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Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres<br />

populares e diversas do Nordeste<br />

do Brasil transformam o poder<br />

Brasil


Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres<br />

populares e diversas do Nordeste<br />

do Brasil transformam o poder<br />

“Participacão política das mulheres<br />

e transformação do poder”


Esta é uma publicação de Oxfam Intermón no âmbito do Convênio: “Formação e empoderamento de mulheres populares<br />

e diversas para construção de novas cidadanias na Colômbia, Peru, Equador e Brasil”, coordenado por Intermón<br />

Oxfam com apoio da AECID.<br />

Esta publicação foi realizada com o apoio financeiro da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o<br />

Desenvolvimento (AECID). O conteúdo da mesma é de responsabilidade exclusiva de Oxfam Intermón, e não reflexa<br />

necessariamente a opinião da AECID.<br />

OXFAM em Equador:<br />

Camilo Destruge N24 -664 y Av. Colón.<br />

Quito, Ecuador<br />

Revisão:<br />

Márcia Larangeiras Jácome<br />

Revisão final:<br />

Betânia Teixeira<br />

Foto da Capa:<br />

Izabel Santos Da Paz<br />

Apoio ao design e impressão:<br />

Antonia Ureña<br />

ELABORADO POR:<br />

Manthra<br />

comunicación integral<br />

Direção de arte:<br />

Ma. Fernanda Páez<br />

Design e layout<br />

Lucía Estrella · Catalina León<br />

Av. La Coruña N31-70 y Whymper<br />

Telf.: (593-2) 255 8264 600 0998<br />

www.manthra.net info@manthra.net<br />

Primeira edição 2013<br />

ISBN: 978-9942-8502-1-8


Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres<br />

populares e diversas do Nordeste<br />

do Brasil transformam o poder<br />

AUTORAS<br />

Izabel Santos<br />

Investigadora nacional<br />

Sonia Jay Wright<br />

Assessoria técnica<br />

Maria José da Silva<br />

Investigadora local (Alagoas)<br />

Uilma Maíra Queiroz Silva<br />

Investigadora local (Sertão do Pajeú, PE)<br />

Edvânia Maria Lima de Paula<br />

Investigadora local (Mata Sul, PE)<br />

Organização Responsável<br />

Centro das Mulheres do Cabo (CMC)<br />

EDITORAS<br />

María Arboleda<br />

Andrea Diez<br />

Investigadora Regional<br />

María Arboleda


Conteúdo<br />

PROLOGO.................................................................................................................................. 9<br />

Apresentação........................................................................................................................... 12<br />

1. O universo da pesquisa...................................................................................................... 14<br />

1.1. Perfil das organizações responsáveis............................................................................... 15<br />

1.2.Contornos da pesquisa........................................................................................................... 18<br />

1.3.Marco teórico ............................................................................................................................ 20<br />

1.4.Metodologia............................................................................................................................... 22<br />

1.5.Testemunhos da equipe......................................................................................................... 29<br />

2. Contextos ............................................................................................................................. 34<br />

2.1 Contexto Brasileiro .................................................................................................................. 35<br />

2.2 Contexto Nordestino .............................................................................................................. 42<br />

2.3 Zona da Mata Sul ..................................................................................................................... 47<br />

2.4 Sertão do Pajeú ......................................................................................................................... 50<br />

2.5 O Estado de Alagoas ............................................................................................................... 52<br />

3. Perfil dos grupos ................................................................................................................. 56<br />

3.1 Alagoas ....................................................................................................................................... 57<br />

3.2 Sertão do Pajeú ......................................................................................................................... 72<br />

3.3 Mata Sul ....................................................................................................................................... 81<br />

4. Falas das mulheres ............................................................................................................ 98<br />

4.1 Vereadoras e candidatas......................................................................................................... 99<br />

4.2 Gestoras de instâncias de políticas para mulheres....................................................... 111<br />

4.3. Mulheres dos Grupos ............................................................................................................ 115<br />

5. Concepções de poder......................................................................................................... 140<br />

Considerações Finais.............................................................................................................. 144<br />

Diários de bordo das pesquisadoras................................................................................... 154<br />

Referências Bibliográficas...................................................................................................... 170<br />

7


PROLOGO<br />

Em 2011, um grupo de mulheres – integrantes do convenio “Formação e Empoderamento<br />

de mulheres populares e diversas para a Construção de novas cidadanias na<br />

Colômbia, Peru, Equador e Brasil” – nos fazíamos uma pergunta (im) possível: após<br />

décadas de luta na América Latina, e das profundas mudanças que o movimento de<br />

mulheres e feminista provocou nas sociedades e nos países: nós mulheres, também<br />

transformamos o poder<br />

Éramos motivadas por um ideal mais distante, porém nem por isso menos desejável:<br />

a necessidade de conhecer como vivemos e que palavras têm as mulheres em relação<br />

a esse estranho conhecido, o poder, um PODER (com letras maiúsculas) identificado<br />

maioritariamente com o negativo ou com aquilo que historicamente havíamos<br />

combatido. Um poder cujo exercício – femininamente ocultado – parecia mais negado<br />

que assumido. Um(s) poder (eres) sobre os quais, falávamos pouco, estudávamos ainda<br />

menos, e quase não indagávamos.<br />

Foi assim que decidimos realizar nos quatro países onde Intermón Oxfam desenvolve o<br />

Convenio AECID - Equador, Peru, Colômbia e Brasil – estudos sobre o tema “participação<br />

política das mulheres e transformação do poder” que permite, a partir de um enfoque<br />

qualitativo e feminista, que nos dá algumas pistas sobre os espaços de poder que às<br />

mulheres populares e diversas ocupa como atora política – fora e dentro de casa – sua<br />

percepção sobre as hierarquias e a autoridade, seus sentimentos quando lideravam,<br />

organizavam e modificavam a vida de outras e outros.<br />

No Brasil, as organizações que fazem parte do Convenio são: Casa da Mulher do Nordeste<br />

(CMN), Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR-NE), e Centro<br />

das Mulheres do Cabo (CMC).<br />

O QUE SABIAMOS ANTES DE INICIAR O ESTUDO INVESTIGATIVO<br />

Diante da forte expectativa e incertezas sentidas ao se iniciar um estudo, partimos de<br />

uma certeza, e essa era que somente podíamos conhecer, a partir das experiências. Experiências<br />

essas das “mulheres pesquisadas”, e também das “pesquisadoras”, por isso,<br />

as mulheres que coletaram as informações de campo, as que fizeram as entrevistas e<br />

grupos focais e, as que selecionaram os depoimentos, foram às próprias mulheres das<br />

organizações, mulheres populares e diversas com a mesma complexidade, empatia de<br />

vida e cosmovisão que as sujeitas. Mulheres que valentemente contaram, quem são e<br />

o que fizeram para chegar ao que comumente denominados, lideranças, dirigentes,<br />

políticas, chefas, autoridades ou mulheres empoderadas. E fizemos com a convicção de<br />

9


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

que, na investigação em ciências sociais, não existe “objetividade”: a pesquisadora traz<br />

consigo, seu próprio background (de gênero, classe, raça, etc.), ou seja, ela está inserida<br />

e também é afetada pelo contexto e pelas pessoas que são foco de sua pesquisa.<br />

Uma segunda certeza está relacionada com a ideia de “investigar para incidir”, ou seja,<br />

considerar o estudo, como uma estratégia que agrega importância para a incidência<br />

política. Além disso, através do programa regional de Direitos das Mulheres de Intermón<br />

Oxfam “queremos conhecer para poder incidir melhor nas relações sociais injustas<br />

e de exclusão por razões de gênero, classe, raça, e etnia, que se produzem/reproduzem<br />

em nossos países (exclusão que também acontece a partir da produção de um determinado<br />

tipo de conhecimento). Desse modo o vínculo entre produção de conhecimento<br />

e reprodução de dominações implica não somente, que os resultados da investigação<br />

permitirão uma ação política, mas também que o ato de investigar é uma ação altamente<br />

politizada” 1 .<br />

O QUE SOUBEMOS DEPOIS<br />

Nesses dois anos de estudo, nos quatro países, aprendemos que para às mulheres, os<br />

limites do poder estão condicionados pelas dimensões de raça e classe, que estigmatizam<br />

ao mesmo tempo, que produzem identidade (es), sentido de pertencimento e<br />

capacidade mobilizadora. Que muitas mulheres políticas (as que “chegam” nos espaços<br />

de poder) se sentem muitas vezes, mais pressionadas por suas ex-companheiras de luta<br />

das organizações sociais, do que pela misoginia de seus pares homens.<br />

Que o ponto de partida para o empoderamento é, para a maioria das mulheres, o reconhecimento:<br />

do trabalho silencioso e invisível de cuidado para com a vida; da capacidade<br />

reprodutiva como um dom e não como uma maldição ou destino; e a constatação de que<br />

a não legitimação patriarcal da autoridade feminina também provém de outras mulheres.<br />

A capacidade transformadora das mulheres transcende países e identidades culturais,<br />

e situa-se na silenciosa revolução econômica e política, que os dirigentes (masculinos)<br />

das organizações sociais mistas, insistem em não ver e nem valorizar (ao contrario – tentam<br />

deslegitimar redirecionando o político que “verdadeiramente importa” para suas<br />

ações públicas, quase sempre ostentosas e vazias de conteúdo).<br />

Durante este processo de investigação, sorrimos, nos emocionamos, buscamos, e reconstruímos<br />

esse fio invisível que vai do privado ao público com uma fluidez e naturalidade,<br />

que a maioria dos estudos acadêmicos insiste em separar. Fizemos (auto) crítica,<br />

1 Linhas de investigação para o Convênio Regional, Intermón Oxfam, 2011.<br />

10


uscando nos distanciar do essencialismo que considera os grupos oprimidos isentos<br />

de praticas autoritárias, racistas e sexistas.<br />

Por último, nos reconhecemos, porque não existe pratica liberadora e transformadora<br />

que não tome como ponto de partida o auto reconhecimento, e o olhar voltado para<br />

nossos vestígio paternalistas, coloniais e vitimizantes.<br />

E AGORA<br />

Este livro integra o pensamento político das mulheres rurais do nordeste <strong>brasil</strong>eiro, e<br />

se complementa por outros três livros, que incluem as percepções e vivencias das mulheres<br />

urbanas de setores populares de Lima (Peru); das mulheres afro-colombianas da<br />

costa Caribenha (Quibdó e Cartagena) e de Medellín; além das mulheres indígenas e<br />

afrodescendentes da Serra e da Costa equatoriana.<br />

Suas vozes, e através dela também sua visibilidade, implicam numa aposta clara pelo<br />

fortalecimento das mulheres populares e diversas organizadas na América Latina, e esta<br />

publicação faz parte de uma ampla dimensão de fortalecimento da liderança transformadora<br />

das mulheres.<br />

Nós como Intermón Oxfam, acreditamos que “o exercício de liderança das mulheres é,<br />

a estratégia privilegiada, sobre a qual se conquista a justiça de gênero: mais mulheres,<br />

mais organizadas e com mais capacidade para exigir o cumprimento de seus direitos,<br />

constroem sociedades mais justas. A liderança transformadora das mulheres reivindica<br />

o envolvimento de todas, em processos de mudança que afetem suas vidas, e se<br />

contrapõe as noções de liderança que tradicionalmente se concentram nas estruturas<br />

hierárquicas de comando e, enfatizam o papel das pessoas carismáticas e excepcionais<br />

(OI 2010). As mulheres se transformam e, assim transformam a sociedade” 2 .<br />

Reconhecemos aqui, a decidida e valente, disposição das mulheres que deram seus<br />

depoimentos, as pesquisadoras locais que às ouviram, o trabalho profissional e de incalculável<br />

valor das investigadoras principais dos países e, da investigadora Regional,<br />

Maria Arboleda. Convidamos a todas e todos para escutar e integrar estas vozes, porque<br />

sem elas não teríamos sociedades mais democráticas e inclusivas na América do Sul.<br />

ANDREA DIEZ<br />

RRPP de Direitos das Mulheres para América do Sul, Oxfam Intermón.<br />

2 Lideranças transformadoras de mulheres na América Latina, uma estratégia para a justiça social e de gênero.<br />

Intermón Oxfam (2012).<br />

11


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

APRESENTAÇÃO<br />

12<br />

©Gabriela Monteiro


O<br />

presente documento é o relatório final do Plano de Investigação Nacional, que<br />

se inscreve no processo de investigação regional “Participação política das mulheres<br />

e transformação do poder” do Convênio “Formação e empoderamento<br />

de mulheres populares e diversas para a construção de novas cidadanias em Colômbia,<br />

Brasil, Equador e Peru”, cujas ações estão em curso desde 2010, com previsão de finalização<br />

para 2014.<br />

O convênio é financiado por Intermón Oxfam e AECID (Agência de Espanhola de Cooperação<br />

Internacional para o Desenvolvimento) e no Brasil tem suas ações desenvolvidas<br />

por três organizações de mulheres: Centro das Mulheres do Cabo, Casa da Mulher do<br />

Nordeste e Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste, que compartilham<br />

a responsabilidade por coordenar as ações, em parceria com Intermón Oxfam no país.<br />

Este relatório está estruturado em quatro partes. Inicialmente, são apresentados dados<br />

gerais sobre a pesquisa no Brasil, destacando-se o perfil das organizações responsáveis<br />

pelas ações da pesquisa; uma síntese dos objetivos, eixos temáticos; marco teórico e<br />

metodologia do estudo; finalizando com uma apresentação de depoimentos das pesquisadoras.<br />

Na segunda parte, apresenta-se o contexto no qual se inserem grupos e<br />

mulheres. A seguir, o perfil dos grupos e de mulheres populares diversas, depoimentos<br />

de algumas mulheres, com destaque para aquelas inseridas na política formal, e as considerações<br />

finais. Em anexo segue o conjunto dos diários de campos elaborados pelas<br />

pesquisadoras ao longo do processo.<br />

Desejamos a todas as pessoas, uma boa leitura. E que este estudo possa servir como<br />

subsídio as ações políticas que se desenvolvem em benefícios das mulheres nos caminhos<br />

diversos de construção de um mundo mais justo para todas.<br />

13


I. O UNIVERSO DA PESQUISA<br />

©Gabriela Monteiro


1.1 Perfil das organizações responsáveis pela pesquisa no Brasil:<br />

A Casa da Mulher do Nordeste – CMN é uma organização não governamental feminista,<br />

fundada em 1980, sediada em Recife, capital do estado de Pernambuco, com<br />

escritório no interior do estado voltado para área rural, no município de Afogados de<br />

Ingazeira, atuando no território da região do sertão do Pajeú. Nos seus 30 anos de existência,<br />

o projeto político da Casa envolve a transformação da sociedade por meio do<br />

enfrentamento das desigualdades de gênero, raça, classe e etnia. Nessa perspectiva,<br />

atua junto às mulheres urbanas e rurais, especialmente em Pernambuco, construindo<br />

com elas condições de fortalecimento de sua organização produtiva e contribuir com<br />

a ampliação de sua representação política nos espaços de poder, além de estimular e<br />

apoiar a ação propositiva e de controle das políticas públicas, desenvolvidas por esses<br />

grupos de mulheres e de implementação de direitos humanos.<br />

O seu objetivo é contribuir com a ação produtiva e política das mulheres pobres no<br />

Nordeste 3 , visando à igualdade de gênero na perspectiva do desenvolvimento humano<br />

sustentável. As dinâmicas utilizadas para consecução desse objetivo envolvem a construção<br />

de processos educativos, de intervenção nas políticas públicas, de participação<br />

política e de facilitação de recursos técnicos e financeiros. Assim, a Casa da Mulher do<br />

Nordeste pode ser considerada a primeira organização não governamental no Brasil,<br />

voltada para a transformação da condição feminina numa perspectiva feminista, que<br />

incorpora à sua missão questões econômicas relativas à transformação das relações das<br />

mulheres com a produção.<br />

A ação institucional se realiza através de dois programas: Gênero e economia e Mulher<br />

e vida rural. Todos os programas contam com as seguintes linhas de ação: formação,<br />

assessoria técnica, social e emancipadora e auto-organização política das mulheres.<br />

O Centro das Mulheres do Cabo - CMC é uma organização feminista, fundada em 25 de<br />

março de 1984, com a missão de construir a igualdade de gênero e afirmar os direitos<br />

de cidadania das mulheres. Em vinte e oito anos de ação política, o CMC se destaca pela<br />

interiorização do movimento de mulheres e feminista em Pernambuco, estendendo<br />

seu trabalho da zona da mata ao sertão e agreste e, contribuindo, ao mesmo tempo,<br />

para o surgimento de grupos autônomos de mulheres na mata sul de Pernambuco,<br />

onde a organização mantém sua sede.<br />

3 Refere-se à região que inclui nove estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco,<br />

Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. A população total do Nordete supera os 53 milhões de pessoas, segundo<br />

o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ver mapa, e texto correspondente, no capítulo<br />

sobre contextos.<br />

15


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

O Centro prioriza a formação política como estratégia para o empoderamento individual<br />

e coletivo das mulheres, com a perspectiva de transformar a situação de subordinação<br />

de gênero em que elas se encontram de modo a que possam alcançar autonomia<br />

política e econômica. Atuam em prol da ampliação dos direitos das mulheres, com<br />

ações dirigidas à prevenção e ao enfrentamento à violência; à mobilização por direitos<br />

e incidência no campo das políticas públicas de gênero; ao fomento da participação<br />

política das mulheres em espaços institucionais de poder. No campo dos Direitos Humanos,<br />

prioriza a defesa de direitos sociais, políticos, econômicos e ambientais; direito<br />

à comunicação e direitos sexuais e direitos reprodutivos.<br />

O Centro das Mulheres do Cabo se articula com o conjunto dos movimentos sociais<br />

e, em especial, o movimento feminista, desde a esfera local até o âmbito internacional,<br />

por meio de fóruns, redes e articulações. O trabalho é feito com mulheres diversas:<br />

meninas, adolescentes, jovens, adultas, idosas; moradoras de zonas urbanas e rurais;<br />

negras, brancas, indígenas, lésbicas e mulheres com deficiência.<br />

A organização mantém dois programas institucionais: Mulher e poder e Mulher e direitos,<br />

que são estruturados em três eixos: formação política, mobilização por direitos e ação em<br />

rede. Os conteúdos programáticos incluem os recortes de gênero, raça e enfrentamento<br />

à pobreza.<br />

O Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste – MMTR –NE nasceu na<br />

década de 80, das reflexões e do intercâmbio de trabalhadoras rurais dos estados de<br />

Pernambuco e Paraíba. Com o intuito de superar as dificuldades vivenciadas pelas mulheres<br />

nas relações de gênero, as feministas rurais desses dois estados realizaram um<br />

encontro que reuniu mulheres de todo o Nordeste e contribui para que, em 1986, o<br />

Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste fosse construído. Sendo assim,<br />

os processos educativos realizados pelo MMTR-NE valorizam o saber das mulheres rurais,<br />

seu modo de ser, suas crenças e valores e, ainda, seu conhecimento político. É uma<br />

educação que produz conhecimento da realidade e possibilita uma intervenção para<br />

transformação da sociedade.<br />

A missão do MMTR-NE é construir relações justas e igualitárias entre homens e mulheres<br />

do Nordeste e sua ação se estende pelos nove estados nordestinos por meio de<br />

coletivos e de grupos de base. Irradia sua ação pela América Latina através da Rede de<br />

Mulheres Rurais da América Latina e do Caribe - Rede LAC.<br />

O MMTR-NE estrutura suas ações em quatro programas: o primeiro deles, Formação de<br />

educadoras, desenvolve ações educativas que possibilitam à mulher do campo se co-<br />

16


locar como educadora e disseminar os saberes construídos e reconstruídos. Suas ações<br />

trabalham com educação na perspectiva do empoderamento, na multiplicação desses<br />

saberes e, ainda, na participação efetiva dessas mulheres nos espaços públicos e de<br />

poder. Outro programa chama-se Geração de renda, e prioriza as capacitações com as<br />

trabalhadoras rurais para fortalecer suas experiências produtivas, além de incentivar e<br />

valorizar as práticas da agricultura familiar, gerando a diversidade produtiva, a criação<br />

de animais, o cultivo de plantas medicinais, as produções artesanais e a preservação<br />

da natureza em seus espaços produtivos. O programa Comunicação tem como meta<br />

fortalecer a instituição por da criação de estratégias de ação específicas nesse campo.<br />

O programa também possibilita às mulheres rurais maior acesso aos meios de comunicação,<br />

tanto no que diz respeito à produção dos conteúdos, quanto ao acesso à informação.<br />

Todas essas ações partem do princípio do direito humano à comunicação.<br />

Por fim, temos o programa Cidadania da Trabalhadora Rural cujo objetivo é monitorar<br />

as políticas públicas referentes à documentação das mulheres rurais e urbanas. Além<br />

disso, promove capacitações sobre cidadania, enfocando a importância da documentação,<br />

disseminando o conhecimento sobre direitos humanos e cidadania da trabalhadora<br />

rural, conscientizando e mobilizando as mulheres para a conquista de seus direitos<br />

de cidadãs. Todas essas capacitações têm o aspecto multiplicador que capilariza esses<br />

conteúdos para o maior número possível de pessoas.<br />

17


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

1.2. Contornos da pesquisa:<br />

Com esta investigação, as três organizações acima descritas se propuseram a conhecer<br />

melhor o trabalho realizado por 14 grupos de mulheres populares e diversas para mudar<br />

as relações de poder, bem como a história de vida de 22 mulheres dessas organizações<br />

feministas no Nordeste <strong>brasil</strong>eiro, além da de outras 13 mulheres envolvidas com<br />

a política formal. Para efeito desse estudo, entende-se por mulheres populares,<br />

“aquelas com baixo poder aquisitivo ou não que têm como objetivo participar dos<br />

movimentos para mudar sua vida e transformar a sociedade em justiça e dignidade.<br />

Não excluo aqui, portanto, as mulheres que são de classe média, mas que assumiram<br />

o compromisso de defender ideais de justiça e igualdade desde que criem<br />

ou busquem espaços para que as sem ou com pouco poder aquisitivo participem”.<br />

(TELES, 2010) 4 .<br />

Tabela 1 – Universo pesquisado<br />

Regiões<br />

Grupos<br />

Mulheres que<br />

atuam como<br />

líderanças sociais<br />

Mulheres na<br />

política formal<br />

Alagoas 04 08 05<br />

Sertão do Pajeú 03 10 03<br />

Mata Sul 07 04 05<br />

Total 14 22 13<br />

A ênfase da pesquisa foi nas experiências bem sucedidas de transformação das relações<br />

de poder. E embora o foco do estudo fossem as relações de gênero e suas intersecções<br />

com as outras variáveis, a saber, as relações de classe, raça/etnia, sexualidade, geração<br />

e região, uma vez que a metodologia utilizada não era diretiva, as intersecções mais<br />

recorrentes se deram com as variáveis de classe, geração e região. Por esse motivo, na<br />

segunda etapa da investigação foi dada ênfase à questão racial 5 .<br />

No decorrer da investigação, a execução do trabalho foi demonstrando a necessidade de<br />

serem feitos ajustes na concepção descrita no projeto original que estava superdimensionada.<br />

A realização de cortes tinha como finalidade adequá-lo às reais possibilidades<br />

de sua execução. As propostas de ajustes foram objeto de reflexão coletiva e debate<br />

4 TELES, Maria Amélia. Breve História do Feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1993.<br />

5 Raça é uma construção social que define, perversamente, a existência biológica de grupos humanos superiores<br />

e inferiores, em razão de sua cor e dos seus traços físicos.<br />

18


no interior do Convênio, após o quê, foram operados cortes no problema de pesquisa,<br />

nos objetivos, temas, eixos e territórios. Assim, a investigação passou a contar com os<br />

seguintes objetivos:<br />

a. produzir um estudo nacional que sistematize e potencialize saberes das organizações<br />

de mulheres sobre as diferentes manifestações do exercício do poder expressas<br />

nas relações de gênero, com foco nas formas de construção e transformação<br />

dessas relações, a partir das experiências, vivências, conflitos e perspectivas.<br />

b. Identificar processos e estratégias que têm permitido potencializar a participação<br />

de mulheres populares na esfera política formal, a partir de um enfoque feminista<br />

de transformação do poder, bem como os elementos que possibilitam a<br />

sustentação das mulheres populares em espaços de poder, desde um ponto de<br />

vista de transformação dos mesmos.<br />

Nesse processo procurou-se instalar capacidades de investigação e sistematização de<br />

saberes desde uma perspectiva feminista que permitam realizar publicações úteis para<br />

melhorar o conhecimento das mulheres populares sobre si mesmas e sobre sua incidência<br />

política. Com esta perspectiva, o tema e eixos temáticos da investigação podem<br />

ser resumidos em: participação política das mulheres e transformação do poder; espaços<br />

de poder ocupados por mulheres populares nos espaços de democracia representativa<br />

e participativa; a atuação política das mulheres populares; participação política<br />

das mulheres e as relações de poder; e percepções das organizações de mulheres populares<br />

sobre a transformação das relações de poder.<br />

A investigação buscou responder às seguintes questões: quais são as condições pessoais,<br />

organizacionais e de contexto que contribuíram positivamente com o exercício<br />

de poder de mulheres portadoras de projetos feministas na região Nordeste entre os<br />

anos 2000 e 2010 Nas práticas organizativas das mulheres populares, quais os seus<br />

elos com o feminismo e o enfrentamento ao patriarcado, num contexto latino americano<br />

de avanços democráticos relativos, em que a autonomia e participação política das<br />

mulheres ainda não estão consolidadas<br />

Além destas, outras dimensões que foram observadas, a saber: a história de vida de mulheres<br />

populares, com atenção para sua vida pessoal, sua relação com a vida cotidiana;<br />

a participação de mulheres populares nas mais diversas organizações seja da sociedade<br />

civil ou do Estado; a relação das mulheres populares com os movimentos de mulheres e<br />

feministas e outros movimentos sociais; a o grau de eficácia alcançado por mecanismos<br />

eleitorais, como as cotas, para garantir o acesso de mulheres populares diversas aos<br />

espaços de poder; a participação das mulheres no âmbito público e o fortalecimento<br />

de sua condição de sujeitos políticas; as conquistas dos movimentos feministas e de<br />

19


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

mulheres como conquistas das mulheres populares como sujeitos de direitos; o avanço<br />

das práticas políticas feministas, visando conseguir o poder de decisão nas políticas<br />

públicas.<br />

1.3. Marco Teórico<br />

Esta investigação toma como marco teórico alguns conceitos, todos eles relativos à noção<br />

de poder. Com base em Foucault (1985), compreendemos poder como um campo<br />

múltiplo e instável de correlações de força, exercido a partir de inúmeros pontos e<br />

em meio a relações desiguais e móveis. O poder provém de todos os lugares e é um<br />

jogo atravessado por lutas incessantesW que transformam ou reforçam relações sociais.<br />

Nesse sentido gênero, para Joan Scott (1991, p.21): “é um elemento constitutivo das<br />

relações sociais, baseado nas diferenças percebidas entre os sexos. gênero é a forma<br />

primeira de significar as relações de poder”. Ao passo que Susana Gamba (2008, p.2)<br />

acrescenta que gênero,<br />

“é a categoria analítica que surgiu para explicar as desigualdades entre homens e<br />

mulheres, colocando ênfase na noção de multiplicidade de identidades. O feminino<br />

e o masculino se conformam a partir de uma relação mútua, cultural e histórica. [...]<br />

As elaborações históricas dos gêneros são sistemas de poder [...]” em uma visão relacional,<br />

política cultural e histórica, desde a qual enfatizamos atualmente em uma<br />

noção de multiplicidade de identidades e pensamos as determinações e o feminino<br />

e o masculino como configurados em sistemas de poder. 6<br />

Segundo esta autora, a perspectiva de gênero implica: (i) reconhecer as relações de<br />

poder que se dão entre e intra os gêneros, em geral favoráveis aos homens como grupo<br />

social e, discriminatórias para as mulheres; (ii) que tais relações têm sido construídas social<br />

e historicamente por pessoas, instituições, normas, símbolos; e (iii) que as mesmas<br />

atravessam todo o emaranhado social e se articulam com outras relações sociais, como<br />

as de classe, etnia, idade, preferência sexual e religião.<br />

Essas questões se inserem no âmbito da cidadania e da democracia, as quais são<br />

frutos de uma luta de vários séculos. Portanto, esses são conceitos importantes para<br />

este estudo.<br />

6 Tradução livre. No original, em espanhol: “Esta categoría analítica surgió para explicar las desigualdades entre<br />

hombres y mujeres, poniendo el énfasis en la noción de multiplicidad de identidades. Lo femenino y lo masculino<br />

se conforman a partir de una relación mutua, cultural e histórica. [...]Las elaboraciones históricas de los<br />

géneros son sistemas de poder […].”<br />

20


A cidadania, segundo Dagnino (1994), cidadania é uma estratégia de construção histórica<br />

democrática e de transformação social, definida por interesses e práticas concretas<br />

de luta. Refere-se à noção de direitos, cujo ponto de partida é a concepção de um<br />

direito a ter direitos, isto é, direito de participar efetivamente da própria definição do<br />

sistema político. Não se limita a conquistas legais ou ao acesso a direitos previamente<br />

definidos, ou à implementação efetiva de direitos abstratos e formais, e inclui a criação<br />

de novos direitos que emergem de lutas específicas e da prática concreta. É um processo<br />

de constituição de sujeitos e de aprendizagem social.<br />

No contexto desta pesquisa, compreendemos por democracia a ação de cada cidadão<br />

e cidadã, que a partir da ideia de direitos, apresenta seus posicionamentos e reivindicações,<br />

individualmente ou coletivamente; a democracia representativa se traduz pela<br />

eleição ou indicação de cidadãos e cidadãs, para representar os demais em determinados<br />

cargos e funções. Se a política participativa é uma expressão típica da sociedade civil<br />

organizada (que reúne o conjunto das associações e grupos na sociedade), a política<br />

representativa é expressão dos poderes do Estado. No entanto, é possível pontuar expressões<br />

de política participativa no âmbito do Executivo e do Legislativo e de política<br />

representativa no âmbito da sociedade civil organizada.<br />

O importante aqui a destacar é que ambas as feições, a política participativa e a política<br />

representativa, são expressões da democracia e da cidadania e quanto mais elas estiverem<br />

conectadas melhor para a sua sustentação e aprofundamento. Enquanto a política<br />

participativa é plural e em cada espaço se estruturam formas específicas de organização<br />

e funcionamento, a política representativa é pautada por uma legislação maior e<br />

uniforme para todas as esferas e práticas (RODRIGUES, 2005).<br />

Na nossa sociedade, as desigualdades começaram antes mesmo de sermos um país,<br />

em 1500, quando chegaram os primeiros portugueses ao Brasil. Povos indígenas foram<br />

sacrificados pelos europeus; depois, pessoas foram sequestradas no continente africano,<br />

por volta de 1536 e também sacrificadas pelos mesmos europeus, dando-se inicio<br />

às desigualdades étnico-raciais. Estas são constituídas pelas sociedades, que hierarquizam<br />

as diferenciações da cor da pele e dos traços físicos, entre pessoas, de forma a fazer<br />

acreditar que a natureza produz seres humanos superiores e inferiores. (TAVARES ET<br />

ALL, 2011).<br />

21


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

1.4 Metodologia<br />

A investigação envolveu três pequenos estudos – um realizado no Estado de Alagoas,<br />

outro no Sertão do Pajeú Pernambucano e outro na Mata Sul 7 de Pernambuco, regiões<br />

diferentes entre si – localizados em três áreas de atuação das entidades do consórcio,<br />

em que foram selecionados processos relevantes de empoderamento de mulheres populares<br />

e diversas que respondem às questões da investigação. Esse conjunto constituiu<br />

um estudo exploratório, de base qualitativa e participativa. Para tal fim, foram utilizadas<br />

fontes primárias, complementadas por fontes secundárias, que serviram de base<br />

para o presente relatório nacional de enfoque descritivo, fruto de um trabalho coletivo<br />

das pesquisadoras, organizações e mulheres populares.<br />

Deste modo, em cada um dos locais escolhidos, foram pesquisados grupos de mulheres<br />

de diferentes setores populares: pequenos agricultores, pescadores, assentados da<br />

reforma agrária, produtores de artesanato, trabalhadores da cana e trabalhadores urbanos.<br />

Privilegiou-se o uso do método de história de vida, inclusive na construção da<br />

história local e do grupo. De uma forma aberta, foram documentados e sistematizados<br />

casos, processos e percepções sobre a relação das mulheres com o poder e a política.<br />

Além das ferramentas de investigação já mencionadas (contextualização histórica dos<br />

espaços territoriais envolvidos, histórias de vida, histórias das organizações pesquisadas),<br />

foram utilizadas entrevistas com roteiro aberto e a técnica da árvore do poder para<br />

construir coletivamente um diagnóstico da realidade. Para este fim, faz-se um desenho<br />

onde associar as partes de uma árvore são associadas aos diversos elementos que constituem<br />

o poder e suas consequências.<br />

No início do trabalho, explica-se ao grupo que a raiz fincada ao chão traz nutrientes<br />

que dão vida a árvore. Nela deverão estar os grupos e pessoas que as participantes<br />

identificam como sendo aquelas/es que permanecem fortes no poder local, dando o<br />

norte da política ou estabelecendo determinadas regras para o povo. No tronco, que<br />

sustenta a raiz e a copa da árvore, deverão estar às instituições ou grupos que apoiam<br />

e contribuem para a manutenção do poder que está posto, e na copa, onde estão às<br />

folhas, flores e, frutos da árvore, devem aparecer às consequências dessa realidade. Aí,<br />

geralmente, são apontadas as políticas públicas e o seu funcionamento ou não, além<br />

do trabalho desenvolvido pelas organizações sociais, bem como as coisas boas e ruins<br />

que o poder tem representado para a vida das mulheres. Durante a montagem e leitura<br />

7 A Zona da Mata é uma sub-região e se encontram nas zonas costeiras da Região Nordeste do Brasil. Caracteriza-<br />

-se por estreita faixa de terra para os padrões continentais do Brasil. O nome “Zona da Mata” deve-se à mata<br />

atlântica que, originalmente, cobria a região, mas que, atualmente, está quase extinta.<br />

22


da árvore, sempre se pergunta onde estão às mulheres e que lugares elas ocupam na<br />

árvore do poder.<br />

Foi necessário um espaço de integração e formação da equipe de investigadoras para<br />

que todas se apropriassem da proposta metodológica e pudessem aplicar nas visitas<br />

aos grupos em que a investigadora principal não pudesse comparecer. Nas reuniões da<br />

equipe era feita a releitura das árvores de poder e comentados os debates e as questões<br />

mais relevantes em cada encontro. As investigadoras traziam suas impressões, dificuldades,<br />

e emoções vividas, assim como os debates e as questões mais abordadas. Tudo<br />

isso foi importante para fazer um comparativo de como estava se dando o processo da<br />

investigação em cada área. Esses momentos foram bastante interessantes e de muito<br />

aprendizado, mostrando para o grupo que mesmo em realidades diferentes, as lutas<br />

das mulheres ou os problemas que enfrentam são quase sempre muito parecidos.<br />

Estes foram momentos de grande aprendizado para a equipe de investigadoras. O relato<br />

das histórias de vida das mulheres, as dificuldades e desafios enfrentados pelos<br />

grupos para se manter firmes revelou a importância destas mulheres na vida das comunidades<br />

e quanto o grupo se mostra fundamental para a vida de muitas delas.<br />

23


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

1.4.1 Reunião com grupos nas áreas<br />

Ribeirão /PE Água Preta /PE Afogados da Ingazeira/PE<br />

Inhapi/AL Penedo/AL Joaquim Nabuco/PE<br />

Em todos os grupos investigados, foram utilizadas dinâmicas lúdicas e interativas,<br />

que contribuíram para quebrar o gelo inicial e descontrair. Cada técnica desta traz<br />

em si um significado; melhora o relacionamento do grupo e facilita a comunicação<br />

de assuntos que estão presentes na vida das mulheres, mas que causam sofrimento,<br />

como é o caso da violência doméstica. Na abertura dos trabalhos foram utilizadas<br />

dinâmicas para favorecer o lúdico, o entrosamento e a descontração, antes de começarmos<br />

a discussão sobre o poder. Ao final, fazíamos as dinâmicas mais centradas no<br />

cuidado e na reflexão.<br />

No cotidiano dos grupos de mulheres visitados, já são comuns os encontros para discussão<br />

de temas políticos, resolução de problemas e encaminhamentos de ações. Porém,<br />

a perspectiva de utilizar uma metodologia diferenciada para abordar o tema do<br />

poder das mulheres e de como o exercem na comunidade, na família e no grupo, atraiu<br />

a curiosidade das mulheres. Ao mesmo tempo, o método facilitou o diálogo durante os<br />

encontros. Essa ação política contribuiu para que aproveitássemos ao máximo as habilidades<br />

das mulheres, tornando possível captar sentimentos e emoções – o quê, sem o<br />

uso das dinâmicas, não teria acontecido.<br />

24


Sempre iniciamos os encontros da pesquisa com dinâmicas de autocuidado. Estas são<br />

importantes para as mulheres em processos que visam seu empoderamento: facilitam<br />

a descoberta de que o pessoal é político e alimentam a certeza de que nós, mulheres,<br />

temos poder e com esse poder podemos transformar o mundo.<br />

Entre as dinâmicas utilizadas, destacamos:<br />

Alongamento: com uma música suave, esticamos o corpo e fazemos um trabalho de<br />

respiração, que permite liberar as tensões e acalmar as ansiedades. Essa dinâmica facilita<br />

a concentração, ajuda a relaxar e a manter a calma na abordagem de temas que<br />

podem trazer tristezas e sofrimentos para as mulheres. Essa atividade é bastante compartilhada<br />

por todas, uma vez que, em seu dia-a-dia, raramente conseguem se exercitar<br />

devido à rotina de trabalho, que é intensa, fazendo com que sobre pouco tempo para<br />

cuidar do corpo.<br />

Alongamento<br />

Massagens coletivas: funcionam como reparadoras das tensões e, juntamente com<br />

uma música agradável, tornam a prática bastante relaxante. O toque também reforça<br />

a confiança entre as mulheres e colabora para que se perca o medo de conhecer o<br />

corpo. Na massagem coletiva as mulheres se dividem em pequenos grupos e de uma<br />

a uma vão ao centro para serem massageadas por todas. As sensações agradáveis nos<br />

permitem trabalhar o nosso equilíbrio energético e facilita a melhor circulação sanguínea.<br />

Geralmente a atividade ocorre com muito respeito, e as mulheres relatam que os<br />

resultados são muito bons.<br />

25


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Massagem Coletiva<br />

Dinâmica dos Onze Abraços: consiste em que todas possam transmitir boas energias.<br />

A técnica vem da terapia comunitária que afirma que para estarmos de fato energizadas<br />

temos que oferecer e ganhar onze abraços em um dia. A transmissão de energia<br />

boa através do abraço ajuda a equilibrar e se fortalecer.<br />

Tocando o corpo: o convite ao toque em diferentes partes do corpo, elimina o cansaço<br />

e ativa os pontos energéticos, facilita a liberação das tensões e proporciona uma sensação<br />

de relaxamento e troca de afetos. Existem várias maneiras de aplicar as dinâmicas<br />

de toque do corpo. Pode ser feita recebendo comandos da coordenadora, trocando de<br />

parceira a cada toque e descobrindo o nosso próprio corpo. No início desta técnica, as<br />

mulheres sorriem muito, dizem sentir cócegas, mas sempre entram no clima.<br />

Terapia dos onze abraços<br />

Tocando o corpo<br />

26


Buscando a energia da terra e do sol: Consiste em buscar estabelecer conexões simbólicas<br />

entre a terra e a energia do sol, por meio de braços erguidos ao som de uma música<br />

suave. A coordenadora vai guiando os gestos com algumas palavras. As mulheres<br />

vão respirando e se balançando devagar. Assim, a dinâmica cria um ambiente reflexivo,<br />

onde a proposta é expurgar os problemas e trazer energias boas da natureza para superá-los.<br />

Essa energia penetra no corpo e com a ajuda de uma música suave vai equilibrando<br />

nossas forças e também repassando para as outras. Essa dinâmica não pode ser<br />

aplicada em todos os lugares, é necessário que haja um espaço apropriado para que as<br />

mulheres relaxem e possam entrar no clima.<br />

Buscando energia<br />

Balão dos Sonhos: a técnica consiste em pedir<br />

para que as mulheres escolham um sonho que<br />

desejam alcançar a ser escrito em um pedaço<br />

de papel que será inserido dentro dos balões.<br />

Após todas encherem seus balões, pedimos<br />

para que cada uma brinque com ele e cuide<br />

dos seus sonhos e dos sonhos das outras, jogando-os<br />

para cima sem deixar cair no chão.<br />

Esse movimento fomenta a concentração e o<br />

trabalho coletivo, quando se esforçam para<br />

proteger seus balões e o das companheiras, e<br />

cria também um espaço de companheirismo e<br />

solidariedade quando compartilham seus sonhos<br />

e conhecem os sonhos das outras.<br />

Balão dos sonhos<br />

27


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Em alguns grupos houve dificuldade com o uso de algumas destas técnicas. Isso foi<br />

motivado pelo fato de as mulheres estarem lidando pela primeira vez com a investigadora<br />

e também por não ser esta uma pessoa do grupo ou da comunidade, No entanto,<br />

mesmo com algumas resistências, as mulheres aprovaram a aplicação das dinâmicas, o<br />

que facilitou o debate e a aplicação da árvore do poder.<br />

Fotos de algumas<br />

árvores de poder<br />

Em todo este processo o uso das dinâmicas, dos jogos, das brincadeiras aplicadas nas<br />

oficinas serviu como um convite para fazer formação, capacitação, ação política, investigação.<br />

Como uma espécie de “todo integrado”, foram aproveitadas as habilidades das<br />

mulheres dos grupos, e a vontade de aprender e de transmitir da equipe de investigadoras,<br />

aproveitando as bases que já se tinha, para obter e executar a tarefa de recuperação<br />

e sistematização e construções de conhecimentos deste estudo.<br />

28


1.5. Testemunhos da equipe:<br />

A seguir, apresentamos os relatos das investigadoras sobre o que foi este processo de<br />

investigação para cada uma.<br />

Uilma Queiroz<br />

“Vivi mais de 22 anos, de menina a mulher,<br />

numa família ainda hoje tradicional, patriarcal.<br />

Desde pequena fui ensinada a ser “menina direita”,<br />

sem poder sair muito, brincando de boneca,<br />

sob-regras comuns que a maioria da dita<br />

“minoria” feminina sofre em todo o mundo”.<br />

Ao longo dos anos, a influência da igreja cristã,<br />

de orientação católica, reforçou esses ensinamentos,<br />

ao passo que fez florir em mim um<br />

protagonismo nas organizações de jovens.<br />

Além da influência religiosa, as amizades também<br />

me servem de exemplo para a participação<br />

política.<br />

Mas foi no ambiente acadêmico de uma autarquia (faculdade tutelada pelo Estado) da<br />

minha cidade, no interior, que senti os ventos ideológicos dos movimentos sociais se reforçarem,<br />

tornando-se pequenos redemoinhos. O curso de Licenciatura em História me<br />

proporcionou a descoberta de uma missão: ensinar. Me descobri me escolhi docente, já<br />

no segundo ano de curso, ao passo que a organização estudantil ao lado de amigos me<br />

fez ver que a ação pode e deve ser feita. Mas a faculdade me ocasionou conhecer a Casa<br />

da Mulher do Nordeste, servindo de monitora da 2ª Escola Feminista na nossa cidade.<br />

Foi meu primeiro contato com o movimento, com o ser mulher. As mulheres de base da<br />

Escola Feminista e os conhecimentos que nessa escola obtive foram fundamentais para<br />

a investigação.<br />

Não pensei em viver momentos como os que a pesquisa me proporcionou ouvir o que<br />

as mulheres diziam sobre suas vidas e suas lutas individuais, familiares, sociais. Essas<br />

falas, essas experiências me fizeram sentir mais mulher, abraçando lutas, causas, visões.<br />

As mulheres às quais me refiro aqui são todas aquelas com as quais tive contato por<br />

causa do processo, desde a equipe de investigação até as mulheres do grupo.<br />

29


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Além dessa influencia infinda no âmbito interior, quero também deixar evidente que<br />

agarrei a Participação Política das Mulheres como objeto de pesquisa histórica, podendo<br />

dizer assim que me encontrei enquanto ‘historiadora’ na temática de gênero.<br />

Esta mulher, que testemunha sua vida em poucas linhas, ficou feliz em perceber durante<br />

a pesquisa que os efeitos do movimento de mulheres no mundo, no Brasil, acontecem<br />

mesmo diante das dificuldades para as mulheres assentadas, rurais, e artesãs.<br />

Mulheres que demonstram seu empoderamento na vida cotidiana e, de modo mais<br />

geral, na sociedade.<br />

Esta percepção também me diz que diante da realidade essas empoderadas ainda têm<br />

muito a conquistar para esse processo de descoberta - luta inicialmente individual. Nesse<br />

sentido precisamos de mais de nós.”<br />

Edvânia de Paula<br />

Participei desse processo como investigadora de<br />

área na Mata Sul de Pernambuco. Sou formada<br />

em História, feminista e militante do movimento<br />

de mulheres. O convite para participar da investigação<br />

veio do Centro das Mulheres do Cabo e eu<br />

aceitei por compreender a importância da pesquisa,<br />

e também por ser a realização de um sonho:<br />

trabalhar em pesquisas que tenham como objetivo<br />

investigar as condições de vida das mulheres<br />

na sociedade na área política, econômica, cultural,<br />

etc.<br />

Participar da investigação foi uma experiência<br />

bastante valiosa, pois tive oportunidade de aprender<br />

muito durante esse tempo. Quando digo aprender significa ter uma visão real da<br />

situação das mulheres em relação à participação política, e entender o que afasta as<br />

mulheres dos espaços de poder; como as mulheres participam desses espaços, o que<br />

elas fazem e quais são os “apoios que elas recebem” para participar desses espaços.<br />

Durante a investigação toda, escutei muitos relatos interessantes trazidos pelas mulheres,<br />

ouvi muitas coisas que me fizeram refletir melhor sobre a participação política das mulheres<br />

nos espaços de poder. E pude discutir com elas possíveis soluções para aumentar o<br />

número de mulheres nestes espaços, como, por exemplo, ampliar sua participação ativa<br />

nos partidos políticos; fazer uma gestão mais democrática e coletiva nas organizações de<br />

30


mulheres, para que este espaço de poder possa ser diferenciado e contemple a todas as<br />

mulheres, além de muitas outras ideias que surgiram a partir desse percurso.<br />

Considero que ganhei muito através da minha participação nesta pesquisa. Hoje, tenho<br />

muito orgulho de dizer, “eu fiz parte desta história”.<br />

“Neste material está minha Esperança”.<br />

Maria José (Zezé)<br />

É noite da véspera de Natal e estou tentando concluir<br />

a minha investigação... Meu cérebro parece flutuar no<br />

nada... Sinto muita dificuldade em concluir o material. O<br />

mês de dezembro está sendo muito malvado comigo,<br />

pegou pesado com a saudade que sinto do meu filho,<br />

Tiago.<br />

Essa investigação foi muito importante para me ajudar<br />

a amenizar a dor da partida do meu filho. Confesso<br />

que no início foi muito difícil. Quando fui fazer<br />

as primeiras pesquisas com os grupos de mulheres,<br />

sentia muita tristeza e isso dificultava o trabalho. Porém,<br />

depois foi ficando mais calmo, meu peito doía<br />

menos e fui me envolvendo. Foi muito importante fazer a investigação, me fez perceber<br />

que precisamos trabalhar mais a temática da participação política e representativa das<br />

mulheres.<br />

Foram três visitas a cada grupo; aos poucos, percebi a evolução que ia se formando no<br />

entendimento das mulheres com relação à importância delas compreenderem como é<br />

o poder e que elas têm poder dentro e fora de casa.<br />

Quando as mulheres ocupam espaços representativos, é mais difícil entrevistá-las do<br />

que os homens que estão nesses mesmos espaços. Esse foi um dos maiores problemas<br />

que tive. Muitas pessoas acham que isso se dá pelo fato das mulheres ficarem metidas,<br />

mas não é verdade. No meu entendimento, a sobrecarga de trabalho faz com que essas<br />

mulheres tenham menos tempo do que os homens e isso é o principal motivo para que<br />

muitas delas não possam nos dar uma entrevista, quando são enviadas por e-mail.<br />

Nos grupos, senti dificuldades por causa da pouca experiência de discussão que eles<br />

têm sobre a temática. Isto se refletiu na hora de se construir a “árvore do poder” no<br />

primeiro momento da investigação. Outra coisa que notei nos grupos é que as mulheres<br />

desconhecem as poucas mulheres que estão nos espaços representativos dos seus<br />

31


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

municípios. Uma coisa positiva foi ver que as mulheres estão cientes dos seus direitos<br />

sociais e que lidam com a luta por políticas públicas de uma forma muito efetiva. Muitas<br />

delas também conseguiram resultados significativos na luta por igualdade nas relações<br />

de gênero nos seus espaços privados e também no público, como nas associações e nos<br />

sindicatos, mas suas participações nos partidos políticos não existem. Pelo menos nos<br />

grupos onde foi realizada a investigação.<br />

Voltando à minha experiência pessoal, lembro que minha trajetória como investigadora<br />

neste projeto coincide com a minha trajetória da mãe que viu seu filho partir de uma<br />

forma tão trágica. E nesse período iniciei uma luta contra o genocídio juvenil, principalmente<br />

de jovens negros. Em Alagoas de cada 26 jovens assassinados, apenas um é<br />

branco (que foi o caso do meu filho), os outros são afrodescendentes.<br />

Izabel Santos<br />

Participar do processo da investigação foi uma experiência<br />

ímpar. Senti-me empoderada por ter que conduzir<br />

um processo tão importante como este. Lidar<br />

com as diferentes culturas e dialogar com as investigadoras<br />

dos outros países do Convênio em outro<br />

idioma me deixaram assustada no início. Por outro<br />

lado, me senti fortalecida por poder estar representando<br />

as entidades do meu país.<br />

Conhecer de mais perto as companheiras que contribuíram<br />

nessa empreitada me fez respeitá-las ainda<br />

mais. Formamos uma equipe harmoniosa. Senti-me apoiada para conduzir o processo<br />

e encontrei parcerias em todas elas. O mesmo aconteceu com a investigadora regional:<br />

senti muita empatia com ela, o que tornou o trabalho mais gratificante.<br />

Entre todas as experiências vividas nessa caminhada, a mais valiosa foi acompanhar<br />

de perto, nas áreas, as experiências das mulheres. Conhecer o trabalho de cada grupo<br />

no próprio local onde vive para entender melhor o que as motiva para a luta foi uma<br />

experiência sem igual.<br />

Ouvi muitos relatos, debati com elas, me emocionei com suas conquistas e chorei com<br />

suas dores. Impactei-me com a seca no sertão e tive orgulho de ver mulheres marcadas<br />

pela dor e pelo sofrimento, que não perdem a esperança.<br />

32


Por fim, cresci, aprendi, ensinei. E saio dessa experiência com a certeza, feminista, de<br />

que um mundo de igualdade é possível.<br />

Sonia Wright<br />

Participar da investigação foi um prazer e um privilégio. Inicialmente, pude contribuir<br />

com a metodologia escolhida e tivemos a oportunidade de aplicá-la conosco, compartilhando<br />

nossas histórias de vida.<br />

Em um segundo momento, minha contribuição<br />

foi sistematizar as contextualizações construídas<br />

pelas investigadoras das três regiões, bem como<br />

os perfis dos grupos que traçaram, e das próprias<br />

mulheres que entrevistaram, tanto dos grupos,<br />

como daquelas participantes da política formal.<br />

Foi esse quadro que constituiu nosso relatório<br />

parcial, apresentado e discutido pelo grupo de<br />

investigadoras <strong>brasil</strong>eiras e com a coordenadora<br />

regional da pesquisa.<br />

Verificamos naquele momento que faltava a presença da questão racial nas entrevistas<br />

e a realização do diário de campo, sendo necessária uma segunda visita a alguns<br />

grupos. Esses aspectos que faltavam foram incorporados ao relatório final, que foi lido<br />

e questionado pela coordenadora regional da investigação. Seus questionamentos<br />

permitiram que a investigadora, responsável pelo trabalho de campo no Brasil e eu<br />

voltássemos a muitas questões e procurássemos respondê-las, o que se tornou mais<br />

uma oportunidade de aprendizado.<br />

33


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

II. CONTEXTOS<br />

34<br />

©Gabriela Monteiro


2.1 Contexto <strong>brasil</strong>eiro<br />

1 • Centro-Oeste, 2 • Nordeste, 3 • Norte, 4 • Sudeste, 5 • Sul.<br />

Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Regiones_de_Brasil<br />

O Brasil é o país latino-americano com maior extensão territorial - uma área de<br />

8.514.876,599 km² - e população composta de 190.732.694 habitantes, sendo 51,9%<br />

mulheres e 44,5% afrodescendentes (IBGE 8 , 2010). A economia <strong>brasil</strong>eira é a sexta do<br />

mundo, sendo que a metade dos recursos governamentais federais são gastos com<br />

programas sociais.<br />

Do total de 127,4 milhões de eleitoras/es <strong>brasil</strong>eira/os, 51,7% são mulheres (TSE 9 , 2010)<br />

e, pela primeira vez em nossa história, foi eleita uma Presidenta da Republica, em 2010<br />

em uma eleição que contou com duas candidatas à presidência, sendo a outra, a ambientalista<br />

Marina Silva, que recebeu mais de 20 milhões de sufrágios. Dos 27 estados<br />

<strong>brasil</strong>eiros, apenas dois, ambos localizados na região Nordeste, têm seus governos chefiados<br />

por mulheres. E, dentre os nove estados dessa Região, apenas quatro possuem<br />

Secretarias Estaduais de Políticas para as Mulheres.<br />

8 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.<br />

9 Tribunal Superior Eleitoral.<br />

35


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

No Parlamento <strong>brasil</strong>eiro, durante o processo de Assembleia Constituinte, entre 1987 e<br />

1988, a experiência de articulação das parlamentares mulheres reuniu representantes<br />

dos mais diversos partidos, inclusive conservadores. O chamado lobby do batom 10 permitiu<br />

a apresentação e votação em bloco da bancada feminina a favor das demandas<br />

dos movimentos feministas e de mulheres, conseguindo sua aprovação e mostrando a<br />

eficácia da política de presença, defendida por Anne Phillips (2001), pois mulheres, que<br />

sejam progressistas ou conservadoras, são mais propícias a abraçar as causas de gênero.<br />

Mais recentemente, as parlamentares federais continuam a atuar em bloco.<br />

Nesse mesmo período, os governos democráticos recém-conquistados começaram<br />

a criar instâncias de políticas para mulheres, como conselhos estaduais e o Conselho<br />

Nacional dos Direitos das Mulheres, além das delegacias de mulheres. Esses novos órgãos<br />

trouxeram para dentro do Estado <strong>brasil</strong>eiro a promoção e defesa dos direitos das<br />

mulheres e, no caso das delegacias, um órgão de enfrentamento à violência sexual e<br />

doméstica. Os conselhos, ainda sem autonomia administrativa e financeira, lutaram<br />

para se tornar secretarias ou coordenadorias, e para ocupar um espaço de igualdade<br />

com as demais secretarias de Estado ou ministérios. Hoje, muitos municípios criaram<br />

coordenadorias ou secretarias 11 , que são órgãos executivos, e, em nível consultivo ou<br />

deliberativo, conselhos com a participação da sociedade civil, também nos estados e<br />

na esfera nacional.<br />

Na década seguinte, começaram a serem implantadas as primeiras propostas de cotas<br />

para mulheres no sistema partidário <strong>brasil</strong>eiro, por iniciativa da deputada federal Marta<br />

Suplicy (hoje Ministra da Cultura) e por influência da Conferência Mundial de Mulheres,<br />

realizada em Pequim, no ano de 1995. As cotas passaram a vigorar apenas nas eleições<br />

municipais e a partir de 1996. O texto aprovado na Lei nº 9.100/95 diferia da proposta<br />

da deputada e passou a garantir 20% das vagas nas listas partidárias para as mulheres.<br />

Essa normativa foi aprimorada em 1997, com a aprovação de uma nova legislação<br />

eleitoral. Assim, a Lei nº 9.504/97, em seu artigo 10, §3º, determinou que, ao registrar<br />

10 Para maiores informações sobre o lobby do batom, ver artigo de Salete Silva, O legado jus-político do Lobby<br />

do Batom vinte anos depois: a participação das mulheres na elaboração da Constituição Federal, publicado em<br />

2008. Durante o processo de construção da Constituição de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”, os movimentos<br />

de mulheres criaram o lobby do batom: estratégia política, realizada entre 1987-1988, para pressionar<br />

o parlamento pela ampliação de direitos das mulheres na nova Carta Magna. Deputadas e senadoras envolvidas<br />

na preparação da Assembleia Nacional Constituinte, e estimuladas pelo Conselho Nacional dos Direitos da<br />

Mulher, formaram, então, uma ampla aliança suprapartidária (incluindo os partidos conservadores), conhecida<br />

como “bancada feminina”. Essa forma de organização parlamentar propiciou a interlocução das parlamentares<br />

com os movimentos de mulheres que, envolvidos no lobby do batom e na campanha “Constituinte prá valer tem<br />

que ter palavra de mulher”, elaboraram a “Carta das Mulheres aos Constituintes”, dirigindo aos parlamentares<br />

uma série de propostas, inclusive a de formação da própria aliança. .<br />

11 Registre-se que Silvia Cordeiro, uma das fundadoras e, até o final de 2012, coordenadora do Centro das Mulheres<br />

do Cabo, assumiu o cargo de Secretária de Política para as Mulheres da Cidade do Recife, capital do Estado de<br />

Pernambuco, na nova gestão que tomou posse em janeiro de 2013.<br />

36


de candidaturas, cada partido ou coligação deverá reservar um mínimo de 30% e um<br />

máximo de 70% para cada um dos sexos. Mas só depois da alteração da lei, em 2009, é<br />

que essas cotas se tornaram obrigatórias 12 .<br />

Essa mudança na lei, a eleição da primeira Presidenta da República, em 2010, e o<br />

processo de criação e consolidação de instâncias responsáveis por assegurar políticas<br />

para mulheres provocaram um efeito bastante positivo na mobilização de mulheres<br />

em todo o país.<br />

As eleições municipais, ocorridas em outubro de 2012 coincidiram com os 80 anos do<br />

voto feminino no país. Esse pleito se destacou por dois motivos: a) foi o primeiro realizado<br />

durante a vigência da Lei nº 12.034/09, que altera a lei de 1997, estabelecendo que “cada<br />

partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70%<br />

(setenta por cento) para candidaturas de cada sexo” e b) provocou o aumento do número<br />

de mulheres eleitas em termos percentuais para as Câmaras Municipais. Mas foi um aumento<br />

pequeno, incapaz de eliminar o déficit democrático de gênero no país.<br />

Em 2008 foram eleitas 6.504 vereadoras para um total de 51.903 vagas, o que representou<br />

12,5% de mulheres no legislativo municipal. Em 2012 foram eleitas 7.648 mulheres<br />

para um total de 53.353 vagas no País, representando 13,3% de participação feminina<br />

na representação parlamentar das cidades.<br />

. E contribuiu para aumentar o número de candidaturas para o cargo de vereador, que<br />

teve, em média, um aumento de 37% de candidaturas femininas em relação aos anos<br />

anteriores, produzindo um crescimento, em números absolutos, de 69.312 candidaturas<br />

femininas e de 10,5 pontos percentuais da presença de mulheres em listas eleitorais.<br />

No entanto, para os cargos no Executivo, onde o sistema de cotas eleitorais não é obrigatório,<br />

o número de candidatas a prefeitas foi bem menor: do total de 15.438 candidaturas,<br />

somente 1.938 eram de mulheres (12,6%). Ainda assim, o número foi ligeiramente<br />

maior do que no pleito anterior, ou seja, 317 a mais do que em 2008 13 .<br />

As mulheres comandam 663 cidades do Brasil a partir de 2013. Nas eleições de 2012,<br />

o número de prefeitas eleitas no 1º turno aumentou 31,5% com relação às eleições de<br />

2008. O sexo feminino representa 12,03% do total de prefeitos eleitos em todo o Brasil.<br />

12 Para conhecer a lei modificada, acesse: http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/lei-das-eleicoes/lei-<br />

-das-eleicoes-lei-nb0-9.504-de-30-de-setembro-de-1997.<br />

Acessado em 04/08/2013<br />

13 Ver em http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/index.phpoption=com_content&id=3944er.<br />

Acessado em: 09, maio, 2012<br />

37


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Entre as capitais, apenas uma mulher foi eleita, Teresa Surita, do PMDB 14 , em Boa Vista,<br />

capital do estado de Roraima. O estado de Minas Gerais foi o estado que elegeu o maior<br />

número de prefeitas, 71, enquanto o estado do Acre não elegeu nenhuma mulher para<br />

o cargo de prefeito.<br />

É importante levar em conta os sistemas partidário e eleitoral, que têm dinâmicas próprias,<br />

ainda que fortemente articuladas. Sendo assim, vamos observá-los separadamente.<br />

No que diz respeito aos partidos, Araújo (2005) ressalta a lógica inercial, ou seja, a tendência<br />

a não haver mudança no recrutamento eleitoral, que favorece quem já exerce<br />

ou exerceu mandato, e chama atenção para a necessidade de quebrar essa tendência.<br />

Já a centralização possibilita a implantação de políticas nacionais, como a de cotas, pois<br />

lideranças locais tendem a serem menos permeáveis à mudança.<br />

Sem capital político familiar ou ativismo sindical, a maioria das mulheres deixa de oferecer<br />

seu nome como candidata ou ser selecionada como tal (Álvares, 2008). No entanto<br />

a autora reconhece que os partidos têm demonstrado interesse em agregar mulheres.<br />

Segundo Araújo (2005), o recrutamento feminino varia conforme o perfil ideológico e o<br />

tamanho do partido. Mas, uma vez selecionadas como candidatas, quais são os partidos<br />

que elegem mais mulheres<br />

Partidos mais à esquerda elegem mais mulheres que os de centro e, sobretudo, os de<br />

direita. Foram os partidos de esquerda (PT e PSB) 15 que primeiro introduziram algum mecanismo<br />

de ampliação da participação feminina. Quanto à magnitude dos partidos, os de<br />

médio porte tendem a eleger mais candidatas, e os muito grandes ou muito pequenos<br />

tendem a eleger menos. Registre-se, no entanto, que os partidos nanicos tendem a apresentar<br />

elevado percentual de candidatas cuja elegibilidade é muito pequena (ibidem).<br />

Além do aspecto partidário, outra condicionante da maior ou menor inclusão de mulheres<br />

nas instituições políticas é o sistema eleitoral. O Brasil adota a representação proporcional,<br />

em que cada partido apresenta ao eleitorado sua lista coletiva de candidatos<br />

para cada distrito. No entanto, na sua implementação no País, tem ocorrido com distorções,<br />

como conferir pesos distintos aos votos dos eleitores de diferentes circunscrições<br />

eleitorais na composição da Câmara dos Deputados (Nicolau,1997) 16 . Registre-se que<br />

a Região Nordeste foi ora sobrerrepresentada (em 1978 e 1982), ora sub-representada<br />

(em 1970 e 1974). E essa realidade continua.<br />

14 Partido do Movimento Democrático Brasileiro.<br />

15 PT – Partido dos Trabalhadores e PSB – Partido Socialista Brasileiro.<br />

16 Não se trata, no caso <strong>brasil</strong>eiro, de nenhuma medida afirmativa, como ocorre, por exemplo, com o País de Gales<br />

e Escócia, no Parlamento Britânico e Europeu (NICOLAU, op. cit.).<br />

38


Por outro lado, a representação proporcional permite a existência de um número maior<br />

e diversificado de partidos, alguns dos quais mais abertos à participação feminina. Em<br />

outras palavras, o sistema pluripartidário, característico da representação proporcional,<br />

estimula a competição eleitoral, possibilitando o surgimento mais constante de novos<br />

partidos que tendem a absorver nova(o)s atrizes e atores sociais. Segundo Araújo<br />

(2005), sistemas pluripartidários tendem a apresentar proporção mais elevada de mulheres<br />

eleitas.<br />

A representação proporcional beneficia mais as mulheres porque permite a existência<br />

de um número maior de partidos e o surgimento de outros novos e não tradicionais, e,<br />

portanto, mais abertos a grupos antes excluídos (Araújo, 2005). Outro argumento apresentado<br />

é que o sistema proporcional favorece o “efeito contágio”, isto é, a iniciativa de<br />

um partido tende a ser incorporada por outros, se positiva e com apelo eleitoral. Este<br />

sistema também torna mais viável a adoção de ações afirmativas.<br />

Mulheres do Sertao do Pajeu<br />

39


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Quanto à alocação dos votos, Santos (1999) ressalta as coligações e a contagem dos<br />

votos brancos como aspectos definidores do sistema eleitoral. As transferências de<br />

votos não ocorrem somente entre candidatos de um mesmo partido, pois, com as coligações<br />

eleitorais, os votos de um candidato de determinado partido ajudam a eleger<br />

candidatos de outras legendas. Segundo Freitas (2008), são poucos os candidatos que<br />

ultrapassam o coeficiente eleitoral com sua votação individual. Isso significa que quase<br />

todos os parlamentares eleitos dependem da transferência de votos no interior do<br />

partido ou da coligação à qual estão vinculados. E sendo os votos brancos considerados<br />

válidos para fins de cálculo do coeficiente eleitoral, este coeficiente é artificialmente<br />

elevado, tornando mais difícil a eleição de candidatos de pequenos partidos,<br />

embora bem votados, o que acaba gerando um incentivo para a formação de coligações<br />

eleitorais.<br />

O tipo de lista do sistema eleitoral é também determinante para os resultados alcançados.<br />

Ela pode ser aberta, fechada ou flexível. Segundo Nicolau (2006), a lista aberta, que<br />

está em vigor no Brasil desde 1932, possibilita a escolha de candidatos de diferentes<br />

partidos, e a apuração privilegia o nome que encabeça os mais votados do partido ou<br />

coligação, que funciona como uma única lista. Ou seja, os mais votados da coligação,<br />

independentemente do partido ao qual pertençam, se elegem, criando uma transferência<br />

de votos entre os candidatos de um mesmo partido ou coligação. SANTOS (1999)<br />

considera esse fato como uma distorção desse sistema: praticamente a totalidade dos<br />

votos de eleitores que não conseguiram eleger o representante de sua preferência contribui<br />

para a eleição de outros membros da lista, ou seja, o número de parlamentares<br />

eleitos com seus próprios votos é ínfimo, e a transferência de votos é avassaladora, não<br />

só intrapartidos, mas também entre partidos, por conta das coligações eleitorais.<br />

Outra crítica que se faz à lista aberta é que ela tende a estimular as campanhas centradas<br />

em candidatos, gerando uma competição entre os membros de uma mesma legenda.<br />

Isso favorece o voto personalizado em detrimento do voto partidário. Porém, ainda<br />

que as campanhas sejam concentradas nos candidatos, a distribuição das cadeiras é<br />

feita a partir dos votos totais obtidos por uma legenda ou coligação. Nesse sistema, o<br />

deputado tende a priorizar sua atuação onde recebeu expressiva votação, e a desenvolver<br />

atividades que o diferenciem de seus colegas, sobretudo por meio de atendimento<br />

de demandas específicas (Nicolau, 2006).<br />

Observa-se ainda que mesmo no sistema proporcional de lista aberta, quando teoricamente<br />

o eleitorado ordena os eleitos, são os dirigentes partidários que na prática<br />

ordenam informalmente os candidatos, mantendo o controle sobre o processo de seleção<br />

dos candidatos, seu acesso à lista e a recursos, tais como o fundo partidário e a<br />

distribuição do tempo no horário gratuito de rádio e televisão. Quanto à utilização da<br />

mídia, estudo de Araújo (2006) revela que a ocupação desse espaço pelas mulheres,<br />

40


embora seja efetiva, tem sido em tempos curtos ou médios, com um decréscimo nos<br />

tempos longos, normalmente reservado para candidatos prioritários.<br />

Com a lista fechada, o processo de escolha dos candidatos e das campanhas, revitaliza<br />

o papel dos partidos, tornando-o predominante. Neste caso, segundo Nicolau (2007),<br />

com a ausência de um mecanismo de accountability 17 personalizado, os parlamentares<br />

dedicam-se mais ao trabalho partidário. A lista fechada é considerada a melhor opção<br />

no caso de adoção do financiamento de campanha exclusivamente com recursos públicos.<br />

Segundo Araújo & Alves (2007), esse mecanismo vinha sendo assumido como<br />

mais favorável à eleição de mulheres do que o sistema de lista aberta, que é caracterizada<br />

por campanhas individualizadas e custos altos, que prejudicam as mulheres. Mas,<br />

conforme os autores, o sistema de lista fechada depende da garantia legal de alternância<br />

por sexo, com sanções para seu descumprimento, e a existência de um movimento<br />

de mulheres organizado e forte no interior dos partidos, para a efetividade da eleição<br />

feminina, e eleição de candidatas que respondam a processos vinculados à defesa de<br />

direitos das mulheres.<br />

A adoção da lista flexível significa que os partidos ordenam a lista de candidatos antes<br />

das eleições, mas o eleitor pode votar em um determinado nome da lista. Esse mecanismo<br />

reforça a importância dos partidos na arena eleitoral, sem tirar do eleitor a possibilidade<br />

de votar em um determinado candidato. A principal mudança é na contagem<br />

dos votos de legenda que passam a ser transferidos para os primeiros nomes da lista.<br />

Na visão de Nicolau (2007), a lista flexível fortalece os partidos, sem privar os eleitores<br />

da possibilidade de votar em candidatos individuais. É uma forma de incentivo para<br />

paulatinamente concentrar a campanha na reputação do partido.<br />

Quanto ao aspecto ideológico dos partidos, Singer (2000), ao estudar o eleitorado <strong>brasil</strong>eiro,<br />

considera que a esquerda deseja mudanças em favor de uma maior igualdade<br />

por meio da mobilização social, e a direita caracteriza-se por defender a ordem. Em sua<br />

visão, o eleitorado no país tende a posições igualitárias, independentemente do espectro<br />

ideológico em que se encontre situado, e é a questão da ordem que o divide.<br />

Berry Ames e Vera Pereira (2003, p. 265) consideram como partidos de direita o PFL, PTB<br />

e PP 18 ; de centro, o PMDB e PSDB 19 ; de esquerda, o PT, PDT, PCdoB e PSB 20 . Embora se<br />

17 Não existe uma tradução própria para esse termo no português. A expressão que se usa com mais frequência<br />

para explicar o accountability são “rendição de contas” e “transparência”. (N.R.)<br />

18 Partido da Frente Liberal – PFL, que foi extinto e agora é o Democrata - DEM, Partido Trabalhista Brasileiro - PTB<br />

e Partido Progressista - PL.<br />

19 Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB e Partido Social Democrata do Brasil – PSDB.<br />

20 Partido dos trabalhadores – PT, Partido Democrático Trabalhista – PDT, Partido Comunista do Brasil – PCdoB e<br />

Partido Socialista Brasileiro – PSB.<br />

41


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

reconheça que há diferenciações por estado e região, apontadas por Lima Jr. (1993), Kinzo<br />

(1993, apud RODRIGUES, 2002) afirma que as variações regionais não são marcantes o<br />

suficiente a ponto de anularem os traços gerais que delineiam os principais partidos. Ou<br />

seja, para a autora, verifica-se uma consistência ideológica dos partidos nacionais com os<br />

estados e regiões, o que reforça a utilização da classificação de Ames e Pereira.<br />

A luta por uma reforma política ampla pode ser o ponto de partida para que os grupos<br />

de mulheres possam trabalhar de forma mais conectada em torno da possibilidade de<br />

colocar mais mulheres no poder. Enquanto o Congresso já aprovou e está em vigor às<br />

leis que garantem 10% do tempo da propaganda eleitoral gratuita e o 5% do fundo<br />

partidário para a capacitação das mulheres.<br />

Mais especificamente se apresentam os contextos locais em que a investigação foi desenvolvida.<br />

Inicialmente situa-se a Região Nordeste e, em seguida, as diversas localidades no Estado<br />

de Pernambuco e Alagoas, ou seja, a Mata Sul e Sertão do Pajeú pernambucano, e Alagoas.<br />

2.2. Contexto Nordestino<br />

Figura 1 – Mapa da Região Nordeste<br />

A presente investigação foi desenvolvida<br />

nos estados de Alagoas e de Pernambuco,<br />

localizados no Nordeste do<br />

Brasil. A região tem uma área de<br />

1.219.021,50 Km2, que equivale a, aproximadamente,<br />

um quinto da superfície<br />

total do país (ou 18,3%), abrange nove<br />

estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão,<br />

Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio<br />

Grande do Norte e Sergipe, totalizando<br />

uma população superior a 53 milhões<br />

de pessoas, segundo o último censo do<br />

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística<br />

(IBGE, 2010), ou seja, 28,5% da<br />

população <strong>brasil</strong>eira. Mesmo com um<br />

enorme crescimento das cidades, devido<br />

ao êxodo rural, a população rural da<br />

Região nordestina é a maior dentre todas<br />

as regiões <strong>brasil</strong>eiras, ou seja, 42,1%.<br />

Fonte: baixarmapas.com.br<br />

42


A região nordestina situa-se na<br />

porção norte - oriental do país<br />

voltada para o oceano Atlântico,<br />

estando mais próxima da África<br />

e da Europa que as demais. Ela<br />

foi a primeira região <strong>brasil</strong>eira<br />

a ser explorada e povoada por<br />

colonos europeus, tendo apresentado,<br />

nos séculos XVI e XVII,<br />

um grande crescimento econômico<br />

e populacional. Só no século<br />

XVII, com a descoberta das<br />

minas de ouro e diamantes nas<br />

“Gerais” 21 , é que os eixos econômico<br />

e político da então colônia<br />

portuguesa foram desviados<br />

para o Sudeste, ainda hoje, a região<br />

mais importante do Brasil.<br />

Abrigando quase um terço da<br />

população, o Nordeste é bastante<br />

povoado e embora a população<br />

nativa tenha permanecido<br />

em crescimento, teve uma perda<br />

de importância relativa em relação às outras regiões. Como informa Andrade (1998),<br />

com a vinda dos portugueses para o Brasil, o Nordeste foi à primeira região a ser colonizada,<br />

ou seja, há pelo menos cinco séculos, com uma economia crescente, mas que<br />

estagnou, perdendo a competitividade face às regiões hoje mais dinâmicas.<br />

Outra marca histórica do Nordeste é o coronelismo, um sistema político que ao longo<br />

dos séculos formou uma complexa rede de relações que compreende desde o proprietário<br />

de latifúndios, conhecido como “coronel”, até o presidente da República, envolvendo<br />

compromissos recíprocos.<br />

Nas eleições de 2012, o Nordeste teve um total de 290 mulheres eleitas para prefeita<br />

(TSE, 2012). A Paraíba desponta como o estado com o maior percentual de prefeitas<br />

eleitas na região, com 22,42%, seguida pelo Ceará, com 19,02%. Rio Grande do Norte<br />

e Maranhão apresentam quase o mesmo percentual: em torno dos 18%. Bahia e Alagoas<br />

tiveram percentuais próximos dos 15%, sendo 15,35% e 4,70%, respectivamente.<br />

21 Estado de Minas Gerais<br />

43


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Sergipe apresentou 12%, ficando o Piauí um pouco acima, com 12,50%. Pernambuco<br />

foi o estado nordestino que elegeu, proporcionalmente, o menor percentual de prefeitas:<br />

apenas 9,10%.<br />

Tabela 2. Mulheres eleitas prefeitas no 1º turno por Estado - Nordeste<br />

Estado<br />

Nº de mulheres<br />

eleitas no 1º turno<br />

% em relação ao total de<br />

votos em cada estado<br />

Alagoas 15 14,70<br />

Bahia 64 15,35<br />

Ceará 35 19,02<br />

Maranhão 41 18,89<br />

Paraíba 50 22,42<br />

Pernambuco 17 9,19<br />

Piauí 28 12,50<br />

Rio Grande do Norte 31 18,56<br />

Sergipe 09 12,00<br />

Total 290 --<br />

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral - TSE<br />

O Nordeste elegeu 2.981 vereadoras em seus diversos municípios. Olhando apenas para as<br />

capitais, em termos absolutos, os maiores números foram alcançados em Fortaleza (7), Maceió<br />

(6), Recife (6) e Teresina (6). As capitais líderes em percentuais foram Maceió (28,6%) e Teresina<br />

(20,7%). No entanto esses percentuais ainda estão muito abaixo da equidade desejada.<br />

Uma comparação entre os pleitos de 2008 e 2012 nos permite observar que nas eleições<br />

para o legislativo municipal, em 2008, o Nordeste elegeu 33 mulheres nas nove<br />

capitais, representando 13,6% do total de 243 vagas. Em 2012, esse número passou<br />

para 42 mulheres eleitas, representando 14,7% do total no total de 286 vagas da soma<br />

das nove capitais da região (ver Tabela 2) Percebe-se que o crescimento da presença<br />

feminina nas câmaras municipais das capitais ocorre de forma gradual, o que é muito<br />

lento para o que necessitamos.<br />

Em 2008, um terço de parlamentares municipais eleitos/as em Maceió eram mulheres.<br />

Esse quadro sofreu um pequeno retrocesso em 2012. Já Recife, historicamente avessa à<br />

participação feminina no parlamento (BUARQUE, 2006) 22 , conseguiu aumentar em um<br />

terço a presença da representação de mulheres.<br />

44<br />

22 Parlamento Municipal refere-se a Câmara de Vereadores.


Tabela 3. Número e Percentual de Mulheres Eleitas Vereadoras nas<br />

Capitais do Nordeste 2008 – 2012<br />

Capitais<br />

Nº de mulheres<br />

eleitas<br />

2008 2012<br />

%<br />

Nº de<br />

mulheres<br />

eleitas<br />

Maceió - AL 7 33,3 6 28,6<br />

Salvador - BA 6 14,6 5 11,6<br />

Fortaleza - CE 4 9,8 7 16,3<br />

São Luis - MA 1 4,8 4 12,9<br />

João Pessoa - PB 3 14,3 2 7,5<br />

Recife - PE 4 10,8 6 15,4<br />

Terezina - PI 2 9,5 6 20,7<br />

Natal - RG 2 9,5 4 13,8<br />

Aracaju - SE 4 21,1 2 8,3<br />

Capitais 33 13,6 42 14,7<br />

%<br />

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)<br />

Figura 2 - Mapa Zona da Mata Sul<br />

Fonte: www.agencia.cnptia.embrapa.br<br />

45


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Figura 3 - Mapa Sertão do Pajeú<br />

www.raimundopajeu.blogger.com.br/mapa<br />

Figura 4 - Mapa Estado de Alagoas<br />

46<br />

Fonte: baixarmapas.com.br


A seguir, apresentaremos o contexto dos três territórios investigados.<br />

2.3. Zona da Mata Sul<br />

A Zona da Mata de Pernambuco é compreende 43 municípios, dos quais 21 estão na<br />

microrregião da Mata Sul ou Mata Meridional. O Quadro nº 1 relaciona esses municípios,<br />

indicando, para cada um, a população total da cidade sede do município e a taxa<br />

de urbanização.<br />

Essa região, por razões históricas de sua formação, com raízes coloniais que remontam<br />

ao século XVI, permaneceu nas mãos da oligarquia latifundiária, que usa a terra como<br />

base de poder. Durante todos esses anos, a terra vem sendo explorada pela monocultura<br />

da cana-de-açúcar, inibindo o surgimento de outras atividades econômicas e gerando<br />

problemas estruturais, tais como: desemprego (estrutural e sazonal), subemprego,<br />

exploração da mão de obra barata, baixo índice de educação formal e de participação<br />

política; infraestrutura social deficiente (saúde, educação, habitação, saneamento), contribuindo<br />

para explicar os péssimos índices de qualidade de vida da população e a existência<br />

da maior concentração de bolsões de pobreza no estado.<br />

A atividade canavieira gera concentração de poder, de renda e de terra nas mãos de<br />

umas poucas famílias e, consequentemente, uma grande quantidade de pessoas de<br />

baixa renda e sem qualificação depende exclusivamente do trabalho nas usinas. No<br />

período da entressafra da cana-de-açúcar, estas pessoas ficam privadas de recursos,<br />

vivendo do trabalho informal e dos programas sociais governamentais. Diante desta<br />

realidade, as mulheres são as que mais sofrem. A elas são reservadas as piores formas<br />

de exclusão, como a falta de trabalho remunerado, a fome e a violência doméstica e,<br />

quando consideramos as questões da raça e etnia, essas relações de exclusão se caracterizam<br />

de forma ainda mais perversa.<br />

A falta de interesse dos gestores e empresários da cana em criar mecanismos que mudem<br />

esta realidade é visível. Grupos políticos se revezam no poder, criando uma cultura<br />

sedimentada na crença de que a cana-de-açúcar é a única vocação agrícola da região.<br />

Dessa crença compartilham trabalhadores, fornecedores de cana, empresários, políticos<br />

e grande parte dos técnicos e instituições públicas.<br />

Apesar de certo dinamismo observado na atualidade, os problemas sociais continuam<br />

crescendo, principalmente a partir da crise do setor canavieiro, que vem se arrastando<br />

47


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

desde a década de 90. É crescente a favelização 23 da periferia dos municípios de referência<br />

para este estudo, bem como o aumento da criminalidade e violência. O desemprego<br />

e a segurança se firmam como um dos maiores problemas dessas cidades. Os indicadores<br />

do desenvolvimento humano e das condições de vida da população da Mata,<br />

medidos pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e pelo Índice de Condições de<br />

Vida (ICV), registram uma distância muito grande de uma situação de desenvolvimento<br />

aceitável. Todos os demais indicadores sociais de condições de vida, medidos pela escolaridade,<br />

habitabilidade e saúde, refletem sempre a mesma situação de carência da<br />

população. Quem vive ou já viveu no interior, acostumado ao ritmo pacato, à vida que<br />

passa e quase nada acontece, percebe que as cidades vão apresentando cenários cada<br />

vez mais semelhantes aos grandes centros urbanos, com moradias de baixa habitabilidade,<br />

sem saneamento e outros serviços essenciais.<br />

Os programas compensatórios do Governo Federal vêm, de certa forma, minorando a<br />

situação de pobreza criada pela crise no setor canavieiro e pelo conjunto das diretrizes<br />

públicas prevalecentes nos últimos anos, gerada no bojo de um modelo de desenvolvimento<br />

que ainda privilegia a elite econômica do país: subsídios ao latifúndio aprofundando<br />

pela vigência de uma cultura patrimonialista e clientelista, que ainda alimenta o<br />

sistema de troca de votos por interesses particulares; manutenção do assistencialismo<br />

e baixo grau de implantação de políticas públicas e sociais que assegurem uma vida<br />

digna e, ao mesmo tempo, dêem suporte ao exercício da cidadania com autonomia.<br />

Dentre os programas compensatórios, então, merecem destaque os programas Bolsa<br />

Família 24 , do governo federal, e o Chapéu de Palha 25 , do governo estadual, os quais<br />

vêm trazendo para a região um volume de recursos que tem um efeito multiplicador<br />

nas atividades locais além de suprir parte das necessidades básicas dessa população.<br />

Outro impacto verificado é o empoderamento das mulheres participantes desses<br />

programas.<br />

23 A favelização deriva da favela, ou seja, é o nome dado a um fenômeno social que ocorre em centros urbanos<br />

em que há o crescimento e proliferação de assentamentos de moradias precárias. Favela, tal como definido pela<br />

agência das Nações Unidas UN-Habitat, é uma área degradada de uma determinada cidade caracterizada por<br />

moradias precárias, falta de infraestrutura e sem regularização fundiária.<br />

24 O Programa Bolsa Família foi criado pelo Governo Lula em 2003. Ele transfere recursos (o menor valor é R$ 32,00)<br />

para famílias extremamente pobres, com a condição de que seus filhos e filhas frequentem a escola e sejam vacinada/os.<br />

Mais de 45 milhões de pessoas já foram beneficiadas. Ressalte-se o fato de que é a mulher que recebe<br />

o cartão para receber o dinheiro no banco.<br />

25 O Programa Chapéu de Palha ocorre na entressafra da cana de açúcar, na zona da mata, e da fruticultura, no<br />

Sertão de S. Francisco. A sua versão para as mulheres, coordenado pela Secretaria da Mulher de Pernambuco, é<br />

uma oportunidade educativa para as mulheres sobre políticas públicas, principalmente com recorte de gênero<br />

e raça, e de profissionalização.<br />

48


Quadro 1 Mesorregião da mata sul pernambucana<br />

MUNICÍPIOS<br />

MATA MERIDIONAL (Mata Sul)<br />

POPULAÇÃO<br />

TAXA DE<br />

URBANIZAÇÃO<br />

Água Preta 28.715 51,15 13.002<br />

Amaraji 21.319 67,49 14.388<br />

Barreiros 39.151 79,29 30.908<br />

Belém de Maria 10.634 61,80 4.200<br />

Catende 31.149 75,19 19.944<br />

Cortês 19.986 65,22 8,436<br />

Escada 63.517 79,82 42.530<br />

Gameleira 23.784 70,26 16.001<br />

Jaqueira 11.640 50,78 5.911<br />

Joaquim Nabuco 15.921 60,40 9.617<br />

Maraial 13.940 56,44 6.454<br />

Palmares 55.658 77,82 45.548<br />

Primavera 11.470 57,92 6.643<br />

Quipapa 22.202 49,11 9.706<br />

Ribeirão 41.368 71,39 27.356<br />

Rio Formoso 20.763 40,21 6.963<br />

São Benedito do Sul 10.477 50,33 3.643<br />

São José da Coroa Grande 13.953 67,98 9.494<br />

Sirinhaém 33.079 41,03 9.674<br />

Tamandaré 17.056 67,65 10.835<br />

Xexéu 13.597 57,76 7.853<br />

POPULAÇÃO<br />

SEDE MUNICÍPIO<br />

Fonte: Censo IBGE - 2010<br />

Os primeiros movimentos sociais na Zona da Mata pernambucana surgiram da reação<br />

dos trabalhadores em defesa dos interesses do homem do campo, em face da grande<br />

dependência que mantinham com os usineiros. Esses movimentos lutavam para assegurar<br />

direitos trabalhistas desrespeitados, pela posse e uso da terra. O início da década<br />

de 60 assistiu ao momento de maior tensão, quando da atuação das Ligas Camponesas.<br />

49


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

São inúmeras as associações rurais vinculadas aos sindicatos, permanecendo importante<br />

o seu papel, durante e após a crise do setor canavieiro. Além da defesa dos interesses<br />

trabalhistas, os sindicatos atuam também no apoio assistencial aos seus associados.<br />

Muitos dos trabalhadores têm a dupla condição de trabalhador assalariado e de produtor<br />

familiar, em parcelas de assentamentos, porém mantêm seus vinculos com o sindicato<br />

de trabalhadores rurais.<br />

Nos últimos 15 anos as organizações de mulheres vêm se destacando na Região, entre<br />

elas destacam-se as articulações entre os grupos, paticipação em conselhos setoriais 26 ,<br />

com a finalidade de articular a participação popular no planejamento, fiscalização e<br />

controle das políticas públicas. Aos poucos, essas organizações vêm possibilitando a<br />

participação mais efetiva da sociedade local, e mobilizando as mulheres em prol da<br />

luta por direitos nas áreas de produção rural, saúde, educação, segurança e bem-estar<br />

social, entre outros.<br />

2.4 Sertão do Pajeú<br />

O Território Sertão do Pajeú - PE abrange uma área de 13.350,30 Km² e é composto por 20<br />

municípios: Afogados da Ingazeira, Iguaraci, Quixaba, Santa Terezinha, São José do Egito,<br />

Serra Talhada, Sertânia, Tabira, Brejinho, Calumbi, Carnaíba, Flores, Itapetim, Mirandiba,<br />

Santa Cruz da Baixa Verde, São José do Belmonte, Solidão, Triunfo, Tuparetama e Ingazeira.<br />

A população total do território é de 395.293 habitantes, dos quais 153.673 vivem na área<br />

rural, o que corresponde a 38,88% do total. Possui 33.804 agricultores familiares, 1.810 famílias<br />

assentadas, 16 comunidades quilombolas e uma terra indígena. Seu IDH médio é 0,65. 27 .<br />

Essa região faz parte do semiárido pernambucano e é caracterizada pela atividade agrícola,<br />

com enfoque na agricultura de subsistência. A região comporta todos os municípios<br />

do sertão de Pernambuco que são banhados pelo Rio Pajeú, afluente do grande<br />

São Francisco. O rio São Francisco sempre foi um canal importante de ligação entre o<br />

Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, feitos através da navegação fluvial. Estrategicamente,<br />

esse rio e seus afluentes contribuíram para o controle e o povoamento do interior,<br />

onde, ao longo da história, constituíram-se os grandes latifúndios e os pequenos minifúndios,<br />

ambos responsáveis pelo atraso econômico e social do Vale. A posse ou acesso<br />

a terra, para a maioria da população, continua sendo um grande desafio para a sociedade,<br />

além da seca que é fruto do clima da região e provoca dificuldades sociais para<br />

26 Conselhos Setoriais foram criados pela Constituição de 1988 e existem em diversas áreas: saúde, educação,<br />

criança e adolescente, entre outros. São formados por integrantes do governo e da sociedade civil. Alguns têm<br />

caráter deliberativo, e outros apenas consultivos.<br />

27 Fonte: Sistema de Informações Territoriais.<br />

50


todas as pessoas. O desemprego é muito elevado, provocando o êxodo rural (saída das<br />

pessoas do campo em direção as cidades), pois muitos habitantes fogem da seca em<br />

busca de melhores condições de vida nas cidades grandes. Ao mesmo tempo, as cidades<br />

da região se mantêm na dependência de ações públicas assistencialistas que nem<br />

sempre operam de modo adequado e, mesmo quando funcionam, não geram condições<br />

para um desenvolvimento sustentável da região. A pobreza do Nordeste tem sido<br />

caracterizada como uma consequência da seca. No entanto, estudos comprovam que a<br />

pobreza resulta muito mais da forma de exploração da terra e das relações de produção,<br />

do que do impacto da seca; o problema é muito mais social que natural.<br />

A região está localizada numa área em que as chuvas ocorrem poucas vezes durante<br />

o ano. Esta área recebe pouca influência de massas de ar úmidas e frias vindas do sul.<br />

Logo, permanece durante muito tempo, no sertão nordestino, uma massa de ar quente<br />

e seca, sem gerar chuvas. O desmatamento na região da Zona da Mata também contribui<br />

para o aumento da temperatura na região do sertão nordestino. Outras características<br />

da região são: a baixa umidade, o clima semiárido, o solo seco e rachado, a<br />

vegetação com presença de arbustos com galhos retorcidos e poucas folhas (caatinga)<br />

e temperaturas elevadas durante todo ano.<br />

A caatinga, palavra originária do tupi-guarani, que significa “mata branca”,<br />

é o único sistema ambiental exclusivamente <strong>brasil</strong>eiro. Possui extensão territorial<br />

de 734.478 de quilômetros quadrados, correspondendo a cerca de<br />

10% do território nacional. Está presente nos estados do nordeste e no norte<br />

de Minas Gerais.<br />

51


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Algumas ações poderiam contribuir para diminuir os impactos da seca tais como: construções<br />

de cisternas, açudes e barragens; investimentos em infraestrutura na região;<br />

distribuição de água através de carros-pipa em épocas de estiagem (situações de emergência);<br />

implantação de um sistema de desenvolvimento sustentável na região, para<br />

que as pessoas não necessitem sempre de ações assistencialistas do governo; incentivo<br />

público à agricultura adaptada ao clima e solo da região, com sistema de irrigação. Nesse<br />

contexto, a partir do trabalho realizado com os grupos, percebe-se que as mulheres<br />

são as que mais sofrem com a seca.<br />

Como alternativa de organização, as mulheres criaram a Rede de Mulheres Produtoras<br />

do Pajeú, cujo objetivo central é fomentar um processo de organização produtiva e da<br />

gestão dos empreendimentos para que as mulheres possam ampliar sua inserção no<br />

mercado e aumentar sua renda. A Rede é uma organização de base que busca tirar os<br />

grupos do isolamento para um processo de comercialização justa e solidária, através de<br />

uma economia inclusiva. As grandes marcas da Rede são a capacidade de mobilização<br />

local das mulheres e também a preocupação com o fortalecimento social, político e<br />

econômico das mulheres artesãs da Região do Pajeú.<br />

A seca que atingiu o Nordeste em 2012 foi a pior dos últimos 30 anos, tendo sido o semiárido<br />

nordestino a região mais afetada do país. A seca trouxe muito prejuízo para as<br />

principais fontes de renda da região, como a pecuária e a cultura do milho e do feijão.<br />

2.5 O Estado de Alagoas<br />

O Estado de Alagoas faz divisa de seu território com os Estados de Pernambuco, Sergipe,<br />

Bahia, sendo banhado pelo oceano Atlântico. Detém uma extensão territorial de<br />

27.767,66 km² com 102 municípios, distribuídos em três mesorregiões e em treze microrregiões,<br />

as quais possuem suas próprias peculiaridades socioeconômicas.<br />

Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a região possui<br />

uma população estimada de 3,089 milhões de habitantes. A capital, Maceió, concentra<br />

cerca de 30% deste total e detém uma densidade demográfica de 109,37 hab/Km2,<br />

considerada a 4ª maior do Brasil. O número de domicílios existentes no Estado é de<br />

760.130, no entanto, estudos apontam um déficit habitacional de 160.600 domicílios. O<br />

acesso a serviços de utilidade pública nas residências, como de água encanada, atinge<br />

64,1% da população, enquanto que a rede de esgoto, só chega a 30,5% da população.<br />

O nível de escolaridade da população alagoana é baixo, sendo a maioria composta por<br />

analfabetos e pessoas com ensino fundamental incompleto, ambos totalizando 71% da<br />

população, sendo que 7% da população possuem ensino médio completo e, apenas 3%<br />

têm formação de nível superior.<br />

52


No ano de 2003, Alagoas tinha 57,90% de seus domicílios considerados pobres, ou seja,<br />

com renda domiciliar per capita inferior à linha da pobreza. Além disso, o índice de GINI<br />

do Estado era de 0,608, o que sinalizava uma alta concentração de renda na região. No<br />

entanto, pode-se verificar que, a partir de 2004, esses indicadores vêm gradativamente<br />

melhorando, mostrando uma redução da pobreza no estado e uma evolução na distribuição<br />

de renda. Tal fato pode ser explicado pela ampliação dos programas assistencialistas<br />

(principalmente o Bolsa Família - PBF), direcionados à região Nordeste, os quais<br />

impactam diretamente nos estados mais pobres da Federação.<br />

O estado se destaca pela presença forte do coronelismo e do capitalismo, que andam<br />

juntos, servindo de base para a velha política do assistencialismo, que prevalece através<br />

das grandes concentrações. A região do litoral e zona da mata com a monocultura da<br />

cana de açúcar tem sido palco de promoção da miséria nas famílias, não se diferenciando<br />

muito da região do agreste, onde o fumo é cultivado nas pequenas propriedades<br />

com um alto índice de agrotóxicos causando doenças e mortes nos camponeses.<br />

A região da bacia do Rio São Francisco é uma região muito rica, porém, em sua maioria,<br />

os camponeses não conseguem utilizar a água ou até mesmo pescar, pois o rio está<br />

muito degradado. O Rio São Francisco, a cada dia, está mais ameaçado, pois as políticas<br />

de desenvolvimento não promovem a integração do povo da bacia; pelo contrário,<br />

promovem a desagregação dos valores e das culturas regionais, além do projeto de<br />

transposição das águas do São Francisco, que prevê a construção de uma barragem de<br />

contenção que atingirá três municípios alagoanos ribeirinhos: Pão de Açúcar, Piranhas<br />

e Belo Monte, o que poderá expulsar tanto camponeses quanto moradores das cidades.<br />

Outro fator negativo é a destruição da natureza que vem aumentando com o avanço<br />

do agronegócio, principalmente através da cana-de-açúcar que avança na região, promovendo<br />

assim a saída dos trabalhadores da roça para as cidades e até mesmo para o<br />

trabalho semiescravo nos canaviais.<br />

Os grupos de mulheres que fazem parte do processo da investigação integram o Movimento<br />

da Mulher Trabalhadora Rural e Pescadora de Alagoas - MMTRP. Eles estão articulados<br />

nos sindicatos rurais e nas associações de pescadoras/es. O MMTRP se preocupa<br />

com o processo de formação política e organização das mulheres rurais e pescadoras.<br />

Resumindo, o Brasil e Região Nordeste destacam-se por sua grande dimensão territorial<br />

e populacional, no entanto, o Nordeste se sobressai pelos piores índices econômicos e<br />

sociais do país.<br />

A conjuntura alagoana continua marcada pela exploração do Rio São Francisco pela<br />

Companhia de Desenvolvimento do Vale São Francisco - Codevasf, com suas consequências<br />

negativas - desmatamento pelos monocultivos de cana-de-açúcar e pastagem, a<br />

53


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

devastação dos mangues, a destruição de várzeas e lagoas marginais. Por outro lado, as<br />

famílias de agricultores permanecem vivendo de culturas de subsistência como o feijão,<br />

o milho e a mandioca, em conjunto com a criação de pequenos animais como galinhas<br />

cabras e ovelhas.<br />

O Sertão do Pajeú, região de semiárido é caracterizado pela seca, êxodo rural, agricultura<br />

de subsistência e grandes propriedades rurais, sendo também marcado por sua<br />

capacidade de mobilização da sociedade civil e fortalecimento da auto-organização<br />

das mulheres.<br />

Por fim a Mata Sul de Pernambuco é marcada pela monocultura da cana-de-açúcar, ausência<br />

de oportunidades no trabalho formal e informal, profundo quadro de exclusão<br />

e miséria e alto índice de analfabetismo. O Projeto Menina Mulher e Cidadania 28 é um<br />

marco para a região tendo contribuído para o surgimento de novas organizações de<br />

mulheres, revelar a percepção da diminuta participação das mulheres nos sindicatos,<br />

partidos políticos, grupos comunitários e religiosos, e para organizar e encaminhar reivindicações<br />

pelas políticas públicas estruturadoras para a Zona da Mata Sul.<br />

A seguir apresenta-se o perfil dos grupos de mulheres investigados, inseridos nesses<br />

contextos. Trata-se de uma reconstrução das histórias e processos desses grupos. Devido<br />

à grande extensão da área geográfica nas localidades onde se deu a investigação no<br />

Brasil, foram selecionados três grupos em cada região para este fim.<br />

28 Projeto Menina Mulher e Cidadania foi executado pelo Centro das Mulheres do Cabo, na Zona da Mata Sul de<br />

Pernambuco com o objetivo de discutir a organização política e a Formação Feminista com jovens e adolescentes<br />

da região. O Projeto foi executado no período de1994 a 1997 e foi apoiado pelo UNICEF.<br />

54


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

III. PERFIL DOS GRUPOS<br />

56<br />

©Gabriela Monteiro


Antes de apresentar o perfil dos grupos, é preciso fazer um esclarecimento metodológico.<br />

O universo de trabalho do CMC, MMTR e CMN é bastante amplo,<br />

envolve muitos municípios em cada área assim como grupos. Entretanto, devido<br />

ao curto espaço de tempo, em cada área pesquisada, apenas três cidades foram<br />

priorizadas. Em Alagoas, estas foram Penedo, Maragogi e Inhapi; na zona da mata de<br />

Pernambuco, Ribeirão, Joaquim Nabuco e Água Preta e no Sertão do Pajeú, Afogados<br />

da Ingazeira, São José do Egito e Tabira. Dessa maneira, o uso do método da ‘árvore do<br />

poder’ e a visita da investigadora responsável para ajudar a clarear os temas discutidos<br />

só ocorreram nas três cidades.<br />

3.1 Alagoas<br />

3.1.1 Grupo de Mulheres Rainha da Paz, Inhapí:<br />

Localizado na da Comunidade de Cabaceiro, município de Inhapí, o grupo existe há<br />

mais de 10 anos e é composto por 15 mulheres agricultoras, sertanejas com pequenas<br />

propriedades. Organiza as mulheres para debater seus problemas, mas não discute<br />

muito a participação política das mulheres, mesmo tendo uma candidata nele, que é<br />

Antônia Guerra, sua coordenadora.<br />

Grupo de Mulheres do Sítio de Cabaceiro<br />

57


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Dona Antônia Guerra disse que na década de 1980 teve uma mulher muito jovem que<br />

se candidatou à prefeita, mas como se decepcionou com a compra de votos, desistiu e<br />

retirou a candidatura. Disse, ainda, que nunca houve uma prefeita na história do município,<br />

mas houve uma candidata à vice-prefeita, que tentou até o fim. Chama-se Bernadete,<br />

e é trabalhadora rural e uma das fundadoras do MMTR-NE. Bernadete se desiludiu<br />

com a política depois dessa disputa eleitoral, em que o candidato a prefeito pela sua<br />

chapa, um trabalhador rural, grande liderança da região, se vendeu para os poderosos<br />

do estado.<br />

Em dezembro de 2012, o Sitio Cabaceiros foi visitado novamente pela equipe de investigação.<br />

Registrou-se que o local é marcado pela terra torrada com a seca e o calor escaldante.<br />

O trabalho duro na roça no Sertão Nordestino significa que todas as mulheres<br />

trabalhadoras rurais estão sofrendo com a perda da plantação e dos pequenos animais,<br />

que criam para o próprio sustento, devido à estiagem – o que também faz aumentar as<br />

tarefas domésticas, pois têm que buscar água para o consumo da casa em locais distantes,<br />

além de monitorarem o próprio consumo.<br />

A seca deixa um rastro de destruição e desalento. A maioria das famílias está se sustentando<br />

com o recurso do Programa Bolsa Família (PBF), programa de distribuição de<br />

renda do governo federal. As mulheres falam do PBF com certo ar de orgulho, por serem<br />

elas as responsáveis por receberem o dinheiro e fazer uso do mesmo, priorizando<br />

a manutenção das crianças na escola, comprando alimentos e materiais escolares. As<br />

mulheres se sentem importantes por não ter que depender do dinheiro de seus companheiros,<br />

e isso deu autonomia a muitas delas, pois mesmo quando já trabalham na roça,<br />

não conseguem ficar com o dinheiro da sua produção, ao contrário do que acontece<br />

com o Programa Bolsa Família.<br />

Sobre o poder, elas consideram que é algo que têm e que “esse poder era exercido primeiro<br />

dentro de casa, com a capacidade de cuidar da família e lidar com as dificuldades<br />

da pobreza”. Todas disseram que o fato de trabalharem na roça não altera em nada a<br />

responsabilidade exclusiva pelo trabalho doméstico e de cuidados. Para as mulheres,<br />

a realização dos trabalhos da casa faz parte da identidade primária, assim como a maternidade,<br />

que aparece como um lugar principal da mulher. Desta forma, colocaram<br />

também que as atividades produtivas realizadas por elas são consideradas extensão do<br />

trabalho doméstico, e incluídos aí os cuidados com a roça e com os animais.<br />

Durante a aplicação da dinâmica com muita participação do grupo, as mulheres manifestaram<br />

muita esperança na gestão do novo prefeito eleito, um homem do Partido<br />

dos Trabalhadores (PT) que veio das bases do movimento sindical e que promete um<br />

trabalho articulado com as organizações sociais.<br />

58


Reunião no Sítio Cabaceiros – Alagoas<br />

O exercício da árvore do poder<br />

Ao realizar o exercício, foi pedido às mulheres para identificar na base do poder - simbolizada<br />

pela raiz fincada ao chão e produtora dos nutrientes que dão vida à árvore<br />

- os grupos e pessoas que elas identificam como aquelas/es que permanecem fortes<br />

no poder local, dando o norte da política ou estabelecendo determinadas regras para<br />

o povo. Na raiz, as mulheres colocaram as pessoas que estão nos poderes da República.<br />

Vereadores, prefeito, deputados, presidenta e também o Movimento da Mulher<br />

Trabalhadora (MMTR) e dona Antonia, liderança do grupo na localidade. Antonia foi<br />

candidata à vereadora nas últimas eleições e teve menos de 40 votos. Ela falou de sua<br />

experiência e contribuição para trazer o PT para o lado do povo. E gostou de ser aplaudida<br />

nos comícios, mas achou muito cansativo todo o processo.<br />

59


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Dona Antonia Guerra do MMTR<br />

O corpo, às vezes, estava tão cansado que tomava conta da mente. [...] Meu sonho<br />

é trabalhar pelo povo e mesmo não tendo ganhado as eleições, fico feliz porque o<br />

prefeito ganhou, pois sei que agora Inhapi vai ter jeito, vai chegar chegar a vez das<br />

organizações ajudar a governar.<br />

(Antonia Guerra)<br />

Percebe-se dessa fala o espírito partidário de Antonia, que vê seu ganho não na sua<br />

eleição pessoal, mas na do prefeito e no que ele representa em termos de governar com<br />

as organizações populares, ou seja, uma visão de poder mais ampla.<br />

Na montagem da árvore do poder, o caule, que sustenta a raiz e a copa, representa o<br />

lugar de sustentação do poder na região, do baixo sertão de Alagoas. As mulheres colocaram<br />

todas as organizações sociais locais, como a Articulação do Semiárido (ASA),<br />

sindicatos, a agência de cooperação Visão Mundial, além das famílias tradicionais dos<br />

políticos e as igrejas, como também do MMTR. Elas consideram essas instituições mais<br />

próximas e crêem que através do trabalho desenvolvido, o poder é melhor distribuído<br />

e não concentrado em apenas um grupo.<br />

Já na copa da árvore, simbolizada pelas folhas e os frutos, que representam as consequências<br />

desse poder para o povo, em especial, para a vida das mulheres, o resultado<br />

mostra uma realidade difícil, onde foram ressaltados como aspectos negativos as<br />

60


carências no campo das políticas públicas – em especial, para amenizar os males trazidos<br />

pela seca -; a violência generalizada e, em particular, a violência contra as mulheres;<br />

a manutenção de deteminadas famílias que se revesam no poder a desmobilização<br />

em relação às questões que afetam diretamente a vida das mulheres. Como pontos<br />

positivos, enfatizou-se o Programa Bolsa Família, como sendo uma espécie de solução<br />

neste período de fome devido à seca, além da força das mulheres e do MMTR, e dos<br />

projetos desenvolvidos por Visão Mundial e pela Articulação do Semiárido - ASA, como<br />

o programa de construção de cisternas.<br />

Houve uma menção recorrente à Presidente Dilma Rousseff durante a investigação. As<br />

mulheres têm a Presidenta Dilma como uma referênciade que uma mulher pode governar<br />

muito bem o país, ainda que houvesse algumas opiniões de que Dilma só chegou lá<br />

por causa de Lula. Foi informado também que haverá uma mulher vereadora no município<br />

e que ela poderá fazer a diferença se tiver o apoio das mulheres e do movimento.<br />

Além de Dona Antonia, estava presente no grupo, a companheira Angela, da cidade da<br />

Mata Grande, que foi candidata à vereadora também na última eleição. Ela falou que<br />

sua candidatura foi uma boa experiência, afinal, poder sentir na pele o quanto é difícil<br />

conquistar votos. Ela afirma que o movimento contribuiu muito para que ela tivesse<br />

coragem e chegasse a esse lugar – o que, segundo ela, foi um momento de capacitação<br />

sobre o quanto as mulheres sofrem para conquistar o poder. Mesmo não tendo sido<br />

eleita, ela afirma que todo este processo foi positivo, pois como o prefeito apoiadopor<br />

ela venceu, será possível ficar mais perto da gestão e monitorar os projetos. Ela afirma<br />

que tirou muitas lições, entre elas, a de que vencer ganha a eleição é para quem tem<br />

mais poder dentro dos partidos.<br />

Foi valioso pelo conhecimento adquirido e<br />

pela honra de poder votar em mim mesma.<br />

(Angela.)<br />

Ou seja, mesmo sem ganhar a eleição, ter a possibilidade de acompanhar de perto a<br />

gestão, monitorar os projetos, e dar opinião como representante do partido do prefeito,<br />

são outras formas para se obter conquistas para a comunidade.<br />

61


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Desenho da árvore<br />

do poder, Sítio Cabaceiros<br />

A visita a esse grupo foi muito significativa, por ver a força de mulheres que vivem em<br />

um lugar marcado pela seca e por carências e que, mesmo assim, não se dobram às dificuldades<br />

e nem desistem da luta. Ver de perto o resultado da seca na vida das famílias<br />

foi muito impactante e totalmente diferente do que se tem anunciado na TV. A vida das<br />

pessoas daquele lugar é muito mais difícil do que se pode imaginar e a das mulheres<br />

muito mais. A terra torrada pelo sol, as roças queimadas, as carcaças dos animais mortos<br />

e o sol escaldante. A pouca água que chega às casas vêm de longe no lombo do jumento<br />

para fazer milagre. A pele queimada das mulheres e as mãos marcadas pelo trabalho<br />

pesado, tudo isso impressiona, e mostra o quanto estas mulheres “têm poder”, mesmo<br />

sem que percebam. Ouvir suas experiências, o trabalho cotidiano na roça e na família, a<br />

esperança por dias melhores, a confiança e a fé de que a vida vai melhorar faz com que<br />

nosso trabalho no âmbito do convênio e o processo formativo a partir da investigação<br />

sejam valorizados.<br />

Foi interessante constatar que os estragos da seca poderiam estar sendo piores se as<br />

mulheres não estivessem acessando os recursos do Programa Bolsa Família (PBF), criado<br />

em 2003, durante o governo Lula, e que hoje atende cerca de 11 milhões de famílias<br />

em todo o país. O Programa transfere recursos para famílias de baixa renda, que fica<br />

62


com a responsabilidade de manter seus filhos na escola e vacinados. São as mulheres<br />

que recebem os recursos. Elas afirmaram que a Bolsa tem impedido que as famílias passem<br />

necessidade e que muitas vezes este é o único dinheiro que as famílias têm para o<br />

sustento das/os filhas/os.<br />

3.1.2 Comunidade Junco, Maragogi<br />

Junco é um assentamento de reforma agrária, situado no município de Maragogi, litoral<br />

norte do estado de Alagoas, com 50 famílias. O local é de difícil acesso em estrada de terra,<br />

e totalmente desprovido de infraestrutura básica de saúde, educação, segurança, saneamento,<br />

tratamento d’água, escoamento do lixo, comunicações (internet), transporte<br />

público, assistência técnica para produção agrícola etc., o que não foge às características<br />

básicas que apresentam a maioria dos assentamentos da região Nordeste do país.<br />

No período das chuvas, as estradas se tornam intransitáveis, o que dificulta ainda mais<br />

o acesso aos serviços essenciais necessários ao bem viver que, se encontram na cidade<br />

e a comercialização da produção. A maior parte das/os assentadas/os apresenta baixo<br />

grau de escolaridade e a renda per capita é de R$128,00/mês. A principal fonte de renda<br />

do assentamento é a fruticultura, em especial coco, em natura e beneficiado (doces),<br />

seguido da banana, mamão, manga, laranja, mangaba, entre outras, e também do cultivo<br />

de raízes como macaxeira e batata doce. Parte dessa produção é comercializada por<br />

meio do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, do Programa Governamental da<br />

Agricultura Familiar - PGAF, e são destinados à merenda escolar e a hospitais públicos<br />

da região ficando o restante para consumo próprio.<br />

O assentamento teve início com uma ocupação no dia 19 de setembro de 1997. Na<br />

época, havia cerca de 400 famílias e, ao longo de quase três anos, aconteceram sete<br />

despejos. As lideranças que estavam à frente eram homens e mulheres, mas quem brigava<br />

mais pelas terras eram as mulheres.<br />

No início, era um acampamento com barracas de lona conduzido pelo Movimento dos<br />

Trabalhadores Sem Terra - MST. Depois de dois anos e sete meses de resistência foram<br />

selecionadas 47 famílias para ficarem nas terras. Agora, essas famílias vivem em agrovila<br />

e cada uma tem seu lote de terra, mais afastado dessa agrovila, onde planta coco,<br />

mandioca e fruteiras. Ainda não há escola e as crianças estudam em uma casa que fica<br />

dentro da comunidade.<br />

Há uma associação de moradores, onde a diretoria é composta por quase 75% de mulheres.<br />

A maioria delas não participa do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras<br />

Rurais do município e nenhuma mulher participa de algum partido político.<br />

63


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

A ocupação da comunidade pelas famílias data de 1997, mas o surgimento do grupo<br />

de mulheres que já estavam assentadas só ocorreu a quatro anos, sendo constituído<br />

por 29 mulheres assentadas da reforma agrária. As mulheres trabalham na produção<br />

artesanal e na produção de doces. Elas afirmaram que esse trabalho é importante para<br />

o fortalecimento do grupo, pois gera renda complementar para as famílias. Elas utilizam<br />

como matéria-prima a fibra da bananeira para produção de objetos, como bolsas,<br />

almofadas, painéis, jogo americano, abajur. Esses produtos são comercializados em hotéis<br />

e feiras da região, aproveitando o potencial turístico local, e têm apoio de alguns<br />

hoteleiros que disponibilizam espaço para essa comercialização.<br />

Grupo de Mulheres da Comunidade de Junco em Maragogi<br />

Visita da Investigadora Regional ao Grupo de Mulheres da Comunidade de Junco em Maragogi / AL<br />

64


O movimento ajudou as mulheres a se conscientizarem dos seus direitos. Segundo Quitéria,<br />

“Antigamente, as mulheres não tinham direito a nada, mas hoje em dia, elas já<br />

estão na política, temos até uma Presidenta da República. Através das mulheres na política<br />

estamos mais valorizadas.” Na conversa, algumas participantes falaram que existem<br />

muitas mulheres na política, principalmente, na política local e que estas são piores do<br />

que alguns homens. Usaram Maragogi como exemplo, onde só há uma vereadora, mas<br />

que esta não valoriza as mulheres. Por isso elas querem que haja vereadoras trabalhadoras<br />

rurais na Câmara.<br />

O trabalho conjunto vem contribuindo para as discussões sobre o papel da mulher na<br />

comunidade, gerando poder de decisão dentro das famílias; incentivando a busca junto<br />

aos gestores públicos, por melhorias estruturais para o assentamento; estão aprendendo<br />

a valorizar seu voto, a votar em mulheres; a despertar interesse pela política,<br />

avaliando candidatos e suas propostas. A participação de algumas delas nos conselhos<br />

setoriais de saúde e de educação tem sido de muita importância, ressaltou Quitéria<br />

Gomes, liderança da comunidade e mobilizadora do MMTR. Como exemplo, foi mencionada<br />

a melhoria no sistema de transporte dos estudantes, a partir, da luta das mulheres.<br />

Elas também têm também se mobilizado por mais segurança pública, pelo fato<br />

de haver no local uma situação de violência que aflige às mulheres, pois torna a área<br />

vulnerável e propicia a assaltos, tráfico de drogas e, até mesmo assassinatos.<br />

Depois desse tema, a conversa girou em torno apenas das políticas públicas no geral,<br />

com ênfase aquelas que dizem respeito à educação, porque não há escolas na comunidade,<br />

o acesso a essas é difícil e não há transporte para as crianças. A comunidade se<br />

localiza em Maragogi, Alagoas, mas usam os serviços de S. José da Coroa Grande, município<br />

de Pernambuco, que é mais próximo. Tudo isso dificulta a situação de moradoras<br />

e moradores, ao passo que o prefeito faz muitas propagandas enganosas, dizendo que<br />

“tudo vai bem” na comunidade. E quando as lideranças ligam para a rádio local denunciando<br />

a falta de investimento, o prefeito liga em seguida, desmentindo.<br />

As mulheres estão preparadas para protestar nas ruas da cidade, pedindo melhores<br />

condições de vida para as populações rurais. Chama a atenção, o modo como elas estão<br />

atentas à questão das políticas públicas, embora sintam dificuldades para falar da<br />

ocupação dos espaços públicos e de poder pelas mulheres.<br />

65


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Quitéria Gomes, liderança da comunidade.<br />

Nem eu, nem as outras participantes<br />

do grupo, participamos de partido<br />

político. Mas o movimento,<br />

mesmo não tendo vínculos, com<br />

nenhum partido político, incentiva<br />

que as mulheres participem da política<br />

partidária. (Quitéria Gomes)<br />

Nós participamos das reuniões<br />

mensais e de prestações de contas<br />

da colônia e até de conferências 29 ,<br />

podendo elaborar propostas para<br />

serem discutidas nas conferências<br />

ou nos seminários, quando acontecem.<br />

E quando tem as comemorações<br />

do dia 08 de março nos municípios, as mulheres se fazem presentes na<br />

luta pelos direitos. (Edileuza Maria da Silva)<br />

O MMTRP-AL/MMTR-NE significa muito na minha vida, por ter sido a minha<br />

escola de vida. Foi lá que eu aprendi a buscar os meus direitos e lutar pelos direitos<br />

das outras. E ensina quando e onde devemos procurar esses direitos. Por<br />

isso, ele é e sempre será muito importante na minha vida e também de muitas<br />

mulheres que são do grupo e que já foram do grupo de mulheres pescadoras.<br />

(Vera Lúcia da Silva Azevedo)<br />

Se soubesse o que sei hoje, tudo o que o movimento me ensinou, a gente não<br />

teria saído das nossas terras, como nós saímos por volta de 1979, quando a<br />

CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco) desativou<br />

as terras, tomando de dois, três pais de famílias para dar a uma só pessoa,<br />

forçando a pessoa a receber uma miséria, porque a opção era isso ou sair<br />

sem direito a nada. A Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco<br />

- CODEVASF é uma empresa pública <strong>brasil</strong>eira destinada ao fomento do<br />

29 Uma Conferência é uma instância de participação social, geralmente convocada pelo poder público federal, que<br />

tem por objetivo institucionalizar a participação da sociedade nas atividades de planejamento, controle e gestão<br />

de uma determinada política ou de um conjunto de políticas públicas. É um espaço de debates por excelência,<br />

no qual um conjunto de pessoas se reúnem para discutir acerca de temas específicos. No Brasil, temos conferências<br />

de Saúde, Educação, Juventude, Cultura, Comunicação, Mulher e Assistência Social, dentre outras. Algumas<br />

conferências, inclusive, têm sua periodicidade estabelecida por lei.<br />

66


progresso das regiões ribeirinhas do rio São Francisco e Paraíba e de seus<br />

afluentes. (Maria do Carmo Clementino)<br />

Se isso acontecesse, eu não teria deixado acontecer porque eu lutaria até a<br />

morte, se necessário, até porque isso que aconteceu foi lá pelos tempos da ditadura<br />

quando se você não aceitasse o que os homens da lei determinavam,<br />

seria castigado. Nessa época, tudo era tão difícil e as pessoas tinham medo de<br />

enfrentar, por isso algumas pessoas se reergueram, mas outras, até hoje, nunca<br />

mais foram as mesmas. (Gilvanete dos Santos)<br />

3.1.3 Comunidade Santo Antonio, em Penedo.<br />

Após a apresentação, as mulheres começaram a contar a história da comunidade. Disseram<br />

que foi o primeiro bairro e, também, o maior existente em Penedo. Antes, ele era<br />

chamado Bairro Vermelho e, agora, se chama Santo Antônio, mas ainda é conhecido<br />

como Bairro Vermelho. Antes, havia um matadouro e existiam as fábricas de arroz, têxtil,<br />

de óleo, de mamona, de óleo de coco, de sabão, e tudo foi desativado. Trata-se de um<br />

bairro ribeirinho e a maioria das mulheres da comunidade são de pescadoras. Porém,<br />

não existem mais peixes como antes, devido ao nível do rio ter diminuído, por causa das<br />

barragens feitas e também por causa do gasoduto da Petrobrás, que passa dentro do<br />

rio. A comunidade conta com uma associação de moradores, porém, esta não funciona.<br />

Na cidade, há duas vereadoras, mas suas atuações não são muito evidenciadas, sendo<br />

que uma delas se destacava mais quando era Secretária de Ação Social do município,<br />

pois na sua gestão, a população era muito beneficiada com cestas básicas, óculos, etc.<br />

Ainda acontece violência doméstica, mas a população não interfere, por pensar que se<br />

trata de casos isolados.<br />

O grupo de mulheres pescadoras da cidade de Penedo em Alagoas foi visitado novamente<br />

em novembro. As mulheres passaram a fazer parte da colônia dos pescadores<br />

em 1994, no entanto, só se organizaram como grupo em 2003, com o objetivo de lutar<br />

por direitos trabalhistas. Após muitas idas e vindas conseguiram registro legal, se<br />

fortaleceram dentro da associação de pescadores/as e aproveitaram a oportunidade<br />

para fazer curso de beneficiamento de pescados. Quando o grupo foi fundado, havia<br />

36 mulheres; hoje, são 20. Com exceção de uma, que é professora, todas as demais são<br />

pescadoras e sócias da colônia; nenhuma participa de partido político.<br />

67


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Apesar de ser um grupo de mulheres urbanas, que têm mais acessos a serviços e aos<br />

benefícios de viverem em uma cidade, manifestaram menos garra do que o grupo das<br />

mulheres do sertão. Algumas delas falaram que as mulheres não têm direitos e que a<br />

violência é muito grande entre as famílias. Há uma carência de formação política e certa<br />

acomodação, tendo uma dependência muito grande da liderança local.<br />

Dentro da colônia de pescadores, que é composta por mais de 200 pessoas, as mulheres<br />

não têm poder. Não exercem cargo na direção e são pouco beneficiadas pelos<br />

projetos. Elas disseram que já foi pior; que antes elas não eram nem vistas e agora os<br />

homens já aprenderam a conviver pacificamente com elas. Nas comunidades de pescadores<br />

existem tabus muito fortes contra a presença de mulheres nessa atividade. O<br />

tabu é simbolizado por meio da crença de que as mulheres trazem má sorte à pesca<br />

ou aos pescadores. Então, antes foi pior e hoje se aprecia uma mudança que revela um<br />

processo de transformação do poder, ainda que pequeno.<br />

O grupo, com o apoio do MMTR, desenvolve um trabalho de fortalecimento das mulheres<br />

pescadoras, com o foco principal de acessarem direitos dentro da colônia, além<br />

disso, participam de atividades de formação junto a mulheres de outros municípios.<br />

Elas falaram que há uma carência de um trabalho mais efetivo sobre a questão da violência<br />

contra a mulher. Narraram várias situações de mulheres que sofrem violência e<br />

não encontram apoio junto ao poder público para a defesa destas mulheres. Segundo<br />

elas, não adianta denunciar, pois a Lei Maria da Penha 30 ali não é aplicada e ninguém faz<br />

nada. O governador é ausente.<br />

Sobre as eleições municipais, não se elegeram mulheres, a maioria do grupo estava<br />

decepcionada com a vitória do novo prefeito, falaram que se tratava de um homem<br />

jovem que venceu prometendo festas para a juventude e que ganhou com o voto deste<br />

público. O prefeito antigo fez muito pela cidade, melhorou a educação e a saúde, mas<br />

infelizmente não conseguiu se reeleger. Dentro da gestão municipal não têm mulheres<br />

com muito poder e creem que ainda, vai demorar, para isso acontecer.<br />

Foram firmes em afirmar que as mulheres não têm poder e também não decidem nada.<br />

Sobre o Programa Bolsa Família, uma parte do grupo crê que é bom para as mulheres e<br />

outra parte acha que ajuda a tornar as mulheres mais acomodadas e preguiçosas.<br />

30 É lei de número 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, foi decretada pelo Congresso Nacional e sancionada<br />

pelo ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva em 7 de agosto de 2006, sendo que ela entrou em vigor<br />

no dia 22 de setembro de 2006. Dentre as várias mudanças promovidas pela lei está o aumento no rigor das<br />

punições das agressões domésticas contra a mulher. A Lei Maria da Penha ganhou este nome em homenagem à<br />

Maria da Penha Maia Fernandes, que por 20 anos lutou para ver seu agressor preso.<br />

68


As mulheres que são sócias da colônia de pescadores não têm participação na direção<br />

e nas assembleias que ali ocorrem, apenas à coordenadora do grupo apresenta as propostas<br />

das mulheres que, quase sempre, são aprovadas pela maioria dos homens.<br />

De modo geral, na visão do grupo, a participação política das mulheres é muito fraca,<br />

precisa se fortalecer e, para isso, é necessária a união das mulheres, pois muitas não<br />

querem nem apoiar as outras. Uma das participantes, Angelúcia Fernandes, disse que<br />

se houvessem mais mulheres na política, a situação seria melhor: “mesmo que elas desviassem<br />

recursos, elas fariam melhor que os homens, pois mulheres têm mais humildade<br />

para fazer as coisas. E os desvios aconteceriam, porque todo mundo que entra na<br />

política é desonesto”.<br />

Perguntadas sobre se esse era o pensamento de todo o grupo, elas ficaram caladas.<br />

Então, a depoente voltou a ser questionada sobre esse tema: se ela entrasse na política<br />

também iria roubar Ela pensou e disse que não iria roubar, mas afirmou que se oferecessem<br />

algum dinheiro para votar em algum projeto, ela aceitaria.<br />

A investigadora explicou ao grupo que isso seria um ato de corrupção e que se alguém<br />

se corrompe isso significaria que essa pessoa seria ladra. A investigadora falou ainda<br />

que na política há pessoas honestas e comprometidas com os interesses do coletivo e<br />

não com interesses próprios. A depoente falou que mesmo que entrem pessoas honestas<br />

na política, elas não duram muito tempo porque ou são escanteadas ou são assassinadas.<br />

A investigadora lamentou que elas tivessem esse pensamento e disse que o projeto<br />

Mulheres populares e diversas existe, justamente, para incentivar que as mulheres se interessem<br />

mais pela política; para estimulá-las a não apenas discutir essa temática, como<br />

também se inserir nos espaços de decisões, sobretudo nos espaços de poder.<br />

Exercício da árvore do poder<br />

O grupo se reuniu debaixo de uma grande amendoeira, local onde o grupo costuma<br />

fazer os trabalhos. O ambiente contribuiu para a aplicação da dinâmica da árvore do<br />

poder, observando a própria amendoeira e fazendo um paralelo com a vida das mulheres.<br />

A reunião teve uma pequena representação, segundo a liderança houve dificuldade<br />

de mobilização das mulheres, pelo fato de que a reunião estava marcada para o horário<br />

da manhã. Todas são donas de casa e nesse horário fica difícil abrir mão das tarefas<br />

domésticas. Outra característica do grupo, ao contrário das mulheres do sertão, é que<br />

não são muito falantes. Respondem às questões de forma pontual, não trazem muita<br />

experiência, principalmente delas próprias.<br />

69


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Reunião do Grupo de Pescadoras de Penedo – AL<br />

Em Penedo, a raiz do poder é composta pelos pescadores, governador, prefeito e vereadores.<br />

No tronco, onde está à sustentação desse poder, segundo elas, encontram-se<br />

as organizações sociais, o MMTR, o sindicato, o Programa Bolsa Família, os usineiros e<br />

a Federação dos Povos de Terreiros 31 . As consequências desse poder para a vida das<br />

mulheres são de muita carência. A saúde está funcionando, mas ainda precisa melhorar,<br />

falta um lazer que se preocupe com a cultura da terra. Faltam empregos e concurso público.<br />

Faltam moradias e melhoria dos salários na área de educação, e a violência contra<br />

as mulheres é muito grande. É importante perceber que h contradição nessa leitura do<br />

poder é que esta se deve, provavelmente, a pouca maturidade política das mulheres.<br />

As mulheres de Alagoas não têm esperança que a vida mude a partir do trabalho dos<br />

políticos, principalmente por meio do governador.<br />

3.1.4 Grupo de Mulheres Agricultoras da Comunidade Cajueiro<br />

A comunidade surgiu a partir da vinda de várias famílias de comunidades circunvizinhas.<br />

Antes de ser povoada, havia ali muitos pés de cajueiros, o que deu origem ao seu<br />

nome. Ali, as agricultoras fundaram o grupo, que é composto por onze mulheres, mas<br />

apenas duas são pescadoras. Muitas mulheres do povoado são afiliadas à Associação<br />

de Moradores e Pequenos Produtores do Cajueiro Novo - ASMOCAN e muitas pesca-<br />

31 Pessoas que são de religião de matriz africana.<br />

70


doras são associadas às Colônias de Pescadoras de Penedo, de Igreja Nova e de Saúde,<br />

no estado vizinho, Sergipe. Porém, poucas são filiadas ao Sindicato de Trabalhadores e<br />

Trabalhadoras Rurais – STTR.<br />

Essa queda no número de mulheres afiliadas aos sindicatos se explica. Para se ter acesso<br />

a políticas públicas como o Pronaf – Programa Nacional de Agricultura Familiar – é<br />

preciso que agricultores e agricultoras sejam portadores da Declaração de Aptidão ao<br />

Pronaf, conhecida como DAP. Até alguns anos atrás, os sindicatos mediavam essa relação,<br />

tornando obrigatória a sindicalização para agricultoras. Quando essa determinação<br />

caiu, as trabalhadoras rurais passaram a emitir esse documento diretamente nos<br />

órgãos credenciados pelo Ministério da Agricultura. Por esse motivo, as mulheres não<br />

veem mais motivos para continuarem filiadas.<br />

As agricultoras produzem banana, macaxeira, inhame, verdura, feijão, arroz. Foi lembrado<br />

que em certo período, nos meados da década de 1990, muitas famílias de produtores<br />

de arroz receberam a proposta de uma usina sucroalcooleira para produzir cana-<br />

-de-açúcar. Aceitaram, com a ilusão de que a cana lhes traria prosperidade, contudo, só<br />

acumularam prejuízos e dívidas então voltaram a produzir arroz.<br />

Dentro da associação de moradores, existem dois grupos de mulheres. Isso se deve à<br />

necessidade de se ter uma organização de mulheres fortalecida e diversificada. Há um<br />

grupo produtivo de mulheres que costura roupas unissex. E outro grupo que também<br />

produz artesanato com crochê, bordado e pinturas.<br />

Olhando para as relações de gênero na associação, é possível perceber que há uma<br />

divisão: Os homens estão no comando da Associação de Moradores e, Pequenos Produtores<br />

de Cajueiro Novo – ASMOCAN. Na direção, só há duas mulheres, ambas em<br />

cargos de menor poder – uma na vice-presidência e outra na vice-tesouraria -, mas no<br />

conselho fiscal não tem nenhuma. Registre-se que é a vice-presidente é quem faz as<br />

atas das reuniões da direção. Quando tem reunião dos/as associados/as, as mulheres<br />

conseguem o apoio dos homens nas propostas dadas por elas ou para elas. Nunca houve<br />

uma mulher do grupo que se candidatasse a algum cargo público.<br />

No que diz respeito à violência doméstica na comunidade, antigamente era muito forte,<br />

mas agora não se vê muito. Isto aconteceu, segundo as entrevistadas, depois que surgiu<br />

a Lei Maria da Penha, pois as mulheres, quando se veem em risco, ameaçam acionar a<br />

lei e os homens ficam com medo.<br />

Neste grupo não foi realizado o exercício da árvore do poder.<br />

71


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

3.2 Sertão do Pajeú<br />

3.2.1 Xique-Xique<br />

A primeira visita ao Grupo Xique-Xique se deu em um momento bem interessante,<br />

pois o grupo da comunidade da Vaca-Morta 32 , próxima a Monte Alegre 33 , estava recebendo<br />

a visita também de outros grupos de mulheres, da cidade vizinha de São<br />

José do Egito. Esse intercâmbio, articulado pela Casa da Mulher do Nordeste, tinha<br />

como objetivo transmitir a experiência do grupo pesquisado para os demais grupos,<br />

dado ser este um grupo de referência na região, pela trajetória que percorreu em sua<br />

formação e consolidação.<br />

O grupo, que começou com mais de 30 mulheres, hoje é composto apenas por quatro.<br />

Pelo fato de ser uma organização produtiva, essas mulheres que inicialmente<br />

compunham o grupo visavam bastante essa questão: no início, então, se trabalhava<br />

em função do grupo, dos maquinários, equipamentos para melhor produção dos doces<br />

e polpas de frutas; não havia, então, lucros individuais. Porém, algumas mulheres<br />

não compreenderam os motivos que levaram o grupo a traçar esses passos, acabaram<br />

abandonando o grupo.<br />

A sede do grupo foi construída por essas mulheres com o apoio de projetos viabilizados<br />

pela Casa da Mulher do Nordeste. Lá, havia todo o maquinário necessário o que refletia<br />

o ideal das mulheres. E, mesmo tendo custado alto, devido à perda da maior parte das<br />

integrantes, não se deixou de alcançar os objetivos.<br />

As mulheres do Grupo Xique-Xique veem que a sua organização é algo muito importante,<br />

pois permite a elas construir sua independência econômica, e proporciona sua<br />

autonomia dentro de casa, na família, na comunidade. Uma das mulheres já se candidatou<br />

ao Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente 34 , mas a maioria não demonstrou<br />

tanto interesse em ocupar espaços de poder eletivos, apesar de ter ficado claro para todas<br />

que, por causa dos seminários e formações da CMNE, elas conquistaram autonomia<br />

em casa, na família, na comunidade, além de consciência de seus direitos e deveres. No<br />

entanto, elas ainda veem esses espaços de poder eletivos como distantes.<br />

32 Denominação dada à localidade rural do Município de Afogados da Ingazeira – PE.<br />

33 Idem.<br />

34 O Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente nasceu no dia 13 de julho de 1990 junto com Estatuto da Criança e<br />

do Adolescente (ECA), instituído pela Lei 8.069. No Brasil, os conselhos tutelares são órgãos municipais destinados<br />

a zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, conforme determinado no ECA (artigos 131 a<br />

140).O conselho tutelar é composto por cinco membros, eleitos pela comunidade para acompanharem as crianças<br />

e os adolescentes e decidirem em conjunto sobre qual medida de proteção para cada caso. Devido ao seu trabalho<br />

de fiscalização de todos os entes de proteção (Estado, comunidade e família), o conselho goza de autonomia funcional,<br />

não tendo nenhuma relação de subordinação com qualquer outro órgão do Estado.<br />

72


Nas atividades, elas destacam que mesmo já tendo conquistado vários espaços, a maioria<br />

delas ainda está fora desses lugares. Elas argumentam que a causa disto é a falta de<br />

consciência, devido ao baixo grau de organização das mulheres no município. Elas reconhecem<br />

que é preciso que existam mulheres em todos os espaços de poder, para que<br />

a nossa luta seja fortalecida. E veem o caráter estratégico dos grupos para se tornarem<br />

mais conhecidas e para a luta por seus direitos.<br />

A investigadora frisou a importância de também estarem nesses espaços de poder, destacando<br />

que é possível. Então, elas foram lembrando lutas que tiveram de travar com a<br />

Associação do Monte Alegre, no sítio vizinho, quando iniciaram o grupo de mulheres.<br />

Além do preconceito que sofreram por parte de outras mulheres.<br />

As mulheres também destacaram que não basta chegar aos espaços de poder; é necessário<br />

continuar sendo mulher em função de nós mulheres e não agir como os homens.<br />

Por conta das discussões anteriores sobre a forma de governar da maioria homens ficou<br />

claro que estavam se referindo à corrupção, à omissão e à politicagem.<br />

A história do grupo é bem interessante. Teve inicio nas Frentes Produtivas/Frentes de<br />

Emergência, um programa do governo Federal que tinha como objetivo amenizar as consequências<br />

da seca 35 que assolou o Sertão Brasileiro na década de 90. Este programa consistia<br />

em haver contratação do governo de pessoas que estivessem sendo afetadas pela<br />

estiagem para trabalhar em atividades de construção civil, limpeza de barreiros 36 e açude<br />

37 , ajustes de estradas. Enfim, o propósito era ocupar os que estavam sendo atingidos<br />

por esse fenômeno natural e ficavam sem fonte de renda. O pagamento a este trabalho<br />

era feito por meio de entrega de cestas básica e do pagamento de uma ajuda financeira.<br />

Algumas mulheres, analisando uma dessas frentes, percebe que esses trabalhos não<br />

tinham muita serventia, pois na comunidade, já que a Frente de Emergência tinha apenas<br />

a missão de limpar o barreiro, que consistia apenas em tirar a vegetação rasteira<br />

que nasceu no local durante o período de chuvas. Sendo assim quando recomeçassem<br />

as chuvas, a vegetação voltaria a crescer ali. Então, essas mulheres levaram para o supervisor<br />

desse trabalho a ideia das mulheres produzirem doces, usando as frutas que<br />

havia para vender e plantarem hortaliças que precisam de pouca água. A proposta não<br />

foi aceita, porém, uma vez que elas próprias colocam esse anseio, isso se tornou uma<br />

semente para unir as mulheres na criação do grupo.<br />

35 Fenômeno natural, característico do clima semiárido, que consiste em períodos de estiagem. Deixando a paisagem<br />

sertaneja seca, bem como a mesa do trabalhador rural, pois não havendo chuvas não condições de plantar,<br />

não existindo assim colheita. Atinge principal mente a agricultura familiar e os pequenos produtores.<br />

36 Reservatório de água que é comum do Sertão consiste em barreiras de terra que impedem o escoamento da<br />

água, represando a água que serve para as famílias e a comunidade nas épocas do ano de estiagem.<br />

37 Idem.<br />

73


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

De forma independente, algumas mulheres começaram a se reunir, apesar das dificuldades<br />

causadas pelas ocupações do lar, bem como pelo fato de a comunidade repreender<br />

e julgar as mulheres que saíam de casa para reuniões. Já que todas tinham conhecimento<br />

de artesanato, resolveram investir nesse tipo de produção. Inicialmente, a<br />

venda era individual, mas posteriormente, pela falta de mercado, elas decidiram se unir<br />

no grupo também visando à comercialização.<br />

Mesmo restando poucas mulheres, estas não desistiram e uma delas se associou à Associação<br />

do Monte Alegre, comunidade vizinha, por não haver na Vaca-Morte uma associação.<br />

Ao participar como membro, decide organizar melhor o grupo e convidar<br />

mais mulheres que inicialmente contara com mais de 30 integrantes. Este tinha como<br />

objetivo trabalhar sobre questões produtivas relacionadas à agricultura familiar, tais<br />

como plantio a assistência técnica, o polêmico uso de agrotóxico, mas também questões<br />

políticas, tais como a importância da conscientização sobre as condições de opressão,<br />

o empoderamento, e tudo que fosse do interesse das mulheres. Então, escolheram<br />

o nome de Xique-Xique, que é um cacto típico da vegetação caatinga, muito resistente<br />

do sertão, que sobrevive a seca e continua forte.<br />

Pé de Xique - Xique<br />

Fonte: Pé de Xique – Xique<br />

74


As mulheres destacam que havia um maior anseio em construir a sua história pessoal, já<br />

que a associação já tinha uma história própria, construída por apenas duas das mulheres.<br />

Mas era, mesmo assim, uma história de mulheres, buscando seus direitos.<br />

A partir do momento em que começaram a se reunir e produzir juntas, o grupo começou<br />

a receber apoio da CMN e, posteriormente, do projeto federal Projeto Dom Helder<br />

Câmara, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (PDHC/MDA) 38 , que<br />

apoio por meio de formação técnica e financiamento para compra de equipamentos<br />

Então, nas atividades de formação, seminários e outros, falava-se muito no interesse<br />

em aproveitar as potencialidades de cada uma e as matérias-primas às quais o grupo<br />

tivesse acesso. É aí que começa, então, o beneficiamento de frutas da estação que existem<br />

na própria comunidade rural onde vivem, como mangas, goiabas, maracujá, entre<br />

outras, para a produção de doces, compotas e poupas para comercialização de frutas.<br />

A assessoria da CMN para o grupo foi muito importante para a formação, continuação<br />

do grupo e as conquistas. Foi a partir desses encontros que o grupo foi se descobrindo<br />

e ganhando identidade própria, bem como a formação cidadã, social. O PDHC e CMN<br />

ajudaram no modo de comercialização também. A venda dos produtos começou na<br />

feira Agroecologica da cidade de Afogados da Ingazeira.<br />

Com esse trabalho, veio o anseio de ter uma sede, onde as mulheres pudessem produzir<br />

em sistema de cooperativa, como já vinham fazendo, para garantir a qualidade dos<br />

produtos, formando uma cooperativa montaram uma marca para os produtos “Sabores<br />

do Pajeú”. Então, foi elaborado um projeto que, ao ser aprovado, permitiu ao grupo ter<br />

uma sede, mas a luta ainda permanecia, para compra de materiais e aperfeiçoamento<br />

técnico e gestão. Durante muito tempo elas produziam, mas nada lucravam individualmente,<br />

os lucros eram usadas para a melhor estruturação do grupo. Porém algumas<br />

não entendiam isso e deixaram o grupo.<br />

O grupo passou para uma serie de dificuldades. O machismo era uma delas, já que era<br />

preciso enfrentar a família, o marido, a comunidade para permanecer no grupo, ir à<br />

capacitação e ainda trabalhar para a própria associação. Para manter a convivência em<br />

grupo foi fundamental a realização de encontros, capacitações do PDHC e CMN para<br />

entender que o grupo era importante e muito válido. Por outra parte, essas dificuldades<br />

era o que fortalecia o grupo. Mas mesmo restando apenas quatro mulheres, o grupo,<br />

assim como o cacto que lhe dá nome, continua resistindo.<br />

As participantes do Xique-Xique destacam a importância do grupo, dessa organização<br />

para a vida de cada uma. Destacam que ser produtora é muito importante, mas que tem<br />

38 Iniciativa que desenvolve ações estruturantes para fortalecer a reforma agrária e a agricultura familiar no semiárido<br />

nordestino.<br />

75


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

sido também muito válido é a mudança de vida e a busca pelo conhecimento; a liberdade<br />

que o conhecimento feminista fez em suas vidas. A partir do grupo, se sentem iguais<br />

a todas as outras pessoas, capazes de falar, reivindicar seus direitos. Elas afirmam que a<br />

maior importância do grupo não é apenas pelo de ser a fonte de renda delas, mas por<br />

simbolizar a capacidade de cada uma, e o sentimento de igualdade.<br />

As produtoras mostraram também a importância de transmitir o que aprenderam em<br />

suas experiências para ajudar outras mulheres e outros grupos. Dessa forma, percebe-<br />

-se que elas têm uma visão política muito forte, que envolve reflexão e desejo de repassar<br />

sua experiência para outras mulheres.<br />

As mulheres ainda consideram como um sonho distante a possibilidade de ocupação<br />

de cargos públicos. Mas em sindicatos elas têm um papel um pouco mais atuante. No<br />

grupo, há mulheres que já ocuparam diferentes cargos, tais como: diretoria do Sindicato<br />

de Trabalhadores/as Rurais de Afogados da Ingazeira, conselhos municipais de<br />

políticas sociais, associações. Na avaliação do grupo, para que as mulheres dirijam instâncias<br />

mistas, tais como associações e sindicatos, não se necessita dinheiro, mas sim,<br />

reconhecimento público, já que esse tipo de agremiação é mais próximo do cotidiano<br />

das às mulheres Já a candidatura a cargos públicos, é necessário ter dinheiro, pelo fato de<br />

que até hoje, em nossa região, predomina a compra de votos e o jogo de interesses e<br />

favores. Dessa forma, esses espaços de liderança política tornam-se um pouco inacessíveis<br />

para elas.<br />

O segundo encontro foi dirigido para a questão racial. Elas também estão interessadas<br />

em participar e saber sobre o processo de pesquisa. Sobre a identidade racial, uma delas<br />

se identificou como “galega” (loura), e que sua ascendência é holandesa. Outra se<br />

identifica como branca, mas não sabe sua ascendência. De modo geral, no Pajeú, a predominância<br />

é branca. Elas destacaram as várias formas de preconceitos para com as negras,<br />

antigamente, vistas apenas como objetos sexuais, e também para com as louras,<br />

associadas à ignorância, expressa pelo termo popular conhecido como “loura burra”.<br />

O encontro demonstrou a necessidade de entender melhor o processo histórico. A referência<br />

ao negro na Região é a Comunidade Remanescente Quilombola do Leitão da<br />

Carapuça.<br />

3.2.2 Comunidade Remanescente de Quilombo Leitão da Carapuça.<br />

A comunidade fica situada aos pés da Serra do Giz, na localidade rural da Carapuça,<br />

município de Afogados da Ingazeira. Suas origens remontam o início do século XX e<br />

seus primeiros moradores foram ex-escravos fugidos dos latifúndios de cana-de-açúcar<br />

76


do litoral e das grandes fazendas de criação de gado do Agreste e Sertão, a exemplo da<br />

Fazenda Mimoso. O terreno da comunidade é bastante extenso e o relevo acidentado<br />

dificulta o acesso. Por esses motivos e pelo fato de o encontro ter acontecido durante<br />

um dia de semana à tarde, quando a temperatura é muito elevada, o primeiro encontro<br />

da equipe de investigação contou com a presença de apenas duas mulheres.<br />

A comunidade começou o processo de autoidentificação como remanescente de quilombo<br />

a partir da criação de uma associação, por volta da década de 1990, o que proporcionou<br />

à comunidade receber o apoio de entidades como o Projeto Dom Helder e a<br />

Cooperativa dos Profissionais em Atividades Gerais - COPAGEL.<br />

A primeira conquista foi à cultura e o beneficiamento da castanha de caju. Dessa forma,<br />

os homens e mulheres vendem a castanha para uma unidade de produção, localizada<br />

na comunidade, que funciona como uma cooperativa. Vendem para as cidades vizinhas<br />

e feiras a castanha que tem o selo ‘Mãos Crioulas’.<br />

Com o apoio dessas organizações e a força de moradores buscou-se fazer o registro<br />

formal como Comunidade Remanescente de Quilombo. Esta oficialização foi facilitada<br />

pelas características culturais da comunidade, tais como a banda de pífanos 39 e a dança<br />

de coco de roda 40 . As mulheres da comunidade se sentem muito orgulhosas disso,<br />

pois o que as une é a cultura. É notório e causa de orgulho o fato de terem recebido o<br />

Ministro da Cultura Gilberto Gil na comunidade, por ocasião da oficialização do registro<br />

de Remanescentes.<br />

Elas são a maioria na comunidade e na unidade produtiva, o que, na opinião do grupo,<br />

acaba sendo um dos fatores que facilitam o acesso a espaços de poder por lá. De modo<br />

geral, elas consideram que não há muitas dificuldades para isso. Mencionam como<br />

exemplo que a própria secretaria da Associação é chefiada por uma mulher. Mas assinale-se<br />

que o cargo de secretaria é mais comum para as mulheres do que a presidência,<br />

vice-presidência e tesouraria. Percebe-se uma composição com um poder menor para<br />

as mulheres.<br />

39 Grupo de pessoas que fazem musica a partir do pífano, uma espécie de flauta de madeira nativa.<br />

40 Dança típica de comunidades negras. Inicialmente era uma forma de pilar o chão da casa de taipa, caracterizando<br />

o batido forte no chão.<br />

77


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

3.2.3 Grupo de Mulheres Nova Esperança do Assentamento Lagoa de<br />

Outra Banda em São José do Egito<br />

O Grupo de Mulheres Nova Esperança, do Assentamento Lagoa de Outra Banda, em<br />

São José do Egito, também está inserido na associação do assentamento composto só<br />

por mulheres, cuja sede improvisada já foi um enorme pé de umbuzeiro 41 , lugar onde<br />

aconteceram as primeiras reuniões.<br />

O grupo, apesar de ser bem pequeno, é muito engajado e participativo, e as mulheres<br />

que participam dele são também as que lideram a Associação do Assentamento. O Assentamento<br />

já conquistou a construção de casas pelo Instituto Nacional de Colonização<br />

e Reforma Agrária (Incra) 42 ,. Além da Associação, existe o Sindicato de Trabalhadores<br />

Rurais (STR), no entanto, as mulheres são é distante dele. Apesar de sua consciência política<br />

e autonomia, elas ainda têm medo de conquistar esses espaços, pelo fato destes<br />

serem compostos, em sua maioria, por homens que não as consideram como representantes,<br />

apesar das conquistas já obtidas para o assentamento por meio da associação.<br />

É grande a resistência dos homens em aceitar as mulheres neste lugar, já tendo havido<br />

muitos conflitos por conta do machismo.<br />

O fato de algumas mulheres participarem do grupo e mesmo, dentro dele, ocuparem<br />

espaços de poder não as impede de serem tímidas no que diz respeito a se libertar de<br />

estereótipos atribuídos a nós mulheres no processo histórico. Analisando isto, percebemos<br />

que a luta é constante, mas existem casos isolados dentro do grupo, em que<br />

algumas mulheres preferem ficar em casa cuidando da casa e dos bichos, como é o caso<br />

de Elba, cuja mãe (Helena) e irmã (Helaine); são lideranças e participam do movimento<br />

de mulheres Existem também situações de submissão ao marido, como é o caso de<br />

Raquel. Nesse caso, talvez isso se deva ao fato de ela ter dois filhos de outro relacionamento<br />

e de, ao mesmo tempo, ainda depender dele financeiramente. Avaliamos que<br />

dessa forma é possível que ela se sinta pressionada.<br />

41 Árvore típica do semiárido nordestino e do bioma caatinga. , Considera-se que o umbuzeiro é um símbolo do<br />

povo dessa região: é forte, acolhedor e resiste à estiagem característica desse tipo de clima. Por ter uma copa<br />

muito arredondada e enorme, serve de descanso e de local de reunião para o povo sertanejo mesmo quando<br />

perde suas folhas, pois, em épocas de estiagem economiza água, que é armazenada em suas raízes.<br />

42 O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é uma autarquia federal criada pelo Decreto nº<br />

1.110, de 9 de julho de 1970, com a missão prioritária de realizar a reforma agrária, manter o cadastro nacional de<br />

imóveis rurais e administrar as terras públicas da União. Está implantado em todo o território nacional por meio<br />

de 30 Superintendências Regionais. Nos últimos anos, o Incra incorporou entre suas prioridades a implantação<br />

de um modelo de assentamento com a concepção de desenvolvimento territorial. O objetivo é implantar modelos<br />

compatíveis com as potencialidades e biomas de cada região do País e fomentar a integração espacial dos<br />

projetos. Outra tarefa importante no trabalho da autarquia é o equacionamento do passivo ambiental existente,<br />

a recuperação da infraestrutura e o desenvolvimento sustentável dos mais de oito mil assentamentos existentes<br />

no País. http://www.incra.gov.br/index.php/institucionall/historico-do-incra<br />

78


Dessa forma, percebemos a importância dos grupos para o processo de empoderamento<br />

das mulheres. Entretanto, reconhecemos que cada uma, precisa fazer suas escolhas<br />

diante de sua realidade. Assim, pertencer a um grupo é uma condição importante para<br />

o empoderamento, porém esta não pode ser percebida como o único fator que define<br />

o grau de empoderamento de cada mulher, contribuindo aí uma série de outras condições<br />

práticas, mas também fatores subjetivos de cada uma.<br />

Mulheres à sombra do umbuzeiro<br />

3.2.4 Artesanatos Pajeú<br />

Com sede no bairro São Sebastião, em Afogados da Ingazeira, o grupo faz parte da Rede<br />

de Mulheres Produtoras do Pajeú. Atualmente, não conta com nenhum apoio. Quando<br />

indagadas sobre a história do grupo, as mulheres colocaram o fato de terem começado<br />

como grupo de comercialização e que, por causa dos apoios e, assessorias da Casa da<br />

Mulher do Nordeste elas, a partir do grupo, tiveram oportunidade de participar de espaços<br />

de formação, como seminários e a escola feminista, o que contribuiu para que se<br />

empoderassem, passando a adquirir consciência política, social, cidadã.<br />

79


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Mulheres dos grupos investigados Pajeú.<br />

Elas partilham da opinião de que nem todas as mulheres “têm poder”, pois algumas têm<br />

poder de decisão na sua vida, mas outras ainda estão submissas a maridos ou aos pais.<br />

E entendem que o poder é a capacidade de decidir, ocupar cargos públicos e ter autoridade<br />

sobre si mesma. Sentir-se com autoridade e colocar em prática o querer próprio<br />

foram conquistas que, segundo elas, alcançaram com a participação no grupo de mulheres<br />

e na escola feminista. Até então, tinham até medo de falar, de se expressar. Apesar<br />

disso, reconhecem que ainda há no grupo, a exemplo do mundo, muitas mulheres<br />

para as quais a formação e a participação política, ainda não foram suficientes para lhes<br />

fazer romper com a submissão.<br />

Quando o foco do assunto é o modo como às mulheres enfrentam a busca por assumir<br />

lugares de poder, elas refletem que a iniciativa e atuação ainda são muito fracas: fala-<br />

-se muito, faz-se pouco, ou seja, faltam mais ações concretas. Para elas não basta ser<br />

mulher, é preciso atuar. Mas reconhecem que há mulher ocupando espaço de poder no<br />

município, embora elas não conheçam de perto a situação, ou seja, ainda não conseguem<br />

atuar fiscalizando, buscando informações, apesar de haver uma representante do<br />

grupo, Elaine, ocupando o cargo de líder comunitária.<br />

80


Quanto à violência contra a mulher, o grupo avalia que esta sempre existiu, mas não era<br />

“vista”. A Lei Maria da Penha trouxe a violência à tona, o que é muito interessante, pois<br />

as pessoas denunciam e algo é feito. Posteriormente foi apresentada e explicada a proposta<br />

da dinâmica da árvore do poder.<br />

A discussão sobre poder e as<br />

explanações resultaram nas seguintes<br />

classificações. Na raiz do<br />

poder, encontram-se o prefeito,<br />

juízes, delegados, vereadores e<br />

promotores/as públicos. No caule<br />

podem ser vistos ONGs, sindicatos,<br />

igreja, escolas e partidos<br />

políticos. Na copa são visíveis<br />

o esclarecimento, a formação e<br />

a participação das mulheres; a<br />

melhoria no atendimento à saúde<br />

da mulher; as mulheres com<br />

mais liberdade; a visibilidade da<br />

violência contra as mulheres com<br />

pouca solução dos casos; a falta<br />

de formação das mulheres para<br />

o combate à violência; a falta de<br />

autoestima das mulheres, o preconceito<br />

e a homofobia.<br />

Resultado da árvore do poder do grupo<br />

Artesanatos Pajeú.<br />

Com relação a essas consequências ruins que surgiram na copa da árvore, as mulheres<br />

acreditam que os grupos, a Escola Feminista, os seminários e processos de educação<br />

servem para esclarecer as mulheres sobre como buscar soluções para esses problemas.<br />

3.3 Mata Sul<br />

3.3.1 AMMS – Articulação de Mulheres da Mata Sul<br />

A Articulação de Mulheres da Mata Sul é uma rede formada por instituições não governamentais,<br />

sem fins lucrativos, de mulheres do meio popular e feminista, que tem como<br />

base a luta pela defesa e garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres na<br />

81


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

construção da cidadania. A articulação traz como ação mobilizadora a participação direta<br />

das mulheres na garantia de seus direitos, humanos, econômicos, social e cultural.<br />

A Articulação de Mulheres da Zona da Mata Sul foi criada em 15 de março de 2005, a<br />

partir de um seminário sobre o tema do controle social, realizado pelo Centro das Mulheres<br />

do Cabo, em parceira com o SOS Corpo 43 e com o Apoio da Fundação Ford e Terre<br />

des Hommes 44 . O evento contou com a participação direta do movimento de mulheres<br />

da região, e tinha como objetivo construir mecanismo direto para a atuação na fiscalização<br />

da saúde nos municípios trazendo a prática do controle social.<br />

No ano de 2006/2007, os trabalhos da articulação se fortaleceram a partir da realização<br />

das Vigílias Pelo Fim da Violência Contra as Mulheres. Paralelo às atividades regionais, a<br />

Articulação se fortaleceu a partir das pequenas ações realizadas nos municípios.<br />

A coordenação da Articulação é composta por três mulheres, escolhidas pelo coletivo:<br />

uma representante do Centro das Mulheres de Joaquim Nabuco, uma representante<br />

da Associação de Mulheres de Água Preta e uma agricultora que representa o Grupo<br />

de Mulheres Vitória de Serro Azul, da área rural da região. Realizam-se reuniões mensais<br />

onde participam duas mulheres de cada município para garantir uma participação<br />

quantitativa e qualitativa das mulheres. Atualmente, a articulação tem a participação<br />

de nove grupos/associações/centros de mulheres da região da Zona da Mata Sul.<br />

Esta é uma nova forma de poder, uma escala superior, por juntar várias organizações<br />

e contribuir para a ampliação do número de organismos voltados para a construção<br />

de políticas para mulheres (coordenadorias e secretarias). Dessa forma, a Articulação<br />

conseguiu fazer com que gestora/es municipais e estaduais olhem para os problemas<br />

enfrentados pelas mulheres (enchentes, violência de gênero, moradia, etc.).<br />

O movimento de mulheres, depois da Articulação, se fez mais organizado e fortalecido<br />

nas reivindicações por direito e cidadania das mulheres, tendo em vista construir formas/estratégias<br />

de assegurar a atenção do Estado e da sociedade a partir das necessidades<br />

específicas.<br />

3.3.1.1. Centro das Mulheres de Joaquim Nabuco<br />

O enfrentamento ao preconceito foi fundamental para a reunião e organização das<br />

mulheres no município de Joaquim Nabuco chegar ao atual estágio. As mulheres iniciaram<br />

naquele município uma “participação” no Sindicato dos Trabalhadores Rurais sem<br />

43 Instituto Feminista para a Democracia SOS Corpo.<br />

44 Agências de Cooperação Internacional.<br />

82


direito a expressão, onde os homens diziam que ali era um espaço para os homens<br />

comandar, mas uns grupos de trabalhadoras rurais buscavam espaço físico para discutir<br />

e reivindicar seus direitos, reunindo fôlego para ir à luta por melhores condições de<br />

vida para as mulheres. Benedita Ferreira e Margarida da Silva lideraram e ampliaram a<br />

mobilização das mulheres articulando-se com o Centro das Mulheres do Cabo, para organizar<br />

um grupo específico de mulheres no Município, onde tivessem voz, vez e voto.<br />

Foi então, em meados de 06 de agosto de 1989, que o CMJN - Centro das Mulheres de<br />

Joaquim Nabuco - foi fundado. A organização já nasceu com uma característica muito<br />

peculiar, discutindo temas como gênero e cidadania com as mulheres associadas da<br />

zona rural e da cidade.<br />

Atualmente, o Centro realiza com as mulheres e jovens do município o controle social,<br />

atuando no Conselho Municipal de Saúde para que a administração pública via Secretaria<br />

de Saúde, possa garantir o acesso ao preservativo e o atendimento a outras demandas<br />

relativas à saúde das mulheres e dos jovens com recursos do SUS – Sistema Único<br />

de Saúde - na cidade. Foi criado um grupo de jovens no Centro das Mulheres de Joaquim<br />

Nabuco, composto por jovens de ambos os sexos com faixa etária entre 17 e 22<br />

anos, que articulam ações nas escolas e zona rural, promovendo debates sobre temas<br />

como gênero, saúde, cidadania, controle social, geração de renda e outros. O objetivo é<br />

sensibilizar a juventude para a relevância destas questões supracitadas.<br />

A elaboração de documentos com propostas de políticas públicas específicas para as<br />

mulheres do município é uma das prioridades do Centro. A instituição procura ampliar<br />

a presença sistemática na zona rural, orientando a comunidade e principalmente as<br />

mulheres para questões de gênero, saúde sexual e reprodutiva e geração de renda para<br />

as mulheres.<br />

O Centro das Mulheres de Joaquim Nabuco organiza-se em parceria com algumas instituições,<br />

que contribuem de modos diversos, seja do ponto de vista financeiro, logístico<br />

ou de assessoria. Sua coordenação tem uma ampla visão de futuro em longo prazo, e<br />

depende de novas parcerias e renovação das que já existem, pois elas são essenciais no<br />

suporte, sob todos os aspectos, e também no incentivo à continuação do desenvolvimento<br />

das ações inovadoras, podendo assim permanecer com a luta pela garantia dos<br />

direitos das mulheres. Ou seja, tem desenvolvido capacidade de incidência.<br />

3.3.1.2. Centro das Mulheres de Catende<br />

O CMC - Centro das Mulheres de Catende – desenvolve, desde sua fundação, um trabalho<br />

voltado para a saúde das mulheres urbanas e rurais no município, e o público atendido<br />

neste serviço amplia-se, se estendendo ao beneficiamento de mulheres de outros<br />

municípios. A fundação do Centro das Mulheres na cidade de Catende foi precisamente<br />

83


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

a 18 de abril de 1996, local onde o centro desenvolvia atividades de geração de renda,<br />

na época, o artesanato com jovens. Em um segundo momento, as mulheres discutiram<br />

e entraram em consenso que era necessário o trabalho voltado para a formação políticas<br />

das mulheres no que se refere a debates políticos sobre direitos e cidadania.<br />

O índice de câncer de útero fez com que as participantes do Centro se organizassem<br />

em uma batalha contra essa doença. As mulheres visitaram 48 engenhos da Região<br />

para elaborar um diagnóstico da realidade das moradoras dessas localidades. Durante<br />

essas visitas, foram encontradas centenas de mulheres carentes de informação e desassistidas<br />

pelas políticas municipais que deveriam atendê-las. Após se constatar os problemas,<br />

foi dado início à reformatação das frentes mobilizadoras, o que levou o Centro<br />

a formar uma comissão de mulheres com o objetivo de garantir o acesso à informação<br />

sobre câncer do colo do útero para incentivar e motivar as mulheres a realizarem o<br />

exame preventivo.<br />

Esse trabalho começou com palestras educativas sobre o tema, e segue até a realização<br />

do exame com acompanhamento, porque as mulheres, além de realizar esse exame,<br />

precisam voltar para buscar o resultado e apresentá-lo a um/a ginecologista. Mesmo<br />

existindo nove postos de saúde, é na sede da organização que as mulheres de Catende<br />

e de cidades circunvizinhas - como Maraial, Jaqueira, Palmares, Xexéu e outras - encontram<br />

a oportunidade para realizar o exame de prevenção do câncer de colo do útero<br />

com eficiência e eficácia, e totalmente gratuito.<br />

Além de todas as afirmações acima, o Centro das Mulheres de Catende ganhou a credibilidade<br />

das mulheres por atuar com um enorme profissionalismo em relação aos<br />

serviços prestados, porque na verdade as mulheres há muito tempo deixaram de acreditar<br />

no exame preventivo realizado pelo Sistema Único de Saúde, pois a maioria dos<br />

profissionais perdeu a ética profissional.<br />

Todas as atividades realizadas têm como temas prioritários gênero, cidadania e prevenção<br />

às doenças sexualmente transmissíveis. O Centro das Mulheres de Catende tem<br />

assento no Conselho Municipal de Saúde e representações em programas sociais, como<br />

o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável da Zona da Mata. Participou da<br />

elaboração do PIM - Plano de Investimento Municipal, garantindo em suas propostas<br />

ações que incluam as mulheres.<br />

3.3.1.3. Associação de Mulheres da Água Preta – AMAP<br />

A AMAP - Associação de Mulheres da Água Preta foi fundada em 1999, a partir de divergências<br />

com o CMAP - Centro de Mulheres da Água Preta. Basicamente a organização<br />

nasceu tendo que colocar em prática o poder de superação, pois teve um início muito<br />

turbulento, afinal a Associação de Mulheres da Água Preta surgiu das insatisfações rela-<br />

84


cionadas à política geracional do Centro das Mulheres da Água Preta, organização esta<br />

que não mais contemplava a ideologia de algumas mulheres. Havia conflito entre as<br />

ideias das mulheres mais jovens com as mais velhas.<br />

Visita da Investigadora Regional à Mata Sul<br />

Atualmente, a Associação funciona em prédio público do Governo do Estado, na antiga<br />

cadeia municipal da Água Preta, que estava desativada há muitos anos, e foi cedida<br />

por 10 anos à Associação, o que facilitou o desenvolvimento das ações. Antes, a AMAP<br />

funcionava em prédio alugado, o que representava muitas dificuldades para sua sustentabilidade.<br />

Do lado de fora da instituição, às sócias tiveram que administrar outros desafios, enfrentar<br />

o preconceito dos maridos que, sob o argumento de que a Associação “virava a<br />

cabeça” de suas companheiras, por diversas vezes as proibiam, e ainda as proíbem, de<br />

participar de reuniões ou de qualquer manifestação do gênero.<br />

Um grupo para trabalhar com artesanato foi formado e o dinheiro apurado com a comercialização<br />

dos produtos era distribuído entre as mulheres que participavam de sua<br />

produção e uma parte é investido na organização. Uma forma de gerar renda e de tentar<br />

proporcionar sustentabilidade econômica para as mesmas e para organização. Infelizmente,<br />

essa atividade não se consolidou por vários motivos, entre os quais a falta<br />

sensibilização e assimilação de que trabalhar em forma de associativismo e cooperativismo<br />

só tem resultados a médio e longo prazo.<br />

A Associação de Mulheres da Água Preta tem como principal luta a igualdade de direitos<br />

entre mulheres e homens. As ideologias e bandeiras de lutas defendidas pela organização<br />

são colocadas em prática através de passeatas, atos públicos, palestras educativas sobre<br />

temas como violência contra mulher, saúde e direitos, audiências públicas, entre outras.<br />

85


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Pode-se dizer que a associação é presente no que diz respeito às questões de participação<br />

política, realizando o controle social no município e se tornando referência para outras<br />

organizações com atuação em Água Preta, por ter assento em todos os Conselhos<br />

Municipais, atuando de forma qualificada e exercendo a cidadania.<br />

Internamente, ainda há um processo de arrumação, ainda existem opiniões diferenciadas<br />

com relação à gestão da associação, mas a jornada de trabalho durante esses<br />

anos possibilitou várias conquistas, como a implantação da coordenadoria da mulher<br />

do município, a formação política de mulheres e jovens por meio da associação, o apoio<br />

a criação de cooperativa com mulheres produtoras que são associadas Hoje, a visão da<br />

Associação de Mulheres da Água Preta é completamente diferente: temos mais consciência<br />

política do nosso papel como mulheres, boa parte do grupo é feminista do início<br />

de sua fundação; trata-se de uma organização social, mais forte na extensa caminha<br />

pela igualdade de direitos.<br />

O grupo também se destaca pela grande presença das mulheres nos conselhos municipais.<br />

A participação e atuação das representantes da associação nos conselhos de<br />

saúde, educação, direitos das crianças e adolescentes e da mulher, têm trazido muita<br />

visibilidade e capacidade de interlocução com as autoridades do Município. A AMAP<br />

está inserida em vários espaços e tem o respaldo da população e em especial das mulheres<br />

que podem contar com elas para todas as decisões relativas à cidade de Água<br />

Preta. O grupo exerce o poder com legitimidade, sendo respeitado por isso. Em janeiro<br />

deste ano, Edvânia de Paula, uma das participantes da associação, foi convidada para<br />

compor a Coordenadoria da Mulher do município, comprovando a confiança da gestão<br />

municipal no grupo.<br />

3.3.1.4 Centro das Mulheres de Ribeirão Sandra Rodrigues<br />

O Centro das Mulheres do Ribeirão Sandra Rodrigues, fundado no dia 23 de agosto de<br />

1987, é uma sociedade civil sem fins lucrativos, com o objetivo de lutar pela organização<br />

e conscientização das mulheres, para assegurar sua maior participação na sociedade. O<br />

Centro luta pela defesa dos direitos das mulheres, realizando pesquisas, estudos relativos<br />

específicos das Mulheres no município de Ribeirão e municípios vizinhos na Mata Sul<br />

como Gameleira, Cortês, Amaraji. O grupo tem feito rodas de conversas com as mulheres<br />

dessas cidades, trazendo-as para o debate e reflexão sobre a igualdade de gênero.<br />

O grupo realiza trabalhos com núcleos de base para instruir e ajudar mulheres carentes,<br />

residentes em bairros pobres. Realiza vigílias pelo fim da violência; seminários sobre<br />

a lei Maria da Penha, sobre a saúde da mulher, entre outras questões; desenvolve um<br />

trabalho no município sobre planejamento familiar; palestras e debates com mulheres<br />

vítimas da AIDS, com distribuição de preservativo e conscientização. Anualmente, re-<br />

86


aliza o Natal sem Fome em parceria com várias organizações, como o Banco do Brasil.<br />

Realiza também uma intervenção na luta pela terra no conflito com os latifundiários,<br />

em defesa a reforma agrária.<br />

Em 2007, passou a desenvolver o Projeto Mãe Gestação com dez bairros do município, na<br />

área rural e urbana, onde a mulher gestante trabalhava seu próprio enxoval. No mesmo<br />

período, foi lançado também o Projeto Dentes Perfeitos, no qual as sócias faziam o curso<br />

de prótese dentária e ganhavam sua prótese. Foram trabalhos extremamente positivos.<br />

Momento de mística em reunião com Centro das Mulheres de Ribeirão<br />

Em parceria com a Articulação de Mulheres da Mata Sul, realiza várias ações na região,<br />

entre elas, a Caravana da Saúde e a Feira Regional de Artesanato, lançando o Projeto<br />

Mãos que Criam. Na luta por uma vida digna, foram realizados vários movimentos de<br />

rua contra a violência e as drogas. E essa é a proposta do grupo, denunciar todo tipo de<br />

injustiça social. Essa é a bandeira de luta do Centro.<br />

O Centro de Mulheres de Ribeirão Sandra Rodrigues (CMRSR) recebeu diversos prêmios<br />

e homenagens por sua luta e em reconhecimento ao seu trabalho. Foram eles os prêmios<br />

concedidos pela UNEGRO – União de Negros pela Liberdade - e UBM – União de<br />

Mulheres Brasileiras; recebeu também homenagem na Câmara Municipal; um título de<br />

entidade Benemérita de Utilidade Pública da Zona da Mata Sul, durante as comemo-<br />

87


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

rações dos 100 anos do Dia Internacional da Mulher; foi homenageado com um troféu<br />

pela Secretaria Nacional do Partido Democrático Brasileiro - PDT; e a mais recente,<br />

dia 02 de abril de 2012, durante o Ato Público Político e Cultural com o tema Direitos<br />

Humanos e Violência: um Desafio na Ciência e na Prática, quando o Centro recebeu uma<br />

placa da Deputada Federal Luciana Santos.<br />

A partir do ano de 2007, o grupo iniciou parceria com a Secretaria Estadual da Mulher,<br />

ingressando assim no Projeto Chapéu de Palha Mulher da Zona Canavieira, o qual está<br />

promovendo um grande avanço e fortalecimento das mulheres nos 54 municípios da<br />

zona da mata, que formam parte da área de abrangência dos cursos realizados pela<br />

Rede de Agente de Políticas Públicas. Esses cursos abordam várias temáticas, desde políticas<br />

públicas ao empreendedorismo. Essa rede é composta por quinze organizações<br />

que trabalham com mulheres na zona da mata, além de organizações do agreste e da<br />

região metropolitana, sendo uma iniciativa da Secretaria Estadual da Mulher. O grupo<br />

é também parceiro de outras organizações como o Fórum de Mulher de PE, o Centro<br />

das Mulheres do Cabo, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco -<br />

FETAPE, as Igrejas, Católica, Batista e Assembleia de Deus, a Articulação de Mulheres da<br />

Mata Sul - AMMS e outras.<br />

3.3.1.5 Associação das Mulheres dos Palmares<br />

A Associação das Mulheres de Palmares é uma instituição não governamental, sem fins<br />

lucrativos, que tem como princípio a defesa e a garantia dos direitos humanos das mulheres<br />

e da família, no meio rural e urbano do município de Palmares.<br />

Seus principais objetivos são: a conscientização das mulheres sobre direitos humanos,<br />

políticas públicas e controle social; refletir sobre a importância da religião na família;<br />

investir em cursos de geração de renda e formação profissional que busquem qualificar<br />

as mulheres e apresentar oportunidades e mecanismos de melhoria do trabalho para<br />

uma boa qualidade de vida.<br />

O grupo também desenvolve trabalhos com as comunidades periféricas, ribeirinhas,<br />

da zona rural e com mulheres ligadas à Pastoral da Criança e da Família. A escolha por<br />

atuar prioritariamente com este público deve-se ao fato de este ser o mais necessitado<br />

de informação, de políticas púbicas e de oportunidade. Mas na visão da associação,<br />

qualquer mulher do município que deseje participar de qualquer ação da AMP não será<br />

privada disso.<br />

A associação foi fundada, em 2010, a partir de um trabalho realizado pela AMMS - Articulação<br />

de Mulheres da Mata Sul, que envolveu a Associação de Moradores do Bairro<br />

Nova Palmares, sobre violência contra a mulher. Depois da realização do Projeto Vigílias<br />

Pelo Fim da Violência Contra a Mulher, as mulheres do bairro perceberam a necessidade<br />

88


de se organizar com outras mulheres de Palmares e fundar uma associação municipal<br />

que pudesse trabalhar diretamente com a população feminina, pensando a situação<br />

das mulheres em várias perspectivas: como sujeito dos processos de desenvolvimento,<br />

como ser humano, como uma liderança que pode transformar a região da Zona da<br />

Mata, região machista, dominada pelo interesse político e masculino. Desde então, esse<br />

coletivo começou a se reunir de forma sistemática e se organizar como um Grupo de<br />

Mulheres, e daí, então, se formou a Associação das Mulheres de Palmares, representada<br />

por mulheres urbanas e rurais.<br />

A associação acredita que este trabalho de formação de lideranças, de resgate da autoestima,<br />

do empoderamento das mulheres através da luta pelos direitos e da garantia<br />

das políticas publicas é extremamente essencial. Por esse motivo, há aproximadamente<br />

um ano e dois meses, contados a partir de 2010 esse trabalho tem acontecido com as<br />

mulheres palmarenses. Atualmente, a associação faz parte da Articulação de Mulheres<br />

da Zona da Mata Sul, onde temos uma representante desta organização no Conselho<br />

Estadual da Mulher, sendo esta uma experiência fundamental no diálogo, na proposição<br />

e na efetivação das políticas públicas para as mulheres no Estado de Pernambuco.<br />

A coordenação da associação é composta por uma presidente, uma tesoureira, uma<br />

secretária e uma suplente da diretoria; um conselho fiscal com três mulheres e uma<br />

suplente, totalizando nove mulheres à frente desta instituição, todas comprometidas<br />

com os objetivos da AMP.<br />

3.3.1.6.Grupo de Mulheres Vitória<br />

O Grupo de Mulheres Vitória fica localizado no Distrito de Serro Azul, pertencente ao<br />

município dos Palmares, e tem como público alvo as mulheres que residem na sede do<br />

Distrito e nas comunidades próximas, na Zona Rural. Assim, se diferencia dos demais<br />

grupos da Articulação de Mulheres da Mata Sul por ser um grupo que trabalha especificamente<br />

com mulheres rurais.<br />

O grupo surgiu no ano de 2003, com o objetivo de lutar pela garantia dos direitos das<br />

mulheres naquela comunidade onde esse tipo de discussão era inexistente: apesar de<br />

haver pelo menos 13 associações comunitárias, é importante e significativo destacar<br />

que as mulheres não tinham vez e voz nas mesmas.<br />

Foi com o intuito de trabalhar a cidadania da mulher e melhorar a qualidade de vida,<br />

que o grupo passou a fazer parcerias, levando para as mulheres cursos, oficinas, rodas<br />

de diálogos, seminários e outras atividades. Porém, as atividades ligadas à geração de<br />

renda ganharam atenção especial das mulheres, e alguns cursos profissionalizantes foram<br />

executados. Uma horta comunitária agroecológica foi criada, levando o grupo a ser<br />

conhecido não só na região, mas em outros locais, em nível nacional, como por exemplo,<br />

na Feira Nacional de Economia Solidária e em Feiras de Produtos Agroecológicos,<br />

89


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

onde participam e nas quais, por diversas vezes, foram convidadas a compartilhar sua<br />

experiência com outros grupos.<br />

O grupo participa da AMMS – Articulação de Mulheres da Mata Sul, sendo uma de suas<br />

representantes uma das atuais coordenadoras da articulação, como representação do<br />

segmento das mulheres rurais. Participa também da RAMA – Rede de Agroecologia da<br />

Mata Sul, bem como de outros espaços de discussões importantes que são comuns aos<br />

objetivos do grupo.<br />

3.3.1.7 Grupo Mulher e Ação<br />

O Grupo Mulher Ação - GMA é uma organização de mulheres, sem fins lucrativos, fundada<br />

em 08 de março de 1999, com atuação na região da zona da mata sul de Pernambuco,<br />

destacando-se pela atuação e luta contra a violência de gênero, na cidade de<br />

Escada e na região.<br />

O GMA nasceu de uma mobilização para comemorar a Semana da Mulher organizada<br />

pelo Serviço Social da Indústria - SESI, em Escada. Foi oferecido para as mulheres uma<br />

série de atividades, tais como oficinas de plantas medicinais, oficinas de maquiagem,<br />

cortes de cabelos e outras. A semana culminou no dia 08 de março com uma palestra<br />

realizada pelo Centro das Mulheres do Cabo, que falou sobre luta das mulheres, relatou<br />

a origem e a história da comemoração deste dia e da importância da organização das<br />

mulheres. No debate, a palestrante animou as mulheres a criar um grupo e se organizarem<br />

para ficar mais fortes e lutar por igualdade e direitos. O incentivo deu certo e o<br />

grupo se formou. Quinze dias depois, a primeira reunião contou com uma média de 30<br />

mulheres. Os encontros foram se tornando sistemáticos, reuniam–se mensalmente e<br />

aquelas que realmente queriam, foram ficando. Nos primeiros dois anos, as mulheres<br />

contaram com um espaço no SESI para as reuniões.<br />

Nesse período, o Grupo Mulher Ação realizou um processo de autoconhecimento, com<br />

o apoio do Centro das Mulheres do Cabo, o qual é parceiro até hoje. Nos anos seguintes,<br />

o grupo passou a se envolver em questões mais políticas e ações voltadas para a melhoria<br />

da qualidade de vida das mulheres do município de Escada. Uma das pautas de luta<br />

do grupo é a melhoria da qualidade do serviço de saúde da mulher.<br />

A proposta do grupo é a luta por justiça, por direitos e por igualdade. Com esse propósito<br />

o GMA se relaciona com o conjunto dos movimentos sociais, tendo como referência<br />

para o diálogo o empoderamento das mulheres nas relações sociais de gênero, nos<br />

meios urbano e rural, na perspectiva da efetivação dos direitos humanos. As ações do<br />

grupo estão focadas na busca e conquista dos seguintes objetivos: defender os direitos<br />

de cidadania das mulheres; lutar pela organização das mulheres para assegurar sua<br />

maior participação na sociedade; orientar a comunidade sobre a saúde da mulher e<br />

90


lutar pela implantação de serviços de saúde; capacitar mulheres urbanas e rurais em gênero<br />

e políticas públicas no município de Escada e na Zona da Mata Sul de Pernambuco.<br />

O GMA tem uma caminhada de mais de 10 anos, sempre comprometido com a luta<br />

pelos direitos das mulheres. A partir daí, começou a se engajar em outras ações mais<br />

amplas. Em 16 de setembro de 2007, tornou-se entidade legal. Hoje, o grupo tem um<br />

trabalho reconhecido na cidade de Escada e se articula com outros grupos da região<br />

que têm os mesmos objetivos. Em 2010, o Grupo Mulher Ação foi contratado pela Secretaria<br />

Estadual da Mulher para fazer a formação política de 160 mulheres rurais que<br />

participaram do Programa Chapéu de Palha, nas cidades de Escada, Amaraji, Cabo de<br />

Santo Agostinho e Primavera. Desde a sua criação, o grupo desenvolve ações de mobilização<br />

pela melhoria da saúde da mulher no município; formação nas áreas de gênero<br />

e políticas públicas para jovens em várias escolas; palestras sobre violência contra mulher<br />

e Lei Maria da Penha e já recebeu uma homenagem da Câmara Municipal em reconhecimento<br />

às ações desenvolvidas na cidade e na região.<br />

Segunda Visita<br />

Numa segunda visita às mulheres da<br />

Zona da Mata de Pernambuco, devido<br />

à proximidade das cidades e a demanda<br />

das agendas, foi feita uma única<br />

reunião em Água Preta, com representantes<br />

dos três grupos envolvidos na<br />

investigação: Associação de Mulheres<br />

de Água Preta, Centro das Mulheres de<br />

Joaquim Nabuco e Centro das Mulheres<br />

de Ribeirão. A reunião aconteceu na<br />

oficina de costura das AMAP.<br />

Árvore do Poder da AMAP<br />

91


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

As mulheres foram unânimes em dizer que têm poder e que este começa dentro de<br />

casa, com os filhos e o marido. No entanto, fora de casa temos que ser muito ousadas,<br />

conquistar mais, mostrar serviço, pois somos muito mais exigidas que os homens.<br />

Segundo elas, na política ainda falta muito para dizer que temos poder. Apesar de reconhecerem<br />

que a Presidente Dilma está fazendo um bom trabalho, avaliam que “teremos<br />

que trabalhar mais com as próprias mulheres, pois estas não confiam umas nas outras”<br />

e destacam que as mulheres continuam votando nos homens. Em Água Preta, só uma<br />

mulher se elegeu, ela já havia sido vereadora e, mesmo assim, faz um trabalho assistencialista,<br />

não pensa nas mulheres.<br />

O grupo acredita que as mulheres têm poder em todos os aspectos, por fazerem tudo<br />

que os homens fazem e muito mais. O que está faltando é desconstruir a cultura machista<br />

que coloca as mulheres sempre dentro de casa. Nas cidades da zona da mata,<br />

todos os grupos de mulheres se empenharam nesta eleição em eleger mais mulheres,<br />

mas o objetivo não foi atingido por causa da compra de votos e da falta de investimentos<br />

dos partidos nas candidaturas das mulheres.<br />

Essa eleição trouxe alguns caminhos para o trabalho do movimento de mulheres, principalmente<br />

no que diz respeito à necessidade de mais formação política e à observação<br />

de que mais mulheres precisam se filiar aos partidos para entender como funciona a<br />

máquina política. Além da necessidade de contribuir com as mulheres que aceitam se<br />

candidatar, apoiando-as para que não concordem em entrar em processos eleitorais<br />

apenas para cumprir cotas. Consideram também importante que o movimento apoie<br />

os organismos municipais de política para as mulheres, por ser justamente aí onde serão<br />

elaboradas as políticas públicas que poderão favorecer as mulheres.<br />

Nesta eleição foi muito forte a manifestação do racismo com ataques e xingamentos<br />

contra uma mulher negra candidata foi chamada de “urubu” (ave preta que consome<br />

carne apodrecida). Este é outro fator que precisa ser trabalhado: as pessoas ainda não<br />

se dão conta de como são preconceituosas e racistas, tratando esta questão como algo<br />

natural e cotidiano.<br />

Ao final da reunião, as mulheres elencaram ações que precisam ser trabalhadas até a<br />

próxima eleição, a fim de garantir a presença de mais mulheres como parlamentares.<br />

• Incentivar mulheres a se filiar aos partidos;<br />

• Fazer mais mobilização de rua;<br />

• Apoiar o trabalho das mulheres eleitas e das que desejam se candidatar;<br />

92


• Dar visibilidade ao trabalho social e político das candidatas para que consigam se<br />

eleger e se manter no poder;<br />

• Pensar na possibilidade de o movimento fechar com uma ou algumas mulheres estratégicas<br />

nos municípios, e trabalhar esses nomes durante os quatro anos, fazendo<br />

um investimento para que possam ter sucesso nas eleições.<br />

• Por fim, destacam que os grupos de mulheres da zona da mata já têm seu trabalho<br />

reconhecido e faz muito mais do que os políticos e que, portanto, se realmente se<br />

dedicarem a essa causa, com certeza terão êxito.<br />

Sintetizando...<br />

Em primeiro lugar é importante ressaltar a extensão geográfica e diversidade das áreas<br />

em que os grupos estudados atuam e a variedade de público beneficiário: desde agricultoras<br />

e pescadoras, passando por beneficiadoras de frutas e artesãs, até mulheres<br />

urbanas que atuam politicamente na luta por direitos e formação de consciência cidadã,<br />

e que são vinculadas aos nove grupos pertencentes à Articulação de Mulheres da<br />

Mata Sul.<br />

Em segundo lugar, destaca-se o pequeno número de integrantes dos mesmos, conforme<br />

pode ser visto na Tabela 2 abaixo. Destaca-se, no entanto, a Articulação de Mulheres<br />

da Mata Sul, constituída não por indivíduos, mas por nove grupos de mulheres,<br />

dos quais trabalhamos com sete. No entanto, o contingente de pessoas envolvidas nas<br />

ações dos grupos, pode sofrer alguma variação, conforme o tipo de ação desenvolvida,<br />

pois, como afirma Ilse Warren Scherer (2006), as ações coletivas em época de mobilização<br />

global tomam configurações diferentes.<br />

É importante esclarecer que para efeitos deste estudo, só foi possível estabelecer diálogo<br />

e realizar o trabalho com sete dos nove grupos vinculados à Articulação de Mulheres<br />

da Mata Sul. Isto porque dois grupos – o Centro de Mulheres de Jaqueira e a Associação<br />

de Mulheres de Catende – são mais recentes e, portanto, menos estruturados, sendo<br />

assim, sofreram maior impacto com as chuvas ocorridas em 2010, encontrando-se, na<br />

época do estudo, em fase de reestruturação. Por esse motivo, não se encontram relacionados<br />

na tabela a seguir.<br />

93


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Tabela 4 – Número de mulheres atuantes segundo grupos identificados e localização<br />

geográfica – 2012:<br />

Nome dos Grupos<br />

Número das<br />

Integrantes<br />

Alagoas<br />

Grupo Mulheres Agricultoras Rurais (agricultoras e pescadoras) 12<br />

Grupo Mulheres Crescendo Pela Fé (assentadas da reforma agrária) 22<br />

Grupo Mulheres Nova Semente (agricultoras) 10<br />

Comunidade Junco (assentadas da reforma agrária) 11<br />

Comunidade Santo Antonio (pescadoras) 20<br />

Grupo de Mulheres Rainha da Paz (agricultoras) 15<br />

Grupo de Mulheres Agricultoras da Comunidade Cajueiro (agricultoras e<br />

pescadoras)<br />

11<br />

Total 101<br />

Média 14.4<br />

Sertão do Pajeú<br />

Xique-Xique (beneficiadoras de frutas) 04<br />

Grupo de Mulheres Nova Esperança do Assentamento Lagoa de Outra<br />

Banda em São José do Egito (assentadas da reforma agrária)<br />

10<br />

Artesanatos Pajeú (artesãs) 08<br />

Total 52<br />

Média 17,3<br />

Mata Sul (grupos vinculados à AMMS)<br />

Centro das Mulheres de Joaquim Nabuco (gênero, saúde sexual e reprodutiva<br />

e geração de renda para as mulheres)<br />

22<br />

Centro das Mulheres de Ribeirão (Violência e Geração de Renda) 13<br />

Centro das Mulheres de Catende (saúde) 12<br />

Associação das Mulheres dos Palmares (mulheres e crianças) 15<br />

Grupo de Mulheres Vitória (trabalhadoras rurais) 15<br />

Associação de Mulheres da Água Preta (controle social) 25<br />

Grupo Mulher e Ação (saúde) 22<br />

Total 124<br />

Média 17,7<br />

Total Geral 277<br />

Média Geral 16,2<br />

Fonte: grupos entrevistados na investigação.<br />

94


Em terceiro lugar observa-se que, apesar do pequeno número atual das componentes<br />

dos grupos, estes têm vida própria, sendo significativo o peso das ONGs de mulheres<br />

que assessoram os grupos para ajudá-los a impulsionar seu trabalho. Verifica-se, ainda,<br />

que de modo geral, há uma redução do número de pessoas nos grupos, ao longo<br />

do tempo. Apesar disso, a presença do MMTRP/AL, CMN e CMC junto aos grupos têm<br />

servido de inspiração para a continuidade dos trabalhos, como se pode observar nos<br />

seguintes depoimentos:<br />

O MMTRP-AL/MMTR-NE significa muito na minha vida, por ter sido a minha escola<br />

de vida. Foi lá que eu aprendi a buscar os meus direitos e a lutar pelos direitos das<br />

outras. E ensina quando e onde devemos procurar esses direitos. Por isso ele é e sempre<br />

será muito importante na minha vida e também na de muitas mulheres que são<br />

do grupo e que já foram do grupo de mulheres pescadoras. (Quitéria Gomes)<br />

O MMTRP-AL significa uma videira com raízes bem profundas, pois foi onde eu encontrei<br />

muitas soluções..., por isso, acho que muitas vezes segurei nos galhos desse<br />

movimento e por isso não cai.<br />

(Antonia Guerra)<br />

A assessoria da CMN para o grupo foi muito importante para a formação,<br />

continuação do grupo e as conquistas. Foi a partir desses encontros que<br />

o grupo foi se descobrindo e ganhando característica própria,<br />

bem como a formação cidadã, social.<br />

(Genelice Galdino de Lima)<br />

Os trabalhos em Alagoas e no Sertão do Pajeú estão centrados na produção e nos direitos<br />

de cidadania, enquanto na Mata Sul há um enfoque nas políticas públicas estruturantes<br />

e o controle social das mesmas. Por outro lado, grande parte dos grupos de<br />

mulheres foi criada para garantir um espaço de participação, muitas vezes inexistente<br />

nas associações e sindicatos já estabelecidos. Isto pode ser visto em:<br />

Tem uma associação de moradores onde a diretoria é composta por quase 75% de<br />

mulheres. A maioria das mulheres não participa do Sindicato dos Trabalhadores<br />

e Trabalhadoras Rurais do município e nenhuma mulher participa de um partido<br />

político.<br />

(Ádila Daise)<br />

95


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Parece ser essa a lógica dos demais grupos: maior proximidade das mulheres com as associações,<br />

quase nenhuma com sindicatos e inexistente com partidos políticos. E por falta desse<br />

espaço de participação política nessas instituições é que muitos grupos foram criados.<br />

As mulheres iniciaram naquele município uma “participação” no Sindicato dos<br />

Trabalhadores Rurais sem direito à expressão nessa referida instituição, onde os<br />

homens diziam que ali era um espaço para os homens comandar.<br />

Mas uns grupos de trabalhadoras rurais buscavam espaço físico para discutir e<br />

reivindicar seus direitos, reunindo fôlego para ir à luta por melhores<br />

condições de vida para as mulheres. Benedita Ferreira e Margarida da Silva lideraram<br />

e ampliaram a mobilização das mulheres articulando-se com o<br />

Centro das Mulheres do Cabo, para organizar um grupo específico de mulheres no<br />

Município, onde tivessem voz, vez e voto.<br />

Cícera Maria da Silva)<br />

Hoje em dia, os grupos de mulheres relacionam-se com as associações, sejam elas de<br />

moradores ou de assentamentos, inclusive, fazendo parte de suas diretorias, mas em<br />

menor grau com os sindicatos, como pode ser constatado abaixo,<br />

as agricultoras não estão no STTR.<br />

(Cristina Ramos dos Santos)<br />

são as mulheres do grupo que lideram a Associação do Assentamento (...) o Sindicato<br />

de Trabalhadores Rurais - STR, no entanto é algo distante delas.<br />

(Maria Helena de Brito)<br />

Mais especificamente, a relação dos grupos com mulheres na política formal e programas<br />

governamentais é de desilusão, de incentivo, acomodação e distanciamento. A<br />

participação na direção das associações e sindicatos permite o aprendizado político<br />

necessário para atuar na esfera pública, bem como a participação em conselhos, percebida<br />

pelas mulheres como o caminho para seu empoderamento individual e coletivo, e<br />

a transformação das relações de poder. É o que demonstram os depoimentos a seguir:<br />

Bernadete é uma trabalhadora rural e uma das fundadoras do MMTR-NE, mas se<br />

desiludiu com a política depois de ser candidata à vice-prefeita na chapa de um<br />

trabalhador rural. (Antonia Guerra).<br />

Em Maragogi só tem uma vereadora, mas ela não valoriza as mulheres. Por isso elas<br />

querem que tenha vereadoras trabalhadoras rurais na câmara.<br />

(Quitéria Gomes).<br />

96


O movimento, mesmo não tendo vínculos com nenhum partido político incentiva a<br />

que as mulheres participem da política partidária.<br />

(Sonia Lima)<br />

Elas veem a participação política das mulheres muito fraca, que precisa se fortalecer.<br />

Para isso é necessário a união das mulheres, porque muitas não querem nem<br />

apoiar as outras, são acomodadas.<br />

(Alexandra Bezerra, Joaquim Nabuco)<br />

Nunca teve uma mulher do grupo que se candidatasse a algum cargo público, e só<br />

duas mulheres estão na direção da Associação de Moradores e Pequenos Produtores<br />

de Cajueiro Novo – ASMOCAN, sendo uma vice-presidente, e a outra vice-tesoureira.<br />

Registre-se que é a vice-presidente quem faz as atas das reuniões da direção.<br />

(Givanete de Souza)<br />

Não se veem nesses espaços de poder eletivos. Quando indagadas sobre o porquê<br />

disto, as mesmas ainda veem esses espaços como distantes.<br />

(Angelúcia Santos)<br />

Elas foram lembrando lutas que tiveram de travar com a Associação do Monte<br />

Alegre, sítio vizinho, quando iniciaram o grupo de mulheres, além de preconceito de<br />

outras mulheres.<br />

(Uilma Queiroz)<br />

Uma das mulheres já se candidatou a conselho tutelar.<br />

(Rita de Cássia, Palmares)<br />

Em nossa região há um predomínio da compra de votos, jogo de favores. Dessa<br />

forma esses espaços de liderança política um pouco inacessível para elas.<br />

(Elaine Rodrigues)<br />

A Associação de Mulheres de Água Preta – AMAP é referência<br />

para outras organizações com atuação em Água Preta, por ter assento em todos os<br />

Conselhos Municipais.<br />

(Magal Silva)<br />

97


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

IV. FALAS DAS MULHERES<br />

98<br />

©Gabriela Monteiro


Tendo situado historicamente as mulheres e organizações investigadas, parte-se<br />

para a revelação de suas trajetórias de vida, bem como de seu pensamento e ação<br />

quanto à transformação das relações de poder, principalmente, as de gênero.<br />

Inicialmente, serão apresentados os depoimentos de vereadoras e de candidatas a<br />

vereadoras, seguidas de gestoras e, por fim, de mulheres participantes dos grupos de<br />

cada área, começando por Alagoas, em seguida o Sertão do Pajeú, pela semelhança<br />

entre elas, e a Mata Sul Pernambucana. No caso das gestoras, só foram coletados depoimentos<br />

na Zona da Mata, uma vez que nas demais áreas não existem, nos municípios,<br />

órgãos públicos responsáveis por políticas para mulheres.<br />

4.1 Vereadoras e candidatas<br />

4.1.1 Alagoas<br />

4.1.1.1 Cleonice da Silva Lucas é de Inhapi, Alagoas. Ela foi vereadora, tem 64 anos, é<br />

trabalhadora rural, mãe de oito filhos e duas filhas. Mora com o marido e um filho com<br />

deficiência mental.<br />

Nas palavras de Zezé Silva, pesquisadora de Alagoas, Cleonice é uma das lideranças que<br />

desafiaram o poder das famílias que se sentiam donas da região e que tentavam intimidar<br />

qualquer pessoa ou organização que cruzasse seu caminho, isso ainda na década<br />

de 1980.<br />

Na década de 1990 iniciou, junto com outras mulheres, um grupo de mulheres moradoras<br />

em sua comunidade e de comunidades circunvizinhas. Em pouco tempo este grupo<br />

(de Cabaceiros, em Inhapi – ver perfil dos grupos), que começou com 20 mulheres, estava<br />

com mais de cem participantes e se subdividiu em cinco para facilitar o trabalho na<br />

região e atingir outras localidades.<br />

Naquela época, as discussões giravam em torno da desigualdade nas relações de gênero<br />

e dos meios pelos quais as mulheres poderiam mudar esse quadro.<br />

Até esse período as mulheres militaram no movimento, lutando por seus direitos. No<br />

entanto não tinham ainda sentido a necessidade de ter uma mulher lhes representando,<br />

só a partir deste ano surgiu esta discussão. No ano 2000, foi visto ser necessário ter<br />

uma mulher na Câmara de vereadores de Inhapi para defender as causas das mulheres,<br />

das crianças e dos/as jovens. Foi um momento bastante complicado, pois a população<br />

de Inhapi temia muito a ação de uma família que se perpetuava no poder local. Quando<br />

se ia fazer campanha para Cleonice, era preciso entrar nas casas a altas horas da noite,<br />

99


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

quando todos da rua estivessem dormindo, isso porque as famílias que recebiam a visita<br />

da campanha temiam represálias, sendo necessário falar muito baixo para que os<br />

vizinhos não acordassem e ouvissem que se estava falando de outra forma de se fazer<br />

política.<br />

Nessa época também se organizava o MMTRP-AL (Movimento de Mulheres Trabalhadoras<br />

Rurais e Pescadoras de Alagoas), do qual Cleonice também fazia parte. Eram momentos<br />

bastante difíceis. E foi muito emocionante quando Cleonice foi eleita.<br />

Mas, ao assumir, ela percebeu que as coisas eram mais difíceis do que se imaginava: a<br />

discriminação contra mulher e contra as pessoas pobres que se metiam na política era<br />

gritante. Então, as mulheres organizadas nos grupos, com o apoio do MMTR, resolveram<br />

se reunir para discutir as principais propostas para a melhoria nas políticas públicas<br />

para fortalecer o mandato da Cleonice. Os vereadores souberam disso e começaram a<br />

adiar as plenárias, que só aconteciam uma vez na semana, as quintas-feiras. Cleonice<br />

passou meses indo e voltando com as propostas debaixo do braço, mesmo sob a ameaça<br />

das mulheres de que iriam invadir a câmara. Quando, finalmente, ela conseguiu<br />

colocar as propostas em pauta, houve certo ar de conquista, pois as principais propostas<br />

giravam em torno da melhoria das estradas e do transporte escolar. Porém, poucos<br />

foram os projetos de lei, propostos por ela, aprovados. Isto serviu como argumento<br />

para acabar com sua candidatura à reeleição, além de terem inventado todo tipo de<br />

boatos, como o de que Cleonice havia testemunhou contra uma mulher e a favor de um<br />

homem num processo de solicitação de pensão alimentícia. Muitas mulheres não quiseram<br />

nem analisar o porquê dessas conversas, então ela perdeu as eleições de 2004.<br />

Ela se desencantou e nunca mais se envolveu com política partidária. Mas ainda faz<br />

parte do grupo de mulheres da comunidade e está envolvida em produção e comercialização<br />

de hortaliças orgânicas. E sempre reconhece a importância do movimento<br />

na transformação da sua vida, pois ela tem consciência dos seus direitos como mulher.<br />

4.1.1. 2 Já Antonia Maria Guerra dos Santos é candidata à vereadora em 2012, repre-<br />

sentando a comunidade Sítio Cabaceiro, Inhapi, Alagoas. Ela tem 52 anos. Começou a<br />

trabalhar aos nove anos, na lavoura. Na juventude participou com as irmãs de grupos<br />

de jovens. No ano de 2008 foi candidata à vereadora pelo PT - Partido dos Trabalhado-<br />

res. Aqui, ela nos conta um pouco de sua trajetória:<br />

Desde criança, ouvia meu pai dizer que não se deve vender nem comprar voto. E<br />

eu continuo seguindo o pensamento de meu pai. Desde a minha juventude, ouvia<br />

falar de uma nova forma de fazer política, através de meu pai... sempre sonhei com<br />

uma nova sociedade.<br />

100


Quando fui candidata, sofri muito. Por ser muito pobre, muitas vezes faltou comida<br />

em casa, porque estávamos fazendo campanha e não tinha tempo de ir para<br />

a roça. Mas também recebemos muita ajuda dos/as vizinhos/as e amigos/as. Fui<br />

muito discriminada por ser mulher e por ser pobre. Também recebi muitas críticas<br />

por sair e deixar meu marido e meus filhos em casa, mas não desisti porque tenho<br />

muita consciência.<br />

Tive coragem de sair candidata porque fui muito incentivada pelo MMTRP-AL/<br />

MMTR-NE [Movimento de Mulheres Trabalhadora Rural do Nordeste]. Não ganhei<br />

as eleições naquele ano, mas sou candidata neste ano, pois o movimento me deu<br />

muita coragem como mulher. O movimento me ensinou a falar na rádio e em qualquer<br />

outro espaço público.<br />

Participo do grupo de mulheres de minha comunidade, sou coordenadora deste<br />

grupo, sou associada na associação de pequenos produtores da minha comunidade<br />

e sou da direção do STTR [Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais]<br />

do meu município, onde sou uma das coordenadoras da comissão de mulheres do<br />

STTR. Mas a participação das mulheres aqui no município é pouca: muitos dizem<br />

que é porque Deus quis assim, mas eu sei que Deus não quer isto.<br />

Meus filhos cresceram nas organizações, participando das atividades. Por isso espero<br />

que nós, mulheres, consigamos ter melhores condições de vida, com muita garra<br />

e sem sermos massacradas.<br />

O MMTRP-AL significa uma videira com raízes bem profundas,<br />

pois foi onde eu encontrei muitas soluções. Por isso acho que muitas vezes segurei<br />

nos galhos desse movimento e por isso não cai.<br />

4.1.1.3 Maria Ângela Nascimento dos Santos, 43 anos, é agricultora, negra, residente no<br />

município de Mata Grande, Alto Sertão de Alagoas. Participa de um grupo de base do<br />

MMTRP-AL/MMTR-NE, e é coordenadora regional do MMTRP-AL. Uma das temáticas<br />

muito trabalhadas pelo movimento é a participação política das mulheres. “Já partici-<br />

pei de três oficinas com esse tema”, nos conta:<br />

Nessas capacitações aprendi sobre o comportamento de uma política: como montar<br />

plataforma política e algumas regras e formas de projetos de lei.<br />

E isso me encorajou a me candidatar, porque, a partir da formação que recebi,<br />

101


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

percebi que poderia contribuir para melhoria da minha<br />

comunidade como um todo; que não poderia ficar parada. Como mulher, tenho<br />

muito a contribuir na política, e isso aprendi no MMTRP-AL.<br />

Filiei-me a um partido em 2000, foi no Partido dos Trabalhadores. Depois, me filiei<br />

a outros e me candidatei pelo PR (Partido da República 45 ). Quando me candidatei,<br />

não tive o apoio das mulheres do partido; elas apoiaram outros candidatos. Mas<br />

tive o apoio da minha família.<br />

Com certeza, o movimento me estimulou a entrar na política partidária, porque,<br />

como disse antes, não tinha força, não me sentia capaz. Não tinha o entendimento<br />

sobre política que recebi nas capacitações, [aos poucos fui] me sentindo preparada<br />

até psicologicamente para me lançar na vida pública.<br />

O que me levou a ser candidata foi o fato de achar que sendo eleita, seria mais fácil<br />

de resolver algumas carências nas políticas públicas para as mulheres. Pensava em<br />

me fortalecer mais com elas e melhorar nossa qualidade de vida.<br />

A maior dificuldade que senti na minha campanha foi não ter recursos próprios<br />

para manter candidatura sem depender de outras pessoas. A outra dificuldade foi<br />

não ter o apoio das mulheres.<br />

Com isso, aprendi que é necessário fazer um trabalho sério de sensibilização das<br />

mulheres para elas aprenderem a acreditar na política com a mulher.<br />

Pra mim, feminismo é ser companheira, defensora, amiga e também lutadora de<br />

uma bandeira pela igualdade de gênero. Temos que ser feministas para entender as<br />

fraquezas, vitórias e conquistas das outras. É por isto que sou feminista.<br />

45 O Partido da República foi criado em 2006, fruto da fusão de dois partidos (Partido Liberal - PL e Partido da Reedificação<br />

da Ordem Nacional - PRONA), de caráter liberal. Em 2007 ele ocupava o sétimo lugar em corrupção no<br />

País.<br />

102


4.1.1.4 Raimunda Caetano da Silva, 45 anos, é remanescente de quilombolas 46 , e vive no<br />

município de União dos Palmares, terra de Zumbi dos Palmares 47 , onde é agricultora.<br />

Iniciou sua militância em um movimento da igreja católica e depois entrou no Partido<br />

dos Trabalhadores, no ano de 2009.<br />

O que me levou a me candidatar foi o fato de ver que mulheres da raça negra não<br />

eram vistas como capazes de ser vereadoras e por ver que a Câmara precisa<br />

de mulheres competentes. Quando fui candidata, tive muito o apoio das mulheres<br />

do meu partido e do MMTRP-AL/MMTR-NE. Já da minha família eu tive<br />

o apoio de parte dela.<br />

4.1.1.5 Edna Nobre, 50 anos, professora da rede pública de Maceió. Ela pleiteou uma<br />

vaga na Câmara Municipal de Maceió, capital de Alagoas, em 2012, mas não se elegeu.<br />

Desde a década de 1980, atua em diferentes campos, seja nos movimentos sociais, sin-<br />

dical e popular, seja em partido político, como o Partido dos Trabalhadores. Hoje, está<br />

à frente da Secretaria das Mulheres do PT, no seu segundo mandato, pautando as ques-<br />

tões defendidas pelo movimento feminista como centro da sua intervenção e buscan-<br />

do a garantia dos direitos de cidadania para as mulheres, especialmente as mulheres<br />

pobres de periferia.<br />

Nesta perspectiva atuo pela ampliação do direito de expressão das mulheres, trabalho<br />

e salário digno e participação política nos espaços de poder, Outra questão<br />

importante tem sido o combate à violência de qualquer espécie que acomete as<br />

mulheres e os jovens e também o combate à droga.<br />

São vários desafios que nos remetem às bases estruturantes da sociedade e, independente<br />

do espaço de atuação, Edna ressalta a necessidade de se atuar na sociedade, para<br />

melhorar as condições de vida da população na educação, saúde, trabalho, transporte,<br />

meio ambiente, entre outras áreas.<br />

46 Território que foi uma comunidade quilombola, ou comunidade afrodescendente no Brasil. Local onde os escravos<br />

se escondiam e resistiam ao modelo escravista e opressor instaurado no Brasil Colônia. Hoje, um espaço de<br />

reconhecimento dessa injustiça histórica.<br />

47 Zumbi dos Palmares nasceu no estado de Alagoas no ano de 1655. Foi um dos principais representantes da resistência<br />

negra à escravidão na época do Brasil Colonial. Foi líder do Quilombo dos Palmares, comunidade livre<br />

formada por escravos fugitivos das fazendas, localizada na região da Serra da Barriga, que, atualmente, faz parte<br />

do município de União dos Palmares (Alagoas). Na época em que Zumbi era líder, o Quilombo dos Palmares<br />

alcançou uma população de aproximadamente trinta mil habitantes. Nos quilombos, os negros viviam livres, de<br />

acordo com sua cultura, produzindo tudo o que precisavam para viver. Zumbi é considerado um dos grandes<br />

líderes de nossa história. Símbolo da resistência e luta contra a escravidão, lutou pela liberdade de culto, religião<br />

e pratica da cultura africana no Brasil Colonial. O dia de sua morte, 20 de novembro, é lembrado e comemorado<br />

em todo o território nacional como o Dia da Consciência Negra.<br />

103


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

A nossa sociedade é marcada por fatores culturais que resultam nas principais causas<br />

da disparidade entre homens e mulheres: a divisão sexual do trabalho, o não compartilhamento<br />

das tarefas domésticas e familiares, o preconceito de gênero e raça.<br />

Grandes são as dificuldades no caminho da emancipação feminina, a começar pelo sistema<br />

eleitoral desfavorável à ampliação da participação feminina na esfera política, e<br />

que se expressa na falta de investimento dos partidos nas mulheres e no baixo acesso<br />

ao financiamento de campanha política. Além dos estereótipos reproduzidos que contribuem<br />

para o fortalecimento do preconceito de que mulheres e poder não combinam.<br />

4.1.2. Sertão do Pajeú<br />

4.1.2.1 A entrevista com uma mulher inserida na política formal foi realizada com a<br />

presidenta da Câmara de Vereadores de Tabira 48 , Genedy Siqueira Brito, do Partido<br />

Social Cristão (PSC).<br />

A vereadora se identifica como chefe de sua família, apesar de ser solteira, pois, segundo<br />

ela, quem dá a direção das decisões de toda a família é ela, que considera essa como<br />

uma relação de poder que exerce antes mesmo de ser vereadora do município.<br />

Genedy decidiu entrar na política partidária a partir do poder que sua família exerce<br />

na cidade, devido a condições econômicas e de influência política. Então, segundo ela,<br />

por um anseio próprio, decidiu se candidatar e ao cargo de vereadora em 2008, pela<br />

segunda vez, já que da primeira não obteve sucesso. Em 2008 foi concretizado o seu<br />

desejo, vencendo as eleições e em 2012, se tornou a primeira presidenta da Câmara<br />

de Vereadores de Tabira, através, segundo ela, de alianças políticas. Genedy tomou o<br />

cargo com as duas mãos e vem fazendo o melhor pela Câmara e pelo Município. Trouxe<br />

ao parlamento municipal sua experiência como contadora e economista, funções que<br />

exerce a muitos anos, conquistadas através de duas faculdades que lutou para cursar,<br />

pois, segundo relata, veio de uma família de agricultores pobres e analfabetos, que, na<br />

atualidade, exercem certo poder.<br />

Desde jovem, Genedey mostrou-se determinada, enfrentando o pai, para poder estudar<br />

e trabalhar. Trabalhou às escondidas com o intuito de juntar dinheiro para fazer<br />

faculdade de economia. Depois de concluir o curso, passou em concursos públicos, o<br />

que fez com que seu pai lhe apoiasse. Muito tempo depois, fez o curso superior em contabilidade<br />

e atualmente, além de ser vereadora, tem um escritório contábil na cidade.<br />

48 Cidade do Sertão do Pajeú vizinha a, Afogados da Ingazeira e São José do Egito, cujo nome de origem indígena<br />

homenageia um índio guerreiro.<br />

104


Indagada acerca das políticas voltadas para as mulheres, Genedy falou que o fato de<br />

as mulheres serem minoria na Casa dificulta a aprovação de projetos voltados para as<br />

questões de gênero. E na sua fala, ela deixou clara a necessidade de mais mulheres ocuparem<br />

cargos eletivos no Legislativo, no Executivo. Pois, dessa forma, segundo ela, será<br />

muito mais fácil conquistar direitos para as mulheres e incluir as questões de gênero<br />

nas políticas.<br />

4.1.2.2. Joana D’Arc, vereadora de Afogados de Ingazeira, é professora, formada em Le-<br />

tras e em Serviço Social, e filiada ao PT desde 1995, tendo sido sua presidente munici-<br />

pal 49 . Em 2004, vindo a ser este o mesmo ano que disputou a eleição para o Legislativo<br />

municipal. Foi formada politicamente pelo Projeto Mulher e Democracia, e na cam-<br />

panha de 2004 teve o apoio das mulheres, dos grupos, associações e sindicatos. Eleita,<br />

fiscalizou o Executivo e concorreu a um segundo e terceiro mandatos.<br />

É difícil conciliar a jornada de casa - com marido e filho - com o mandato de vereadora.<br />

Outra dificuldade é a questão financeira; toda campanha tem um gasto: um gasto<br />

na estrutura, com divulgação, material de campanha, divulgação de planos de como<br />

você deverá atuar. E os partidos não investem em você; o PT não investe nesse material,<br />

em patrocínio, não dão suporte financeiro para a campanha. É só você e alguns<br />

companheiros que apoiam a candidatura das mulheres. Quase todas as mulheres que<br />

estão nos partidos, estão ali para cumprir as cotas, as chamadas de “laranjas”. Nessa<br />

Câmara sou apenas eu de mulher; os demais são homens que não estão preocupados<br />

em entender a nossa linguagem, em formular políticas públicas voltadas para nós,<br />

mulheres. Para a maioria dos homens que está na Câmara, isso é besteira.<br />

Tivemos algumas reuniões com comissões de mulheres do sindicato, do grupo<br />

Mulher Maravilha, da Casa da Mulher do Nordeste..., tivemos diversas reuniões,<br />

debates, com a ideia de formar aqui o Conselho de Mulheres, que nós não temos. A<br />

questão da formação da Secretaria da Mulher, também não se concretizou, e desde<br />

2004 enviamos o primeiro requerimento de solicitação. Também no segundo mandato<br />

foi enviado o reclame para a criação da Delegacia da Mulher, que demorou<br />

esse tempo todo e, somente este ano foi que surgiu um sinal concreto.<br />

Mesmo vendo possibilidades diante do que já houve, nós deparamos com a barreira<br />

política, com a falta de sensibilidade. Isso ficou claro nos debates para a criação da<br />

secretaria ou, pelo menos, uma diretoria que tivesse uma mulher que nos ouvisse.<br />

Infelizmente, essa preocupação com a formação parece momentânea.<br />

49 Presidenta Municipal do Partido doa Trabalhadores de Afogados da Ingazeira.<br />

105


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Somente agora, no atual momento político, é que nos preocupamos<br />

com essa formação, ou no 8 de março, no dia das mães...,<br />

mas para que o processo de autonomia ocorra de fato não é uma formação<br />

apenas econômica, começa pela formação da nossa consciência.<br />

O nosso primeiro entrave foi o nome para ocupar o cargo da secretaria.<br />

Nós tínhamos até um nome, mas o gestor não aceitou e estagnou<br />

o projeto e nós também paramos. As organizações de mulheres<br />

no nosso município parecem estar fragmentadas.<br />

Quanto a me assumir enquanto feminista, eu diria que sim, no sentido de ir buscar,<br />

de ocupar meu lugar, de ter autonomia. Mas isso é pouco. Eu preciso contagiar,<br />

eu preciso trazer mulheres para essa realidade também, não adianta apenas eu<br />

mudar a minha realidade. Pra mim é fácil, de fato, eu tenho um companheiro que<br />

me acompanha, que ajuda, que possibilita toda a minha vida. (...) Nós temos uma<br />

série de mulheres ocupando secretarias, mas precisamos trazê-las para a nossa luta<br />

enquanto mulheres, isso só acontece com formação.<br />

4.1.3 Mata Sul de Pernambuco<br />

4.1.3.1 Maria de Fátima Silva é de Água Preta e tem 45 anos. Sobre sua candidatura,<br />

ela disse que,<br />

foi difícil porque as mulheres não gostam de votar em mulheres, e conseguir o apoio<br />

delas é muito difícil. Na verdade, mulher não confia em mulher e para conseguir ser<br />

eleita eu consegui apoio de pessoas, eu tive eleitores da área rural e urbana, se bem<br />

da à maioria eu acredito que foi da zona rural.<br />

Acerca da sua atuação no espaço público, ela afirmou que,<br />

como sou apenas eu de mulher e os outros são homens, aí foi que ficou complicado<br />

mesmo. Na verdade, eu nunca apresentei um projeto para mulheres na Câmara,<br />

porque as mulheres nunca fizeram um projeto para que eu apresentasse. As mulheres,<br />

como já disse, são muito desunidas demais e isso atrapalha. Mas eu tento<br />

ajudar as pessoas como eu posso. (...) Eu tento ajudar de várias formas, de tudo um<br />

pouco: é na saúde, com marcação de exames, de consultas; é comprando um remédio<br />

e também ajudando a resolver problemas na Previdência Social, de benefícios e<br />

aposentadoria. Sim, e também na época de inverno, eu ajudo bastante com alimentação<br />

para as pessoas que chegam pedindo.<br />

106


Quanto à possibilidade de reeleição, ela informa que “por já ser vereadora essa eleição<br />

está mais fácil que a outra. De alguma forma facilita porque as pessoas já conhecem o meu<br />

trabalho”. O que, de fato, ocorreu: Fátima foi reeleita, confirmando a tese de que a posse<br />

de um mandato é um capital importantíssimo numa eleição.<br />

O apoio partidário, ela vê da seguinte forma:<br />

Eu sinto na pele que os homens têm mais apoio, e que as mulheres entram na<br />

política para ser “laranja” e cumprir a cota do partido. As mulheres que conseguem<br />

ser eleitas, é por esforço próprio, por muita força e muita luta, porque por apoio de<br />

partido, não. Do partido que eu faço parte, mesmo, só vêm às cartinhas para pagar.<br />

Mas na campanha, não ajuda com um centavo se quer. (...) Meu partido é o PTN 50 ,<br />

mas na verdade eu até esqueci o que significa, e eu nunca questionei, não. Nunca<br />

procurei, eles não ajudam mesmo. O único partido que parece que manda um<br />

dinheiro para a campanha dos candidatos é o PT.<br />

Por sua vez, a relação com o movimento é de,<br />

falta comunicação entre a associação das mulheres e eu, enquanto vereadora, já<br />

tentei me aproximar, mas não consegui. É aquela coisa: se me convidar eu vou, eu<br />

sou aberta para conversar. Agora, também só ajudo quem me ajuda. (...) Nas próprias<br />

associações de mulheres tem mulheres que preferem colocar um adesivo no<br />

peito de um homem e fazer campanha para ele do que apoiar uma mulher.<br />

Assim fica difícil, porque se as mulheres conseguissem eleger mais<br />

de uma mulher já era mais uma força.<br />

4.1.3.2. Argentina Belarmino Nunes Carneiro, 36 anos, pedagoga, candidata a vereado-<br />

ra, também foi entrevistada:<br />

Poder é estar à frente de algo, é ser líder, é se organizar, é ter o direito de decidir. As<br />

mulheres têm poder, algumas exercem esse poder, e outras não. Eu me considero<br />

uma mulher de poder e digo que não é fácil exercer esse poder. Muitas mulheres não<br />

se apropriam desse poder por medo, por insegurança.<br />

O problema é que muitas não se dão conta também do poder que elas têm. Na<br />

verdade, muitas desconhecem que têm poder por uma questão cultural.<br />

50 O Partido Trabalhista Nacional é uma dissidência do Partido Trabalhista Brasileiro, recriado em 1995. O Partido<br />

esteve envolvido em corrupção nas eleições de 2012, no Rio de Janeiro.<br />

107


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Tudo foi baseado em muito planejamento, enfrentei muitos obstáculos, encontramos<br />

muitas coisas erradas e transformamos praticamente todas na base da honestidade.<br />

Os espaços em que fui coordenadora são espaços de ajudar especificamente<br />

pessoas carentes, pessoas que estão precisando de apoio para conseguir se desenvolver,<br />

e nós conseguimos fazer 90% do que tínhamos planejado para estes setores.<br />

Nas reuniões de planejamento, de avaliação com o gestor do município onde<br />

tinham outros coordenadores/as, secretários/as, nunca tive dificuldade para expor<br />

minhas ideias, porque eu sou do tipo que, independente de quem esteja presente,<br />

quando eu quero me expressar, eu me expresso mesmo.<br />

E, principalmente, quando eu tenho conhecimento da causa que eu estou defendendo,<br />

porque assim vou ter argumentos coerentes para defender minhas ideias.<br />

E outra coisa é que o número de mulheres e homens que participavam dessas reuniões<br />

era meio a meio. Isso também sempre foi muito bom.<br />

É querer mudar, fazer com que as coisas aconteçam, é ajudar, mas não com assistencialismo.<br />

É mostrar o que é política pública, ajudar de maneira correta através de<br />

projetos que contemplem as necessidades das pessoas, por que pretendo se chegar<br />

[a um mandato], escutar as pessoas para trabalhar em cima das necessidades reais,<br />

por que vejo que os projetos podem ser melhores, se a própria população tem a<br />

oportunidade de expor o que realmente é prioridade.<br />

Em relação aos desafios são vários, mas ganhar a confiança das próprias mulheres<br />

é o maior deles, por que até por questões culturais, muitas mulheres não têm ainda<br />

a confiança de votar em mulheres. A questão financeira também é um desafio; não<br />

para ter dinheiro para poder comprar votos, mas sim, para manter a campanha<br />

funcionando; para ir a busca de votos nas comunidades rurais, porque precisamos<br />

de transporte, de alimentação para equipe, material para divulgar a campanha.<br />

Outro desafio é fazer com que nesta região as pessoas compreendam que sua campanha<br />

é uma campanha diferenciada, que não é uma campanha a base da compra<br />

do voto ou troca de favores, mas que é uma campanha que vem com propostas<br />

coletivas e não individuais.<br />

Acho que, primeiro, os espaços de organizações de mulheres, que trabalham conscientização<br />

política das mulheres devem ser divulgados. Porque eu vejo que propagar<br />

conhecimento entre as mulheres pode fazer com que elas sintam a importância<br />

de ocupar esses espaços de participação política e de poder. E também acho que<br />

as mulheres lideranças que estão nos partidos devem travar brigas para garantir a<br />

igualdade entre mulheres e homens.<br />

108


Argentina foi apoiada por muitas mulheres da Associação de Mulheres da Água Preta,<br />

mas não foi eleita. Porém, foi avaliado que ela obteve um número significativo de votos,<br />

tendo em vista o fato de ela nunca ter se candidatado antes. Obteve 295 votos e<br />

acredita–se que mais de 50% desses votos foram de mulheres que se sensibilizaram e<br />

compreenderam a importância de votar em mulher e de preferência uma mulher preparada<br />

para ocupar este espaço.<br />

4.1.3.3 Edvânia Maria da Silva foi a segunda vereadora mais votada em Joaquim Nabu-<br />

co. Ela tem 27 anos, considera-se profissionalmente como doméstica. Ela é negra, de<br />

origem rural. Aos 19 anos candidatou-se ao Conselho Tutelar 51 , mas não pode assumir<br />

por ainda não ter 21 anos. Em 2008 ela foi candidata à vereadora a pedido do Prefeito<br />

da época, apenas para cumprir a cota do partido. Sua concepção de equidade de gê-<br />

nero é que a mulher<br />

deve estar lado a lado com o homem; deve existir igualdade porque Deus disse que<br />

a mulher não deve ser a cabeça e calda, ou seja, ela é igual.<br />

As pessoas estão começando a reconhecer que a mulher ela pode<br />

e tem capacidade de ocupar este espaço assim como os homens. Devemos mostrar<br />

o nosso potencial de reivindicar nossos direitos, e mostrar que viemos para construir<br />

o melhor, que viemos para desenvolver mais a cidade.<br />

O maior desafio que já consigo ver é a questão de conseguir aprovar um projeto,<br />

uma proposta, porque muitos vão querer cortar minhas ideias com medo de eu<br />

crescer. Porque querendo ou não, quando conseguimos aprovar projetos em benefício<br />

da população, a gente cresce politicamente. Mas não é porque eu sei que isso<br />

pode acontecer que eu vou cruzar os braços. Vou correr atrás das parcerias com as<br />

secretarias e com o próprio prefeito.<br />

Quanto à questão partidária, seu partido – o Partido Popular Socialista (PPS) - não<br />

apoiou, nem financeira, nem moralmente. Já os homens tiveram apoio, mas quando ela<br />

se elegeu, chegou logo um telegrama do partido dando parabéns e reconhecendo que<br />

o mandato é do partido.<br />

Eu fui a primeira mulher do partido a se eleger aqui, em Joaquim Nabuco. Éramos<br />

eu e mais duas, mas nós nos dávamos bem, mesmo elas lutando para se eleger<br />

também, porque não foram daquelas que entram para preencher cota não, elas<br />

entraram com intenção de ganhar mesmo.<br />

51 Conselhos Tutelares da Infância e Juventude foram criados na década de 1990 pelo Estatuto da Criança e do<br />

Adolescente, fruto de uma grande mobilização nacional.<br />

109


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Sobre o financiamento da campanha, ela relata que só recebeu ajuda de duas pessoas:<br />

seu ex-patrão, “que eu o chamo de ’pai’ por consideração, e do Deputado Clodoaldo Magalhães”.<br />

Foram R$1.000,00 (mil reais) de cada um, para ajudar no seu deslocamento para<br />

as comunidades.<br />

Quanto à sua votação, ela ressalta que teve dificuldades de conseguir conquistar votos<br />

de alguns homens, que falavam que não votavam em mulher porque as mulheres estavam<br />

tendo muito espaço e daqui a pouco iam tomar todo espaço dos homens e isso<br />

não era bom: “encontrei muitos e muitos machistas por essa campanha”.<br />

O machismo manifestava-se também nos palanques, em que as oportunidades de fala<br />

eram sempre dadas aos homens. Até o momento em que a Coordenadora da Mulher de<br />

Joaquim Nabuco teve a ideia de fazer um comício só para as mulheres e “foi muito bom,<br />

porque nós tivemos oportunidade de falar, de expressar nossas propostas”. Ela foi muito<br />

corajosa porque em Joaquim Nabuco, essa foi a primeira vez que teve um comício só<br />

para as candidatas mulheres.<br />

Um fato que demonstra as diferenças de classe é que,<br />

um dia fui pegar nas mãos de uma companheira, que era candidata, e ela,<br />

porque tinha melhores condições que eu, não quis pegar na minha mão, nem falou<br />

comigo direito. Às vezes, no começo, eu ficava pensando ‘porque eu entrei nessa’<br />

que isso é para quem tem dinheiro. Mas hoje, vejo que não é assim,<br />

até porque fui a segunda mais votada.<br />

Entre suas propostas está fazer parceria com o Centro das Mulheres de Joaquim Nabuco<br />

e a Coordenadoria da Mulher do Município através da Coordenadora, Elaine, que é uma<br />

pessoa muito aberta.<br />

Eu penso que se eu não valorizar as mulheres, eu não vou está valorizando a mim<br />

mesma. Penso em trocar ideias com o Centro das Mulheres de Joaquim Nabuco e,<br />

valorizar o trabalho belíssimo que elas fazem com as mulheres. Mas, infelizmente,<br />

outras acham que cuidar, trabalhar para as mulheres, é dar um presente no dia das<br />

mães e final de ano. Eu não, eu quero o Centro das Mulheres juntamente comigo na<br />

Câmara de vereadores, comigo presente, apoiando os projetos para as mulheres e<br />

até elaborando os projetos, as propostas comigo. Isso só acontece com formação.<br />

As mulheres se reunirem e contarem suas experiências para que sirva<br />

de estimulo para outras. Às vezes, a gente acha que não consegue,<br />

mas quando escutamos a história de outras, a gente vê que também podemos, e<br />

criamos força. Outra coisa é investir mais nas oficinas de conscientização<br />

para mostrar os direitos das mulheres.<br />

110


4.2. Gestoras de instâncias de políticas para mulheres<br />

4.2.1. Zona da Mata Sul:<br />

4.2.1.1. Rafaela Hemília de Holanda Carneiro, 27 anos, branca, família de classe média,<br />

formada em Direito, trabalha como assistente judiciária e coordenadora de políticas<br />

públicas para as mulheres do município de Água Preta.<br />

Poder, para mim, é sinônimo de liderança. As mulheres, a cada dia que passa, estão<br />

conseguindo ocupar e exercer essa liderança na sociedade e no mundo do trabalho.<br />

Os principais desafios que encontramos nesse meio, infelizmente, ainda são o preconceito<br />

das pessoas mal informadas e o medo das próprias mulheres em relação a<br />

mudanças. Sem contar que as políticas públicas para as mulheres no Brasil, mesmo<br />

já tendo avançado bastante, ainda necessitam de muito mais espaço e divulgação.<br />

O meu gestor é muito atencioso às questões que levamos até ele em relação ao<br />

trabalho de políticas públicas para as mulheres do nosso município. Na nossa gestão,<br />

existem várias mulheres ocupando cargos de poder como chefias, secretárias,<br />

coordenadorias, etc.<br />

Nós trabalhamos em parceria com uma instituição não governamental, que é a<br />

Associação de Mulheres de Água Preta, e com uma instituição governamental, que é<br />

o Governo do Estado de Pernambuco. Fazemos também campanhas para as mulheres<br />

lésbicas, idosas e com deficiência. Enfim, atendemos as mulheres de um modo<br />

geral, cada uma com suas particularidades.<br />

Acho que uma opção é aumentar a cota da porcentagem de mulheres filiadas aos<br />

partidos políticos para 50%, prova viva disso é a nossa presidenta da República,<br />

Dilma Rousseff.<br />

4.2.1.2. Rosie Christiann Dornélas Silva, 40 anos, professora e guarda municipal, é ex-coor-<br />

denadora da Mulher de Água Preta, negra, militante do movimento de mulheres e lésbica.<br />

Segundo ela, poder tem vários tipos, poder econômico, poder político e até mesmo<br />

poder afetivo. O poder se expressa em diversas relações sociais e onde existem relações<br />

de poder, existe na política e em outras dimensões da vida social.<br />

111


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Sua experiência foi de tentar<br />

implementar o que aprendi no movimento de mulheres, mais fui bloqueada o tempo<br />

todo, não tinha espaço e nem conseguia recurso para tal. Fui demitida sem explicação,<br />

pois não me submeti às regras impostas pela gestão. Raramente conseguia<br />

implementar alguma proposta da Coordenadoria da Mulher e isso só era possível<br />

quando eu tratava diretamente com o gestor sem intermediários; os secretários<br />

eram os que não davam importância à Coordenadoria da Mulher.<br />

Sofri muito, principalmente porque além de negra, sou lésbica. O que me entristeceu<br />

foi que em muitos casos isso aconteceu por parte de pessoas do próprio movimento<br />

de mulheres, que pregam tanto o fim do preconceito e da discriminação. Tem muitas<br />

pessoas hipócritas no movimento, digo muitas são carrascas neste sentido.<br />

Quanto aos partidos, sua visão é de que:<br />

não existe apoio. Permitem que<br />

as mulheres tornem-se candidatas<br />

apenas para cumprir<br />

a meta de cotas dos mesmos,<br />

mas intenção de eleger mulheres<br />

não existe. Ou, às vezes,<br />

existe quando tem um homem<br />

por traz que é quem pretende<br />

comandar tudo.<br />

Eu vejo que os governantes<br />

precisam ter mais sensibilidade,<br />

dar mais a mão às mulheres.<br />

Quanto às mulheres, essas<br />

precisam se capacitar cada vez<br />

mais e buscar se unir porque<br />

somos a maioria do eleitorado.<br />

112


Sintetizando…<br />

Analisando o exposto acima, se observa que a candidata mais jovem tem 36 anos e a<br />

gestora 27, e que é geralmente na maturidade, após a criação das/os filha/os, que as mulheres<br />

se lançam na política formal. Veja abaixo a Tabela 3 com a idade das concorrentes.<br />

Tabela 5 – Mulheres com inserção na política formal, segundo a localização, idade,<br />

partido político e ano de disputa eleitoral.<br />

NOME CIDADE IDADE PARTIDO ANO DA DISPUTA<br />

Cleonice Silva Inhapu/AL 64 PT Década 1980<br />

Antonia Guerra Inhapu/AL 52 PT 2008/2012<br />

Ângela Nascimento Mata Grande/AL 43 PT 2012<br />

Raimunda Caetano<br />

União dos<br />

Palmares/AL<br />

45 PR 2012<br />

Edna Nobre Maceió/AL 50 PT 2012<br />

Genedy Siqueira Pajeú/PE 60 PSC 2008/2012<br />

Joana D’Arc<br />

Afogados de<br />

Ingazeira/PE<br />

44 PT 2004/2008/2012<br />

Maria de Fátima Mata Sul/PE 45 PTN 2008/2012<br />

Argentina<br />

Belarmina<br />

Mata Sul/PE 36 PSB 2012<br />

Edvania Mª. da Silva Mata Sul/PE 27 PPS 2012<br />

Verifica-se também que duas das mulheres que disputam a eleição em 2012 não<br />

informaram a que partidos pertencem, provavelmente porque elas não têm vida<br />

partidária ou porque a sigla é considerada sem relevância.<br />

Outro aspecto é a diferença relativa entre as eleições de hoje e as eleições na década<br />

de 1980, em que participar da disputa eleitoral era, em si, um ato de coragem. Falava-se<br />

numa “nova forma de fazer política”, o que se perdeu a medida que o PT foi exercendo<br />

as mais altas instâncias de poder. Daí o desencanto de uma geração que contribuiu para<br />

a construção democrática <strong>brasil</strong>eira, mas que hoje se sente distante da política praticada<br />

pela grande maioria dos partidos. No entanto, como é defendido por uma pessoa<br />

do MMTRP/AL, ainda é necessário o incentivo para a participação nos partidos - única<br />

porta de entrada para os cargos eletivos. A transformação através das instituições e<br />

movimentos implica em não dar as costas para o Legislativo, mas ocupá-lo e modificar<br />

sua agenda.<br />

113


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Percebe-se que a realidade da década de 1980 pouco modificou nesses 30 anos: famílias<br />

continuam dominando as regiões das quais fazem parte essas mulheres, que somente<br />

têm acesso à disputa eleitoral nos casos da impossibilidade de um homem da<br />

família assumir essa representação.<br />

Sem dúvida, entre as candidatas há uma maioria de mulheres vinculadas ao PT, o que<br />

pode significar uma maior abertura do partido às mulheres, mas, como se diz abaixo,<br />

para preencher as cotas, pois o projeto de mudança vem sendo postergado. Por outro<br />

lado, as mulheres candidatas são mais de sindicatos e do PT que dos grupos de mulheres<br />

estudados, o que expressa distância com os sindicatos e com os partidos.<br />

Há que se registrar ainda a facilidade de quem já exerce um mandato para ser reeleita/o,<br />

dificultando-se assim a renovação das casas legislativas. Mas também se considera positivo,<br />

para consolidar políticas públicas ou para obter aprendizagens sobre o exercício<br />

do poder, que mulheres possam ser reeleitas e ter carreiras políticas, sem que isto corte<br />

a necessária renovação. É, por exemplo, o caso de Dilma, hoje.<br />

O próprio exercício do mandato é mais difícil para quem é novo no Legislativo. O processo<br />

de elaboração e negociação de leis requer conhecimento técnico especializado,<br />

muitas vezes não disponível nas áreas rurais. Junte-se a isso o fato de mulheres serem<br />

minoria nas Câmaras, tendo apenas uma participação simbólica (DALERUP, 2000). Daí a<br />

frustração com a produção legislativa, muito lenta e que envolve múltiplos interesses, e<br />

a necessidade de eleição de mais mulheres.<br />

A própria situação econômica favorece a uns em detrimento de outra/os. Trata-se do<br />

que Bourdieu (2000) chama de capital simbólico, apropriado por uns em detrimento<br />

de outra/os que a ele não têm acesso Percebe-se, no caso de Antonia, o enfrentamento<br />

desta questão que a levou e à sua família a passar fome para fazer campanha. Trata-se<br />

de uma intersecção entre gênero e classe.<br />

Outro fato a ser ressaltado é a importância do próprio movimento, não só na formação<br />

das mulheres candidatas, mas também em seu engajamento na campanha.<br />

Interessantíssima é a entrevista da vereadora de Água Preta que expressa, com todas as<br />

letras, o que pensa um/a parlamentar tradicional ou conservador/a: o uso de clichês, a<br />

defesa do assistencialismo, e mesmo assim ela sente que é preterida pelo partido, que<br />

favorece os homens, inclusive economicamente. Como contraponto uma candidata da<br />

Mata Sul expressa outra visão – contra o assistencialismo, a escuta das pessoas, uma<br />

campanha com propostas coletivas.<br />

Chama-se ainda atenção para a remanescente de quilombolas, que se candidatou para<br />

provar que as mulheres da raça negra são capazes de se tornar vereadoras.<br />

114


Já vereadora e novamente candidata, a maior dificuldade continua sendo conciliar a<br />

jornada de casa com mandato. Outra dificuldade é a questão financeira, pois toda campanha<br />

tem um custo e o partido dificilmente investe em você, mulher.<br />

4.3. Mulheres dos Grupos<br />

As mulheres dos grupos também foram entrevistas, sendo oito de Alagoas e o restante<br />

de Pernambuco: sete do Sertão do Pajeú e quatro da Mata Sul.<br />

4.3.1. Alagoas:<br />

3.3.1.1. Vamos começar com Dayanne Santos, do Grupo de Mulheres Agricultoras da<br />

Comunidade Cajueiro, em Penedo.<br />

Meu nome é Dayanne Priscylla Santos, tenho 20 anos. Nasci em Penedo, moro na<br />

casa da minha mãe, com meus irmãos, meu padrasto, meu marido e minha filha.<br />

Minha infância foi boa porque sempre estive com minha mãe ao meu lado, e um<br />

pouco ruim porque durante minha infância não tive meu pai ao meu lado, mas<br />

sempre tive minha mãe que era como os dois: pai e mãe.<br />

Eu sempre estudei, a primeira escola em que estudei foi no povoado Chinaré. Depois<br />

passei a estudar na cidade e já terminei o 2º grau.<br />

Participo da associação, sou sócia, também participo do grupo de mulheres e também<br />

sou sócia, depois que passei a participar do grupo de mulheres, eu aprendi a<br />

ver os direitos das mulheres.<br />

4.3.1.2. Em seguida foi ouvida Givanete:<br />

Meu nome é Givanete de Souza Silva, mais conhecida como Netinha. Tenho 40<br />

anos, sou do dia 23 de dezembro de 1971. Moro na comunidade<br />

Cajueiro, sou casada há 23 anos, tenho três filhos, duas mulheres e um homem,<br />

mora comigo uma filha de 16 anos e um filho de 19 anos.<br />

A mãe de minha neta tem 22 anos e não mora comigo.<br />

115


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Eu nasci em Chinaré, município de Igreja Nova. Minha infância foi boa, minha<br />

juventude não foi muito boa, meu pai pegava muito no meu pé. Fui morar com meu<br />

marido com 16 anos, não aproveitei nada da minha juventude. Minha maturidade<br />

é melhor, aprendi muito com o movimento de mulheres.<br />

Eu espero que no futuro aconteçam coisas boas para todas as mulheres. Participo<br />

da associação, sou tesoureira do grupo de mulheres.<br />

4.3.1.3. Ainda em Alagoas, foi ouvida Ana:<br />

Meu nome é Ana de Lemos Ramos, tenho 53 anos, nasci na maternidade de Penedo-<br />

-AL, no dia 20 de maio de 1959, às duas horas e 30 minutos, em um dia de quinta-<br />

-feira. A minha infância foi muito boa, estudava no grupo escolar Freitas Melo e<br />

depois na escola Técnica de Comércio. Tenho dois irmãos com quem brincava muito<br />

em minha infância. Aos 11 anos tive uma perda muito grande: o falecimento de<br />

meu pai no dia 25 de fevereiro de 1971.<br />

Com o passar do tempo, fui crescendo, me tornei moça, e terminei de me criar com<br />

minha mãe. De vez em quando, ia passar dias na casa do meu irmão João, irmão<br />

por parte de pai. E daí eu, namorei e casei com um rapaz de Palmeira dos índios;<br />

com seis anos de casada tive minha primeira filha, Liliane. Ela é deficiente, tem problema<br />

específico na fala e dificuldade mental. Ela nasceu no dia 20 de julho e meu<br />

segundo filho nasceu normal, graças a Deus, no dia 04 de julho. Quando ele tinha<br />

11 anos, meu marido se separou. Sofri muito para criar meus filhos: lavei roupa de<br />

ganho e trabalhei de domestica, passei muitas necessidades, mas venci e quando<br />

caminhei para fazer o beneficio da Liliane, as coisas melhoraram.<br />

Depois, comecei a vir para Cajueiro, e vender roupas e perfumes com minha irmã, e<br />

conheci um rapaz, e estamos morando juntos. Com oito meses que estávamos namorando,<br />

vim morar em Cajueiro. Com um ano e meio perdi minha mãe, isso está<br />

com oito anos. Hoje, moro com ele já está com 12 anos e oito meses e vivemos bem.<br />

Por incrível que pareça, hoje ele está completando ano.<br />

O que eu espero é que as mulheres participem mais. Participo da associação, do<br />

grupo de mulheres e do grupo de produção. Na associação, sou vice-presidente do<br />

grupo de mulheres e secretária do grupo de produção.<br />

116


4.3.1.4. Da comunidade de Cajueiro, em Igreja Nova, foi ouvida Gilvanete, cujo depoi-<br />

mento está abaixo.<br />

Meu nome é Gilvanete dos Santos, tenho 47 anos, moro no povoado<br />

Cajueiro, município de Igreja Nova. Nasci na cidade de Penedo,<br />

estado de Alagoas. Moro junto com meu marido há 30 anos,<br />

tenho seis filhos e uma filha, mas só a filha mora conosco.<br />

Minha infância não foi muito boa, não conheci meu pai porque ele morreu, eu ainda<br />

criança, e minha mãe me colocou para trabalhar nas casas de famílias. Lá eu era<br />

maltratada, levando cascudos e beliscões por não fazer as coisas direito.<br />

Não tive tempo para brincar e não me colocaram na escola quando criança.<br />

Na minha juventude continuei trabalhando nas casas de famílias e<br />

me envolvi com um rapaz ainda muito cedo e com ele tive dois filhos;<br />

tive o meu primeiro filho quando ainda tinha 15 anos.<br />

Quando tive meus filhos mais velhos, voltei para a casa da minha mãe, e aí conheci<br />

meu atual marido, e fiquei sendo agricultora porque ele tem um lote de terra.<br />

Foi quando conheci a felicidade, porque encontrei alguém que me deu apoio.<br />

Com ele tive mais quatro filhos e minha única filha.<br />

Quando tinha mais ou menos 35 anos, comecei a estudar numa<br />

turma de alfabetização de jovens e adultos e aprendi a fazer meu nome.<br />

Hoje participo do grupo de mulheres, do grupo de produção de corte e costura e da<br />

associação de moradores. Depois que entrei no grupo de mulheres, minha mentalidade<br />

mudou, pois coisas que não sabia, passei a saber. Viajei para participar de<br />

atividades do MMTRP-AL, onde percebi que as mulheres têm seus direitos.<br />

Também aprendi a fazer crochê e pinturas.<br />

Acho que é importante que as mulheres participem da política, porque nós<br />

fazemos coisas melhores que certos homens. Espero que haja um futuro<br />

melhor para mim e para todas as mulheres, que coisas boas aconteçam<br />

e que estejamos mais no poder do nosso estado.<br />

117


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

4.3.1.5. Roseni é de Igreja Nova e deu o seguinte depoimento:<br />

Meu nome é Roseni Vieira Santos, tenho 43 anos e nasci na maternidade de Penedo.<br />

Moro em minha residência com minhas duas filhas, Sheila e Sanyelly.<br />

Minha infância foi muito triste, perdi meu pai quando tinha apenas um ano e seis<br />

meses de idade. Daí vivi com minha avó até os 11 anos. Após, fui morar com outra<br />

família até completar os 18 anos. Aos 18 me casei e tive três filhos. Durante meu<br />

casamento sofri bastante, me separei aos 30, conheci outra pessoa com quem vivi<br />

seis anos. Dai passei a ter o conhecimento através do MMTRP-AL.<br />

Eu espero, para o meu futuro e das outras mulheres, é que as mulheres sejam tratadas<br />

com igualdade e que possam ter conhecimento de seus direitos.<br />

Eu participo da associação como sócia, do grupo de mulheres como<br />

coordenadora e do grupo de produção como tesoureira.<br />

4.3.1.6. Josileide também falou sobre sua trajetória de vida:<br />

Meu nome é Josileide Lima de Souza, tenho 31 anos, moro no povoado Chinaré.<br />

Sou solteira e tenho um filho. Nasci em Traipu.<br />

Há muito tempo atrás comecei a participar do grupo de mulheres e da associação<br />

de moradores e também participo da colônia de pescadores de Igreja Nova.<br />

Depois que comecei a participar do grupo de mulheres, passei a ter uma visão diferente.<br />

Aprendi sobre os direitos das mulheres e o MMTRP-AL<br />

ajudou a minha conscientização.<br />

Acho que é muito importante que as mulheres participem da política,<br />

porque nós temos um pensamento diferente. Às vezes, as mulheres que participam<br />

da política fazem o mesmo que os homens porque não têm a conscientização<br />

e não conhecem os seus direitos, e elas têm medo de lutar.<br />

É por isso que é importante que as mulheres conheçam seus direitos.<br />

Espero que no futuro tenha direitos iguais para mulheres e homens. É um absurdo<br />

que as mulheres façam os mesmos serviços que os homens e que recebam menos.<br />

118


4.3.1.7 Complementando essa história foi feita uma entrevista com Quitéria Gomes da Silva,<br />

42 anos, que já tem netas, bem como com um filho de 10 meses, conforme o texto abaixo:<br />

Minha infância foi terrível, não tive direito a frequentar a escola. Com nove anos<br />

já trabalhava no corte da cana. Com 14 anos fui trabalhar numa casa de família e<br />

com 20 anos voltei me casei e voltei para o corte da cana.<br />

Com 23 anos comecei a militar no MST. Foi aí que comecei a estudar para aprender<br />

a assinar meu nome, para acessar benefícios da terra. A partir dos 23 anos, estava<br />

com três filhas e separada do marido. Tive que criar minhas filhas, sozinha.<br />

E passei quase 20 anos militando no MST.<br />

Há quatro anos, conheci o MMTRP-AL, e tive mais acesso à escola depois que entrei<br />

no MMTRP-AL, porque nós somos incentivadas a nos instruir mais, tanto indo à<br />

escola como lendo muito. Foi dentro desse movimento que conheci meus direitos<br />

como mulher. E comecei a discutir os problemas das políticas públicas com o pessoal<br />

da prefeitura e nas comunidades.<br />

No final de 2010, na Assembleia Estadual do MMTRP-AL, fui escolhida para ser a articuladora<br />

do movimento na região do litoral. Hoje, eu vejo que tem mais mulheres<br />

discutindo políticas públicas e os seus direitos.<br />

Com o trabalho do movimento, a participação das mulheres melhorou muito. Com<br />

a formação de grupos de mulheres, muitas estão ficando independentes dos seus<br />

maridos. Acho que a participação das mulheres na política está muito devagar porque<br />

muitas mulheres ainda não descobriram suas capacidades políticas.<br />

Mobilização Pajeú<br />

119


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

4.3.1.8. A pescadora Angelúcia também deu seu depoimento:<br />

Meu nome é Angelúcia Santos Fernandes, tenho 40 anos de idade. Nasci no povoado<br />

Ilha das Antas, município de Igreja Nova. Atualmente separada, tenho um filho<br />

homem de 22 anos, uma filha de 17 e outra de 12.<br />

Sou pescadora artesanal e sou filha de pescador e agricultora.<br />

Minha infância foi ajudar minha mãe a cuidar dos meus irmãos, quando ela ia<br />

para o plantio de arroz na lagoa, porque ela era arrendatária até,<br />

aproximadamente, 1984 ou 1986 e quase não tive juventude, porque casei<br />

com 17 anos, em 1989, no dia 5 de abril e fiquei casada até 2009.<br />

Espero que o futuro seja promissor e que cada uma de nós tenha um futuro com<br />

muita saúde e muito mais mulheres de coragem que entrem na política para melhorar<br />

e trabalhar mais pelos direitos das mulheres, dos/as jovens e das crianças.<br />

Participo de alguns espaços políticos como a colônia de pescadores e CPP<br />

que significa Comissão Pastoral dos Pescadores e do grupo de mulheres<br />

da minha comunidade, do qual sou coordenadora. Esse grupo também é ligado à<br />

colônia de pescadores e ao MMTRP-AL/MMTR-NE.<br />

4.3.2 Sertão do Pajeú<br />

Após a reunião em Xique-Xique foram feitas entrevistas com o objetivo de a mulher<br />

revelar sua história:<br />

4.3.2.1 Começamos com Josineide Silva, conhecida como Totô:<br />

Sou Josineide de Lira Batista Silva (Totô), tenho 41 anos. Eu nasci no sítio Vaca-Morta,<br />

(...) Eu fui começando a participar da associação, então fui me libertando...<br />

Tive dificuldades... Teve uma seca grande e a gente começou a trabalhar no açude,<br />

em uma emergência. Começamos a ter ideias para começarmos a trabalhar em<br />

grupo e hoje nós temos o grupo de mulheres Xique-Xique. Eu tenho muito a agradecer<br />

ao grupo porque eu adquiri muito conhecimento e tenho o meu dinheiro<br />

todo mês. Eu não teria hoje o que eu tenho se eu não participasse de um grupo de<br />

mulheres. O meu conhecimento é mais valioso do que tudo porque é meu não fica<br />

como herança par ninguém. Eu morro com ele.<br />

120


4.3.2.2 Genelice Galdino de Lima foi a segunda mulher a narrar sua história:<br />

Minha vida só começou a mudar em 1989. Foi quando Dr. Orisvaldo Inácio venceu<br />

a eleição. Uma das propostas do governo dele era disponibilizar transporte escolar<br />

para os alunos, da zona rural, irem estudar nas escolas da cidade. Eu já era adulta,<br />

mas segui em frente, sofri preconceito na sala de aula por ser da zona rural, mas<br />

consegui; com a ajuda dos professores, consegui vencer.<br />

Foram onze anos de luta, andando em cima de um caminhão, levando chuva, arriscando<br />

a vida. Passei fome e sono, mas nada me fez desistir.<br />

Cada vez me sentia mais parte da sociedade. Fiz parte de um grupo de jovens<br />

rurais, onde participei de um seminário em São Paulo, região sudeste do Brasil, com<br />

jovens de todos os estados do país e isso foi muito gratificante. Nunca neguei minha<br />

Identidade de jovem da zona rural, eu sinto orgulho. Sou catequista de crianças e<br />

jovens; trabalhei seis anos na Secretaria de Saúde, onde fiz varias amizades e conheci<br />

muitas pessoas. Isso é você perceber que você, quando tem força de vontade,<br />

consegue. Pra isso, basta querer e ter fé em Deus.<br />

Mas me sentia um peixe fora d’água, queria ir mais além. Foi quando, em 2008, fui<br />

convidada para fazer parte do grupo Xique-Xique. Fiquei muito feliz, foi quando as<br />

coisas começaram a mudar em minha vida. Através das mulheres do Xique-Xique,<br />

me convidaram para a associação de moradores. Depois que eu entrei no grupo, já<br />

aprendi varias coisas, sou sócia da cooperativa. Participo de varias reuniões, já fiz<br />

curso de pedreira, aprendi a construir cisternas e tudo isso deu uma reviravolta na<br />

minha vida e muitas coisas mudaram para melhor.<br />

4.3.2.3 Joana Bezerra de Oliveira também contou como foi sua trajetória de vida:<br />

Hoje, aos meus 46 anos, eu continuo casada, tenho três filhos: Janiclécia, Silvano<br />

e Janiérica, que são o meu maior tesouro. Resido no sítio Corisco, no município de<br />

Afogados da Ingazeira. A minha maior felicidade é que eu proporcionei aos meus<br />

filhos o que eu não tive: os estudos. Janiclecia concluiu o 2º grau, Silvano está cursando<br />

a faculdade de Matemática e Janiérica conclui o 2º grau este ano. A renda da<br />

família é baseada na agricultura e nos programas sociais do governo federal.<br />

Há alguns anos atrás, eu não tinha renda nenhuma. Logo depois que comecei<br />

a me reunir com o grupo de mulheres Xique-Xique, tivemos o apoio do Programa<br />

121


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

de Aquisição de Alimentos. O PAA é uma das ações do Programa Fome Zero, 52 que<br />

promove o acesso à alimentação para a população em situação de insegurança<br />

alimentar e a inclusão social e econômica no campo, por meio do<br />

fortalecimento da agricultura familiar, e do Programa Nacional de Alimentação<br />

Escolar. O PNAE é um programa de assistência financeira suplementar com vistas a<br />

garantir, no mínimo, uma refeição diária aos alunos beneficiários, a partir da merenda<br />

escolar, onde tivemos facilidade de comercializar os nossos produtos: a polpa<br />

de frutas e doces, aumentando, assim, minha renda familiar.<br />

Assim, sou feliz por ter força, coragem e saúde para trabalhar e enfrentar as<br />

dificuldades que a vida nos oferece. Só tenho o que agradecer a Deus: a força e a<br />

coragem que ele me deu e dá todos os dias, para manter a minha família unida e<br />

feliz junto com meu esposo, Severino.<br />

FONTE: http://www.blogpajeudagente.com<br />

OBS: As entrevistas foram realizadas nos municípios (01), (12) e (15)<br />

52 O Programa Fome Zero é uma estratégia impulsionada pelo governo federal a partir do governo Lula (2003) para<br />

assegurar o direito humano à alimentação adequada às pessoas com dificuldade de acesso aos alimentos. Tal<br />

estratégia se insere na promoção da segurança alimentar e nutricional, buscando a inclusão social e a conquista<br />

da cidadania da população mais vulnerável à fome.<br />

122


Mulheres do Artesanato Pajeu com cisterna.<br />

Falaram sobre sua história de vida Maria José, Itamara Raquel, Elba Regina Moisés de<br />

Brito, Helaine Cristina Moisés de Brito e Maria Helena Moisés de Brito, todas de São José<br />

do Egito.<br />

4.3.2.4 A primeira foi Maria José:<br />

O meu nome é Maria José, sou do dia 7 de julho de 1964. Nasci em Grota de Oiti, filha<br />

de agricultor muito pobre. Vivia do alugado e da roça, tenho cinco irmãos. Com<br />

cinco anos, junto com meus pais, fui embora pro Paraná. Quando chegamos a São<br />

Paulo, ficamos presos por não termos o registro de nascimento. Meio-dia nós fomos<br />

liberados por ordem do Juizado de Menor. Chegando ao município de Roladia,<br />

fomos pra casa do tio da minha mãe. Durante oito dias foi bom, depois ficou difícil e<br />

começaram a negar tudo, até alimento. Trinta dias depois, mãe alugou dois cômodos<br />

de uma crente e após três meses meu pai arrumou trabalho em uma fazenda do<br />

senhor Setembrino, isso já em Colina.<br />

Depois de quatro anos voltamos para São José do Egito, para o mesmo sítio. Eu<br />

tinha 14 anos. Fomos morar no Sítio Europa, fazenda de Inácio Valadares. Depois<br />

de três anos, ainda na mesma cidade, fomos morar nas Panelas. Lá conheci o meu<br />

marido e mudamos para a Fazenda Leonda Souta, onde nos casamos. Fui morar na<br />

Baixa de Juazeiro, onde morei sete anos. Aí tive um filho. A fazenda era de Reginaldo<br />

123


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Valadares, que vendeu ao deputado José Marcos, que jogou o gado dentro da roça,<br />

acabando com tudo. Com um ano, fui morar em Santa Rita, em Tuparetama, no sítio<br />

de Rita Fernandes. Passamos dificuldades, doença..., fui morar no sítio de Miguel<br />

Mendes, fui morar em Bonfim, voltando para São José do Egito e um ano, minha sogra<br />

adoeceu e veio morar comigo. Meu marido trabalhava com Roberto Nunes, que<br />

vendo a doença da minha sogra, não pagou meu marido e o ameaçou de morte.<br />

Então, passamos a viver de campanha 53 . Quando minha sogra morreu e depois<br />

de passar por alguns lugares, fomos morar no sítio Manoel de Gertrude. Tava tudo<br />

ótimo, foi quando meu marido decidiu comprar um carro e [passou] a chegar bêbado<br />

em casa, perdendo a cabeça, gastando o que não tinha, e então, por causa de<br />

famílias ruins, fomos morar na fazenda Santa Rita, em Tuparetama, onde compramos<br />

uma casinha. Começamos a passar dificuldades cada dia mais; sendo agredida<br />

pelo meu marido, então, fui morar no Assentamento Buenos Ares. Assim, eu e meus<br />

filhos passamos a ser humilhados, comendo arroz que vinha do INCRA e, diante das<br />

dificuldades, eu e minha família fizemos mobilização junto com a CPT (Comissão<br />

pastoral da Terra) e o Sindicato.<br />

Nesse período sofremos demais eu e meus filhos. Eles foram ameaçados de serem<br />

jogados de cima do carro da escola, por serem sem-terra. Todos olhavam torto:<br />

professores, colegas de sala. A primeira vez que houve uma mobilização do MST em<br />

São José do Egito, o comércio fechou, ficaram chamando a gente de ladrão de terra,<br />

a única escola que nos apoiou foi a Edson Simões.<br />

A prefeitura fechou o assentamento, o primeiro do município. Depois de dois anos,<br />

o acampamento se mudou para Lagoa de Outra Banda, onde o proprietário tava<br />

negociando com o INCRA, com o Sindicato e a CPT, que nos deram apoio.<br />

Depois, recebemos também a assessoria da Diaconia e da<br />

Casa da Mulher do Nordeste, nas áreas coletivas do Projeto Dom Helder Câmara,<br />

tivemos apoio da Bélgica e de outros países. Também visitamos outro país,<br />

a Associação e o grupo de Mulheres, hoje é a minha vida!<br />

Minha vida mudou, sou separada, não sofro mais tanta violência, pois conheço<br />

os meus direitos, participo de reuniões políticas. Hoje, luto pelo título da terra para<br />

poder fazer [parte do] Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura<br />

53 Refere-se ao trabalho para candidatos políticos durante o período das campanhas eleitorais.<br />

124


Familiar (Pronaf) 54 , porque o INCRA ainda diz que essa terra é do governo, porque<br />

ainda não paguei a minha. Esse é um pouquinho da História da minha vida.<br />

4.3.2.5. E a História de vida de Itamara Raquel é narrada abaixo:<br />

Nasci no dia 18 de outubro de 1989, no sítio Serrote Vermelho, município de São<br />

José do Egito. Meu nome é Itamara Raquel, fui criada lá mais os meus irmãos,<br />

Antônio Neto e José Artur, e meus pais se chamam José Felix e Maria Aparecida.<br />

Estudei, tive uma infância boa e ruim, meu brinquedo era uma boneca de<br />

sabugo de milho, que meus pais não tinham condição de comprar uma boneca<br />

de verdade pra mim, mas eu nunca reclamei de nada. E o tempo foi passando<br />

e um dia foi melhorando a vida da gente. Quando eu fiquei mocinha,<br />

eu ganhei um som e uma bicicleta dos meus pais.<br />

Eu tenho dois filhos. Chamam-se Everton Felipe (seis anos) e Everton Pablo (três<br />

anos); são os meus tesouros, que Deus deu pra mim. Eu morava na casa do meu pai,<br />

no Sítio Aroeira, e foi quando eu conheci José Nilson e ele morava no Sítio Encontro<br />

com os pais dele. Foi quando ele me chamou pra vir morar no Assentamento Lagoa<br />

de Outra Banda, no dia 30 de julho de 2010.<br />

Quando eu tive mais conhecimento do assentamento é agora, que eu sou uma das<br />

mulheres. Eu comecei a participar do Grupo de Mulheres Boa Esperança no dia 22<br />

de agosto de 2010. Foi importante, pela primeira vez eu faço parte com Dona Maria<br />

José, Dona Helena, Helaine, Elba, Macilene, Luna e Raquel.<br />

4.3.2.6. Elba, ao mesmo tempo, fala sobre sua biografia:<br />

Sou Elba Regina Moisés de Brito, nasci em São José do Egito, moro na comunidade<br />

Lagoa de Outra Banda com meus pais e irmãos.<br />

Sou agricultura, vice-presidente da Associação da Comunidade de Santa Rita,<br />

faço parte do grupo de Mulheres de Lagoa de Outra Banda.<br />

Terminei o ensino médio, fiz o curso técnico de Zootecnia, em São José do Egito.<br />

Eu adoro criar animais. Aqui no Assentamento Lagoa de Outra Banda<br />

não sou muito de falar em público, mas tenho certeza que sou uma mulher<br />

que luto por meus direitos e dos outros.<br />

54 O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) financia projetos individuais ou coletivos,<br />

que propiciem renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária. O programa possui as mais<br />

baixas taxas de juros dos financiamentos rurais, além das menores taxas de inadimplência entre os sistemas de<br />

crédito do País.<br />

125


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Adoro ajudar o próximo, principalmente, as mulheres que sofrem violência e não<br />

sabem que estão sendo violentadas, por isso faço parte de um grupo de mulheres.<br />

4.3.2.7. Helaine igualmente relatou sua história:<br />

Sou Helaine Cristina Moisés de Brito. Nasci na cidade de Patos, Paraíba, mas sempre<br />

morei em Lagoa de Outra Banda, no município de São José do Egito. Tenho um irmão<br />

e três irmãs, moramos todos com meus pais. Sou um pouco tímida, mas devido ao<br />

trabalho que escolhi que são os movimentos sociais, estou vencendo.<br />

Trabalhei na Comissão Pastoral da Terra, fui agente de desenvolvimento sustentável<br />

da Casa da Mulher do Nordeste e continuo com o mesmo trabalho como monitora<br />

do Programa Mulher Tecendo o Nordeste Solidário. Terminei o ensino fundamental<br />

e tenho o superior incompleto. Tenho formação na área agrícola.<br />

Sou assentada do Programa do INCRA, tenho minha terra. E luto por igualdade de<br />

gênero, pois nas comunidades que acompanho, temos dificuldades quando vemos<br />

a vida das mulheres.<br />

Apesar de termos direitos iguais, ainda e difícil realizar todas as metas. Na formação<br />

política posso me considerar uma mulher empoderada dos seus conhecimentos.<br />

4.3.2.8. Maria Helena também contou sua história:<br />

Eu sou Maria Helena Moisés de Brito, mãe de Helaide e Elba.<br />

Nasci na cidade de Patos. Sou filha de agricultores, sempre ia pra roça com meus<br />

pais e também trabalhei com eles. Aos treze anos de idade, eu fui trabalhar com um<br />

grupo de pessoas fazendo flores de tecido e quando eu aprendi a fazer trabalho,<br />

uma senhora me convidou para trabalhar com ela. Quinze dias depois, a mesma,<br />

tinha encomendas de muitas flores, muito grande. Eu fui, e então a gente foi se<br />

conhecendo mais e eu fui ficando mais dias..., e então, eu ajudava em outras atividades<br />

também, porque o esposo dela era dono de uma firma e, eu ajudava na parte<br />

da firma, os movimentos de banco, escritório, fazer pagamento, tanto na<br />

própria cidade como nas cidades vizinhas, eu fazia.<br />

126


Então, eles também tinham uma fazenda aqui no município de São José do Egito<br />

e sempre vinham passar os fins de semana. Eu era muito amiga do rapaz que<br />

trabalhava no curral, mas depois de muito tempo que a gente se tornou só amigo,<br />

resolvemos namorar e desse namoro depois, acabamos casando. Isso aconteceu<br />

aos meus 23 anos, eu deixei a cidade de Patos e vim morar aqui no município de São<br />

José do Egito; aqui construímos nossa família. Temos cinco filhos: duas mulheres e<br />

três homens. Graças a Deus, vivemos como pobre, mas vivemos bem.<br />

Só que anos depois, o dono dessa fazenda resolveu vender a fazenda.<br />

Depois dos trâmites o INCRA comprou.<br />

E nós ficamos por aqui. Hoje, sou assentada. Já recebi muitas humilhações por<br />

alguns dos que chegaram. Até mesmo por defender outras pessoas da comunidade,<br />

sofro humilhação, mas sempre eu peço a Deus nas minhas orações<br />

por mim e por eles, que Deus ilumine o coração de cada um. O que fazem comigo eu<br />

coloco nas mãos de Deus - ele resolve tudo.<br />

Componentes do Grupo de Mulheres Nova Esperança, em frete<br />

a uma das primeiras casas construídas pelo governo<br />

no Assentamento Lagoa de Outra Banda.<br />

127


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Elaine, Elane e Eleide,<br />

ao lado de pintura da caatinga,<br />

feita por Eleide na casa de Elaine.<br />

4.3.2.9. Elaine foi outra integrante do grupo a compartilhar sua história de vida:<br />

Meu nome é Elaine Rodrigues, tenho 44 anos, quatro filhos e quatro netos. Casei<br />

muito cedo, aos 17 anos, só queria ser esposa e mãe. Mas o casamento não deu<br />

certo. Eu faço artesanato e foi assim que conheci a Casa da Mulher do Nordeste e<br />

conheci outro mundo, o qual não pensava que pudesse fazer parte dele.<br />

Exemplos: falar em público; ser presidente do conselho de moradores do bairro;<br />

articular feiras e outros eventos solidários; impor meus pensamentos e dizer<br />

“Eu penso assim” ou “Eu não quero assim”.<br />

Eu, hoje, me vejo totalmente diferente do que eu era, tanto na parte financeira<br />

como na forma de pensar e agir. Eu era do tipo que dizia “em briga de marido e<br />

mulher, ninguém mete a colher.” 55 Hoje, eu não admito que maltratem de forma<br />

nenhuma uma mulher e meto, sim, a colher. Eu gostaria muito se as outras mulheres<br />

tivessem a oportunidade que eu tive.<br />

4.3.2.10. Por fim, Elaine Gisely apresentou sua biografia:<br />

Meu nome é Elaine Gisely de Sousa, tenho 26 anos,<br />

moro em Afogados da Ingazeira. Sou filha de pais separados,<br />

mas isso nunca foi problema, pois sempre fui muito amada pelos dois.<br />

55 Ditado popular, que caracteriza as relações entre marido e mulher como sendo apenas privadas ao casal, tirando<br />

assim da sociedade o poder e o dever de interferir quando necessário, em caso de violência, por exemplo.<br />

128


Sou casada, tenho dois filhos; não terminei meus estudos, trabalho em uma escola<br />

como professora auxiliar e com artesanatos e sou muito feliz.<br />

4.3.3 Mata Sul<br />

4.3.3.1 Na Mata Sul foram entrevistadas seis mulheres, a primeira sendo Sonia Lima.<br />

Passei boa parte da minha infância na zona rural, morando em engenhos porque<br />

meu pai era barraqueiro. Saímos da zona rural por um tempo, quando fomos morar<br />

em Prazeres, área metropolitana do Recife e, logo depois, viemos morar na zona<br />

rural de Ribeirão, no Engenho Progresso.<br />

Meu pai sempre foi um homem do campo, dono de barracão (comércio que<br />

vendia alimentos para os trabalhadores rurais com alto custo) e também sempre<br />

foi muito radical. Naquela época, quem era barraqueiro em uma comunidade rural<br />

tinha sempre o respeito das pessoas. Tanto é que todos chamavam a mim, meus<br />

irmãos e irmãs, mesmo crianças, de ‘senhora’ e ‘senhor’.<br />

Os trabalhadores compravam fiado no barracão e quando recebiam, como era<br />

tudo muito caro, pagavam todo salário e ainda ficavam devendo. E, sendo assim,<br />

não podiam mais comprar nem no barracão e nem mesmo em outro lugar, porque<br />

ficavam completamente sem dinheiro. Eu não me conformava com a situação e<br />

muitas vezes, mesmo criança, eu esperava anoitecer e tirava mercadorias (alimentos),<br />

escondidos do meu pai e ia pelas portas das cozinhas dos trabalhadores, dar<br />

comida para eles porque sentia muita pena deles.<br />

Desde cedo, sempre tive vontade de fazer algo diferente, mas não sabia o que seria.<br />

Aí, decidi ser professora de catecismo e fiz amizade com o padre da paróquia. Depois<br />

de um tempo me casei e fui morar em Pumaty. Depois de alguns anos, me separei<br />

e fui morar com meus pais novamente. Sofri muito porque tinha sido criada para<br />

o casamento, e certo dia eu me olhei no espelho e disse que a partir daquele dia eu<br />

não ia mais sofrer e decidi ser diferente até fisicamente: cortei o cabelo bem curtinho<br />

e comecei a vestir calça jeans. Foi uma mudança enorme porque quando eu casei,<br />

meu marido me moldou para ele, eu não podia cortar o cabelo e vestia roupas muito<br />

compostas, porque eu tive que entrar na lei de crente, ser evangélica da Assembleia de<br />

Deus por conta dele. E eu aceita todas as imposições dele por amor.<br />

129


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Eu já era muito rebelde, aí fui procurar emprego e depois conheci Sandra Rodrigues,<br />

que era uma mulher diferente, uma mulher política. Nesse período uma pessoa me<br />

convidou para fundar o Partido Político PTB – Partido Trabalhista Brasileiro. Bem,<br />

fundamos, mas eu continuava achando que ainda não era partido o que eu queria.<br />

Mesmo assim fui convidada para fazer a campanha de um deputado em Ribeirão<br />

sem nunca ter visto esse candidato e eu consegui 120 votos. E Sandra sempre me<br />

convidando a lutar por algo melhor para o município. Aí, ela me convidou para fundar<br />

a Associação das Mulheres – que, inclusive saiu no Jornal do Comércio na época<br />

-, mas eu nunca quis ser diretora. Sempre gostei de apoiar tudo na associação, não<br />

queria ficar em uma coisa específica. Mas depois de sete anos, Sandra me convidou<br />

a fazer parte da diretoria. Fiz alguns questionamentos porque tinha medo de não<br />

dar conta do recado e ela, com seus argumentos, conseguiu me convencer.<br />

Formamos a chapa e fui eleita coordenadora.<br />

No começo desse trabalho da associação, sofríamos muita pressão.<br />

Não podíamos nem divulgar nossos eventos, se não os gestores políticos ‘queimavam’<br />

o evento (faziam sempre algo para que as pessoas não pudessem comparecer,<br />

sabotava mesmo). Éramos vistas como um bando de desocupadas.<br />

Um dia, fizemos um evento sobre violência e veio a Ribeirão participar a esposa do<br />

Dr. Miguel Arraes, que na época era Governador, Dona Madalena Arraes. E os gestores<br />

do município não compareceram e impediram muitas pessoas de participar.<br />

Eu sei que depois disso Dr. Miguel Arraes nunca mais veio a Ribeirão. Algumas<br />

pessoas dizem que foi porque ele achou uma ofensa o que os gestores fizeram com<br />

evento e um desrespeito à esposa dele. Inclusive, nessa história, o Prefeito mandou<br />

um fax para o gabinete de Arraes dizendo que não tinha ido participar porque o<br />

evento havia sido organizado por um bando de vagabundas.<br />

Uma semana depois Dr. Arraes mandou me buscar para elaborar um projeto para<br />

trabalhar com as mulheres no engenho. E sei que na minha primeira gestão consegui<br />

alguns projetos, inclusive com o deputado para quem eu tinha trabalhado<br />

há alguns anos, em cursos profissionalizantes, Sandra e eu dávamos muito certo,<br />

porque nunca apontávamos o dedo uma para outra, mas procurávamos soluções<br />

para os problemas que a gente tinha que enfrentar. Na associação não tinha essa<br />

coisa de quem foi a culpada; tinha pessoas companheiras, acertávamos juntas, se<br />

errávamos era juntas por isso que deu sempre certo. Depois de um tempo mudamos<br />

o nome para Centro de Mulheres de Ribeirão porque achamos que tinha mais haver<br />

com a nossa luta, com as mulheres.<br />

130


Faço parte do Partido Político PC do B e estou no movimento de mulheres há mais<br />

de 30 anos e foi esse movimento que deu norte a minha vida, que moldou quem eu<br />

já era. Eu me encontrei no movimento de mulheres.<br />

As relações de poder, no meu ponto de vista, se modificaram bastante porque, a<br />

meu ver, avançamos muito, principalmente, as relações de poder entre homens e<br />

mulheres. Hoje, as mulheres conseguem ter autonomia para decidir sobre suas vidas<br />

e conseguiram conquistar direitos.<br />

Uma observação é em relação aos/às homossexuais. Antes, a gente não via tanta<br />

violência contra esse grupo de pessoas. Atualmente, a situação de violência contra<br />

homossexuais está cada vez mais forte e precisando ser combatida, mas há muitos<br />

anos os/as homossexuais não tinham coragem de assumir sua sexualidade.<br />

Conseguimos modificar muita coisa. Aliás, se não fosse o movimento<br />

de mulheres/feministas, aqui na região seria tudo diferente, do jeito que é a<br />

história de machismo, do coronelismo... Se quisermos ter certeza dessa mudança, é<br />

só pegarmos depoimentos de mulheres que direta ou indiretamente<br />

fizeram parte de nossas ações.<br />

Já sofri muitas perseguições políticas em nome do movimento de mulheres, mas há<br />

alguns anos isso foi se modificando e as relações se estreitaram.<br />

É tanto, que fizemos parceria com a gestão atual, embora hoje, não sermos mais um<br />

parceiro direto, por alguns motivos que identificamos e que não seria válida<br />

essa parceria permanente. Mas ainda uma vez ou outra fazermos parcerias<br />

para algumas ações.<br />

Eu vejo assim, que é preciso primeiro as mulheres se conscientizar da importância<br />

da sua participação política em diversos espaços, e também precisam estar atentas<br />

sobre quais partidos vale a pena se filiar, porque até hoje, infelizmente, os partidos<br />

gostam mesmo é de fazer das mulheres escadinha para crescer.<br />

Mas na hora de apoio mesmo às mulheres, eles não dão, porque o interesse deles é<br />

que os homens cheguem ao poder.<br />

131


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

4.3.3.2. Alexsandra Bezerra da Silva, 28 anos, técnica desenvolvimento social do PRO-<br />

RURAL 56 é militante do Centro das Mulheres de Joaquim Nabuco. Participou igualmen-<br />

te desta investigação. Abaixo seu depoimento:<br />

Minha trajetória no movimento de mulheres começou aos 10 anos (novinha).<br />

Comecei acompanhando minha mãe, Maria José Bezerra da Silva, quando ela ia<br />

participar das reuniões no Centro das Mulheres de Joaquim Nabuco – CMJN. Aos 12<br />

anos fiz um curso: flores em fita (os primeiros encantos),<br />

e esses foram os primeiros passos, em uma cidade bem pequena na<br />

Zona da Mata de Pernambuco, chamada de Joaquim Nabuco.<br />

Adolescente/jovem eu comecei a ser uma liderança em destaque, e tive a oportunidade<br />

de representar o CMJN em atividades realizadas com os jovens, pelo Centro de<br />

Estudo e Ação Social Rural, e com o JENTE – Juventude, Ecumênica<br />

Trabalhadora do Nordeste Estudantil. Quando completei 17 anos, fui convidada<br />

pelo CEAS Rural 57 para ajudar na Coordenação de Juventude, sendo Articuladora<br />

dos Grupos Juvenis da Mata Sul e Norte.<br />

Aos 18 aos, fui para a Faculdade tinha o desejo, vontade de fazer serviço social, só<br />

que não tinha condições de estudar e morar em Recife. Minha família não tinha<br />

como ajudar (despesas), então fiz História na FAMASUL 58 , em Palmares. Quatro<br />

anos de muita luta, sempre tive que conciliar trabalho, militância e o estudo.<br />

Com 22 anos de idade, eu era a primeira da família Bezerra a ter frequentado e<br />

terminado a faculdade, orgulho sem tamanho, passando por muitas dificuldades<br />

e com apoio total da minha mãe: ‘o dinheiro de pagar a faculdade vinha antes do<br />

dinheiro da feira’. Ela acreditou em mim, ela acreditou que eu podia, ela desejava<br />

que o meu futuro, que o futuro dos seus filhos/as fosse diferente do dela, que não<br />

estudou e, por conta disso, nunca teve oportunidade de arrumar um emprego legal.<br />

Até hoje ela trabalha como empregada doméstica.<br />

Minha primeira experiência trabalhando no governo foi como Coordenadora do<br />

Programa Chapéu de Palha Mulher, da Secretaria Estadual da Mulher,<br />

56 Programa de Apoio ao Desenvolvimento Rural Sustentável, vinculado à Secretaria Executiva de Tecnologia Rural<br />

e Programas de Pernambuco.<br />

57 Centro de Estudos e Ação Social Rural.<br />

58 Faculdade de Formação de Professores da Mata Sul<br />

132


epresentando o Centro das Mulheres de Joaquim Nabuco. Um trabalho muito legal<br />

de formação das mulheres. Em 2008, fui convidada para trabalhar na SEJE – Secretaria<br />

Estadual de Juventude e Emprego, ficando até 2009, pois em 2010 fui convidada<br />

para trabalhar na Prefeitura Municipal de Joaquim Nabuco, como educadora<br />

social - um trabalho belo com crianças, adolescentes, mulheres e idosos/as em<br />

situação de vulnerabilidade social.<br />

Neste período de 2009 a 2010, sempre conciliei o trabalho do governo com a assessoria<br />

aos projetos desenvolvidos pelo CEAS RURAL: coordenava, elaborava projetos<br />

e dava acompanhamento às ações de assessoria às associações rurais e aos grupos<br />

jovens. Eu nunca consegui me desligar totalmente do CEAS.<br />

Em 2010, assumi a Coordenação Pedagógica do Programa Mãe Coruja 59 – Ciclos de<br />

Educação e Cultura, em paralelo, eu estava realizando um trabalho de consultoria<br />

com comunidades quilombolas, no Projeto de Protagonismo de Comunidades Quilombolas<br />

e tinha passado na seleção simplificada do PRORURAL, para atuar como<br />

técnica em desenvolvimento social na regional de Palmares.<br />

Desde então, faz quase dois anos que minha relação com o movimento de mulheres<br />

e o juvenil está enfraquecida (considero desta forma). Tento ser uma voluntária e<br />

simpatizante, participar e contribuir em algumas atividades, porém, hoje assumo<br />

papel diferenciado na Zona da Mata Sul no processo de execução das políticas<br />

públicas pra o desenvolvimento rural.<br />

Considero que o Centro das Mulheres de Joaquim Nabuco foi minha primeira escola, e<br />

o CEAS ajudou “aquela menininha” a crescer e ser uma mulher vitoriosa. É assim, assim<br />

que me considero hoje: vitoriosa por todas as dificuldades que foram enfrentadas e hoje<br />

eu posso dizer, ‘eu consegui’ Agradeço muito a toda equipe do CEAS (equipe de antes e a<br />

de hoje) e à minha família, que sempre esteve ao meu lado.<br />

Para vencer na vida, o importante é acreditar, confiar que podemos fazer nossa<br />

parte. Procurei ao longo desses 18 anos repassar meu conhecimento (parte deles),<br />

formar nossas lideranças, apostar no novo e no potencial das pessoas.<br />

59 É um Programa do governo federal e desenvolvido pelos municípios que apoia mulheres grávidas e crianças<br />

recém-nascidas desde o pré-natal até o primeiro ano de vida.<br />

133


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

É preciso renovar energias e colocar nossas flores para desabrochar. Tenho plano de<br />

ocupar outros espaços e saborear nossas vitórias; desejo poder me dedicar mais ao<br />

movimento de mulheres e passar em um concurso publico.<br />

[...]<br />

Nossas mulheres foram educadas para serem donas de casa e trabalhadoras rurais, e<br />

não agricultoras. Elas tinham que realizar todo o trabalho da casa e, depois, ajudar o<br />

esposo na roça; o trabalho delas era considerado apenas como ’ajuda’.<br />

[...]<br />

O fato de as mulheres reconhecerem que era preciso mudar foi o grande passo para<br />

se começar a discutir a relação de poder entre homem e mulheres na Zona da Mata.<br />

Acho que [o Centro das Mulheres de Joaquim Nabuco] deu sua contribuição sim a<br />

partir de três fases: primeiro, na formação e organização dos grupos de mulheres;<br />

segundo, no processo de formação política dessas mulheres (sensibilização, dando<br />

o poder... poder da fala); terceiro, na aplicação dessa formação na prática, com a<br />

mudança pessoal das mulheres - na família, nos movimentos, nos Conselhos, na<br />

Escola e em vários outros espaços ocupados por elas.<br />

Os movimentos foram importantes no processo de avanço das mulheres, a libertação<br />

através da informação levou à conscientização das mulheres, não conseguimos<br />

atender a todas, e nem resolvemos todos os problemas, e mesmo assim, vamos<br />

continuar realizando nosso trabalho. Vivemos um processo de renovação no movimento<br />

de mulheres. Hoje, o perfil das mulheres não é o mesmo.<br />

[...]<br />

Atualmente, a Câmara de Vereadores de Joaquim Nabuco tem duas mulheres,<br />

porém, não temos relação direta com nenhuma dessas. A maioria dessas mulheres<br />

que estão no poder, principalmente, na Câmara ou em espaços de chefia, não é do<br />

movimento de mulheres. Elas nem são sensíveis à causa, desconhecem a importância<br />

da luta das mulheres e nem se permitem conhecer. A nossa região foi massacrada<br />

pelo assistencialismo: as políticas assistencialistas são mais forte do que políticas<br />

públicas e a sustentabilidade pessoal, que hoje faz com que muitas mulheres do<br />

movimento hoje estejam ocupando cargos públicos, municipal, estadual e federal<br />

precisamos sobreviver. Pois é necessário preparar nossas lideranças e ao mesmo<br />

tempo discutir nossa relação de pessoa.<br />

134


Ainda é desafiador falar sobre estas questões com as mulheres. Não são assuntos<br />

que despertam o interesse delas, e elas não se abrem para discutir por preconceito.<br />

Por exemplo, falar sobre gênero com classe, raça, etnia é mais fácil. Falar, sobre<br />

sexualidade, direitos sexuais e, reprodutivos é difícil. Outro exemplo: o aborto. Hoje,<br />

as mulheres conseguem discutir, antes nem sonhávamos. Apesar de não aceitar,<br />

respeita o direito de decidir.<br />

Não discutimos religião, discutimos as questões específicas sobre as mulheres<br />

colocadas/impostas pelas religiões, mas temos mulheres que são de várias religiões,<br />

e como discutir as imposições da igreja sobre as mulheres É um desafio discutir as<br />

imposições das religiões Hoje os movimentos não pautam muitos porque ainda tem<br />

medo e não sabe como pautar vai fazer com que elas desligue.<br />

Continuar esse processo de conscientizar, realmente fazer com que as mulheres percebam<br />

e aceitem esse mudar..., não temos como impor essa mudança, a mulher precisa<br />

querer. Dentro do movimento há muito interesse político individual, precisamos<br />

reconhecer que o coletivo é mais forte. Porém, o poder sempre se concentra em quem<br />

lidera; os movimentos também não têm mais a mesma energia que tinham antes.<br />

Ser agente de mudança é extremamente necessário.<br />

A mudança deve estar além do trabalho do movimento, porque a<br />

mudança não deverá acontecer apenas dentro do movimento.<br />

É preciso fazer com que o machismo e o patriarcado fiquem para trás,<br />

no passado das mulheres; e tomar decisões além da figura masculina,<br />

começando no ciclo da família e passando por vários outros espaços.<br />

4.3.3.3. Em seguida, Margarida da Silva (Magal), 47 anos, educadora social e radialista<br />

responde às questões propostas:<br />

Minha história não é tão diferente da de muitas mulheres. Nasci em uma área rural<br />

no Estado de Alagoas, nos anos 60. Não tive uma vida tão fácil e nem estudei o suficiente<br />

por falta de recursos. Conhecer os meus direitos, saber distinguir o meu papel<br />

como cidadã na sociedade foi a partir da minha inclusão dentro do espaço que<br />

desconheci por muitos anos, por ter uma concepção e um entendimento dito pelos<br />

meus pais de que lugar de mulher é na cozinha, é ser dona de casa, casar e ter filhos.<br />

135


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

A primeira vez em que participei de um curso de cidadania, eu percebi a necessidade<br />

de continuar, e ingressei no Centro das Mulheres da Água Preta com a perspectiva<br />

de crescer, evoluir, contribuir. Mas a jornada foi difícil por alguns motivos: primeiro,<br />

pela falta de conhecimento; segundo, porque cheguei com a vontade de aprender,<br />

mas com medo de errar nas falas e na atitude e terceiro, percebi que naquele lugar<br />

eu poderia me tornar uma pessoa diferente.<br />

Estar em um lugar como aprendiz traz para dentro de nós uma sensação de continuidade<br />

de vitória e de conquista, principalmente, quando esse lugar é de referência<br />

pessoal. Hoje, eu falo de algo que me dá prazer, algo que faz parte da minha vida individual,<br />

profissional, social e coletiva que é o movimento feminista, porque através<br />

dele eu cresci, evolui e construo as políticas sociais.<br />

Estar em um lugar como líder, como sujeito político das relações de poder, considerado,<br />

literalmente, só dos homens, me torna forte e certa de que poderíamos ser<br />

mais fortes e reconhecidas se tivéssemos nos dado o direito e nos ensinado que os<br />

direitos são iguais para todos /as. Mai por muitos anos, esses direitos nos foram<br />

negados. Ainda bem que existe o movimento feminista, que nos ensina a galgar<br />

por caminhos iguais e é muito bom dizer que aprendi a cobrar, falar, me comunicar<br />

com mundo, defender-me e as outras pessoas; ser livre de algo que me faz mal, dizer<br />

‘não’ quando necessário; expressar-me perante as autoridades sem medo de errar.<br />

Tudo isso, e muito mais, eu aprendi com o movimento feminista.<br />

Aqui eu deixo uma mensagem: uma vida sem movimento<br />

é uma vida sem conhecimento.<br />

Muitas mulheres não podiam decidir sobre suas vidas, não se constituíam enquanto<br />

sujeitos, não exerciam o poder e, principalmente, não acumulavam este poder. Mas<br />

o reproduziam, não para elas mesmas, mas para aqueles que, de fato, controlam o<br />

poder. Eram poderes tremendamente desiguais. Isso significa dizer que o domínio<br />

patriarcal (masculino) apresentava e que ainda se constituem, com um teor menor<br />

na sociedade, distintas manifestações nos dias atuais.<br />

As discriminações de gênero, étnico-raciais e por orientação sexual, como também<br />

a violência homofóbica, ainda são produzidas e reproduzidas em todos os espaços<br />

da região e na vida social <strong>brasil</strong>eira.<br />

136


Avançamos na construção das políticas públicas em nossa região. A partir das políticas<br />

implantadas, como as secretarias e coordenadorias de juventude e de mulher,<br />

avançamos ainda na oportunidade de poder construir junto ao poder público, através<br />

das conferências municipais, propostas para o desenvolvimento coletivo.<br />

Vale destacar que é fundamental e de extrema importância a atuação dos movimentos<br />

sociais na região. Através do trabalho social desenvolvido pelas ONGs, a<br />

sociedade passou a ter um olhar diferenciado, respeitando as relações de gênero,<br />

étnico-raciais e a diversidade de orientação sexual, bem como se adequou às formas<br />

de se incluir [diferentes segmentos] na sociedade de forma livre.<br />

Acredito que o movimento de mulheres e feminista tem contribuído para mudar<br />

a vida das mulheres, oportunizando a construção de novas atrizes para o conhecimento<br />

e o saber social; tem aberto leques de falas públicas em ambientes antes<br />

restritos; oportunizado o repasse da tecnologia para outras companheiras, ajudando<br />

no processo de formação; criando oportunidades de levar nossa voz através de<br />

meios de comunicação; oportunidades de assumir a liderança de espaço de poder; e<br />

construído coletivamente a cidadania das mulheres.<br />

As organizações são uma forma de instituição, em nossa sociedade, considerada<br />

espaços independentes e democráticos. Avançamos nas esferas políticas<br />

quando nos agregamos a outros movimentos na região, formando redes e<br />

articulações. É notório dizer que há um longo caminho a ser percorrido para a<br />

transformação e a participação das mulheres inseridas nesses espaços em um<br />

campo político partidário. Ainda há muitos conflitos, preconceitos, regras culturais<br />

a serem derrubadas. Contudo, compreendo que com essa crise econômica<br />

que estamos enfrentando enquanto organizações é impossível desconsiderar<br />

que sem a presença, sem o apoio das instâncias governamentais, não avançaremos<br />

nas formulações e construção de uma política social com as mulheres.<br />

Quanto a isso quero afirmar que é preciso fazer parcerias para conseguir realizar<br />

nossas ações. É claro que com cautela, mas a meu ver, essas parcerias hoje<br />

não podem ser dispensadas, pela nossa necessidade real.<br />

Historicamente, nós, mulheres, temos uma marca que ainda rotula nossas vidas.<br />

Assumimos o papel de dona de casa e a dupla jornada de trabalho que, por diversas<br />

vezes, impede as mulheres de assumir os espaços de poder. É uma questão de<br />

educação cultural que tivemos durante anos. Através de várias lutas feministas, as<br />

mulheres têm assumido um papel importante perante a sociedade e têm se incluído<br />

137


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

em espaços que, por séculos, nos foram negados. Hoje, temos<br />

representantes femininas nas secretarias e diretorias, na comunicação,<br />

nas câmaras, em organizações mistas, entre outras.<br />

Vejo como desafios: desconstruir uma prática ainda patriarcal em nossa região;<br />

montar estratégias para atrair as mulheres para os debates; colocar mulheres<br />

no poder de representações públicas comprometidas com nossa luta feminista;<br />

adequarmos-nos a essa nova conjuntura econômica; e participar nas organizações<br />

para se formar e entender a política social; perder o medo de participar nos partidos<br />

e se candidatar; se incluir nos espaços de controle social; participar dos debates<br />

nas câmaras municipais de vereadores; prepararmos-nos mais intelectualmente<br />

falando - entrando para universidades, lendo bons livros, estudando - e produzir<br />

conhecimento também.<br />

Outro desafio é manter a campanha funcionando, para buscar votos nas comunidades<br />

rurais, porque precisamos de transporte, de alimentação para equipe, de material<br />

para divulgar a campanha. E outro desafio é fazer com que nesta região as pessoas<br />

compreenderam que as campanhas de mulheres, como Edvânia Maria, são campanhas<br />

diferenciadas, não são campanhas à base da compra do voto ou da troca de<br />

favores; são campanhas que vêm com propostas coletivas e não individuais.<br />

Acho que primeiro, os espaços de organizações de mulheres que trabalham a conscientização<br />

política das mulheres devem ser divulgados. Porque eu vejo que propagar<br />

conhecimento entre as mulheres pode fazer com que elas sintam a importância<br />

de ocupar esses espaços de participação política e de poder. E também acho que<br />

as mulheres lideranças que estão nos partidos devem travar brigas para garantir a<br />

igualdade entre mulheres e homens.<br />

4.3.3..4 Por fim, Geovana Rafaelle Nunes Ferreira, 18 anos, estudante de técnica em<br />

enfermagem, dá o seu depoimento:<br />

Poder é uma coisa que vem de cada um/a, basta querer ter poder. Para mim é assim,<br />

qualquer pessoa tem poder. O poder serve até para as pessoas se defenderem, ele<br />

dá o direito das pessoas decidirem sobre as coisas.<br />

138


Todas as mulheres têm poder, sobre si próprias, mas nem todas têm consciência do<br />

poder que tem. Às vezes, é por falta de informação e outras vezes é pelo querer das<br />

mulheres aprender que elas podem. Muitas vezes, acontece de as mulheres não exporem<br />

o que está acontecendo com elas, por exemplo, a Lei Maria da Penha, muitas<br />

deixam de fazer denúncias por desconhecerem a Lei.<br />

O movimento de mulheres incentiva as mulheres a crescer, dando apoio para que<br />

elas possam superar algumas situações, ter poder de decisão e avançar.<br />

Sintetizando...<br />

Analisando essas falas, observa-se que a grande maioria das entrevistadas é da zona<br />

rural; muitas trabalharam na infância, tiveram filha/os ainda na adolescência. Pode-se<br />

considerar o fato de que há discriminação por serem do campo, principalmente, as pessoas<br />

sem terra e assentadas. Trata-se de uma discriminação que faz intersecção com a<br />

discriminação de gênero.<br />

Por outro lado, a grande maioria das mulheres tem idade acima de 40 anos; são poucas<br />

as mulheres jovens entrevistadas, o que pode significar a necessidade de renovação<br />

dos movimentos.<br />

As entrevistadas passaram também pelas mais diversas profissões antes de atingir a<br />

autonomia como produtora ou artesã. É o caso das lavadeiras, cortadoras de cana, empregadas<br />

domésticas; algumas chegaram a padecer de maus tratos, sem falar naquelas<br />

que, mesmo pequenas, cuidaram de sues irmã/os.<br />

O nível de escolaridade das mulheres ouvidas cresce à medida, em que saímos de Alagoas,<br />

passamos pelo Sertão do Pajeú e atingimos a Mata Sul Pernambucana. Há casos<br />

de mulheres que se alfabetizaram com mais de 30 anos e outras formadas em Pedagogia,<br />

História. São essas mulheres que reforçam a necessidade de haver maior conhecimento<br />

para a atuação dos movimentos. As outras enfatizam seu aprendizado no próprio<br />

movimento, nas mais diversas áreas.<br />

Por outro lado, verifica-se entre as entrevistadas um alto grau de participação nos<br />

grupos, inclusive em algumas associações, com responsabilidade de direção. Dessa<br />

participação decorre também um alto grau de aprendizado, seja individual ou coletivo,<br />

como a “independência do marido”, falar em público, articular as feiras e outros<br />

eventos solidários.<br />

139


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

V. As concepções de poder<br />

140<br />

©Gabriela Monteiro


As concepções de poder das mulheres<br />

entrevistadas são muito diversas:<br />

Nem todas as mulheres “têm poder”, pois algumas têm poder de decisão na sua<br />

vida, mas outras ainda estão submissas ao marido, aos pais.<br />

Elas entendem por poder, como sendo a capacidade de decidir,<br />

ocupar cargos públicos, ter autoridade sobre si mesma.<br />

(Magal Silva)<br />

Resgate da autoestima, do empoderar sobre a necessidade<br />

da luta pelos direitos e da garantia das políticas públicas.<br />

(Ana Lemos)<br />

Posso me considerar uma mulher empoderada dos meus conhecimentos.<br />

(Maria Angela)<br />

Poder, para mim, é sinônimo de liderança. As mulheres,<br />

a cada dia que passa, estão conseguindo ocupar e exercer essa liderança<br />

na sociedade e no mundo do trabalho.<br />

(Sonia Lima)<br />

Poder tem vários tipos: poder econômico, poder político e até mesmo poder afetivo.<br />

O poder se expressa em diversas relações sociais e onde existem relações de poder,<br />

existe na política e em outras dimensões da vida social.<br />

(Rosie Christiann)<br />

Em outras palavras, poder é poder de decisão sobre sua vida, é autoridade sobre si mesma,<br />

resgate da autoestima, liderança, se expressa nas relações sociais. No entanto há<br />

uma visão de poder mais ampla, que ultrapassa a pessoa e atinge o governo:<br />

Meu sonho é trabalhar pelo povo e mesmo não tendo ganhado as eleições, fico feliz<br />

porque o prefeito ganhou, pois sei que agora Inhapi vai ter jeito, vai chegar chegar<br />

a vez das organizações ajudar a governar<br />

(Antonia Guerra)<br />

141


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Poder é uma experiência, é sentir na pele o quanto é difícil conquistar votos, a coragem<br />

de chegar nesse lugar, capacitar-se sobre o quanto as mulheres sofrem para conquistar<br />

poder. É poder ficar mais perto da gestão e ter possibilidade de monitorar os projetos,<br />

mesmo sem pessoalmente ganhar a eleição.<br />

Há uma concepção individualista e voluntarista de poder, que não evidencia o poder<br />

enquanto relação. Neste caso, o poder é visto como instrumento de defesa e avanço; o<br />

poder sempre se concentra em quem lidera. Fala-se em ocupação de espaços de poder.<br />

Por outro lado, fala-se de sujeito político do exercício do poder, reprodução do poder<br />

e poderes extremamente desiguais, como o existente entre homens e mulheres nas<br />

regiões estudadas.<br />

Especificamente com relação às mulheres, valorizam-se as conquistas, como o voto e a<br />

ocupação de cargos eletivos em todos os níveis (federal, estadual, e municipal). Entendem<br />

os conselhos como espaços de poder. No entanto, segundo algumas, quem ocupa<br />

esses espaços, principalmente nas Câmaras Municipais, não são mulheres do movimento,<br />

nem sensíveis às causas das mulheres.<br />

Sobre a participação nas eleições, há o compromisso com campanhas com propostas<br />

coletivas, em que se garanta, além de material, transporte e alimentação.<br />

Quanto à participação em partidos políticos, há a recomendação para as mulheres dos<br />

partidos lutarem pela paridade e para as mulheres dos grupos se candidatarem. No<br />

entanto, nosso sistema eleitoral favorece candidaturas individuais e não princípios partidários,<br />

planos de governo e agenda feminista. E a prática existente é de utilização das<br />

mulheres, é de interesse de que os homens continuem a ocupar os espaços de poder.<br />

142


143


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

144<br />

©Gabriela Monteiro


O<br />

processo da investigação contribuiu para os grupos perceberem onde precisam<br />

investir mais na questão da participação política das mulheres. A carência<br />

de mulheres nos espaços de poder destoa do quantitativo de mulheres como<br />

maioria da população. Nesse sentido, a garantia de instrumentos que possibilitem a<br />

ampliação da participação das mulheres na política é determinante para o fortalecimento<br />

do Estado democrático. Um dos mecanismos que se torna necessário para garantir<br />

uma maior participação política das mulheres é uma profunda reforma política,<br />

que fortaleça e faça avançar a democracia direta.<br />

Diante desse contexto favorável à participação das mulheres populares na política, a<br />

investigação revelou-se pertinente e relevante, pois situou o trabalho realizado pelas<br />

organizações <strong>brasil</strong>eiras do Convênio numa conjuntura de grandes possibilidades de<br />

incidência política, pela paridade entre os sexos em espaços de poder e na luta pela<br />

equidade de gênero, raça/etnia, classe, geração e região, entre outras dimensões das<br />

desigualdades de poder vigentes.<br />

Procurou-se conhecer melhor o trabalho de modificação das relações de poder realizadas<br />

por 18 grupos de mulheres, bem como a história de vida de 22 mulheres dessas<br />

organizações feministas no Nordeste <strong>brasil</strong>eiro, além de 13 mulheres envolvidas com a<br />

política formal. A ênfase da pesquisa foi nas experiências bem sucedidas de transformação<br />

das relações de poder.<br />

Quanto ao contexto, nacional e regionalmente, o Brasil e Região Nordeste destacam-se<br />

por sua grande dimensão territorial e populacional, no entanto o Nordeste se sobressai<br />

pelos piores índices econômicos e sociais do País.<br />

Na dimensão política, tem tido um efeito bastante positivo na mobilização das mulheres<br />

o fato de termos uma Presidenta da República, assim como o processo de criação e<br />

consolidação de instâncias de mulheres. As eleições municipais de outubro do ano passado<br />

constituiu-se numa oportunidade de concretização da escolha de mulheres com<br />

compromisso com a agenda feminista para ocupar postos de vereadoras e prefeitas.<br />

Quanto à conjuntura alagoana, esta continua a ser marcada, pela exploração do Rio<br />

São Francisco pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e da Paraíba<br />

- CODEVASF, com suas consequências negativas, tais como o desmatamento pelos<br />

monocultivos de cana-de-açúcar e pastagem, a devastação dos mangues, a destruição<br />

de várzeas e lagoas marginais. Por outro lado, as famílias de agricultores permanecem<br />

vivendo de culturas de subsistência como o feijão, o milho e a mandioca, em conjunto<br />

com a criação de pequenos animais como galinhas cabras e ovelhas.<br />

O Sertão do Pajeú, Região de semiárido, seca, êxodo rural, agricultura de subsistência e<br />

grandes propriedades rurais, é também marcada por sua capacidade de mobilização da<br />

sociedade civil e fortalecimento da auto-organização das mulheres.<br />

145


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

A seca enfrentada em 2012 apontou os descaminhos da ação do governo para garantir<br />

a convivência com a escassez de água na região do semiárido. Até o momento de<br />

elaboração deste relatório, verificava-se que o governo não tinha apresentado ações<br />

preventivas e emergenciais suficientes para garantir equidade nos direitos humanos à<br />

água, no campo e nas cidades. Há problemas nas políticas públicas em todas as esferas<br />

de governo.<br />

A política de armazenamento d›água continua nula ou equivocada: o governo reduziu<br />

o investimento na construção de cisterna de placas. Atualmente, tem investido em cisternas<br />

de PVC, que racham e deixam a água vazar. Açudes assoreados não vêm sendo<br />

recuperados há muito tempo e, quando a seca passar, a maioria desses reservatórios<br />

terá menor capacidade de armazenamento d›água. A política de ‹desenvolvimento›<br />

gera polos de investimento, onde a população já enfrenta o desabastecimento d›água,<br />

que será mais agravado com a ampliação do desmatamento e do uso prioritário da<br />

água nas grandes obras, em detrimento do consumo humano. Esses grandes empreendimentos<br />

também poluem os mananciais ao descartar, de forma não planejada, uma<br />

grande quantidade de resíduos industriais e de esgoto sanitário.<br />

A escassez de água na zona rural e nas cidades sobrecarrega a dupla jornada de trabalho<br />

de milhões de mulheres no estado, que são obrigadas a dedicar maior esforço e<br />

mais tempo para ter acesso à água para si e suas famílias.<br />

Por fim a Mata Sul é caracterizada pela monocultura da cana-de-açúcar, ausência de<br />

oportunidades no trabalho formal e informal, profundo quadro de exclusão e miséria<br />

e alto índice de analfabetismo. Mas, através do Projeto Menina Mulher e Cidadania, um<br />

marco para a região, houve o surgimento de novas organizações de mulheres e a percepção<br />

da diminuta participação das mulheres nos sindicatos, partidos políticos, grupos<br />

comunitários e religiosos.<br />

Quanto ao perfil dos grupos, candidatas, vereadoras e coordenadoras da mulher, observa-se<br />

que a candidata mais jovem tem 36 anos e que é na maturidade, após a criação<br />

da/os filha/os, que as mulheres se lançam na política formal.<br />

Verifica-se também que duas das mulheres que disputam a eleição não informaram a<br />

que partidos pertencem, provavelmente porque elas não têm vida partidária ou que a<br />

sigla é considerada sem relevância.<br />

Outro aspecto é a diferença relativa às eleições de hoje e as eleições na década de 1980,<br />

em que participar da disputa eleitoral era, em si, um ato de coragem. Falava-se numa<br />

“nova forma de fazer política” que se perdeu na medida em que, o PT foi exercendo as<br />

mais altas instâncias de poder. Daí o desencanto de uma geração que contribuiu para a<br />

construção democrática <strong>brasil</strong>eira, mas que hoje se sente distante da política praticada<br />

pela grande maioria dos partidos.<br />

146


No entanto, como é defendido por uma pessoa do MMTRP/AL, ainda é necessário o<br />

incentivo para a participação nos partidos - única porta de entrada para os cargos eletivos.<br />

A transformação através das instituições e movimentos implica em não dar as<br />

costas para o Legislativo, mas ocupá-lo e modificar sua agenda.<br />

Percebe-se que a realidade da década de 1980 pouco modificou nesses 30 anos: famílias<br />

continuam dominando a região, das quais fazem parte mulheres, que somente<br />

têm acesso à disputa eleitoral nos casos da impossibilidade de um homem da família<br />

assumir essa representação. Há que se registrar ainda a facilidade de quem já exerce um<br />

mandato para ser reeleita/o, dificultando-se assim a renovação das casas legislativas,<br />

como se pode observar abaixo:<br />

Das quatro vereadoras eleitas do nosso universo de dez candidatas, o fator principal<br />

que contribuiu para suas eleições é o fato de já deterem mandato. Todas as seis novas<br />

concorrentes não conseguiram ser eleitas. Note-se que a eleição independe do partido<br />

político.<br />

Tabela 6 – Vereadoras Entrevistadas Eleitas<br />

NOME MUNICÍPIO IDADE PARTIDO MANDATOS<br />

Genedy Siqueira Pajeú/PE 60 PSC 2008/2012<br />

Joana D’Arc<br />

Afogados de<br />

Ingazeira/PE<br />

44 PT 2004/2008/2012<br />

Ma. Fátima da Silva Mata Sul/PE 45 PTN 2008/2012<br />

Edvania Maria da Silva Mata Sul/PE 27 PPS 2008/2012<br />

Fonte: Investigação Participação Política e Investigação Transformação do Poder<br />

O próprio exercício do mandato é mais difícil para quem é novo no Legislativo. O processo<br />

de elaboração e negociação de leis requer conhecimento técnico especializado,<br />

muitas vezes não disponível nas áreas rurais. Junte-se a isso o fato de mulheres serem<br />

minoria nas Câmaras, tendo apenas uma participação simbólica (DALERUP, s/d). Daí a<br />

frustração com a produção legislativa, muito lenta e que envolve múltiplos interesses, e<br />

a necessidade de eleição de mais mulheres.<br />

A própria situação econômica favorece uns em detrimento de outra/os. Trata-se do que<br />

Bourdieu (2000) chama de capital simbólico, apropriado por uns em que outra/os não<br />

têm acesso. Percebe-se, no caso de Antonia Guerra, que o enfrentamento desta questão<br />

que a levou, junto com sua família, a passar fome para fazer campanha. Trata-se de<br />

uma intersecção entre gênero e classe.<br />

147


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Outro fato a ser ressaltado é a importância do próprio movimento, não só na formação<br />

das mulheres candidatas, mas também em seu engajamento na campanha.<br />

Interessantíssima é a entrevista da vereadora de Água Preta, Maria de Fátima da Silva, que<br />

expressa, com todas as letras, o que pensa um/a parlamentar tradicional ou conservador/a:<br />

o uso de clichês, a defesa do assistencialismo, mas, mesmo assim, ela sente que é preterida<br />

pelo partido, que favorece os homens, inclusive economicamente.<br />

Edvania Maria da Silva, vereadora de Joaquim Nabuco, na Mata Sul, ressalta a competitividade<br />

existente no mundo da política:<br />

o maior desafio que já consigo ver é a questão de conseguir aprovar um projeto,<br />

uma proposta, porque muitos vão querer cortar minhas ideias com medo de eu<br />

crescer, por que querendo ou não quando conseguimos aprovar projetos em benefício<br />

da população a gente cresce politicamente, mas não é porque eu sei que isso<br />

pode acontecer que eu vou cruzar os braços, vou correr atrás das parcerias com as<br />

secretarias e com o próprio prefeito.<br />

Como contraponto, a candidata da Mata Sul, Argentina Belarmino, e a vereadora de<br />

Afogados da Ingazeira, Joana D’Arc, expressam outra visão contra o assistencialismo,<br />

que propõe a escuta das pessoas, uma campanha com propostas coletivas.<br />

Há, entre elas, uma cultura de direitos, de igualdade, característica da primeira onda<br />

do feminismo. É somente na Mata que encontramos o feminismo da diferença e até<br />

o feminismo de governo, com a participação de algumas entrevistadas em diferentes<br />

secretarias e programas. Fala-se também de políticas públicas, uma forma de concretizar<br />

o feminismo de governo, e a forma mista de discutir e às vezes decidir sobre elas, os<br />

conselhos e conferências. Essa participação, para algumas, é contingente à necessidade<br />

de emprego das militantes do movimento; para outras é uma aliança necessária à transformação<br />

social. Registre-se que os programas sociais do governo têm contribuído para<br />

a sobrevivência econômica das famílias de algumas entrevistadas. Outro fator interessante<br />

foi constatar que os estragos da seca poderiam estar sendo piores se as mulheres<br />

não estivessem acessando os recursos do Programa Bolsa Família - PBF. Elas afirmaram<br />

que a Bolsa tem impedido que as famílias, passem necessidade e que muitas vezes este<br />

é o único dinheiro que as famílias têm para o sustento das/os filhas/os. Ressalta-se aqui<br />

a referência à Presidenta Dilma, recorrente durante a investigação.<br />

A participação dos políticos no cotidiano dessas mulheres é a pior possível. Apenas<br />

uma declarou ser de um partido, de forma positiva, mas o movimento ainda é o espaço<br />

prioritário de militância. A grande maioria das mulheres vê os partidos negativamente,<br />

como manipuladores.<br />

148


Também apenas duas mulheres referiram-se aos homossexuais e sua discriminação na<br />

sociedade. Outro tema difícil de discutir no movimento é o aborto.<br />

Nesta eleição foi muito forte a questão do racismo e uma mulher negra que foi candidata,<br />

foi xingada de “urubu”, numa alusão ao fato de que ela não teria competência e nem<br />

deveria ser candidata a cargo público. Este é outro fator que precisa ser trabalhado: as<br />

pessoas ainda não se dão conta como são preconceituosas e tratam esta questão como<br />

algo cotidiano, sem perceber que estão sendo racistas.<br />

As observações feitas pelas pesquisadoras durante seu trabalho de campo reforçam<br />

essas considerações:<br />

Izabel Santos, que coordenou a pesquisa no Brasil e a articulou com os demais países,<br />

ressaltou que “a diferença cultural, o idioma as formas de organização das mulheres, a<br />

discussão sobre como cada uma ver o poder suscitaram muitas inquietações”.<br />

Outro aspecto enfatizado por Izabel foi o diálogo entre gerações proporcionado pela<br />

investigação:<br />

ouvir o depoimento das mulheres mais jovens foi muito bom para todas. Nosso<br />

trabalho oportunizou esse ambiente, onde as mulheres jovens disseram para as<br />

mais antigas o quanto elas foram e são importantes em suas descobertas, em suas<br />

escolhas. E estas, que nunca tinham tido oportunidade de conversar sobre isto entre<br />

si, ficaram surpresas; todas nós nos emocionamos, elas por reviverem sua própria<br />

história, eu por ter oportunidade de compartilhar este momento com elas.<br />

Fiquei muito satisfeita e pude mais uma vez constatar que este processo<br />

poderá nos brindar com leveza, beleza e carinho.<br />

Izabel ressaltou ainda a força da metodologia adotada:<br />

a partir do trabalho realizado na investigação e da aplicação da metodologia<br />

da árvore do poder, as mulheres despertaram e quando voltei lá pela<br />

segunda vez tive a grata surpresa de ver, o quanto elas cresceram<br />

e se reconheceram enquanto sujeitos políticos.<br />

Zezé, a pesquisadora de Alagoas que perdeu um de seus filhos por conta da violência,<br />

no processo de realização da investigação, afirmou que sentia muita tristeza e isto dificultava<br />

o trabalho. Porém, depois foi ficando mais calmo, seu peito doía menos e foi se<br />

envolvendo no trabalho.<br />

149


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Suas considerações finais são de que foi muito importante fazer o trabalho de investigação<br />

com os grupos, pois isto a fez perceber que precisamos trabalhar mais a temática<br />

da participação política e representativa das mulheres.<br />

Ela observou que a sobrecarga de trabalho faz com que as mulheres tenham menos<br />

tempo que os homens e isto é o maior motivo para que muitas delas não possam dar<br />

uma entrevista, mesmo enviadas por e-mail, ou serem candidatas.<br />

Quanto aos grupos, ela sentiu dificuldades por causa da pouca experiência de discussão<br />

desses grupos com a temática do poder, isto se refletiu na hora de se construir a<br />

“árvore do poder” no primeiro momento da investigação.<br />

No desenvolvimento da metodologia a equipe decidiu realizar três momentos. No primeiro<br />

momento a visita da investigadora da área, apresentando a proposta da investigação<br />

aos grupos, fazendo entrevistas e ouvindo as histórias de vida das mulheres.<br />

No segundo momento a visita da investigadora principal em cada área, aplicando a<br />

metodologia da árvore do poder, voltando para as discussões em equipe, executou-se<br />

o terceiro momento. Um retorno ao grupo funcionou como um regresso ao mesmo<br />

ponto, como uma primeira volta de um espiral, porém neste momento avaliando qualitativamente<br />

o que foi importante para o grupo nesta ação.<br />

“Percebemos com espanto que mesmo em um curto espaço de tempo, encontramos resultados<br />

concretos. Foi possível perceber pela fala das mulheres, o quanto de empoderamento<br />

se deu, elas tomaram consciência de seu lugar de poder na casa, na comunidade, no grupo<br />

e também no mundo”, ressaltou Izabel Santos após a segunda visita ao grupo de Maragogi.<br />

Notou também nos grupos que as mulheres desconhecem as poucas mulheres<br />

que estão nos espaços representativos dos seus municípios.<br />

Uma coisa positiva foi ver que as mulheres estão cientes dos seus direitos sociais e que<br />

lidam com a luta por políticas públicas de uma forma muito efetiva.<br />

Muitas delas também conseguiram resultados significativos na luta por igualdade nas<br />

relações de gênero nos seus espaços privados e também no público, como nas associações<br />

e nos sindicatos, mas suas participações nos partidos políticos não existem.<br />

Para Edvânia de Paula, pesquisadora da Mata Sul, trabalhar com pesquisas relacionadas<br />

com a questão de gênero foi uma satisfação inexplicável, pois sempre teve esse desejo.<br />

Para ela foi<br />

150


uma atividade esplendorosa, e muito emocionante, porque tivemos oportunidade<br />

de conhecer detalhes da vida e da participação política de várias lideranças<br />

regionais, além de momentos em que algumas mulheres trouxeram para a roda a<br />

gratidão pela outra companheira por tê-las trazido para o movimento de mulheres<br />

e pelas transformações que este movimento conseguiu fazer em sua vida, inclusive<br />

muitas se emocionaram nestes momentos. Acredito que isto tem muita relevância,<br />

porque fortalece o movimento no sentido de fazer com que as mulheres não estão<br />

na luta em vão e que o poder que elas conseguiram através deste movimento fez<br />

com que elas conseguissem transformar de fato a vida das mulheres.<br />

A experiência de fazer parte desta pesquisa não tem dinheiro no mundo que pague.<br />

Desde já, me coloco à disposição para outras ações que tenham como objetivo<br />

estudar, pesquisar, desenvolver atividades para compreender e buscar melhores<br />

qualidades e condições de vida para as mulheres.<br />

Muitas mulheres afirmaram que o poder começa de dentro de casa, e que esse é o primeiro<br />

poder, pois é onde as decisões são tomadas de dentro para fora, e que a partir<br />

dele as mulheres vão ou não ocupar outros espaços de poder no âmbito público. E isto<br />

nos deixa com um sentimento de reflexão enorme, pois realmente, como as mulheres<br />

vão ser profissionais, por exemplo, se elas não tiverem poder de decisão de dizer que<br />

querem trabalhar a seu companheiro que não concorda com essa ideia”<br />

151


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Um questionamento bastante sério foi feito por Edvânia: “muitas gestões criam organismos<br />

de mulheres, mas não têm a mínima intenção de fazê-los funcionar com recursos<br />

próprios. Esses órgãos são criados em muitos casos como um ‘faz de conta que existe”.<br />

Mesmo percebendo que “boa parte das mulheres não está nos partidos e não se candidatam<br />

para ganhar, e aquelas que decidem se candidatar para valer não recebem apoio dos partidos:<br />

ficam praticamente sozinhas nas lutas, e muitas não têm a compreensão da importância de<br />

lutar por políticas específicas para as mulheres”, na Associação de Mulheres de Água Preta da<br />

qual eu sou militante vamos iniciar uma discussão, escolher o nome de uma mulher para<br />

trabalharmos junto com ela, e assim futuramente na próxima eleição municipal lançá-la a<br />

candidata a vereadora, entre outras ideias”, e enfrentar a questão geracional.<br />

Por fim Uilma Queiroz, pesquisadora do Sertão do Pajeú, ressalta que,<br />

a primeira etapa de nossas atividades já me foi desafiadora, refletindo sobre a<br />

minha historia de vida, fui percebendo como tenho uma historia minha, tão simples,<br />

mas especial. Fez-me pensar sobre como algumas pessoas são fundamentais para<br />

mim, me fez ver aonde cheguei e principalmente planejar novas escaladas; percebi ao<br />

longo do processo que essas sensações também povoavam os corações das mulheres,<br />

quando as ouvindo as percebia se descobrindo, se reconhecendo e se alto afirmando.<br />

Essa atividade sobre a história de vida foi de extrema importância para percebermos<br />

as peculiaridades no processo de empoderamento das mulheres, pois foi diante das<br />

histórias individuais que pudemos notar também as questões gerais na luta por empoderamento,<br />

percebendo que mesmo diante de questões subjetivas desse processo, os<br />

entraves são comuns nas diversas realidades:<br />

Ao observarmos esses fatores, ficou nítida a contribuição de organizações mistas (associações,<br />

sindicatos, etc.) e de mulheres para chegar ao topo desta escalada. Fica evidente<br />

a importância de associações, sindicatos, grupos de mulheres, ONGs para que essas<br />

mulheres pudessem da voz ao que já tinham dentro de si, dar voz aos seus desejos,<br />

sonhos, ao poder sobre elas mesmas. “Foi emocionante ouvir as historias de vida, chorar<br />

a cada narração das dores e vitórias”.<br />

Com essas experiências e narrativas conclui-se essa pesquisa, com questões a serem<br />

aprofundadas e debatidas, bem como comparadas com as investigações no Equador,<br />

Colômbia e Peru.<br />

152


153


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Diários de bordo das pesquisadoras<br />

154<br />

©Gabriela Monteiro


Diários de bordo das pesquisadoras<br />

Izabel Santos 60 Participar do processo de investigação regional foi<br />

para mim, desde o início, um grande desafio. A sensação<br />

de ter que representar o país no convênio em<br />

uma ação tão grandiosa me trouxe medo e, ao mesmo<br />

tempo, satisfação por ter sido escolhida entre as<br />

Coopartes. Revelou a certeza de estar fazendo um<br />

bom trabalho e, portanto, digno de confiança das<br />

companheiras.<br />

No primeiro encontro com as investigadoras no<br />

Equador, eu já pude perceber a dimensão desta<br />

ação. Fiquei com muito receio de não ser compreendida<br />

por conta do idioma e, ao mesmo tempo,<br />

orgulhosa por poder levar a forma de trabalho<br />

compartilhada, que desenvolvemos no Brasil.<br />

Desde aquele momento tornava-se evidente que este processo ia trazer grandes aprendizados.<br />

A diferença cultural, o idioma, as formas de organização das mulheres, a discussão<br />

sobre como cada uma vê o poder suscitaram em mim muitas inquietações. Voltei<br />

ao Brasil com a certeza de que iríamos fazer um trabalho muito importante, além de<br />

saber que, para minha vida pessoal e profissional, esta ação poderia trazer crescimento<br />

e novos aprendizados.<br />

Foi com este espírito que iniciei o trabalho de investigação. O primeiro passo foi a escolha<br />

da equipe, e contei com o apoio das parceiras da Casa da Mulher do Nordeste<br />

(CMNe) e do Movimento de Mulheres Ttrabalhadoras Rurais (MMTR). No Centro das Mulheres<br />

do Cabo (CMC), tive total autonomia para escolher os nomes de Sonia e Vânia,<br />

que foram aprovados por todas. Formamos um time com muita harmonia, e apesar de<br />

já ter trabalhado com Zezé, Vânia e Sonia em outros processos, esta atividade tem contribuído<br />

para nos conhecermos mais e descobrir melhor novas habilidades presentes<br />

em cada uma de nós. Conheci Uilma agora, mas está sendo bom aprender com ela e<br />

ampliar mais os conhecimentos sobre o Sertão do Pajeú por meio do seu trabalho na<br />

investigação e paixão pela terra natal.<br />

60 Izabel Cristina Santos é formada em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco, com Pós-graduação<br />

em Direitos Humanos pela mesma Universidade. Feminista, é educadora do Centro das Mulheres do Cabo e<br />

responsável pela investigação no Brasil.<br />

155


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Algo que para mim tem sido importante neste processo é o suporte dado por Maria<br />

Arboreda. Ela consegue trazer tranqüilidade, mostrar os caminhos quando me sinto<br />

atordoada, e passar muita segurança, contribuindo para equilibrar a ansiedade.<br />

A nossa primeira reunião de equipe foi muito especial, a construção das nossas histórias<br />

de vida proporcionou uma vivência marcante: pudemos chorar, rir, nos emocionar, e<br />

indignar juntas. Conhecer-nos melhor, entender por que cada uma de nós ocupa esse<br />

lugar em que nos encontramos hoje, compartilhar nossas tristezas, nossas alegrias e<br />

nossos sonhos. Esse momento inicial me fez perceber que somos todas muito fortes e<br />

que, apesar de tudo que já vivemos, acreditamos nas mudanças, na possibilidade de<br />

um mundo mais justo para as mulheres.<br />

Os primeiros grupos visitados foram os da Mata Sul. Apesar de já ter uma certa intimidade<br />

com eles, o trabalho na investigação possibilitou conhecer melhor suas histórias.<br />

Ouvir como surgiu cada grupo, a força de suas fundadoras, os motivos que levaram as<br />

mulheres a se organizar e o reconhecimento da importância dos grupos nos municípios<br />

ajudou a aumentar minha admiração e respeito pelo trabalho destas mulheres.<br />

Em Ribeirão, a questão da violência contra a mulher foi o que motivou as mulheres a se<br />

organizarem. Esta questão, ainda hoje, deixa marcas no município. As fundadoras do<br />

grupo encaram com ousadia e coragem a conscientização das mulheres e a luta por direitos.<br />

Ouvir o depoimento das mulheres mais jovens foi muito bom para todas. Nosso<br />

trabalho criou um ambiente, onde as mulheres jovens disseram para as mais antigas<br />

o quanto eas eram e são, ainda hoje, importantes; o quanto estimularam suas descobertas<br />

e escolhas. E as mais antigas, as jovens, que nunca haviam tido oportunidade de<br />

conversar sobre essa questão entre si, ficaram surpresas. Todas nós nos emocionamos:,<br />

as jovens e as mais velhas, por reviverem sua própria história; eu, pela oportunidade<br />

de compartilhar este momento com elas. Fiquei muito satisfeita e pude mais uma vez<br />

constatar que este processo poderá nos brindar com leveza, beleza e carinho.<br />

O encontro com a Associação de Mulheres de Água Preta (AMAP) também teve muitas<br />

surpresas, havendo muitas mulheres que participaram do processo de fundação do<br />

grupo. Foi interessante ouvir como estas mulheres, sem muita experiência, começaram<br />

a dar os primeiros passos em busca de sua organização. Foi gratificante perceber o<br />

quanto o Centro das Mulheres do Cabo contribuiu para que as mulheres encontrassem<br />

rumos, descobrissem o movimento de mulheres e o feminismo. É bonito ver como elas<br />

se reconhecem dentro do município e têm consciência do lugar de poder em que estão.<br />

Foi emocionante ouvir Cícera, uma das fundadoras, falar de sua história desde o<br />

total desconhecimento da vida para o desabrochar a partir do momento em que entrou<br />

no grupo. Saber também como elas se preocupam em fazer rodízio, trazer mulheres<br />

jovens, valorizar os potenciais de todas as gerações. Aprendi muito com esse grupo.<br />

156


As lutas e histórias vividas por aquelas mulheres ficaram marcadas e agora também sou<br />

um pouco parte dessas histórias, nos caminhos trilhados pela Articulação de Mulheres<br />

da Mata Sul.<br />

Esse momento com as mulheres da Mata Sul me trouxe reflexões, me fez ver a importância<br />

de valorizar as pequenas ações, que às vezes parecem sem importância, mas que<br />

podem fazer uma grande revolução na vida das mulheres. A formação política faz muita<br />

diferença e contribui para tornar as mulheres donas de si e sujeitos de suas histórias.<br />

Isso me orgulha por me sentir colaboradora desse processo e poder ver as mudanças<br />

que muitas conseguiram fazer em suas vidas a partir do engajamento no movimento<br />

de mulheres.<br />

Quando visitei as mulheres do Sertão do Pajeú, tive outros sentimentos. A realidade<br />

dos grupos é diferente, por se tratar de mulheres produtoras. Percebi que as mulheres<br />

ainda não têm uma relação muito forte com o movimento de mulheres e feminista,<br />

ao contrário dos grupos da Mata Sul, mesmo estando engajadas na Rede de Mulheres<br />

Produtoras. No entanto, sua organização também não foi fácil e tiveram que quebrar o<br />

preconceito, principalmente dos companheiros, para ter valorizado seu trabalho, visto<br />

apenas como um aporte ou uma ajuda. Percebi que as mulheres dos grupos Xique –Xique<br />

e Artesanato Pajeú estão muito envolvidas na sua produção e tem a autoestima<br />

elevada devido ao bom resultado e aceitação do trabalho que os grupos desenvolvem.<br />

Já com as mulheres do Assentamento Lagoa de Outra Banda, em São José do Egito, o<br />

sentimento que me veio foi de angústia: percebi o grande esforço que estas mulheres<br />

fazem para organizar a comunidade e conseguir benefícios para as famílias assentadas,<br />

sem serem reconhecidas, principalmente pelos homens. A situação de violência é muito<br />

forte na região, mesmo com o apoio de uma delegada sensível às questões das mulheres.<br />

Elas são verdadeiras guerreiras, não desistem e enfrentam as dificuldades com<br />

muito peito. Estar em contato com as mulheres que vêm sofrendo com a seca no sertão<br />

e que, mesmo assim, não desistem de lutar pela terra e contra a violência, me trouxe<br />

ânimo e energia para o trabalho em prol de uma vida melhor para todas as mulheres;<br />

me fez ver que a luta não é em vão.<br />

O contato com as mulheres do assentamento Junco, no município de Maragogi, litoral<br />

norte alagoano, foi ímpar. Neste grupo apoiado pelo MMTR, as mulheres se reúnem<br />

para produzir produtos artesanais e alimentícios a partir do beneficiamento do côco.<br />

Vivem em uma comunidade com muitas carências, com ausência total de políticas municipais<br />

e até então não tinham atentado para a importância do grupo se organizar para<br />

exigir direitos; só estavam focadas em sua produção. A partir do trabalho realizado na<br />

investigação e com a aplicação da metodologia da árvore do poder, as mulheres despertaram,<br />

e quando voltei lá, pela segunda vez, tive a grata surpresa de ver o quanto<br />

elas cresceram e se reconhecem hoje como sujeitos políticos. Começaram a reivindicar<br />

157


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

direitos que lhes eram negados, passaram a exigir dos candidatos que apareciam na comunidade<br />

o cumprimento das promessas e reconheceram a importância de seu voto.<br />

Eu me senti orgulhosa por ver o resultado do meu trabalho de forma tão eficaz em tão<br />

pouco tempo, foi bom para a autoestima.<br />

V isitei também os grupos da comunidade de Cabaceiros no alto Sertão do São Francisco<br />

e as mulheres pescadoras de Penedo. A visita ao grupo do sertão foi muito significativa,<br />

por me permitir ver a força de mulheres que vivem em um lugar marcado pela seca,<br />

convivem com muitas carências, porém, mesmo assim não se dobram às dificuldades,<br />

nem desistem da luta. Ver de perto o resultado da seca na vida das famílias foi muito<br />

impactante e totalmente diferente do que tenho acompanhado nos noticiários de TV.<br />

A vida das pessoas daquele lugar é muito mais difícil do que possamos imaginar e a das<br />

mulheres ainda mais. A terra torrada pelo sol, as roças queimadas, as carcaças dos animais<br />

mortos o sol escaldante... A pouca água que chega às casas vêm de longe no lombo<br />

do jumento para fazer milagre. A pele queimada das mulheres e as mãos marcadas<br />

pelo trabalho - tudo isso me impressionou e me fez perceber o quanto estas mulheres<br />

têm poder, mesmo sem que percebam. Ouvir suas experiências, o trabalho cotidiano na<br />

roça e na família, a esperança por dias melhores, a confiança e a fé de que vai melhorar<br />

me fizeram uma pessoa melhor e consciente de que nosso trabalho tem muito valor. A<br />

esperança daquelas mulheres me ajudou a acreditar mais em meus sonhos; suas dificuldades<br />

e sua fé me fizeram enxergar que não devo desistir jamais dos meus sonhos,<br />

e me mostraram, principalmente, que os obstáculos jamais devem ser empecilhos para<br />

desistir de buscar meus objetivos.<br />

A sensação foi diferente com o grupo de Penedo, onde as mulheres precisam se empoderar<br />

mais e buscar um rumo para o grupo. Por algum tempo, durante a reunião,<br />

me faltaram argumentos para motivar as mulheres a falar, mesmo sendo um grupo pequeno.<br />

Eu me senti invadida por uma sensação de desânimo, pelo desgaste físico nas<br />

longas viagens em transportes alternativos desconfortáveis, e pelo cansaço de três dias<br />

consecutivo de trabalho intenso. Enfim, não consegui muito feedback do grupo, mas foi<br />

importante a visita para que percebêssemos a necessidade de um maior investimento<br />

na formação política destas mulheres.<br />

Estamos chegando ao final da investigação, e a experiência acumulada ao longo do<br />

processo foi sem igual. Partilhar histórias de vida, contar a minha própria história, me<br />

emocionar com os trabalhos, me indignar com a falta de oportunidade das mulheres<br />

me fizeram ficar mais forte na luta contra as desigualdades, como mulher e feminista,<br />

reforçaram a minha crença de que o mundo só será melhor quando houver mais justiça<br />

e igualdade de direitos para mulheres e homens.<br />

158


Uilma Queiróz<br />

É interessante ter espaço para falar desse processo<br />

de investigação sob a ótica das nossas impressões<br />

pessoais e subjetividades pois, sem dúvida, esse<br />

processo foi e é muito importante para mim, para<br />

a minha formação enquanto mulher.<br />

Ter contato com as mulheres dos grupos de base,<br />

ouvir suas histórias de vida, conhecer seus passos<br />

em busca da autonomia, enxergar as pedras que<br />

elas escalaram ao longo da caminhada, me fizeram<br />

ver a luta por empoderamento em um âmbito<br />

que nenhum livro de análise ou de teoria conseguiu<br />

alcançar. Ao ouvi-las, consegui perceber,<br />

em seus discursos, a importância das mudanças<br />

ocorridas na vida dessas mulheres, populares e diversas, ao longo do processo rumo ao<br />

empoderamento .<br />

Sendo assim começo expondo como me sinto hoje, realizando etapas conclusivas da<br />

investigação...<br />

Escrevendo esta Bitácora 61 , me vejo outra mulher no mesmo ser... Olhando para tudo<br />

que vivi, ouvi, falei, senti, fiz e escolhi, influenciada pelo que esse processo me proporcionou.<br />

Encontrar mulheres tão empoderadas entre os grupos e as investigadoras,<br />

conhecer suas vivências contribuíram para a formação do meu ser mulher.<br />

Para falar dos meus sentimentos ao longo do processo, irei expor uma espécie de passo<br />

a passo, a partir de anotações soltas das minhas impressões pessoais.<br />

A primeira etapa de nossas atividades já me foi desafiadora, pois ao refletir sobre a minha<br />

história de vida, fui percebendo como tenho uma história minha, tão simples, mas<br />

especial; me fez pensar sobre como algumas pessoas são fundamentais para mim; me<br />

fez ver aonde cheguei e, principalmente, me fez planejar novas escaladas. Percebi, ao<br />

longo do processo, que essas sensações também povoavam os corações das outras mulheres,<br />

quando, ao ouvi-las as percebia se descobrindo, se reconhecendo e se autoafirmando.<br />

61 Original em espanhol. O termo bitácora não tem uma tradução específica no português, podendo variar, conforme<br />

o contexto. Aqui, serve como uma espécie de diminutivo da expressão ‘cuaderno de bitácora’, usado nas<br />

embarcações. Por associação, pode ser traduzido como caderno de navegação ou diário de bordo, que serve<br />

para anotar todos os ocorridos durante uma viagem. Semelhante a um diário de campo, feito com parte de<br />

processos de pesquisa. (N.E.)<br />

159


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Essa atividade sobre a história de vida foi de extrema importância para percebermos o<br />

processo de empoderamento das mulheres. Ali é que podemos notar a presença das<br />

questões gerais na luta por empoderamento, pois mesmo diante de questões subjetivas,<br />

há entraves comuns a todos esses processos nas diversas realidades. O velho e<br />

fracassado sistema patriarcal ainda se mostra muito contundente no sertão do Pajeú.<br />

Agregado a ele, percebemos a questão da renda familiar e individual das mulheres<br />

como fator preponderante para a conquista da autonomia. E antes disso, sem dúvida,<br />

o entendimetno de si como mulher e como ser que é capaz de escrever de forma autônoma<br />

a sua própria história.<br />

Ao observarmos esses fatores, ficou nítida a contribuição de organizações mistas (associações,<br />

sindicatos, etc.) e de mulheres para se chegar ao topo dessa escalada. Fica<br />

evidente a importância de associações, sindicatos, grupos de mulheres, ONGs para que<br />

essas mulheres pudessem dar voz ao que já tinham dentro de si, dar voz aos seus desejos,<br />

sonhos, ao seu poder. Foi emocionante ouvir as histórias de vida, chorar a cada<br />

narração das dores e vitórias.<br />

Foi possível, por meio dessa escuta, enxergar os caminhos tomados por diversos grupos<br />

e mulheres .<br />

Diante da construção das histórias dos grupos, percebemos o papel peculiar de cada<br />

uma das mulheres para a sua criação e manutenção; cada grupo com seus passos<br />

impares.<br />

Uilma Queiróz<br />

Investigadora do Pajeú<br />

160


Edvânia Maria Lima de Paula<br />

Meu nome é Edvânia de Paula, sou formada<br />

em licenciatura plena em História e militante<br />

do Movimento de Mulheres da Mata Sul. Minha<br />

responsabilidade na pesquisa foi atuar com a<br />

companheira Izabel Santos na Zona da Mata de<br />

Pernambuco, junto às seguintes organizações:<br />

Associação de Mulheres de Água Preta, Centros<br />

das Mulheres de Joaquim Nabuco e Centro das<br />

Mulheres de Ribeirão.<br />

Para mim, é uma satisfação inexplicável, pois<br />

sempre tive o desejo de trabalhar com pesquisas<br />

relacionadas à questão de gênero, e esta foi<br />

a minha segunda oportunidade, A primeira foi na pesquisa “A adesão pentecostal e a<br />

participação feminina em organizações e movimentos sociais na Zona da Mata de Pernambuco”,<br />

coordenada pela professora Fátima Paz, da Universidade Federal Rural de<br />

Pernambuco. A investigação tinha como objetivo compreender formas, significados e<br />

repercussões da participação de agricultoras/trabalhadoras rurais filiadas à denominações<br />

pentecostais em organizações de representação de trabalhadores/as rurais em<br />

movimentos sociais de luta pela terra e ligados à defesa dos direitos das mulheres na<br />

região, a qual considero importantíssima para mim como feminista.<br />

Nosso primeiro passo na pesquisa sobre a participação política das mulheres e a transformações<br />

de poder foi justamente extrair das próprias mulheres dos grupos supracitados<br />

o que significao poder para elas; se as mulheres têm poder e como esse poder<br />

pode ser transformado, e para isto, realizamos rodas de diálogos muito interessantes,<br />

onde as mulheres falavam um pouco da sua história de vida e, em seguida, colocavam<br />

questões sobre o poder. Foi uma atividade esplendorosa, e muito emocionante, porque<br />

tivemos oportunidade de conhecer detalhes da vida e da participação política de várias<br />

lideranças regionais.<br />

Além disso, algumas mulheres expuseram sua gratidão às outras companheiras que as<br />

trouxeram para o movimento de mulheres e também pelas transformações que este<br />

movimento conseguiu fazer em suas vidas. Muitas se emocionaram nesses momentos,<br />

e isso tem muita relevância: fortalece o movimento, no sentindo de visibilizar que as<br />

mulheres não estão na luta em vão, e que o poder que elas conseguiram alcançar por<br />

meio de sua participação no movimento, fez com que elas ajudassem muitas mulheres<br />

a transformar, de fato, a vida de muitas mulheres.<br />

161


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Ainda nessa roda de diálogo, chamou bastante minha atenção o fato de muitas mulheres<br />

colocarem que o poder começa de dentro de casa. E que esse é o primeiro poder,<br />

por tratar-se do local onde as decisões são tomadas de dentro para fora e que, a partir<br />

dele as mulheres, vão ou não ocupar outros espaços de poder no âmbito público. E esse<br />

fato me deixou com um sentimento de reflexão enorme: realmente, como as mulheres<br />

poderão ser profissionais, por exemplo, se elas não tiverem poder de decisão; de dizer a<br />

seus companheiros que querem trabalhar, quando eles não concordam com essa ideia<br />

A pesquisa também envolveu entrevistas com lideranças do movimento de mulheres<br />

e com mulheres que ocupavam outros cargos de poder fora do movimento. Essas entrevistas<br />

foram marcantes. Foi onde pude compreender, por exemplo, que muitas gestões<br />

[públicas] criam organismos de [defesa dos direitos] das mulheres, mas não têm a<br />

mínima intenção de fazê-los funcionar com recursos próprios. Em muitos casos, esses<br />

órgãos são criados como um ‘faz de conta que existe’.<br />

Percebi nas entrevistas que boa parte das mulheres não está nos partidos. Entre aquelas<br />

que são filiadas, encontramos duas situações: há mulheres que se candidatam apenas<br />

para cumprir a política de cotas nos partidos e há aquelas que decidem se candidatar<br />

para valer. Estas últimas não recebem apoio dos partidos e ficam praticamente sozinhas<br />

nas lutas. Muitas não têm, sequer, a compreensão da importância de lutar por políticas<br />

específicas para as mulheres.<br />

No geral, posso afirmar que para mim, essa pesquisa tem muito a acrescentar tanto na<br />

militância dentro do movimento de mulheres, quanto na minha vida profissional na<br />

área de pesquisa. Trabalhar com ela fez com que eu me sentisse realizada e também me<br />

fez querer ser, de fato, uma pesquisadora na área de gênero; concorrer a uma vaga i em<br />

um mestrado na área assim que tiver oportunidade. A cada entrevista, a cada atividade<br />

que realizávamos, tinha sempre uma dúvida retirada; novas curiosidades, novas informações<br />

e novas ideias surgiram ao longo da pesquisa... Uma delas é que na Associação<br />

de Mulheres de Água Preta, na qual eu sou militante, vamos iniciar uma discussão sobre<br />

a importância das mulheres disputarem as eleições, escolher alguém para trabalharmos<br />

junto com ela e assim, na próxima eleição municipal, lançar sua candidata a vereadora.<br />

Sei que muitas outras mulheres gostariam e teriam condições de participar dessa pesquisa<br />

e, no entanto, fui eu a escolhida. Para mim, isso é muito gratificante; não tem<br />

dinheiro no mundo que pague a experiência de fazer parte desta pesquisa. Quando me<br />

lembro de onde comecei no movimento, ainda criança, e me vejo hoje uma “pesquisadora”,<br />

me dá muita emoção. Agradeço a toda equipe do projeto e à Izabel Santos, pela<br />

oportunidade de fazer parte desse processo, e desde já me coloco à disposição para outras<br />

ações que tenham como objetivo estudar, pesquisar, desenvolver atividades para<br />

compreender e buscar melhores condições de vida para as mulheres.<br />

162


Conclusão:<br />

A participação na pesquisa possibilitou o conhecimento das diversas realidades vivenciadas<br />

pelas mulheres que ocupam os mais diversos espaços de poder no movimento<br />

de mulheres e por aquelas que ocupam ou ocuparam espaços de poder em gestões<br />

municipais. Fez com que percebêssemos as peculiaridades, e como essas mulheres<br />

passam por situações diferenciadas em suas instituições e gestões; seus comportamentos<br />

e reações nos espaços de poder que ocupam. Cada uma encontra a sua maneira de<br />

lidar e enfrentar as desigualdades de gênero que elas encontram em seu percurso, e<br />

não posso deixar de afirmar que aquelas que não conseguem enfrentar essas desigualdades,<br />

são também vítimas de uma cultura machista e patriarcal.<br />

Essa pesquisa me fez perceber primeiro o quanto avançamos e o quanto ainda temos<br />

para avançar no que se refere à participação política das mulheres nos espaços de poder.<br />

Em segundo lugar, percebi o tanto de trabalho ainda teremos para transformar<br />

esse poder, ou esses poderes já que, mesmo que as mulheres façam parte de diferentes<br />

tipos de organização, ainda não conseguem participar das decisões de igual para<br />

igual com os homens. Infelizmente, até hoje, as mulheres ainda têm que argumentar<br />

e provar várias vezes que estão certas para que suas opiniões sejam reconhecidas. Na<br />

verdade, temos que provar o tempo todo nossa capacidade, inteligência, integridade,<br />

moral - e outros adjetivos pelos quais somos cobradas e aos quais obrigadas a nos submeter<br />

– para que possamos exercer o poder em todos os espaços que ocupamos.<br />

Edvânia Maria Lima de Paula<br />

Investigadora –Mata Sul<br />

163


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

Maria José da Silva – Zezé<br />

Neste material está minha Esperança<br />

É noite da véspera de Natal e estou tentando<br />

concluir a minha investigação... Meu cérebro<br />

parece flutuar no nada... Sinto muita dificuldade<br />

em concluir o material. O mês de dezembro<br />

está sendo muito malvado comigo. pegou<br />

pesado com a saudade que sinto do meu filho,<br />

Tiago.<br />

Essa investigação foi muito importante para<br />

me ajudar a amenizar a dor da partida do meu<br />

filho. Confesso que no início foi muito difícil.<br />

Quando fui fazer as primeiras pesquisas com<br />

os grupos de mulheres, sentia muita tristeza<br />

e isso dificultava o trabalho. Porém, depois foi<br />

ficando mais calmo, meu peito doía menos e fui me envolvendo.Foi muito importante<br />

fazer a investigação . Me fez perceber que precisamos trabalhar mais a temática da participação<br />

política e representativa das mulheres.<br />

Foram três visitas a cada grupo; aos poucos, percebi a evolução que ia se formando no<br />

entendimento das mulheres com relação à importância delas compreenderem como é<br />

o poder e que, de fato, elas têm poder dentro e fora de casa.<br />

Quando as mulheres ocupam espaços representativos, é mais difícil entrevistá-las do que<br />

aos homens que estão nesses mesmos espaços. Esse foi um dos maiores problemas que<br />

tive. Muitas pessoas acham que isso se dá pelo fato das mulheres ficarem metidas, mas<br />

não é verdade. No meu entendimento, a sobrecarga de trabalho faz com que essas mulheres<br />

tenham menos tempo do que os homens e isso é o principal motivo para que muitas<br />

delas não possam nos dar uma entrevista, mesmo quando são enviadas por e-mail.<br />

Nos grupos, senti dificuldades por causa da pouca experiência de discussão que eles<br />

têm sobre a temática. Isto se refletiu na hora de se construir a “árvore do poder” no<br />

primeiro momento da investigação. Outra coisa que notei nos grupos é que as mulheres<br />

desconhecem as poucas mulheres que estão nos espaços representativos dos seus<br />

municípios e como é seu desempenho.<br />

Uma coisa positiva foi ver que as mulheres estão cientes dos seus direitos sociais e<br />

que lidam com a luta por políticas públicas de uma forma muito efetiva. Muitas delas<br />

164


também conseguiram resultados significativos na luta por igualdade nas relações de<br />

gênero nos seus espaços privados e também no público, como nas associações e nos<br />

sindicatos, mas suas participações nos partidos políticos não existem. Pelo menos nos<br />

grupos onde foi realizada a investigação.<br />

Voltando à minha experiência pessoal, lembro que minha trajetória como investigadora<br />

neste projeto coincide com a minha trajetória da mãe que viu seu filho partir de uma<br />

forma tão trágica. E nesse período iniciei uma luta contra o genocídio juvenil, principalmente<br />

de jovens negros.Em Alagoas, de cada 26 jovens assassinados, apenas um é<br />

branco (que foi o caso do meu filho), os outros são afrodescendentes.<br />

Aproveito para agradecer ao apoio moral e emocional que venho recebendo das companheiras<br />

que estão envolvidas neste projeto. Foi um suporte de fundamental importância<br />

para que eu me mantivesse lúcida, mesmo quando isto me parecia impossível.<br />

Dedico esta investigação aos meus dois filhos: ao meu Diego Verdino, que tem me dado<br />

muita força para continuar a caminhada, suportando comigo a dor da partida do irmão.<br />

E ao meu Tiago Tierra, que está em um mundo bem melhor do que este e que tem me<br />

ensinado a viver o perdão da forma mais plena que se pode viver.A eles dedico meu<br />

amor incondicional e pleno, o amor mais puro que pode existir dentro de um ser. E que<br />

esse amor possa ser um pedido de iluminação e bençãos de Deus, para seus caminhos<br />

em todas as suas existências materiais e espirituais.<br />

Caso seja possível, gostaria que fosse incluída a última carta em lembrança da partida<br />

do Tiago, que foi feita ontem e mostra como está meu espírito nesses dias. Caso isto não<br />

seja, não tem problema. Entenderei perfeitamente.<br />

Maria José da Silva – Zezé<br />

Investigadora de Alagoas<br />

165


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

A carta é esta:<br />

Carta aos assassinos do meu filho<br />

Escrevi esta carta para enviá-la aos assassinos do meu filho, Tiago Tierra. Não para transmitir<br />

um sentimento de ódio, de rancor, de mágoa, nem de desejo de vingança. Escrevi<br />

para lembrar os 10 meses da partida do meu amado filho. Escrevi às pessoas que tiram<br />

vidas de outras pessoas, sem se importarem com aquelas que ficam e que veem seus<br />

entes queridos partir de formas trágicas e desumanas. Escrevi para falar da dor das mães.<br />

Com certeza, desde a partida do meu Tiago, a carta que mais tive dificuldade de fazer<br />

foi esta... Entretanto, estou escrevendo porque passei quase um mês ouvindo uma voz<br />

me pedindo para escrevê-la, me pedindo para destiná-la às pessoas que dilaceraram<br />

meu coração, que mutilaram minha alma. Não sei quem fez tal maldade, todavia, tenho<br />

a certeza de que um dia esta carta chegará às suas mãos.<br />

Amanhã é véspera de Natal, tempo de vida nova, tempo de paz, de esperança. Mas isto<br />

não será possível para mim, não consigo vislumbrar uma nova vida, não tenho esperança<br />

de viver a paz e a esperança... Contudo, não posso dizer que não desejo isto para as<br />

outras pessoas. Afinal, se continuo na luta por um mundo melhor, é porque desejo isto<br />

para as outras pessoas, inclusive para vocês que tiraram a vida do meu filho.<br />

Penso que nada justifica uma pessoa tirar a vida de outra e penso também que quem<br />

rouba a vida de outra pessoa merece e precisa pagar pelo que fez, na prisão. Todavia,<br />

sei também que todas as pessoas, por pior que sejam, merecem uma chance de transformar<br />

suas vidas. E é isto que desejo para vocês que roubaram a vida do meu filho. Que<br />

vocês sejam presos, que paguem pelo que fizeram e que depois deem a alegria às suas<br />

mães de se tornarem homens de bem.<br />

166


Falo das suas mães porque me preocupo com elas também, pois bem sei que elas devem<br />

sofrer mais do que eu, porque mais doloroso do que perder um filho deve ser a<br />

tristeza de saber que um filho tirou a vida de alguém.<br />

Vocês foram os juízes da minha vida e me condenaram à prisão na cela da saudade, mas<br />

também vocês foram juízes das suas próprias mães, que foram condenadas à prisão na<br />

cela da vergonha e da tristeza.<br />

A diferença entre suas mães e eu é que suas mães poderão ser absolvidas e viverem<br />

livres da vergonha e da tristeza. Basta que vocês mudem de vida, que vocês vivam na<br />

dignidade dos seres humanos arrependidos, corretos e éticos. Enquanto eu, mesmo<br />

que vocês se arrependam, viverei sempre na cela da saudade.<br />

No meu coração não cabe ódio, mágoa ou desejo de vingança. Por isso, desde o dia em<br />

que meu filho partiu, perdoei vocês. E o maior desejo de justiça que guardo é de que vocês<br />

se arrependam de ter matado meu filho e o rapaz que morreu com ele, pois só assim<br />

terei a certeza de que vocês não vão condenar outras mães à prisão na cela da saudade.<br />

Não é porque vocês destruíram meu Natal que vou deixar de desejar um feliz Natal para<br />

vocês, pois, espero que suas vidas se renovem e que sigam outra direção.<br />

Deus abençoe vocês e suas mães; que ilumine suas vidas, seus corações e suas almas;<br />

que suas vidas sejam repletas de arrependimentos e de paz.<br />

Para mim, resta a certeza de que meu filho segue sua vida no outro mundo, que ele<br />

está bem, que também não guarda mágoa de vocês e que se preocupa comigo e com<br />

minha família. Mesmo assim, não consigo me livrar dessa dor e dessa tristeza que se<br />

chama saudade.<br />

Fiquem na paz de Deus!<br />

Maria José da Silva – Zezé<br />

Mãe de Tiago<br />

Maceió – AL, 23 de dezembro de 2012<br />

167


Brasil<br />

Mulheres construindo poder<br />

Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder<br />

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170


Este livro integra o pensamento políticode mulheres da região<br />

nordeste do Brasil e se complementa por outros três livros,<br />

que incluem as percepções e vivencias das mulheres urbanas<br />

de setores populares de Lima (Peru); das mulheres afrocolombianas<br />

da costa Caribenha (Quibdó e Cartagena) e de<br />

Medellín; além das mulheres indígenas e afrodescendentes da<br />

Serra e da Costa equatoriana.<br />

Suas vozes, e através dela também sua visibilidade, implicam<br />

numa aposta clara da Oxfam Intermon pelo fortalecimento<br />

das mulheres populares e diversas organizadas na América<br />

Latina. Esta publicação faz parte de uma ampla dimensão de<br />

fortalecimento da liderança transformadora das mulheres.

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