Texto sobre o caso da Balandra francesa - Universidade Federal do ...
Texto sobre o caso da Balandra francesa - Universidade Federal do ...
Texto sobre o caso da Balandra francesa - Universidade Federal do ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
O Campo Educacional e o Campo Político<br />
no Primeiro Governo de Lauro Sodré<br />
(1891-1897) *<br />
Felipe Tavares de Moraes **<br />
Resumo:<br />
Este trabalho apresenta articulação entre o campo educacional e<br />
o campo político no primeiro governo de Lauro Sodré, no<br />
contexto de consoli<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> regime republicano no Pará <strong>do</strong> final<br />
<strong>do</strong> oitocentos. O campo educacional, representa<strong>do</strong> pelas<br />
reformas educacionais empreendi<strong>da</strong>s por Lauro Sodré, procura<br />
<strong>da</strong>r vali<strong>da</strong>de política ao governo republicano em consoli<strong>da</strong>ção,<br />
forman<strong>do</strong> a opinião pública no senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de e<br />
superiori<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s instituições republicanas, por meio <strong>da</strong> formação<br />
de ci<strong>da</strong>dãos que se comprometessem, nos seus deveres políticos e<br />
cívicos, com o regime republicano.<br />
Palavras-chave: Campo Educacional; Campo Político; Educação Republicana.<br />
Abstract:<br />
This paper presents the relationship between the educational and<br />
political field in the first government of Lauro Sodré in the<br />
context of consoli<strong>da</strong>tion of the republican regime in Pará in the<br />
end of the nineteenth century. The educational field, represented<br />
by the educational reforms undertaken by Lauro Sodré, seeks to<br />
give validity to the political Republican administration in<br />
consoli<strong>da</strong>tion, forming public opinion in the sense of legitimacy<br />
and superiority of republican institutions, through the formation<br />
of citizens to commit themselves in their civil and political duties,<br />
concerning the republican regime.<br />
Keywords: Educational Field; Political Field; Republican Education.<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • vol. VII, nº 1 (2012), pp. 117-149
Os anos que seguem a Proclamação <strong>da</strong> República (1889), a<br />
instauração <strong>do</strong> Governo Provisório (1889-1891) e a formação <strong>da</strong><br />
Assembléia Constituinte, que produziu a primeira Constituição<br />
Republicana em 1891, foram marca<strong>do</strong>s pela disputa de vários grupos<br />
pelo poder <strong>da</strong> recém implanta<strong>da</strong> República. São anos de instabili<strong>da</strong>de<br />
social e política. É nesse contexto que o governo de Lauro Sodré<br />
empreende uma série de reformas no campo educacional. Por sua vez,<br />
este trabalho objetiva compreender as articulações entre o “campo<br />
educacional” 1 , no <strong>caso</strong>, as reformas educacionais, e as discussões no<br />
campo político <strong>do</strong> governo de Lauro Sodré, encaminha<strong>da</strong>s no plano <strong>do</strong><br />
“discurso” 2 , a partir <strong>da</strong> discussão realiza<strong>da</strong> nas suas mensagens ao<br />
Congresso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> 3 .<br />
Assim, é de salutar importância termos conhecimento <strong>sobre</strong> as<br />
discussões que analisam esse contexto político-social <strong>do</strong>s finais <strong>do</strong> século<br />
XIX. Em “Os radicais <strong>da</strong> República” 4 de Suely Robles Queiroz, a autora<br />
elege como objeto de investigação o jacobinismo nos primeiros<br />
momentos <strong>da</strong> República brasileira. Tal movimento é importante para se<br />
compreender os elementos que participavam <strong>da</strong> cena política e que<br />
acabaram, de alguma forma contribuin<strong>do</strong>, para a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> ordem<br />
republicana. Entre civis e militares, esse grupo tinha forte orientação<br />
nacionalista e propugnava a rápi<strong>da</strong> industrialização como política<br />
econômica. Este grupo ocupou o poder nos primeiros momentos, sob a<br />
égide <strong>do</strong>s governos militares, ten<strong>do</strong> o seu auge com Floriano Peixoto, e<br />
em parte com Prudente de Morais, e acabou perden<strong>do</strong> força, ceden<strong>do</strong><br />
lugar para a oligarquia cafeeira. Assim, é premente vislumbrar a atuação<br />
deste movimento na constituição <strong>da</strong>s forças que consoli<strong>da</strong>m a República.<br />
Outro trabalho importante <strong>sobre</strong> esse perío<strong>do</strong> é o “A Invenção<br />
Republicana” 5 de Renato Lessa, no qual o autor trata <strong>do</strong>s primeiros anos<br />
<strong>da</strong> recém implanta<strong>da</strong> ordem republicana, o seu processo de consoli<strong>da</strong>ção,<br />
até os primeiros sinais de seu declínio. Sen<strong>do</strong> que tal processo ocorreu<br />
118 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
ancora<strong>do</strong> na chama<strong>da</strong> política <strong>do</strong>s governa<strong>do</strong>res e foi a partir de tal<br />
política que a ordem republicana se estabeleceu e se consoli<strong>do</strong>u.<br />
Contu<strong>do</strong>, esses primeiros anos não são tranquilos, o que o autor chama<br />
de anos entrópicos. Eles são marca<strong>do</strong>s pela instabili<strong>da</strong>de política, de<br />
vários grupos que aspiram tomar o poder. Por isso, os primeiros<br />
governos são militares, por acreditarem que só eles manteriam a ordem.<br />
O governo de Floriano Peixoto foi representativo nesse senti<strong>do</strong>. Desta<br />
forma, foi no governo de Campos Salles que a ordem republicana<br />
consoli<strong>do</strong>u-se, ten<strong>do</strong> por base o arranjo político <strong>da</strong> política <strong>do</strong>s<br />
governa<strong>do</strong>res.<br />
Consideran<strong>do</strong> o governo de Floriano Peixoto como fun<strong>da</strong>mental para<br />
consoli<strong>da</strong>r a ordem republicana, Lincoln de Abreu Penna em o seu “O<br />
Progresso na Ordem: o florianismo e a construção <strong>da</strong> República” 6 toma<br />
como objeto analítico o governo de Floriano Peixoto e o florianismo<br />
como sua expressão política mais exata. Para além <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s que<br />
tratam dessa relação de forma biográfica, personalista e temperamental, o<br />
autor a analisa a construção <strong>da</strong> ordem republicana nas práticas sóciopolíticas.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, o florianismo na<strong>da</strong> mais seria <strong>do</strong> que expressão<br />
<strong>do</strong>minante no campo político <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>. Portanto, a idéia de “ordem e<br />
progresso” acaba por ser o lema necessário a esse processo de<br />
legitimação ideológica que a ordem republicana necessitava nos seus<br />
esforços de consoli<strong>da</strong>ção, por meio de um governo autoritário, que não<br />
aceitava oposição e contestações, sen<strong>do</strong> essas duramente reprimi<strong>da</strong>s.<br />
Exemplo disso, é Canu<strong>do</strong>s.<br />
Por fim, o capítulo “A consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> República: rebeliões de ordem<br />
e progresso” de Elio Chaves Flores, que faz parte de “Brasil<br />
Republicano” 7 , organiza<strong>do</strong> por Jorge Ferreira e Lucilia Delga<strong>do</strong>, objetiva<br />
fazer a análise <strong>da</strong> consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> República, nos anos de 1889-1895, a<br />
partir <strong>do</strong>s movimentos de contestação à nova ordem que estava se<br />
instalan<strong>do</strong>, como a Revolta <strong>Federal</strong>ista e Canu<strong>do</strong>s, bem como as práticas<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 119
políticas fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s na política <strong>do</strong>s governa<strong>do</strong>res. Estas acabam por ser a<br />
expressão <strong>da</strong> cultura política em relação à coisa pública, sem perder no<br />
seu horizonte analítico a questão <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, que está embuti<strong>da</strong> em tais<br />
discussões. Essa consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> ordem republicana tem relação com as<br />
formas de participação política e influência <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong>s grupos<br />
sociais nos processos decisórios.<br />
Estes trabalhos nos apresentam os elementos que compõem esse<br />
quadro de consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> ordem republicana. O ponto comum entre<br />
eles é considerar o governo de Floriano Peixoto e “florianismo” no<br />
plano <strong>da</strong>s práticas políticas como aquele responsável pela manutenção <strong>do</strong><br />
regime republicano contra a oposição de outros grupos que almejavam o<br />
poder. A política <strong>do</strong>s governa<strong>do</strong>res acabou sen<strong>do</strong> a expressão política<br />
que viabilizou a estabili<strong>da</strong>de política nesses anos tão conturba<strong>do</strong>s, para a<br />
qual o governo federal e os estaduais atendiam os seus interesses<br />
reciprocamente a partir <strong>da</strong> aliança política entre o nível central e o local<br />
no plano <strong>do</strong> poder. Estes aspectos são importantes para entendermos a<br />
própria razão de ser <strong>da</strong>s reformas que foram concretiza<strong>da</strong>s no governo<br />
de Lauro Sodré. Sobretu<strong>do</strong>, destaca-se a sua concepção políticoeducacional<br />
e quais interesses políticos ela pretendia viabilizar a partir <strong>do</strong><br />
campo educacional, além de perceber como ela se relacionava com esse<br />
contexto político de esforços de manutenção <strong>da</strong> forma republicana de<br />
governo.<br />
A historiografia <strong>sobre</strong> a Primeira República no Pará analisa o<br />
contexto <strong>da</strong> economia <strong>da</strong> borracha, na qual foi implanta<strong>da</strong> <strong>da</strong> República,<br />
com referências na Belle Époque européia e as transformações na estrutura<br />
urbana de Belém, nos aparelhos urbanos no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> saneamento e<br />
higienização como demarca<strong>do</strong>res <strong>do</strong> progresso. No campo político,<br />
apresenta os debates de Lauro Sodré contra os intelectuais católicos em<br />
defesa <strong>do</strong> regime republicano como a melhor forma de governo para o<br />
contexto amazônico; o processo de consoli<strong>da</strong>ção, pela via <strong>da</strong> legitimação<br />
120 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
ideológica, <strong>do</strong> regime republicano, através <strong>da</strong> construção <strong>do</strong> imaginário<br />
social que lhe firmava consenso na esfera política como foi o <strong>caso</strong> <strong>da</strong>s<br />
festivi<strong>da</strong>des fúnebres de Carlos Gomes e o monumento à República;<br />
bem como, o processo político <strong>do</strong> Governo Provisório (1889-1891), <strong>do</strong><br />
início <strong>da</strong> República, e <strong>do</strong> governo de Lauro Sodré (1894-1897), como<br />
fruto <strong>da</strong> propagan<strong>da</strong> republicana, realiza<strong>da</strong> pelos republicanos históricos;<br />
e por fim, o estabelecimento <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio oligárquico, a partir <strong>do</strong>s<br />
embates políticos entre Antonio Lemos e Lauro Sodré e os seus<br />
respectivos sequazes políticos.<br />
Assim, <strong>sobre</strong> o contexto socioeconômico <strong>do</strong> final <strong>do</strong> XIX e início <strong>do</strong><br />
XX, regi<strong>do</strong> pela economia gomífera, apresenta-se o trabalho de Roberto<br />
Santos, “História Econômica <strong>da</strong> Amazônia (1800-1920)” 8 , de 1977, que<br />
tem <strong>do</strong>is objetivos principais: primeiro, observar como se estrutura a<br />
economia amazônica, observan<strong>do</strong> os fatores, mecanismos e resulta<strong>do</strong>s<br />
decorrentes <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças vivi<strong>da</strong>s pela economia regional nesse<br />
momento; e em segun<strong>do</strong> lugar, perceber quais as contribuições que a<br />
economia regional deu à economia nacional. Assim, caracteriza, em<br />
linhas gerais, a economia gomífera em fases de “expansão” (1840-1910) e<br />
“declínio” (1910-1920), levan<strong>do</strong> em consideração para essa constatação<br />
as variáveis: emprego, ren<strong>da</strong>, tecnologia, repartição, divisas, impostos, a<br />
relação setor público priva<strong>do</strong>, ocupação territorial, níveis de<br />
investimento, deman<strong>da</strong> mundial pela borracha, novos contingentes de<br />
força de trabalho, entre outros aspectos; e em que pese à contribuição <strong>do</strong><br />
crescimento regional para a economia regional, afirma que economia <strong>da</strong><br />
borracha, com base nos impostos, foi uma fonte de divisas para a<br />
industrialização <strong>do</strong> centro econômico <strong>do</strong> país, o que, de certo mo<strong>do</strong>,<br />
impossibilitou o desenvolvimento em bases mais autônomas <strong>da</strong> região<br />
amazônica. Mas também, parte dessas divisas, na região, foram gastas em<br />
bens de consumo e não de capital, obstruin<strong>do</strong> a formação de um<br />
merca<strong>do</strong> interno considerável.<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 121
Sobre a Belle Époque e a reordenação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de sob a égide <strong>do</strong>s<br />
símbolos <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, o estu<strong>do</strong> “Belém: riquezas produzin<strong>do</strong> a Belle<br />
Époque (1870-1912)” 9 , de 1989, de Maria de Nazaré Sarges, investiga o<br />
processo de modernização pelo qual Belém passa no final <strong>do</strong> século XIX<br />
e início <strong>do</strong> XX, no recorte temporal de auge e declínio <strong>da</strong> economia <strong>da</strong><br />
borracha – 1870-1912. Assim, as riquezas <strong>da</strong> economia gomífera são os<br />
meios de materialização <strong>do</strong>s signos <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, como a reordenação<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, de acor<strong>do</strong> com o modelo haussmaniano, através <strong>da</strong> política de<br />
saneamento e higienização, em suma, embelezamento que, por sua vez,<br />
engendrou novos hábitos e costumes sociais. Esse processo de<br />
modernização tem sua cristalização no governo de Antonio Lemos<br />
(1897-1910), no qual o poder público encampava essas reformas sob as<br />
orientações <strong>do</strong> Código de Posturas Municipais, que atendia aos interesses<br />
<strong>da</strong> nova elite paraense, forma<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> circulação e produção <strong>da</strong><br />
economia gomífera e profissionais liberais, que compunham a classe<br />
letra<strong>da</strong>. Em linhas gerais, essa nova elite, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong>, sua fração letra<strong>da</strong>,<br />
pressiona o poder público para que a ci<strong>da</strong>de expressasse materialmente a<br />
riqueza <strong>da</strong> borracha, com os signos <strong>da</strong> moderna civilização capitalista.<br />
Quanto à consoli<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> regime republicano, no plano <strong>do</strong><br />
imaginário social, seguin<strong>do</strong> o escopo <strong>do</strong>s trabalhos de José Murilo de<br />
Carvalho, Geral<strong>do</strong> Mártires Coelho analisa esse processo de engenharia<br />
simbólica nos <strong>caso</strong>s <strong>da</strong>s festivi<strong>da</strong>des fúnebres para Carlos Gomes (1896)<br />
e a construção <strong>do</strong> monumento à República (1897), que acontecem em<br />
anos sucessivos, assim, estabelecen<strong>do</strong> relações entre si. Desta forma, o<br />
trabalho “O brilho <strong>da</strong> Supernova: a morte bela de Carlos Gomes” 10 , tem<br />
como objeto central de análise as cerimônias fúnebres em homenagens<br />
de Carlos Gomes. Essas exéquias, sob a influência <strong>do</strong> Romantismo<br />
(exaltação <strong>do</strong> gênio nacional) e Positivismo (a celebração <strong>do</strong>s mortos),<br />
tinham como finali<strong>da</strong>de a introdução de Carlos Gomes no panteão cívico<br />
brasileiro, como também a produção de elementos simbólicos para a<br />
122 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
construção de um imaginário republicano que o legitimasse como forma<br />
de governo na esfera política.<br />
Completan<strong>do</strong> esse quadro de construção de um imaginário<br />
republicano, Geral<strong>do</strong> Coelho publica o trabalho “No coração <strong>do</strong> povo: o<br />
monumento à República em Belém – 1891-1897” 11 , problematizan<strong>do</strong> a<br />
edificação <strong>do</strong> monumento à República em Belém como algo singular<br />
dentro <strong>do</strong> imaginário político que estava sen<strong>do</strong> construí<strong>do</strong> pelos<br />
positivistas, pois o monumento é a primeira estatutária política<br />
construí<strong>da</strong> no esta<strong>do</strong> em homenagem à República, ten<strong>do</strong> a figura de<br />
Marianne como sua representante encarna<strong>da</strong>. Dessa maneira, percebe-se a<br />
influência neste monumento <strong>da</strong> estatutária <strong>francesa</strong> republicana <strong>da</strong><br />
Terceira República, um tanto mais conserva<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> que as<br />
representações produzi<strong>da</strong>s em 1789 e que ain<strong>da</strong> tinha ressonância em<br />
1848, nota<strong>da</strong>mente radical e revolucionária, quanto à estética e<br />
formulação política. Portanto, Coelho, constatan<strong>do</strong> essa influência mais<br />
conserva<strong>do</strong>ra, afirma que os republicanos paraenses, sob o governo de<br />
Lauro Sodré, procuram a legitimação política através <strong>da</strong> oferta de uma<br />
simbologia social, as exéquias a Carlos Gomes compõem também esse<br />
imaginário, que apresente a República como a forma de governo mais<br />
adequa<strong>da</strong> para engendrar a civilização e o progresso, e assim, ten<strong>do</strong><br />
como fim central: conquistar “o coração <strong>do</strong> povo”.<br />
Os trabalhos de William Gaia Farias, <strong>sobre</strong> os inícios <strong>da</strong> República,<br />
no Governo Provisório (1889-1891) de Justo Chermont, e a sua<br />
consoli<strong>da</strong>ção, no Governo de Lauro Sodré (1894-1897), através <strong>do</strong><br />
proselitismo <strong>do</strong>s intelectuais republicanos lista<strong>do</strong>s no Clube Republicano<br />
<strong>do</strong> Pará. Em “Intelectuais e a República no Pará (1886-1891)” 12 , analisa<br />
os inícios <strong>da</strong> República paraense, a partir <strong>da</strong> divulgação <strong>da</strong>s idéias<br />
republicanas produzi<strong>da</strong>s no Clube Republicano no Pará (1886) até a<br />
promulgação <strong>da</strong> primeira Constituição Republicana (1891). Dessa<br />
maneira, as manifestações <strong>do</strong>s intelectuais são, na literatura e<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 123
iconografias, importantíssimas no processo de proselitismo republicano,<br />
que foi marca<strong>do</strong> por disputas políticas entre republicanos históricos e<br />
remanescentes <strong>do</strong> Império, nos momentos de eleições e nas vésperas <strong>da</strong><br />
abertura <strong>do</strong> Congresso Estadual Constituinte – que institui o Governo<br />
Provisório republicano.<br />
Em outro trabalho, “A Construção <strong>da</strong> República no Pará (1889-<br />
1897)” 13 , investiga o processo de consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> República por meio<br />
<strong>da</strong>s disputas político-partidárias, entre republicanos históricos,<br />
democratas (adesistas) e católicos, respectivamente lista<strong>do</strong>s nos Parti<strong>do</strong><br />
Republicano Paraense, Parti<strong>do</strong> Republicano Democrático e Parti<strong>do</strong><br />
Nacional Católico. Disputas estas procedi<strong>da</strong>s na imprensa, sob o<br />
discurso proselitista <strong>do</strong>s republicanos históricos, nas obras literárias, e o<br />
uso de recursos iconográficos e outras representações simbólicas que<br />
legitime o novo regime, tanto nos meios mais cultos quanto nos meios<br />
populares. Essas disputas tiveram como pontos altos a Revolta <strong>do</strong> Capim<br />
e Revolta de 11 de Junho, que estavam relaciona<strong>do</strong>s ao controle regime<br />
republicano, ambas coman<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos democratas – e duramente<br />
reprimi<strong>da</strong>s pelos históricos, demonstran<strong>do</strong> seu poder pela via coercitiva.<br />
Assim, os trabalhos apresentam um níti<strong>do</strong> nexo de continui<strong>da</strong>de, no qual<br />
a República no Pará é institucionaliza<strong>da</strong> no Governo Provisório e<br />
consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> no Governo de Lauro Sodré.<br />
Marli Cunha, em “’Matutos’ ou ‘astutos’ Oligarquia e coronelismo<br />
no Pará Republicano (1897-1909)” 14 , de 2008, analisa o debate e as<br />
disputas no campo político entre Antonio Lemos e Lauro Sodré, e seus<br />
correligionários, os chama<strong>do</strong>s “lemistas” e “lauristas”, consideran<strong>do</strong> que<br />
são essas disputas que acabam por consoli<strong>da</strong>r o <strong>do</strong>mínio oligárquico na<br />
República paraense. A partir <strong>da</strong> atuação política de Antonio Lemos e<br />
suas alianças políticas com os políticos <strong>do</strong> interior paraense, é possível<br />
compreender as bases <strong>do</strong> estabelecimento <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio oligárquico.<br />
Contu<strong>do</strong>, esse <strong>do</strong>mínio não passa incólume, pois sofre grande oposição<br />
124 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
seja na frente político-partidária seja por meio de artifícios simbólicos.<br />
De to<strong>do</strong> mo<strong>do</strong>, nesse perío<strong>do</strong>, o pacto oligárquico paraense é fruto <strong>da</strong><br />
atuação política de Antonio Lemos e <strong>do</strong>s “lemistas”.<br />
E por fim, também há o estu<strong>do</strong> “A ciência de governar: positivismo,<br />
evolucionismo e natureza em Lauro Sodré” 15 de Alan Watrin Coelho, no<br />
qual analisa os debates político-filosóficos entre o então 2º Tenente<br />
Lauro Sodré e o Bispo Dom Mace<strong>do</strong> Costa, no que diz respeito aos<br />
limites <strong>do</strong> regime monárquico e aos avanços que a República<br />
representaria para o futuro <strong>do</strong> país. Essa discussão acaba revelan<strong>do</strong><br />
questões que estavam postas no cenário intelectual <strong>do</strong> final <strong>do</strong> século<br />
XIX: por um la<strong>do</strong>, a ciência, a civilização e o progresso relaciona<strong>do</strong>s a<br />
República, e, por outro, a fé, a teologia e a religião como sustentáculos<br />
<strong>do</strong> Império. Em síntese, Lauro Sodré, ten<strong>do</strong> por referência o positivismo<br />
e o evolucionismo, defende o regime republicano como o mais<br />
“compatível com a digni<strong>da</strong>de humana” e o desencadea<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
“progresso” e “civilização” <strong>do</strong> Brasil.<br />
Esta historiografia apresenta fun<strong>da</strong>mentalmente o contexto de Belle<br />
Époque pelo qual o Pará passou entre 1870-1912, no tocante ao campo<br />
social, político e econômico. Por conta <strong>da</strong> grande circulação de capitais<br />
advin<strong>da</strong> <strong>da</strong> produção gomífera, Belém e os setores <strong>do</strong>minantes queriam<br />
civilizar-se, já que tinham meios para isso, e modificar ao mesmo tempo,<br />
a estrutura urbano-sanitária e os costumes urbanos, por meio <strong>do</strong> Código<br />
de Postura de Antonio Lemos. Essa mesma ci<strong>da</strong>de que passava por essas<br />
modificações tinha na política as disputas entre os republicanos<br />
históricos, os adesistas e monarquistas entorno <strong>do</strong> governo estadual que,<br />
de maneira provisória, fora presidi<strong>do</strong> por Justo Chermont e, de forma<br />
constitucional, acabou por consoli<strong>da</strong>r a ordem republicana paraense,<br />
dirigi<strong>do</strong> por Lauro Sodré – ambos republicanos históricos. Além de<br />
considerar também que os debates no campo político-filosófico que<br />
Lauro Sodré empreendeu com os intelectuais católicos em defesa <strong>do</strong><br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 125
egime republicano, como aquele que engendraria o progresso e a<br />
civilização.<br />
Não obstante, essa consoli<strong>da</strong>ção não ocorreu de maneira apenas<br />
político-institucional, na qual foram construí<strong>do</strong>s marcos simbólicos com<br />
os seus respectivos imaginários políticos, por meio <strong>da</strong>s exéquias de<br />
Carlos Gomes e a monumento à República, de legitimação <strong>da</strong> República<br />
no plano <strong>da</strong>s mentali<strong>da</strong>des, de mo<strong>do</strong> a formar uma tradição republicana.<br />
Ao mesmo tempo, põe-se em questão a afirmação <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio<br />
oligárquico a partir <strong>do</strong>s pactos políticos de Antonio Lemos e os<br />
“lemistas”, os seus embates políticos com Lauro Sodré e os “lauristas”.<br />
Esse contexto e a sua especifici<strong>da</strong>de são fun<strong>da</strong>mentais para situarmos a<br />
concepção político-educacional nas suas relações com o campo social e<br />
político, bem como com as especifici<strong>da</strong>des <strong>da</strong> região amazônica.<br />
Em sua primeira mensagem ao Congresso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, Lauro Sodré<br />
afirma,<br />
A Republica, para que seja realisação <strong>da</strong>s nobres e<br />
legitimas aspirações em nome <strong>da</strong>s quaes pelejavam<br />
os que tinham a fé <strong>do</strong>s principios, é necessário que<br />
venha satisfazer a essa grande sêde de autonomia,<br />
que ia levan<strong>do</strong> as desespero as antigas províncias<br />
nos derradeiros tempos <strong>do</strong> império. Si amonarquia<br />
unitarista, porque como um monstruoso pólipo<br />
enlaçava no teci<strong>do</strong> de seus tentaculos as províncias,<br />
sopitan<strong>do</strong> to<strong>da</strong>s as energias, e suffocan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os<br />
estimulos, ia geran<strong>do</strong> o nosso atrazo, e estava a<br />
<strong>do</strong>us de<strong>do</strong>s de produzir o esphacelamento <strong>da</strong><br />
grande Patria brazileira, a Republica para que possa<br />
ser a vi<strong>da</strong> de to<strong>do</strong> este immenso organismo, deve<br />
contrapor-se a realesa com o regimen <strong>da</strong>s mais<br />
126 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
larga, <strong>da</strong> mais franca federação. Tenho fé nas<br />
vossas convicções republicanas, para esperar que<br />
mereçam inteira approvação esses meus actos de<br />
esforça<strong>da</strong> propugnação pela autonomia <strong>do</strong> nosso<br />
esta<strong>do</strong>. 16<br />
A República e a Federação, segun<strong>do</strong> os republicanos paraenses no<br />
jornal “A República”, são elementos de crítica às instituições imperiais,<br />
no que diz respeito à centralização política. A República Federativa<br />
constituiria no campo político garantia <strong>da</strong> autonomia <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s,<br />
evitan<strong>do</strong> assim a divisão <strong>da</strong> “Patria brazileira” por conflitos internos <strong>do</strong>s<br />
esta<strong>do</strong>s com o poder central em busca de autonomia nos seus negócios<br />
internos, superan<strong>do</strong> o atraso provoca<strong>do</strong> pela organização centraliza<strong>da</strong><br />
que sufocava politicamente os Esta<strong>do</strong>s. Ten<strong>do</strong> em vista ain<strong>da</strong> a<br />
legitimi<strong>da</strong>de de que a idéia de federação tem como expressão <strong>do</strong> que há<br />
de mais avança<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> os ditames <strong>da</strong> ciência. To<strong>da</strong>s as nações que se<br />
organizavam politicamente de acor<strong>do</strong> com os princípios federativos<br />
haviam caminha<strong>do</strong> pela sen<strong>da</strong> <strong>do</strong> progresso. Dessa forma, a questão <strong>da</strong><br />
organização federativa era um <strong>do</strong>s temas de debate no campo político<br />
paraense nos i<strong>do</strong>s <strong>do</strong> governo de Lauro Sodré.<br />
Não obstante, Lauro Sodré defen<strong>da</strong> e promova uma República<br />
Federativa, de acor<strong>do</strong> com a própria organização institucional advin<strong>da</strong><br />
com a proclamação <strong>do</strong> modelo republicano de governo, a idéia de<br />
federação era um <strong>do</strong>s principais argumentos de crítica ao Império no<br />
Manifesto <strong>do</strong> Club Republicano <strong>do</strong> Pará, em 1886. A descentralização<br />
política é vista como uma necessi<strong>da</strong>de para se pensar os futuros <strong>da</strong> nação<br />
brasileira, e, ao mesmo tempo, demonstrar a inadequação <strong>da</strong><br />
centralização política imperial e como ela representava um atraso aos<br />
interesses nacionais de se equiparar aos países civiliza<strong>do</strong>s. Nesse senti<strong>do</strong>,<br />
a proposição <strong>da</strong> autonomia política <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s era necessariamente<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 127
propor a República como forma de governo e a federação como modelo<br />
de organização política que modificariam o campo político brasileiro e,<br />
por sua vez, paraense, para o caminho <strong>do</strong> progresso, <strong>da</strong> prosperi<strong>da</strong>de e<br />
<strong>da</strong> civilização.<br />
Nesse mesmo ano, de 1891, o governa<strong>do</strong>r procura demonstrar as<br />
benesses políticas que esperam o Esta<strong>do</strong> a partir <strong>da</strong> sua autonomia<br />
política federativa,<br />
Somos um grande Esta<strong>do</strong>, que hoje, na posse <strong>da</strong><br />
sua autonomia, e gerin<strong>do</strong>-se ao seu alvedrio, vê<br />
rasga<strong>do</strong>s de si uns grandissimos horizontes, e<br />
desenha<strong>da</strong> a perspectiva de um futuro de<br />
prosperi<strong>da</strong>des immensas. (...) Consigamos nós<br />
moralmente subir ás eminências <strong>do</strong> nivel <strong>da</strong>s<br />
creações <strong>da</strong> natureza, saibamos proficuamente<br />
utilizar as nossas forças, e é certo que podemos<br />
rever para o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pará, em um futuro não<br />
remoto, uma situação <strong>da</strong>s mais prosperas e <strong>da</strong>s<br />
mais felizes. Para encetar essa vi<strong>da</strong> nova não<br />
devem saltear nos infun<strong>da</strong><strong>do</strong>s receios de que<br />
possam periclitar as instituições politicas vigentes.<br />
(...) Feita pela mais gloriosa e mais estupen<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />
revoluções, a Republica está firmemente<br />
consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> entre nós. (...) A lei <strong>da</strong> persistencia faz<br />
que ain<strong>da</strong>, sob a Republica, subsistam, como triste<br />
lega<strong>do</strong> <strong>do</strong> cahi<strong>do</strong> regimen, vícios e abusos, que só<br />
o evolver <strong>do</strong>s tempos conseguirá eliminar.<br />
Tenhamos, porém, fé nas instituições vigentes, a<br />
cuja sombra se vão educan<strong>do</strong> as novas gerações.<br />
Tenhamos fé nos grandes patriotas, que d’elles não<br />
128 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
é a Patria escassa, os quaes, guar<strong>da</strong>n<strong>do</strong> puras as<br />
suas crenças, inalteravel a religião <strong>do</strong>s principios,<br />
continuam ensinan<strong>do</strong> a vere<strong>da</strong> por onde devemos<br />
jornadear para a realisação completa <strong>do</strong>s nossos<br />
grandes ideais. Ci<strong>da</strong>dãos, membros <strong>do</strong> Congresso!<br />
Conscios <strong>do</strong> futuro immenso que nos aguar<strong>da</strong>, por<br />
este solo abençoa<strong>do</strong> empreguemos to<strong>do</strong> o vigor <strong>da</strong><br />
nossa intelligencia e <strong>do</strong>a a energia <strong>do</strong>s nossos<br />
braços. (...) Façamos <strong>do</strong> amor <strong>da</strong> Patria o forte<br />
escu<strong>do</strong>, que nos resguarde contra os retalhamentos<br />
movi<strong>do</strong>s pelo interesse pessoal. 17<br />
A partir desta nova organização política, de acor<strong>do</strong> com Lauro Sodré,<br />
é que surge a garantia de abrir ao Esta<strong>do</strong> os horizontes <strong>da</strong> prosperi<strong>da</strong>de<br />
tão almeja<strong>da</strong>, mesmo que nos primeiros momentos ocorram problemas<br />
com as instituições vigentes. É necessário que se acredite nas instituições<br />
republicanas, pois elas a um só tempo serão responsáveis por criar as<br />
condições de um futuro brilhante para o Esta<strong>do</strong>, e bem como superar os<br />
atrasos e vícios <strong>do</strong>s tempos <strong>do</strong> Império. Nesse senti<strong>do</strong>, no fim <strong>da</strong><br />
citação, o autor faz duas aclamações aos membros <strong>do</strong> Congresso, nas<br />
quais apela, novamente, para que se tenha fé nas instituições<br />
republicanas, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong>, em razão <strong>do</strong> futuro promissor que os espera, e<br />
como uma demonstração <strong>do</strong> amor a pátria paraense. Ora, a relação entre<br />
as instituições republicanas, a prosperi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e a superação <strong>do</strong><br />
atraso provoca<strong>do</strong> pela centralização imperial são pontos de discussão<br />
apresenta<strong>do</strong>s por Lauro Sodré no Congresso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> que acabam por<br />
compor a pauta de discussão <strong>do</strong> campo político deste perío<strong>do</strong>,<br />
<strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong>, no que diz respeito à legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> República que, no seu<br />
governo, estava em franco processo de consoli<strong>da</strong>ção. 18<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 129
O campo educacional 19 aparece cita<strong>do</strong> nesse processo de<br />
consoli<strong>da</strong>ção republicana,<br />
Bem sabeis vós, como não o ignoram senão os<br />
espiritos desalumia<strong>do</strong>s, que as novas instituições<br />
politicas só hão de medrar benéficas e viçosas<br />
quan<strong>do</strong> houver termina<strong>do</strong> a lenta e afanoza<br />
elaboração; que está padecen<strong>do</strong> a consciência<br />
nacional, guia<strong>da</strong> pelos novos principios. Só quan<strong>do</strong><br />
houvermos <strong>da</strong><strong>do</strong> por fin<strong>do</strong> o trabalho <strong>da</strong><br />
remodelação <strong>do</strong> nosso caracter, <strong>da</strong> refundição<br />
completa <strong>do</strong>s nossos moldes educacionais – grifo nosso<br />
–, <strong>da</strong> transformação radical <strong>do</strong>s nossos costumes,<br />
elimina<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os erros, consumi<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as<br />
deixas <strong>do</strong> antigo regimen, venci<strong>do</strong>s os vezos, que<br />
se nos apegaram com a pratica diuturna <strong>do</strong><br />
systema realengo, só então ha de a Republica<br />
grangear a unanimi<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s suffragios, impon<strong>do</strong>se<br />
a to<strong>da</strong>s as consciencias como a única forma de<br />
governo de governo digna de um povo que se fez<br />
maior 20 . (Grifos no Original)<br />
Na ver<strong>da</strong>de, a educação é considera<strong>da</strong> como um <strong>do</strong>s meios<br />
remodela<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s erros e vícios que ain<strong>da</strong> residem na consciência<br />
nacional e impedem que as instituições republicanas sejam vistas como a<br />
organização política avança<strong>da</strong> e digna de ser a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong>. Assim, o campo<br />
educacional é visto como uma instância que contribui para a reprodução<br />
<strong>do</strong> constructo <strong>do</strong>minante que procura legitimi<strong>da</strong>de, no <strong>caso</strong>, a aceitação<br />
unânime <strong>da</strong> República como forma de governo de “um povo que se fez<br />
maior”.<br />
130 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
Mesmo que se tenha consciência <strong>do</strong>s benefícios <strong>da</strong> República, de<br />
to<strong>do</strong> o processo de modificação institucional que ela encerra em si,<br />
Lauro Sodré constata um problema,<br />
Vós bem sabeis medir a responsabili<strong>da</strong>de immensa,<br />
que é a partilha que elegemos, os que contra a<br />
realeza movemos guerra de exterminio. Ha de<br />
perdurar ain<strong>da</strong> largo espaço aberto o cyclo<br />
revolucionário começa<strong>do</strong> 15 de Novembro de<br />
1889, durante o qual caber-vos-á a reorganisação<br />
<strong>da</strong> Pátria Paraense, elaboran<strong>do</strong> leis sabias, leis<br />
garanti<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s sagra<strong>do</strong>s principios <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de,<br />
a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong>s pela Constituição <strong>da</strong> República. São<br />
evidentes os lucros que vão sain<strong>do</strong> <strong>do</strong> novo<br />
regimen, embora ain<strong>da</strong> apenas incipiente, por<br />
vezes geri<strong>do</strong> com desacerto, entregue á acção de<br />
homens feitos e refeitos sob a realeza, ignorantes<br />
<strong>da</strong>s praticas e <strong>do</strong>s principios <strong>do</strong> atual systema<br />
político, escravos <strong>do</strong>s preconceitos, que a educação<br />
fixou-lhes no fun<strong>do</strong> <strong>da</strong>s consciências. 21 (Grifo Nosso)<br />
É precisamente isso que se pretende modificar com a educação, de<br />
mo<strong>do</strong> a transformar a forma de conduta <strong>da</strong>s pessoas frente ao regime<br />
que procura sua consoli<strong>da</strong>ção. Nesse senti<strong>do</strong>, a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ordem<br />
republicana está de alguma forma relaciona<strong>da</strong> às modificações que<br />
podem ser engendra<strong>da</strong>s pelo campo educacional. Mas, de acor<strong>do</strong> com<br />
Sodré, a mesma educação foi responsável pela manutenção de uma<br />
mentali<strong>da</strong>de imperial que é incompatível com os princípios e práticas<br />
republicanas, o que contribui para dificultar a sua legitimi<strong>da</strong>de na<br />
socie<strong>da</strong>de mais ampla.<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 131
Dessa forma, ele demonstra quais foram os benefícios oferta<strong>do</strong>s com<br />
o advento <strong>da</strong> República,<br />
Mais radical foi entre nós a transformação opera<strong>da</strong>:<br />
nós passamos <strong>da</strong> monarquia para a Republica; nos<br />
que vencer de um salto a grande distancia que vai<br />
de um regimem de centralização exagera<strong>da</strong> e<br />
ferrenha, em que as províncias eram umas<br />
satrapias, para uma larga federação em que os<br />
Esta<strong>do</strong>s devem constituir-se e viver vi<strong>da</strong><br />
autônoma; nós aban<strong>do</strong>namos de súbito e senões<br />
regetou-se durante o perio<strong>do</strong> de vi<strong>da</strong> que tínhamos<br />
vivi<strong>do</strong> como nação, para afaze-nos aos novos <strong>do</strong><br />
regimen presidencial sabiamente a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong> pela<br />
Constituição; nós sacudimos as peas, que taziãonos<br />
acorrenta<strong>da</strong>s as consciência, proclaman<strong>do</strong> a<br />
liber<strong>da</strong>de de culto, desagreggan<strong>do</strong> o temporal <strong>do</strong><br />
espiritual, instituin<strong>do</strong> o casamento civil, decretan<strong>do</strong><br />
a grande naturalisação, e tu<strong>do</strong> isto quan<strong>do</strong> mal ia<br />
fin<strong>da</strong>n<strong>do</strong> o choque produzi<strong>do</strong> pela formi<strong>da</strong>vel<br />
revolução que erradica <strong>do</strong> solo americano com a<br />
áurea Lei de 13 de maio, a derradeira arvore <strong>do</strong> mal<br />
<strong>da</strong> escravidão. 22<br />
Embora liste a liber<strong>da</strong>de de culto, não mais atrela<strong>da</strong> à exclusivi<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> religião católica, a separação entre espiritual e temporal no Esta<strong>do</strong><br />
brasileiro, transforma<strong>do</strong> em laico e secular, e a institucionalização <strong>do</strong><br />
casamento civil, antes apenas realiza<strong>do</strong> pela Igreja Católica, reputa que a<br />
principal modificação no plano institucional foi a abolição <strong>da</strong> escravidão.<br />
O debate <strong>sobre</strong> a escravidão é muito presente entre os republicanos<br />
paraenses, no próprio Manifesto Republicano, um <strong>do</strong>s pontos de crítica,<br />
132 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
ao la<strong>do</strong> <strong>da</strong> idéia de federação, é a escravidão, que representa junto ao<br />
trono, o cerceamento <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de individual, enquanto que, o de<br />
federação, <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de política.<br />
Em segui<strong>da</strong>, aprofun<strong>da</strong>n<strong>do</strong> a questão acerca <strong>da</strong> separação entre o<br />
poder temporal e espiritual pelo Esta<strong>do</strong> Republicano,<br />
(...) Cobrem-n’a de anathemas os intolerantes para<br />
os quaes a Republica se afigura obra <strong>da</strong> impie<strong>da</strong>de,<br />
creação <strong>da</strong> moderna phillosophia scientifica,<br />
porque deu á a igreja catholica a liber<strong>da</strong>de de<br />
acção, emancipan<strong>do</strong>-a <strong>da</strong> tutella <strong>do</strong> poder<br />
temporal, e deu ao Esta<strong>do</strong> sua carta de alforria,<br />
libertan<strong>do</strong>-o <strong>da</strong> direcção espiritual <strong>do</strong> papa. 23<br />
Esta separação era fun<strong>da</strong>mental para a República que estava se<br />
consoli<strong>da</strong>n<strong>do</strong>, pois o catolicismo era a religião oficial <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Imperial,<br />
servin<strong>do</strong>-lhe de sustentáculo ideológico e apoian<strong>do</strong> as suas decisões<br />
políticas. Naturalmente, o regime republicano torna-se laico e secular,<br />
não ten<strong>do</strong> religião oficial ou qualquer tipo de apoio espiritual ou religioso<br />
para os seus posicionamentos políticos.<br />
Quan<strong>do</strong> Sodré fala, é importante ressaltar, que governo republicano<br />
fora cria<strong>do</strong> por uma filosofia científica. Ele faz franca referência ao<br />
positivismo como elemento de fun<strong>da</strong>mentação ideológica <strong>da</strong> República,<br />
e sen<strong>do</strong> esta concebi<strong>da</strong> a forma de governo mais avança<strong>da</strong>, mais positiva,<br />
não fazia senti<strong>do</strong> manter relação institucional com a Igreja Católica, uma<br />
vez que ela, para o positivismo, era representante <strong>do</strong>s estágios teológico<br />
e metafísico na escala de sucessão <strong>do</strong> espírito humano, formula<strong>da</strong> por<br />
Augusto Comte.<br />
Outra questão importante era a participação <strong>da</strong> opinião pública,<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 133
E é no meio de taes embaraços que sois chama<strong>do</strong>s<br />
a proseguir na obra, que encetastes, de completar a<br />
organisação republicana <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, guian<strong>do</strong>-vos<br />
pelos dictames <strong>da</strong>s vossas consciencias, obedientes<br />
aos principios sagra<strong>da</strong>s <strong>do</strong> novo cre<strong>do</strong> politico,<br />
acudin<strong>do</strong> aos grandes interesses <strong>da</strong> Patria, com os<br />
ouvi<strong>do</strong>s abertos aos justos reclamos <strong>da</strong> opinião<br />
publica, que é a grande força social moderna. 24<br />
A consoli<strong>da</strong>ção republicana requeria que a organização <strong>do</strong> governo e,<br />
portanto, <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, fosse completa<strong>da</strong> de acor<strong>do</strong> com os interesses<br />
nacionais e os princípios <strong>do</strong> próprio regime republicano, mas que,<br />
<strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong>, considerasse a opinião pública, pois só conseguiria uma sóli<strong>da</strong><br />
base de sustentação social para o governo se tivesse a unanimi<strong>da</strong>de entre<br />
as classes sociais, e não somente os estratos <strong>do</strong>minantes, representa<strong>do</strong>s<br />
pela opinião pública.<br />
Contu<strong>do</strong>, para conseguir legitimi<strong>da</strong>de junto à opinião pública, é<br />
preciso reiterar que a prosperi<strong>da</strong>de pela qual o Esta<strong>do</strong> passa é fruto <strong>da</strong><br />
aplicação <strong>do</strong>s princípios republicanos de governo,<br />
Essa prosperi<strong>da</strong>de e essa riqueza, que mesmo os<br />
olhos annuvia<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s inimigos <strong>do</strong> novo regimen<br />
descortinam e proclamam, representam o resulta<strong>do</strong><br />
<strong>da</strong> pratica exacta e fidelíssima <strong>do</strong>s principios<br />
republicanos e federativos, em virtude <strong>do</strong>s quaes<br />
póde qualquer membro <strong>da</strong> União, despea<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
antigos e aperta<strong>do</strong>s laços de centralisação<br />
monarchica, que depauperava tu<strong>do</strong> e tu<strong>do</strong><br />
atrophiava, expandir as suas energias, abrin<strong>do</strong><br />
largos horisontes ás activi<strong>da</strong>des outr’ora sopita<strong>da</strong>s,<br />
134 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
crean<strong>do</strong> abun<strong>da</strong>ntes fontes de riqueza, derraman<strong>do</strong> o<br />
ensino – grifo nosso –, e dilatan<strong>do</strong>-lhe a esphera,<br />
desenvolven<strong>do</strong> as industrias sob as suas múltiplas<br />
formas, melhora<strong>da</strong> a situação <strong>da</strong> agricultura,<br />
fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s grandes fabricas, alarga<strong>do</strong> vitalisa<strong>do</strong><br />
fortemente o commercio interno e externo, com a<br />
abertura de recentes vias de communicação. Essa<br />
prosperi<strong>da</strong>de e essa riqueza são, em grande parte,<br />
devi<strong>da</strong>s á sabe<strong>do</strong>ria e á justiça <strong>da</strong>s nossas leis. 25<br />
Quer dizer, o desenvolvimento econômico representa<strong>do</strong> pela<br />
exploração adequa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s varia<strong>da</strong>s formas de riqueza <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, por<br />
meio <strong>da</strong> agricultura, <strong>da</strong> lavoura, com o tratamento sistemático <strong>da</strong> terra e a<br />
produção permanente <strong>do</strong>s seus produtos, gera artigos para a exportação,<br />
o que, por sua vez, promove o aumento <strong>da</strong>s receitas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> através<br />
<strong>do</strong>s impostos. Assim, a agricultura é vista como uma importante<br />
ativi<strong>da</strong>de econômica. Relaciona<strong>da</strong> a ela, as fábricas e a sua produção em<br />
massa de merca<strong>do</strong>rias, são uma grande oferta de empregos e<br />
dinamici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> economia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, o que acaba por aumentar o ritmo<br />
<strong>do</strong> comércio interno e externo. Esse já era aqueci<strong>do</strong> por conta <strong>da</strong><br />
exportação <strong>da</strong> borracha. Assim, o comércio interno é importante por<br />
estar relacionan<strong>do</strong> diretamente ao nível de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população paraense,<br />
tanto na oferta de bens de consumo quanto de emprego e ren<strong>da</strong>.<br />
Não raro, Sodré retoma a questão <strong>da</strong> educação e a sua relação com o<br />
direito, no senti<strong>do</strong> de educar a população que na República vivia pelo<br />
império <strong>da</strong> lei, sen<strong>do</strong> o direito o único ponto de referência <strong>do</strong> indivíduo<br />
para pautar a sua conduta como ci<strong>da</strong>dão,<br />
O primeiro, o primordial dever <strong>do</strong>s governos<br />
republicanos é ensinar ao povo, pela lição <strong>da</strong> pratica e<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 135
<strong>do</strong> exemplo, que as republicas a Constituição e as<br />
leis são freios para to<strong>da</strong>s as demasias, e constituem<br />
a unica força invencível, o unico poder<br />
ver<strong>da</strong>deiramente soberano, para que contra esse<br />
dique <strong>do</strong> direito, contra essa muralha, invólucro <strong>da</strong><br />
auctori<strong>da</strong>de legitima, possam eternamente quebrarse<br />
os ímpetos <strong>do</strong>s que, sem a comprehensão cabal<br />
<strong>do</strong>s seus deveres políticos e cívicos, sem idéa<br />
exacta <strong>do</strong> novo regimen, onde na<strong>da</strong> podem as<br />
vontades contra as leis, falam <strong>da</strong> Constituição<br />
como de cousa sem valia, ao sabor <strong>do</strong>s nossos<br />
desejos e <strong>do</strong>s nossos caprichos de occasião, possa<br />
ser posta á margem. 26 (Grifo Nosso)<br />
Assim, consciente <strong>do</strong>s seus deveres políticos e cívicos, o ci<strong>da</strong>dão<br />
republicano deve se comprometer com o regime cujas leis não obedecem<br />
a vontades pessoais ou individuais, pois a Constituição, a sistematização<br />
e matriz maior dessas leis, é o ponto de referência central, isto é, a<br />
autori<strong>da</strong>de legítima que garante os direitos políticos dentro de um<br />
sistema jurídico que valha de igual mo<strong>do</strong> para to<strong>do</strong>s os membros <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de política.<br />
A Primeira República é um perío<strong>do</strong> estratégico para se pensar a<br />
formulação de propostas de participação política, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong>, como<br />
forma de legitimação <strong>do</strong> poder oficial. Na ver<strong>da</strong>de, foi um momento de<br />
se pensar a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia como um elemento de manutenção <strong>da</strong> ordem<br />
republicana. Contu<strong>do</strong>, as formas oficiais construí<strong>da</strong>s para a participação<br />
política <strong>da</strong> população mais ampla acabaram por servir a estratégias de<br />
atuação política <strong>do</strong>s grupos excluí<strong>do</strong>s <strong>do</strong> processo decisório, fazen<strong>do</strong><br />
valer os seus interesses políticos pela via não-oficial. Nesse senti<strong>do</strong>, as<br />
obras de José Murilo de Carvalho despontam como referência nessa<br />
136 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
discussão. Selecionamos trabalhos que discutem <strong>sobre</strong> a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia no<br />
Império e na Primeira República, de mo<strong>do</strong> a perceber como se processa<br />
esse fenômeno em ambos os perío<strong>do</strong>s.<br />
Em “Os bestializa<strong>do</strong>s: o Rio de Janeiro e a República que não foi” 27 ,<br />
José Murilo de Carvalho apresenta as formas pelas quais a população<br />
manifestou a sua participação política, quer dizer, que exerceu sua<br />
ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, no Rio de Janeiro <strong>da</strong> Primeira República. Nos campos formais<br />
de participação política, a população, ain<strong>da</strong> de forma muito estreita, só<br />
tinha as eleições, as quais não via de mo<strong>do</strong> legítimo, o que explica a<br />
grande abstenção eleitoral. Porém, tinha outras formas de expressar sua<br />
vontade política, só que esta não era por meios oficiais. Essas formas de<br />
manifestação <strong>da</strong> participação política formal ele chamou de “ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia<br />
inativa”, e aquelas não-formais, como foi a Revolta <strong>da</strong> Vacina, de<br />
“ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia ativa”. A população, chama<strong>da</strong> de bilontra, tinha as suas<br />
formas de resistir ao poder <strong>do</strong>minante, através <strong>da</strong> pressão popular,<br />
fazen<strong>do</strong> valer a sua vontade política.<br />
Dan<strong>do</strong> continui<strong>da</strong>de a essa discussão, José Murilo apresenta em<br />
“Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia no Brasil: o longo caminho” 28 o percurso <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia no<br />
Brasil, <strong>da</strong> Primeira República a Nova República, demonstran<strong>do</strong> quais os<br />
caminhos e descaminhos que a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia passou e tem passa<strong>do</strong> na<br />
história brasileira. No perío<strong>do</strong> republicano, a partir <strong>do</strong> ponto de vista<br />
oficial, <strong>do</strong>s meios oficiais de participação política, a maioria <strong>da</strong> população<br />
estava à margem <strong>do</strong>s processos decisórios. Contu<strong>do</strong>, a população não<br />
ficava “bestifica<strong>da</strong>” diante de tais obstáculos. Ela se fazia ouvir,<br />
utilizan<strong>do</strong> de meios informais ou não-oficiais para fazer valer os seus<br />
interesses políticos.<br />
No artigo intitula<strong>do</strong> “Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia: tipos e percursos” 29 Carvalho<br />
apresenta uma inflexão <strong>da</strong> discussão feita nas suas outras obras, expon<strong>do</strong><br />
o conceito de “ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia negativa”. Ele diz respeito às formas de<br />
negação sistemática <strong>da</strong> participação política <strong>da</strong> população nos meios<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 137
decisórios. E tal exclusão teria a sua formulação inicial no perío<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />
Primeira República, sen<strong>do</strong> reformula<strong>da</strong> de acor<strong>do</strong> com as contingências<br />
<strong>do</strong>s processos históricos posteriores, porém, permaneceria a mesma<br />
finali<strong>da</strong>de: exclusão <strong>do</strong>s interesses populares nos processos decisórios.<br />
Em conjunto com Lucia Maria Neves, José Murilo de Carvalho<br />
organiza a coletânea “Repensan<strong>do</strong> o Brasil <strong>do</strong> Oitocentos: ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia,<br />
política e liber<strong>da</strong>de” 30 , que é a reunião de artigos que tem por objetivo<br />
discutir, a partir <strong>do</strong> Império e <strong>da</strong> República, a ideia de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e nação<br />
como algo relaciona<strong>do</strong> ao governo e ao esta<strong>do</strong>, bem como valores e<br />
práticas sociais na esfera pública. Uma inflexão <strong>do</strong>s artigos reuni<strong>do</strong>s<br />
neste trabalho é precisamente rever determina<strong>da</strong>s interpretações que<br />
balizaram os estu<strong>do</strong>s <strong>sobre</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e a nação. E ain<strong>da</strong>: notar que não é<br />
possível apenas pensar os conceitos políticos e as práticas que os<br />
orientam <strong>do</strong> ponto de vista <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, ou oficial, até porque o Esta<strong>do</strong><br />
não é algo a priori, pois ele pode ser tanto um problema quanto um<br />
produto de construção social de interesses sociais arbitrários. É essa<br />
arbitrarie<strong>da</strong>de o ponto fun<strong>da</strong>mental a se perscrutar, consideran<strong>do</strong> que as<br />
práticas políticas estão inseri<strong>da</strong>s em relações de poder e de <strong>do</strong>minação<br />
entre os grupos sociais com capitais econômicos e culturais desiguais.<br />
Consideran<strong>do</strong> o pós-abolição e a questão <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, o trabalho<br />
“Quase-ci<strong>da</strong>dão: histórias e antropologias <strong>da</strong> pós-abolição no Brasil” 31 ,<br />
organiza<strong>do</strong> por Flávio Gomes e Olívia Gomes <strong>da</strong> Cunha, é a compilação<br />
de artigos que versam <strong>sobre</strong> o perío<strong>do</strong> <strong>da</strong> pós-abolição e a conformação<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. O título é bastante sugestivo nesse senti<strong>do</strong>, por demonstrar<br />
que na pós-abolição os descendentes de africanos não foram<br />
transforma<strong>do</strong>s em ci<strong>da</strong>dãos, ou tiveram a sua ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia obstruí<strong>da</strong>.<br />
Foram, em ver<strong>da</strong>de, quase-ci<strong>da</strong>dãos. Desta forma, é de salutar<br />
importância perceber esse processo de exclusão pelos quais os exescravos<br />
passaram logo após a abolição e o advento <strong>da</strong> República.<br />
138 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
Sobre a questão <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia no Império, temos a obra “O fia<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s<br />
brasileiros: ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, escravidão e direto civil no tempo de Antonio<br />
Pereira Rebouças” 32 de Keila Grinberg, no qual, a partir <strong>da</strong> trajetória <strong>do</strong><br />
jurista Antonio Pereira Rebouças demonstra as discussões no âmbito <strong>da</strong><br />
esfera pública <strong>sobre</strong> direito civil, ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e escravidão no Império<br />
brasileiro. Ao analisar a sua trajetória, de mulato sem berço, que<br />
conseguiu ascender no seleto mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s bacharéis, a autora procura<br />
antever os debates <strong>do</strong> seu tempo, os quais lhe diziam respeito direto, e<br />
que acabou por participar deles, que foi: o fim <strong>da</strong> escravidão, a<br />
implementação <strong>do</strong>s direitos civis para os afrodescendentes e, portanto, a<br />
ampliação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Saber como era vista a inserção ou a ampliação<br />
<strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s africanos e seus descendentes neste perío<strong>do</strong> de final <strong>do</strong><br />
Império é importante, pois tal discussão já estava posta bem antes <strong>da</strong><br />
abolição, sen<strong>do</strong> de igual importância para se pensar o lugar social e<br />
políticos deste grupo na recém-implanta<strong>da</strong> República.<br />
No que diz respeito à constituição <strong>do</strong> campo político <strong>do</strong> Império e à<br />
questão <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, a obra “O tempo saquarema: a formação <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> Imperial” 33 de Ilmar Rohloff de Mattos, fun<strong>da</strong>mental na<br />
histografia <strong>do</strong> Império, trata <strong>da</strong> formação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Imperial, mais<br />
precisamente, a partir <strong>do</strong> Segun<strong>do</strong> Reina<strong>do</strong>, pois este representaria a<br />
<strong>do</strong>minação de uma classe senhorial: os saquaremas. Dentre as diversas<br />
questões que a obra apresenta, a discussão <strong>sobre</strong> a participação política e<br />
o processo decisório que é conforma<strong>do</strong> nesse perío<strong>do</strong>. Profun<strong>da</strong>mente<br />
centraliza<strong>do</strong> e excludente, este tema é importante para se perceber as<br />
suas correlações com os processos políticos <strong>da</strong> Primeira República.<br />
Portanto, considera-se importante compreender como se dá a formação<br />
<strong>do</strong> campo político <strong>do</strong> Império, para poder contrastá-lo com o<br />
republicano.<br />
José Murilo de Carvalho também dá a sua contribuição nessa<br />
discussão, nos trabalhos “A construção <strong>da</strong> ordem: a elite política<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 139
imperial” 34 e “Teatro de sombras: a política imperial” 35 . Nestes estu<strong>do</strong>s<br />
ele demonstra como se construiu o campo político no Império, a partir<br />
<strong>da</strong> movimentação <strong>da</strong> elite política imperial e sua ocupação de setores<br />
estratégicos no Esta<strong>do</strong> Imperial, como o Conselho de Esta<strong>do</strong>, acaban<strong>do</strong><br />
por ter este mais poderes que o impera<strong>do</strong>r. Em meio a essa discussão, ele<br />
apresenta alguns pontos relativos à participação política na esfera pública<br />
e à ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia no Império que, em linhas gerais, era bastante restrita, no<br />
âmbito oficial, aos grupos que estivessem alinha<strong>do</strong>s aos interesses<br />
políticas <strong>da</strong> elite política localiza<strong>da</strong> no Conselho de Esta<strong>do</strong>. Assim, essas<br />
reflexões <strong>sobre</strong> a conformação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia no Império acabam se<br />
tornan<strong>do</strong> relevantes ao se pensar as questões que são postas na<br />
República acerca <strong>da</strong> formação <strong>do</strong> ci<strong>da</strong>dão e a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
E, por fim, o estu<strong>do</strong> “Educação e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia no republicanismo<br />
paraense: a instrução pública primária nos anos de 1889 – 1897” 36 , de<br />
Wilson <strong>da</strong> Costa Barroso, trata <strong>da</strong> concepção de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia que fora<br />
utiliza<strong>da</strong> na Instrução Primária no Governo Provisório (1889-1891) e no<br />
Governo de Lauro Sodré (1891-1897). Nesse senti<strong>do</strong>, destaca que tal<br />
concepção de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia era guia<strong>da</strong> por formulações liberais e positivistas,<br />
que influenciaram os republicanos brasileiros e paraenses. E por fim,<br />
demonstra como essas concepções são operacionaliza<strong>da</strong>s nas políticas<br />
educacionais destina<strong>da</strong>s à instrução primária <strong>do</strong>s governos cita<strong>do</strong>s. A<br />
inflexão <strong>da</strong> sua discussão está em demonstrar que a educação primária<br />
republicana, a partir de tais concepções de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, tinha por objetivo<br />
se consoli<strong>da</strong>r por meio <strong>da</strong> formação de ci<strong>da</strong>dãos que legitimasse a ordem<br />
republicana no campo político e ideológico.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, selecionamos trabalhos que dizem respeito à<br />
participação política <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil no âmbito <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de política,<br />
seja por meio oficiais, seja pela participação por caminhos alternativos.<br />
Quer dizer, a participação política limita<strong>da</strong> e restrita <strong>da</strong> população nos<br />
processos decisórios era marca<strong>da</strong> por uma ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia negativa, mas que<br />
140 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
tinha suas formas de “ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia ativa”, não-oficiais, de agir no campo<br />
político de mo<strong>do</strong> a fazer que seus interesses políticos fossem ouvi<strong>do</strong>s.<br />
Desta forma, consideramos necessário perceber como a questão <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia era encara<strong>da</strong> no Império, cujo intuito é contrastar com as suas<br />
manifestações na ordem republicana, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong>, <strong>do</strong> arranjo político a<br />
partir <strong>do</strong> Segun<strong>do</strong> Reina<strong>do</strong> que consoli<strong>da</strong> o Esta<strong>do</strong> imperial e as suas<br />
práticas políticas. Esse espectro de discussão é importante para<br />
pensarmos como a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia era aprecia<strong>da</strong> pela concepção políticoeducacional<br />
pesquisa<strong>da</strong>, visto que ela queria formar ci<strong>da</strong>dãos a partir <strong>da</strong><br />
educação.<br />
Lauro Sodré reafirma o poder <strong>da</strong> educação republicana como meio de<br />
ensinar a população a viver a partir <strong>do</strong> sistema legal, de conhecer o<br />
sistema legal e pautar a sua conduta por ele, pois considera que as leis <strong>da</strong><br />
República asseguram a soberania popular. Na ver<strong>da</strong>de, o arcabouço<br />
jurídico republicano é a expressão <strong>da</strong> soberania popular, mesmo que os<br />
oposicionistas digam que isso é sinônimo de desordem e instabili<strong>da</strong>de<br />
política. Nas suas palavras,<br />
Só a educação feita pela diuturna e severa pratica <strong>da</strong>s<br />
normas republicanas, ha de curar-nos desse mal<br />
que, her<strong>da</strong><strong>do</strong> <strong>do</strong> império, recebeu novo contigente<br />
de aggravo <strong>da</strong> erra<strong>da</strong> comprehensão com que<br />
muitos olham o <strong>do</strong>gma <strong>da</strong> soberania popular, que,<br />
assim pratica<strong>do</strong>, erigiria em principio a anarchia,<br />
em regra de governo a instabilli<strong>da</strong>de e a desordem.<br />
Os que hoje, volvi<strong>do</strong>s os olhos para o passa<strong>do</strong>,<br />
contra a Republica fazem valer as nossas luctas<br />
inevitaveis e fataes em que to<strong>do</strong> povo trabalha<strong>do</strong><br />
por uma revolução tão profun<strong>da</strong> como foi a que<br />
produziu a que<strong>da</strong> <strong>da</strong> realeza, esquecem que o<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 141
império viveu a infelicitar-nos, sempre e sempre<br />
entre dias sombrios de infortúnios e noites<br />
cerra<strong>da</strong>s de despotismo. 37 (Grifo Nosso)<br />
É importante notar que sempre há referência ao Império, a afirmação<br />
<strong>da</strong> ordem republicana e as respostas aos seus críticos, que é<br />
necessariamente feita pela crítica <strong>da</strong> política imperial e suas instituições.<br />
Tanto é assim, evidencia<strong>do</strong> no seu discurso 38 , esse processo de<br />
afirmação <strong>da</strong> ordem republicana pela negação <strong>do</strong> Império, que diz,<br />
É um teci<strong>do</strong> de lições eloqüentes a nossa historia<br />
to<strong>da</strong>, e contra ella não podem valer hoje as<br />
palavras <strong>do</strong>s que hontem, ao serviço <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r,<br />
cavaram a ruína <strong>da</strong> Patria, e levaram o povo<br />
brasileiro, de degráo em degráo, de conquista em<br />
conquista, á a<strong>do</strong>pção <strong>do</strong> governo republicano, sob<br />
suja a vigencia temos progredi<strong>do</strong>, no curto lapso<br />
de 6 annos, relativamente mais <strong>do</strong> que nas longas<br />
déca<strong>da</strong>s durantes as quaes <strong>do</strong>minou a realeza; taes<br />
e tantos agora, claros e manifestos por to<strong>da</strong> a<br />
parte, symptomas de vitali<strong>da</strong>de exhuberante, e as<br />
esperanças seguras de um desenvolvimento, que<br />
na<strong>da</strong> poderá deter, em to<strong>da</strong>s as espheras de<br />
activi<strong>da</strong>de. 39<br />
A citação é a síntese <strong>da</strong> forma como Lauro Sodré conduz sua<br />
afirmação <strong>da</strong> República no campo político. As instituições republicanas,<br />
como antítese <strong>da</strong>s imperiais, vêm no curto perío<strong>do</strong> de tempo de sua<br />
142 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
vigência, operan<strong>do</strong> as modificações estruturais no terreno <strong>da</strong> política,<br />
bem como desenvolven<strong>do</strong> os demais campos sociais de mo<strong>do</strong> a<br />
demonstrar a superiori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> forma republicana de governo.<br />
É neste contexto de debate que Lauro Sodré empreende as suas<br />
reformas educacionais, com o níti<strong>do</strong> objetivo de contribuir, a partir <strong>do</strong><br />
campo educacional, para a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s instituições republicanas no<br />
campo político. Nesse senti<strong>do</strong>, consideramos que as reformas<br />
educacionais são a manifestação <strong>do</strong> campo educacional se<br />
movimentan<strong>do</strong> na sua espera específica de atuação para a reprodução<br />
<strong>do</strong>s constructos ideológicos <strong>da</strong> cultura <strong>do</strong>minante, ou que estão<br />
procuran<strong>do</strong> ser <strong>do</strong>minantes, ou legitimar a sua <strong>do</strong>minação, a partir <strong>do</strong><br />
campo político. De acor<strong>do</strong> com Bourdieu 40 , a partir <strong>da</strong> lógica <strong>da</strong> atuação<br />
<strong>do</strong>s campos sociais, a educação é um desses campos estratégicos, no qual<br />
se faz a veiculação <strong>da</strong> cultura <strong>do</strong>minante. Nesse <strong>caso</strong>, as reformas<br />
educacionais objetivavam legitimar a forma republicana de governo.<br />
A reforma <strong>do</strong> ensino secundário e profissional e a formação de<br />
professores, como se observou antes, representa uma inflexão <strong>do</strong><br />
governo de Lauro Sodré, no que diz respeito à concepção políticoeducacional<br />
republicana que orienta esse movimento de reformas.<br />
Mantém-se com ela os objetivos políticos e a não consideração <strong>da</strong><br />
diversi<strong>da</strong>de étnico-racial <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de paraense, porém se modificam as<br />
finali<strong>da</strong>des educacionais, precisamente relaciona<strong>da</strong>s ao ensino secundário<br />
e profissional. Consideramos que tal modificação no “senti<strong>do</strong>” desta<br />
concepção político-educacional republicana tenha relação direta com<br />
esse processo de consoli<strong>da</strong>ção e legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> República 41 .<br />
Aquelas reformas atingiram as instituições educativas destina<strong>da</strong>s à<br />
educação de jovens e adultos, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong>, os trabalha<strong>do</strong>res, a classe<br />
operária, para se evitar aqui os mesmo problemas enfrenta<strong>do</strong>s na<br />
Europa. Estes atores cresciam em importância social e política, e se<br />
ven<strong>do</strong> excluí<strong>do</strong>s <strong>do</strong> processo decisório, se organizavam politicamente e<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 143
contestavam a ordem vigente. O que se quer com a oferta <strong>do</strong> ensino<br />
secundário e profissional a esse grupo social é necessariamente fornecer<br />
subsídios, a partir <strong>do</strong> conhecimento científico disponível no ensino<br />
técnico, para que a parte <strong>da</strong> população atingi<strong>da</strong> por esse tipo de ensino<br />
possa trabalhar melhor e que seja incorpora<strong>da</strong> à socie<strong>da</strong>de de acor<strong>do</strong><br />
com o seu ofício, evitan<strong>do</strong> o descontentamento com as condições sociais<br />
na quais está inseri<strong>do</strong> e, por sua vez, conteste a ordem republicana que<br />
está procuran<strong>do</strong> legitimi<strong>da</strong>de frente à opinião pública.<br />
Acreditamos que aqui reside a relação entre as reformas educacionais<br />
destina<strong>da</strong>s ao ensino secundário e profissional e o processo de<br />
consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> República. O objetivo político <strong>da</strong> concepção políticoeducacional<br />
republicana que orienta essas reformas é a formação <strong>do</strong><br />
ci<strong>da</strong>dão patriótico e regenera<strong>do</strong> no seio na classe operária. Esta deveria<br />
ser esclareci<strong>da</strong> no senti<strong>do</strong> de ver na República com o que há de mais<br />
avança<strong>do</strong> no campo político, com a sua organização política federativa, a<br />
aplicação <strong>da</strong> soberania popular. Assim, a lei asseguraria a representação<br />
<strong>do</strong>s seus interesses sociais na comuni<strong>da</strong>de política, a partir <strong>do</strong> momento<br />
em que ela seja comprometi<strong>da</strong> com a manutenção <strong>da</strong> ordem, cumprin<strong>do</strong><br />
os seus deveres políticos e cívicos com o regime.<br />
Artigo recebi<strong>do</strong> em agosto de 2012<br />
Aprova<strong>do</strong> em novembro de 2012<br />
144 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
NOTAS<br />
* Este trabalho apresenta uma parte <strong>da</strong> dissertação de mestra<strong>do</strong> intitula<strong>da</strong> “A<br />
educação no Primeiro Governo de Lauro Sodré (1886-1897): os senti<strong>do</strong>s de uma<br />
concepção político-educacional republicana” produzi<strong>da</strong> no Programa de Pós-<br />
Graduação em Educação <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de <strong>Federal</strong> <strong>do</strong> Pará (PPGED – UFPA),<br />
defendi<strong>da</strong> em abril de 2011, na linha de pesquisa “Currículo e Formação de<br />
Professores”, sob a orientação <strong>da</strong> Prof.ª Dr.ª Wilma de Nazaré Baía Coelho.<br />
** Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGED-<br />
UFPA.<br />
1 A orientação teórica para a análise <strong>da</strong> problemática educacional aqui esboça<strong>da</strong> tem<br />
como referência Pierre Bourdieu que, em suas formulações <strong>sobre</strong> o “campo<br />
educacional”, percebe-o como uma instância social que contribui para reprodução<br />
<strong>da</strong> cultura <strong>do</strong>minante, tal como o direito e a mídia em geral, legitiman<strong>do</strong> e<br />
naturalizan<strong>do</strong> os interesses <strong>da</strong> classe <strong>do</strong>minante. Embora tenha relação com as<br />
demais instâncias sociais, o campo educacional não está submeti<strong>do</strong> aos demais<br />
campos que compõem a socie<strong>da</strong>de. Ele tem margem de autonomia e lógica próprias<br />
de funcionamento que, a partir disso, contribui para a reprodução <strong>do</strong>s constructos<br />
ideológicos <strong>da</strong> classe <strong>do</strong>minante. Assim, orienta teoricamente a análise <strong>da</strong> concepção<br />
político-educacional que encaminhou as reformas educacionais produzi<strong>da</strong>s no<br />
primeiro governo de Lauro Sodré (1891-1897), como um campo que possivelmente<br />
contribui para a consoli<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> regime republicano, principalmente, na reprodução<br />
<strong>do</strong> seu respectivo imaginário e concepção de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, bem como <strong>do</strong>s debates que<br />
compunham o campo político desse perío<strong>do</strong>. Conferir: BOURDIEU, Pierre.<br />
Economia <strong>da</strong>s Trocas Simbólicas. Tradução de Sergio Miceli, Silvia de Almei<strong>da</strong> Pra<strong>do</strong>,<br />
Sonia Miceli e Wilson Vieira. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1982; BOURDIEU,<br />
Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernan<strong>do</strong> Tomaz. 6. ed. Rio de Janeiro:<br />
Bertrand Brasil, 2003; BOURDIEU, Pierre. A Reprodução: elementos para uma teoria<br />
<strong>do</strong> sistema de ensino. Tradução de Reynal<strong>do</strong> Bairão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.<br />
2 Consideramos, neste trabalho, o conceito de “discurso” (enuncia<strong>do</strong>) de acor<strong>do</strong><br />
com as formulações de Mikhail Bakhtin. Com o advento de sua obra “Marxismo e<br />
Filosofia <strong>da</strong> Linguagem”, Bakhtin apresenta novas proposições para se pensar a<br />
comunicação social, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong>, por demonstrar que a linguagem não é algo<br />
independente <strong>da</strong>s relações sociais (objetivismo abstrato), ou algo produzi<strong>do</strong> e<br />
restrito a consciência individual (subjetivismo individualista), e sim, um fenômeno<br />
eminentemente social que acaba por expressar tais relações. Logo, para Bakhtin, a<br />
linguagem é dialógica, dialética, marca<strong>da</strong> pela contradição, entre enuncia<strong>do</strong>s que<br />
expressam interesses sociais divergentes. A linguagem, a partir de signos culturais<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 145
específicos, encaminha interesses de classe. Assim, determina<strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong> em sua<br />
construção lógico-argumentativa acaba se contrapon<strong>do</strong> aqueles outros que lhe são<br />
contrários. Esse processo discursivo na<strong>da</strong> mais é <strong>do</strong> que o encaminhamento de<br />
múltiplos interesses <strong>do</strong>s grupos sociais em busca <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de social no plano<br />
ideológico. A rigor, Bakhtin afirma que “a palavra funciona como elemento essencial<br />
que acompanha to<strong>da</strong> a criação ideológica, seja ela qual for”, visto que um discurso é<br />
conforma<strong>do</strong> por um conjunto de palavras, segun<strong>do</strong> o mesmo Bakhtin, é um signo<br />
ideológico por excelência; isto é, objetiva propagar interesses sociais <strong>do</strong>s grupos<br />
inseri<strong>do</strong>s nas relações de poder. Desta forma, percebemos que os republicanos<br />
paraenses apresentam as suas proposições políticas e educacionais com respal<strong>do</strong> em<br />
suas críticas a política e a educação no Império; logo, o discurso republicano afirmase,<br />
ideologicamente, a partir <strong>da</strong> antítese, <strong>da</strong> negação, <strong>da</strong>s instituições imperiais,<br />
dentre elas, a educação. Vide: BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia <strong>da</strong> Linguagem.<br />
Tradução: Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1979.<br />
3 Pelos levantamentos que fizemos <strong>do</strong>s trabalhos <strong>sobre</strong> o perío<strong>do</strong>, não encontramos<br />
nenhum que apresentasse a composição política <strong>do</strong> Congresso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> no<br />
primeiro governo de Lauro Sodré. Esta ain<strong>da</strong> é uma <strong>da</strong>s lacunas nos estu<strong>do</strong>s de<br />
História Política na Primeira República no Pará.<br />
4 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Os Radicais <strong>da</strong> República. São Paulo: Brasiliense,<br />
1986.<br />
5 LESSA, Renato. A Invenção Republicana. São Paulo: Vértice; IUPERJ, 1988.<br />
6 PENNA, Lincoln de Abreu. O Progresso na Ordem: o florianismo e a construção <strong>da</strong><br />
República. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997.<br />
7 FLORES, Elio Chaves. “A consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> República: rebeliões de ordem e<br />
progresso”. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almei<strong>da</strong> Neves<br />
(Orgs). O Brasil Republicano. O tempo <strong>do</strong> liberalismo excludente: <strong>da</strong> Proclamação<br />
<strong>da</strong> República à Revolução de 1930. vol.1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,<br />
2003, pp. 45-88.<br />
8 SANTOS, Roberto. História econômica <strong>da</strong> Amazônia (1880-1920). São Paulo: T. A<br />
Queiroz, 1980.<br />
9 SARGES, Maria de Nazaré. Belém: riquezas produzin<strong>do</strong> a Belle Époque (1870-<br />
1912). 3. ed. Belém: Paka-Tatu, 2010.<br />
10 COELHO, Geral<strong>do</strong> Mártires. O Brilho <strong>da</strong> Supernova: a morte bela de Carlos<br />
Gomes. Rio de Janeiro: Agir, 1995.<br />
11 COELHO, Geral<strong>do</strong> Mártires. No Coração <strong>do</strong> Povo: o monumento à República –<br />
1981-1987. Belém: Paka-Tatu, 2002.<br />
146 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
12 FARIAS, William Gaia. Os Intelectuais e a República no Pará: (1886-1891).<br />
Dissertação (Mestra<strong>do</strong>) – Universi<strong>da</strong>de <strong>Federal</strong> <strong>do</strong> Pará, Núcleo de Altos<br />
Estu<strong>do</strong>s Amazônicos, Mestra<strong>do</strong> Internacional em Planejamento <strong>do</strong><br />
Desenvolvimento, Belém, 2000.<br />
13 FARIAS, William Gaia. A Construção <strong>da</strong> República no Pará (1886-1897).<br />
Dissertação (Doutora<strong>do</strong>) – Universi<strong>da</strong>de <strong>Federal</strong> Fluminense, Centro de<br />
Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História,<br />
Doutora<strong>do</strong> em História Social (setor de moderna e contemporânea), Niterói<br />
(RJ), 2005.<br />
14 CUNHA, Marli. “Matutos” ou “astutos” Oligarquia e coronelismo no Pará<br />
Republicano (1897-1909). Dissertação (Mestra<strong>do</strong>) - Universi<strong>da</strong>de <strong>Federal</strong> <strong>do</strong> Pará,<br />
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História<br />
Social <strong>da</strong> Amazônia, Belém, 2008.<br />
15 COELHO, Alan Watrin. A Ciência de Governar: positivismo, evolucionismo e<br />
natureza em Lauro Sodré. Dissertação (Mestra<strong>do</strong>) – Universi<strong>da</strong>de <strong>Federal</strong> <strong>do</strong><br />
Pará, Programa de Pós-Graduação em História Social <strong>da</strong> Amazônia. Belém,<br />
2006.<br />
16 Mensagem, Lauro Sodré, 1891, p. 5.<br />
17 Mensagem, Lauro Sodré, 1891, p. 12-13.<br />
18 FARIAS, William Gaia. A Construção <strong>da</strong> República no Pará (1886-1897). Op. Cit.<br />
19 BOURDIEU, Pierre. Economia <strong>da</strong>s trocas simbólicas. Op. Cit; BOURDIEU, Pierre.<br />
O poder simbólico. Op. Cit.; BOURDIEU, Pierre. A reprodução: elementos para uma<br />
teoria <strong>do</strong> sistema de ensino. Op. Cit.<br />
20 Mensagem dirigi<strong>da</strong> pelo Senr. Governa<strong>do</strong>r Dr. Lauro Sodré ao Congresso <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pará em sua primera reunião, em 30 de outubro de 1891. Belém: Typ.<br />
<strong>do</strong> Diário Official, 1891, p. 7.<br />
21 Mensagem dirigi<strong>da</strong> pelo Senr. Governa<strong>do</strong>r Dr. Lauro Sodré ao Congresso <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pará em sua primera reunião, em 1º de fevereiro de 1893. Belém:<br />
Typ. <strong>do</strong> Diário Official, 1893, p. 8.<br />
22 Mensagem, Lauro Sodré, 1893, p. 9.<br />
23 Mensagem, Lauro Sodré, 1893, p. 9.<br />
24 Mensagem, Lauro Sodré, 1893, p. 9-10.<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 147
25 Mensagem dirigi<strong>da</strong> pelo Sr. Governa<strong>do</strong>r Dr. Lauro Sodré ao Congresso <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pará em sua reunião em 1º de fevereiro de 1896. Belém: Typ. <strong>do</strong><br />
Diário Official, 1896, p. 3-4.<br />
26 Mensagem, Lauro Sodré, 1896, p. 5.<br />
27 CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializa<strong>do</strong>s: o Rio de Janeiro e a República que<br />
não foi. 3. ed. São Paulo: Companhia <strong>da</strong>s Letras, 1987.<br />
28 CARVALHO, José Murilo de. Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia no Brasil: o longo caminho. 6. ed. Rio de<br />
Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.<br />
29 CARVALHO, José Murilo de. Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia: tipos e percursos. Estu<strong>do</strong>s Históricos,<br />
Rio de Janeiro, n. 18, 1996.<br />
30 CARVALHO, José Murilo de; NEVES, Lucia Maria (Orgs.). Repensan<strong>do</strong> o Brasil <strong>do</strong><br />
Oitocentos: ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, política e liber<strong>da</strong>de. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.<br />
31 CUNHA, Olívia Gomes <strong>da</strong>; GOMES, Flávio <strong>do</strong>s Santos (Orgs.). Quaseci<strong>da</strong>dão:<br />
histórias e antropologias <strong>da</strong> pós-abolição no Brasil. Rio de Janeiro:<br />
Editora FGV, 2007.<br />
32 GRINBERG, Keila. O fia<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s brasileiros: ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, escravidão e direto civil no<br />
tempo de Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.<br />
33 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema: a formação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
Imperial. São Paulo: Hucitec, 1990.<br />
34 CARVALHO, José Murilo de. A Construção <strong>da</strong> Ordem: a elite política imperial.<br />
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.<br />
35 CARVALHO, José Murilo de. Teatro de Sombras: a política imperial. Rio de Janeiro:<br />
Civilização Brasileira, 2003.<br />
36 BARROSO, Wilson <strong>da</strong> Costa. Educação e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia no Republicanismo Paraense: a<br />
instrução pública primária nos anos de 1889 – 1897. Dissertação (mestra<strong>do</strong>)<br />
Universi<strong>da</strong>de <strong>Federal</strong> <strong>do</strong> Pará. Centro de Educação, Programa de Pós-<br />
Graduação em Educação. Belém-Pa: [s.n], 2006.<br />
37 Mensagem, Lauro Sodré, 1893, p. 6.<br />
38 BAKHTIN, Mikhail. Op. Cit.<br />
39 Mensagem, Lauro Sodré, 1896, p. 7.<br />
148 • Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos
40 BOURDIEU, Pierre. Economia <strong>da</strong>s trocas simbólicas. Op. Cit; BOURDIEU, Pierre.<br />
O poder simbólico. Op. Cit.; BOURDIEU, Pierre. A reprodução: elementos para uma<br />
teoria <strong>do</strong> sistema de ensino. Op. Cit.<br />
41 FARIAS, William Gaia. A Construção <strong>da</strong> República no Pará (1886-1897). Op. Cit.<br />
Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos • 149