretados por artistas nacionais, assim como se<br />

fazia em Paris onde se cultivava as tradições em oposição ao teatro italiano<br />

(CASTAGNA, 2004b). Para esse autor, a Imperial Academia, substituída em 1858<br />

pela Empresa de Ópera Nacional, extinta em 1863, foi uma iniciativa que partiu da<br />

elite e a ela se destinava. Para Castagna (2004), mesmo tendo sido extinta em<br />

1863, a Academia contribuiu para o surgimento de compositores como Elias Álvares<br />

Lobo, Henrique Alves de Mesquita e Antônio Carlos Gomes:


68<br />

Com a geração de Carlos Gomes, surgiram os primeiros compositores<br />

profissionais brasileiros e, pela primeira vez em nossa história, um autor<br />

nacional tornou-se bem sucedido no mercado musical europeu (no século<br />

XIX foram realizadas, na Europa, mais récitas de óperas de Carlos Gomes<br />

que de Richard Wagner). A música de Gomes gerou grande interesse<br />

também no Brasil e o compositor tornou-se o primeiro “herói” musical<br />

brasileiro, assim lembrado até hoje, apesar do esquecimento quase total de<br />

sua produção. Sua estética filiou-se à ópera italiana da geração de<br />

Giuseppe Verdi e seguidores, a mesma que atraia o público operístico<br />

brasileiro da segunda metade do século XIX (CASTAGNA, 2004e, p.3).<br />

Freire (2005) em sua pesquisa sobre as óperas e mágicas em teatros e<br />

salões do Rio de Janeiro e de Lisboa entre o início do século XIX e o início do século<br />

XX, identifica as características de diferentes concepções teatrais como Mágicas, o<br />

Teatro Barroco, o Teatro Romântico e o Teatro Realista, concepções estas também<br />

presentes em Desterro. Segundo a autora as Mágicas possuíam características<br />

comuns ao teatro popular português, dentre elas os diálogos falados,<br />

personificações, alegorias e temas arquetípicos, sátira, emprego de músicas e<br />

danças populares. O Teatro Barroco tinha como aspectos a valorização do<br />

fantástico, temática mitológica e o teatro de situações. O Teatro Romântico possuía<br />

lirismo, contrastes dramáticos, elementos fantásticos e características musicais<br />

diversas similares ao melodrama romântico. O Teatro Realista abordava temáticas<br />

da atualidade, personagens populares, crítica de costumes e reelaboração de<br />

músicas do repertório popular urbano.<br />

Desterro esteve imersa nessas mudanças sociais, políticas, culturais e<br />

artísticas. Os jornais relataram o modo como toda essa transformação era<br />

assimilada e praticada na cidade. Na primeira metade do século XIX haviam lugares<br />

improvisados pela iniciativa privada para a realização de espetáculos, como lojas<br />

desocupadas, armazéns, térreos de hotéis, depósitos, entre outros (FRECCIA,<br />

2008). Segundo esse autor, essas iniciativas estavam vinculadas às Sociedades<br />

Dramáticas Particulares que eram amadoras, fechadas e elitistas. Há notícias de<br />

uma casa de espetáculos apenas em 1839, chamada Teatro Novo, mas a mais<br />

importante casa de espetáculos foi o Teatro São Pedro d’Alcântara, cujas primeiras<br />

notícias datam de 1845 e 1846. Este teatro passou por problemas administrativos e<br />

constantes reformas até ser destruído em 1869. Desta data até 1875, ano de<br />

inauguração do Teatro Santa Isabel, planejada desde 1854, não houve teatro<br />

profissional (Ibid). Sobre a construção do Teatro Santa Isabel, uma das primeiras<br />

referências aparece em 1858, em que se relatam as melhorias que iriam acontecer


69<br />

na cidade, dentre elas a previsão de verbas destinadas ao Teatro Lírico (O<br />

CRUZEIRO DO SUL, 03/06/1858).<br />

Assim como as principais cidades brasileiras testemunham a construção de<br />

locais para as apresentações, os jornais de Desterro noticiam a busca da cidade por<br />

um local adequado. No ano de 1873, ainda no período em que a cidade ficou sem<br />

teatro, um espectador escreveu para o jornal O Conciliador (02/10/1873, p.4, col.2)<br />

sobre o teatro improvisado para a primeira representação da Sociedade Dramática<br />

União Artística (anexo K). O espectador descreveu o teatro como simples e decente,<br />

e também falou sobre a inexperiência da sociedade dramática, sem deixar de<br />

recomendar a sua continuidade. Um dos pontos de destaque desse texto é a frase<br />

“O teatro é também uma escola”. Percebe-se aí a ligação entre teatro e a função de<br />

civilizar, modernizar o público e a sociedade, também observada no Rio de Janeiro<br />

e, portanto, Europa.<br />

O jornal O Conservador (24/06/1874, p.3, col.2 e 12/09/1874, p.1, col1)<br />

noticiou os últimos passos de construção do Teatro Santa Isabel. Em duas notas o<br />

jornal relata a contratação pela Tesouraria Provincial do tenente coronel José<br />

Feliciano Alves de Brito para a conclusão do teatro, salientando a ligação entre o<br />

poder público com a construção do teatro. Esta também ocorreu em um período de<br />

modernização da cidade, na mesma época do teatro, também foi inaugurada a<br />

Alfândega (O CONSERVADOR, 14/04/1875, p.3, col.3), em um processo de<br />

organização do centro da cidade, comum a outras cidades brasileiras durante o<br />

século XIX. Em 1875, nas vésperas da inauguração, em texto publicado no jornal O<br />

Conservador, elogiou-se a administração do presidente da província, entre outras<br />

coisas, pela obra de conclusão do Teatro Santa Isabel. Na própria noite de abertura<br />

do Teatro Santa Isabel, a Sociedade Dramática Recreio Catharinense organizou o<br />

espetáculo, com as participações da cantora Carlota Hassini, cantando o Hino da<br />

Independência, e das sociedades musicais Santa Cecília e Filarmônica Comercial,<br />

que teriam tocado nos intervalos (O CONSERVADOR, 11/09/1875, p.3, col.2).<br />

O espaço do teatro funcionava como um importante ponto de vivência<br />

cultural, e representações, concertos instrumentais e líricos, bailes, encontros<br />

festivos, homenagens cívicas, entre outras atividades utilizavam este espaço. Todas<br />

essas atividades eram permeadas, de alguma forma, pela música. Nas<br />

representações teatrais a música aparece como forma de recepção à plateia,<br />

incidental ou nas apresentações musicais, e também eram frequentes aberturas


70<br />

instrumentais e música nos entreatos. Essas apresentações em sua grande maioria<br />

eram realizadas por artistas visitantes, brasileiros e internacionais.<br />

3.2.1 Repertório<br />

Conforme Castagna (2004e, p.3), após a chegada da família real ao Brasil a<br />

prática musical na cidade do Rio de Janeiro recebeu as novidades alemãs e<br />

francesas, especialmente a música italiana, irradiando essas tendências para outras<br />

regiões do país, surgiu “a influência da ópera clássica italiana, da geração de<br />

Cimarosa e Paisiello e, posteriormente, de Rossini, Bellini e Donizetti”. Para Giron<br />

(2004, p. 20), o Império é um período assimilação dos modelos internacionais e<br />

através deles a formação/afirmação de uma cultura brasileira:<br />

O Império corresponde à lenta geração do projeto nacionalista pelos<br />

intelectuais da primeira geração romântica; à fundação de instituições, como<br />

o Conservatório Nacional de Música, as sociedades filarmônicas e as<br />

companhias de ópera italiana e francesa, e sobretudo da Ópera Nacional,<br />

abrigadas nos teatro da Corte (GIRON, 2004, p.20).<br />

O repertório executado nos teatros desterrenses era muitas vezes descrito<br />

pelos jornais através de extensos anúncios e de textos críticos de apresentações<br />

teatrais. Nos programas de concertos constavam adaptações sobre canções<br />

conhecidas, chamadas de “variações” ou “fantasias”, e em temas de óperas<br />

italianas, indicando o gosto da elite local pelo gênero (FRECCIA, 2008). Abordando<br />

o repertório executado é comum a utilização do termo “ópera” nos programas<br />

teatrais, contudo, é preciso manter a cautela sobre o significado desse termo no<br />

século XIX. Prado (1999, p.24) ao referir-se ao teatro realizado no século XVIII<br />

esclarece que:<br />

A palavra “ópera” não deve despertar conotações européias. No contexto<br />

nacional aplicava-se, se não a todas, a qualquer peça que intercalasse<br />

trechos falados com números de canto, executando-se a parte musicada<br />

conforme os recursos locais.<br />

Ulhôa (2007, p.10) destaca que os “documentos históricos deixam traços de<br />

significados reprimidos nas suas entrelinhas”. Segundo a autora, com base em sua


71<br />

pesquisa em periódicos do século XIX, a nomenclatura musical utilizada nesses<br />

periódicos deve ser inserida em um contexto maior:<br />

O que hoje se denomina música de concerto, por exemplo, parecia ter outra<br />

conotação no século XIX. Os anúncios de partitura se referem a um sem<br />

número de paráfrases, fantasias e reduções de árias de ópera, bem como<br />

os anúncios de espetáculos parecem se referir mais ao que poderia ser no<br />

máximo música “ligeira” (opereta, zarzuela) do que de música “séria”<br />

(ULHÔA, 2007, p.11).<br />

O Despertador (08/01/1863, p.3 e 4, col.3, 1 a 3) anunciou o espetáculo em<br />

benefício do artista João C. Stanfield concedido pelo ator Vasques e coadjuvado<br />

pela Sociedade Dramática S. Pedro d’Alcântara, e neste programa é possível<br />

identificar a preferência por óperas, mazurcas e pelo repertório italiano. Segundo<br />

este programa a orquestra teria executado a Alvorada de Major, descrita como uma<br />

mazurca sobre os toques de alvorada de cornetas e clarins, composição do Sr.<br />

Hermes Ernesto da Fonseca; Uma Coincidência, cavatina da ópera Gemma di Vergy<br />

do maestro Donizetti, cantada pelo beneficiado; e O Sr. José Maria Assombrado pelo<br />

Mágico. Depois a orquestra teria executado uma peça militar intitulada Polca do<br />

Regimento, descrita tendo como motivo os toques de ordenança de clarins e por ser<br />

também uma composição do Sr. Hermes Ernesto da Fonseca. Também teria sido<br />

apresentado o dueto da ópera Belizário de Donizetti. Após um intervalo de 20<br />

minutos, teria sido apresentada a cavatina da ópera Barbeiro de Sevilha, de Rossini;<br />

a mazurca Icamacuá composta pelo Sr. Hermes da Fonseca e o Dueto Bufo das<br />

Pistolas, da ópera Clara de Rosenberg. Além da questão do repertório é<br />

interessante identificar a procedência do ator Vasques. Não foi identificado nos<br />

jornais o nome completo, nem a procedência do ator Vasques. Sabe-se que na<br />

época estava em atividade Francisco Correa Vasques, ator e dramaturgo do Rio de<br />

Janeiro que no século XIX foi aplaudido pelas plateias e alvo dos críticos teatrais<br />

(SOUZA, 2011). Segundo a autora, o ator começou a escrever para teatro com a<br />

cena cômica O Sr. José Maria assombrado pelo mágico em 1858, apresentada em<br />

Desterro. Assim, há a possibilidade de a cidade ter sido palco da apresentação de<br />

um ator do Rio de Janeiro, prática comum no século XIX, assim como a<br />

apresentação de polcas militares, cenas cômicas e operísticas.


72<br />

A comédia de costume no século XIX correspondia ao gosto do público em<br />

formação, contribuindo com as experiências de contato entre música e teatro<br />

(RABETTI, 2007). Para este autor:<br />

No que se refere à sua relação com a música, vale notar, foi habitual que<br />

nos casos melhores jamais tenha eliminado uma presença musical<br />

marcadamente italiana por grande parte do século, até a constituição de um<br />

teatro finalmente reconhecido como teatro musicado [...]<br />

Um teatro musical sui generis esteve presente durante todo o século XIX no<br />

Brasil, e seu papel fecundo e combativo, seguramente menos ilustre e<br />

elegante que o das manifestações teatrais mais elevadas, desenvolveu uma<br />

crítica social, feita de paródia, da mistura da diversidade de ritmos, dos fatos<br />

do dia reinventados, feita de metateatro (RABETTI, 2007, p.80).<br />

A música italiana no Brasil do séc. XIX não só influenciou o teatro lírico<br />

brasileiro com a participação de companhias líricas de passagem pelo país, como<br />

marcou o teatro de prosa, com a interação entre música e teatro durante o século<br />

XIX (RABETTI, 2007, p.81). O teatro musicado incluía gêneros como as cenas<br />

cômicas, os vaudevilles, a mágica, a opereta, a burleta e a revista (SOUZA, 2006).<br />

Como assinala esta autora, as cenas cômicas eram compostas por textos curtos, em<br />

prosa ou em verso, e utilizavam a paródia e a sátira, com músicas que aproveitavam<br />

melodias e ritmos conhecidos, como lundus, maxixes e cateretês. Possuíam ainda<br />

números de danças, imitação de animais e outros sons e números de mágicas.<br />

Segundo Souza,<br />

As cenas cômicas apresentavam ainda uma outra peculiaridade: eram<br />

encenadas em palcos e picadeiros, tanto no Brasil quanto na Europa, o que<br />

as tornava bastante populares entre diferentes platéias. E este público era<br />

realmente diversificado, compondo-se de caixeiros, estudantes, famílias, e,<br />

até mesmo, no caso do Brasil, dos imperadores. (SOUZA, 2006, p.230).<br />

Além da influência italiana vê-se também a influência francesa através da<br />

opereta, a ópera bufa francesa, surgida no século XIX:<br />

Jacques Offenbach e sua companhia programam um espetáculo feito de<br />

música e teatro, uma mistura de atos curtos satíricos entremeados de<br />

números musicais, geralmente com acompanhamento de orquestra.<br />

Entretanto, mais tarde o termo passou abranger os textos – as peças.<br />

Especialmente após o aparecimento de Orphée aux enfers, quando a<br />

paródia deixa de ser empregada como um recurso isolado e passa ser o<br />

modo estrutural do gênero opereta. Mas não se parodia apenas o mito de<br />

Orfeu, mas as formas teatrais e musicais de sua representação clássica. O<br />

mito vira folhetim. A opereta francesa encontrou no palco do Alcazar Lírico<br />

do Rio de Janeiro seu espaço de manifestação que, a partir de 1864, obteve


73<br />

sucesso na noite carioca com montagens de diversos gêneros ligeiros como<br />

burletas, cenas cômicas, vaudevilles, etc. (MACIEL, 2009, p.3).<br />

Assim como ocorria nos principais centros brasileiros no século XIX, Desterro<br />

recepcionava artistas, solos ou companhias líricas, nacionais ou estrangeiros que<br />

excursionavam pelo sul do Brasil. Esses artistas apresentavam principalmente<br />

operetas, cenas ou atos de óperas conforme o gosto musical vigente no Rio de<br />

Janeiro. Como afirma Freccia (2008):<br />

Até o final do ano de 1889 encontraram-se referências a seis companhias<br />

líricas alóctones que compareceram em Desterro e realizaram algumas<br />

apresentações no Theatro Santa Izabel, algumas vezes fazendo montagens<br />

de operetas completas, com cenários e figurinos. Dentre essas companhias<br />

líricas, apenas uma era nacional, originária do Rio de Janeiro.<br />

Assim como acontecia na Corte, além de peças teatrais inteiramente faladas<br />

e dos espetáculos musicais, havia gêneros híbridos: “peças com música incidental,<br />

comédias musicais com diálogo, ou música com dança e mímica – que hoje caíram<br />

em desuso, mas faziam bastante sucesso” (SILVA, 2010, p.161 e 162). Desterro<br />

apresentava a mesma dinâmica teatral. O Cruzeiro do Sul (10/10/1858, p.4, col.3)<br />

anunciou uma apresentação do artista Samuel Huggnis no Teatro São Pedro de<br />

Alcântara intitulada Primeira e grande representação Estrania do Mágico, Filosofia,<br />

Magnetismo e que segundo o jornal teria todos os atos iniciados por “musica de<br />

harpas”. O Santelmo (10/10/1858, p.4, col.1 e 2) referiu-se também a esta<br />

apresentação e publicou o programa detalhado da mesma. Segundo este programa,<br />

Huggnis teria feito trabalhos entre os anos de 1847 a 1849 em diversos países das<br />

Américas do Sul e do Norte e Europa, além da Austrália. Ele realizaria três<br />

representações com uma orquestra composta de quatro harpas. No programa<br />

(anexo L) é possível perceber a variedade de atrações concomitantemente<br />

oferecidas.<br />

A mágica tinha um papel importante dentro do ambiente cultural brasileiro. A<br />

mágica, como aponta Freire (1999), é um gênero operístico brasileiro do século XIX,<br />

não priorizado pela história da música brasileira, possivelmente por ser um gênero<br />

mais popular. Para a autora, a mágica sintetiza gêneros musicais como a opereta<br />

francesa, a ópera italiana, a zarzuela, o melodrama e o vaudeville em espetáculos<br />

que unem canto, dança, música e efeitos. A autora esclarece ainda que é na<br />

segunda metade do século XIX que a mágica conquista espaço nos teatros cariocas,


74<br />

enfatizando a fantasia e o maravilhoso, era escrita sempre em português, com cenas<br />

independentes, diferenciando-se da ópera italiana, apesar dos dois gêneros terem<br />

feito muito sucesso, no mesmo período e atraindo o mesmo público. Desterro não<br />

estava à parte desse processo, recebendo números de mágica, nacionais e<br />

estrangeiras, da mesma forma como ocorriam com os concertos e óperas, apesar da<br />

grande maioria de programas e críticas pouco se referirem a música executada.<br />

Desterro também assistiu a apresentações de óperas bufas. O jornal O<br />

Despertador (10/05/1884, p.1, col. 1 a 3 e 17/05/1884, p.1, col. 1 a 2) noticiou a<br />

apresentação do grupo de artistas sob a direção do Sr. Alfredo Rota com a ópera<br />

bufa em três atos intitulada Crespino e La Comare, de Luigi Ricci e Federico Ricci.<br />

Também foram apresentadas: a valsa de Os Sinos de Corneville (Planquette), a<br />

cavatina Una voce poco fa da ópera Barbeiro de Sevilha (Rossini), assim como o<br />

duo da mesma ópera, além da ária e duo da também ópera bufa Dom Pasquale<br />

(Donizetti). A mesma companhia dramática, dias depois, apresentou outro repertório,<br />

com operetas, vaudevilles. Segundo a crítica publicada (O DESPERTADOR,<br />

24/05/1884, p.1, col. 1 e 2), o espetáculo começou com a opereta Serafino, com<br />

uma “horripilante desafinação”, La Stella, uma habanera não identificada, o<br />

vaudeville A Ceia Infernal, este com “alguns trechos de música séria de óperas<br />

conhecidas”. A Ceia Infernal consta na Biblioteca Nacional de Lisboa como uma<br />

opereta em um ato, representada pela primeira vez em 01 de março de 1881 no<br />

Teatro Baquet (Porto/Portugal), com tradução do italiano por João Antonio da Costa.<br />

Interessante ressaltar que em apenas três anos, esta opereta após tradução, já era<br />

representada em Desterro, confirmando a influência do gosto português pela música<br />

italiana em terras brasileiras. Como pode ser observada, esta influência era<br />

predominante nas peças representadas nos teatros de Desterro, assim como na<br />

corte brasileira como um todo, sem esquecer, é claro, da influência francesa. O<br />

teatro lírico italiano, como observa Rabetti (2007), cativava a corte brasileira desde<br />

D. João até D. Pedro II. Nos teatros da Corte:<br />

Além das óperas italianas apresentadas anualmente pela companhia<br />

italiana (contratada com verba do governo), havia freqüentes apresentações<br />

de vaudevilles e óperas cômicas francesas, eventualmente zarzuelas<br />

espanholas, além de concertos com orquestra apresentando as mais<br />

recentes “sinfonias” – que nada mais eram do que as aberturas das óperas<br />

francesas ou italianas mais recentes, recitais de pianistas famosos [...] e<br />

cantores líricos, e os famosos bailes mascarados durante o carnaval<br />

(SILVA, 2010, p.160).


75<br />

Em Desterro, nos programas de concertos constavam adaptações sobre<br />

canções conhecidas, chamadas de “variações” ou “fantasias”, e em temas de óperas<br />

italianas, indicando o gosto pela elite local (FRECCIA, 2008). O jornal O Despertador<br />

é prolífero em referências nas quais se identifica a prática de variações e fantasias<br />

na província. Em 1863 (27/02/1863, p.4, col.3) esse jornal publicou o programa do<br />

concerto que seria realizado por Paul Julien, violinista francês. Este programa foi<br />

dividido em duas partes, a primeira composta por uma ouverture tocada pela<br />

orquestra, uma fantasia sobre O Trovador composta e executada por Paulo Julien,<br />

La Maracá, bolero espanhol composto e executado por Paulo Julien, Balade,<br />

descrita como duo para piano e rabeca executado por Guilherme Hautz e Paul<br />

Julien. A segunda parte possuía também uma ouverture, depois um Capricho<br />

Romântico onde Paul iria imitar duas rabecas, a fantasia Souvenirs de Bellini,<br />

L’isolement, além de 20 variações burlescas e sentimentais sobre o imortal Carnaval<br />

de Veneza. Uma extensa programação realizada por Paul Julien, violinista francês<br />

nascido em 1841, considerado um prodígio do violino, realizando concertos desde<br />

cedo pelo mundo. Em 1852, aos onze anos já havia realizado concertos<br />

aclamadíssimos em Paris, Londres e em Nova Iorque, entre outros lugares<br />

(LAWRENCE, 1995). A apresentação do violinista em Desterro trouxe consigo as<br />

tendências musicais de grandes centros, influências italianas e francesas. Nas<br />

figuras 3 e 4 vêem-se duas imagens de Paul Julien, pertencentes à Biblioteca<br />

Nacional da França, a primeira quando criança e a segunda, anos mais tarde.


76<br />

Figura 3 - Paul Julien, o primeiro prêmio no Conservatório em 1850 (um aluno de Alard), nascido<br />

em Crest (Drôme) 13 de fevereiro de 1841.<br />

Fonte: Biblioteca Nacional da França. Disponível em: < http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b77212197/<br />

f1.item>. Acesso em: 20 dez. 2011.<br />

Figura 4 - Paul Julien, Violinista.<br />

Fonte: BIBLIOTECA NACIONAL <strong>DA</strong> FRANÇA. Disponível em: < http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b7<br />

7212197/f3.item>. Acesso em: 20 dez. 2011.


77<br />

O Despertador (26/03/1867, p.3, col.1), também noticiou o concerto de M. A.<br />

Reichert com “belas e dificílimas variações” executadas na flauta de prata. Apesar<br />

de não haver nenhuma menção ao nome completo do artista, pelas iniciais e data é<br />

possível aventar a hipótese de ser Mathieu-André Reichert (1830-1880), compositor<br />

e virtuose da flauta no século XIX, foi aluno do Conservatório de Bruxelas e músico<br />

da Corte da Bélgica, tornando-se um concertista internacional ao tocar nos Estados<br />

Unidos e na Europa. Em 1859 o imperador D. Pedro II contratou um grupo de<br />

virtuoses europeus para tocar no palácio, dentre eles Reichert. A primeira<br />

apresentação foi no Teatro Lírico Fluminense, sendo nomeado primeiro flautista do<br />

Teatro Provisório. No mesmo ano ele começou a se apresentar por São Paulo, Rio<br />

Grande do Sul, Pernambuco, Bahia, Pará e, conforme os jornais, Santa Catarina.<br />

Como aponta Cabral (1951), havia a preferência pelas as variações por estas<br />

permitirem a demonstração de habilidade e destreza manual.<br />

Em 1880 (O DESPERTADOR, 10/11/1880 e 13/11/1880, p.4, col. 4) o Teatro<br />

Santa Isabel foi local para uma récita oferecida pela Sociedade Fraternal<br />

Beneficente, durante a qual seriam apresentadas as peças Poesia ou Dinheiro?<br />

(Camilo Castelo Branco), Quem Desdenha (Manuel Joaquim Pinheiro Chagas) e a<br />

recitação de uma poesia com acompanhamento da orquestra. No programa consta<br />

ainda que um amador tocaria nos entreatos variações de clarineta e saxofone<br />

acompanhado pela orquestra. Além da peça O Banana e o aviso de que a<br />

Sociedade Guarany tocaria nos intervalos. Aqui, além da existência de peças de<br />

autores portugueses e a presença da música, na forma de variações nos intervalos<br />

com a função distrair a plateia, há também a utilização do termo orquestra para um<br />

grupo instrumental. Como será discutido a seguir, a Sociedade Guarany também era<br />

descrita pelos jornais como uma banda. Percebe-se então que, em Desterro, ainda<br />

não havia a diferenciação de termos para especificar grupos musicais.<br />

O Despertador de 1883 anunciou a apresentação no Teatro Santa Isabel da<br />

Companhia Dramática Julieta dos Santos com Vingança de Bilu (Francisco de<br />

Freitas), A Paixão de Lélia (Elias dos Santos), Um Diabrete de 9 anos (Francisco<br />

Moreira de Vasconcelos), A Alemanha (poesia de Francisco Moreira de<br />

Vasconcelos) e Diabruras de Juliete (Francisco de Paula Sena Pereira da Costa)<br />

(anexo M). Além disso, o programa contava com a execução por Juliete dos Santos<br />

de “umas variações de flauta” e entre as peças seriam executadas pela orquestra<br />

polcas, valsas e mazurcas. Na transcrição abaixo é possível ver, apesar de


78<br />

parcialmente devido ao deterioramento do jornal, o comentário publicado no jornal<br />

referindo-se à apresentação a ser realizada:<br />

Benefício.̶ Como já noticiamos, realiza-se amanhã, se o tempo permitir, o<br />

benefício da encantadora menina Julieta dos Santos, esse verdadeiro gênio<br />

do palco, gloria artística do Império do Cruzeiro, e de que se deve orgulhar a<br />

província do Rio-Grande do Sul, que a viu nascer.<br />

Santa Catarina pode e deve também orgulhar-se de ter sido no palco de seu<br />

primeiro teatro, que esse gênio privilegiado começou a revelar-se ao mundo,<br />

ensaiando os seus primeiros passos no caminho da arte.<br />

O espetáculo que está anunciado é na realidade desafiante. [...] (O<br />

DESPERTADOR, 17/01/1883, p.1, col. 2.).<br />

Segundo comentários dessa apresentação (O DESPERTADOR, 20/01/1883,<br />

p.1 e 2, col. 1-4 e 1-2) a atriz Juliete foi amplamente elogiada e a recepção da<br />

plateia ocorreu por conta da banda União Artística que também acompanhou a atriz<br />

até sua casa. Como afirma Fontes (1998, p.3), a recepção da companhia e da atriz<br />

foi a melhor possível:<br />

Era natural, nos fins do ano de 1882, na Capital da Província de Santa<br />

Catarina, o ansioso aguardamento da Companhia Dramática a que dava<br />

nome a menina Julieta dos Santos.<br />

É que esta brasileirinha, que entrara a rivalizar com a genial atrizinha<br />

italiana, Gemma Cuniberti, não era nenhuma desconhecida para a platéia<br />

do Teatro Santa Isabel, pois nele havia estreado a 24 de abril de 1879, aos<br />

seis anos e três meses de idade, ao lado da grande atriz Ismênia dos<br />

Santos, e merecera registro na crônica teatral.<br />

Essa Companhia esteve em Desterro algumas vezes, o repertório girava em<br />

torno principalmente de peças italianas e portuguesas, possuía a frente à figura de<br />

uma criança prodígio brasileira, rivalizando com um prodígio italiano, ressaltando<br />

assim a sua qualidade e justificando a expectativa do público desterrense. Fontes<br />

(1998) destaca que o imperador de D. Pedro II teria ido ver a atriz no Teatro São<br />

Luis (Rio de Janeiro), aplaudindo e consagrando-a como uma esperança nacional.<br />

Em 1883 (O DESPERTADO, 03/11/1883, p.1 col.2) o clarinetista português<br />

Daniel Augusto Barreto apresentou-se no Teatro Santa Isabel, tocando nos<br />

intervalos do espetáculo dado por amadores, uma fantasia sobre motivos da ópera<br />

Rigoletto (Verdi), acompanhado pela orquestra. Em 1884 (O DESPERTADOR,<br />

21/06/1884, p.4, col.4) o Teatro Santa Isabel teve a apresentação do grande<br />

concerto vocal e instrumental de Nicolas Campos, professor de clarinete, violão<br />

bandurra, “entre outras coisas”. O concerto seguia a mesma estrutura, com duas


79<br />

partes: a primeira com ouverture com orquestra, uma ária para barítono com<br />

acompanhamento de violão (Donizetti), fantasia com variações para violão “sobre<br />

temas de vários cantores” (Cannu), canto grego para clarinete com<br />

acompanhamento de orquestra (Cavalini). A segunda parte iniciou com uma<br />

ouverture para orquestra, Ernani (Verdi): “final e primo-ária e cavatina para barítono<br />

com acompanhamento de orquestra, Puritanos (Bellini): fantasia com variações para<br />

violão, antes da última peça a orquestra teria tocada uma peça de sua escolha, não<br />

especificada no programa, término com Fiori Rossiniani (Cavallini): “fantasia<br />

concertante para clarinete com acompanhamento de orquestra”. A preferência do<br />

Brasil imperial pelo repertório italiano estava baseada no gosto português pelo<br />

mesmo repertório e a influência da Corte na cultura em formação. Apesar de não ter<br />

sido possível identificar a origem de Nicolas Campos, o instrumento utilizado permite<br />

uma consideração. Bandurra, segundo o Dicionário de termos e expressões da<br />

música, refere-se a uma espécie de viola portuguesa de três a seis ordens duplas de<br />

cordas afinadas de forma semelhante ao violão e tocadas com uma palheta,<br />

originada na Espanha e Portugal e então levada para a América Latina (DOURADO,<br />

2004, p.42). Utilizou-se, portanto, um instrumento ibérico para a execução de um<br />

repertório primordialmente italiano.<br />

A influência de Carlos Gomes também aparece nos jornais de Desterro<br />

através de notícias sobre a carreira e composições, principalmente através do<br />

caráter apologético dessas. O jornal O Conciliador de 24 de julho de 1873 (p.4,<br />

col.3) publicou um nota sobre a quantia paga a Carlos Gomes: “Antônio Carlos<br />

Gomes – concedeu-se durante cinco anos por decreto de 2310, de 10 do corrente, a<br />

este maestro brasileiro a subvenção anual de 4:800$00.” Sobre suas composições O<br />

Conservador de julho de 1876 (p.3, col.1) e junho de 1878 (p.3, col.4 e p.4, col.1)<br />

publicou, respectivamente, sobre o Hino do Centenário e Moêma, novo libreto<br />

descrevendo, segundo o jornal, os personagens e as vozes que os representavam.<br />

Há ainda nos jornais elogios a Carlos Gomes. Com o título Salvator Rosa, o jornal O<br />

Conservador de 25 de dezembro de 1878 (p.2, col.4) publicou um texto sobre o<br />

compositor de O Guarani que estava obtendo “entusiásticos aplausos nos teatros de<br />

Florença e Roma.” Segundo este texto, durante a primeira representação, Carlos<br />

Gomes foi chamado à cena 26 vezes. O mesmo jornal de 18 de março de 1879<br />

publicou uma nota sobre Turolla Eboli, prima dona a quem Carlos Gomes teria<br />

confiado o importante papel de sua ópera Maria Tudor. Além disso, noticiou a


80<br />

apresentação da ópera O Guarani em Havana. Como assinala Castagna (2004f,<br />

p.12), com o sucesso de Carlos Gomes na Itália, com O Guarani e óperas<br />

posteriores, a crítica passou a se referir em uma música brasileira:<br />

Mas o que estava sendo levado em conta para a caracterização de<br />

“brasileira” não era a estética musical empregada, uma vez que esta pouco<br />

ou nada diferia da estética operística italiana da segunda metade do séc.<br />

XIX, mas apenas a nacionalidade do compositor e a temática ou enredo da<br />

ópera.<br />

Carlos Gomes no início da segunda metade do século XIX produzia também<br />

modinhas e peças para piano (valsas, scottishes, quadrilhas e romances), era o<br />

compositor da música que a Corte consumia (SILVA, 2010). O jornal O Conservador<br />

de maio de 1885 (29/05/1885, p.1, col.4 e p.2, col.1) e outubro de 1889 (09/10/1889,<br />

p.1, col.4) publicou respectivamente notas sobre a carreira de Carlos Gomes. A<br />

primeira notícia relatou que o compositor teria colocado em música a poesia Sacra<br />

Bandeira, oferecida ao rei Humberto no dia de seu aniversário, por um poeta italiano.<br />

Na segunda notícia o jornal comunica que Carlos Gomes havia sido agraciado com a<br />

Ordem da Rosa. Nogueira (2005, p.246) aborda a implicação dessa comenda pela<br />

execução da ópera Lo Schiavo no Rio de Janeiro em 1889:<br />

Nos estertores do Império recebeu o grau de Grande Dignitário da Ordem<br />

da Rosa e seguiu para Campinas onde foi surpreendido pela Proclamação<br />

da República, evento que o tornou quase um proscrito, embora jamais tenha<br />

manifestado simpatia pela monarquia; sua relação com Dom Pedro II era de<br />

caráter mais pessoal e afetivo.<br />

Carlos Gomes foi considerado durante o Império como a glória da música<br />

brasileira, aplaudido também na Itália, compunha utilizando uma roupagem do<br />

melodrama italiano e da instrumentação sinfônica, falando “de um longínquo Brasil”<br />

(TRAVASS<strong>OS</strong>, 2000, p.38). Gomes personificou o ambiente cultural e resumiu o<br />

anseio por ser e pertencer do país nessa época. Carlos Gomes foi receptivo às<br />

influências líricas italianas do século XIX e da ópera francesa, pelo drama musical<br />

wagneriano e o sinfonismo de inspiração clássica das últimas décadas do século XIX<br />

(NOGUEIRA, 2006, p.20).


81<br />

3.2.2 Apresentações e críticas<br />

O teatro no império era um elemento didático da formação moral e cívica,<br />

pretendia dar exemplos de bons costumes (SÁ, 2007). A crítica em consonância com<br />

o ambiente da época era uma forma de promover a educação e a correção da<br />

sociedade desterrense.<br />

A crítica musical em jornais e publicações periódicas é uma escrita<br />

profissional criada para a publicação imediata, abordando aspectos da música e da<br />

vida musical, incluindo geralmente juízos de valor e quantidades variáveis de<br />

descrição, além de muitas vezes enfocar os artistas e performances (MAUS, 1980).<br />

Para o autor, o crítico musical, profissional ou não, é um membro de uma<br />

comunidade da qual a música faz parte, e escreve também para membros dessa<br />

mesma comunidade. A utilização de críticas impressas em jornais como fonte para a<br />

pesquisa musicológica ainda sofre preconceitos por parte dos historiadores da arte,<br />

que residem na crença de que as críticas não compreenderam as mensagens dos<br />

músicos, cometendo muitas vezes erros ao condenar obras que viriam a ser “peças<br />

fundamentais da cultura”. (GIRON, 2004, p. 36). O autor reflete que os erros fazem<br />

parte do imaginário do público e das ideias estéticas musicais.<br />

A imprensa musical se desenvolveu durante o Romantismo e o crítico<br />

assumiu o papel de “colega” do leitor (GIRON, 2004). Em Desterro o crítico assumiu<br />

o papel de interlocutor dos espectadores, colocando-se de forma anônima e<br />

utilizando-se, na maioria das vezes, de pseudônimos. Muitas vezes, utilizava-se<br />

também de enigmáticas comparações, como poder ser visto no jornal Matraca<br />

(24/12/1882):<br />

O Espetáculo de Domingo<br />

Não era o meu intento lançar mão da pena para descrever o espetáculo,<br />

porém, como presenciei outras coisas, fez-me com que desse publicidade a<br />

estas poucas linhas.<br />

Domingo dirigi-me ao teatro, afim de apreciar o concerto vocal e<br />

instrumental. Quando lá cheguei, encontrei alguns jovens que tocavam<br />

canários e sapinhos de folha, o que não incomodava; comquanto [sic] fosse<br />

grande o numero de tocadores de sapinhos...<br />

Um tipo já velho, entendendo que devia acabar com aquele barulho, e<br />

começou a decompor os mocinhos que tocavam sapinhos.<br />

Este tipo os rapazes apelidaram de martin cachar; (apelido que lhe cabe<br />

perfeitamente três bien.)<br />

Um outro tipo, estava com o chapéu na cabeça na ocasião em que se<br />

representava, alguém que viu, gritou péo!? E ele também dirigiu-se a um<br />

mocinho e disse-lhe muitos nomes injuriosos; os outros colegas dos


82<br />

mocinhos, que não aturaram semelhante desaforo, e, quase que, gritaram<br />

haja rolo, e se alguém não chegasse n’aquela ocasião.<br />

..........................................................................................................................<br />

Antes deste barulho, já alguns meninos tinhão dado um tremenda pateada<br />

nos artistas que tinhão abusado anunciando variedade e executando<br />

sempre o mesmo!...<br />

(Et toujour la même chose seulement pour variation.)<br />

O que não achamos justos, pois os artistas liricos, são dignos de se<br />

apreciarem.<br />

Eu suponho que eles não fazem bem n’isto porque, a nossa platéia é um<br />

pouco exigente, e já sabe o que é bom, e o que não presta; porém, hoje é o<br />

último espetáculo, e vamos apreciar ainda uma vez os masco-femeninos.<br />

Martin Cachar. (MATRACA, 24/12/1882, p.2, col.1 e 2).<br />

Em sua pesquisa sobre o teatro em Desterro, Freccia (2008) ressalta o<br />

tratamento dado à música pelos jornais: subjetiva, utilizadora de adjetivos, reduzida<br />

fundamentação musical, inexistência do crítico especializado. Os textos, apesar<br />

disso, refletem a visão do receptor, o aspecto social da música e o contexto<br />

histórico-social. O texto crítico na imprensa brasileira do século XIX, para Giron<br />

(2004, p.74), decorre do amadurecimento do gosto público pela ópera e pelas<br />

novidades europeias, para o autor:<br />

Os jornais são um espelho do público e de sua necessidade de instrução e<br />

recreio. As opiniões, especializadas ou não, são acompanhadas pelo leitor,<br />

que se posiciona por um partido estético, assim como opta pelos partidos<br />

políticos. A batalha estética, no entanto, tem pouco a ver com a política.<br />

Indiretamente, pode indicar um conflito entre a sociedade colonial e a nova<br />

ordem da nação independente. O fato é que o público paga pelos<br />

espetáculos e interage com a produção artística, aspectos retratados nos<br />

jornais do período.<br />

Durante muitos anos do século XIX a figura do imperador e da família real era<br />

evocada nos jornais desterrenses com admiração, como símbolo de civilização.<br />

Nessas terras, os aniversários de D. Pedro II e a Independência eram comemorados<br />

com extensos programas que envolviam grande parte da população local, incluindo<br />

desfiles e peças teatrais repletas de música. Essa realidade observada não era<br />

exclusiva de Desterro, como aponta Graham (2001, p.34)<br />

Desdenhando o exemplo de meros reis, D. Pedro I recorreu ao ritual do<br />

Santo Império Romano para sua coroação. Essa data e aquelas de seu<br />

aniversário, de seu aniversário de casamento, de nascimento de seus filhos,<br />

e ocasiões semelhantes na vida de sua família e na vida de D. Pedro II<br />

eram celebradas pelo Brasil afora com fogos de artifício, missas solenes,<br />

discursos, bandeiras, tambores e música, paradas com carros alegóricos, e,<br />

durante a noite, “iluminações”, quando em toda casa, seja de rico ou pobre,<br />

acendia-se, pelo menos, uma vela em cada janela. Em uma época e lugar<br />

em que a iluminação de rua consistia somente de uma ou outra lâmpada


83<br />

bruxuleante à base de óleo de baleia, essas ocasiões conseguiam<br />

transformar a paisagem das cidades e das vilas. As ruas e praças da cidade<br />

eram batizadas com nomes de personagens da realeza (Rua do Príncipe,<br />

Rua da Princesa, Rua da Imperatriz, Praça D. Pedro II) ou de<br />

acontecimentos importantes em suas vidas, tais como a Praça da<br />

Aclamação.<br />

Os espetáculos ligados às comemorações cívicas representavam e<br />

ensinavam valores (lealdade ao imperador, ao país, a sua imagem) e os costumes<br />

daqueles que detinham o poder. É possível afirmar que em toda a comemoração<br />

realizada em Desterro seja pela comemoração do aniversário de D. Pedro II ou pela<br />

data da Independência, hinos eram cantados. Em 1863 (O DESPERTADOR,<br />

04/12/1863, p.1, col.1) o aniversário de D. Pedro II foi comemorado com Te Deum e<br />

uma récita no teatro onde foram apresentadas duas peças e o Hino Nacional<br />

também foi cantado. No aniversário de 1866 (O DESPERTADOR, 30/11/1866, p.4,<br />

col.3) o Hino Nacional também foi cantado diante da efígie do Imperador, e peças<br />

satíricas. No ano seguinte O Mercantil (01/12/1867, p.3, col.1 e 2) anunciou os<br />

festejos a serem realizados no aniversário do imperador (anexo N), com a realização<br />

de um Te-Deum, cortejo na frente do Palácio da Presidência e no teatro a Empresa<br />

de Silva Leal apresentaria um espetáculo em duas partes: a primeira com Fala ao<br />

Trono e o Hino Nacional cantado pela companhia, adaptado para o dia pelo escritor<br />

brasileiro Machado de Assis, Poesia do Século e depois uma Aurora Fantástica com<br />

fogos cambiantes e lançamento de impressos com o texto do Hino Nacional. Os<br />

comentários dos eventos cívicos utilizavam o mesmo tom: a união de diversos<br />

setores da sociedade da sociedade (igreja, política e arte) em torno de<br />

comemorações cívicas, cidade iluminada e música, na igreja, nos cortejos<br />

(geralmente acompanhados por bandas) e no teatro, com os hinos cantados e as<br />

peças musicadas.<br />

O jornal Matraca (12/09/1885) apresenta outro exemplo sobre a recepção das<br />

comemorações cívicas na província, no final do Império. Abaixo está a crítica<br />

publicada no jornal, o que possibilita identificar a forma superficial em que a música<br />

é citada, a exaltação da pátria e das figuras de poder, da moralidade, a vivência<br />

amadora da cidade e as formas de demonstração de apreço realizadas pela plateia.<br />

Fatos e Boatos<br />

Realizou-se na segunda feira da semana a findar 7 do corrente espetáculo<br />

em grande gala anunciado pela distinta sociedade dramática particular<br />

“Álvaro de Carvalho” com a representação do primoroso e importante drama


84<br />

de Gustavo Feuillet “A honra da minha filha” e a interessante comédia<br />

ornada de música intitulada “O n.9”.<br />

O teatro achava-se nesta noite simples mas elegantemente decorado<br />

abrilhantando a festa em homenagem a Independência da nossa pátria<br />

grande numero de Exmas. famílias e distintos cavalheiros, que são a elite<br />

da sociedade catarinense.<br />

As 8 e tanto, foi à cima o pano deixando aparecer ao fundo do palco um<br />

pequeno doce! Onde se destacava o vulto do herói do Ipiranga, Pedro I, e<br />

duas filas de sócios que saudavam o glorioso dia agitando os lenços aos<br />

vivas do distinto diretor. Em seguida foi recitada uma bela poesia análoga<br />

ao ato pelo sócio Manoel Henrique de Souza.<br />

Essa cerimônia foi acompanhada pelo hino da independência executado por<br />

uma banda de música. Depois de alguns minutos mais deu-se principio a<br />

representação do drama “A honra de minha filha”, cuja linguagem pela<br />

doçura e moralidade arrebata o espectador as regiões do que é belo e<br />

fluente; e se seu autor visse o desempenho de sua obra pela briosa falange<br />

dos amadores da sociedade “Álvaro de Carvalho” havia de sentir-se,<br />

satisfeito porque os amadores estiveram sempre n’altura dos mais<br />

fervorosos aplausos sendo-lhes no fervor d’entusiasmo arremessados a<br />

seus pés pelo sexo gentil, inúmeros “bouquets” de perfumosas flores que os<br />

faziam curvar-se extasiados por tanta prova de apreço.<br />

A noite de 7 de Setembro, foi mais uma coroa d’louros colocada na haste do<br />

estandarte da “Álvaro de Carvalho” e mais uma prova de patriotismo que<br />

demonstra tão distinta sociedade.<br />

O desempenho da comedia foi ótimo, sendo por isso dispensadas aos que<br />

nela tomaram parte as inúmeras palmas e fervorosos bravos.<br />

À meia noite mais ou menos, terminose [sic] a festa saindo todos os sócios<br />

e convivas da sociedade “Álvaro de Carvalho” que lembra o nome de um<br />

ilustre catarinense, alegres por terem gozado as delícias de uma noite<br />

agradável.<br />

De nossa parte enviamo-lhes d’aqui um “bravo” o um “muito bem” a todos<br />

aqueles que tomaram no espetáculo de 7 do corrente e um voto de<br />

agradecimento a sociedade pela amabilidade do convite com que nos<br />

honrou (Matraca, 12/09/1885, p. 2, col.1).<br />

A partir de 1870, os teatros da Corte começaram a fazer parte do circuito<br />

artístico obrigatório que incluía as cidades de Montevidéu e Buenos Aires (SOUZA,<br />

2005). Desterro inseria-se como porto de passagem dessas companhias artísticas e,<br />

além disso, a partir de 1875, com a inauguração do teatro Santa Isabel e o<br />

crescimento econômico em Desterro, sedimentou-se a formação de uma elite social<br />

e cultural, “que cultivava o gosto pela ópera, por sua vez restrito às classes<br />

privilegiadas” (FRECCIA, 2008, p.46).<br />

Em 1876 (O DESPERTADOR, 03/03/1876, p.2, col.1 e 2; O<br />

CONSERVADOR, 08/03/1876, p.3, col. 3) Desterro recebeu o espetáculo da<br />

violinista Blanche Paganini, do magnetizador francês Fauré Nicolay e da jovem<br />

Helena. Eles se apresentaram no Clube Euterpe 4 de Março e também no Teatro<br />

Santa Isabel. Foram amplamente elogiados pela imprensa local que, dias depois (O<br />

CONSERVADOR, 11/03/1876, p.2, col.1 e 2) publicou uma notícia extraída da<br />

Tribuna de Montevidéu do dia 3 de janeiro de 1876, tecendo elogios as


85<br />

performances artísticas do mágico Fauré Nicolai e da violinista Paganini. Se a<br />

apresentação foi digna de elogios em Desterro e em Montevidéu, o mesmo não<br />

ocorreu em São Paulo. O jornal paulista O Polichinelo (30/04/1876, p.2, col.2)<br />

comentou o espetáculo, colocando-o como ultrapassado, mal feito e com qualidade<br />

inferior a de outros artistas.<br />

Conforme a pesquisa de Freccia (2008), a imprensa local de Desterro<br />

destacava-se nos comentários sobre a visita a província de artistas célebres,<br />

relatando a reação do público, destacando a presença ou não de público,<br />

idolatrando ou ironizando os artistas, e detalhando a execução musical. Mas a<br />

maioria dessas críticas enaltecia e dava ênfase às personalidades artísticas em<br />

detrimento dos detalhes musicais. Em 1888 Desterro recebeu uma companhia lírica<br />

italiana. A sua chegada foi ansiosamente aguardada, sendo noticiada por vários<br />

jornais, como em O Crepúsculo (09/06/1888, p.4, col.1) ou n’O Mosquito<br />

(10/06/1888, p.3 col.3). O jornal A Regeneração (17/06/1888) noticiou a chegada da<br />

companhia:<br />

Companhia Lírica<br />

Chegou ontem, no vapor “Victoria” a companhia lírica italiana dirigida pelo<br />

distinto artista Sr. Milone, que aqui já trabalhou, merecendo do nosso<br />

publico muitos aplausos.<br />

A companhia possue bons artistas em número de dez, e estreará no teatro<br />

Santa Izabel, na próxima terça-feira.<br />

Segundo nos informaram esta companhia foi muito aplaudida em muitas<br />

cidades no norte, merecendo de todas os mais estrepitosos aplausos (A<br />

REGENERAÇÃO, 17/06/1888, p.1, col.5).<br />

Na chegada da companhia já haviam sido publicados os programas das<br />

apresentações, em jornais como o A Regeneração (21/06/1888, p.3, col.3 a 5, anexo<br />

O; 24/06/1888, p.3, col.3 a 5, anexo P e 26/06/1888, p.3, col.3 a 5, anexo Q). As<br />

críticas comentaram sobre o variado e atraente espetáculo do grupo lírico dirigido<br />

pelo artista L. Milone. O jornal A Regeneração (26/06/1888, p.1, col.1 a 3), publicou<br />

uma crítica lamentando a pouca ocorrência aos dois primeiros espetáculos e elogiou<br />

os artistas envolvidos, ressaltando os “estrepitosos aplausos" (anexo R). Sobre a<br />

música:<br />

Os trechos de óperas, cantadas nas duas noites, de uma harmonia<br />

extasiante e bela, especialmente a grande ária e “miserére" da ópera<br />

“Trovador”, o magnífico “duo” da ópera de Bellini – “Norma” e o belíssimo<br />

“duo” da ópera do celebre maestro brasileiro Carlos Gomes – “Guarani” –<br />

pelas Sras. Rastelli e Baccarini e o Sr. Ravagli, apesar da pouca prática da


86<br />

orquestra relativamente a musica dessas peças, foram cantadas de uma<br />

forma admirável e arrebatante pelos três dias distintos artistas, cujas vozes<br />

bem educadas, vibrantes e de uma docilidade sublime agradam<br />

extraordinariamente, atraem e extasiam o coração do espectador.<br />

As críticas e comentário publicados nos jornais eram em sua maioria curtos e<br />

destacavam o repertório executado. Em crítica publicada no jornal O Despertador<br />

(28/11/1874, p.2, col. 3 e 4) sobre o concerto ocorrido no Clube Euterpe Quatro de<br />

Março, este foi descrito como concorrido e alegre, com peças de Floto, Riccius,<br />

Ascher, Briccialdi, Duroc, Bassi, St. Heller, Fumagalli, Donizetti, Rossini, Perny,<br />

Savari, Cavallini, Mercadante. Em 25 de outubro de 1874 o jornal O Til (p.1, col.1 e<br />

2) sobre a Sociedade Dramática União dos Estudantes relatou a presença da música<br />

executada pela Filarmônica Militar na abertura e no intervalo do espetáculo. Em<br />

1875 (O CONSERVADOR, 17/04/1875, p.4, col.3) o jornal noticiou a apresentação<br />

do Grande Circo Brasileiro, e segundo o programa a música preencheria os<br />

intervalos com variadas peças de harmonia. A crítica desse espetáculo (O<br />

CONSERVADOR, 21/04/1875, p.3, col.4 e 28/04/1875, p.3, col. 3 e 4) elogiou as<br />

apresentações realizadas, em especial o ginasta, os trabalhos com cavalo e a banda<br />

de música: “A excelente banda de música que preenche os intervalos dos trabalhos,<br />

faz ainda com que as horas sejam completas de agradável passatempo”, o texto<br />

elogia ainda a proficiência dos executores e o bom gosto na escolha das peças.<br />

O Despertador de 1880 relatou a apresentação no teatro da peça Os<br />

Namorados de minha Mulher, descrita como uma comédia opereta com música<br />

original do Sr. José Brasilício de Souza. O jornal (O DESPERTADOR, 25/08/1880,<br />

p.3, col.2) descreve a música como tendo sido bem executada pela orquestra e<br />

pelos cantores, e elogia José Brasilício pela estréia como compositor. Assim como<br />

acontece com o repertório, percebe-se nas críticas, que exaltavam as apresentações<br />

e os artistas estrangeiros de passagem pela província, a predileção pelo repertório<br />

italiano e francês, operetas, trechos de óperas reconhecidas pelo gosto de europeu.<br />

Em 1882 (O DESPERTADOR, 06/12/1882, p.1, col. 3 e 4) um grupo de artistas<br />

italianos apresentou-se cantando várias árias e cançonetas com “extensas vozes de<br />

soprano (em falsete) trajando vestes femininas” com uma orquestra de cinco<br />

pessoas que “desempenhou perfeitamente”. A companhia estava a caminho do Rio<br />

Grande do Sul e entre os artistas estavam os cantores Alfredo Rosa e Arthur Perla<br />

(Ibid, 13/12/1882, p.3, col.1).


87<br />

Nem sempre as peças eram bem recebidas pelos comentaristas dos jornais.<br />

O espetáculo do Sr. Lemos no Teatro Santa Isabel demonstrou, segundo o jornal,<br />

que o ator não tinha “a menor noção da arte dramática (O DESPERTADOR,<br />

27/08/1884, p.1, col.2). Meses depois chegou a companhia dramática do ator Ribeiro<br />

Guimarães com um programa “variado, com algumas das operetas mais modernas”<br />

(IBID, 01/10/1884, p.2, col.1 e 2). Este espetáculo foi recepcionado de forma<br />

diferente por dois jornais da época, n’O Despertador (05/11/1884, p. 1, col.4 e p.2,<br />

col.1; 12/11/1884, p.1, col. 1 e 2) ele foi elogiado, enquanto o jornal O Conservador<br />

(07/11/1884, p.2, col.4; 10/11/1884, p.3, col. 2 e 3) pedia a afinação da orquestra,<br />

tanto na primeira apresentação, quanto na segunda. Assim como apareceu nos<br />

comentários anteriores, as criticas exaltavam a “modernidade”, que era destacada<br />

como uma característica desejável.<br />

No final do ano de 1884 a província recebeu mais uma companhia de óperacômica,<br />

esta sob a direção de Braga Junior, que se apresentou no Teatro Santa<br />

Isabel com 63 pessoas em seis representações “com as mais modernas e melhores<br />

operetas de seu repertório”, e o maestro Cardim como ensaiador (O<br />

DESPERTADOR, 27/12/1884, p.1, col.2). Antes mesmo da estréia a companhia<br />

gerava expectativas na imprensa que divulgava sua futura apresentação da cena da<br />

“excelente ópera do maestro Alvarenga, O Sino do Eremitério” (O CONSERVADOR,<br />

30/12/1884, p.2, col.1). O Sino do Eremitério, segundo O Despertador (03/01/1885,<br />

p.1, col. 3 e 4) possuía “uma bonita e entusiástica música”. Para o comentarista, o<br />

maestro havia tirado partido de toda instrumentação, com destaque às belas vozes<br />

da Sra. Maria Oliverti e do Sr. Eugênio Olyanguren, e “os coros, se bem que a duas<br />

vozes, andaram bem e com admirável certeza, quer os homens, quer as mulheres”.<br />

Os comentários davam conta da mudança cultural ocorrida na cidade com a vinda<br />

desse grupo, música e espetáculos de qualidade em uma freqüência (espetáculos<br />

diários) ainda não vista na cidade, movimentando numerosas plateias (O<br />

DESPERTADOR, 07/01/1885, p.1, col. 2 a 4). Nos jornais também foram<br />

apresentadas outras peças, a opereta cômica Baronesa de Cayapó, com música de<br />

Offenbach, A Perichole, também com música de Offenbach, O Mandariam, com<br />

música de diversos compositores e D. Juanita (O CONSERVADOR, 08/01/1885, p.2,<br />

col. 2 e 3; 09/01/1885, p.3, col.3 e 4; 10/01/1885, p.3, col. 3 e 4). Para o jornal O<br />

Despertador (10/01/1885, p.1 col. 1 a 4) a peça D. Juanita “é uma verdadeira ópera<br />

já que é insignificante a parte declamada”, A Criada Grave e a opereta O Jovem


88<br />

Telêmaco por sua vez não primariam pela composição musical, mas possuíam<br />

mérito literário. A Baronesa de Caiapó possuía a música do “pranteado” maestro<br />

Offenbach. Segundo os jornais, essa companhia teria movimentado a vida cultural<br />

de Desterro, popularizando ainda mais o teatro, as óperas e a música. Houve,<br />

inclusive, um pedido publicado no jornal para que fossem apresentadas as óperas<br />

cômicas Mosquiteiros no Convento, Sinos de Corneville e Boccacio (O<br />

CONSERVADOR, 10/01/1885, p.3, col.1). A despedida da companhia foi sentida<br />

tanto pela população quanto pelo diretor, que foi pessoalmente à redação do jornal<br />

O Conservador se despedir e publicou um agradecimento à população (O<br />

CONSERVADOR, 16/01/1885, p.3, col.3 a 4).<br />

O jornal Matraca em outubro de 1885 (03/10/1885, p.3, col.1) publicou uma<br />

nota sobre o espetáculo da Sociedade Dramática Particular Álvaro de Carvalho<br />

(anexo S). Segundo a nota, a orquestra dirigida pelo maestro Augusto Penedo<br />

tocou como ouverture um hino composto pelo maestro Barbosa para o dia 28 de<br />

setembro (lei dos nascituros), e no intervalo a Polca Matraca (anexo T), composição<br />

do Sr. Penedo, peças coroadas de aplausos. Essas críticas mostram a ênfase em<br />

compositores nativos e a preferência do público por operetas e sátiras.<br />

O recebimento de aplausos era utilizado com sinal de aprovação e qualidade<br />

pelas críticas e comentários impressos. Em 1886 (MATRACA, 10/01/1886, p.3, col.2)<br />

a companhia dramática do Sr. Simões esteve em Desterro e apresentou uma série<br />

de espetáculos. Em crítica publicada (anexo U) há uma referência aos desempenhos<br />

das atrizes, à quantidade de aplausos e choros e a única menção à música aparece<br />

no trecho sobre a atriz D. Adelaide Ferreira que “deu-nos um marinheiro chic;<br />

agradou-nos o Pintassilgo, e, tanto que, se pudéssemos metiamo-nos n’uma gaiola,<br />

para vê-lo sempre a cantar”.<br />

No espetáculo da companhia da atriz Pepa (JORNAL DO COMÉRCIO,<br />

29/10/1886, p.4, col. 3 e 4) foram apresenadas peças “ornadas de músicas<br />

populares” e números musicais como Couplets do Tra La La (de Boccacio), Caninha<br />

Verde, Pirulito, Chifarote Inglês, Cancan Francês, Sequidilha Espanhola, Gallegada,<br />

Fadinho Português e Lundu dos Pretos. Esta apresentação destaca-se de outras<br />

pela descriminação de repertório e pelo teor do mesmo. Músicas populares, em sua<br />

maioria ibéricas, em uma época em que a música popular não rendia nenhum<br />

prestígio. Cabe ressaltar que as críticas destacam a falta de público nos<br />

espetáculos, considerados de qualidade, além de referirem-se a música da opereta


89<br />

Mascote como sendo “fácil e saltitante que o ouvido aprende com uma só audição”<br />

(IBID, 11/11/1886, p.2 e 3, col. 4 e 1). Os textos publicados não esclarecem o motivo<br />

da falta de público, resta a dúvida se o repertório popular esteve relacionado com a<br />

questão.<br />

Como pode ser visto, a música era descrita de forma superficial com ênfase<br />

na recepção do grupo pelo público e, principalmente, a exaltação pelo elemento<br />

estrangeiro. Freccia (2008, p. 44) afirma que a valorização do estrangeiro estava<br />

ligada à sua representação social, e frequentar o teatro “estava relacionado à<br />

identidade de uma elite burguesa e aristocrática recém-formada, especialmente<br />

aliada aos gostos europeus”. A crítica em Desterro no séc. XIX era marcada pelo<br />

diletantismo, assim como ocorria nos jornais da Corte. Giron (2005, p.123) afirma<br />

que o diletantismo promove a ideia “de prolongar a conversa dos corredores durante<br />

os intervalos e de trocar os camarotes durante as récitas. [...] Cultua o virtuosismo<br />

vocal e instrumental; pratica a reverência aos sujeitos e aos mitos originários”.<br />

3.3 ANÚNCI<strong>OS</strong><br />

A partir da segunda década do século XIX, no Rio de Janeiro, começaram a<br />

aparecer indícios de publicações musicais: métodos de ensino e partituras,<br />

principalmente para piano e voz (LEME, 2004). Conforme esta autora, o repertório<br />

englobava modinhas, lundus e duetos, relativamente simples que facilitavam a<br />

impressão e de grande interesse das camadas médias da população.<br />

Muitos profissionais da música passaram a investir no setor da imprensa,<br />

anunciando-se como impressores também, ás vezes dominando as técnicas<br />

de impressão, mas na maioria das vezes, associando-se ou contratando<br />

profissionais capazes de executar tais serviços (LEME, 2004, p.3).<br />

Os anúncios de venda de instrumentos musicais, de partituras, gravuras<br />

ilustram a busca por identidade, civilidade, em uma esfera marcadamente<br />

influenciada pela atmosfera romântica. Silva (2010, p. 154) referindo-se aos<br />

anúncios presentes nos jornais da Corte afirma que os objetos anunciados “valiam<br />

não apenas pela sua função prática, mas como símbolos na representação de<br />

“civilização” da burguesia carioca do século XIX – eram parte daquilo que incluía o


90<br />

Brasil no mundo civilizado”. Para Monteiro (2010) fontes textuais e iconográficas são<br />

imprescindíveis para identificar os entrecruzamentos entre história e música. Para<br />

ele:<br />

É preciso considerar todos os aspectos que podem influenciar as práticas<br />

musicais e dar a elas características próprias. É nesse sentido que tanto a<br />

música em si, como um sistema de símbolos que, ao serem decodificados,<br />

podem agir sobre as mentalidades e os comportamentos; quanto a música<br />

como prática social, devem ser observadas em seu universo mais<br />

abrangente. A sociedade que cria o signo musical é a mesma que o<br />

decodifica. Cria-o a partir do que ela pode compreender de si mesma e das<br />

disponibilidades – culturais, materiais e humanas – que tem (MONTEIRO,<br />

2010, p.880).<br />

Leme, em sua tese intitulada E saíram à luz as novas coleções de polcas,<br />

modinhas, lundus, etc. – música popular e impressão musical no Rio de Janeiro<br />

(1820-1920), de 2006, afirma que a construção do campo editorial musical permitiu a<br />

oferta de “serviços especializados para proporcionar aos amantes da música de<br />

salão e da música operística os meios para estarem sempre na moda” (p.6). Para a<br />

autora este crescimento do mercado reflete:<br />

sociedade complexa, heterogênea e estratificada, ávida de uma vida cultural<br />

dinâmica, capaz de criar meios de satisfazer sua necessidade pela música e<br />

pelas festas em geral. Numa época de escrita e leitura limitada, ou seja, de<br />

alfabetização restrita, onde somente os “musicalizados” podiam usufruir pela<br />

via impressa as modinhas, polcas, lundus, romances e árias de óperas da<br />

moda, os costumes musicais das camadas populares passaram a se tornar<br />

tradição pelas “mãos” dos proprietários das casas editoras, auxiliados pela<br />

mediação de compiladores de repertório e músicos profissionais. Eram eles<br />

os mediadores da diversidade de sons e gostos existente na complexa<br />

sociedade de então. Em contrapartida, a absorção por parte dos iletrados<br />

da música consumida pelos letrados era realizada através da “leitura<br />

indireta”, que reforçava a hibridização de gêneros, estilos, acabando por<br />

forjar novas tradições musicais que mais tarde serão inclusive utilizadas<br />

para reforçar a idéia de nacionalidade musical tão buscada pelos<br />

intelectuais de então (LEME, 2006, p.7).<br />

Para a autora, essa nova maneira de tratar a música no século XIX propiciou<br />

o desenvolvimento de outros setores do mercado de música: comércio de<br />

instrumentos, músicos profissionais, compositores e professores de música,<br />

contribuindo, inclusive, para o surgimento do compositor de canções populares:<br />

polcas, modinhas, lundus, entre outros.<br />

Textos de entretenimento e informação publicados nos jornais de Desterro<br />

permitiram identificar artistas reconhecidos pela Corte e as referências culturais de


91<br />

qualidade como a publicação de um artigo fazendo referência a um professor de<br />

música, o padre José Maurício (O CRUZEIRO DO SUL, 07/10/1858, p.4, col. 1 e 2).<br />

José Maurício Nunes Garcia foi uma figura de destaque no período imperial<br />

brasileiro, atuou como mestre de música, compositor, regente, organista e educador<br />

musical, inclusive de D. Pedro I e Francisco Manuel da Silva (AMATO, 2006).<br />

Ainda sobre artistas, o jornal O Bota Fogo (21/11/1858, p.3, col.1) publicou<br />

uma nota sobre uma cantora catarinense que seguia carreira na Corte. Mais de vinte<br />

anos depois o jornal O Conservador (30/10/1885, p.1, col.4) noticiou o surgimento de<br />

um novo Mozart na Itália, Gaetanino Zinette. O mesmo jornal de 28 de junho de<br />

1887 publicou uma nota do maestro Rossini e sua Missa Solene. O Conservador de<br />

março de 1889 (30/03/1889, p.2, col.2) noticiou sobre o tenor Jules Perotti que<br />

estava se apresentando em Nova Iorque e numa próxima turnê viria ao Rio de<br />

Janeiro. O mesmo jornal de abril de 1889 também publicou uma nota sobre a estréia<br />

de uma celebre atriz cantora “Mm. Matema” em Paris. Segundo a nota, antes de<br />

virar celebridade, a cantora foi telegrafista e descoberta por acaso. É possível ver<br />

também nos textos gerais o apreço da elite pelo repertório italiano (Rossini), a<br />

importação e o reconhecimento de modelos europeus (um novo Mozart na Itália,<br />

celebre atriz cantora em Paris) que iriam permear desde anúncio de venda de<br />

instrumentos até folhetins. A elite burguesa do século XIX, como define Silva (2010),<br />

é caracterizada como classe através de comportamentos e etiqueta (considerados<br />

decentes e socialmente aceitáveis), do que por características econômicas. Como<br />

define a autora: “Esta burguesia, consumidora de roupas e artigos finos, de gêneros<br />

importados, de pianos e de partituras, é a causa do boom musical no Brasil do<br />

segundo império” (SILVA, 2010, p.155).<br />

Os jornais de Desterro no século XIX documentaram a busca pela elite da<br />

europeização da vida. São inúmeras as notas sobre as novidades europeias e da<br />

Corte, novos produtos, invenções, modernidades e facilidades para o dia a dia,<br />

descritas com entusiasmo. Essa avidez pela novidade, pela modernidade, aparece<br />

nas descrições sobre os novos instrumentos musicais, como pode ser lido no texto<br />

publicado n’O Conservador de 01 de maio de 1875 (p.3, col.3 e 4), intitulado O<br />

Teclado Transpositor, sobre a criação de um teclado transpositor, que facilitaria a<br />

vida dos cantores e professores de música: “Acaba de ser inventado na casa de<br />

Pleyel um teclado transpositor e tão simples como a experiência do ovo de<br />

Colombo”. O mesmo jornal, 10 de outubro de 1878 (p.4, col.2), também publicou


92<br />

sobre “O melopiano de Hertz”, um instrumento de acompanhamento de música<br />

vocal, que “dá uma ideia muito aproximada dos efeitos da orquestra e dos sons<br />

sustentados pelos instrumentos de vento”. O jornal noticiou ainda em setembro de<br />

1888 (07/09/1888, p.3, col.3) noticiou a exposição na Corte de um instrumento<br />

denominado “Orchestrion” invenção e construção do Sr. Gustavo Engelk e destinado<br />

a substituir uma orquestra.<br />

3.3.1 O piano nos jornais<br />

O piano era elemento obrigatório na educação feminina no século XIX, além<br />

de fazer parte da vida social. No século XIX, como aponta Santolin (2009), era um<br />

símbolo de uma elite cultural e econômica. Conforme pesquisa desta autora, não é<br />

possível definir uma data exata para a chegada do piano, instrumento de origem<br />

europeia, ao Brasil, já que antes da vinda da Corte ao Brasil há documentos que<br />

atestam a existência deste instrumento. Porém, foi com a chegada da Corte que este<br />

instrumento proliferou no país e com isso profissionais habilitados para consertar,<br />

construir, reformar e encordoar, além de lojas de música e fábricas de piano<br />

(SANTOLIN, 2009). Conforme Amato (2007) o piano teve especial destaque no<br />

Brasil a partir do segundo Império, com a chegada ao país de dois fundadores do<br />

virtuosismo pianístico nacional: Artur Napoleão e Luigi Chiaffarelli. Dentro de uma<br />

realidade brasileira que começava a se consolidar, inclusive em sua população com<br />

a chegada de imigrantes europeus, o piano se inseriu na realidade burguesa, e sua<br />

prática era um atributo da jovem ideal, símbolo do êxito social (LENOIR apud<br />

AMATO, 2007, p. 2 e 3).<br />

Segundo Rabetti (2007), o acúmulo de recursos econômicos, principalmente<br />

após a extinção do tráfico de escravos, permitiu à elite e à Corte a importação de<br />

bens culturais. O piano tornou-se símbolo da modernidade no Brasil, ocupando as<br />

casas mais importantes da Corte e das cidades de província, onde preceitos e<br />

costumes eram proliferados pela figura do imperador D. Pedro II e de suas visitas<br />

políticas ou de negócios. Ainda segundo a autora,<br />

A entrada de pianos e de professores de música e de canto fez com que<br />

fossem rapidamente considerados presenças obrigatórias em palácios,


93<br />

palacetes, solares ou casas urbanas mais prósperas, nos saraus, nos<br />

bailes, como coloração da mais simples recepção. (RABETTI, 2007, p.68).<br />

A difusão da música para piano teve como importante fator a consolidação da<br />

impressão de música no Brasil durante o século XIX (SAMPAIO, 2010). Leme (2006,<br />

p.15 e 16) também concorda com esta ideia e amplia a discussão sobre o papel<br />

social do piano:<br />

Entre o repertório explorado pelos editores podemos encontrar uma série de<br />

canções acompanhadas, que geralmente eram impressas para canto e<br />

piano. Raras vezes imprimiu-se esse tipo de repertório com<br />

acompanhamento para violão, fato que revela um dado interessante em<br />

relação ao uso desse instrumento entre as camadas não alfabetizadas<br />

musicalmente. O piano, nesse sentido, era o instrumento significativo de um<br />

estrato social capaz de decodificar a escrita musical, já que fora instruído<br />

numa tradição musical ocidental, adquirindo assim um capital cultural<br />

restrito à sua origem social.<br />

O piano possuía um grande e eclético repertório que abrangia também, como<br />

aponta Sampaio (2010), obras de concerto, peças populares e de salão, para canto<br />

e dança, além de transcrições de ópera e obras orquestrais. Como também assinala<br />

Silva (2010), nos salões das famílias da Corte, além da música para piano solo,<br />

estavam presentes:<br />

árias de ópera italiana dos compositores mais queridos do Brasil – Rossini,<br />

Donizetti, o “divino” Bellini, e o “moderníssimo” Verdi – quanto de modinhas<br />

em língua nacional. A ópera italiana virara uma verdadeira febre entre os<br />

cariocas; o hábito burguês de frequentar o teatro de ópera, além do de tocar<br />

e cantar suas árias prediletas ao piano no ambiente doméstico exercia uma<br />

função de diferenciação social, um entretenimento acessível para poucos.<br />

As senhoras e senhoritas respeitáveis sempre cantavam suas árias e<br />

trechos prediletos ao piano (SILVA, 2010, p.157 e 158).<br />

Nas últimas três décadas do século XIX foram impressas um grande número<br />

de polcas, seguindo-se, entre outros, de modinhas, lundus, valsas, schottisches,<br />

maxixes, tangos, habaneras, e apesar deste repertório, a priori, provir das camadas<br />

médias e baixas e possuir acompanhamento de violão e viola, o piano tornou-se o<br />

mediador destes gêneros populares entre as camadas médias e altas da sociedade<br />

(LEME, 2006). Como aponta Castagna:<br />

O acompanhamento preferencial, nas primeiras décadas do séc. XIX eram o<br />

violão, a viola e a guitarra portuguesa, enquanto o piano ia se difundindo<br />

pelas classes superiores, até se tornar instrumento obrigatório nas boas<br />

famílias brasileiras a partir da década de 1850. (CASTAGNA, 2004b, p. 21)


94<br />

A ligação entre o repertório relatado e o piano aparece nos jornais de<br />

Desterro. Sob o título Músicas Novas, O Despertador de maio e junho de 1868<br />

publicou que estava à venda na tipografia um “ramalhete de valsas para piano”<br />

compostas pela Sra. D. Maria Cândida Everard da Silva. N’O Despertador de 14 de<br />

dezembro de 1877 anunciou-se a venda “da brilhante valsa Iris para piano,<br />

composição de uma catarinense residente na corte.” Em dezembro de 1878 o jornal<br />

O Conservador noticiou a composição de uma quadrilha intitulada Brasileira feita por<br />

um professor público, Benjamin Carvalho d’ Oliveira, baseada nos motivos do Hino<br />

Nacional, além da venda desta quadrilha em uma loja. Também as composições de<br />

João Adolpho Ferreira Melo foram anunciadas: a venda de sua peça As Moreninhas<br />

Desterrenses foi noticiada no Jornal do Comércio de janeiro de 1882 e o jornal<br />

Província de 1882 publicou diversas vezes a venda de Uma Flor no Baile, uma polca<br />

para piano.<br />

Em Desterro um exemplo da produção local de música está no jornal Matraca<br />

(28/09/1885) que publicou uma nota sobre o oferecimento do maestro João Augusto<br />

Penedo de uma polca intitulada Polca Matraca. Ela seria tocada no espetáculo da<br />

Sociedade Dramática Álvaro de Carvalho daquele dia. Alguns números depois, o<br />

mesmo jornal (17/10/1885), em um suplemento, publicou a partitura desta polca<br />

(anexo T). Também diletantes ofereciam suas composições, nos moldes europeus,<br />

nos jornais, como n’ O Despertador de 08 de novembro de 1882, que publicou<br />

composições do Sr. Guelfo Zanirati 15 , sendo uma valsa e uma polca para piano,<br />

chamadas A fuga do Gato e Cometa, respectivamente.<br />

Também eram frequentes nos jornais desterrenses do século XIX anúncios de<br />

venda de instrumentos, especialmente o piano. Alguns desses anúncios<br />

discriminavam o estado e/ou fabricantes. No anúncio Venda de Trastes, publicado<br />

n’O Conservador de 15 de junho de 1878 (p.4, col.1), havia a venda de um piano de<br />

meio armário. Também O Progressista de 15 de novembro de 1860 (p.4, col.2)<br />

anunciou a venda de um piano inglês Collard e Collard, além de uma rabeca<br />

superior e uma coleção de músicas. Segundo estatísticas inglesas, a venda de<br />

instrumentos musicais para o Império atingiu na década de 1850 o auge<br />

(ALENCASTRO, 1997). Exemplo está no jornal O Cruzeiro de setembro de 1860<br />

(06/09/1860, p.4, col. 1 e 2) que publicou a venda de vários objetos, entre eles um<br />

15 Foi dono da alfaiataria Bom Gosto em Desterro e eleito diretor as sociedade carnavalesca Diabo a<br />

Quatro, como relata o Jornal do Comércio no dia 8 de março de 1881.


95<br />

piano inglês, uma flauta de ébano e uma rabeca nova. Em 19 de maio de 1889<br />

também o Jornal do Comércio (19/05/1889) publicou um anúncio sobre a venda de<br />

“um excelente piano de nogueira” do autor John Brinsmead, próprio para concertos,<br />

segundo o anúncio.<br />

A inserção social do piano na sociedade desterrense fez surgir a oferta de<br />

serviços relacionados. Exemplo disso está nas publicações feitas em diversos<br />

números do jornal O Despertador por August Kratke no início de 1867, oferecendo<br />

seus serviços de afinador de pianos. G. F. Hosmann também publicou seus serviços,<br />

no mesmo jornal, em 1868. Hosmann era um “Fabricante, consertador e afinador de<br />

pianos”, e também consertava realejos e rabecas (O DESPERTADOR, 14/07/1868,<br />

p.4, col.2). Mesmo no final do século XIX permaneciam os anúncios. O Jornal do<br />

Comércio de 17 de fevereiro de 1889 anunciou o serviço de conserto e afinação de<br />

pianos, mas sem o nome do profissional, como ocorria em anos anteriores.<br />

O piano também era protagonista de apresentações dentro e fora de<br />

Desterro. O Despertador de fevereiro de 1870 anunciou o concerto em Desterro do<br />

pianista Juvenal de Sampaio na residência do Sr. Guilherme Hautz, no dia 12. Já O<br />

Conservador de 24 de outubro de 1878 publicou um texto intitulado Amador de<br />

Música, o artigo comenta sobre o filho de H. L. Lery, um grande amador de música<br />

que morava havia 20 anos em São Paulo e havia se apresentado em Paris para uma<br />

plateia de 3000 a 4000 pessoas, tendo tocado em uma exposição “várias peças<br />

difíceis e clássicas n’um dos mais belos pianos”.<br />

Os folhetins publicados nos jornais também são uma fonte de informações<br />

sobre a prática e o papel do piano na sociedade brasileira durante o século XIX.<br />

Durante o Segundo Império, a cidade do Rio de Janeiro tinha como atrações o<br />

teatro, a Ópera Nacional e os saraus literários. Ao mesmo tempo, no ambiente<br />

privado, os folhetins de romances e poesias “dominavam o público feminino”<br />

(FERREIRA, E., 2004, p.43). Os folhetins eram frequentes e, além de divulgar ideias<br />

de civilidade moral, incluíam em seus enredos a prática pianística. Através destes<br />

folhetins é possível identificar o ambiente cultural e ideológico do século XIX no<br />

Brasil e, portanto, em Santa Catarina. O folhetim, como defende Giron (2004, p.17),<br />

teve influência do “pensamento romântico e da crítica portuguesa, alemã e francesa<br />

praticadas na mesma época.” Nesta questão, além dos costumes e do papel<br />

feminino na sociedade, aparece a prática pianística, ligada à civilidade e dentro das<br />

habilidades desejáveis a uma moça.


96<br />

Os jornais de Desterro, além de anúncios, notas, críticas e comentários<br />

publicavam também folhetins, e também neles o piano aparecia acompanhando as<br />

personagens, geralmente femininas. O folhetim Cecília exemplifica esta questão:<br />

publicado durante um mês, nele a personagem principal tocava piano em diversos<br />

momentos da narrativa (O CRUZEIRO DO SUL, 08/1858). Já o folhetim A Alma do<br />

Piano é a história de um pianista que vivia de dar aula de piano e era apaixonado<br />

por uma aluna, também publicado no jornal O Cruzeiro do Sul durante novembro e<br />

dezembro de 1859. Os folhetins não eram de autoria de escritores desterrenses, e<br />

como aponta Vicenzi e Holler (2008), eram editados na forma de rodapé, nas duas<br />

primeiras páginas do jornal. A publicação de folhetins era uma prática importada da<br />

França, e usual também em outras cidades brasileiras. Para Reis (2006, p.2):<br />

A leitura das publicações de romances de folhetim e muitos outros costumes<br />

influenciaram de uma maneira marcante a formação da identidade nacional<br />

brasileira, que assimilava os modelos europeus e os adaptava ao nosso<br />

cotidiano, em um momento de construção do estilo de vida que estava<br />

sendo adotado pelo povo brasileiro.<br />

As notas informativas sobre as novidades da Europa e da Corte também<br />

envolviam os pianos. Em O Conservador de novembro de 1885 (26/11/1885, p.3,<br />

col.1) há uma nota sobre a fabricação de um piano de papel em Paris, e em março<br />

de 1889 o jornal publicou uma história entre Gounod e a diva Patti, a qual<br />

presenteou o compositor com um piano (O CONSERVADOR, 13/03/1889, p.2,<br />

col.1). A relação entre o piano e o papel feminino na sociedade também pode ser<br />

observada no mesmo ano, quando o jornal publicou um artigo comentando o fato<br />

que um professor alemão teria decretado o fim dos pianos. Para ele o nervosismo<br />

das moças se devia ao fato de estas serem submetidas desde cedo ao estudo<br />

obrigatório do instrumento, reforçando a importância deste instrumento na formação<br />

das moças.<br />

Os jornais desterrenses contemplam o piano das mais variadas formas e em<br />

diferentes aspectos da sociedade local durante o Império. O piano neste período<br />

esteve atrelado aos ideais burgueses, como afirma Silva (2010, p.155):<br />

Uma parte importante da convivência burguesa com a música eram as<br />

reuniões nos saraus ou em salões privados, animadas pela música tocada<br />

ao piano e cantada pelos próprios participantes.


97<br />

Na Europa, os conhecimentos musicais e as atividades artísticas em geral<br />

eram uma característica mais que desejável para que um homem ou uma<br />

mulher fosse considerado “culto” ou “civilizado”.<br />

Assim como ocorria na Europa e na Corte brasileira, os jornais desterrenses<br />

relacionavam diretamente o papel do piano com os ideais de civilidade, de<br />

modernidade. O piano também era relatado com um elemento obrigatório da<br />

educação e prática musical feminina doméstica, principalmente através dos folhetins<br />

publicados. O repertório executado e composto em Desterro envolvia maestros e<br />

diletantes em um repertório semelhante ao executado no Rio de Janeiro. Além disso,<br />

a prática pianística relatada nos jornais parece envolver diversos segmentos da<br />

sociedade, como a venda de instrumentos e partituras, serviços de conserto e<br />

afinação, e no entretenimento representado pelos folhetins, demonstrando o anseio<br />

pela assimilação do aspecto cultural representado pelo piano.<br />

3.3.2 Outros instrumentos nos jornais<br />

Enquanto o piano destaca-se nas referências dos jornais como símbolo de<br />

civilização, aparecem concomitantemente referências, em menor número, a outros<br />

instrumentos, como o violão, a rabeca, flauta e a harpa. Enquanto o piano<br />

representa o novo e civilizado, os outros instrumentos estão ligados ao passado.<br />

Como aponta Alencastro (1997):<br />

Flauta, rabeca e violão apareciam como os instrumentos europeus mais<br />

comuns no país até meados do século XIX. Harpa, cítara e cravo circulavam<br />

menos, e o piano só entrara em poucos sobrados do Rio, Recife e Bahia,<br />

sendo praticamente desconhecidos em noutras partes (ALENCASTRO,<br />

1997, p.45).<br />

Por meio dos relatos, gravuras, folhetins, poesias e canções é possível<br />

identificar instrumentos e a esfera romântica da época, também em Desterro.<br />

Também em alguns jornais eram publicadas gravuras, especialmente litogravuras 16 ,<br />

nas quais é possível identificar os instrumentos ou vislumbrar fragmentos da prática<br />

16 Gravura que utiliza como matriz a pedra. Conforme Fonseca (2009), no século XIX era comum a<br />

utilização na imprensa brasileira da litogravura em revistas ilustradas, cujo desenho possibilitava<br />

desenhos detalhados.


98<br />

musical. O jornal Matraca destaca-se pelo uso de gravuras, inclusive com a<br />

publicação de uma partitura. As caricaturas impressas por meio de litogravuras<br />

estavam sob responsabilidade de Joaquim Margarida e o jornal Matraca era<br />

impresso na “Tipografia e Litografia de Alexandre Margarida, localizada na Rua do<br />

João Pinto n.32”. Na imagem publicada no jornal Matraca (25/04/1885, p.4) da<br />

Serenata dos Professores é possível identificar os violões (fig. 5) e, além disso, na<br />

legenda é possível ver a letra de uma música, transcrita a seguir:<br />

Serenata dos Professores (música de Boccacio) / Presidente / De patente /<br />

Tenha pena de tão boa gente / Venha ouro / Do tesouro / Dar alívio à tão<br />

triste choro / Tiroli, tiroli / Venha aqui / Tiroli, tirolá / Venha já / Bom senhor<br />

tiroli / Bom doutor tirolá / Um despacho assinado p’ra cá! (MATRACA,<br />

25/04/1885, p.4).<br />

Na figura 5 é possível visualizar os violões estilizados acompanhando a letra<br />

satírica, permitindo delinear a relação, em Desterro, entre a prática satírica, popular,<br />

e a utilização do violão com instrumento.


99<br />

Figura 5 - Serenata dos Professores.<br />

Fonte: MATRACA, 25/04/1885, p.4<br />

Quase um mês depois, o mesmo jornal publicou, com o título Serenata, a letra<br />

de uma canção cantada por duas mocinhas da “Rua da Cadeia”, com<br />

acompanhamento de piano. A publicação foi anônima e a letra, transcrita abaixo, é<br />

visivelmente semelhante à Serenata dos Professores, crível deduzir ser uma<br />

resposta à paródia anterior. Não foi possível identificar autores ou personagens<br />

citados nas paródias, como o “Presidente” ou o “Sr. Certamente”, além disso,<br />

destaca-se a diferenciação no uso dos instrumentos musicais. Em a Serenata dos


100<br />

Professores, são utilizados violões, enquanto na resposta Serenata, as mocinhas<br />

tocam piano, de acordo com as normas de civilização e educação vigentes.<br />

Chega gente<br />

Impertinente<br />

Venham ver o Sr. Certamente<br />

Bem depressa<br />

Em promessa<br />

Que as meninas não largam esta peça<br />

Venha já,<br />

Tiroli tiroli<br />

Venha cá,<br />

Tiroli, tirolá<br />

Do contrário nós três vamos lá.<br />

P... (MATRACA, 23/05/1885, p. 3, col.1.)<br />

O violão era o instrumento mais popular nas gravuras impressas nos jornais,<br />

especialmente no jornal Matraca, em caricaturas e charges políticas (fig. 6 e fig. 7).<br />

Diante disso, é possível aventar a hipótese de que seu uso em Desterro estivesse<br />

ligado à prática musical popular e à figura masculina, já que o violão sempre<br />

aparecia nessas gravuras sendo manejado por figuras masculinas, diferenciando-se,<br />

mais uma vez, do piano.


Figura 6 – Eleição Provincial.<br />

Fonte: MATRACA, 12/09/1885, p.4.<br />

101


102<br />

Figura 7 – Caricatura.<br />

Fonte: MATRACA, 24/04/1886, p.4.<br />

Além do violão, foram publicadas gravuras com outros instrumentos, também<br />

associadas à atividade política da cidade. Em outra gravura (fig. 8) publicada no<br />

jornal Matraca é possível ver um tambor sendo tocado e levando atrás de si um<br />

séquito real. Abaixo da imagem há a seguinte legenda:<br />

Rataplan, plan, plan, ratatamplan, plan, plan – surge assim a folia política,<br />

cá da terra a anunciar que breve farão também um barracão na praça, onde<br />

renderão homenagens a sua divina política. O Sr. Manoel Moreira quer dar<br />

à causa um timbre Quixotesco jazendo a perna torta. Com tudo aceitamos<br />

graça n’esta paluscada (MATRACA, 23/05/1885, p.4).


103<br />

Figura 8 – Séquito.<br />

Fonte: MATRACA (23/05/1885, p.4)<br />

As referências mesclam instrumentos de origem europeia como a flauta e<br />

violino, com instrumentos não padronizados como a rabeca, o pífano. Através da<br />

existência de mundos diferentes, instrumentos de origem europeia e não<br />

padronizados, é possível perceber que, apesar das ideias de civilização e de<br />

progresso divulgadas pela imprensa, esta mantinha seu papel de retratar a<br />

sociedade da época em busca de sua identidade. Não só foram anunciados nesta<br />

época diferentes instrumentos como realizavam-se comparações de instrumentos<br />

com objetos ou sonoridades, como em O Cruzeiro do Sul de outubro de 1858 que<br />

relatou a história de amigos de um poeta que entraram em sua casa tocando<br />

instrumentos “desafinadamente” e que ao pedirem para o poeta retribuir-lhes a<br />

música, acabaram por ouvir “umas brilhantes variações” executadas pelo poeta em<br />

sua rabeca. A rabeca é frequentemente descrita nos jornais. O Despertador em 20<br />

de fevereiro de 1863 publicou dois textos falando sobre o artista Paulo Julien, recém<br />

chegado em Desterro, rabequista considerado como o “novo Mozart nascido em<br />

Marselha”. Também O Mosquito de julho e agosto de 1888 escreveu sobre Roberto


104<br />

Tromposk, sua relação de alegria com a rabeca e sobre o fato de este estar<br />

compondo na época uma valsa para flauta e rabeca.<br />

O Chaveco de dezembro de 1860 noticiou a chegada de um realejo à cidade<br />

de Desterro. Anúncios de venda dos mais diversos tipos de instrumentos eram<br />

publicados, especialmente no jornal O Conservador. Em 14 de julho de 1877 este<br />

jornal anunciou a venda em bom estado e por um cômodo preço de um clarinete.<br />

Um mês depois ele publicou um anúncio de interesse de compra de um violão em<br />

perfeito estado, de um realejo com figura e com seis peças de música, janeiro de<br />

1878, um porta-música, abril de 1878, uma rabeca e dois métodos do instrumento, O<br />

Conservador de outubro de 1884, um piston com método, O Conservador de março<br />

de 1885, e uma flauta com treze chaves, “toda de prata, com a competente caixa<br />

feita de ébano e também guarnecida de prata”, O Conservador de março de 1888.<br />

Nesses anúncios percebe-se um predomínio dos instrumentos padronizados como a<br />

flauta, clarinete, violão e que eles estavam inseridos em práticas cotidianas: na<br />

venda de objetos ou na escrita de um poema, o que mostra a rápida assimilação de<br />

práticas europeias. Alguns deles são vendidos com um “método”, há, portanto,<br />

indícios de um ensino de música padronizado, formal.<br />

O aprendizado de algum instrumento era uma forma de agregar valor, não<br />

para as moças, mas para escravos também. Como aponta Tinhorão (1997), ao<br />

aprender tocar um instrumento, o escravo tinha seu valor comercial aumentado. Nos<br />

anúncios de venda ou de fuga de escravos esta característica era algo ressaltado,<br />

como pode ser visto no anúncio publicado no jornal O Correio Catharinense (O<br />

CATHARINENSE, 09/03/1853, p. 4, col.3) sobre a fuga de um escravo na cidade de<br />

Porto Alegre, que tocava flauta, clarineta, rabeca e era muito apaixonado pela<br />

música:<br />

Anúncios.<br />

FUGIU da Cidade de Porto Alegre, um escravo pardo, mestre de oficio de<br />

barbeiro, de idade de 18 para 19 anos, cujos sinais são os seguintes –<br />

estatura baixa, corpo delgado, sem barba, dentes da frente limados, boca<br />

um pouco grande, sabe ler, escrever, toca flauta, clarineta, rabeca, e é<br />

muito apaixonado pela musica. Gratifica-se com generosidade a quem o<br />

apanhar e entregar nesta Cidade a polidoro do Amaral e Silva<br />

O escravo que tocava flauta e clarinete é símbolo do século XIX. Época em<br />

que gêneros musicais como a polca e a valsa estavam sendo introduzidas,<br />

adaptadas e reinterpretadas sob influências como o lundu ou pelos grupos


105<br />

instrumentais ligados à música de barbeiros. Havia neste momento a assimilação de<br />

práticas, instrumentos e ideias europeias, o contato com práticas e vivências<br />

musicais existentes ou provenientes de outras culturas. O que a priori pertencia a<br />

uma elite, como a flauta e o clarinete, por contato, por assimilação passou a ser<br />

utilizado por novas classes, e muito possivelmente, de novas formas, o que<br />

funcionava como uma forma de ascensão social, inclusive pelos escravos.<br />

3.3.3 Repertório doméstico<br />

Como aponta Castagna (2004e), a música doméstica no século XIX no Brasil<br />

teve um grande desenvolvimento:<br />

O período das regências (1831-1840), intermediário entre a abdicação de<br />

Pedro I e o início do governo de Pedro II, marcou, no Brasil, uma fase de<br />

instabilidade política e econômica e, portanto, de grandes dificuldades para<br />

a execução e composição de música orquestral, no teatro e na igreja. Como<br />

conseqüência, a música doméstica – basicamente constituída de canções<br />

acompanhadas ao piano ou ao violão - recebeu considerável incremento<br />

(CASTAGNA, 2004e, p.3).<br />

Conforme Alencar (2001), até o final do século XIX a música brasileira editada<br />

era profundamente influenciada pelos modelos europeus. Segundo esta autora, no<br />

século XIX houve um aumento da imitação do estrangeiro e um desdém por motivos<br />

nacionais, inclusive com nomes das composições em língua estrangeira, pelas<br />

“camadas altas” (ALENCAR, 2001, p.67). Nos jornais em Desterro surgem alguns<br />

anúncios de venda de partituras e novas composições, que pelo título ou gênero<br />

mostram uma influência europeia.<br />

N’O Conservador de 06 de fevereiro de 1875 (p.4, col.1) foi anunciado que o<br />

professor B. Carvalho de Oliveira tinha seu pequeno repertório musical à disposição<br />

dos amadores da arte, “escrevendo ou prontificando qualquer encomenda que deste<br />

gênero se lhe faça”, e logo abaixo foi listado o repertório, com lundus, quadrilhas,<br />

marchas, marchas fúnebres, hinos, entre outros. Ulhôa (2007) concluiu que o lundu,<br />

assim como a modinha, foram raramente mencionados nas fontes ligadas ao<br />

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e em periódicos do século XIX pesquisados<br />

pela autora. Nos jornais desterrenses esses dois gêneros não são tão raros, porém


106<br />

aparecem, em relação aos outros gêneros, com menor freqüência. Como aponta<br />

Ulhôa (2007), o lundu e a modinha são considerados precursores da música popular<br />

contemporânea para musicólogos como Mozart de Araújo (1904-1988). Castagna<br />

(2004b, p.20) aponta que a modinha e o lundu começaram a proliferar a partir das<br />

décadas de 1810 e 1820, “em um estilo derivado da ária operística, com uma<br />

melodia ágil e exuberante”. Conforme o autor, as modinhas abordavam saudades ou<br />

amores perdidos, enquanto o lundu enfatizava textos humorísticos ou satíricos,<br />

substituindo a canção executada “por dois cantores com acompanhamento de cravo<br />

ou viola e com melodias muito simples, de estética pré-clássica” (CASTAGNA,<br />

2004b, p.20). Para Leme (2006), as modinhas, lundus, polcas, maxixes, bem como<br />

outros gêneros, eram consumidos e apropriados pelas camadas médias e pobres.<br />

Como esclarece a autora, esse repertório não era nomeado como “música popular”,<br />

era um conjunto de produtos facilmente consumíveis com preços acessíveis, “eram<br />

frutos do diálogo entre diversas identidades culturais, e que foram produzidas para o<br />

entretenimento das camadas médias e pobres, em rápida expansão, do Rio de<br />

Janeiro daquele tempo” (LEME, 2006, p.15).<br />

Para ilustrar a dinâmica de produção e consumo musical praticada em<br />

Desterro, O Conservador (29/09/1875, p.3, col.2) publicou o relato dos compositores<br />

que ofereceram peças à sociedade Trajano. Um dos compositores é nomeado<br />

apenas pelas iniciais “H. L.”, impedindo a identificação. Ele teria composto uma<br />

sinfonia (Desterrense) e uma havaneira (Impossível); o professor Benjamin Carvalho<br />

uma marcha e hino (Trajano); e professor Francisco Amazonas de Montevideo dois<br />

dobrados (Carvalho e Amazonas), mostra do repertório consumido e apropriado<br />

pelas camadas médias na cidade de Desterro. Em 12 de novembro de 1882 O<br />

Caixeiro noticiou que o Sr. Zanirati, proprietário da Alfaiataria Bom Gosto, teria<br />

composto “duas mimosas canções, editadas na casa dos Srs. Henri Prealli na<br />

Corte.” O jornal o incentivava a se inspirar nas imortais obras de Donizetti e Rossini,<br />

“nascidos sob o céu europeu, lugar dos que cultuam a sublime arte: Auber na<br />

França, Beethoven na Alemanha, Carlos Gomes no Brasil.” Como aponta Silva<br />

(2010) a aceitação de Verdi, Rossini e Bellini chegam ao Brasil já aclamados pelo<br />

público europeu na década de 1850 junto com a moda parisiense. A influência do<br />

romantismo musical europeu e das danças importadas iniciou um processo de<br />

mistura dessas músicas com gêneros consolidados no Brasil. As características<br />

rítmicas e de andamento da polca e da habanera com aquelas do lundu e da


107<br />

modinha, propiciaram novos tipos como o maxixe, considerado como a primeira<br />

dança genuinamente brasileira (SAMPAIO, 2010).<br />

O processo de separação das culturas do povo e da elite é visível no<br />

repertório executado em Desterro durante o Império. O consumo e a criação de<br />

repertório, no século XIX, são profundamente influenciados pelos modelos europeus,<br />

como as quadrilhas, marchas, canções ao piano, entre outros. Aliando-se a esse<br />

movimento, tanto na Corte como em Desterro, a cultura popular passou a simbolizar<br />

atraso em um cenário de busca pelo progresso e pela civilização.<br />

Concomitantemente, produtos como as modinhas, polcas e lundus foram<br />

apropriados pelas camadas médias e pobres da cidade, por serem facilmente<br />

consumíveis, e surgem nos jornais desterrenses movimentando o mercado editorial<br />

e a prática musical.<br />

3.4 BAN<strong>DA</strong>S E SOCIE<strong>DA</strong>DES MUSICAIS<br />

Na cidade de Desterro do século XIX diversas atividades eram realizadas com<br />

o intuito de promover a difusão da música, destacando-se os grupos criados<br />

especialmente para este fim, como as sociedades e clubes musicais. As bandas,<br />

militares e civis, bem como as sociedades musicais e professores de música<br />

participavam ativamente dos mais diversos eventos da província. Os termos<br />

sociedade musical e banda aparecem nos jornais sem distinção de instrumentação.<br />

Um mesmo grupo era nomeado pelos periódicos tanto como sociedade musical<br />

quanto banda, especificando, na verdade, um grupo instrumental organizado. As<br />

bandas no século XIX eram símbolos de status e poder, ligadas ao imaginário da<br />

realeza, e conforme Binder (2006), uma das mais antigas funções associados aos<br />

instrumentos de sopro é simbolizar status e poder.<br />

Cabral (1951) aponta a ligação entre música e política, referindo-se às bandas<br />

e a existência das bandas dos conservadores e das bandas dos liberais, rivais entre<br />

si. Além disso, o mesmo autor aponta o surgimento de bandas principalmente a<br />

partir da segunda metade do século XIX.


108<br />

3.4.1 A música militar<br />

Em Desterro é possível perceber através das referências que os grupos<br />

musicais mantinham a ligação com as elites e com o poder, através da participação<br />

em eventos cívicos e festas particulares. Um dos eventos de grande destaque, com<br />

uma programação extensa de itens e música, eram as comemorações do dia 7 de<br />

setembro. Uma das referências mais antigas é relatada no jornal O Cruzeiro do Sul<br />

de 12 de setembro de 1858 que descreve os festejos do dia e destaca a participação<br />

da banda marcial dirigida por Alberto Richter. A banda, como noticia o mesmo jornal<br />

em dezembro, percorreu as ruas da cidade. Este dia ainda contou com um Te Deum<br />

e uma festa também com a presença de música militar. Essa associação com o<br />

poder em Desterro pode ser vista na participação das bandas e grupos musicais em<br />

posses e eventos políticos, como a posse do Dr. Francisco Carlos de Araújo<br />

Brusque, presidente da província de Santa Catarina entre 1859 e 1861, que apesar<br />

de membro do Partido Liberal foi indicado para o cargo pelo Partido Conservador.<br />

Em sua posse, como noticiado pelo jornal O Cruzeiro do Sul de outubro de 1859<br />

(27/10/1859, p.4, col.2), houve um jantar e “a banda de música do batalhão do<br />

depósito tocou na porta do palácio da presidência e depois percorreu as casas de<br />

várias autoridades tocando música”.<br />

Segundo Camus (apud BINDER, 2006) a música dentro das forças armadas<br />

possui como funções desenvolver o espírito de corpo e o moral da tropa; auxiliar nas<br />

tarefas de campo; prover com música cerimônias militares e atividades sociais e<br />

recreativas. Este mesmo autor faz distinção entre a banda marcial, responsável por<br />

executar principalmente música funcional (cadência da marcha, movimentos da<br />

tropa, etc), e a banda de música que, além das cerimônias militares, participa das<br />

atividades sociais e recreativas (CAMUS apud BINDER, 2006).<br />

As primeiras referências a grupos musicais citam os grupos militares.<br />

Conforme meu trabalho anterior, (Atuação das sociedades musicais, bandas civis e<br />

Militares em Desterro durante o Império, de 2008), a primeira referência nos jornais<br />

de Desterro à música militar foi em junho de 1849, no jornal O Conciliador<br />

Catarinense. O jornal publicou a tabela de vencimentos da força policial, entre os<br />

quais se encontra especificado o soldo da corneta. No século XIX é possível<br />

encontrar referências as seguintes bandas militares: 1° Batalhão de Artilharia da<br />

Guarda Nacional, Batalhão do Depósito, Sociedade Harmonia Militar, Banda do


109<br />

Batalhão 12, Corpo de Voluntários da Pátria, Guarda de Honra do 18° Batalhão, 15°<br />

e 16° Batalhões de Infantaria, Sociedade Filarmônica Militar, 10° Batalhão de<br />

Infantaria, 17° Batalhão de Infantaria, Banda de Música da Companhia de<br />

Aprendizes Marinheiros (PIRES, 2008). Conforme essa pesquisa, as bandas<br />

estavam associadas a batalhões e muitas vezes por serem noticiadas como “a<br />

banda de música do Batalhão” não foi possível especificar a qual batalhão a banda<br />

de música pertencia.<br />

Em dois momentos foram publicados anúncios que permitem ter uma ideia da<br />

instrumentação das bandas militares na época. A primeira referência foi publicada no<br />

jornal O Cruzeiro do Sul de 23 de janeiro de 1859, nela a Guarda Nacional admitia<br />

“músicos, clarins, cornetas, tambores e pífaros sem alguma formalidade”. A<br />

segunda referência foi publicada em 13 de dezembro de 1889 no jornal A República<br />

com a tabela de aumento de soldo das praças do Exército:<br />

Cabos de esquadra, clarins, tambores, e cornetas $ 300 / Mestres de<br />

Musica – 1 $500 / Musica de 1* Classe $700 / Os artífices de fogo<br />

perceberão o saldo de 2* sargentos e os clarins, cornetas e tambores<br />

móres, quando forem mestres das respectivas bandas vencerão o saldo de<br />

2* sargento (A REPUBLICA, 13/12/1889, p.3, col.1).<br />

As bandas militares participavam das festas oficiais da monarquia lusobrasileira,<br />

ligadas à família real e imperial como aniversários, noivados, casamentos<br />

e, ligadas por razões de Estado, vitórias militares e celebrações cívico-políticas em<br />

geral (BINDER, 2006). Como aponta este autor, esta participação freqüente pode ter<br />

favorecido a divulgação deste tipo de conjunto instrumental e estimulado a criação<br />

de bandas civis sob seus moldes.<br />

3.4.2 Escravos e barbeiros<br />

A transição das bandas militares para a criação das bandas civis começou a<br />

aparecer nos jornais a partir de 1874. Há uma referência no jornal O Conservador de<br />

novembro de 1854, sobre uma banda do Sr. Félix Noronha, formada por escravos.<br />

Segundo esse artigo, a Sociedade Filarmônica, fundada pelo Sr. J. F. de Souza<br />

Coutinho, estava há quatros anos em quase total abandono e que o Sr. Félix


110<br />

Noronha propôs-se a ensinar os rudimentos da música a um pequeno grupo de<br />

jovens da elite que se apresentavam em bailes, merecendo elogios. Segundo este<br />

jornal, o Sr. Félix resolveu ter sua própria banda, formada por escravos e que,<br />

apesar de serem “homens rudes e analfabetos”, através de um método de ensino do<br />

próprio Sr. Félix era possível ensiná-los. Esta banda participava das solenidades<br />

religiosas e profanas, tornando-as mais pomposas e concorridas.<br />

Vinte anos depois, houve uma menção à música de barbeiros. O jornal O<br />

Conservador de fevereiro de 1874 publicou a transcrição de como o jornal A<br />

Regeneração se pronunciou em relação à vinda do Senador Barão de Laguna a<br />

Desterro. Segundo O Conciliador, foi publicado em A Regeneração que haveria<br />

fogueteria, música de barbeiros e até um bumba meu boi. O Conservador defendeu<br />

a importância dos barbeiros e de sua capacidade para constituir uma banda de<br />

música, criticou o redator do jornal A Regeneração, que teria ofendido alguns artistas<br />

e as duas bandas de música da província, denominando-as de “músicas de<br />

barbeiros”. No mês seguinte, o mesmo jornal publicou outro texto criticando o<br />

cronista d’A Regeneração, com o título Baixeza sem Igual, e alguns dias depois o<br />

jornal publicou outro texto intitulado Desculpa Esfarrapada, em que os redatores d’O<br />

Conservador criticaram o cronista que havia difamado as bandas de música de<br />

Desterro e que agora elogiava um dos membros dessas bandas por querer, segundo<br />

o jornal, “angariar votos”. É possível perceber um tom de menosprezo, se não de<br />

preconceito, na utilização do termo.<br />

Diniz (2007) coloca que no século XVIII surgiu no Brasil um grupo musical que<br />

aproximava de uma banda, formada por escravos obrigados por seus senhores a<br />

aprenderem novos ofícios, denominada de “banda de barbeiros”. Essa denominação<br />

foi utilizada porque a profissão de barbeiro era a única a permitir tempo vago para<br />

aprendizagem de outros trabalhos (DINIZ, 2007 e TINHORÃO, 2002). Essas bandas<br />

tocavam fandangos, dobrados e quadrilhas em festas religiosas e profanas (DINIZ,<br />

2007).<br />

Tinhorão (1997) comenta a referência à banda de barbeiros feita pelo<br />

romancista Manuel Antônio Almeida no folhetim Memórias de um sargento de<br />

milícias publicado no jornal Diário Mercantil entre 27 de junho de 1852 a 31 de julho<br />

de 1853, ambientado na cidade do Rio de Janeiro do início do século XIX e com<br />

enfoque na sociedade fluminense. Neste folhetim durante uma festa de igreja,<br />

Manuel Antônio escreve:


111<br />

Dispuseram-se as coisas; postou-se a música de barbeiros na porta da<br />

igreja; andou tudo em rebuliço: às 9 horas começou a festa.<br />

As festas daquele tempo eram feitas com tanta riqueza e com muito mais<br />

propriedade, a certos respeitos, do que as de hoje: tinham entretanto alguns<br />

lados cômicos; um deles era a música de barbeiros à porta. Não havia<br />

festa em que se passasse sem isso; era coisa reputada quase tão essencial<br />

como o sermão; o que valia porém é que nada havia mais fácil de arranjarse;<br />

meia dúzia de aprendizes ou oficiais de barbeiro, ordinariamente negros,<br />

armados, este com um pistão desafinado, aquele com uma trompa<br />

diabolicamente rouca, formavam uma orquestra desconcertada, porém<br />

estrondosa, que fazia as delícias dos que não cabiam ou não queriam estar<br />

dentro da igreja (ALMEI<strong>DA</strong>, 1996, p. 31-32, grifo meu)<br />

Tinhorão (1997) discute o fato de as referências apontarem para a<br />

participação de negros nas bandas de barbeiros, refletindo, segundo o autor, a<br />

solução encontrada pelos senhores de engenho para manterem as despesas com<br />

os escravos nas cidades, obrigando o aprendizado de outro ofício, barbeiro e<br />

músico, possibilitando o sustento do escravo e a sua contribuição com a economia<br />

doméstica.<br />

O pintor Jean Baptiste Debret, que no século XIX, esteve com a Missão<br />

Artística Francesa viajando pelo Brasil, com o objetivo de criar aqui a Academia de<br />

Belas Artes (MAKOWIECKY, 2010), no capítulo Loja de Barbeiros de seu livro<br />

Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (fig. 4) escreve sobre a habilidade do barbeiro,<br />

capaz de consertar a malha de uma meia de seda e executar, no violino ou na<br />

clarineta, valsas ou contradanças francesas arranjadas em seu modo (DEBRET,<br />

1979, p. 152).


112<br />

Figura 9 - Barbeiros Ambulantes / Loja de Barbeiros, 1835, Jean Baptiste Debret, litografia sobre<br />

papel, 34,2 x 23,2 cm.<br />

Fonte: PINACOTECA DE SÂO PAULO, Disponível em: < http://www.pinacoteca.org.br/pinacoteca/<br />

default.aspx?mn=153&c=acervo&letra=J&cd=3571>. Acesso em: 15 set. 2011.<br />

Tinhorão (1997, p.137) afirma que apenas as cidades do Rio de Janeiro e<br />

Salvador poderiam ver surgir os grupos de barbeiros a partir do século XVIII já que<br />

só estas cidades possuíam um estágio de urbanização adiantado para “permitir o<br />

aparecimento de grupos de artífices liberais [...] o suficientemente independentes<br />

para destinarem tempo do seu lazer para o aprendizado de instrumentos musicais”.<br />

Mas como pode se perceber nas notícias destacadas anteriormente dos jornais A<br />

Regeneração e O Conservador, Desterro, apesar de estar no início de seu processo<br />

de urbanização, já possuía a atuação de bandas de barbeiros, assim como os<br />

grandes centros da época. Desterro, em menor escala e mais tarde, passou pelo<br />

mesmo processo de urbanização ocorrido nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador,<br />

promovendo a demanda por diversão da nova camada urbana, como discute<br />

Tinhorão (1997) no trecho a seguir:<br />

Consequência do processo de urbanização dos dois principais centros do<br />

vice-reinado – Salvador, que passava de 21.601 habitantes em 1706 para<br />

37.543 em 1755, e Rio de Janeiro, que saltava de 30 mil em 1763 para<br />

43.376 em 1799 -, a formação de grupos ou bandas de barbeiros músicos


113<br />

vinha atender à inesperada necessidade de diversão para a gente das<br />

novas camadas citadinas que começavam a redesenhar a sociedade<br />

colonial (TINHORÃO, 1997, p. 140).<br />

Em Salvador também existiu uma fazendeira, Raimunda Porcina de Jesus,<br />

que entre 1865 e 1866, possuía uma banda de escravos e era a própria Raimunda<br />

que recebia pagamentos e assinava recibos pela participação de seus músicos nas<br />

festas do Bonfim (MOURA, 2004). Tinhorão (1997) coloca-a como uma empresária<br />

musical responsável por quase monopolizar os contratos para fornecimento de<br />

música em Salvador. Assim como Raimunda em Salvador na segunda metade do<br />

século XIX, o Sr. Félix Noronha em Desterro, 1854, como já relatado anteriormente,<br />

montou sua própria banda de escravos que se apresentavam em diversas<br />

solenidades, religiosas e profanas, destacando-se assim uma atuação semelhante<br />

em Santa Catarina e em um período anterior ao relatado na Bahia.<br />

Tinhorão (1997) defende que houve uma substituição das bandas de<br />

barbeiros, por causa da concorrência, pelas bandas militares e das liras e bandinhas<br />

locais. As bandas militares por sua vez instigaram a criação nos emergentes núcleos<br />

urbanos do interior das pequenas bandas de amadores locais.<br />

3.4.3 Grupos civis<br />

A leitura dos jornais permitiu identificar grupos musicais civis, são eles:<br />

Caprichosa Sociedade Filarmônica, Panteon Musical, Filarmônica Comercial, Santa<br />

Cecília, Estelita, Artistas Catarinenses, Sociedade Musical Trajano, Associação<br />

Musical Timbiras, Sociedade Musical Lira Artística Catharinense, Sociedade Musical<br />

Amor à Arte, Recreio Josefense, Sociedade Guarani, Sociedade Musical União<br />

Artística, Companhia Niteroiense e a Sociedade Igualdade e Fraternidade (PIRES,<br />

2008).<br />

Uma interessante informação sobre a origem social dos integrantes das<br />

bandas pode ser apreendida no texto publicado no O Despertador de julho de 1875<br />

(24/07/1875, p.2, col.1) sobre a Filarmônica Comercial, composta por jovens<br />

comerciantes, amantes da arte da música, que resolveram fazer uma banda de<br />

música como a Trajanos e a Santa Cecília. Em reunião, segundo este jornal,


114<br />

convencionaram o instrumento que cada um deveria tocar, sendo obrigados a<br />

mandá-los vir do Rio de Janeiro por sua conta. Com o instrumental completo,<br />

estreariam no dia seguinte. O texto termina com a seguinte frase: “Louvores a quem<br />

soube empregar as horas de descanso dos seus trabalhos comerciais”. A estréia foi<br />

confirmada pelo jornal O Conservador do dia 28. A informação sobre a ocupação<br />

dos integrantes da banda entra em acordo com o momento de desenvolvimento do<br />

comércio de abastecimento de Desterro e, portanto aumento da classe dos<br />

comerciantes. Outra nota que relata o envolvimento da classe de comerciantes está<br />

no jornal O Conservador do dia sete de agosto. Este jornal publicou uma<br />

demonstração de apreço e amizade, e o artigo relata como foi recebido em Desterro<br />

o médico José do Rego Raposo. A loja Lealdade organizou uma recepção que<br />

contou com a presença da sociedade musical Santa Cecília. Em agosto de 1875 (O<br />

CONSERVADOR, 11/08/1875, p.4, col.3) a diretoria da Sociedade Musical<br />

Filarmônica Comercial convidou a classe caixeral para uma reunião em<br />

comemoração ao 2º aniversário de fechamento das portas, com um “passeio<br />

musical” da sociedade. Na leitura dos jornais não foi possível determinar com<br />

exatidão o evento de fechamento das portas, porém a maioria dos textos e notícias<br />

relatados nos jornais estavam acompanhados pelo termo “classe caixeral”, portanto,<br />

era um evento ligado ao comércio da cidade. Segundo Fontes (1998, p.34), a classe<br />

caixeral correspondia aos comerciários, “refúgio dos rapazes pobres com<br />

propensões literárias”<br />

As bandas civis começaram a aparecer em maior número em Desterro a partir<br />

de 1870, participando de eventos antes freqüentados pelas bandas militares. Porém,<br />

as bandas militares continuaram a atuar sozinhas ou em associação com os grupos<br />

militares. Algumas vezes não foi possível identificar que tipo de banda participou do<br />

evento relatado, exemplo disso, em janeiro de 1875 o jornal O Conservador publicou<br />

uma pequena notícia comentando o ato de colocação da pedra fundamental do<br />

edifício da Alfândega, com a participação de uma banda de música. Neste mesmo<br />

jornal, na ocasião do aniversário do Sr. João Thomé da Silva, presidente da<br />

província, este foi acordado por uma banda de música.<br />

Em conformidade com o observado nos jornais desterrenses, Melo (1991)<br />

aponta o surgimento de diversas sociedades e bandas musicais no período de 1872<br />

a 1876, uma proliferação de grupos musicais que se destaca de períodos anteriores<br />

a esta data. Entre 1874 e 1889 existem referências à atuação de vinte e três grupos


115<br />

de música, militares e civis, em mais de trezentas notas e notícias em jornais,<br />

participando desde eventos religiosos integrando procissões até a inauguração de<br />

fábrica de sabão. Em contraste, de 1854 a 1869 foram encontradas referências a<br />

apenas sete grupos musicais em pouco mais de trinta notas e notícias.<br />

Essa transformação pode ser identificada, a partir da leitura dos jornais, com<br />

a substituição das bandas militares, que nas décadas de 1850 e 1860 estavam em<br />

maior número e participavam mais ativamente da vida social de Desterro, pelas<br />

bandas civis. O ano de 1875 foi marcado pela inauguração do Teatro Santa Isabel<br />

(hoje denominado Álvaro de Carvalho), em sete de setembro, contribuindo para a<br />

renovação da vida cultural da cidade, após um período em que Desterro ficou sem<br />

teatro devido à desativação do Teatro São Pedro de Alcântara em 1869 (FRECCIA;<br />

HOLLER, 2008).<br />

O crescimento comercial influenciou a atividade musical na cidade e<br />

intensificou a atuação das bandas na cidade. A partir da última década do império<br />

percebe-se a atuação da nova camada comercial, a caixeral, estabilizando-se e<br />

influenciando na vida cultural. Houve em 1881 um espetáculo no Teatro Santa Isabel<br />

em homenagem à classe caixeral com a execução do Hino Caixeral (composição<br />

dos músicos Penedo e Barbosa) e comédias “da época atual”: A Costureira, A<br />

Vizinha Anninha, Ah! Como eu sou Besta e Livrem-se Desta (JORNAL DO<br />

COMÉRCIO, 21/07/1881, p.4, col.2; 24/07/1881, p.4, col.2).<br />

No final do império, Desterro, assim como país com um todo, passou por<br />

mudanças significativas. Sendo o centro administrativo de Santa Catarina,<br />

mudanças políticas, culturais e econômicas eram sentidas mais rapidamente. Houve<br />

no século XIX, a partir de 1867, o projeto de uma estrada de ferro que ligasse os<br />

futuros portos carvoeiros de Santa Catarina, com início em Desterro, e a cidade de<br />

Porto Alegre. Esse projeto foi motivado também pela precária comunicação entre<br />

Desterro e Porto Alegre que acontecia unicamente por via marítima. Após mudanças<br />

e dificuldades econômicas, estudos para a construção da estrada foram iniciados em<br />

1883 (FILHO, 2009). Este foi considerado um feito notável pelo Governo de Santa<br />

Catarina e um evento foi muito comemorado na cidade de Desterro, com<br />

participação das bandas civis. Segundo Fontes (1998), a população foi convidada a<br />

participar dos festejos, pediu-se que todos conservassem iluminadas as frentes das<br />

casas e, apesar do mau tempo, bandas de músicas percorreram as ruas até tarde. O<br />

cortejo pela cidade foi chamado pelos jornais como Marche aux Flambeaux,


116<br />

realizado junto com as comemorações pelo aniversário Padre Joaquim Gomes de<br />

Oliveira e Paiva 17 , e foi acompanhado pelas bandas de música das sociedades<br />

particulares, com a realização de um concerto vocal e instrumental no Teatro Santa<br />

Isabel (O DESPERTADOR, 05/07/1882, p.1, col.2). O préstito saiu do Teatro Santa<br />

Isabel, em uma passeata e o concerto vocal e instrumental foi realizado por algumas<br />

distintas senhoras e senhores, também no Teatro Santa Isabel (PROVÍNCIA,<br />

06/07/1882, p.4, col. 1 e 2). Segundo comentários publicados nos jornais (O<br />

DESPERTADOR, 15/07/1882, p.2, col.4) as duas bandas que participaram,<br />

Sociedade Comercial e Guarani, executaram diversas marchas.<br />

No decorrer do século XIX Desterro passou por profundas mudanças,<br />

acompanhando as transformações iniciadas pela transferência da corte portuguesa<br />

para o Brasil em 1808 e a independência do Império, em 1822. No início do século,<br />

era Vila e ao final, Cidade. Nesse percurso a cidade viveu a agitação da Guerra do<br />

Paraguai, com a formação do 25º Batalhão dos Voluntários da Pátria, além da<br />

movimentação de tropas devida a sua localização estratégica. O porto de Desterro<br />

foi o mais importante porto da província, contribuindo para a acumulação de<br />

riquezas, a urbanização da cidade e o crescimento populacional; surgiram casas<br />

comerciais e uma elite ligada à atividade comercial. A nova realidade estimulou a<br />

acumulação de capital e a busca pela civilidade da elite que, através dos jornais,<br />

estabelecia padrões importados e a serem seguidos. A formação da elite em<br />

Desterro enfatizou-se principalmente a partir da segunda metade do século XIX, com<br />

o fortalecimento do comércio e com a desmilitarização da cidade. Esta<br />

transformação pode ser sentida com a desativação das bandas militares e a<br />

proliferação de grupos musicais civis como conseqüência. As bandas civis<br />

ocuparam o espaço criado e aberto pelas bandas militares, tocando inclusive com<br />

estas e, posteriormente ocupando o espaço que as bandas militares não podiam ou<br />

não tinham interesse em ocupar, mantendo ainda algumas de suas características,<br />

17 Nasceu em 12 de julho de 1821. Foi para a Corte do Rio de Janeiro em 1838 para concluir os<br />

estudos ao entrar para o Seminário de São José. Foi noemado em 1842 Capelão do Hospital de<br />

Caridade e Irmandade Senhor Jesus dos Passos. Vigário em São José a partir de 20 de outubro de<br />

1844, Diretor da Instrução Pública de São José em 1848, Vigário da Matriz de Nossa Senhora do<br />

Desterro em 1851. Fundou em 2 de fevereiro de 1850 o Colégio de Belas Letras, onde lecionou<br />

francês, inglês, latim, geografia, história, matemática, retórica e poética, filosofia racional e moral,<br />

elementos de física, química e botânica, música vocal e instrumental, desenho e escrituração<br />

mercantil. Foi vereador por São José, Deputado de 1846 a 1869. propagava suas idéia na imprensa,<br />

escreveu em O Novo Íris, editou a revista A Revelação, colaborou com O Mensageiro, com O Argos<br />

da Província de Santa Catarina; com O Cruzeiro do Sul; O Catarinense. Faleceu em 29 de janeiro de<br />

1869 (PIAZZA, 1997).


117<br />

como, por exemplo, os uniformes, e a execução de dobrados e marchas militares.<br />

Além disso, a busca da civilidade também pode ter contribuído para a fundação do<br />

Teatro Santa Isabel e a renovação cultural gerada na cidade a partir dele. O Teatro<br />

Santa Isabel concentrou apresentações de inúmeras companhias de teatro que<br />

vinham do centro do país ou em passagem pelo sul do continente. Muitas dessas<br />

apresentações contavam a participação de bandas e grupos musicais estabelecidos<br />

na cidade, sendo o palco para a divulgação dos padrões de civilidade.


118<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

No século XIX, intensificando-se no decorrer dos anos, Desterro vivenciou as<br />

transformações mundiais e brasileiras, ao mesmo tempo em que ela mesma se<br />

modificava. Foi no século XIX que no Brasil acirrou-se a discussão sobre a sua<br />

identidade, e em que o país viveu o crescimento cultural e econômico e as<br />

transformações decorrentes da vinda da Corte para o Brasil. Com a Corte começou<br />

a veiculação de informação e, consequentemente, de ideais e opiniões. Os jornais<br />

apareceram nesse contexto como difusores do gosto de uma elite, influenciada<br />

pelos ideais iluministas, em busca da modernidade e a civilização. A chegada da<br />

Corte ao Brasil trouxe consigo o gosto português pelo repertório italiano, além da<br />

influência francesa naquele momento em todos os momentos. Nossa Senhora do<br />

Desterro, mesmo afastada dos grandes centros da época, era um ponto de ligação<br />

entre o Rio de Janeiro e as cidades de Montevidéu e Buenos Aires, passando por lá<br />

artistas e companhias artistas, as tendências e as modas. Além disso, como Capital<br />

da Província, concentrava o centro político e econômico de Santa Catarina.<br />

Os jornais desterrenses testemunharam esse movimento de artistas, de<br />

música e de gostos que, ao mesmo tempo, opinavam e expressavam as<br />

preferências. Em meio a esses relatos e opiniões, mesmo que à mercê de opiniões<br />

pessoais e nem sempre isentas, buscou-se recuperar fragmentos da vida musical,<br />

principalmente levando-se em consideração o posicionamento desses<br />

acontecimentos no contexto cultural brasileiro. Pelos jornais foi possível captar a<br />

avidez do público da época pelas festas, o envolvimento com os festejos de<br />

Carnaval, com o teatro, o gosto pela música feita pelas bandas, a prática doméstica<br />

de música. A prática musical na cidade durante o século XIX acompanhou as<br />

mudanças e a formação de um mercado consumidor ansioso pela cultura europeia.<br />

As práticas carnavalescas em Desterro no século XIX exemplificam a<br />

concepção de modernidade que começava a ser construída: a importância dos<br />

espaços públicos em detrimento do espaço privado, o controle das camadas<br />

populares da população e dos espaços públicos, as diversões civilizadas em meio a<br />

práticas antigas. O teatro inseriu-se nesse processo como um indício de civilização,<br />

como escola ao ensinar a moral, os bons costumes e repelir os vícios. O teatro<br />

musicado, as operetas e as cenas de óperas consagradas do repertório italiano<br />

apareceram como o repertório adequado e moderno a ser consumido e apreciado.


119<br />

As bandas atuavam nesse contexto em todos os ambientes, sendo responsáveis em<br />

grande parte pela música realizada no Carnaval ou no teatro, e acompanhavam<br />

eventos políticos e sociais. A própria trajetória desses grupos acompanhou o<br />

desenvolvimento da cidade. No princípio havia o predomínio dos grupos militares de<br />

acordo com a composição social da cidade, porém, no decorrer do tempo e com a<br />

desmilitarização da cidade, estes foram substituídos pelas bandas civis, formadas<br />

por comerciantes, a camada social que começava a se fortalecer. Em meio a essas<br />

práticas também nos jornais apareceram os anúncios de venda de instrumentos,<br />

partituras e objetos musicais, além de folhetins e notas que são testemunhas de uma<br />

prática musical doméstica, que de outra forma não poderia ser documentada,<br />

práticas essas ligadas ao desejo por modernidade.<br />

É necessário lembrar ainda que esta pesquisa, de certo modo, reproduziu o<br />

mito de Narciso. Como pesquisadora, imbuída em meu papel de Narciso, contemplei<br />

algumas histórias musicais e selecionei, dentre todas as vivências musicais<br />

relatadas nos periódicos desterrenses, fontes de contemplação e suporte para o<br />

reflexo do pesquisador. A interpretação dos fragmentos de informações, ecos de<br />

uma realidade histórica, não pode ser dissociada da minha visão histórica, ao<br />

mesmo tempo em que permite o conhecimento de práticas e vivências musicais de<br />

Desterro durante o século XIX.<br />

A pesquisa desenvolvida tendo como base o acervo pertencente à Biblioteca<br />

Pública de Santa Catarina mostrou-se uma profícua fonte de informações. Essa<br />

pesquisa começou a ser desenvolvida em 2007 e manteve-se em desenvolvimento<br />

com a colaboração de integrantes do projeto de iniciação científica A música em<br />

Desterro no século XIX. Uma das dificuldades encontradas foi a conservação desse<br />

material. Dados coletados e relatados em 2007 já não estavam mais disponíveis em<br />

2011, seja por causa da degradação completa do material ou por sua retirada para<br />

uma restauração sem prazo final. Diante disso, acrescentou-se a este trabalho,<br />

sempre que possível, o material original para, de certa forma, conservar e divulgar<br />

essas informações. Existem ainda muitas possibilidades para estudos<br />

musicológicos, ampliando as informações levantadas ou não nesta pesquisa. Como<br />

já foi dito, muitos pontos da prática musical relatada nos jornais, como a música nas<br />

igrejas ou o papel dos clubes, não foram abordados e encontram-se à espera de um<br />

aprofundamento, o que levaria a um melhor conhecimento da história da música de<br />

Santa Catarina e em Desterro.


120<br />

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O Crepúsculo. Desterro, 1887 a 1889.<br />

O Cruzeiro do Sul. Desterro, 1858 a 1860.<br />

O Despertador. Desterro, 1863 a 1885.<br />

O Mercantil. Desterro, 1861 a 1869.<br />

O Mosquito. Desterro, 1888 a 1889.<br />

O Polichinelo, São Paulo, 30 de abril de 1876. Disponível em: < http://www.arquivo<br />

estado.sp.gov.br/upload/periodicos/jornais/PO18760430.pdf>. Acesso em: 27 dez.<br />

2011.<br />

O Progressista. Desterro, 1860 a 1861.<br />

O Santelmo. Desterro, 1858.<br />

O Til. Desterro, 1874 a 1875.<br />

Província. Desterro, 1882.

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